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Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.18, n.1, p. 01-17, 2025
Sistemas acusatório e inquisitivo, tradições inquisitória e adversarial: análise
da adequação dos acordos penais ao modelo processual penal brasileiro
Accusatory and inquisitorial systems, inquisitorial and adversarial
traditions: analysis of the adequacy of penal agreements to the brazilian
criminal procedural model
Sistemas acusatorio e inquisitivo, tradiciones inquisitivas y adversariales:
análisis de la adecuación de los acuerdos penales al modelo procesal penal
brasileño
DOI: 10.55905/revconv.18n.1-295
Originals received: 12/16/2024
Acceptance for publication: 01/10/2025
Leticia Lemgruber Francischetto
Doutoranda em Direito
Instituição: Faculdade de Direito de Vitória
Endereço: Vitória – Espírito Santo, Brasil
E-mail: leticialemgruber@hotmail.com
Américo Bedê Freire Júnior
Doutor em Direito
Instituição: Faculdade de Direito de Vitória
Endereço: Vitória – Espírito Santo, Brasil
E-mail: bede@jfes.jus.br
RESUMO
Este artigo pretende analisar a adequação dos acordos penais ao modelo processual penal
brasileiro, comparando os sistemas acusatório e inquisitório e as tradições processuais
inquisitória e adversarial. Examina-se a influência de cada tradição no desenvolvimento do
direito processual penal brasileiro, reconhecendo o caráter híbrido do sistema. A metodologia
empregada trata-se de uma análise comparativa de fontes primárias (legislação, jurisprudência)
e secundárias (doutrina, artigos científicos), a fim de identificar os pontos de convergência e
divergência entre as tradições e o sistema processual brasileiro. A pesquisa se concentra na
seguinte questão central: o sistema processual penal brasileiro, com sua mescla de elementos
inquisitoriais e acusatórios, é compatível com a prática dos acordos penais? A análise demonstra
a compatibilidade dos acordos penais com a Constituição Federal e com a prática processual
brasileira. Conclui-se que a flexibilidade do sistema brasileiro permite a adoção de mecanismos
de negociação, desde que respeitados os princípios constitucionais e os direitos fundamentais.
Palavras-chave: acordos penais, sistema processual penal, tradição inquisitória, tradição
adversarial.
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ABSTRACT
This article aims to analyze the adequacy of plea bargains to the Brazilian criminal procedural
model, comparing the accusatory and inquisitorial systems and the inquisitorial and adversarial
procedural traditions. The influence of each tradition on the development of Brazilian criminal
procedural law is examined, recognizing the hybrid nature of the system. The methodology used
is a comparative analysis of primary sources (legislation, case law) and secondary sources
(doctrine, scientific articles), in order to identify points of convergence and divergence between
the traditions and the Brazilian procedural system. The research focuses on the following central
question: is the Brazilian criminal procedural system, with its mix of inquisitorial and accusatory
elements, compatible with the practice of plea bargains? The analysis demonstrates the
compatibility of plea bargains with the Federal Constitution and with Brazilian procedural
practice. It is concluded that the flexibility of the Brazilian system allows the adoption of
negotiation mechanisms, as long as constitutional principles and fundamental rights are
respected.
Keywords: penal agreements, criminal procedural system, inquisitorial tradition, adversarial
tradition.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo analizar la adecuación de los acuerdos penales al modelo
procesal penal brasileño, comparando los sistemas acusatorio e inquisitivo y las tradiciones
procesales inquisitivo y adversarial. Se examina la influencia de cada tradición en el desarrollo
del derecho procesal penal brasileño, reconociendo el carácter híbrido del sistema. La
metodología utilizada es un análisis comparativo de fuentes primarias (legislación,
jurisprudencia) y fuentes secundarias (doctrina, artículos científicos), con el fin de identificar
puntos de convergencia y divergencia entre las tradiciones y el sistema procesal brasileño. La
investigación se centra en la siguiente cuestión central: ¿el sistema procesal penal brasileño, con
su mezcla de elementos inquisitivos y acusatorios, es compatible con la práctica de acuerdos
penales? El análisis demuestra la compatibilidad de los acuerdos penales con la Constitución
Federal y con la práctica procesal brasileña. Se concluye que la flexibilidad del sistema brasileño
permite la adopción de mecanismos de negociación, siempre que se respeten los principios
constitucionales y los derechos fundamentales.
Palabras clave: acuerdos penales, sistema procesal penal, tradición inquisitiva, tradición
adversarial.
1 INTRODUÇÃO
A crescente globalização e a busca por soluções mais eficientes e céleres no sistema de
justiça criminal têm impulsionado a adoção de acordos penais em diversos países. Nenhum país
consegue processar e julgar todos os crimes cometidos por meio do processo judicial full trial,
que é aquele no qual é apresentada uma acusação formal, perante um juiz togado, seguida da
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produção de provas e defesa do infratos, para ao final ser proferida uma sentença, reconhecendo
a culpa ou a inocência. Este formato não se mostrou capaz de absorver toda demanda e dar uma
solução adequada, efetiva e célere para os interessados.
O Brasil consagrou a utilização de acordos penais na Constituição Federal e, desde a Lei
9099/1995, vários questionamentos foram formulados, em torno da possibilidade de solução de
um caso penal por meio de um acordo. Um dos debates se refere à compatibilidade dos acordos
penais com o sistema processual e a tradição processual brasileiros. Com sua peculiar tradição
jurídica que mescla elementos inquisitoriais e acusatórios, o Brasil apresenta um cenário ideal
para analisar a compatibilidade e as implicações da utilização de acordos penais.
Este artigo se propõe a investigar a adequação dos acordos penais ao modelo processual
penal brasileiro, confrontando-o com os paradigmas clássicos dos sistemas acusatório e
inquisitório. Para tanto, será realizada uma análise comparativa das tradições processuais
inquisitorial e adversarial, explorando suas principais características e influência na construção
dos sistemas jurídicos contemporâneos. A compreensão dessas tradições é crucial para entender
a complexidade do sistema brasileiro, que se caracteriza por um hibridismo marcante, resultado
de um longo processo histórico e influências diversas.
A pesquisa se concentra na seguinte questão central: o sistema processual penal brasileiro,
com sua mescla de elementos inquisitoriais e acusatórios, é compatível com a prática dos acordos
penais? Para responder a essa questão, o artigo analisará as características principais de cada
tradição processual – inquisitorial e adversarial – e, posteriormente, examinará a forma como
essas características se manifestam no sistema brasileiro.
O artigo está estruturado da seguinte maneira: inicialmente, serão apresentadas as
características fundamentais dos sistemas acusatório e inquisitório, bem como das tradições
processuais correspondentes. Em seguida, será realizada uma análise do sistema processual penal
brasileiro, destacando sua natureza híbrida e a influência de cada tradição em sua conformação.
Finalmente, o artigo apresenta as conclusões da pesquisa, respondendo à questão central e
discutindo as implicações dos achados para a prática jurídica e para a discussão acadêmica sobre
acordos penais no Brasil. As conclusões enfatizarão a necessidade de um equilíbrio entre a busca
da eficiência e a garantia dos direitos fundamentais no contexto da negociação penal.
Em suma, este trabalho busca contribuir para um melhor entendimento da complexa
interação entre as tradições processuais, o sistema jurídico brasileiro e a implementação de
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acordos penais, promovendo uma discussão mais aprofundada sobre a adequação e os desafios
dessa prática no contexto nacional.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 SISTEMAS PROCESSUAIS. MODELO BRASILEIRO.
Tradicionalmente, as abordagens históricas do direito comparado utilizam expressões
como família jurídica, sistema processual, tradição jurídica, entre outras, para se referirem à
forma de compreensão do direito ou mesmo à forma como o ordenamento jurídico de cada país
está organizado, variando bastante o enfoque das abordagens na doutrina.
René David menciona que “o agrupamento dos direitos em famílias é o meio próprio para
facilitar, reduzindo-os a um número restrito de tipos, a apresentação e a compreensão dos
diferentes direitos do mundo contemporâneo. Porém, não há concordância sobre o modo de
efetuar este agrupamento, e sobre quais famílias de direitos se deve, por conseguinte,
reconhecer”.
Para Mauro Fonseca Andrade, “o termo sistema jurídico pode ser inicialmente definido
como a reunião, conscientemente ordenada, de entes, conceitos, enunciados jurídicos, princípios
gerais, normas ou regras jurídicas, fazendo com que se estabeleça, entre os sistemas jurídicos e
esses elementos, uma relação de continente e conteúdo, respectivamente”.
O significado mais genérico da palavra sistema seria, portanto, “uma organização do
conhecimento humano em áreas determinadas e especializadas”, sendo os sistemas processuais
penais “subsistemas jurídicos formados a partir da reunião ordenada de elementos fixos e
variáveis de natureza processual penal”, “manifestações históricas de como o processo penal de
um determinado período da humanidade foi regulamentado”.
Para John Henry Merrymann e Rogelio Pérez-Perdomo, sistema jurídico seria “um
conjunto de instituições legais, processos e normas vigentes”, havendo “tantos sistemas jurídicos
quantos forem os estados e organizações internacionais”. Os sistemas jurídicos são
frequentemente reunidos sob uma mesma rubrica, a indicar que eles têm algo em comum, que os
distingue de outra rubrica. Os autores tratam essa comunhão única como tradição jurídica,
entendida como “um conjunto de atitudes historicamente condicionadas e profundamente
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enraizadas a respeito da natureza do direito e do seu papel na sociedade e na organização política,
sobre a forma adequada da organização e operação do sistema legal e, finalmente, sobre como o
direito deve ser produzido, aplicado, estudado, aperfeiçoado e ensinado. A tradição jurídica
coloca o sistema legal na perspectiva cultural da qual ele, em parte, é uma expressão”.
Ao estudar os sistemas processuais penais, Andrade adverte para o risco na manipulação
de conceitos para obtenção de resultados que convalidem posições ideológicas sobre
determinados temas, já que cada autor elege seu método ao escolher os elementos presentes na
conceituação daquele tipo ideal. Por isso o autor analisou a história e a atualidade de cada
“sistema processual” (enquanto regulamentação do processo penal em determinado local e
período histórico), a fim de identificar os elementos fixos (necessariamente presentes em sua
composição) e variáveis (poderão estar ausentes) de cada um.
Tais elementos foram identificados a partir da comparação de manifestações do sistema
acusatório no período clássico (Atenas e Roma no período republicano) e contemporâneo
(Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Portugal e Itália). O confronto revelou a inexistência de
um sistema acusatório que se aplique integralmente em todas as realidades estudadas. O exame
do direito clássico evidenciou que a forma de resolução de conflitos adotada inicialmente se
baseava na relação estabelecida entre o infrator e o sujeito ou órgão encarregado de reprimir as
violações à ordem social. Os problemas daí decorrentes levaram à formatação de uma estrutura
processual com previsão de solução dos conflitos por um terceiro, distante e acima dos
envolvidos diretamente. Entretanto, neste período o acusador popular e o acusador público
coexistiram, com predomínio do primeiro, o que refletia na impunidade, em acusações falsas,
falta de proteção do acusador e testemunhas, deturpação da verdade e não execução da sentença.
Em razão desses problemas, no sistema acusatório contemporâneo predomina o acusador
público. Dada a variedade de cada realidade histórica, Andrade analisou as conceituações da
doutrina, tendo reunido os elementos que usualmente são incluídos na definição do sistema
acusatório:
a) inércia ou inatividade do órgão encarregado de julgar, seja para iniciar ex officio o
processo, seja para buscar provas depois de sua instauração; b) existência de tribunais
populares; c) necessidade de um acusador popular ou particular que não se confunda
com o julgador, para que apresente e sustente a acusação até que se chegue à sentença;
d) o processo começa com a acusação formulada por um acusador popular ou particular
que deve ser distinto do juiz; e) presença dos princípios quem acusa investiga, da
igualdade, do contraditório, da publicidade e da oralidade; f) as sentenças dos tribunais
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populares são inapeláveis; g) liberdade do acusado, como regra; h) não interferência do
poder central ou do soberano na execução da sentença.
Confrontando cada elemento com a estruturação dos sistemas acusatórios no período
clássico e contemporâneo, concluiu o autor que todos podem ser validamente limitados, em
algumas circunstâncias, sem que o sistema processual adotado pelo país deixe de ser acusatório.
O único elemento presente em todas as manifestações históricas consideradas foi a
necessidade de um acusador diferente do juiz, por isso apontado como elemento fixo do sistema
acusatório. O autor ressalta ainda a importância da conceituação da acusação, enquanto elemento
secundário representativo do sistema acusatório, como única forma de se dar início ao processo,
que abrange a individualização do acusado, a descrição do fato ilícito praticado e o requerimento
de sanção.
O sistema inquisitivo, por sua vez, teve origem com a cognitio extra ordinem do direito
romano e se consolidou com a adoção do direito romano-canônico pela Monarquia Absolutista.
Depois de analisar o sistema inquisitivo católico e suas manifestações históricas na Espanha,
Portugal, França, Alemanha e Itália, Andrade reuniu os seguintes elementos, usualmente
presentes nos processos representativos deste sistema:
a) o acusador é prescindível ao processo, o que não implica sua completa exclusão do
sistema inquisitivo; b) o processo pode ser instaurado com o ajuizamento de uma
acusação, notitia criminis ou de ofício; c) o órgão encarregado de julgar está formado
por funcionários públicos, abandonando-se o modelo que admitia representantes do
povo; d) a persecução penal é regida pelo princípio de oficialidade; e) o procedimento
é secreto, escrito e sem um contraditório efetivo; f) há desigualdade entre as partes; g)
a obtenção das provas é uma tarefa inicial do juiz, ao invés de ser confiada
exclusivamente às partes; h) o juiz que investiga também julga; i) o sistema de provas
é o legal, com sua divisão em prova plena e semiplena; j) para a obtenção da prova
plena, admite-se a tortura do imputado e de testemunhas; l) possibilidade de defesa
quase nula; m) possibilidade de recurso contra a decisão de primeira instância; e n)
nulidade como consequência da inobservância das leis e formas estabelecidas.
Confrontando tais elementos com as expressões históricas do sistema inquisitivo,
concluiu Andrade que seus elementos fixos seriam a prescindibilidade da presença do acusador
e a possibilidade de o processo ter início com a acusação, notitia criminis ou de ofício.
Sob este critério, legislações contemporâneas da Alemanha, Itália e Espanha mantêm
previsões processuais típicas do sistema inquisitivo. Os artigos 170 e seguintes do StPO Alemão
possibilitam à vítima recorrer ao Judiciário para que este obrigue o Ministério Público a oferecer
a acusação. O artigo 409.4 do CPP italiano possibilita ao juiz não acolher o pedido de
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arquivamento das indagações preliminares do Ministério Público e determinar o prosseguimento
das investigações, ou que o Ministério Público ofereça sua acusação. O artigo 969 da LECrim da
Espanha prevê a prescindibilidade da acusação, equiparada à notitia criminis no juicio de faltas,
para permitir a persecução penal.
Por fim, Andrade aponta para um terceiro gênero de sistema processual, o sistema misto,
originariamente previsto no Code d´Instruction Criminelle de 1808 da França, que estabelecia
um processo dividido em duas fases, com um elemento fixo do sistema inquisitivo na primeira e
um elemento fixo do sistema acusatório na segunda. A primeira fase abrangia a investigação
criminal e podia ser aberta de ofício pelo juiz ou por notitia criminis, adotava o sigilo e o princípio
da escritura. A segunda se iniciava com a apresentação de uma acusação por pessoa diferente do
juiz e obedecia ao contraditório, à publicidade e à oralidade. Ambas eram fases processuais, já
que a fase de investigação, quando não realizada diretamente pelo juiz, era a ele enviada, para
decidir sobre a qualificação jurídica do crime. Essa sistemática recebeu alterações pela Lei
Constans (Lei de 08/12/1897) que introduziu, na primeira fase, o contraditório, o direito a um
defensor para o acusado, a liberdade provisória como regra e o princípio segundo o qual o juiz
que investiga não poder julgar.
Ou seja, a legitimidade para iniciar o processo e a forma como o processo é iniciado são
os vetores que caracterizam um sistema como acusatório, inquisitivo ou misto, no estudo de
Andrade, na medida em que só essas duas características de cada sistema processual não
mudaram ao longo da história. O autor ressalta, ainda, que o estudo dos “sistemas processuais
penais” abrange exclusivamente a fase processual da persecução penal, não abrangendo as
atividades de natureza administrativa anteriores à instauração do processo.
No Brasil, a Constituição Federal conferiu a exclusividade da ação penal ao Ministério
Público (artigo 129, I). A Lei 13.964/2019 implementou o juiz das garantias e previu, no artigo
3º-A do CPP, que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase
de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. No âmbito
infraconstitucional, o artigo 33, parágrafo único, da LC 35/1979, prevê uma investigação
criminal presidida pelo tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, diante de
crimes praticados por magistrados. E o artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal autoriza a investigação pelo Presidente do STF (ou pessoa por ele delegada) para crimes
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cometidos na sede ou nas dependências daquele Tribunal, se envolver autoridade ou pessoa
sujeita à sua jurisdição.
Por isso, partindo do critério proposto (legitimidade para iniciar o processo e a forma
como o processo é iniciado), para Andrade, as possibilidades autorizadas pelo artigo 33,
parágrafo único, da LC 35/1979 e pelo artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, configuram elementos do sistema misto, na medida em que versam sobre típicos
juizados de instrução (investigação criminal de natureza processual, tal qual prevista no Code
d´Instruction Criminelle de 1808 da França, ao contrário do inquérito policial, que tem natureza
administrativa). Para o autor, é exatamente a ausência de unidade em nosso ordenamento jurídico
que conduz à constatação de que não adotamos nenhum tipo de sistema processual penal.
2.2 TRADIÇÕES PROCESSUAIS. MODELO BRASILEIRO.
Para além da abordagem dos “sistemas processuais penais” em acusatório, inquisitivo ou
misto (de acordo com a legitimidade para iniciar o processo e a forma como ele é iniciado), o
direito comparado também estuda “tradições processuais”, que costumam ser relacionadas às
diferentes concepções sobre a finalidade do processo (compreensões de como os casos penais
devem ser processados e julgados), sobre os distintos meios de distribuição de poder entre os
atores processuais, sobre as diferentes formas de se preservar a imparcialidade do julgador ou,
ainda, sobre os distintos conceitos de verdade processual e sua inteiração com o direito
probatório.
Os dois modelos mais estudados, a tradição inquisitória (civil law, romano-germânico, de
investigação oficial) e adversarial (common law, anglo-saxã e norte-americana, de disputa), se
manifestam sob o sistema acusatório, pressupondo a distinção entre acusador e julgador. A
utilização do termo “sistema inquisitório” não deve ser confundida com o “sistema inquisitivo”,
que diz respeito à prescindibilidade do acusador e à possibilidade de o processo ter início pela
acusação, por notitia criminis ou de ofício pelo julgador.
E a atuação negocial do Ministério Público no direito punitivo, tal qual a adoção de
acordos penais em geral, tem espaço exatamente no sistema acusatório, já que pressupõe a
diferença entre órgãos acusador e julgador.
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Langer ensina que as escolas de direito comparado empregam as categorias teóricas
adversarial e inquisitorial em duas abordagens. Na primeira, cada uma dessas categorias seria
formada por um conjunto mínimo de características. A adoção desses traços mínimos
caracterizaria determinado modelo como adversarial ou inquisitorial. O problema é saber quais
particularidades devem ser alçadas a este denominador comum que caracteriza aquele conjunto
como adversarial ou inquisitorial. Além disso, quando uma dessas características não é adotada
por determinada jurisdição, seria necessário deixar de considerá-la como integrante daquela
categoria ou excluir a característica não adotada do rol mínimo afeto à categoria estudada. Por
fim, essa abordagem não tem utilidade em relação aos sistemas híbridos, que receberam
influência de ambas as categorias.
Na segunda abordagem, são utilizados tipos ideais para identificar um eixo referencial
que permite a comparação dos modelos e possibilita que uma jurisdição seja rotulada como mais
próxima de um ou do outro.
Para o autor, o primeiro modelo é um modelo de disputa, usualmente denominado sistema
adversarial (adversary system) e ligado à tradição de países do common law, no qual o processo
é concebido como uma disputa entre duas partes, perante um julgador passivo. O segundo é um
modelo de investigação oficial ou de desenvolvimento oficial, denominado sistema inquisitório
(inquisitorial system) e relacionado à tradição dos países da Europa ocidental, no qual o processo
é conduzido por um órgão oficial que se compromete a descobrir a verdade do caso (investigação
histórica sobre a hipótese acusatória). O primeiro ainda se caracterizaria pela divisão dos órgãos
decisórios entre jurados e um árbitro oficial, enquanto no segundo a decisão é exclusiva deste.
Exatamente porque o modelo adversarial é concebido como disputa entre duas partes
destinada a resolver o conflito (decorrente do relato da prática de um crime), a estrutura do
processo e os poderes processuais dos atores são marcados pela ampla discricionariedade da
acusação, pela existência de investigações prévias de ambos os lados na disputa (defesa e
acusação), pela discussão quanto à obrigação de divulgação das evidências colhidas entre as
partes, pela possibilidade de negociação da solução, pela função persuasória da prova, sendo
suficiente a prova do cometimento do crime para além de uma dúvida razoável para se chegar a
uma solução do conflito.
Enquanto isso, porque concebido como um modelo de investigação oficial cujo propósito
é reconstruir os fatos ocorridos, a fim de apurar a hipótese acusatória (se houve o crime e quem
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o praticou), o sistema inquisitório é marcado pela obrigatoriedade de investigação e persecução
do crime noticiado, por agentes imparciais que registram documentalmente a investigação, tendo
a defesa amplo acesso (até porque o compromisso dos órgãos oficiais é com a reconstrução dos
fatos e investigação da hipótese acusatória, seja ela favorável ou não ao acusado, e não com a
solução do conflito, o que explica a existência de uma investigação única, oficial). A preocupação
com a “apuração da verdade” de forma imparcial justifica uma vinculação maior dos atores
processuais às regras estabelecidas e um poder maior conferido ao órgão responsável pelo
julgamento, até para impedir que as partes ocultem fatos ou provas ou deles venham a dispor.
Ainda pelo mesmo fundamento, a confissão, por si só, não justifica o reconhecimento da prática
do crime e da culpa com consequente responsabilização do acusado. É imprescindível que o fato
e a autoria estejam demonstrados por outros elementos da investigação para justificar a imposição
de uma pena.
Diante das diferenças, para Langer interessa estudar as tradições enquanto estruturas de
interpretação e de significado, através das quais deve ser compreendido o processo penal e o
papel dos atores do sistema de justiça. Seria uma espécie de chave de leitura, uma lente para
compreensão da realidade e distribuição dos poderes dos atores processuais.
O autor destaca ainda que existe uma influência mútua entre um modelo processual
(enquanto estrutura de significado) e o comportamento dos atores do sistema de justiça. Estes
são moldados para agirem de certa maneira, através de processos de socialização (formações
acadêmicas, prática forense dos advogados, do Ministério Público e do Judiciário) que
contribuem para uma internacionalização, uma concretização de determinada tradição processual
(enquanto estrutura de significados e interpretação). E essa estrutura de significados, por sua vez,
se baseia em práticas sociais advindas da interação concreta entre os atores do sistema.
Exatamente por conta dessa reciprocidade, quando da adoção de uma técnica oriunda de outra
tradição, é essencial que se compreenda as culturas envolvidas, para melhor tradução da técnica
e adaptação à cultura receptora, inclusive como forma de se evitar resistência dos atores do
sistema de justiça.
No estudo de Cunha, as duas tradições processuais possuem o objetivo comum de busca
da verdade, na medida em que a verificação do fato ocorrido e a publicização da sentença penal
levam à restauração da paz social (sociedade toma conhecimento sobre a forma como Estado
respondeu àquele fato, cumprindo com isso o caráter preventivo da pena). Apesar do objetivo
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comum, eles compreendem de forma diferente a ideia de verdade no processo penal. O modelo
de investigação oficial estaria próximo à teoria da correspondência, de forma que a verdade
corresponde à realidade, aos fatos ocorridos no mundo fenomênico. Por isso o processo é
estruturado de forma a aumentar as chances de reconstrução dos fatos. Já o modelo de disputa
estaria mais próximo da teoria da verdade como consenso, segundo a qual a mesma é resultado
do consenso oriundo de um processo comunicativo completo e justo. Isso faz com que a
estruturação do processo prestigie as regras que disciplinam a interação entre as partes (fair trial)
e o respeito a essas regras legitime o sistema.
Zaneti Jr., ao analisar a lógica jurídica na perspectiva dos modelos probatórios das
tradições common law e romano-germânica, ensina que a tradição common law trabalha com o
método tópico-argumentativo de descoberta da verdade provável (conceito de verdade como
argumentação, admitindo-se a prova como argumento de discussão). Além disso, envolve um
processo simétrico, no qual as partes têm poderes e deveres iguais, marcado pela ausência do
Estado na investigação da verdade e pela jurisprudência como fonte primária do direito.
Enquanto isso, o modelo romano-germânico trabalha com a lógica jurídica formal e
demonstrativa (conceito científico da verdade, prova do fato como instrumento demonstrativo,
cindido do direito, sendo o julgador um aplicador lógico do direito).
A partir da concepção das tradições processuais da common law e da civil law como
modelos de disputa e de investigação oficial, respectivamente, que exprimem culturas diferentes,
concepções distintas da finalidade do processo e dos poderes dos atores processuais, importa
saber qual o modelo adotado no Brasil e se este modelo é ou não compatível com a atuação
negocial do Ministério Público.
Recorrendo mais uma vez ao ensinamento de Zaneti Jr., o direito constitucional brasileiro
possui matriz norte-americana e nosso direito infraconstitucional matriz europeia continental.
Desde a Constituição Republicana de 1891, o Brasil recepcionou do direito constitucional norte-
americano o sistema uno de jurisdição e a possibilidade do Judiciário de controlar a
constitucionalidade das leis (controle difuso, incidenter tantum) e dos atos do poder público
(inafastabilidade da jurisdição). Paralelamente, recepcionamos da tradição romano-germânica
nosso direito público infraconstitucional (processual e administrativo) e o direito penal. A
tradição brasileira, portanto, é híbrida.
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No caso, a instituição da súmula vinculante pela Emenda Constitucional 45/2004 e a
valorização dos precedentes judiciais pelo Código de Processo Civil de 2015 também seriam
outras demonstrações de incorporação de técnicas oriundas do modelo common law, a justificar
a conclusão no sentido de que nossa tradição, de fato, é híbrida.
2.3 DA INEXISTÊNCIA DE MODELOS PUROS E DA INTERPENETRAÇÃO ENTRE OS
SISTEMAS E TRADIÇÕES.
O que a aparente incompatibilidade entre a civil law e a common law, retratada no tópico
anterior, reflete, na verdade, é a aproximação entre as tradições jurídicas e a plena possibilidade
de intercâmbio de técnicas entre elas, observadas as adaptações para receptividade em cada
tradição.
Em que pese as contraposições das tradições, não existem modelos puros. A história
evidencia que houve “muito movimento” na formação dos fundamentos de cada tradição. Tanto
o direito romano quanto a common law desenvolveram formas de participação do público para
desenvolver o direito em uma estrutura institucional, cada um à sua maneira. A partir dos pontos
de partida desenvolvidos, aguardaram anos para formação da tradição. A tradição do direito
romano não surgiu de uma legislação ou de uma codificação. Havia uma legislação ocasional,
para questões excepcionais, com praticamente nenhum impacto na vida das pessoas, conferindo
legitimidade ao caráter participativo do processo. Só para ficar na frente de um juiz, diretamente
e sem triagem oficial, Roma levou mil anos. Patrick Glenn chama atenção para o fato de que, dos
elementos atualmente relacionados ao civil law (códigos, juiz investigativo, negação da
legislação judicial, prestígio dos professores de direito, dentre outros), alguns são muito antigos
e outros muito recentes. Do outro lado, o próprio plea bargaining não era parte integrante da
tradição de common law americana, fundamentada no direito ao julgamento pelo júri popular
(Bill of Rights), tendo sido formalmente reconhecido apenas nos anos setenta, como acentua Ana
Lara Camargo Castro.
Mesmo com todo esse movimento, a tradição common law não foi capaz de atender a
todas as demandas e muitos países oriundos desta tradição já adotam várias leis escritas. O
mesmo ocorreu com os países de tradição romano-germânica, nos quais o paradigma legalista
foi substituído por técnicas legislativas abertas, princípios gerais e adoção da jurisprudência
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como forma de conferir estabilidade ao sistema. Não é mais realista falar em incompatibilidades
paradigmáticas entre as duas tradições; não existem mais diferenças substanciais. Os mundos de
uma e de outra tradição não estão isolados um do outro; eles têm múltiplos contatos e influências
recíprocas.
Sob a ótica do processo penal, afirmar que na tradição civil law ele é inquisitorial e na
tradição common law ele é acusatório representa uma acusação imprecisa e enganadora no que
se refere ao processo penal contemporâneo. Causas como a descodificação, a
constitucionalização e a federalização vêm transformando a tradição civil law. Para Glenn, a
quantidade de reversões e recomeços experimentados pela tradição civil law parece demonstrar
que a mudança no direito continental talvez seja seu traço marcante, sua tradição.
Merryman e Pérez-Perdomo sustentam que, ainda que a tradição mude, ela segue um
padrão e as mudanças vêm com as formas determinadas pelas experiências do passado. Já para
Busato, a tendência é um pensamento cada vez mais universalizado, com a interpenetração entre
as tradições, até mesmo por conta da globalização.
2.4 RASIL: UM MODELO HÍBRIDO, COMPATÍVEL COM OS ACORDOS PENAIS?
Essa aproximação e interpenetração se aplica também à tradição específica do processo
penal brasileiro (de investigação oficial, romano-germânica). O fato de a nossa tradição
processual penal ser oriunda do modelo inquisitorial não significa que jamais poderemos adotar
técnicas oriundas do sistema adversarial. Tanto é que isso vem acontecendo desde 1988, quando
a própria Constituição Federal autorizou transações para solução de casos penais, regulamentadas
posteriormente na Lei 9.099/95. Ainda, o próprio Supremo Tribunal Federal homologou
inúmeros acordos de colaboração premiada firmados no âmbito da Operação Lava Jato com
cláusulas extralegais, e os atores do nosso sistema de justiça ajustaram suas atuações de acordo
com esse modelo em vários casos penais (197 acordos de colaboração premiada homologados
no STF até 2018).
Uma tradição jurídica não é uma bolha nem um escudo que isola determinado país dos
demais. Não se trata de um jogo de tudo ou nada. E a adoção da técnica de uma tradição por outra
não transforma, por si só, a tradição do país receptor.
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Reconhecer que não existem tradições puras, mas, pelo contrário, uma tendência de
harmonização das tradições adversarial e inquisitorial impacta na conclusão de que a tradição
brasileira (geral híbrida e inquisitorial do processo penal) é absolutamente compatível com os
acordos penais e com a atuação negocial do Ministério Público no direito punitivo. Neste ponto,
ressalva-se o entendimento do autor Américo Bedê Jr, no sentido do modelo adotado pelo Brasil
ser o do sistema acusatório, também compatível com os acordos penais.
A abordagem das tradições processuais enquanto lentes para compreensão da realidade e
distribuição dos poderes dos atores processuais tem o grande mérito de contribuir na tradução de
uma técnica para sua receptividade numa outra cultura. Mas a análise da juridicidade dos
comportamentos dos atores processuais há de ser feita a partir da Constituição Federal. Não se
pode substituir o paradigma constitucional pelo paradigma da tradição processual, enquanto
estrutura de interpretação.
Exatamente em razão disso, não se pode concordar com a recusa de homologação de
acordos sob o fundamento de que a discricionariedade na pactuação das cláusulas, entre o
Ministério Público e o infrator, é incompatível com o modelo romano-germânico adotado no
Brasil. Nesse sentido foi a decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo
Lewandowski, na Pet. 7265-DF, em 14/11/2017, cujo raciocínio foi acompanhado pelo Ministro
Alexandre de Moraes.
Ora, a juridicidade da atuação negocial do Ministério Público no direito punitivo há de
ser analisada com fundamento na Constituição Federal. A avaliação os acordos penais e das
cláusulas pactuadas não pode ter por fundamento a menção rasa e superficial à tradição
processual brasileira, como impeditivo aos acordos, em razão da complexidade acima
explicitada. O fundamento há de ser a força normativa da Constituição e a legislação em vigor.
Independentemente da concepção que cada doutrinador possua, relacionada à cultura
processual penal brasileira (se adversarial, inquisitorial ou mista), a tradição processual não
possui força vinculante ou um caráter mandamental superior ao nosso ordenamento jurídico, a
fim de justificar a obrigatoriedade do exercício da ação penal, a inexistência de
discricionariedade do Ministério Público ou a proibição de renúncias aos direitos fundamentais
nos acordos.
A Constituição Federal de 1988 é o fator de unidade do ordenamento jurídico brasileiro,
a fornecer fundamentos para uma correlação necessária entre as tradições constitutivas da nossa
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cultura. E, como visto, o que existe é um diálogo da tradição híbrida brasileira com a Constituição
Federal.
Tanto a Carta Maior quanto as leis possuem um papel de mudança cultural. As normas
influenciam a cultura e acabam integrando a tradição de determinado país. As inúmeras leis
promulgadas nos últimos anos autorizando negócios jurídicos pelo poder público e inclusive no
âmbito do direito punitivo foram promulgadas para um estado de coisas (celeridade da resposta
estatal e obtenção de meios de prova em ilícitos complexos). Tais normas passaram a fazer parte
da tradição brasileira, influenciaram nossa cultura e implicaram inclusive em novas leituras
constitucionais.
3 METODOLOGIA
A metodologia empregada envolverá uma análise comparativa de fontes primárias
(legislação, jurisprudência) e secundárias (doutrina, artigos científicos), a fim de identificar os
pontos de convergência e divergência entre as tradições e o sistema processual brasileiro.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise comparativa entre os sistemas acusatório e inquisitório, bem como das tradições
processuais inquisitorial e adversarial, permitiu concluir que o sistema processual penal brasileiro
apresenta um caráter nitidamente híbrido, incorporando elementos de ambas as tradições.
Embora suas raízes históricas estejam fortemente ancoradas na tradição inquisitorial, a
Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional, influenciadas por influxos da
tradição adversarial, têm promovido uma crescente flexibilização processual. Essa flexibilização
se manifesta em diversos aspectos, incluindo a ampliação dos meios de obtenção de provas, a
garantia do contraditório e da ampla defesa, e a crescente valorização da cooperação entre as
partes.
A compatibilidade dos acordos penais com o sistema processual penal brasileiro,
portanto, não pode ser analisada sob a ótica de uma rígida dicotomia entre os modelos puro
acusatório e puro inquisitório. A realidade prática demonstra que o sistema brasileiro, em sua
complexidade e hibridismo, permite e, em muitos casos, fomenta a negociação entre o Ministério
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Público e a defesa, buscando soluções mais céleres e justas para os conflitos penais. A
Constituição Federal, ao garantir o devido processo legal e os direitos fundamentais, estabelece
o arcabouço necessário para a validação de tais acordos.
5 CONCLUSÃO
A flexibilidade inerente ao sistema processual brasileiro se mostra particularmente
relevante no contexto dos acordos penais. A possibilidade de negociação de soluções
equivalentes a uma pena, desde que respeitados os princípios constitucionais e os direitos
fundamentais, contribui para uma maior eficiência do sistema, reduzindo o tempo e os custos
processuais, e permitindo a aplicação de penas mais individualizadas e proporcionais às
circunstâncias de cada caso concreto. A experiência prática, no entanto, revela a necessidade de
mecanismos de controle e supervisão para garantir a transparência e a equidade na celebração
desses acordos.
A coexistência de elementos inquisitoriais e acusatórios no sistema brasileiro também
apresenta desafios para a implementação dos acordos penais. A tradição inquisitorial, com seu
enfoque na busca da verdade material e na atuação proativa do Estado, pode gerar tensões com
os princípios da autonomia da vontade e da negociação que caracterizam os acordos penais. É
fundamental, portanto, que a negociação se desenvolva com a observância escrupulosa dos
direitos e garantias fundamentais, evitando a criação de assimetrias que comprometam a
igualdade de braços das partes envolvidas.
Em conclusão, a análise demonstra a compatibilidade dos acordos penais com o sistema
processual penal brasileiro, desde que respeitados os princípios constitucionais e os direitos
fundamentais. A natureza híbrida do sistema brasileiro, embora apresente desafios, também
oferece a flexibilidade necessária para a negociação e a busca por soluções justas e eficientes nos
conflitos penais. A consolidação da prática de acordos penais no Brasil demanda, contudo, a
contínua evolução da legislação e da jurisprudência, assegurando a transparência, a equidade e a
plena proteção dos direitos e garantias individuais. Pesquisas futuras poderão explorar os
mecanismos de controle e as estratégias para minimizar as assimetrias na prática dos acordos
penais, aperfeiçoando seu funcionamento e fortalecendo a garantia de direitos no contexto da
negociação penal.
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