RESUMO:
A resolução de crimes culmina muitas vezes com a identificação de um ofensor por parte da vítima. No entanto, tem sido verificado que as testemunhas oculares e auriculares são altamente falíveis, o que se tem revelado um tema de preocupação e de discussão entre investigadores forenses e entidades policiais. Uma vez que as investigações têm incidido maioritariamente nos sentidos da visão e da audição, propusemos uma nova linha de investigação que pretende estudar a possibilidade de o olfato também poder ser considerado na resolução de crimes. Em determinadas condições, as observações feitas pelas vítimas acerca do odor do ofensor podem desempenhar um papel determinante na fase investigativa do processo. A presente tese propõe como linha de investigação o “testemunho olfativo”, pretendendo perceber (i) a capacidade dos humanos na identificação de odores corporais de estranhos em alinhamento (um paradigma semelhante aos testemunhos ocular e auricular), (ii) a memória olfativa em contexto emocional e em contexto neutro, (iii) os efeitos de algumas variáveis (de sistema e estimadoras) na identificação do odor-alvo em alinhamento.
Todos os estudos apresentam, de uma forma geral, a mesma metodologia: exposição a vídeos reais (de crime ou neutros) e a apresentação simultânea de um odor corporal que é informado ser do elemento do sexo masculino que se vê no vídeo. Após uma pausa de 15 minutos, é apresentado um alinhamento com odores onde o odor-alvo está ou não presente. A metodologia foi ajustada especificamente para cada estudo. O Estudo 1 explorou o paradigma do testemunho ocular num contexto emocional (crime) e num contexto neutro (n = 80), com uma tarefa de reconhecimento forçada (i.e., o odor-alvo estava sempre presente). Os resultados demonstraram que em ambas as condições, o reconhecimento foi realizado acima do acaso, tendo sido verificado um desempenho estatisticamente significativo entre a condição crime (68%), comparativamente com a condição neutra (45%) (p ≤ .05). O Estudo 2 testou os efeitos do intervalo de retenção apenas na condição emocional (crime). Foi utilizado um intervalo de retenção curto (IRC, 15 minutos) e um intervalo de retenção longo (IRL, 1 semana). Os resultados mostraram um decréscimo na identificação na condição IRL. No IRC, os participantes foram capazes de identificar o odor-alvo acima do acaso (p ≤ .05). Ao fim de uma semana, a taxa de acerto não se diferenciou da probabilidade do acaso (p > .05). O Estudo 3 explorou os efeitos do tamanho do alinhamento na condição emocional. Foram apresentados alinhamentos de 3, 5 e 8 odores corporais. Os resultados revelaram que nas três condições o reconhecimento foi feito acima do acaso (p ≤ .05). No entanto, à medida que o alinhamento aumenta, a proporção de respostas corretas diminui, sugerindo que em alinhamentos pequenos o reconhecimento é mais eficaz. O Estudo 4 explorou o tipo de aprendizagem (acidental vs. intencional) na condição emocional (crime), com instruções diferenciadas para ambas. Os resultados mostraram a inexistência de diferenças significativas entre as condições, propondo que o reconhecimento olfativo não sofre interferências com as instruções e com o tipo de aprendizagem relativa ao odor-alvo no momento da codificação. O reconhecimento em ambas foi significativamente acima do acaso (p ≤ .05). O Estudo 5 manipulou a presença e a ausência do odor-alvo em alinhamentos de 5 odores corporais, na condição crime e na condição neutra. Os resultados revelaram que a memória olfativa parece funcionar melhor em alinhamentos onde o odor-alvo está presente. Uma vez mais, o reconhecimento em ambas as condições foi acima do acaso (p ≤ .05), verificando-se um desempenho superior na condição crime, o que corrobora e replica os resultados do Estudo 1. Finalmente, o Estudo 6 explorou o tipo de alinhamento (simultâneo vs. sequencial), manipulando a presença e a ausência do odor-alvo, em ambas as condições (crime e neutra). Foi possível identificar o odor-alvo, acima do acaso (p ≤ .05) nos dois tipos de alinhamento e o desempenho foi superior nos alinhamentos que têm o odor-alvo presente.
Foram realizadas análises agregadas de todos os estudos desenvolvidos de forma a perceber o efeito de variáveis como o sexo dos participantes, a posição serial do odor-alvo em alinhamento, o efeito das emoções negativas (stresse e ansiedade), e o efeito da confiança reportada na identificação olfativa. Os resultados não revelaram diferenças entre sexos no reconhecimento de odores para nenhuma condição. No que diz respeito à posição serial, assiste-se a um efeito de primazia nos alinhamentos simultâneos, mas não se assiste a nenhum efeito nos alinhamentos sequenciais, provavelmente devido ao tipo de instruções e ao tipo de julgamento diferenciado inerentes a cada tipo de alinhamento. Relativamente aos níveis subjetivos de stresse e de ansiedade, os participantes da condição emocional reportaram níveis mais elevados em todas as medidas aplicadas antes e depois da tarefa, comparativamente com os participantes da condição neutra. No entanto, apesar das diferenças, a média dos níveis reportados é baixa, pelo que não se pode inferir que os participantes experienciaram emoções negativas fortes que pudessem afetar o reconhecimento. Finalmente, os níveis de confiança dos participantes da condição crime foram superiores aos da condição neutra. No entanto, não existe uma correlação significativa entre os níveis de confiança e a precisão das respostas.
Pela primeira vez na literatura científica, mostrou-se que o reconhecimento de indivíduos através do odor corporal é possível (e significativamente acima do acaso) em alinhamentos com cinco odores corporais, onde o odor-alvo está presente. O ser humano é capaz de fazer a identificação quer numa condição emocional, quer numa condição neutra. No entanto, o reconhecimento na condição emocional parece ser potenciado, sugerindo que a emoção negativa associada a esse evento pode intensificar a recordação do odor em tarefas posteriores de reconhecimento. No entanto, apesar destes resultados interessantes e promissores, importa realçar que é necessária cautela na transposição para o contexto real. Para que o testemunho olfativo seja aplicado no terreno, ainda há um longo percurso pela frente. Ainda assim, este projeto de investigação demonstrou que o olfato pode ser uma ferramenta útil e efetiva em contextos forenses e que merece ser explorado em investigações futuras.
ABSTRACT:
The majority of criminal investigations frequently culminates in the identification of an offender by the victim. However, it has been shown that eye- and earwitnesses are highly fallible, which is proving a topic of concern and discussion among forensic investigators and law enforcement agencies. Since the research has mainly focused on the senses of sight and hearing, herein we proposed a new line of research that aims to study the possibility of olfaction to be considered in criminal investigations. Under certain conditions, the observations made by victims about the offender's body odor can play a decisive role in the investigative procedure. This thesis presents as a new research line the "nosewitness identification," intending to investigate (i) the ability of humans to identify body odors of strangers in lineups (a paradigm similar to that used in eye- and earwitnesses), (ii) the olfactory memory in neutral and emotional contexts (crime), (iii) the effects of some system and estimator variables in the identification of the culprit odor in lineups.
Generally, all the presented studies had the same methodology: exposure to real videos (crime or neutral) and the simultaneous presentation of a body odor that was informed to be from the male seen in the video. After 15 minutes, a lineup with odors was presented in which the culprit odor was present or not. The methodology was adjusted specifically for each study. Study 1 explored the paradigm of eyewitness testimony in an emotional (crime) and a neutral context (n = 80), in a forced-choice recognition task (i.e., the culprit odor was always present). The results showed that in both conditions, the identification was performed above chance level, showing a statistically diference in the crime condition performance (68%) compared to the neutral one (45%) (p ≤ .05). Study 2 tested the effects of retention interval only in the emotional condition (crime). A short retention interval (SRI, 15 minutes) and a long retention interval (LRI, 1 week) were used. The results showed a decrease in the identification in the LRI condition. In the SRI, participants were able to identify the culprit odor well above chance (p ≤ .05). However, after one week, the correct identification rate was not different from the probability of chance level (p > .05). Study 3 explored the effects of the lineup size on the emotional condition. Lineups with 3, 5 and 8 body odors were presented. The results showed that the correct identifications were above chance in all conditions (p ≤ .05). However, as the lineup increased, the proportion of correct identification decreased, suggesting that in small lineups, recognition is more effective. Study 4 explored the type of learning (intentional vs. incidental) on the emotional condition (crime), with different instructions for each one. The results showed no significant differences between conditions, suggesting that the olfactory identification did not impaired in function of the instructions and the type of learning at the encoding of the culprit odor. The correct identifications in both conditions were significantly above chance (p ≤ .05). Study 5 manipulated the presence and the absence of the culprit odor in lineups with 5 body odors, in the neutral and emotional conditions. The results showed that the olfactory memory seems to work better with lineups where the culprit odor was present. Once again, the correct identifications in both conditions were significantly above chance level (p ≤ .05), with a higher performance at the crime condition, which supports and replicates the results of the Study 1. Finally, Study 6 explored the type of lineup (simultaneous vs. sequential), manipulating the presence and absence of the culprit odor in both conditions (crime and neutral). It was possible to identify the culprit odor well above chance (p ≤ .05) in both types of lineup. Moreover, the performance rate was higher in lineups where the culprit odor was present.
Aggregated analyzes were performed for all studies in order to understand the effect of variables such as the participants’ sex, the serial position of the culprit odor in the lineup, the effects of negative emotions (stress and anxiety) and the confidence reported on nosewitness identification. The results revealed no differences between sexes in the identification of any condition. With respect to the serial position, the results showed a recency effect in the simultaneous lineups, but in the sequential lineups the results showed no significant effects, probably due to the type of instruction and to the different kind of judgment related to each lineup type. With regard to subjective levels of stress and anxiety, participants in the emotional condition reported higher levels in all measures assessed before and after the task, compared to participants in the neutral condition. However, despite the differences, the average levels were low, so it can not be inferred that participants experienced strong negative emotions that might have affected the identification. Finally, the levels of confidence of the participants of the crime condition were higher than in the neutral condition. However, there was a non significant correlation between the confidence levels and the correct identifications.
For the first time in the scientific literature it was demonstrated that identification of individuals through body odors is possible (and significantly above chance) in lineups with five body odors, where the culprit odor is present. The human being is capable of identifying either in an emotional condition or in a neutral one. However, the identification in the emotional condition appears to be enhanced, suggesting that the negative emotion associated with this event can strengthen the memory of the odor in later recognition tasks. Nevertheless, despite these interesting and promising results, some caution in conveying these results to the real context is required. For the nosewitness model to be implemented in the field, there is still a long way ahead. Still, this research project has shown that smell can be an useful and effective tool in forensic contexts and which deserves to be further explored.