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R S S
V G I
(O)
ExpEriEnciar E intErprEtar na Educação
Em ciências E na Educação ambiEntal
Perspectivas Fenomenológicas e Hermenêuticas
Editora Ilustração
Santo Ângelo – Brasil
2025
Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720
E-mail: eilustracao@gmail.com
www.editorailustracao.com.br
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0
Editor-Chefe: Fábio César Junges
Revisão: Os autores
Fotografia da Capa: Julião Freitas Martinez
CATALOGAÇÃO NA FONTE
E96 Experienciar e interpretar na educação em ciências e na educação
ambiental [recurso eletrônico] : perspectivas fenomenológicas
e hermenêuticas / organizadores: Robson Simplicio de Sousa,
Valéria Ghisloti Iared. - Santo Ângelo : Ilustração, 2025.
299 p.
ISBN 978-65-6135-076-1
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1
1. Ensino de Ciências. 2. Educação ambiental. I. Sousa,
Robson Simplicio (org.). II. Iared, Valéria Ghisloti (org.).
CDU: 37:5
Conselho Editorial - Ilustração
Dra. Adriana Maria Andreis UFFS, Chapecó, SC, Brasil
Dra. Adriana Mattar Maamari UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil
Dra. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Dr. Clemente Herrero Fabregat UAM, Madri, Espanha
Dr. Daniel Vindas Sánches UNA, San Jose, Costa Rica
Dra. Denise Tatiane Girardon dos Santos UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil
Dr. Domingos Benedetti Rodrigues UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil
Dr. Edemar Rotta UFFS, Cerro Largo, RS, Brasil
Dr. Edivaldo José Bortoleto UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil
Dra. Elizabeth Fontoura Dorneles UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil
Dr. Evaldo Becker UFS, São Cristóvão, SE, Brasil
Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil
Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina
Dr. Héctor V. Castanheda Midence USAC, Guatemala
Dr. José Pedro Boufleuer UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil
Dra. Keiciane C. Drehmer-Marques UFSC, Florianópolis, RS, Brasil
Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil
Dra. Maria Cristina Leandro Ferreira UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil
Dra. Neusa Maria John Scheid URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Dra. Odete Maria de Oliveira UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil
Dra. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Dr. Roque Ismael da Costa Güllich UFFS, Cerro Largo, RS, Brasil
Dra. Salete Oro Boff ATITUS, Passo Fundo, RS, Brasil
Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil
Dr. Vantoir Roberto Brancher IFFAR, Santa Maria, RS, Brasil
Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.
Sumário
Apresentação ........................................................................................11
Robson Simplicio de Sousa
Valéria Ghisloti Iared
Capítulo 1 - Fenomenologia e Hermenêutica Filosófica no Horizonte da
Educação em Ciências .......................................................................... 15
Luiz Gilberto Kronbauer
Parte I: Hermenêutica na Educação em Ciências e áreas afins ����������31
Capítulo 2 - A atualidade hermenêutica de Aristóteles e o problema
hermenêutico da aplicação: algumas considerações a partir do horizonte
de um professor de química .................................................................. 33
Samuel Robaert
Capítulo 3 - Educação em Ciências e a Hermenêutica Dialógica de
Martin Eger ..........................................................................................47
Jéssica Boeira Milane
Robson Simplicio de Sousa
Capítulo 4 - Experiências Estéticas na Educação em Ciências: articulações
a partir da Bildung de Hans-Georg Gadamer ........................................ 61
Ana Paula Carvalho do Carmo
Robson Simplicio de Sousa
Capítulo 5 - Músicas clássicas com atividades de cálculo mental:
experiência estética, filosofia e hermenêutica em um relato de
experiência ...........................................................................................75
Ruth Edite Cosme
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Parte II: Experiência Estética na Educação em Ciências e áreas
afins �������������������������������������������������������������������������������������������������89
Capítulo 6 - A potencialidade da obra de Primo Levi no processo de
humanização entre Ciências e Literatura: caminhos diversos na formação
de professoras e de professores em Educação em Ciências ..................... 91
Jackson Luís Martins Cacciamani
Ronaldo Aurélio Gimenes Garcia
Capítulo 7 - As áreas verdes nas escolas estaduais do Núcleo Regional de
Toledo ................................................................................................ 101
Maria Victória Castanha Bedin
Valéria Ghisloti Iared
Capítulo 8 - As relações estético-afetivas na pedagogia waldorf: uma
revisão de literatura ............................................................................113
Helen Abdom Gomes
Valéria Ghisloti Iared
Capítulo 9 - Emoções˜sensações˜sentimentos˜pertencimento na cidade:
educação da atenção no espaço urbano ............................................... 127
Marcelo Messias Henriques
Valéria Ghisloti Iared
Capítulo 10 - O Teatro do Oprimido em aproximações com Hans-Georg
Gadamer: (des,re)construindo narrativas científicas ............................141
Janaína Bárbara Rangel Silva
Valéria de Souza Marcelino
Capítulo 11 - Uma nova escola da mente e do corpo ..........................157
Rafaela Kosinski
Valéria Ghisloti Iared
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Parte III: Metodologias Qualitativas Fenomenológicas e
Hermenêuticas na Educação em Ciências e áreas afins ������������������167
Capítulo 12 - Investigando currículos escolares sob a ótica da Análise
Textual Discursiva: o que tem de hermenêutico nisso? ........................ 169
Leonardo de Oliveira Muniz
Valéria de Souza Marcelino
Capítulo 13 - O que é isso que se mostra da/na ATD: o olhar
investigativo do pesquisador ............................................................... 183
Rita de Cássia Albertinazi Mizuno
Luciene Silva Primo de Oliveira
Vivian dos Santos Calixto
Capítulo 14 - O que pode ser pesquisa? Método em movimento ........199
Douglas Marques de Almeida
Valéria Ghisloti Iared
Capítulo 15 - Nas profundezas do ser: uma odisseia no desvelar das novas
compreensões do fenômeno ................................................................211
Selton Jordan Vital Batista
Marcio Brito de Oliveira
Vivian dos Santos Calixto
Parte IV: Fenomenologia na Educação em Ciências e áreas afins ����223
Capítulo 16 - A criança para Merleau-Ponty e seus intérpretes: lentes para
uma educação fenomenológica em Ciências na infância .....................225
Valdirene Aparecida Araujo dos Santos
Robson Simplicio de Sousa
Capítulo 17 - Educação Ambiental e Educação em Saúde: reflexões sobre
os currículos dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas .........239
Daiane Poletini Massuchin
Valéria Ghisloti Iared
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Tiago Venturi
Capítulo 18 - Experiências estéticas no atelier científico a partir da
fenomenologia da dança ..................................................................... 251
Amanda Dal Molin Kruger
Robson Simplicio de Sousa
Capítulo 19 - Fenomenologia na Educação em Ciências sob o olhar de
Edvin Østergaard ...............................................................................265
Ritchielli Cristine Schröder Coimbra
Robson Simplicio de Sousa
Roberta Chiesa Bartelmebs
Capítulo 20 - Fenomenologia em Educação em Ciências por uma
principiante ........................................................................................ 279
Maria do Carmo Galiazzi
Apresentação
Robson Simplicio de Sousa
Valéria Ghisloti Iared
(Organizadores)
Embora a pesquisa em Educação em Ciências e em Educação
Ambiental nas perspectivas Fenomenológica e Hermenêutica
tenham seus pressupostos já consolidados em contextos estrangeiros
pelo menos desde a década de 90, essas linhas investigativas têm sido
incorporadas por parte de pesquisadores brasileiros, especialmente, a partir
de desdobramentos de pesquisas de mestrado e doutorado. A pós-graduação
em Educação em Ciências tem sido, portanto, o lócus de pesquisas que
tratam dessa temática.
Em um movimento de confluência de pesquisas, este livro é resultado
do I Colóquio de Pesquisa em Educação em Ciências Fenomenológica
e Hermenêutica1 sediado virtualmente na Universidade Federal do
Paraná, Setor Palotina, em 05, 06 e 07 de fevereiro de 2024, e teve por
finalidade reunir grupos de pesquisa e demais pesquisadores interessados
em pressupostos filosóficos na Educação em Ciências e na Educação
Ambiental em uma perspectiva vinculada às tradições da Fenomenologia
e da Hermenêutica. O evento buscou, com isso, fomentar o diálogo entre
estudantes de graduação, pós-graduação e pesquisadores que se dedicam a
pensar a Educação em Ciências, Educação Ambiental e áreas afins pela via
experiencial e interpretativa. Além disso, propôs comunicar as pesquisas
realizadas em distintos processos formativos de Ciências que se vinculam às
perspectivas fenomenológica e hermenêutica. Trata-se da primeira edição
do evento que visa agregar pesquisadores de distintas regiões do Brasil
para comunicar suas produções e sinalizar a existência de investigações em
torno dessas linhas de pesquisa.
O Colóquio de Pesquisa em Educação em Ciências Fenomenológica
e Hermenêutica emerge de uma necessidade de coordenadores e integrantes
de seis grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisa JANO: Filosofia e História
na Educação em Ciências - Universidade Federal do Paraná (UFPR);
Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental e Cultura da Sustentabilidade
1 https://jano.ufpr.br/coloquio-de-pesquisa-em-educacao-em-ciencias-fenomenologica-e-
hermeneutica/
12 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
(GPEACS) - Universidade Federal do Paraná (UFPR); Grupo de Estudos e
Pesquisa Horizontes Compreensivos na Educação em Ciências e Química
(GEPHCECQ) - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD);
Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências Naturais (GPECieN) -
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); Comunidades Aprendentes
em Educação Ambiental, Ciências e Matemática (CEAMECIM) –
Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação e Teatro – GEPETO – Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM).
Foram de interesse do I Colóquio trabalhos que apresentassem:
articulação da perspectiva fenomenológica e/ou hermenêutica com a
Educação em Ciências, Educação Ambiental e áreas afins, sobretudo
trabalhos com perspectiva histórica, antropológica, filosófica, neurocientífica
ou sociocientíficas; teorias de formação, educação ou aprendizagem
na Educação em Ciências e áreas afins associadas à Fenomenologia e/
ou à Hermenêutica; elementos teóricos e/ou práticos de aprendizagem,
educação e formação na Educação em Ciências que sejam interpretados
sobre o ponto de vista da ética, da estética, da linguagem, da história,
da corporeidade, da existência e outros associados à Fenomenologia e/
ou à Hermenêutica; pressupostos fenomenológicos e hermenêuticos em
metodologias de pesquisa e análise em Educação em Ciências e áreas afins.
Assim, o Colóquio teve como intenções: estabelecer um coletivo
de estudantes e pesquisadores em torno da linha de pesquisa em Educação
em Ciências e áreas afins fenomenológica e hermenêutica; compartilhar
produções de graduação, pós-graduação e de pesquisadores em torno
da temática de interesse; dialogar acerca da influência das correntes
filosóficas supracitadas na Educação em Ciências e áreas afins de modo
teórico-prático; ampliar a compreensão sobre os âmbitos metodológicos
de pesquisas em Educação em Ciências e áreas afins que são marcados pela
Fenomenologia e pela Hermenêutica; promover parcerias investigativas a
partir da interlocução entre diferentes pesquisadores e estudantes.
A organização deste evento teve como horizonte nos abrirmos
ao diálogo. Um diálogo autêntico em direção à Educação em Ciências,
à Educação Ambiental e à educação ético-estética que possibilitem
nos formarmos em um alargamento de percepções, de experiências, de
interpretações que nos levem a compreender melhor o mundo-vida.
Isso porque a racionalidade técnico-científica em que se baseiam nossos
contextos educativos, especialmente em ciências naturais, muitas vezes,
desconsidera a sensorialidade perceptual, as experiências vividas, as
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 13
interpretações carregadas de historicidade que dão sentido ao educar para
sermos-no-mundo. Ou seja, o diálogo aqui é entre professores de ciências,
alunos, pesquisadores, coisas no/do mundo, tradições históricas da
ciência, textos científicos e aquilo que puder ser percebido, experienciado,
interpretado e compreendido.
Isso tem, portanto, um caráter de experiência com e no mundo.
Entretanto, como nos traz Larrosa, a ciência moderna iniciada por Francis
Bacon e elaborada em René Descartes desconfia da experiência e a converte
em método como caminho seguro e previsível e, por isso, a experiência foi
convertida em experimento nas ciências experimentais pelas quais se pode
conhecer a verdade pela via da dominação (Bondía, 2002). Não é essa
experiência que aqui nos propomos.
Nicholas Davey, um hermeneuta gadameriano, assim nos fala sobre
as experiências:
As experiências, entendidas como encontros com significados, são
negociações contínuas e transformações de significado. Implicam um
processo de “participar”, de sermos absorvidos e “acompanharmos”
algo maior do que nós mesmos. São os elementos transcendentes
da experiência (linguagem, tradição) que permitem transformar os
horizontes do sujeito. Como ocasiões de encontro, as experiências não
devem ser pensadas em termos de sujeito-objeto, como um “leitor
encontrando um texto” ou um “espectador vendo uma pintura”. Em
vez disso, devem ser pensados como colisões e encontros entre vários
horizontes de significado que moldam de forma variada as expectativas
históricas globais, as tradições religiosas e políticas locais, as diferentes
perspectivas linguísticas nacionais e as narrativas familiares e
comunitárias, bem como articulando esperanças e projetos individuais
em continuidade e caminhos indefinidos. O fato de tais horizontes
poderem obviamente desafiarem-se e contradizerem-se entre si não é o
ponto: são as novas e adicionais determinações de significado que tais
colisões dão origem que são hermeneuticamente significativas. (Davey,
2016, p. 329).
Buscamos, assim, uma Educação em Ciências como uma experiência
de viajar, de arriscar-se, em uma dimensão de travessia e perigo (Bondía,
2002). Isto para que alcancemos a sensação de sermos carregados, de
sermos levados e de sermos transformados por processos culturalmente
interativos que transcendam o sujeito individual, isto é, uma sensação
de jornada, de movimento, de transformação e de necessidade de tempo
(Davey, 2016).
Como resultado desse convite à experiência, estivemos três dias
imersos em discussões frutíferas e mobilizadoras que nos permitiram
14 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
identificar os avanços e os desafios desses referenciais teóricos-
metodológicos. A robustez dos trabalhos nos levou a organizar esse livro
constituído por 18 pesquisas apresentadas durante o colóquio, as quais
foram subdivididas em quatro sessões temáticas:
1. Hermenêutica na Educação em Ciências e áreas afins;
2. Experiência Estética na Educação em Ciências e áreas afins;
3. Metodologias Qualitativas Fenomenológicas e Hermenêuticas
na Educação em Ciências;
4. Fenomenologia na Educação em Ciências e áreas afins.
Contamos com 62 participantes de 13 instituições federais,
estaduais e municipais do Sul, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Norte
do país. Compilamos, neste livro, 18 textos apresentados nas sessões do
evento elaborados por estudantes de graduação, mestrado, doutorado,
professores da educação básica e pesquisadores. Especial destaque para
os textos “Fenomenologia e Hermenêutica Filosófica no Horizonte da
Educação em Ciências” de autoria do Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer
da Universidade Federal de Santa Maria, conferencista de abertura, e
“Fenomenologia em Educação em Ciências por uma Principiante” de
autoria da Profa. Dra. Maria do Carmo Galiazzi da Universidade Federal
do Rio Grande, conferencista de encerramento. Agradecemos a todos e a
todas pelas contribuições que aqui apresentamos.
Diante disso, propomos um exercício. Uma experiência. Estejamos
atentos ao que se apresenta. Percebamos atentamente sons, cores, texturas,
seres vivos, coisas não-vivas e o ambiente que aparece, além do próprio
caminho que trilharemos juntos. Percebamos em abertura o que aparece
no caminhar entre os textos2.
Palotina (PR), abril de 2024.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, 2002.
DAVEY, Nicholas. Lived Experience: Erlebnis and Erfahrung. In:
KEANE, Niall; LAWN, Chris (Eds.). e Blackwell Companion to
Hermeneutics, John Wiley & Sons, 2015. p. 326-332.
2 Vídeo de abertura do I Colóquio de Pesquisa em Educação em Ciências Fenomenológica e
Hermenêutica disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XnSeCkNlqNo
Capítulo 1
Fenomenologia e Hermenêutica Filosófica no
Horizonte da Educação em Ciências
Luiz Gilberto Kronbauer1
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.15-30
Breve consideração sobre a estrutura da obra Verdade é Método
Compreender é algo de que não podemos nos desvencilhar e
que não pode, de forma alguma, ser restringido apenas aos
ambientes acadêmicos. Compreender perfaz o todo da existência. Por
isso que Gadamer define, a princípio, o ser humano como “eis-aí-ser-
compreendendo”, isto é, como ser de compreensão. Dar conta desse ser e
tudo que está implicado no fenômeno da compreensão é a tarefa primeira
e contínua da Hermenêutica Filosófica. Desde a formação inicial, com a
experiência ao modo da arte, no diálogo com a estrutura lógica de “jogo”,
de idas e vindas, perguntas e respostas, até a concretude do meio no qual
com o qual e através do qual o compreender acontece, isto é, a linguagem,
a obra Verdade e Método vai se aproximando dessa tarefa, enquanto que
vai circulando por ela e em tono dela.
Quando passamos a estudar essa obra de Gadamer nessa perspectiva
e levarmos em conta o objetivo de Gadamer, de mostrar a especificidade
das humanidades e sua importância fundamental para a práxis em geral e,
a educação em particular, podemos, aos poucos, compreender melhor a
inteireza dessa obra, desde a recuperação dos conceitos-guia humanísticos
e da libertação da experiência de arte com relação à concepção modernas,
para poder tomá-la como modelo de Experiência Hermenêutica (primeira
parte), passando pela problematização da questão da verdade à compreensão
das ciências do espírito (humanidades) segunda parte, em que figuram as
reflexões sobre a circularidade da compreensão (Gadamer, 1998, p. 400),
o princípio da história efeitual ou da vigência da tradição, a recuperação
1 Doutor em Educação pela UFRGS - Professor Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFSM, lotado no Departamento de Fundamentos da Educação.
16 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
do pré-conceito na forma de horizonte prévio de compreensão, (Gadamer,
1998, p. 416), passando pelo problema da aplicação com o recurso ao
exemplo da tradição, com Aristóteles (Gadamer, 1998 p. 459 e 465),
para terminar segunda parte com o direcionamento que vai da estrutura
de abertura da Experiência Hermenêutica para a lógica de pergunta e
resposta, própria da dialogicidade do ser humano, da compreensão e da
linguagem. Essa, que por sua vez, ponto de chegada na exposição da obra,
mas que esteve presente em todo o percurso, desde o início, consolida sua
centralidade na virada ontológica, que supera a concepção instrumentalista
da virada epistemológica do pragmatismo.
Para compreender em profundidade essa trajetória e o ponto de
chegada da obra é importante retomar o percurso que vai da Fenomenologia
de Husserl e que, pela Fenomenologia Hermenêutica, proposta por
Heidegger, chega ao objetivo de Gadamer, de propor uma Hermenêutica
Filosófica com pretensões de universalidade.
Sobre a Fenomenologia de Edmund Husserl
Edmund Husserl inicia pela crítica ao clima psicologista (empirista)
fortemente presente na concepção de conhecimento das ciências da
natureza e nas humanidades, que é a questão central do problema do
conhecimento ao qual o filósofo quer fazer frente. A crítica ao psicologismo,
ao naturalismo e ao empirismo deve-se ao fato de eles não poderem nos
levar à verdadeira Teoria do Conhecimento, que define as condições para
verdades apodíticas, simplesmente porque eles se prendem ao como,
isto é, ao comportamento da consciência no processo de aquisição do
conhecimento empírico, sem superar o dualismo entre o que é imanente e
o que é transcendente à consciência. Consequentemente, não conseguem
resolver o problema básico do conhecimento: de como é possível alcançar
a objetividade; como é possível que o sujeito tenha conhecimento da
realidade que lhe é exterior e cuja existência é heterogênea a sua?
Por isso que é necessário começar peça suspensão da atitude
natural (naturalista), pela redução fenomenológica, dando entrada ao
procedimento crítico, que visa a superação do psicologismo. Com essa
suspensão, Husserl propõe uma virada epistemológica na direção da
interioridade da consciência transcendental, para ali encontrar as “coisas
em si”, isto é, os fenômenos ou as ideias em sua simplicidade e inteireza.
Isso se consolida na redução eidética (eidos, em grego, ideia em português)
para chegar à essência das coisas: zu den sachen selbst.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 17
O caminho que Husserl aponta para chegar ao eidos do fenômeno
tal qual está imediatamente presente na consciência é longo e árduo. Vamos
tentar expô-lo de forma bem introdutória e resumida, para depois marcar a
diferença entre a atitude fenomenológica e a hermenêutica fenomenológica
de Heidegger, seu ilustre aluno e assistente.
Iniciemos pela Intencionalidade da consciência, que é pressuposta
por muitos autores na área da educação, como condição de possibilidade
de suas propostas, como o caso de Paulo Freire, para o qual ela é a
condição sem a qual não se poderia fala de conscientização. De modo bem
didático, a intencionalidade é essa capacidade que a consciência tem de
presentificar o objeto e lhe outorgar significado. É, portanto, a estrutura
da consciência, que se caracteriza pela correlação sujeito-objeto, como uma
relação imanente a ela. A intencionalidade da consciência é imprescindível
à fenomenologia, enquanto ela visa os fenômenos puros nela presentes.
A Intencionalidade, definida como a Estrutura da Consciência,
de ser consciência “de” ou de tender para algo, dirigir-se para, visar algo.
Portanto, para Husserl, a consciência é atividade, não é substância, e ela é
constituída pelos atos mediante os quais ela visa algo – perceber, imaginar,
especular, querer, desejar. E no sentido de enfrentar o psicologismo, ele
distinguiu “noesis” (os atos pelos quais a consciência visa certo objeto e de
uma certa maneira) e “noema” (o conteúdo ou o significado desses objetos
visados). A intencionalidade é correlação sujeito-objeto: ela presentifica
algo como objeto e lhe atribui significado. “Ir às coisas mesmas” é encontrar
a “essência” da coisa enquanto presente à consciência, para não se perder
em aspectos que estão na coisa, mas que não definem o seu “eidos”, a
sua essência. É isso que caracteriza a filosofia como ciência de rigor do
“conceito”, e isso é de fundamental importância para toda e qualquer
ciência. A Fenomenologia considera, portanto, a consciência em sua
estrutura imanente, irredutível a um fato natural, e fonte do significado
dos próprios fatos naturais, que lhe é conferido na intencionalidade.
Em segundo lugar, Husserl nos apresenta a Epochê, com a
finalidade de atingir o EU transcendental, de passar da existência natural
para a atitude fenomenológica. Ele sugere inicialmente a suspensão do
mundo real, exterior à consciência e das representações que dele fazemos.
É, portanto, a superação da relação sujeito-objeto tal qual é imaginado
na atitude naturalista-empirista, como sendo uma relação imanência-
transcendência, talvez, melhor, da interioridade da consciência com a
exterioridade do mundo. O objetivo da Epochê é colocar o mundo real
fora de foco, para poder lidar somente com a realidade ideal, presente na
18 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
consciência – “Ali o pensamento se apresenta de forma evidente e livre do
enigma da transcendência” (Husserl, 1950, p. 43)
Desse modo, Husserl marca a passagem para a atitude fenomenológica
ou transcendental, aplicando a redução psicológica, na qual se ultrapassa
a atitude habitual que temos em relação ao mundo exterior; essa atitude
ingênua, de crer que as coisas são tais quais as percebemos empiricamente
(Husserl, 1950, p. 140-141). Assim o autor pretende encontrar, na
imanência da consciência transcendental, os “fenômenos puros” ou as
“essências” (Husserl, 1950, p. 84-85).
Assim a fenomenologia nos leva a compreender que a percepção
sensível de um objeto consiste numa síntese de aparências convergentes,
mas cada qual incompleta, pois depende da perspectiva ou da posição
da luz e do observador. Husserl acompanha Descartes na dúvida sobre o
mundo exterior à consciência, mas não a ponto de excluir o empírico. Este
mundo é apenas colocado fora do foco de atenção (posto entre parênteses)
ou temporariamente suspenso. (Husserl, 1950, p. 98).
Depois de haver chegado à imanência, onde as vivências se
apresentam em sua singularidade concreta, pode-se refletir sobre elas
para encontrar o seu “eidos”, a sua essência, isto é, o que se apresenta de
invariável. A esse procedimento Husserl denominou de redução eidética,
cujo resultado é um fenômeno novo, puro, intencional, para além do
factual e mutável. Esse é o fenômeno da fenomenologia.
Se parasse neste estágio das reduções, a fenomenologia se definiria
como “ciência descritiva das vivências”, portadora das essências, mas
que ainda seriam objeto de uma psicologia empírica. Mas Husserl leva
seu intento adiante para ultrapassar definitivamente o nível psicológico
através da redução transcendental, que consiste em suspender o próprio
eu empírico e os seus atos de pensar, sentir, querer, etc. para poder atingir
o Eu Transcendental, isto é, o EU enquanto está na relação com o seu
objeto puramente intencional, idealidade pura, despida do seu caráter
mundano e psicológico. (Husserl, 1950, p. 133) Com essa redução radical
a fenomenologia pretende ater-se ao Eu Transcendental e os fenômenos
puros aí presentes, independente de como se presentificaram. Segundo
Husserl, desse modo o EU se apresenta como “Ego Cógito-cogitatum”, isto
é, o EU na relação com o objeto intencional, que é um mundo novo, auto
evidente (Husserl, 1950, p. 142).
Assim entendida, a fenomenologia pode ser definida como
método para encontrar os fenômenos puros; a atitude de se deixar orientar
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 19
pelos fenômenos tais quais se apresentam em sua evidência, e isso passa
necessariamente pela redução transcendental, para livrar-se dos preconceitos
e pressupostos, científicos ou não. Somente assim pode-se chegar ao
fundamento último para a filosofia e para as ciências, a ausência total de
pressupostos, e deter-se na evidência imediata ou na essência das coisas,
elas mesmas, enquanto presentes à consciência. Mas como isso demanda
um esforço contínuo, para não recair simplesmente ao nível empírico do
psicologismo, a fenomenologia é mais do que método, é atitude, modo de
existência.
Heidegger e a proposição de uma Fenomenologia Hermenêutica
Em sua Fenomenologia Pura, Husserl ainda continua com as
marcas do sujeito cartesiano, que outorga significado às coisas como objeto.
Mas a pretensão de “ir às coisas, elas mesmas” permanece na proposta de
Heidegger, quando anuncia que pretende ir “às raízes das concepções” das
concepções ocidentais de Ser, para tornar manifestos e colocar em questão os
pressupostos da tradição metafísica. A fenomenologia de Husserl abriu este
caminho na direção de uma apreensão pré-conceitual dos fenômenos, algo
que não estava disponível nos autores anteriores a ele. Mas HEIDEGGER,
retomando a atitude de Aletheia dos antigos, diferentemente de Husserl,
não se volta para o funcionamento da consciência como subjetividade
transcendental. Seu objetivo é o de libertar o Ser das categorias estáticas
e deixá-lo ser no meio vital do ser-no-mundo histórico do ser humano,
mundo perpassado de historicidade e temporalidade. Assim, depara-se com
a facticidade do ser como problema central, e não mais o da consciência
intencional.
Para isso ele transformou a fenomenologia em “hermenêutica do
Dasein”. Se Husserl queria transformar a filosofia em “ciência de rigor”
na busca um saber apodítico, Heidegger pensa que todo rigor do mundo
nunca poderá fazer com que o conhecimento científico se torne uma
meta final. Então ele se dedica a reinterpretar e expor pressupostos, dando
ênfase à historicidade. A fenomenologia ajuda-o a revelar o ser em toda sua
facticidade e historicidade.
Em sua Fenomenologia enquanto Hermenêutica, Heidegger
retoma o significado grego de phainomenon - aquilo que se mostra, que se
coloca em campo aberto, que se torna visível, que é o que está sendo - e
de logos - como aquilo que é legado na fala, algo que a linguagem deixa
aparecer (logos com “fala”, que possibilita a razão e o fundamento): que
20 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
permite que algo seja ‘visto’ como algo. Daí a inversão epistemológica:
não é a consciência ou a mente que representa (projeta) o sentido do
fenômeno, mas o que “aparece é uma manifestação ontológica da própria
coisa” (Palmer, 1997, p. 133), ou, é o ‘ser da coisa’ mostrando-se – se
soubermos permitir que isso aconteça.
Isso caracteriza a mudança de atitude, para deixar que a coisa se
manifeste como é e não projetar nela as nossas categorias prévias – não
somos nós que representamos as coisas; são elas que se nos revelam e se
ocultam (Palmer, 1997, p. 133). Nisso consiste o “retornar às próprias
coisas” – a interpretação não se fundamenta na consciência transcendental
e nas categorias do entendimento, mas na manifestação da coisa com
que deparamos, da realidade que vem ao nosso encontro. Mesmo que
cada pessoa tenha certa compreensão da realidade histórica, a partir de
sua experiência, essa ontologia espontânea, enquanto fenomenologia do
ser, precisa tornar-se “hermenêutica da existência”: um ato primário de
interpretação para tirar a “coisa” do esconderijo. A “a hermenêutica é aquela
função anunciadora fundamental pela qual o Dasein torna conhecido para
si a natureza do ser” (Palmer, 1997, p. 45). Portanto, é primeiramente
antropologia, donde derivam as hermenêuticas regionais. “A essência da
hermenêutica é o poder que possibilita a revelação do ser das coisas e das
potencialidades do próprio ser humano” (Dasein).
Segundo Richard Palmer, para Heidegger a compreensão é a
capacidade de captar as possibilidades que a algo tem de ser e, portanto,
não é algo que a consciência humana possui para atribuir significado às
coisas. Compreender é um elemento do ser-no-mundo, é a abertura para
que as potencialidades concretas do ser se revelem no horizonte da situação
que cada um ocupa no mundo. É como que o desvelamento que acontece
no interior de um conjunto de relações já interpretadas, apontando para a
circularidade entre compreender-interpretar.
Mas a “interpretação nunca é captação sem pressupostos de algo
previamente dado” porque o que aparece do “objeto” é o que deixamos que
apareça; é aquilo que a tematização do mundo atuante na compreensão
permite que venha à luz – nisso consiste a Hermenêutica Crítica: “cada
um de nós já tem posição prévia”. Toda compreensão repousa sobre este
prévio. Compreensão e Interpretação são, para Heidegger, anteriores a
dicotomia sujeito-objeto, daí que pode denominar a hermenêutica de
“teoria da revelação ontológica”. É hermenêutica, ontologia existencial e
fenomenologia – tendo por base a facticidade do mundo e a historicidade
da compreensão e do Dasein. Concluo essas breves considerações sobre
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 21
o caminho da fenomenologia pura para a hermenêutica observando que,
pelo fato da compreensão e do compreender estarem presentes em toda
a nossa experiência de vida como algo comum do nosso cotidiano, nos
ocuparemos agora da Hermenêutica Filosófica de Han-Georg-Gadamer e
de sua produtividade para a educação em ciências.
A Hermenêutica Filosófica como referência para a educação em ciên-
cias
Sem nos atermos ao histórico, a hermenêutica remete às origens da
tradição ocidental. O próprio nome é uma alusão a Hermes. personagem
da mitologia grega, que é portador, mensageiro, tradutor e intérprete da
mensagem dos deuses para os humanos. Há referências à hermenêutica
nas obras de Platão e Aristóteles, legada para a era cristão, especialmente
por Agostinho. É retomado no renascimento, por autores protestantes e,
no século XVIII serviu de contraponto à mentalidade positivista presente
nas ciências históricas, donde chega a nós com as influências de Wilhem
Dilthey e a guinada hermenêutico-fenomenológica de Heidegger.
Em Gadamer recebe a adjetivação de Filosófica, para deixar claro
que há outras formas de hermenêutica na história e na atualidade. Segundo
Lawn (2011, p. 147), esse referencial está presente para muito além da
pesquisa ou da leitura e escrita de um texto; ele envolve “todas as formas de
entendimento, na vida prática e em relação aos fundamentos das ciências
humanas”, permeando também a Educação, a docência em ciências e
todo fazer pedagógico. Compreender/interpretar, numa circularidade
permanente, pertencem à condição humana e à sua experiência de mundo,
ou seja, é de sua constituição ontológica.
a) Interpretação e aplicação
De interesse mais próximo à práxis, compreender é sempre
interpretar, e a interpretação é a forma explícita de compreensão; mas,
segundo Gadamer, (1998. p. 459), isso não é método, é sutilidade.
Juntamente com isso, em toda compreensão já ocorre algo como uma
aplicação do texto a ser compreendido, à situação atual do intérprete.
A aplicação é um momento do processo hermenêutico, tão essencial e
integrante como a compreensão e a interpretação (Gadamer, 1998, p. 460).
22 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
A partir de Verdade e Método, a tarefa da hermenêutica não é mais
a de adaptar o sentido de um conteúdo à situação concreta ao qual ele
se destinou. O trabalho do intérprete, no nosso caso, do docente, não é
simplesmente o de reproduzir o que realmente o que diz o interlocutor,
o conteúdo. O intérprete tem de fazer valer a opinião desse interlocutor
assim como lhe parece necessário, “tendo em conta como é autenticamente
a situação dialogal na qual somente ele se encontra como conhecedor das
duas línguas que estão em relação” (Gadamer, 1998. p. 460). Isso se aplica
diretamente à relação pedagógica, na qual o/a docente precisa conhecer
muito bem, tanto o assunto em questão quanto a situação concreta na qual
o conteúdo de ciência será recebido, ou seja, a realidade dos educandos.
Nisso consiste a transposição didática, isto é, na tradução/interpretação/
aplicação adequada do conteúdo ao contexto para o qual se destina.
Na educação é como em todas as hermenêuticas (filológica, teológica
e jurídica) a regularidade tem de ser compreendida em cada instante, isto
é, em cada situação, de uma maneira nova e distinta” (Gadamer, 1998,
p. 461). É neste sentido que compreender sempre é também aplicar.
Assim, Gadamer nos aproxima da historicidade da hermenêutica e de
toda compreensão/interpretação/aplicação (sem ordem de prioridade
entre elas), o que no processo pedagógico nos levaria continuamente a
refletir sobre a relação entre a identidade do assunto comum, o conteúdo
em questão, e a situação concreta e mutável, na qual se trata de entendê-
lo. A mobilidade histórica da compreensão representa o verdadeiro centro
de um questionamento hermenêutico adequado à consciência histórica.
Admitir que a compreensão é um acontecer histórico, na pertença à
tradição, faz com que nos demos conta, especialmente na educação, da
circularidade hermenêutica que atravessa todo esse processo, tal qual
acontece no conhecimento do sentido de um texto jurídico, por exemplo,
e da aplicação a um caso concreto e singular (Gadamer, 1998, p. 463).
Mas uma interpretação apressada dessas implicações poderia nos
induzir a dividir o problema hermenêutico na subjetividade do intérprete,
de um lado, e na objetividade de sentido daquilo que se pretende
compreender, de outro. Para Gadamer, porém, “é completamente errôneo
fundamentar a possibilidade de compreender textos na pressuposição da
“congenialidade” que uniria o criador e o intérprete de uma obra. (Gadamer,
1998, p. 464) Segundo o autor, “o maravilhoso da compreensão consiste,
antes, no fato de que não é necessária a congenialidade para reconhecer
o que é verdadeiramente significativo e originário de uma tradição”, ao
nosso propósito aqui, aquilo que nos é legado nas ciências da natureza já
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 23
produzidas historicamente. Aprendemos, compreendemos os enunciados
das ciências porque “somos capazes de nos abrir à pretensão de um
conteúdo que nos é apresentado e de corresponder compreensivamente
ao significado do qual nos fala” (1998, p. 464). Mas isso passa por uma
mudança de atitude epistemológica, do sujeito para o qual o objeto é
representação sua, para o intérprete que se coloca na proximidade, com
a predisposição de escutar o e compreender o sentido do que é proposto
pela alteridade. Melhor, no lugar da representação monológica da razão
moderna, a escuta dialógica.
Mas é importante lembrar continuamente que, também no ensino
de ciências, na compreensão/interpretação, não se pode suspender a pré-
compreensão. Isso porque interpretar já é sempre aplicação ao contexto
do intérprete. De forma mais direta, compreender já é aplicar o texto à
situação atual do intérprete. Isso é assim porque, ao nos confrontarmos
com uma tradição, nós procuramos aplicá-la a nós mesmos. Pretendemos
mais do que compreender o texto ou o que nos diz um conteúdo de
conhecimento. Parafraseando Gadamer, para compreendermos o sentido
do texto não ‘podemos ignorar a nós mesmos e a situação concreta na qual
nos encontramos, porque só podemos compreender ao relacionar o texto
como essa situação (Gadamer, 1998, p. 465).
Assim entendida, a compreensão, para além de ser um fenômeno
epistemológico, é também ontológico, enquanto constitutiva do ser
humano; não é apenas curiosidade em conhecer algo, mas ela pertence ao
todo da experiência humana do/no mundo e da práxis, da qual a Educação
em ciências participa. Portanto, quando pensamos compreender um texto,
ele mesmo, já estamos “partindo de expectativas de sentido que nascem
de nosso próprio contexto” nesse encontro com o texto (Gadamer, 2000,
p. 147). O leitor é intérprete, ele participa do sentido dado ao texto pelo
fato de trazer os signos escritos novamente à fala e ao sentido que tem
para o intérprete. “Essa reconversão se coloca como o verdadeiro sentido
hermenêutico, uma vez que, através da escrita, o sentido sofre uma espécie
de alienação” (Gadamer, 2015, p. 509), cuja recuperação se dá no ato de
ler, de interpretar.
É devido a esta autonomia adquirida pelo texto, e a participação do
intérprete em um sentido presente, que o intérprete jamais poderá falar o
que o autor quis expressar; poderá apenas dizer o que ali está escrito. Esse
processo de compreensão envolve interpretação e aplicação, donde emerge
o sentido, o que significa que o sentido pode ser diverso para quem lê
24 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
do que aquele que originariamente o autor deu ao texto. O sentido atual
emerge nesta fusão de horizontes da tradição e do leitor/intérprete.
b) Horizonte de compreensão ou a impossibilidade de interpretar sem pré-con-
ceitos
Fala-se da autonomia do texto escrito ou do conteúdo de ciência
porque ele nos diz algo de si mesmo; fala por si mesmo. Mas em cada
ocasião ele é interpretado desde o horizonte do intérprete. Dar-se conta
disso é de fundamental importância na docência: deixar o texto falar por
si mesmo, não supor que se domina o seu conteúdo e, por isso, se pode
transmitir com objetividade o que ele significa. A cada momento de sua
leitura o intérprete participa de um sentido que o texto apresenta nesse
encontro com o horizonte de compreensão, que é determinante. Mas o
autor adverte na mesma frase, “não como uma opinião e possibilidade que
se aciona e coloca em jogo e que ajuda a apropriar-se verdadeiramente do
que se diz no texto” (Gadamer, 2015, p. 503).
O horizonte do compreender equivale aos nossos conceitos prévios,
ou pré-conceitos, a nossa visão geral de mundo, dentro da qual nós
situamos e compreendemos as coisas. O horizonte se move à medida que
nos movemos, isto é, também ele está continuamente em questão, pelo
menos enquanto tivermos essa disposição de abertura para o mundo, a
curiosidade que nos move a buscar mais. E assim, nas palavras de Gadamer,
no elevamos à uma universalidade cada vez mais abrangente. Quando, por
exemplo, lemos um texto ou estudamos um conteúdo novo o fazemos
a partir dos conceitos prévios, que a verdade do texto ou do conteúdo
estudado colocam constantemente em jogo. Só assim é que realmente
permitimos que o texto nos diga algo de si mesmo e nos ensine (proponha
signos). Por isso que, compreender é algo bem distinto de analisar. Aqui
não se parte para cima do texto com nossas ferramentas como que para
destrinchar um objeto. A virada epistemológica é significativa em relação
às modernas ciências da natureza: compreender, interpretar, aplicar ao
contexto requer escuta do sentido que o outro nos propõe.
Para marcar ainda mais a diferença metodológica com relação à
modernidade , interpretar não é dominar o sentido do texto, mas é servir a
ele. Percebe-se isso claramente na hermenêutica jurídica, que nós podemos
aplicar à atividade docente, isto é, como cada qual traduz, interpreta,
aplica um conteúdo de saber das ciências. Isso passa decisivamente por
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 25
uma sabedoria, uma sutilidade especial, que na educação denominamos de
Phronesis pedagógica.2 Sabedoria que nos lembra também que em todas as
nossas ações, entendimentos e formas de tornar algo presente para outrem,
estamos sob a ação da tradição ou da história enquanto age.
c) Diálogo: o intérprete e a coisa a ser compreendida.
Quando lemos com uma atitude dialogal, os textos nos interpelam
e nós dirigimos as nossas questões a eles. Eles são parceiros da conversação.
Por outro lado, os textos somente podem falar através do intérprete, pois
“somente por ele os signos escritos se reconvertem novamente em sentido”
(Gadamer, 2015, p. 502). Da mesma forma como dois interlocutores que
dialogam em uma conversação “real”, quem participa do diálogo são o
texto e o tradutor - intérprete.
A arte da conversação sobre um assunto é um exercício no qual,
a cada novo enunciado, pode-se colocar novas perguntas. Isso caracteriza
a estrutura de pergunta e resposta, como forma de abertura a novas
possibilidades, e caminho (método) para compreensão do que está em
questão. Perguntar é essencial na experiência hermenêutica, pois não há
saber que não tenha passado pela pergunta, para saber se a coisa é “assim
ou de outro modo” (Gadamer, 1998, p. 534).
Ressalva seja feia à pergunta meramente retórica, comum em
práticas de ensino e avaliação anti-dialógicas. Na verdadeira pergunta,
aquele que interroga o faz porque não sabe a resposta e, então, ao perguntar,
coloca-se em campo aberto para novas possibilidades de resposta. É nesse
sentido que as respostas fixas, prontas, acabam com o diálogo, porque não
abrem perspectivas para novas perguntas. Por outro lado, a pergunta não
deve ser ilimitada, mas delimitada por um “horizonte do perguntar”, ou
seja, os pressupostos vigentes, através dos quais se mostra aquilo que está
em questão. É o horizonte do perguntar que possibilita uma “orientação de
sentido do texto” (Gadamer, 1998, p. 535), pois o ato de compreender não
envolve uma reprodução histórica, ou ainda um processo de reconstrução
do sentido original dado pelo autor ao texto. Antes, compreender um texto,
encontrar um significado no mesmo, envolve o próprio intérprete, que está
diretamente implicado no significado que foi despertado pelo texto. Neste
processo, o horizonte do intérprete é determinante.
2 Formação e Docência como Phronesis: sendo e aprendendo a ser. http://dx.doi.
org/10.1590/0102-469838405
26 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Na compreensão de um texto, há um ponto de partida, que não é
arbitrário, pois uma experiência hermenêutica nos mostra que um texto,
um conteúdo a ser compreendido, se dirige a uma situação determinada
por opiniões prévias, um horizonte histórico, mas que, de modo algum,
impede a autenticidade da compreensão. O que permite a nossa participação
de uma experiência hermenêutica é o fato de não haver uma concordância
tácita e natural. De modo que, para que um texto ou qualquer conteúdo
da tradição diga algo para aquele que busca compreender, é necessário
tirá-lo de sua estranheza, apropriar-se dele. Assim, o princípio de toda
interpretação é uma resposta, que se orienta e determina pela pergunta que
se colocou.
Em Verdade e Método II, Gadamer retoma essa questão, mostrando
que todo enunciado é motivado e tenta responder a uma pergunta. Por
isso que a compreensão de um texto impõe primeiramente compreender a
pergunta que este coloca para quem busca interpretá-lo, pois a interpretação
sempre contém uma referência essencial à pergunta que nos foi dirigida.
Somente assim podemos compreender um enunciado em suas verdadeiras
pretensões e compreendê-lo em cada situação concreta de uma maneira
nova e distinta. Aqui, compreender é sempre também aplicar.
d) Educação é Práxis
Para pensar agora especificamente a docência e a educação em
ciências preciso vou ater-me a um problema mais geral, que diz respeito
a toda docência: O que entendemos por Educação? Apenas para lembrar,
Gadamer desenvolve uma reflexão abrangente sobre essa questão
quando apresenta as implicações da Bildung, na tradição iluminista e
também no pequeno texto com o título de Educação é Educar-se. Isso
considerado, vou me referir de modo geral a essa atividade como tal, isto
é, à especificidade do fazer pedagógico, da Educação, iniciando pela velha
distinção que Aristóteles propôs, na Ética a Nicômaco, com o propósito de
distinguir práxis, téchne (poiésis) e teoria (ciências naturais), e apresentar as
características de cada uma e o saber nela implicado.
O que nos interessa aqui é a Práxis. Porque Educação é práxis, e que
acontece pela mediação da cultura, de conhecimentos dos mais diversos,
das ciências em geral, isto é, de todo o legado cultural que as gerações antes
a nós produziram. Também se faz educação com utilização de técnicas,
assim como um artesão ao produzir o que lhe compete, mas ela não se
confunde com o fazer meramente técnico, instrumental.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 27
Resumidamente, O que é Teoria? O que é Téchne? O que é Práxis?
Por Teoria ou “saber teorético”, Aristóteles3 entendia a episteme,
ou seja, o conhecimento das coisas regidas pela “physis” e que, portanto,
não mudam. Abrangia todo o conhecimento dos fenômenos naturais,
equivalente ao que hoje denominamos de ciências naturais, com o
pressuposto de que as leis que regem esses fenômenos não mudam e que
por isso pode-se chegar à episteme: conhecimento verdadeiro e de validade
universal. Para chegar a esse conhecimento o pesquisador precisaria ter
uma atitude contemplativa, de observar com muita atenção, descrever
rigorosamente, formular conceitos e raciocínios classificatórios, etc.
Exemplos desse tipo de saber são a física, a astronomia, a biologia, a
metafísica (a química ainda não existia, embora já estudasse os elementos
de composição dos entes). Os critérios de verdade da teoria são a rigorosa
observação empírica e a coerência lógica dos enunciados. Faça-se também
a ressalva de que o que se denomina de ciência aplicada e tecnologia é mais
adequado ao que o filósofo denominou de téchne.
A téchne ou poiésis designa a técnica, aplicada em toda produção de
bens necessários à vida econômica da sociedade. As técnicas de produção
são especializadas e podem ser ensinadas e aplicadas repetidamente quando
se pretende chegar ao resultado determinado. Quem tem conhecimento
apurado de sua arte (o técnico) pode ser bom artesão (produtor). Como
se adquire o saber? Observando alguém reconhecido como quem faz bem,
estudando as técnicas de meios para atingir os fins e praticando muito. No
caso da téchne, tal como na práxis, a dedicação reiterada à determinada arte,
juntamente com uma atitude reflexiva ajudam o artesão a construir um
saber técnico cada vez mais aprimorado. Nesta arte, o critério de avaliação
consiste no uso meramente instrumental da razão e se mede pela eficiência
dos meios para atingir determinado fim.
O que nos diz respeito mais diretamente é a Práxis, termo que
expressa toda atividade mediante a qual os seres humanos se autoproduzem
em sociedade, especialmente a política e a educação, sempre perpassadas
pela ética. Embora a Práxis seja composta de artes altamente especializadas,
no essencial mesmo, ela não é apenas especializada, porque a finalidade
dela não tem o grau de precisão da Téchne. Por outro lado, se para a
Téchne o que importa é que o artesão tenha “deinos”, isto é, perspicácia e
3 Para aprofundar essa distinção remeto diretamente à Obra de Arsitóteles, Etica a Nicômaco
(EN I, 1094a -1095b) e ao artigo acima referido. http://dx.doi.org/10.1590/0102-469838405
28 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
eficiência técnicas, uma práxis sem “ethos” pode levara às maiores injustiças
e atrocidades.
Pela Práxis visa-se biscar à realização do próprio agente (finalidade
da existência), mas que não está definida. Ela é uma busca constante,
orientada pela sabedoria prática (Phronesis), que cada pessoa pode adquirir
na dialética de prática e teoria, isto é, fazendo e aprendendo. A Phronesis
demanda boa formação, capacidade reflexiva ou contemplativa, para saber
tirar as lições das vivências. O critério para avaliar a Práxis, bem diferente
da Téchne, é saber que os meios são moralmente virtuosos, isto é, bons.
Por isso que a Práxis é o que nos interessa mais de perto. E como
este conceito tem significados diversos de acordo com o referencial teórico
que seguirmos, optamos por retornar, com Gadamer, ao significado
clássico, que Aristóteles desenvolveu na Ética a Nicômaco, e que nos ajuda
a compreender que educação é educar-se, porque a Práxis é a atividade
mediante a qual cada agente busca a sua própria perfeição. No bom sentido
da Hermenêutica, Gadamer deu nova vida à definição aristotélica de Práxis.
De qualquer forma, seja na situação em que for, a práxis educativa
não se reduz ao mero fazer técnico, visando a um resultado ou meta exterior
ao agente; um produto, separado de quem o produz. Também não é um
fazer teorético, cuja finalidade seria a de definir, explicar, o que cada ente é.
Não consiste em descobrir as leis que regem os fenômenos da natureza (a
physis) ou as propriedades de um elemento da natureza.
e) Finalizando
Ainda breve consideração sobre a docência ao modo dialógico da
experiência estética em Gadamer. Quando se tomar essa experiência como
modelo não pode mais haver tantas muitas diferenças entre uma aula de
filosofia, de história, ou de física, química, biologia. Todas elas podem ser
definidas como mediação de autoformação, no sentido de que Educação
é “Educar-se”; na e pela mediação das ciências, ou, os conhecimentos das
diversas ciências como mediação de autoformação das subjetividades, nos
faz ver o mundo e viver nela mais adequadamente - o que é essencial à
“educação ambiental.
Jamais se desconsidere que esse processo de autoformação pessoal
de cada educação acontece tendo como mediação o legado da tradição, isto
é, dos conhecimentos já produzidos historicamente e que nos atingem por
diversas formas de linguagem. É pela mediação dos conteúdos de ciência
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 29
que cada educando pode ir ampliando e aprofundando o seu horizonte
de compreensão do mundo em que vive e desenvolvendo as habilidades
instrumentais e sociais necessárias para dar-se bem na vida. E para além
disso, se através da educação ainda se visa desenvolver as condições para
o exercício da cidadania, numa sociedade que se pretende democrática,
então, mais do que habilidades instrumentais e sociais, é indispensável uma
formação ética, melhor, uma educação moral para a sociabilidade sadia, a
solidariedade para com os mais fracos, a consideração para com a dignidade
de cada pessoa, etc. E essa formação precisa acontecer no processo como
um todo e não ser restrita a algumas atividades ou disciplinas.
De outra parte, metodologicamente falando, no sentido da
Hermenêutica Filosófica, a experiência docente é semelhante a um jogo,
uma representação dramatúrgica, uma interpretação musical, em sua
estrutura é de abertura, em movimentos de idas e vindas, e que somente
se completam ao fazer-se espetáculo; ao se abrirem para o outro lado e
colocar o espectador no lugar do jogador, ator, educador. Ao se tomar essa
reviravolta como traço fundamental do modo de ser docente tudo passa
a acontecer em função daqueles que estão do outro lado; é para eles, não
para o jogador/ator, para quem e em quem se joga/representa. O outro
(espectador/estudante) tem uma primazia metodológica, pois é para ele
que o conteúdo de sentido acontece. Quando isso acontece, a aula deixa de
ser mero exercício de ensino-aprendizagem objetivistas, sem envolvimento
vivencial, e se faz educação, experiência auto-formativa, pela mediação do
saber da ciência. Que nos faz sentir, ver, compreender a nossa experiência
no mundo de outro modo,
De certa forma a diferença entre ator e espectador, docente
e discente, se anula, porque o que acontece aí é igual para ambos:
experiência, abertura, aprendizagem. É análogo ao que se experimenta na
fruição estética da interpretação de uma música, por exemplo. E quando
isso não acontece, a representação malogrou. A experiência é o acontecer
da coisa, ela mesma, de tal modo que os participantes a experienciam em
seu verdadeiro sentido.
Referências
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I - Rio de Janeiro: Vozes,
1998.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II - Rio de Janeiro: Vozes,
30 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
2015.
GADAMER, Hans-Georg. Sobre o círculo da compreensão. In:
ALMEIDA, L.S.; FLICKINGER, Hans-Georg.; ROHDEN, Luiz.
Hermenêutica Filosófica: nas trilhas de Hans Georg Gadamer. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2000.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II Complementos e
Índice. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
GRONDIN, Jean. Introdução à Hermenêutica Filosófica� São
Leopoldo: Gráfica Unisinos, 1999.
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Revista Estudos Leopoldenses, v. 32, nº 149, Set/Out 1996. São
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LAWN, Chris. Compreender Gadamer. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
PALMER, Richard E. Hermenêutica� Lisboa: Edições 70, 1997.
Parte I
Hermenêutica na Educação em
Ciências e áreas afins
Capítulo 2
A atualidade hermenêutica de Aristóteles e o
problema hermenêutico da aplicação: algumas
considerações a partir do horizonte de um professor
de química
Samuel Robaert1
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.33-46
Iniciando o diálogo
Este estudo teórico, de cunho bibliográfico, amparado na
Hermenêutica Filosófica de Hans-Georg Gadamer traz ao
diálogo autores que se articulam em torno da Hermenêutica Filosófica,
Filosofia da Educação, História da Química e Educação Química, e
cujos textos continuam a provocar inquietações, mesmo não sendo nós,
professores de química do século XXI, seus destinatários originais e nem o
período contemporâneo no qual vivemos, aquele no qual sua tessitura se
concretizou.
Como exemplos, trago os textos de Aristóteles (384 A.C – 322
A.C), Lavoisier (1743-1794), no século XVIII e Hans-Georg Gadamer
(1900 - 2002), no século XX. O que se objetiva, com este diálogo, é
responder ao questionamento que busca saber o que o subcapítulo do livro
Verdade e Método, “A atualidade hermenêutica de Aristóteles”, tem a dizer
à Educação Química. Ou seja, teríamos, como professores de Química,
algo a aprender com as obras de Aristóteles, do século IV A.C?
De modo que, aqui se pretende esclarecer em que medida
Aristóteles pode nos ajudar a melhor compreender esta práxis humana, a
qual chamamos de docência em química. A docência é práxis, pois através
da Educação é que buscamos prover as condições objetivas e desenvolver
condições subjetivas para a realização humana (Kronbauer, 2023). Mas
1 Docente de Química no Instituto Federal Farroupilha. Licenciado em Ciências Plenas com
Habilitação em Química (Unijuí). Mestre em Educação (UFSM). Doutorando em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM).
34 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
não podemos fazê-lo, como aponta Kronbauer, a partir do exemplo
trazido pelo próprio Aristóteles na obra Ética a Nicômaco, como quem sai
atirando a esmo, feito um arqueiro que não tem noção de onde está o alvo
a ser atingido, ou seja, sem qualquer intencionalidade. Logo, é necessário
também um saber teórico sobre o fazer pedagógico. Como veremos, este
saber teórico se distingue do saber da tekhné, pois é um saber teórico geral,
possível somente através da prática, ou seja, do fazer pedagógico docente.
Então, quem deseja adentrar nesta caminhada da tradição
histórica humana que chamamos de docência, precisa de um determinado
conhecimento, para que possa fazer Educação com a seriedade necessária.
Mas que saber é este? Tratar-se-ia do mesmo saber de um químico? Seria,
no caso da docência em Química, do conhecimento técnico da química,
aquele capaz de prever, produzir e controlar a produção de substâncias
químicas, aos mesmos moldes do conhecimento do artesão, que produz
determinado objeto? Estaria a docência em química, de “posse” deste
conhecimento técnico (tekhné), apta a controlar o seu fazer pedagógico de
maneira a “produzir” o produto, conforme planejado?
Por mais que vivências e experiências na docência em química
mostrem que ali opera um outro tipo de saber, diversos pesquisadores da
área da Educação Química como Schnetzler (2020, 2022), Schnetzler
e Antunes-Souza (2018) e Maldaner (2013), apontam que este saber é
fundado em uma racionalidade técnica e instrumental e não em uma
racionalidade pedagógica. A racionalidade técnica e instrumental faz
referência a uma forma de saber e, por isso, de pensar, própria das ciências da
natureza, e cujos fundamentos são a verificação empírica, o estabelecimento
de uma relação causal, a eliminação de todo e qualquer preconceito ou
pressuposto subjetivo e a hostilidade à tradição e historicidade (Hermann,
2002). Trata-se, assim, de uma racionalidade muito distante do modo de
pensar e compreender da docência em seu fazer pedagógico, que se situa no
conjunto das práxis humanas e cujos fundamentos são éticos (Kronbauer;
Fensterseifer, 2023, p. 5).
Para Schnetzler (2022), esta racionalidade técnica está presente no
modelo formativo dos professores de química e, portanto, é um fundamento
de como a própria docência compreende o seu fazer pedagógico. Aqui, a
formação do professor como técnico implica que dele se espera a aplicação
de teorias, técnicas e procedimentos previamente ensinados em disciplinas
teóricas e procedimentais na resolução de problemas da prática docente,
como se estes fossem pontuais e não complexos e singulares (Schnetzler,
2022).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 35
Porém, sabemos pelas nossas próprias experiências na docência
que esta requer um tipo do conhecimento que está muito para além do
conhecimento técnico da química (tekhné). Trata-se este, de um tipo de
saber que não é capaz de nos dar a previsibilidade e segurança na prática
docente, ao mesmo modo como os conceitos e procedimentos da química
dão segurança para um químico. Sobre este tipo de conhecimento, ao
qual Aristóteles denomina de saber ético (ligado ao ethos) da phronesis e
que é resgatado por Gadamer no texto “A atualidade hermenêutica de
Aristóteles”, pretendo dialogar neste texto investigativo.
Para isso, inicialmente abordarei a problemática que representa a
autoridade de Aristóteles para a Química e, por consequência, para a sua
docência; na sequência, abordarei o problema da aplicação como questão
central da hermenêutica para finalizar mostrando como a atualidade
hermenêutica de Aristóteles comporta o problema da aplicação e de como
ele ainda reverbera no fazer pedagógico da docência em química.
Químicos, professores de química e a autoridade de Aristóteles
A princípio, podemos nos interrogar sobre um possível
estranhamento provocado por uma atualidade hermenêutica de Aristóteles,
ainda mais em uma área como a Educação Química, diretamente ligada
à Química. Isso porque Lavoisier, juntamente com outros pesquisadores
de sua época, empreendeu uma luta contra Aristóteles e seus textos; esta
luta foi travada, na verdade, pelo Esclarecimento2, contra a autoridade
de Aristóteles e outros escritores antigos, devido a ela estar centrada nos
autores – os “pais” da filosofia – o que passou a ser considerado dogmatismo
ou um não uso razão. Tal autoridade não estava em consonância com os
novos ideias de cientificidade estabelecidos por Descartes com o método; o
Esclarecimento buscou questionar esta autoridade, a medida que apenas os
conhecimentos que tivessem passado pelo método, através de uma postura
objetiva diante do mundo, passaram a ser considerados válidos, dignos e,
por isso, racionais.
2 Momento histórico de grandes transformações na Europa, durante o século XVIII, inclusive,
com o surgimento da ciência moderna, marcada pelo desejo e tentativa de rompimento com as
ideias do passado, considerado místico e dogmático e, ao mesmo tempo, por um olhar otimista
em relação ao futuro. Segundo Emanuel Kant (1985, p. 100, destaque do autor), “Sapere aude!
Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento” foi o lema do movimento, o que
demonstra a “guerra” travada contra os antigos pensadores, como Aristóteles, cuja obra exercia
grande influência sobre os investigadores, se sobrepondo aos fatos.
36 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
A crítica de Lavoisier à autoridade dos antigos, em especial, a
Aristóteles, se deu por este defender a ideia de que todos os corpos eram
formados por quatro elementos (Bensaude-vincente; Stengers, 1992). Ele
destacou que este era um preconceito advindo dos filósofos gregos, “uma
pura hipótese imaginada” (Lavoisier, 1789, III), pois os filósofos gregos da
antiguidade não tinham acesso aos fatos.
Estas teorias, que precisavam ser rejeitadas, pois os fatos observados
não corroboravam com elas, eram expressão da antiga compreensão
advinda do pensamento grego, de que as ideias eram inatas, e os fatos
deveriam se adequar às mesmas. Com isso, sua crítica se dirigia à esta forma
de compreender, onde, por exemplo, um químico que tivesse observado
alguma substância ou comportamento diferente, buscava adequar esta
observação empírica às ideias que já existiam sobre a matéria, as substâncias
e seus comportamentos.
Ao questionar as teorias vigentes em sua época, Lavoisier inverteu
a “lógica” investigativa que predominava na Química até então, pois “sua
proposta era exatamente o contrário, partir de fatos conhecidos para chegar
a conceitos gerais” (Alfonso-Goldfarb; Ferraz, 1993, p. 67). Para isso,
Lavoisier questionou a relação que existia até então entre os textos escritos,
como por exemplo, os textos de Aristóteles e a autoridade conferida a estes
devido a serem escritos por este autor.
Para Bernadette Bensaude-Vincente e Isabelle Stengers (1992, p.
36-37), foi a dissociação entre as noções de autor e de autoridade, assim
como a possibilidade de transmitir saberes e procedimentos de forma mais
clara, que passou a diferenciar os que daquele período em diante passaram
a se denominar de químicos, daqueles que continuavam a cultivar o
esoterismo alquímico. Trata-se, a Química, na visão das autoras, para além
de um esforço científico, também de um empreendimento didático e, por
isso, de cunho Educacional, que passou a se diferenciar da transmissão
esotérica, cifrada por códigos muitas vezes ininteligíveis, que era uma
prática da tradição alquimista.
Esta nova forma de pensar foi um avanço importante para a
Química, e possibilitou, inclusive, o seu desenvolvimento como campo de
investigação científica próprio e o seu ensino em instituições universitárias.
Contudo, apesar do evidente equívoco de Aristóteles, isso não significa que
todas as suas contribuições devam ser ignoradas e que todo o conhecimento
produzido por ele não tenha mais relação alguma com o presente, muito
embora seja evidente que muitas coisas não possam mais ser aceitas à
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 37
luz do conhecimento científico nos dias de hoje. Este questionamento é
trazido por Gadamer, que busca mostrar a atualidade hermenêutica, ou
seja, compreensiva/interpretativa/aplicativa para os textos destes antigos
escritores.
Gadamer questionou se é possível compreendermos de forma
desvinculada às condições sociais, políticas e históricas, desconsiderando
a tradição que nos chega pela história e pela linguagem. Ele argumentou
que, devido a nossa constituição linguística, toda e qualquer compreensão
somente é possível dentro de uma tradição. Então, não se trata de considerá-
la como algo negativo ou positivo, mas reconhecer que toda compreensão
somente é possível a partir de uma estrutura prévia de compreensão, que
ele denominou de preconceitos ou pré-juizos.
Os preconceitos não são inabaláveis, mas precisam se tornar
questionáveis3; é este movimento questionador, possível pela assunção
do perguntar, que passa, por sua vez, a desencadear um movimento
dialógico e cíclico – o círculo hermenêutico - o que possibilita as mudanças
históricas que vivenciamos e experenciamos; ainda assim, mesmo em toda
a mudança histórica, há aquilo que se conserva, com sentidos e significados
que permanecem na linguagem.
É justamente isso que Gadamer argumenta, ao elaborar o item
2.2.2, na segunda parte de Verdade e Método, mostrando que esta
tradição continua a falar nos dias de hoje, tendo adquirido uma atualidade
hermenêutica, ou seja, sendo compreendida à luz dos nossos dias, diante
dos problemas, dificuldades, limites e possibilidades de hoje.
O resgate, por Gadamer, do problema fundamental da hermenêutica:
a aplicação
A atualidade hermenêutica de Aristóteles é um texto de Gadamer,
que constitui o seu principal livro, Verdade e Método, no qual o filósofo
resgata o problema da aplicação, que foi, durante toda a sua trajetória,
central para as hermenêuticas, como consequência de que a tarefa
3 Gadamer foi muito criticado pelos conceitos de tradição e autoridade vinculados à hermenêutica,
sendo taxado por muitos de conservador e avesso às mudanças. Como forma de responder
à algumas destas críticas, elaborou prefácios às diversas edições de Verdade e Método, nas
quais buscou melhor explicar seus argumentos. Em relação à crítica sofrida, por sua obra ser
considerada defensora do conservadorismo, ele respondeu: “Embora seja próprio da essência da
tradição ser somente através de apropriação, faz parte também da essência do humano romper,
criticar e desfazer a tradição” (Gadamer, 2015, p. 25).
38 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
historicamente atribuída à hermenêutica era de adaptar o sentido de um
texto à situação concreta à qual se fala (Gadamer, 2015, p. 407).
Gadamer o escreveu dentro de um subcapítulo da segunda parte
de Verdade e Método, com o objetivo de justamente resgatar o problema
fundamental que acompanha as hermenêuticas por toda a sua trajetória
histórica: o problema hermenêutico da aplicação. Para pormenorizar esta
situação, é preciso fazer uma breve contextualização de qual problemática
Gadamer se preocupa.
As hermenêuticas têm uma antiga tradição, e, historicamente,
surgiram como um conjunto de regras que tornassem possíveis as traduções
de trechos obscuros de livros, em especial, a Bíblia, de modo a melhor
compreendê-las. Posteriormente, com Schleirmacher, passou a assumir um
viés mais metodológico, até ser transformada em uma metodologia das
ciências humanas, a partir de Dilthey; Gadamer, inclusive, acusa Dilthey,
apesar de todas as suas intenções, de submeter as ciências humanas aos
mesmos critérios de cientificidade das ciências da natureza.
Gadamer, com base em Heidegger, para quem a compreensão não
envolve apenas um movimento epistemológico, mas é algo que constitui o
ser humano, ou seja, é ontológico, deu outro sentido para toda a tradição
da hermenêutica; aquela hermenêutica metodológica que havia até então
passou a ser, a partir da reinterpretação dele, a Hermenêutica Filosófica.
Gadamer mostrou que a indissociabilidade entre compreender
e interpretar (inteliggere e explicare) já era aceita desde o Romantismo4,
pois desde ali já se reconhecia que “a intepretação não é algo posterior
e ocasionalmente complementar à compreensão” (Gadamer, 2015, p.
406), mas que “compreender é sempre interpretar, e, por conseguinte, a
interpretação é a forma explícita da compreensão” (Gadamer, 2015, p.
406). Porém, o autor também argumentou que um terceiro movimento,
o da aplicação, é um momento essencial do processo hermenêutico, assim
como o são a compreensão e a interpretação.
Ele resgatou a ideia de aplicação como um momento da compreensão,
por ela não ser bem aceita pelas modernas ciências da natureza, que buscam,
através da objetividade, uma posição de distanciamento entre o sujeito
4 Movimento artístico e intelectual que surgiu na Europa, entre 1800 e 1850, como resposta à
Revolução Industrial e a ideologia originada no Esclarecimento, que buscava olhar a natureza
sob uma perspectiva científica. Por isso, este movimento buscou valorizar o passado, em
especial, o período clássico e o medieval e teve ampla influência nas artes, na literatura, na
música, na Educação e mesmo na historiografia.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 39
e o objeto, como forma de assegurar uma neutralidade do investigador,
garantida pelo método científico.
Taylor (2013), ao se referir a esta pretensão do pensamento moderno,
explica como este pretende negar a aplicação como um dos momentos da
compreensão. Para ele, a consequência da objetividade, ou seja, da negação
da implicação daquele que compreende naquilo que é compreendido, se
dá através da assunção de um “sujeito desprendido” (Taylor, 2013, p. 193)
de si mesmo, ou seja, sujeito para o qual a razão não está relacionada com
qualquer tipo de subjetividade e, para o qual, a compreensão exige dar um
“passo para “fora” (Taylor, 2013, p. 193) de si mesmo. Neste movimento,
o que assegura este desprendimento é o próprio uso da razão, através do
método.
Desta forma, a aplicação nas ciências da natureza, envolve uma
lei generalizante para explicar casos particulares. Trata-se de aplicar a lei
a casos semelhantes, mesmo que em outros contextos sociais, culturais e
históricos. Neste movimento, o que se busca “é abolir a especificidade do
sujeito e a generalidade da cultura do investigador, e centrar na suposta
universalidade comum a todos os sujeitos” (Lawn, 2011, p. 60). A
universalidade pretendida pelas ciências modernas da natureza “é a razão e
a aplicação de um método que, independente das variações em linguagem,
cultura, história, etc... sempre produzirá os mesmos resultados e soluções”
(Lawn, 2011, p. 60).
Gadamer criticou esta ideia quando aplicada às ciências humanas.
Para isso, ele citou o caso do historicismo5, que “acabou induzindo a
atividade hermenêutica a ler a história como se lê um livro, isto é, como algo
que só tem sentido até a sua última letra” (Gadamer, 2015, p. 22). Assim,
de forma muito diferente do que o historicismo pretendia, para Gadamer,
quem lê a obra Ética a Nicômaco, por exemplo, não lê o texto com quem
tenta reviver a época de Aristóteles, buscando reconstituir mentalmente
os fatos tais como eles se deram em tempos remotos. Esta tentativa era
equivalente, no seu compreender, à tentativa de compreender o que o
autor quis dizer com aquilo, ou seja, adentrando no seu “psicologismo”,
ou em uma regressão à sua época, em uma espécie de retorno ao passado.
5 Trata-se de um movimento moderno fundando na ideia de que o mundo humano é resultado
de fatos históricos que podem ser reproduzidos mentalmente. Ao longo do século XX diversos
pensadores, incluindo Gadamer, criticaram o historicismo, principalmente por ele defender
a objetividade do conhecimento histórico, ou seja, de que este era livre de qualquer valor ou
preconceito oriundos do investigador.
40 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Quem lê um texto faz um movimento diferente, pois compreender
“significa mais do que apropriação da tradição ou o reconhecimento do
que foi consagrado pela tradição” (Gadamer, 2015, p. 25), mas implica
sempre a linguagem, “a confrontação com outro horizonte humano, um
ato de penetração histórica do texto” (Palmer, 1969, p. 98). Isso significa
que compreender um texto envolve sempre “um momento de relação com
o presente” (Palmer, 1969, p. 98). Sobre isso, nos diz Gadamer:
Se quisermos compreender adequadamente o texto – lei ou mensagem
de salvação – isto é, compreendê-lo de acordo com as pretensões que
o mesmo apresenta, devemos compreendê-lo a cada instante, ou seja,
compreendê-lo em cada situação concreta de uma maneira nova e
distinta. Aqui, compreender é sempre também aplicar (Gadamer,
2015, p. 408).
O significado é um sentido derivado do significado das partes
individuais. Logo, o sentido e a significação são contextuais, ou seja, são
parte da situação na qual estamos inseridos e dentro da qual nos encontramos
quando lemos qualquer texto. Assim, o significado que damos ao que lemos
é histórico; os significados não são fixos ou determinados; “o significado
não é como uma propriedade imutável de um objeto, o ‘significado’ é
sempre ‘para nós’” (Palmer, 1969, p. 247). Sobre isso, reitera Gadamer:
“a compreensão que se exerce nas ciências do espírito é essencialmente
histórica, isto é, que também nelas um texto só pode ser compreendido
se em cada vez for compreendido de uma maneira diferente” (Gadamer,
2015, p. 408).
Este é aproximadamente o sentido do conceito de aplicação para
as ciências do espírito e que Gadamer busca resgatar: a função que a
interpretação de um texto, escrito em algum momento do passado, possui
na relação que tem com o presente, de forma que compreender um texto
já envolve sempre aplicá-lo a uma situação concreta, que é aquela que
vivencia aquele que lê o texto. Dizendo de outra forma, quem lê um texto
o lê como se fosse seu destinatário e, neste mesmo sentido, o texto espera
ter um “efeito redentor” (Gadamer, 2015, p. 408).
Gadamer mostra que a compreensão de textos envolve o problema
hermenêutico de que “a tradição como tal deve ser compreendida cada
vez de um modo diferente” (Gadamer, 2015, p. 411), o que reporta a
uma relação entre o geral e o particular. Para ele, “compreender passa a
ser um caso especial da aplicação de algo geral a uma situação concreta e
particular”’ (Gadamer, 2015, p. 411).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 41
Logo, se lemos um texto, a sua compreensão sempre envolve um
diálogo do que chega pela linguagem, ou seja, do horizonte do texto, que
é também um horizonte do passado, com o horizonte do intérprete, que,
agindo como o destinatário daquele texto, o compreende no presente, à luz
do seu horizonte, a partir de uma certa visão global de mundo, ou ainda,
uma perspectiva sobre o mundo (Lawn, 2011).
Atos de interpretação são dialógicos, uma conversação constante,
dentro de uma tradição. O intérprete projeta o significado, mas estes
são rearranjados quando os preconceitos do intérprete são questionados
pelo horizonte de compreensão. Por isso, todo entendimento é sempre
diálogo. Temos então que a aplicação, como é trazida por Gadamer, tal
como acontece nos diálogos falados ou escritos, sempre envolve fusão de
horizontes. Para ele, esta é a forma como opera a compreensão/interpretação
tal como acontece nas obras humanas, como a arte, a história, a filosofia,
e a educação.
A atualidade hermenêutica de Aristóteles e a docência em química
Gadamer se preocupa com a atualidade do problema hermenêutico
da aplicação, ou seja, da participação do intérprete na compreensão, o que
é negado pelas modernas ciências da natureza. Para isso, argumenta que
tanto o saber técnico (tekhné), como o saber ético (phronesis) possuem uma
mesma tarefa de aplicação (Kronbauer, 2023), mas que há diferenças sutis
entre elas.
Apesar de Aristóteles não ter abordado a questão hermenêutica,
se preocupou com a apreciação correta que a razão deve desempenhar na
atuação ética (Gadamer, 2015). Por isso, opôs o Ethos à Physis.
Muito embora o comportamento moral dos seres humanos em
sociedade seja pautado por normas, estas são diferentes das leis da natureza;
por esta razão, diferente do saber da Physis, governada por leis da natureza,
de caráter fixo, o saber do Ethos não se submete a estas leis generalizantes,
já que é fundando na singularidade e mutabilidade do comportamento
humano. As normas morais são estabelecidas em um determinado contexto
social e histórico, sendo, portanto, mutáveis. Logo, como adquirir um
saber teórico sobre algo tão singular e mutável como o comportamento
humano? Trata-se de uma pergunta extremamente relevante para qualquer
pesquisador que queira melhor compreender fenômenos humanos como a
Educação e a docência, por exemplo.
42 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Gadamer responde, a partir de Aristóteles, que, para que o saber
teórico possa ter sentido, ele deve saber aplicar-se à situação concreta,
“à luz do que se exige dele em geral” (Gadamer, 2015, p.412). Caso
contrário, poderá até mesmo obscurecer as exigências emanadas daquela
situação, ou seja, perder o sentido. Este conhecimento ético, que Gadamer,
a partir de Aristóteles, chama de phronesis, é um saber que também precisa
ser aplicável, a exemplo do saber da tekhné, para que possa ser útil. Mas
Gadamer percebe que não se trata do mesmo tipo de aplicação.
Segundo Kronbauer argumenta, este é o problema do saber
prático, não apenas o moral, mas também o saber pedagógico, ou seja, o
saber sobre a docência, da práxis educativa, e que envolve a formação do
ser humano: trata-se de um saber que precisa ser aplicável para ser útil,
mas cuja aplicação não é a tekhné, que é o saber do artesão que produz
algo que pode ser alienado (Kronbauer, 2023). Se o fosse, poderíamos
até mesmo planejar e prescrever, ao modo de como o artesão o faz, de
como gostaríamos de conformar os estudantes. Se o saber do artesão é um
saber aplicável a situações concretas, sendo um saber prévio que orienta o
seu fazer, a práxis também o é. Mas quais as diferenças que levam a uma
especificidade do saber docente?
Trata-se o saber sobre a docência, de um saber prático (phronesis),
que se aproxima do saber ético (Ethos). É um saber relativo a tomar
decisões que precisam ser acertadas, pois “aquele que atua deve saber e
decidir por si mesmo e não permitir que lhe arrebatem essa autonomia por
nada” (Gadamer, 2015, p. 413). Logo, para Aristóteles, o saber ético não
é um saber objetivo e, portanto, um “saber puro” ou que seja separado do
“ser”, como o saber teórico da episteme. Não se trata, portanto, do saber
da ciência, que para os gregos era o saber matemático, de caráter imutável,
pois repousa demonstração e, por isso, pode ser ensinado e aprendido.
Por isso, segundo Gadamer, Aristóteles distingue o saber ético da
phronesis, do saber teórico da episteme. Para ele está claro que as ciências do
espírito – como se refere às ciências humanas – fazem parto do saber ético
da phronesis (prudência ou sabedoria prática), pois são ciências morais que
tem por objeto o ser humano e o que este sabe sobre si mesmo. Porém,
este “se sabe a si mesmo como ser que atua, e o saber que assim possui de
si mesmo não pretende comprovar o que é.
Antes, aquele que atua está às voltas com coisas que nem sempre são
como são, pois, podem também ser diferentes” (Gadamer, 2015, p. 414).
É nesta inconstância da mobilidade humana que “seu saber deve orientar
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 43
seu fazer” (Gadamer, 2015, p. 414). Logo, o saber ético da phronesis é um
saber da experiência, que é aprendido na prática. Trata-se de um saber
geral, que deve ser aplicado em cada situação particular de forma diferente
e, deste modo, é um conhecimento imprescindível para o verdadeiro fazer
pedagógico, para a docência que se assume como educação (Kronbauer;
Fensterseifer, 2023, p. 11).
A phronesis é um saber da experiência, de quem vivenciou de forma
intensa e com reflexividade, de modo a aprender com estas vivências tanto
de natureza teóricas como práticas, se constituindo em uma experiência
(Kronbauer; Fensterseifer, 2023). No caso da docência em química, trata-
se do saber do fazer pedagógico, daquele professor que, atuando e tomando
decisões que exigem ser acertadas, passa a ter experiências e, com elas,
forma um tipo de saber teórico, que sempre está em constante diálogo com
suas práticas, não sendo algo fixo, como é o saber da tekhné.
A tekhné é um tipo de saber prévio, que se refere ao “saber do
artesão que sabe produzir coisas determinadas” (Gadamer, 2015, p. 415)
e que, portanto, está relacionado à produção. Assim, “o conhecimento
técnico pressupõe a aplicação de regras e técnicas, com o objetivo de criar
algo” (Lawn, 2011, p. 175). O detentor do conhecimento técnico possui o
conhecimento daquilo que será feito e uma noção dos princípios e regras
para os quais o objeto deverá ser adequado. Se há sucesso na produção, é
porque há uma conformidade entre o objeto produzido e os procedimentos
para os quais será utilizado.
Assim, o caracteriza a tekhné é um determinado controle sobre
o processo, o que gera também segurança. Como saber que pode ser
aprendido teoricamente, ou pela prática, em ambos os casos exige um
certo domínio, um determinado controle sobre os procedimentos, para
produzir algo que possa ser usado conforme aquilo que se espera dele, ou
seja, que seja conformado à situação que dele se exige determinado uso.
Nada parecido com isso pode ser esperado do saber docente sobre
a sua prática. O saber sobre a docência se aproxima daquilo que os gregos
denominavam de ethos, se distinguindo do saber teórico e da physis.
O conhecimento da phronesis, está intrinsecamente relacionado
com as autoconcepções do agente da ação e não pode ser codificado em
termos de princípios ou mesmo ser reduzido a algum método que possa
ser ensinado. Cada ação está relacionada com um caso único onde regras
gerais são insuficientes; “As regras, por sua própria natureza, nunca podem
44 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
ser aplicadas. De forma programada, aos casos específicos” (Lawn, 2011,
p. 175).
Assim, a phronesis comporta sem si uma dimensão hermenêutica,
que está relacionada com o problema da aplicação. Lawn explica esta
situação:
Quando desempenho uma ação, eu aplico a generalidade daquilo
que aprendi no passado – através da tradição – à especificidade do
possível curso de ação no presente. A phronesis revela a estrutura real
do entendimento; não como um sujeito conhecedor dominando um
objeto, mas como experiência através da qual os preconceitos ou
hábitos, passados através da tradição, encontram o desconhecido ou
o conhecido. A novidade não é dominada, através da classificação, de
acordo com algum princípio organizador; ao contrário, ela é experiência
disruptiva, pois surpreende (Lawn, 2011, p. 176).
Diferentemente da techné, a phronesis é um tipo de conhecimento
para o qual não existem princípios rígidos a serem extraídos dele, nem
algum tipo de objeto ou produto para o qual tal conhecimento deva
ser direcionado. A pessoa que age de determinada forma, diante de
certa situação, o faz sem necessariamente refletir antecipadamente. Se o
conhecimento técnico sempre age em benefício de alguma coisa, o mesmo
não acontece com o saber ético.
A grande diferença entre estas duas formas de saber reside em que
o ser humano não pode produzir a si mesmo, ao mesmo modo como o
artesão o faz com a matéria com a qual trabalha. Por isso também, o saber
que o ser humano tem de si mesmo, em seu ser ético, não pode ser o
mesmo que aquele saber que orienta um certo produzir.
Gadamer explica que Aristóteles formula esta diferença chamando
este saber ético de um saber-se, ou ainda, um saber para si. É este saber-se
que se destaca do saber teórico. Assim, uma techné pode ser aprendida,
e também esquecida, porém o saber ético não pode ser aprendido nem
esquecido. Não temos um controle na forma de um domínio sobre
ele, de modo que podemos escolher ou deixar de escolher alguma
habilidade objetiva, como na techné. Ao contrário, como coloca Gadamer,
“encontramo-nos sempre na situação de quem precisa atuar […] e, assim,
já devemos sempre possuir e aplicar o saber ético” (Gadamer, 2015, p. 418,
supressão minha).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 45
Considerações finais
Neste texto procurei dialogar em torno do conceito de aplicação, e
como ele é regatado por Gadamer, mostrando que, nas ciências humanas,
toda compreensão, para além de interpretação, também comporta aplicação.
Para isso, trouxe o exemplo do próprio Gadamer, a partir de Aristóteles,
e de como ele resgata as diferenças entre o saber da tekhné e o saber da
experiência prática, a phronesis, mostrando que as suas diferenças são sutis e
que residem basicamente que a tekhné exige um controle e domínio, como
um saber generalizante que busca em todos os casos, aplicar os mesmos
princípios e técnicas, independente das condições históricas e culturais
diversas.
O saber da phronesis, um saber geral que precisa ser aplicado em
cada situação de uma forma diferente, não é um saber sobre o qual e através
do qual se possa exercer algum tipo de domínio e controle. No entanto, é
um saber fundamental que caracteriza a diferença entre um professor de
química e um químico.
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Capítulo 3
Educação em Ciências e a Hermenêutica Dialógica
de Martin Eger
Jéssica Boeira Milane1
Robson Simplicio de Sousa2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.47-59
Introdução
A
separação rígida sujeito/objeto que está muito presente no fazer
ciência, em que o cientista é o sujeito buscando o conhecimento
sobre os objetos deste mundo, também está presente na Educação em
Ciências. Para Eger (1992), o objetivo, então, é que o aluno domine os
conceitos da ciência que estuda, considerando o conhecimento científico
como uma representação objetiva e espelhada da realidade, algo pronto e
acabado. Nessa separação rígida entre sujeito e objeto, pode-se distanciar
a compreensão completa e contextualizada do conhecimento científico e
das interações humanas com o mundo ao redor em como apresenta Eger
(1993a) há um duplo distanciamento: entre a ciências e seu foco de estudo
a natureza, e o aluno e a ciência que estudam e buscam compreender.
Ao assumir uma aparência “seca e cortada” sem que algo especificamente
humano seja encontrado nas ciências, algo que exija julgamento a ciência
perde sua ancoragem com a realidade. Para Eger (1993a), uma abordagem
epistemológica, muitas vezes, pressupõe que o sujeito pode observar e
explicar os objetos de forma completamente imparcial e objetiva, sem
influências.
Martin Eger3 apresenta a Hermenêutica Filosófica, que
historicamente era associada apenas às Ciências Humanas, como uma
1 Graduanda de Licenciatura em Ciências Exatas no Setor Palotina da Universidade Federal do
Paraná (UFPR).
2 Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do
Rio Grande (FURG). Professor Adjunto do Departamento de Educação, Ensino e Ciências
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Líder do Grupo de Pesquisa JANO: Filosofia e
História na Educação em Ciências da UFPR.
3 Martin Eger (1936-2002), foi um físico teórico e professor de Física no College of Staten Island,
na City University of New York. Filósofo, estendeu o pensamento de Habermas e Gadamer para
a Educação em Ciências (Sousa; Galiazzi, 2017).
48 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
possibilidade à Ciências Naturais e com implicações à Educação em
Ciências. Ele apresenta de que forma a hermenêutica, entendida como
a arte da interpretação, pode modificar a visão de ciência daquele que a
estuda, possibilitando a superação dessa separação sujeito/objeto e como
isso pode contribuir para uma Educação em Ciências que trata do mundo
da vida.
Para Eger (1993, p. 341), “o que o ser humano enfrenta não são
realmente os fenômenos da natureza em si, mas várias formas de texto
escrito e falado, de palestras a relatórios de pesquisa, aos livros didáticos
propriamente ditos - literalmente, textos”. Nesse contexto, é inegável que
o que encontramos é uma linguagem já estabelecida - a linguagem inerente
à ciência (Eger, 1993), e por meio da linguagem chegamos a interpretações
em busca de compreensão possibilitada pelo diálogo, foco da Hermenêutica
Filosófica.
Com essa articulação realizada por Eger entre a Hermenêutica
Filosófica e a Educação em Ciências, torna-se possível pensar a Hermenêutica
Filosófica para a educação de uma ciência específica. Partindo de um
exercício ensaístico com liberdade temática e formal (Larrosa, 2003)
buscamos entender: como a perspectiva de Martin Eger pode promover
um diálogo hermenêutico à Educação em Ciências?
Diante disso, esse trabalho visa mostrar como a hermenêutica
dialógica de Martin Eger pode apresentar possibilidades para uma Educação
em Ciências relacionada com o mundo em que vivemos. De início,
apresentamos o que sentidos possíveis à Hermenêutica e seu caminho para
uma Hermenêutica Filosófica e como a maneira de compreender o ato de
interpretar se transformou abrindo caminho para um diálogo entre o texto/
mundo e o intérprete. Em seguida apresentaremos o Diálogo Hermenêutico
na Educação em Ciências para o educador em ciências Martin Eger e
alguns intérpretes do diálogo baseado em Hans-Georg Gadamer, filósofo
no qual o próprio Eger fundamentou seus estudos. Em uma terceira etapa,
serão apresentadas que repercussões o Diálogo Hermenêutico pode ter na
Educação em Ciências.
Da Hermenêutica à Hermenêutica Filosófica
Partimos de uma breve descrição de como a hermenêutica tem
sido compreendida historicamente de uma hermenêutica procedimental
de interpretação a uma atividade que proporcione uma postura filosófica.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 49
Grondin (2012) apresenta como a Hermenêutica foi compreendida
de três maneiras. Em um sentido clássico do termo, a hermenêutica
designava outrora a arte de interpretar texto com um objetivo
essencialmente normativo, baseando-se em regras em uma função auxiliar
para interpretar passagens ambíguas. Já a Hermenêutica Metodológica
buscava um rigor, com uma pretensão de verdade um estatuto científico
para as Ciências Humanas. A Hermenêutica Filosófica rompe a ideia de ser
apenas relacionada a textos e passa a ser uma Hermenêutica da existência.
Da Hermenêutica Clássica à Hermenêutica Metodológica era uma
atividade procedimental que pretendia realizar a interpretação de textos
antigos de contextos históricos muito distintos, de sociedades remotas
e muitas vezes em línguas estrangeiras. Era compreendida meramente
como “regras que orientavam o procedimento interpretativo prático
para solucionar problemas de (não-)compreensão de diferentes áreas de
conhecimento” (Rohden, 2003, p. 118).
Essa interpretação deveria ser realizada de maneira que o intérprete
se abstivesse de si mesmo para alcançar o verdadeiro significado desse
texto, como aborda Grondin (1999, p. 225), “totalmente independente do
observador; pode ser verificado objetivamente por alguns critérios; e pode
ser expresso em fórmulas ou leis e, no melhor dos casos, em fraseologia
matemática”. O observador nada tinha a contribuir no processo de
interpretação que se resumia a realizar um procedimento que resultaria na
compreensão de determinado texto. Ao não considerar as contribuições
dos horizontes do intérprete ao lidar com esse “texto”, Rohden aponta um
problema:
A hermenêutica converte-se em simples metodologia ao pretender
desvincular seu procedimento interpretativo do plano histórico,
político, moral, como se sua validade e autenticidade fossem asseguradas
pela pretensa postura de neutralidade com relação ao que interpreta.
(Rohden, 2003, p. 117)
Ao lidarmos com aquilo que nos é estranho, levamos em consideração
aquilo que já conhecemos, que já experienciamos no mundo, aquilo que
somos. A ideia de neutralidade em relação às interpretações se perde ao
refletir sobre a complexidade dessa atividade que é buscar a compreensão
dos sentidos. Como apresenta Rohden (2003, p. 127), a hermenêutica se
transformou passando de “um procedimento que julga e deduz passamos
a um modo de ser, a uma postura filosófica que ouve, discerne e dialoga”.
Na perspectiva da Hermenêutica Filosófica, a maneira que
compreendemos o ato de interpretar se transformou, entendido agora
50 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
como a maneira que somos e estamos no mundo e como lidamos com ele
em constante interpretação não somente de ‘textos’ mas da existência em
busca de uma fusão de horizontes. A interpretação não é algo realizado por
meio de técnicas e procedimentos, não é o ponto final, mas o caminho
sendo realizado ao longo do percurso. Como aponta Rohden (2003, p.
127),
Do ponto de vista filosófico, o sentido não é tomado como algo fixo,
estático mas ontológico-histórico. Desse modo, não é unívoco, mas
dinâmico, o que nos permite afirmar que uma obra com sentido é
aquela que continua ecoando em cada um de nós porque não temos
fome apenas de pão, mas de sentido.
A maneira com que lidamos com essas interpretações também
se transformou, buscando a compreensão ao longo do percurso em um
vaivém entre o todo e as partes – círculo hermenêutico – de um texto.
O intérprete é considerado como parte fundamental no processo de
interpretar, pois ele é o responsável por dialogar com os horizontes do
texto por meio da linguagem a partir de suas pré-compreensões. Grondin
apresenta o processo de compreensão como é entendido por Gadamer
É um vaivém constante entre o todo e as partes: a interpretação das
partes de um texto não pode deixar de ser guiada por uma (pré-)
compreensão do todo em que elas se encontram, mas a compreensão do
todo é constantemente revista à medida que se avança na compreensão
das partes, que são então compreendidas à luz de uma ideia mais precisa
do todo. (Grondin, 2016, p. 304)
Esse círculo hermenêutico que parte do pressuposto que há sempre
uma pré-compreensão por meio do vaivém entre o todo e as partes
proporciona a compreensão que guia a interpretação que ocorre por meio
de um diálogo. O diálogo entre o intérprete e o texto é possibilitado por
meio da linguagem do texto e a linguagem do intérprete, proporcionando
uma fusão de horizontes. Como apresenta Grondin (2011, p. 31), “o
caráter do diálogo já foi sugerido na fusão de horizontes, porque quando
os horizontes se interligam eles dialogam; ou pelo menos esta é a visão de
Gadamer”.
A linguagem, para Gadamer, não é mais uma técnica ou ferramenta
para interpretar, pois a linguagem faz parte do ser, constitui-nos. E o modo
como estamos no mundo apresenta o que argumenta Gadamer sobre a
linguagem “é menos uma ferramenta ou instrumento que está à disposição
de nossas mentes construtoras do que o verdadeiro elemento, horizonte e
modo de realização (Vollzug) de nossa compreensão e de nosso ser-neste
mundo” (Grondin, 1999, p. 229).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 51
A Hermenêutica Filosófica aponta que o diálogo que ocorre - por
meio da linguagem - entre o texto e o intérprete, pode levar a compreensão
por meio da fusão e ampliação de horizontes. Como aponta Vessey (2016,
p. 316),
Devemos encontrar nosso caminho na linguagem com os outros.
Assim, a atividade de chegar a uma compreensão articulada de algo
com os outros – o diálogo – é a realização da nossa natureza dialógica
e linguística.
Por meio do diálogo, não só nos tornamos capazes de compreender,
mas também nos entendemos como parte do mundo como argumenta
Vesey (2016, p. 316) sobre como Gadamer vê o diálogo “não apenas
como algo em que nos envolvemos, mas como algo que concretiza a nossa
natureza como seres humanos”. A partir dos diálogos e compreensões
somos transformados e, como argumenta Davey (2012, p. 192), “o jogo do
diálogo permite que o assunto se torne mais ele mesmo e os participantes
se tornem diferentes de si mesmos”.
Por meio dessa mudança de acepção da Hermenêutica em uma
Hermenêutica Filosófica ela se constitui em uma interpretação do mundo
e de quem somos no mundo em busca de compreensão. Como apresenta
Grondin, sobre a Hermenêutica Filosófica,
Ela assume a forma de uma filosofia universal da interpretação. Sua ideia
fundamental (prefigurada no último Dilthey) que é o entendimento e a
interpretação não são métodos encontrados nas ciências humanas, mas
processos fundamentais que podemos encontrar no próprio núcleo da
vida. (Grondin, 2012, p. 13)
Apresentamos as concepções da Hermenêutica Clássica,
Hermenêutica Metodológica à Filosófica e como essa mudança transformou
a maneira de interpretar. Na perspectiva gadameriana, ela entendida como
um processo dialógico que ocorre por meio da linguagem e proporciona a
fusão de horizontes. Desta forma, algo que era inicialmente relacionado a
interpretações realizadas no âmbito das Ciências Humanas é compreendido
como inerente ao ser e estar no mundo. Martin Eger (1992, 1993a, 1993b)
é o responsável por argumentar a favor dessa articulação e evidenciar como
a Hermenêutica Filosófica se mostra apropriada também às Ciências
Naturais e à Educação em Ciências.
52 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Diálogo Hermenêutico em Eger na Educação em Ciências
Nesta seção, buscamos responder o questionamento realizado na
seção anterior compreendendo de que maneira Martin Eger articulou a
Hermenêutica Filosófica às Ciências Naturais e à Educação em Ciências. E
qual o papel do Diálogo Hermenêutico para que tanto o estudo da Ciência
seja ancorado na realidade e possa superar essa separação sujeito/objeto
essa distância que há entre a ciência que o aluno estuda e o próprio aluno.
Martin Eger busca estender a Hermenêutica Filosófica à
compreensão das Ciências Naturais com interesse no significado disso
para a Educação em Ciências. Ele apresenta de que maneira lidar com
essas interpretações podem transformar a ideia de fazer e estudar ciência.
Partimos, então, da transformação pela qual a Hermenêutica passou.
Como explica Eger,
A hermenêutica se transformou quando se negou que os preconceitos4,
ou pressentimentos, ou preconceitos, como são chamados, pudessem
ser essencialmente superados. Pois, se não puderem, então, a
ideia original de recuperar o significado preexistente de um texto
desmorona, pois o significado deixa de ser o alvo fixo para o qual a
interpretação é apenas um caminho. Em vez disso, o significado
emerge da interpretação. As interpretações tornam-se, pelo menos em
parte, construtivas, não reconstrutivas. Isso implica que os significados
prévios, que agora adquirem um novo significado, não podem
simplesmente ser eliminados, mas devem eles mesmos se tornarem um
foco de investigação. (Eger, 1993a, p. 7)
A Hermenêutica Filosófica questiona o que seria qualquer tipo de
compreensão. Para Eger,
Compreender é a emergência (‘vir a ser’) de significado que ocorre na
interpretação, que é um processo dialógico. Isso localiza o significado
não na mente do intérprete - como faz a epistemologia - mas na
interação ou diálogo entre intérpretes “corporificados” (no sentido de
Heelan ou Polanyi) e o que é interpretado. (Eger, 1993, p. 13)
A hermenêutica, então, é entendida como dialógica, tendo
característica de perguntas e respostas, em que as perguntas dependem dos
horizontes envolvidos e as respostas dependem das perguntas feitas. Como
é argumentado por Eger (1993, p. 15), “é essa ontologia do diálogo que
salva a hermenêutica do relativismo e do subjetivismo, ao mesmo tempo
4 Para Lawn (2011, p. 115), a palavra “preconceito” se divide etimologicamente em preconceito
ou pré-juízo. O julgamento não é possível sem o ‘pré’ que vem antes disso. Todos os
julgamentos são condicionados por pré-julgamentos. Isto é um sentido de preconceito mais
antigo e pré-moderno ao qual Gadamer quer atrair nossa atenção.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 53
em que permite o ‘jogo’ da interpretação; e é essa característica que deve
ser desenvolvida em relação à ciência”. Como apresentam Galiazzi e Sousa:
O modo de interpretar é ontológico, pois, ao lidarmos com o mundo,
carregamos vivências/experiências, a bagagem de nosso existir, ou seja,
lidamos com o mundo com nossas pré-compreensões e nossos pré-
juízos. Gadamer chama isso de “horizonte”, que é aquilo que podemos
“alcançar”, aquilo que “enxergamos”, podendo ser ampliado a partir
de novas vivências e experiências com o mundo, das quais não saímos
ilesos, pois somos por elas afetados. (Galiazzi; Sousa, 2023, p. 4)
Como argumenta Eger (1993a) as interpretações que provêm de
um ‘texto’ dependem dele mesmo, e o que o intérprete constrói é guiado
por pistas do ‘texto’ e por suas pré-compreensões, havendo confirmação ou
rejeição de suas projeções. O texto, por assim dizer, nos fala, compreensível
a partir da nossa linguagem. Essas línguas devem ser comensuráveis,
fundido horizontes ocorre assim um diálogo em busca da compreensão do
‘texto’. Como trazem Sousa e Galiazzi:
A linguagem é o meio pelo qual somos no mundo – por isso, é
ontológica – e, portanto, indissociável de nossas práticas dialógicas que
dizem sobre nós e sobre outros, em que somos com o outro à medida
que nos enredamos linguisticamente. (Sousa; Galiazzi, 2017, p. 293)
De acordo com Eger (1993), o termo ‘texto’ abrange não apenas
expressões codificadas em línguas naturais ou especializadas, mas engloba
todos os objetos de estudo e considerações hermenêuticas, no âmbito
científico, isso pode envolver elementos como representações gráficas,
modelos e experimentos. Indo além para abranger a própria natureza, o
mundo em que somos e interpretamos.
De acordo com Lawn (2007, p. 99), “o caráter do diálogo tem sempre
sido sugerido na fusão de horizontes, pois quando os horizontes fazem
conexão eles se engajam no diálogo”. Se não houver a fusão dos horizontes
do texto e do intérprete a compreensão falha, mas se houver um movimento
de vaivém das interpretações é possível atravessar o horizonte do texto e
adentrar em seu domínio linguístico tendo ao alcance as potencialidades
do texto. Por meio do processo de interpretação e construção de novos
conceitos, os horizontes se fundem e se expandem. Segundo Eger (1993,
p. 15), “a ‘fusão de horizontes’ incorpora a ideia de interpretação como
um estado de movimento (no espaço cognitivo), e de seres humanos que
entram neste estado como participantes do movimento”.
Como apresenta Lawn (2007, p. 101), “no diálogo genuíno, os
participantes mudam, à medida que as suposições iniciais são desafiadas,
54 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
modificadas, apresentadas para escrutínio no tribunal público de apelos, e
no diálogo em si”. Dessa forma, o diálogo é o modo como interagimos com
o mundo, com os outros e com nossas próprias tradições, evidenciando
como vivenciamos os fenômenos que emergem em nossas experiências.
Para Eger (1992) um diálogo pressupõe fala e escuta, em que
nenhum desses momentos deve ter uma grande ênfase. É preciso uma
posição de abertura ao texto e ao mundo, possibilitando por meio disso
constituir-se a si mesmo. Para Hermann (2002, p. 90), “o diálogo é uma
condição própria da Hermenêutica, especialmente porque não existe mais
a absolutização da subjetividade moderna no processo de conhecimento,
no sentido do domínio do sujeito”. O significado, então, surge na própria
interpretação, em que essa é uma reivindicação ontológica. Como apresenta
Eger (1993a), o significado não apenas ‘existe’ antes de uma compreensão,
portanto, o corte sujeito/objeto não existe, o significado não é separado do
texto ou do intérprete.
Para Eger (1992, p. 15), “no estudo da ciência, o diálogo
correspondente é entre o aluno e a tradição científica (‘textos’). É este
último nível, mais obviamente linguístico, que nos interessa a longo prazo”.
A linguagem é entendida como central nesse processo de interpretar e
dialogar como os ‘textos’ da ciência aos quais o aluno busca compreender.
Como ressaltam Sousa e Galiazzi:
A linguagem de fazer ciência, a linguagem de estudar ciência, as leituras,
textualizações e experiências dialógicas que emergem dessas práticas e
suas vinculações com a Educação e Ensino de Ciências reivindicam a
centralidade da linguagem em processos formativos. (Sousa; Galiazzi,
2017, p. 291)
Educar em Ciências na perspectiva egeriana significa considerar a
Ciência como algo em interpretação e questionamento, não uma verdade
absoluta de um mundo pronto. Então, entendemos a relevância da indagação
no contexto de um diálogo porque ela proporciona a compreensão de algo
ou alguém de maneira mais ampliada. De acordo com Hermann (2002,
p. 92), “a experiência educativa originária se alimenta da linguagem vivida
no diálogo, que dá possibilidade de o homem constituir-se a si mesmo”.
Dessa maneira, tanto professores quanto alunos se transformam. Ao deixar
de ser visto como o detentor de todo o saber, como tratam Sousa e Galiazzi
(2018) o professor passa a ser um intérprete dessa linguagem da ciência
que é estranha ao aluno. Sousa e Galiazzi (2017, p. 286) ressaltam o que
seria essa nova identidade do ser professor em que “o professor de Ciências
não é um leitor isento e imparcial das práticas científicas. Ele é mais um
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 55
intérprete dentro da diversidade de espaços de representações que o texto
de Ciência possibilita”.
Os alunos deixam de ser apenas ouvintes e podem então compreender
um pouco a complexa atividade histórica e humana que é a Ciência. Isso
envolve também do professor um posicionamento de abertura para com
o aluno, pois, para Eger (1992), fazendo a ponte entre o horizonte dessa
ciência e o horizonte do mundo da vida usando os preconceitos como
ponto de partida, por meio do diálogo que promove entre o aluno e a
linguagem da ciência, o professor mostra as rotas disponíveis. À medida
que a interpretação avança, o “horizonte” dos alunos se expande e os
“horizontes” se fundem, “assim, a interpretação deve ser vista como um
evento, uma performance do texto, como a interpretação no palco de uma
peça ou composição musical” (Eger, 1993a, p. 13). O significado surge
na própria interpretação, no evento do texto que apenas compreendido
assim pode mostrar a sua totalidade. Não havendo uma separação entre a
interpretação realizada pelo intérprete e o texto. Como ressalta Eger,
O corte sujeito/objeto não se situa entre o intérprete de um lado e o
texto com seu significado do outro (objetivismo). Tampouco se situa
entre o texto sozinho de um lado e o significado dentro da mente
do intérprete do outro (subjetivismo). Como um limite fixo, o corte
simplesmente não existe; o significado não é separado nem do texto
nem do intérprete. (Eger, 1993, p. 12)
Para Eger (1993a), uma Educação em Ciências que busca uma
compreensão do texto/mundo, não possui uma separação fixa entre aquilo
que se tenta compreender (‘objeto’), as interpretações que emergem e o
intérprete (‘sujeito’). Por meio de um diálogo hermenêutico, o intérprete
transforma e é transformado por aquilo que tenta compreender – a
linguagem de uma ciência.
Repercussões do Diálogo Hermenêutico à Educação em Ciências
A partir do diálogo hermenêutico de Eger buscamos, então,
uma Educação em Ciências, que se amplia por aqueles que tentam
compreendê-la. No caminho previamente trilhado por Martin Eger ao
propor a Hermenêutica Filosófica de Gadamer como adequada também
às Ciências Naturais e a Educação em Ciências, encontramos outros
autores que buscam apresentar em seus trabalhos como a Hermenêutica
de Gadamer e a articulação dela feita por Martin Eger pode contribuir
com a Educação em Ciências. Galiazzi e Sousa (2023) sintetizam algumas
56 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
das contribuições de Eger como: a integração entre a prática científica e
o aprendizado das ciências, a valorização das experiências em busca do
conhecimento científico, a necessidade de interpretar textos científicos
para compreender o mundo, o papel dos educadores como mediadores em
contrapartida a um enfoque pragmático, a importância da ciência como
atividade humana que se transformou ao longo da história.
A partir dessa síntese sobre as contribuições de Eger, entendemos
que é preciso que o diálogo faça parte desse processo de busca pela
compreensão. É necessário que uma postura de abertura dialógica seja
assumida fomentada nos processos educativos de ciências. Pois além de
lidarem com um novo conhecimento e linguagem que não lhes é familiar,
lidam também com outros seres humanos que possuem experiências,
pré-compreensões e horizontes diferentes dos seus. Para Carmo, Sousa e
Galiazzi:
Em um cenário educacional, é no diálogo que o aluno se depara com
um horizonte de compreensão além do seu e que precisa, muitas vezes,
colocar seus preconceitos à prova. No diálogo, o aluno precisa exercitar
a ética, a alteridade e ouvir o que o outro tem a dizer abertamente.
(Carmo; Sousa; Galiazzi, 2023, p. 46)
Diante de uma sala da aula de ciências onde o novo e estranho são
apresentados “é preciso estar disposto ao acolhimento de outros modos de
expressão linguística acerca do mundo e daquilo que é estranho a ambos
os interlocutores dentro do fenômeno dialógico” (Sousa; Galiazzi, 2018,
p. 277). A linguagem assume, então, um papel central e não pode ser
reduzida a uma ferramenta, pois ela faz parte de nós e nos constitui no
mundo.
Diante disso, a compreensão – não uma dominação – dessa nova
linguagem da ciência que o professor apresenta e interpreta só pode
ocorrer por meio do diálogo, um diálogo entre professor - texto científico,
professor-aluno, buscando uma fusão de horizontes. Isso porque, como
é argumentado por Sousa e Galiazzi (2018, p. 272), “o diálogo como
busca de (auto)compreensão que acontece na linguagem se constitui
como abertura à aproximação de horizontes comuns, que passam a fazer
parte de ambos os interlocutores enredados no processo dialógico”. Por
meio do diálogo e da linguagem, somos capazes de interagir com o nosso
entorno, mudar e ser mudado pelas experiências que nos perpassam. Para
Borda (2007, p. 1031), “experiências desconfortáveis ou estranhas, em
particular, oferecem bases para questionamentos e modificação de nossos
preconceitos, resultando em novos entendimentos”.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 57
Eger enfatiza o diálogo ontológico como um processo em que o
significado emerge através da interação entre os interlocutores, que se dá
por meio de perguntas e respostas. Esse processo de interpretação possibilita
a fusão dos horizontes da disciplina em questão - com o professor atuando
como intérprete de uma tradição de linguagem (Sousa e Galiazzi, 2018)
- e dos alunos, transcendendo a dicotomia entre sujeito e objeto. São
apresentados argumentos teóricos aqui com objetivo de promover esse
diálogo do aluno para com a ciência. Ressaltando a ciência como algo em
ampliação, não uma verdade pronta sobre o mundo e explorar controvérsias
científicas históricas ajuda os alunos a compreenderem e defenderem
seus pontos de vista, promovendo, dessa forma, uma compreensão mais
profunda da ciência. Estar aberto a esse diálogo faz com que a separação
sujeito-objeto seja contornada, não havendo mais essa ideia de dominação
sobre a ciência, aproximando-a do aluno.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, exploramos as ideias de Martin Eger,
especialmente sua abordagem hermenêutica dialógica em relação à ciência
e à educação em ciências. Inicialmente, destacamos a crítica de Eger à
distinção rígida sujeito/objeto na prática científica, ressaltando como essa
separação pode comprometer a compreensão do conhecimento científico
e das interações humanas com o mundo. Em seguida, tratamos da ideia
inicial de hermenêutica e interpretação e sua transformação em uma
hermenêutica filosófica que propõe um diálogo em busca da compreensão.
Com isso examinamos a hermenêutica filosófica de Eger articulada às
ciências naturais, fundamentada nos princípios de Hans-Georg Gadamer,
destacando a natureza dialógica da interpretação que contribui para
uma educação em ciências naturais. Buscamos, então, entender quais as
repercussões do Diálogo Hermenêutico à Educação em Ciências de que
maneira ele pode contribuir para uma educação ancorada na realidade sem
a ideia de dominação.
Diante das reflexões apresentadas, surge a perspectiva de aprofundar
a compreensão sobre a aplicação da hermenêutica de Eger na Educação
em Ciências. Seria relevante investigar como essa abordagem pode ser
implementada no ensino de disciplinas específicas, como a química,
considerando as implicações ontológicas e epistemológicas. Além disso,
explorar as potenciais mudanças no papel do educador e do aluno nesse
58 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
contexto dialógico, onde o professor se torna o intérprete e o aluno faz
parte do processo de compreender a ciência.
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Capítulo 4
Experiências Estéticas na Educação em Ciências:
articulações a partir da Bildung de Hans-Georg
Gadamer
Ana Paula Carvalho do Carmo1
Robson Simplicio de Sousa2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.61-73
A crise da modernidade e seus desdobramentos na Educação em
Ciências
O
campo da Educação em Ciências (EC), desde seu surgimento,
já lidou com diversos desafios. Schulz (2009) aponta que um
discurso de crise permeia os estudos teóricos e práticos da EC a muito
tempo. No entanto, o autor argumenta que, na busca por lidar com esse
cenário de crise, o campo da EC parte, sobretudo, de abordagens de
pesquisa e prática vinculadas com a psicologia e teorias de aprendizagem.
Tais abordagens se preocupam com questões vinculadas aos modos de
ensinar e aprender, porém, muitas vezes, perdem de vista questões mais
fundamentais como “o que é ser educado em ciências?”. Para isso, é preciso
uma abordagem filosófica da Educação em Ciências, abordagem essa que,
como aponta Schulz (2009), é marginalizada.
Quando voltamos o olhar para a filosofia e sua história, assim como
fomenta Schulz (2009), nos deparamos com um cenário de crise muito
anterior ao surgimento do campo da Educação em Ciências. Lago (2014)
aponta que a crise da modernidade, que se desdobra desde a Grécia antiga,
é, na verdade, uma crise referente ao modo com que o ser humano busca
pelo conhecimento e como ele enxerga a si e o outro nessa busca. Tal crise
perpassa os variados campos de conhecimento na medida em que estão
1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
(PPGECM-UFPR).
2 Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do
Rio Grande (FURG). Professor Adjunto do Departamento de Educação, Ensino e Ciências
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Líder do Grupo de Pesquisa JANO: Filosofia e
História na Educação em Ciências da UFPR.
62 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
enveredados com a busca por compreender algo ou alguém. A sala de aula
de Ciências, dessa forma, se inclui nesse cenário de crise. Fica evidente, que
é necessário, antes de tudo, buscar compreender filosoficamente como esse
cenário apontado por Lago (2014) afeta o campo da EC para, com isso,
pensar em modos de enfrentamento.
A busca pela compreensão é um fio condutor que move a
humanidade, desde educadores, cientistas, sociólogos, psicólogos...
Historicamente, essa busca por compreensão foi interpretada por diferentes
facetas. Cada grupo, sejam os filósofos gregos, os teólogos da idade média
ou os cientistas iluministas, buscavam, com seus pressupostos filosóficos
próprios, os caminhos a serem seguidos na busca pela compreensão. No
entanto, mesmo frente às diferenças, Lago (2014) aponta que há um elo
em comum que une boa parte desses modos interpretativos: a busca por
um caminho seguro capaz de atingir uma verdade absoluta.
A busca por certezas, desde a Grécia Antiga, foi marcada pela
subordinação dos modos de conhecer vinculados à experiência sensível
àqueles justificados pela razão (Lago, 2014). Sentimentos, emoções,
percepções eram vistos como uma areia movediça, da qual deveríamos
escapar em prol de atingir uma formação elevada. O fio condutor da
compreensão, frente a isso, foi marcado historicamente por uma postura
dualística que separa razão e emoção, corpo e mente. Esse é o cenário de
crise que Lago (2014) apresenta. A crise da modernidade é,
na verdade, a crise do modo metafísico de pensar que separa sujeito
do objeto, homem da natureza, teoria da prática, o formal do sensível,
aquele que sabe daquele que não sabe, professor do aluno. É a crise do
ideal de homem racional, tido como fim último, da razão pura como
garantidora da verdade. (Lago, 2014, p. 14).
Tal crise afeta diretamente a Educação em Ciências, alavancada,
sobretudo, pelo pensamento iluminista que marcou a Ciência Moderna
e o modo com que ela era ensinada (Braga; Guerra; Reis, 2018). Esse
viés de desenvolvimento científico, com o intuito de atingir um modelo
de formação ideal pautado na racionalidade técnico-científica, buscou
desconsiderar as experiências com o mundo que passaram a ser vistas como
contingentes.
a experiência converteu-se em experimento, isto é, em uma etapa
no caminho seguro e previsível da ciência. A experiência já não é o
que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido,
mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível, a série de
regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são
as coisas e dominá-las. (Bondía, 2002, p. 28).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 63
Nota-se aqui o vínculo da crise da modernidade que abarca
a Educação em Ciências com ao menos dois conceitos: a Bildung e a
Estética. Bildung é um termo alemão que não possui tradução exata para
outras línguas. No entanto, ele aponta para um ideal de formação humana
que possui relação com a Paideia Grega, mas que ganhou força com a o
Iluminismo do século XVIII (Flickinger, 2011). A Estética, por sua vez,
advém dos termos gregos aisthétikós (“que possui a faculdade de sentir”)
e aisthésis (“sensação”) (Perissé, 2014). Surge como um campo de estudos
que abarca toda a dimensão da sensibilidade (Hermann, 2010). Por que
estes dois campos se entrelaçam no cenário de crise da modernidade? Pois
a formação humana está diretamente ligada com o modo com que o ser
compreende sua relação com a sensibilidade.
Lago (2014) aponta que a crise da modernidade é movida por dois
extremos com focos distintos. Em um, a Bildung é possibilitada de modo
a encarar a Estética como algo do objeto, de modo a excluir o eu. No
outro, a Bildung é possibilitada de modo a encarar a Estética como algo
do sujeito, de modo a destacar a subjetividade na compreensão. Porém,
“as duas posturas inviabilizam o diálogo profundo, à medida que separam
sujeito do objeto conferindo centralidade ao objeto ou ao sujeito.” (Lago,
2014, p. 91).
Emerge, frente a crise da modernidade apontada por Lago (2014),
a necessidade de encontrar caminhos para compreender a Bildung e a
Estética por uma via não dualística, em que seja possível pensar um ideal
de formação que considere o campo da sensibilidade, porém sem cair em
um relativismo absolutista. Um dos autores que, de acordo com Hermann
(2010) e Lago (2014), é responsável por essa empreita é o filósofo alemão
Hans-Georg Gadamer (1900-2002).
A tese defendida é de que a articulação entre estética e formação a
partir de Gadamer constitui-se em uma alternativa aos desafios do
empobrecimento da experiência em meio à ruptura da metafísica,
na medida em que, compreendendo a experiência estética como
ontológica, confere atualidade à Bildung (Lago, 2014, p. 11).
Gadamer propõe em sua obra mestra, Verdade e Método: traços
fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica, a Bildung como um
movimento de autoformação em que é possível reconhecer a si a partir do
outro. O fenômeno da compreensão, para Gadamer, é ontológico, dessa
forma, a experiência hermenêutica da busca por compreender algo ou
alguém não é pautada no auto-anulamento, tampouco na neutralidade
(Gadamer, 1999). Ela é também uma experiência ética (Hermann, 2010) e
64 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
estética (Lago, 2014), pois parte de uma articulação entre o eu e o outro que
não separa sujeito e objeto. Pelo contrário, reconhece que somos guiados
por nossa linguagem e tradições, mas, também, que há uma verdade
própria no outro e que exige que coloquemos nossas pré-compreensões a
prova em postura de abertura e alteridade (Gadamer, 1999).
Embora Lago (2014) tenha feito a articulação entre Bildung e
Estética na perspectiva gadameriana, há a necessidade de compreender os
desdobramentos desta articulação para o campo da Educação em Ciências.
Isso, pois, como aponta Schulz (2009), os estudos filosóficos na Educação
em Ciências, embora tenham relação com a Filosofia, com a Ciência e com
a Educação, precisam de um campo próprio de estudo capaz de lidar com
suas especificidades. Nesse cenário, o presente estudo tem como objetivo
ampliar a articulação entre Bildung e Estética de modo a lidar com as
especificidades da Educação em Ciências.
Apresentaremos, nas próximas seções, em primeiro lugar, diferentes
modos de compreender a sensibilidade ao longo da história de modo a
apontar para como a Bildung emerge nestes cenários, de Platão, Kant,
Schiller, Hegel até Gadamer. Após isso, apontaremos para caminhos de
aproximação entre Bildung e Educação em Ciências a partir da experiência
estética gadameriana. Esperamos, com isso, fomentar o que Eger (1992)
chama de virada ontológica, da epistemologia para ontologia, virada esta
que busca aproximar as dualidades herdadas da crise da modernidade.
Um olhar para a tradição da Estética
Os estudos filosóficos desde sempre levantaram a possibilidade
da existência de uma realidade que está além daquela sensível, de modo
a colocar em xeque a validade das percepções humanas na busca pelas
essências (Lago, 2014). No entanto, o modo com que a sensibilidade
foi vista historicamente passou por uma série de mudanças. Lago (2014)
destaca três grandes compreensões a respeito da Estética vinculadas ao
pensamento ocidental: a estética clássica, a moderna e a contemporânea.
Nas duas primeiras, a relação do ser humano com o outro assumiu dois
polos opostos.
Na estética clássica, a experiência estética efetiva-se pela predominância
da harmonia e totalidade do objeto e, na modernidade, pela ênfase no
sujeito. Na primeira situação, o belo só é como propriedade do objeto
e a experiência depende do objeto. Na segunda, a experiência estética
efetiva-se desde a subjetividade, em que o belo é em relação ao sujeito,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 65
ou desde a pura objetividade do espírito. (Lago, 2014, p. 91).
Apresentaremos, nessa seção, a perspectiva contemporânea de
Gadamer como modo de lidar com a crise paradigmática que separa
sujeito e objeto. No entanto, como Gadamer aponta, toda compreensão
só é possível a partir das tradições que nos constituem (Gadamer, 1999).
Frente a isso, antes de discorrer acerca da Estética gadameriana é preciso,
reconhecer o horizonte interpretativo do qual o filósofo partiu.
Platão marca as primeiras reflexões clássicas sobre a Estética, ainda
que o campo não tivesse esse nome, quando este buscava entender a
teoria do belo. De acordo com Lago (2014), o filósofo grego, de modo
indireto, tematizou a arte, pois este acreditava que era possível alcançar
um conhecimento verdadeiro e, nesse processo, desqualificou o mundo
sensível. A arte era vista como uma forma de perigo por sua capacidade
de produzir uma espécie de ilusão e, com isso, esta foi colocada como
elemento secundário sob os cuidados da razão (Lago, 2014). O foco
deveria encontrar-se no objeto e não nas percepções do sujeito acerca deste.
O ideal de homem, na visão platônica, é aquele racional, que
subordina seus desejos à razão. Nesse sentido, a experiência sensível ou
era desqualificada ou colocada como secundária. A visão platônica de
supervalorização das faculdades racionais em detrimento das sensíveis como
guia das ações humanas iria ditar o modo com que a arte e a experiência
estética seriam vistas na cultura ocidental até a modernidade (Lago, 2014).
Assim, a obra de arte e especialmente a experiência estética constituem
uma experiência que deve ser articulada desde o ideal de homem a ser
formado e, de preferência, estar sob a tutela da razão. Do contrário,
deve ser descartada, pois somente geraria desvirtuamento. Isso faz da
verdade da arte uma verdade secundária e até mesmo terciária, como
no caso da arte poética (Lago, 2014, p. 35).
Já na modernidade, a estética como disciplina filosófica foi criada
por Alexander Baumgarten (1714-1762) (Perissé, 2014). Baumgarten
relembrou a ideia dos clássicos acerca da arte em que separavam as “coisas
conhecidas pela inteligência” e “coisas conhecidas pelo sentido”. A estética
surgiu fundamentada nas últimas, baseada em uma ciência da percepção,
de modo que uma de suas principais tarefas consistia em libertar os
sentidos de um jugo racional (Hermann, 2010). Enquanto na estética
clássica era notável um ideal de beleza pautado na harmonia da obra de
arte, na perspectiva moderna de cunho empirista “a beleza não está mais no
objeto nem sujeita a sua configuração harmoniosa, mas no sujeito sensível
que a experimenta” (Lago, 2014, p. 42). A estética de tal base empirista se
66 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
enraíza em solo relativista em que a arte passa a ser vista como uma criação
subjetiva do gênio de modo que o gosto assume um eixo central (Lago,
2014).
Immanuel Kant, em sua obra Crítica da faculdade do juízo, propõe
uma visão de estética que busca ampliar os limites do empirismo e do
racionalismo. O autor busca evidenciar as bases transcendais do juízo,
porém sem retirar o sujeito como ponto de referência (Lago, 2014). A
faculdade do juízo é, para Kant, um termo médio entre o entendimento
e a razão de modo que uma razão pura estaria incompleta sem a crítica
da faculdade do juízo (Lago, 2014). Existe os juízos reflexionantes, que
se subdividem em estéticos e teleológicos e os juízos determinantes. Lago
(2014) aponta que diferente do que ocorre com o juízo determinante, o
reflexionante se constitui como condição de todos os juízos dependentes
da experiência e, portanto, constitui-se como juízo desinteressado que deve
estar em conformidade a fins com a experiência na natureza.
Como consequência da visão kantiana de experiência alinhada aos
princípios transcendentais está a compreensão de que o artista é aquele
responsável por captar, demonstrar e criar o belo como expressão do
ajuizamento a fins da natureza. Nesse contexto, como aponta Lago (2014,
p. 49), o artista precisa ser gênio na medida em que “o gênio configura a
condição de maioridade, visto que não segue as regras de outrem, senão
que se dá a própria regra pela capacidade de perceber a conformidade a
fins da natureza, tendo como base o livre jogo das faculdades”. O gênio é
a configuração do juízo estético e aponta para a visão kantiana de Bildung
interpretada por Flickinger (2011) em que o homem é senhor-de-si, é
aquele que busca maioridade pelo próprio intelecto. A estética de Kant,
nesse sentido, cria autonomia do juízo mediante sua subjetivação.
Influenciado por Kant, outros autores buscaram ampliar a
compreensão sobre estética, bem como sua articulação com a Bildung.
Schiller, por exemplo, deslocou a teoria estética centrada no privilégio
da natureza para conceder autonomia à obra de arte (Lago, 2014). Com
isso, o conceito de jogo também ganha novo significado ao passo que está
vinculado com as faculdades dos impulsos não com as do entendimento.
Nesse sentido, o homem é compreendido como um ser pleno na medida
em que joga.
Hegel, por sua vez, também busca uma nova compreensão acerca
da arte. Para ele a obra de arte é produto do espírito para o espírito. A
noção de arte e belo como produto do espírito se opõe aquela kantiana
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 67
pautada na pura representação na natureza que assume o gosto como
expressão subjetiva. Para Hegel, o sujeito autônomo de Kant impede o
reconhecimento e a consciência para si, pois não entra em jogo. A liberdade
em Hegel não é determinada pela razão prática e de caráter subjetivo, mas é
atributo do próprio espírito, compreensão essa que se alinha a sua visão de
Bildung como elevação à universalidade (Gadamer, 1999). Hegel entende
que “levar o indivíduo à maioridade equivale à tarefa de ajudá-lo a se
autoentender como ser social” (Flickinger, 2011, p. 160). É na busca pela
universalidade que retrata a arte como espírito absoluto que se encontra o
problema hegeliano marcado pelo idealismo absoluto (Lago, 2014).
Gadamer rompe com os dois estigmas apresentados nos paradigmas
estéticos vistos até então que colocavam ora enfoque no objeto, ora enfoque
no sujeito. De acordo com Lago (2014) a crítica a teoria estética feita por
Gadamer possui como ponto central o problema da distinção estética
expressa na subjetividade do gosto e na figura do gênio. Tal problema,
embora amplo e complexo, é decorrente das compreensões sobre percepção
e verdade contidas no âmbito da filosofia da consciência (Lago, 2014).
Ambos os conceitos, desde a visão clássica de estética, separam sujeito e
objeto e, com isso, conferem excesso de diretividade à Bildung. Gadamer
busca contornar tais problemáticas ao compreender a experiência com a
obra de arte pelo caráter ontológico.
O encontro de Gadamer com a estética, de acordo com Hermann
(2010), não foi de modo tradicional, mas pela tradição fenomenológica,
em que o filósofo buscou compreender o papel que a arte possui em nossa
experiência com o mundo. A experiência com a obra de arte gadameriana
transcende o caráter subjetivo da interpretação, pois nos conduz a um
horizonte mais amplo, na medida em que nos interroga. Revela o ser e
transforma quem a vivencia [...] Trata-se de romper a relação sujeito-
objeto, da arte como representação, para situarmos a obra de arte em
sua temporalidade e historicidade (Hermann, 2010, p. 51).
Para Gadamer, “tanto o sujeito como o objeto não sustentam algo
em si se não como articulação em que a coisa aparece como fenômeno e a
percepção como um jogo” (Lago, 2014, p. 80). O jogo é a base ontológica
da experiência com a obra de arte gadameriana, é um movimento de
articulação de ao menos dois lados (Hermann, 2010). A obra de arte,
nesse cenário, não é um objeto a ser dominado, pois a experiência com a
obra de arte é ontológica, dá-se antes de qualquer atividade reflexionante
(Flickinger, 2010). Tal experiência possui estrutura própria, baseada na
primazia da presença da obra de arte que nos sacode, solicita-nos, que vem
68 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
ao nosso encontro. Na medida em que nos estranhamos e nos abrimos para
ouvir o que a obra de arte tem a dizer, colocamos no processo, também,
nossas pré-compreensões, nossa historicidade.
Lago (2014) amplia a compreensão sobre como se dá a experiência
com a obra de arte ao passo que aponta que o mero ver, ouvir e sentir
não são abstrações dogmáticas que reduzem a experiência estética a um
experimento efetivado ou sofrido pelo sujeito. A experiência parte de um
movimento de copertencimento (Lago, 2014). Nesse sentido, a verdade
não é relativizada, porém não é absoluta, pois está circunscrita em um
círculo de compreensão em que as compreensões podem ser ampliadas na
medida em que a experiência modifica nosso ser.
Lago (2014) aponta que a experiência estética gadameriana é
uma experiência (Erfahrung) hermenêutica, esta que, para Gadamer
(1999), é uma experiência negativa. Isso, pois é uma experiência que
leva a dor do crescimento, do reconhecimento de que não se sabe tudo,
do reconhecimento de nossa finitude (Alves, 2011). Na experiência
hermenêutica com a obra de arte, não se renuncia à pretensão de verdade
da obra de arte, como se fazia na estética clássica. Niu (2020) aponta que
é no reconhecimento da questão da verdade artística que se desdobra
uma Bildung baseada na hermenêutica. No entanto, essa verdade que se
desvela na experiência dialógica não conta com pretensão de exclusividade,
de sentido único, pois “cada linguagem expressiva precisa ser exposta à
interpretação e, com isso, a um processo da configuração de um sentido
possível, com pretensão de verdade própria” (Flickinger, 2010, p. 57).
Gadamer (1999) partiu do exemplo da nossa experiência com a obra
de arte para evidenciar que todo movimento de compreensão é ontológico
e está imerso na tradição e na linguagem de quem experiencia. Aspirar por
compreensão envolve colocar nossas pré-compreensões à prova, abrir-nos
ao diálogo, buscar reconhecer o outro e, com isso, também reconhecer
a si. Para Gadamer, na experiência com a obra de arte há um retorno a
si mesmo o que constitui a natureza da Bildung (Niu, 2020). A Bildung
gadameriana que se desdobra a partir da experiência estética que se dá no
encontro com o mundo possui, também, uma dimensão ética.
A experiência estética, ao relevar as limitações de nossas expectativas
culturais, abre o horizonte interpretativo para o diferente, o que nos
põe diante de outro modo de compreensão moral. Não é um saber só
para si, mas para o outro. Ou seja, a experiência estética, enquanto uma
experiência hermenêutica, é inseparável, do reconhecimento ético do
outro, em que a consciência é profundamente dependente daquilo que
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 69
está fora, de realidades culturais. O acontecer do entendimento (seja
de uma pessoa, texto ou de uma obra de arte) não é uma aquisição
individual, mas pressupõe o encontro com o outro. (Hermann, 2010,
p. 54).
Por muito tempo as experiências estéticas foram compreendidas
como secundárias, como inferiores se comparadas a razão e, portanto, foram
negligenciadas como caminho formativo. Em Gadamer, as experiências
estéticas assumem um caráter de condição para Bildung, pois é na busca
por ampliar os horizontes de compreensão que somos levados a, a partir
do outro, conhecer mais sobre nós mesmos. Essa compreensão possui
potencialidades para promover uma virada ontológica na Educação em
Ciências, em que os processos educativos não são vistos apenas em termos
de conteúdo a serem aprendidos e competências a serem desenvolvidas. Na
próxima seção evidenciaremos algumas dessas potencialidades.
Caminhos para uma Dimensão Ontológica da Educação em Ciências a
partir das Experiências Estéticas Gadamerianas
Apontamos no início deste trabalho para um cenário de crise que
permeia a Educação em Ciências. Crise que, na verdade, está ligada aos
modos com que o ser humano busca compreender o mundo pautados,
em grande medida, em caminhos seguros para conduzir a uma verdade
absoluta. Este cenário é formado, pois o campo da EC costuma retratar
seus processos educativos pelas lentes herdadas da tradição iluminista que
compreendia o método científico como o mais correto para busca por
compreensão (Braga; Guerra; Reis, 2018).
A visão de Ciência iluminista buscava representar uma realidade
idealizada por meio de modelos abstratos, de modo a renunciar as
experiências com o mundo (Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009). Nesse
cenário há um esquecimento do ser (2002) que não se restringiu somente
a Ciência, mas também ao seu ensino. Eger (1992) reitera que isso levou
a um distanciamento entre o estudo das coisas e as coisas estudadas na
Educação em Ciências. Com isso, nota-se, atualmente, uma Educação em
Ciências pautada no instrumentalismo e no dogmatismo (Braga; Guerra;
Reis, 2018), no desenraizamento e na alienação dos alunos (Østergaard,
2017) e uma série de outras problemáticas que se instauraram na medida
em que a EC foi vista mais como um campo científico do que como um
campo educacional.
70 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Acreditamos que a compreensão sobre a Bildung de Gadamer é
um ponto-chave para promover a virada ontológica mencionada por Eger
(1999) que critica o distanciamento presente na EC. O motivo que nos
leva a defender essa tese parte de Hermann (2002) que reitera que
A ideia de formação na perspectiva hermenêutica pode contribuir para
superar a profunda cisão entre o mundo moderno e o “eu” com seus
problemas de incomunicabilidade e perda de força vinculante, porque
a compreensão - conforme a hermenêutica problematiza - pode tanto
fundamentar o distanciamento do “eu”, da singularidade que vivencia
emoções, pulsões, quanto criar as condições reflexivas para a produção
de um mundo comum, que não seja apenas um modo de o sujeito
sobreviver, mas que tenha sentido, que estabeleça vínculos entre o
mundo e o “eu”. (Hermann, 2002, p. 100-101).
Pensar a Educação em Ciências em termos da Bildung de Gadamer
é um caminho para contornar a crise paradigmática ao passo que busca
resgatar a dimensão estética no processo educativo. Não se trata de levar
o estudante a ver os conteúdos científicos como relativos, mas de os levar
a experienciar os fenômenos científicos, os outros e eles mesmos de modo
hermenêutico, estético e ético. Esse movimento consiste em reconhecer
a verdade do outro e, por meio dela, caminhar rumo a autoformação.
A partir disso é possível fomentar um sentimento de enraizamento que
aproxima e articula o eu e o outro.
Propor experiências estéticas na EC não se trata apenas de levar
para as aulas de Ciências músicas, poemas, pinturas (Carmo; Sousa;
Galiazzi, 2022), mas fomentar uma atitude estética (Pereira, 2011) e
uma consciência hermenêutica (Gadamer, 1999) em que o estudante é
levado a ouvir o que o outro tem a dizer. É a partir dessas experiências do
estudante com o mundo em seu próprio horizonte de compreensão que
é possível traçar um caminho de ampliação de horizontes, ampliação essa
que envolve aprender conceitos e fórmulas da ciência, mas, antes de tudo,
está comprometida com a Bildung, com um movimento formativo que
engloba aspectos ontológicos, éticos e estéticos.
Considerações finais
Este trabalho apresentou a crise da modernidade que perpassa todos
os modos de compreender, crise essa que separa sujeito e objeto, razão e
emoção, ética e estética. Tal crise, afetou diretamente os ideais formativos
do ser humano ao longo dos anos e afeta ainda o campo da Educação
em Ciências que costuma supervalorizar a cognição em detrimento da
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 71
sensibilidade. Nosso objetivo foi apresentar a articulação entre a Bildung e
a Experiência Estética de Hans-Georg Gadamer como um modo de lidar
com tal crise, bem como para alguns desdobramentos dessa articulação
para no campo da EC. Em Gadamer, a experiência de compreensão se dá
a partir de uma articulação entre o eu e o outro. Para o filósofo, é preciso
cultivar uma postura estética de alteridade frente ao novo, porém somos
perpassados por nossas pré-compreensões, por nossa ontologia própria.
Com isso, compreender é experienciar o mundo esteticamente e, com isso,
autoformar-se a partir do outro.
Os conceitos de Bildung e Experiência Estética, na perspectiva
da Hermenêutica Filosófica, são indissociáveis e se constituem como
caminhos para proporcionar uma virada ontológica ao campo da
Educação em Ciências. Compreender os processos educativos na EC por
essas lentes implica mudar o foco na aprendizagem de conceitos científicos
e no desenvolvimento de competências e habilidades para cultivar uma
educação ético-estética que envolva o corpo em uma postura de alteridade,
abertura ao novo e não de dominação. Essa compreensão filosófica do
campo, embora possua diversas implicações, não se desdobra em métodos
ou caminhos bem definidos para orientar as práticas educativas, pois
considera a ontologia de cada envolvido no processo que é sempre única.
Com isso, é preciso reinterpretar constantemente currículos e práticas
mediante uma reflexão filosófica ética e estética.
Agradecimento
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código
de Financiamento 001.
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Capítulo 5
Músicas clássicas com atividades de cálculo mental:
experiência estética, filosofia e hermenêutica em um
relato de experiência
Ruth Edite Cosme1
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.75-88
Introdução
Esse estudo se trata de um assunto que é condizente com a situação
social atual. A forma acelerada da busca por respostas e soluções
rápidas gera um efeito, em dados momentos, infrene, que impede o sujeito
de vislumbrar o que lhe é oferecido para ampliar seus conhecimentos de
mundo e sua capacidade de compreender as diversas formas de linguagem
que este lhe apresenta. Concordemos com o historiador inglês Peter Burke
(2016), quando afirma que “[...] sabemos muito mais do que jamais
soubemos, porém individualmente todos nós enfrentamos a crescente
dificuldade de enxergar o panorama completo” (p. 140). Isso acontece na
trajetória da sociedade em um contexto geral. No âmbito educacional a
realidade não é diferente.
Quando se trata de educação matemática, percebe-se que há uma
problemática emergente relacionada à formação dos sujeitos, na escola
e na sociedade, quando se trata de resolver problemas no cotidiano e
no ambiente escolar. A autora Cecilia Parra (1996) destaca que “[...] a
capacidade para desenvolver problemas, tomar decisões, trabalhar com
outras pessoas, usar recursos de modo pertinente, fazem parte do perfil
reclamado pela sociedade [...]” (p. 193).
E quando se trata de situações problemas, apresentados nas
aulas de matemática, não se pode deixar de considerar a importância de
desenvolver conhecimentos de cálculo desde as primeiras bases escolares.
A autora Berticelli (2017) afirma que “[...] o conhecimento dos processos
1 Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática
e Tecnologias Educativas – PPGECEMTE – UFPR, setor Palotina. Contato: ruth.cosme@ufpr.
br
76 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
de construção das noções intelectuais, que melhora a qualidade da
aprendizagem” (p. 27) está relacionado diretamente ao cálculo. E quando
este é feito de forma mental, há muitos outros benefícios emergentes deste
tipo de procedimento, que é chamado de cálculo mental.
Uma das diversas formas de amenizar os danos causados pela
problemática aqui citada, acerca da educação, é a experiência com músicas
clássicas nas aulas de matemática, durante a realização de atividades de
cálculo mental, sob a interpretação compreendida como experiência
estética, em uma visão hermenêutica filosófica. Carvalho (2020) ressalta
que “O uso da relação entre matemática e música na escola não é algo novo”
(p. 10). Esta seria mais uma razão para a realização de uma experiência
nesta temática. Quando o assunto diz respeito à matemática desenvolvida
na sala de aula, é necessário destacar que
[...] as mais diferentes perspectivas afirmam que o centro do ensino
de matemática deve ser a resolução de problemas. Ao mesmo tempo
parece evidente que a capacidade progressiva de resolução de problemas
demanda um domínio crescente de cálculo (Parra, 1996, p. 193).
A autora ressalta sobre a importância da aproximação do cálculo
com os estudantes, que os torne independentes, com capacidade para
escolher as maneiras apropriadas para cada situação, chegar a possíveis
resultados e validar suas respostas (Parra, 1996). Faremos uma análise,
tendo como parte basilar deste estudo atividades de cálculo mental em
aulas de matemática.
Nossa experiência será analisada em contexto hermenêutico
filosófico, com um olhar sobre a estética presente na mesma. Para que o
experimento resulte positivamente, é necessário aprofundamento e base,
por meio de um paralelo entre alguns autores, que tratam da temática aqui
discutida: Pereira (2011), traz uma compreensão clara do seu entendimento
sobre experiência estética; Grondin (2012), trata de algo muito pertinente
para que esse diálogo aconteça e o relato seja consistente e condizente com
o assunto a ser tratado: a hermenêutica filosófica baseada em Hans-Georg
Gadamer; Sousa e Galiazzi (2019) trazem uma conexão entre esses dois
conceitos (hermenêutica filosófica e experiência estética) que é pertinente
considerar.
Os autores Carmo, Sousa e Galiazzi (2022) fundamentam o estudo
quando colocam claramente sobre a experiência estética e a hermenêutica
filosófica complementarem uma a outra, intermediadas por uma
interpretação que se utiliza dos dois conceitos para ser única e completa;
Flickinger (2014) e Hermann (2002) não deixam de ser pertinentes neste
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 77
relato, quando destacam sobre a importância de se familiarizar com uma
interpretação de ser e mundo, que auxilia no processo de desaceleração
social e na reflexão da educação, uma problemática muito crescente nos
dias atuais.
O autor Carvalho (2020) ressalta sobre o conhecimento,
familiarização e pertinência do envolvimento do educador e aluno no que
diz respeito ao estilo musical apresentado neste estudo. Para elucidar o
relato, cuja temática envolve a música clássica vista como obra de arte,
Sthendal (2013), utilizando de sua interpretação e visão de mundo, traz
a história de Mozart, de forma que o leitor que entre em contato com ela
sinta-se parte da mesma.
Nesta perspectiva, apresentamos o relato sobre uma experiência com
estudantes do Ensino Fundamental I, cuja faixa etária é cinco e seis anos,
pertencentes ao 1ºano, utilizando as bases propostas, com a consolidação
de um experimento estético baseado em uma obra do artista conhecido
como Mozart e a utilização de suas composições na realização de atividades
de matemática em sala de aula.
Experiência Estética e Hermenêutica Filosófica: a relevância da música
clássica em atividades de cálculo mental
Para haver um entendimento mais completo acerca do assunto a ser
tratado neste escrito, façamos um parêntese para tratar sobre interpretação.
No entanto, não nos referimos aqui a qualquer interpretação, mas a uma
forma de interpretar que modifica os conceitos do sujeito que a conhece: a
interpretação hermenêutica filosófica.
Nesta perspectiva, é necessário que se conheça o conceito clássico
da hermenêutica. De acordo com Grondin (2012)
no sentido clássico do termo, a hermenêutica designava outrora a arte
de interpretar textos. Essa arte se desenvolveu sobretudo no seio das
disciplinas ligadas à interpretação de textos sagrados ou canônicos: a
teologia (que abordou uma hermenêutica sacra), o direito (hermenêutica
iuris) e a filologia (hermenêutica profana). (...) Ela possuía um objetivo
essencialmente normativo: propunha regras, preceitos ou cânones que
permitissem bem interpretar textos (Grondin, 2012, p. 12).
Compreendemos que uma hermenêutica simples, direta, que não
consegue atingir os patamares necessários a uma compreensão dinâmica,
aberta e mais que condizente com a situação ou texto a ser interpretado,
pode ser nomeada como hermenêutica clássica. Para que haja uma percepção
78 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
coerente com os termos tratados, é considerável apresentar um paralelo
com a hermenêutica gadameriana, de Hans-Georg Gadamer, filósofo
nascido na Alemanha, que dedicou sua vida a refletir, estudar, pesquisar,
escrever uma hermenêutica voltada para a filosofia, transformando-a em
mais que uma simples interpretação, em um instrumento de atribuição de
sentido a algo, alguém, ou a um acontecimento. De acordo com Grondin
(2012, p. 63), “O propósito inicial de Gadamer é justificar a experiência
de verdade das ciências humanas (e do entendimento em geral) partindo
da concepção ‘participativa’ do entendimento”.
Consideremos uma relevante referência à educação. De acordo com
Flickinger (2014, p. 65), “Gadamer vê na linguagem o campo experiencial
do homem”. Quando se trata do ambiente ou instituição educacional, é
imprescindível que se trabalhe com a linguagem daquilo que se mostra ao
aprendente, fazendo com que o mesmo a compreenda de acordo com suas
vivências e experiências, cultural e socialmente. O autor ainda acrescenta,
sobre a linguagem tratada neste escrito, que
[...] percebemos que ela põe o dedo em várias feridas do sistema e das
práticas sociais de caráter também pedagógicos. A legitimidade dessa
constatação é observável em alguns fenômenos típicos que caracterizam
o cenário atual da educação (Flickinger, 2014, p. 65-66).
Para evidenciar a importância da música clássica para atividades
de matemática de cálculo mental em sala de aula, faremos uma referência
concisa à biografia de Mozart, que contribuiu e ainda o faz demasiadamente
para expandir a cultura e propensão à música clássica. Para isso, tomou-se
como base o livro de Sthendal, intitulado “A vida de Mozart”, contando
a história do músico compositor Jean-Chrysostôme-Wolfgang-éophile
Mozart (1756 – 1791), conhecido mundialmente como Mozart.
Nessa perspectiva, fomentamos aqui a discussão acerca de uma
visão hermenêutica filosófica sobre qual aspecto pode ser compreendido,
visto e sentido sobre a linguagem transmitida pela música de Mozart na
sala de aula. Quando se trata da música clássica, é interessante fazer uma
conexão com a arte do entendimento, enxergando-a como uma obra de
arte. Para efetiva compreensão, falaremos sobre o entendimento provocado
pela hermenêutica filosófica acerca das experiências estéticas. Mas o que
tem a ver experiências estéticas, obra de arte, música clássica?
A hermenêutica, quando compreendida ou interpretada, tem
o poder de transformar o contexto que a envolve, e o sujeito que neste
contexto traça sua trajetória. Quando o indivíduo se interpreta e interpreta
a linguagem dos seres e do mundo, necessita de um intermédio, equilíbrio,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 79
e quem lhe proporciona isso é a hermenêutica. Quando se trata do sujeito
em um âmbito educacional, acordando com Hermann (2002), em suas
colocações com relação à linguagem, baseada no pensamento gadameriano,
diz que “ela não é só um recurso a mais entre outros, mas toda nossa
orientação no mundo está estruturada linguisticamente. (...) A linguagem
é o meio pelo qual se efetiva o entendimento a respeito de algo” (Hermann,
2002, p. 62).
A experiência, no sentido aqui discutido, envolvendo a estética,
proporciona ao sujeito ampliar seus conhecimentos acerca de algo,
trazendo-lhe orientação sobre como se portar diante de situações, sem que
o mesmo se sinta induzido, mas dando-lhe a oportunidade de consolidar
suas próprias crenças e escolhas. De acordo com Sousa e Galiazzi (2019),
A estrutura da vivência tem estreita afinidade com a estética. Isto fica
mais evidente, especialmente, se nos atentarmos para o modo como
interpretamos uma obra de arte. O contato com uma obra de arte
exemplifica nosso próprio modo de ser no mundo, principalmente,
quando esta obra nos estranha (Sousa e Galiazzi, 2019, p. 112).
A experiência relatada neste escrito pode ser ilustrada pelo conceito
de experiência estética, onde por meio de algo diferente, curioso, de aspecto
cultural, trouxe resultados positivos com relação à reação e receptividade
dos envolvidos (professora e estudantes). Em concordância com Pereira
(2011, p. 111), “A razão estética habilita o sujeito para que se concebam
mundos não apenas a partir de e/ou sobre esquemas referenciais, mas a
partir de e sobre a experiência da presentificação do que existe (...)”. A
experiência se torna única, marcante, presente, sólida.
A música clássica na sala de aula: uma visão diferente
Iniciemos esta etapa do estudo explanando de forma concisa a
biografia de Jean-Chrysostôme-Wolfgang-éophile Mozart (1756–1791),
conhecido mundialmente como Mozart (Sthendal, 2013).
Nascido em Salzburgo a 27 de janeiro de 1756, irmão mais novo
de Marie-Anne, sendo que de sete irmãos, somente os dois sobreviveram.
Aos quatro anos, começou a aprender com o pai, Leopoldo Mozart, que
era músico, pequenas peças musicais, que lhe proporcionavam gosto e
também ao pai. Wolfgang, como era chamado, gostava de brincar como
qualquer criança comum, mas quando conheceu a música, o gosto pelas
brincadeiras desapareceu, a não ser quando introduzia a música nelas
(Sthendal, 2013).
80 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Com essa idade já conseguia compor acordes com tantos detalhes
que até os músicos profissionais não conseguiam executar. Fazia com que
Mozart (pai) enchesse seus olhos de lágrimas e seu coração de alegria. O
pequeno Wolfgang começou a compor concertos aos oito anos de idade,
sendo que suas composições iam sendo publicadas quando acabadas, a cada
lugar por onde a família Mozart passava, o menino prodígio executando
os concertos sempre na companhia de sua irmã. O pequeno músico tinha
habilidades musicais inquestionáveis, tocando qualquer instrumento que
lhe pusessem nas mãos. Com apenas doze anos foi nomeado mestre de
concerto (Sthendal, 2013 – trad. p. 2-18).
Percebe-se algo diferente na vida da criança chamada Jean-
Chrysostôme-Wolfgang-éophile Mozart, conhecida a princípio como
Wolfgang e posteriormente, até a sua morte, aos trinta e cinco anos de idade,
como Mozart (chamada assim como seu pai). Analisemos esses feitos como
abrilhantados pela mais perfeita arte, em forma de composições e concertos
musicais, intrínsecos em sua vida. De acordo com Grondin (2012, p.67)
“ninguém pode ficar indiferente a uma obra de arte que nos suspende ante
sua verdade. Essa revelação que transforma a realidade, ‘transfigurada’ e
‘reconhecida’ em uma obra de arte, também nos transforma”.
Pereira (2011) afirma que
A atitude estética é uma atitude desinteressada, é uma abertura, uma
disponibilidade não tanto para a coisa ou o acontecimento “em si”,
naquilo que ele tem de consistência, mas para os efeitos que ele produz
em mim, na minha percepção, no meu sentimento (Pereira, 2011, p.
114).
Essa é a reação genuína ao que uma obra de arte apresenta, dando
acesso a uma fruição estética, fazendo com que o sujeito envolvido sinta
gozo em compreendê-la, provocando nela uma revelação do que é real,
daquilo que ela realmente representa.
Música clássica em atividades de cálculo mental: uma experiência esté-
tica com interpretação hermenêutica
É notória a necessidade de acalmar o imediatismo imposto, de
forma involuntária, pela sociedade nas atuais conjunturas. Respostas
rápidas, resoluções eficazes, resultados sempre satisfatórios e imediatos.
Esse é o perfil da sociedade nos dias atuais. Quando o assunto é ambiente
educacional, essa realidade não é divergente. O imediatismo, a busca
desenfreada pelas respostas, o acesso ilimitado à tecnologia, faz com que
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 81
os estudantes deixem de viver ou interpretar seus próprios conceitos para
vencer todas as rápidas etapas dos processos culturais, sociais, pessoais,
cognitivos, de aprendizagem. Isso provoca uma crescente desatenção ao
seu entorno, criando uma lacuna no pensamento, na interpretação real,
na própria linguagem. Afirma Flickinger (2014) que “[...] é contra essa
dinâmica que a hermenêutica filosófica argumenta, lembrando a pedagogia
da necessidade de contrabalançar essa tendência unilateral” (p. 67).
Com este objetivo, foi realizada uma experiência em uma turma de
1º ano do Ensino fundamental, composta por estudantes de cinco e seis
anos. Esta consistiu na utilização de músicas clássicas para a resolução de
atividades de cálculo mental, visto que se trata de uma experiência relevante
para o processo educativo, uma vez que se considere os benefícios desse
gênero musical para este tipo de ambiente. Desde o início da experiência,
foi colocado para os estudantes o conceito da música como “obra de
arte”, sob a justificativa real da música também fazer parte deste contexto.
Nada foi imposto. Os estudantes foram convidados a apreciar, enquanto a
professora ia relatando os benefícios desse tipo de música para as atividades
cerebrais.
Ressaltamos a importância do contato do professor com o cálculo
mental, seus conhecimentos e estratégias. A professora, anteriormente,
foi convidada a participar de um curso, intitulado CalMe Pro2 – Cálculo
mental para professores, coordenado pelas professoras doutoras Danilene
Gullich Donin Berticelli e Sabrina Zancan, com o objetivo de preparar o
professor para trabalhar com o cálculo mental na sala de aula. Segundo
as pesquisadoras, os professores representam parte fundamental neste
processo, visto que são responsáveis por preparar o ambiente matemático
de modo que os estudantes sejam estimulados, com o intuito de “[...]
despertar a curiosidade Matemática, passar uma ideia positiva e despertar
o interesso dos alunos por essa ciência” (Berticelli e Zancan, 2021, p. 2).
As autoras ainda destacam sobre a pertinência em levar o aluno
a olhar para a matemática como um agrupamento de ideias e relações,
refletindo sobre as ideias e dando sentido às mesmas (Berticelli e Zancan,
2021).
A experiência teve início com a professora da turma trazendo uma
composição clássica para a sala de aula, sem uma prévia sobre os seus
2 O CalMe Pro – Curso de Cálculo Mental para Professores, é específico para os docentes, do
Ensino Fundamental e Médio, e para demais pessoas que queiram aprender cálculo mental.
A formação tem por objetivo desenvolver o raciocínio lógico, memória, rapidez e exatidão na
resolução de problemas (Berticelli e Zancan, 2021).
82 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
conceitos, causando curiosidade nos estudantes, pelo fato de ainda não
terem nenhum contato com a mesma em situações anteriores. Nos cabe
ressaltar o que Carvalho (2020) afirma sobre uma interação entre a música
e a matemática, quando diz que “[...] essa perspectiva clássica sobre a
matemática e a música [...], trazida para a sala de aula atual pode contribuir
para dar mais significado aos conceitos matemáticos [...]” (p. 10).
Após os primeiros contatos, surgiu a curiosidade por parte dos
estudantes em saber a origem da composição. Partindo disso, a professora
expôs a história de Mozart (principalmente sua infância), recontada em
uma linguagem condizente com a faixa etária da turma, tendo como base
o escrito de Henri-Marie Beyle, conhecido por seu pseudônimo literário,
Sthendal (2013). Ao final da reprodução oral da história, a professora
encerrou com uma afirmação do autor, quando diz que “A parte mais
extraordinária da vida de Mozart é sua infância (...)” (Sthendal, 2013, trad.
p. 17)”.
A história sobre o início da vida do músico proporcionou uma nova
experiência com a turma: a aceitação do novo; a partir do momento em
que conheceram sobre quem estavam ouvindo, passaram a se interessar
com um pouco mais de ênfase nesse estilo musical.
À vista disso, começaram a pedir pela música clássica durante
as atividades, em específico as de cálculo mental, onde precisavam se
concentrar para realizar o que era proposto. Uma das bases deste escrito está
na afirmação de Flickinger (2014), quando diz que “Ao longo das últimas
décadas, o debate principal na pedagogia alimentou-se das queixas quanto
à crescente carência na formação básica das crianças e dos adolescentes”
(Flickinger, 2014, p. 66). O fato de fazermos parte de uma sociedade
imediatista tem agravado o processo educativo, por isso é necessário que
se atente para as estratégias possíveis à reversão desse processo. Uma delas
se apresenta através da experiência estética, com a utilização das músicas
clássicas.
Durante o experimento com a turma, percebeu-se que os estudantes
se interessavam em aprofundar mais seus conhecimentos acerca da música
clássica, sendo que foi disponibilizado a eles contatos com outros artistas
(Chopin, Beethoven), dando-lhes oportunidade de escolher o que queriam
ouvir em determinado dia, conforme a atividade proposta.
Consideramos que é o que a experiência estética provoca, uma
ampliação da interpretação do sujeito com relação ao mundo que está no
seu entorno. Sousa e Galiazzi (2019) afirmam que
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 83
Neste jogo hermenêutico de estar disponível esteticamente para
interpretar o mundo, o sujeito que está aberto para os diferentes sentidos
disponíveis para compreender(-se) (n)o mundo pode se dar conta de
que outros tantos estão mais ou menos alcançáveis à interpretação.
Aposta-se, assim, em uma autoformação para/na experiência estética
a partir do desenvolvimento de atitudes estéticas para lidar com o não
familiar (Sousa e Galiazzi, 2019, p. 113).
Percebeu-se um interesse genuíno dos estudantes em levar para suas
vivências familiares o que aprenderam na escola sobre esse gênero musical,
causando curiosidade por parte da família em saber a origem do interesse
e consequentemente seu envolvimento nesse processo experimental. Um
exemplo disso foi o relato de uma estudante, de cinco anos, quando chegou
na sala de aula e contou para a professora o seguinte relato:
Professora, ontem cheguei em casa falando para a mamãe que
conhecemos um artista: Mozart. Contei a história dele a ela. Ela achou
linda a história! Agora, toda vez que vou fazer meus temas de casa, peço
a ela que coloque Mozart para eu ouvir!3 (Aluna 1, 5 anos).
Notou-se que os pais também foram envolvidos em uma experiência
(estética) que foi além dos horizontes da sala de aula. É interessante fazer
um comparativo com o jogo, conforme Gadamer. Em conformidade com
Carmo, Sousa e Galiazzi (2022), “No jogo hermenêutico, o sujeito precisa
estar aberto para os diferentes sentidos disponíveis para compreender(-se)
(n)o mundo” (p. 414).
Por que o comparativo com o jogo? Uma vez que se decide jogar
o jogo da experiência, da descoberta, do desejo de interpretar, entender
como se dá um processo de linguagem dos seres, quando esse jogo passa
de uma etapa para outra, não há retorno, o sujeito envolvido não será mais
o mesmo, sendo impossível vislumbrar o mundo, a história, a sociedade
ou a cultura da mesma maneira. Grondin (2012) afirma que “O jogo não
tem nada de subjetivo para Gadamer. Ao contrário, aquele que joga se
encontra, sobretudo, transportado para uma realidade que o ultrapassa”
(Grondin, 2012, p. 64).
Quando o sujeito entra em contato ou vive uma experiência estética,
tudo que o rodeia, inclusive ele próprio, se transforma. Não por haver
mudança nos objetos ou em outros seres, mas o diferencial está no fato do
sujeito passar a ter uma visão diferente da que tinha anteriormente. Sua
forma de pensar e ver nunca mais será a mesma. Quando se trata de uma
obra de arte, neste caso, da música clássica, é necessário que reconheçamos
3 Momento da professora com os alunos, realizando atividades de matemática na sala de aula,
durante o segundo semestre de 2022.
84 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
que o contato com ela nos transforma, estabelecendo uma ponte entre os
inúmeros caminhos que tem o poder de nos conduzir. Afirma Grondin
(2012) que “A obra de arte não oferece apenas uma fruição estética, ela é,
num primeiro momento, um encontro de verdade” (Grondin, 2012, p.
65).
Nesta perspectiva, ilustremos a afirmação anterior com o relato de
outra aluna com relação a levar para casa a experiência que teve em sala de
aula, ampliando seus horizontes e influenciando o seu entorno, oferecendo
aos seres ao seu redor o contato com a fruição estética, com o horizonte
expandido que ela é capaz de possibilitar.
Professora, quando escuto Mozart, tenho muita vontade de estudar.
Quando você coloca Beeethoven, eu fico tão calma que tenho sono.
Cheguei em casa ontem, minha mãe colocou Mozart pra eu fazer a
leitura do livro que peguei na biblioteca. Na hora de dormir eu pedi a
ela: “mamãe, coloca Beethoven pra eu dormir”? Ela respondeu: “Claro
que não, filha! Como vou colocar um filme pra você dormir? Agora
não é hora de assistir filme!” Aí, eu disse: “mamãe, senta aqui que
vou te contar uma história”. Contei pra ela a história de Beethoven, o
músico. Ela entendeu que eu queria dormir ouvindo uma música de
Beethoven.4 (Aluna 2, 6 anos).
Nota-se novamente a influência do pensamento gadameriano
acerca da experiência. Acordando com Carmo, Sousa e Galiazzi (2022),
quando dizem que
Para Gadamer (2015), na experiência interpretativa não são somente
nossas pré-compreensões que estão imersas na tradição, aquilo que
buscamos compreender também está situado historicamente, seja ele
uma obra de arte, um texto, uma cultura ou uma outra pessoa. Dessa
forma, a compreensão constitui um movimento de fusão de horizontes
compreensivos em que ambos os que dialogam podem ampliar seus
horizontes de compreensão (Carmo, Sousa e Galiazzi, 2022, p. 411).
Quando o ser humano se interpreta e o faz com a linguagem do
mundo e dos seres, ele necessita de um intermédio, equilíbrio, e quem lhe
proporciona isso é a hermenêutica. Quando a experiência estética é vista
por esse horizonte, ela tem o poder de desconstruir todas as perspectivas que
se possa ter sobre uma história, uma cultura, uma situação contemporânea,
de uma obra de arte, por exemplo, o contato com um gênero musical
diferente do que é considerado “normal” na contemporaneidade, uma
determinada linguagem. E quando se trata da perspectiva educacional,
4 Momento na sala de aula, no segundo semestre do ano de 2022, dos alunos com a professora,
em discussão sobre os benefícios de ouvir música clássica durante a realização de atividades de
matemática.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 85
não é diferente. Ressaltamos a afirmação de Flickinger (2014), baseado
em Gadamer, quando diz que “a língua é o horizonte existencial do ser
humano, não há nada mais importante do que dar à criança, desde cedo, a
oportunidade de mergulhar e viver nela” (Flickinger, 2014, p. 70).
Com base nessa afirmação, por que não dar uma interpretação
estética à linguagem retratada pela obra de arte contida na música clássica?
A hermenêutica filosófica gadameriana tem a capacidade de transpassar
o passado, trazendo-o consigo, para consolidar uma fusão de horizontes
entre a história passada e o momento presente, trazendo a linguagem “de
ontem” para ilustrar a “de hoje”, mostrando a humildade ética, a percepção
do outro, a abertura à linguagem do outro e do mundo, a linguagem
ilustrada em uma obra de arte, em uma música, situação, podendo levar
o sujeito a uma dimensão por ele desconhecida, porém bem aceita. Em
concomitância, Pereira (2011) afirma que
Quando se produz um arranjo entre sujeito e mundo (entendido o
mundo aqui como qualquer daquelas realidades – existentes ou não
– a que me referi logo acima: uma música, o silêncio, uma paisagem,
uma cena, um sentimento, um sonho) e esse arranjo gera um estado
diferente, um potencial deslocamento no modo de ser do sujeito, uma
vertigem, um embrulho no estômago, estamos falando do aparecimento
do primeiro movimento de emergência da obra de arte (Pereira, 2011,
p. 115-116).
É pertinente ao momento vivenciado pela sociedade a compreensão
real das consequências do imediatismo, de não fazer uma pausa para
reflexão, de querer sempre vencer os desafios impostos pelo que a sociedade
exige, de acordo com seu momento histórico, sociedade que se preocupa
em adquirir suas respostas por meios rápidos, tentando acompanhar da
melhor maneira o que o mundo e os seres lhes oferecem como recurso,
resultado, resolução.
Estendendo para o âmbito educacional, as inquietações não
deixam de existir neste tipo de ambiente. Vive-se em uma época histórica
onde o imediatismo toma o lugar da interpretação das coisas, sujeitos,
das situações, de acontecimentos dentro da área educacional. Hermann
(2002, p. 42) acerca da concepção gadameriana, afirma que “Gadamer
quer mostrar que o contato com a obra de arte abre o mundo, amplia
horizontes. A arte surge como um campo que permite compreender aquilo
que “não é dito”, mas que expõe uma verdade”.
86 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
O contato com a obra de arte, quando vivenciado no ambiente
educacional (e outros ambientes), revela o que está escondido, faz ressurgir
o hábito de interpretar e ver as coisas de formas e horizontes diferentes.
Considerações finais
O experimento com a música clássica na sala de aula trouxe a
prova de que a experiência estética faz com que o sujeito se abra diante do
mundo. A arte só se revela se o ser que está em contato com ela o permite.
Se torna intrínseco aquilo que tomamos para nós, não como algo imposto,
mas como uma experiência vivida, experimentada, testada, analisada e
aprovada (ou não) por nós.
A partir do momento em que isso acontece, a estética se revela,
os horizontes se abrem e a vida nunca mais será a mesma. A obra não
se mostra de forma simétrica para todos que a contemplam. Se revela de
acordo com a receptividade dos seus conectados. Para uns, é apenas uma
obra, nem deva se dizer de arte, apenas mais uma música (não tão boa,
como diriam muitos na contemporaneidade). No instante em que o sujeito
compreende sua proximidade com o objeto (neste caso, a arte em forma de
gênero musical – música clássica), se dá início ao processo da linguagem,
onde de forma pertencente, se relaciona com a experiência estética. Isso se
consolida quando o sujeito encontra verdadeiramente a arte.
Quando ocorre este fenômeno, quando o sujeito se mostra
fascinado pela estética apresentada a ele, quando está realmente envolvido
na experiência, ele não enxerga mais aquilo como obrigatório, ou mesmo
como diktat, conceito de Grondin (2012, p. 67), quando se refere a
exigências impostas por algo ou alguém. Com sua abertura ao novo, ao
entorno, ele deixa de ver como apenas utilidade, passando para o patamar
da visão estética, ocorrendo, dessa forma, a experiência estética.
Este relato mostra que a música clássica proporcionou tudo isso.
A turma do 1º ano do Ensino Fundamental que teve contato com essa
arte, dentro do contexto aqui compreendido, com toda a certeza nunca
mais será a mesma. E quando chegar o momento, no futuro, deles se
depararem com a história de suas vidas, passada como um filme, verão
estes momentos de vivência em uma experiência estética, como momentos
únicos, exclusivos, de uma época em que compreenderam sua própria
existência e a relação dela com o mundo. Em algum momento de suas
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 87
vidas verão essa experiência refletida, interpretada, em acontecimentos ou
situações pelas quais irão passar.
Referências
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(1950-1970) – um olhar particular para o Paraná� 2017. 157f. Tese
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12, n. 4, p. 1–21, 2021. Disponível em: https://revistapos.cruzeirodosul.
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(1 ed.). São Paulo: Editora UNESP, 2016.
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pucsp.br/index.php/emp/article/view/57412/40265. Acesso em 20 out.
2022.
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orientação no uso da história da matemática e da música na sala de
aula� 2020. 89 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) –
Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro
Preto, Ouro Preto, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufop.br/
handle/123456789/13308. Acesso em 1 dez. 2023.
FLICKINGER, H.-G. Gadamer & a Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2014.
GRONDIN, J. Hermenêutica. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo:
Parábola Editorial, 2012.
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DP&A, 2002.
PARRA, C. Cálculo mental na escola primária. In: PARRA, C., SAIZ,
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88 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
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em Educação Química: Emergências investigativas na Formação de
Professores de Química em uma Comunidade Aprendente� RECM
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Disponível em: http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/recm/
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Ottoni ; revisão e notas Rafael Fonseca. – [2. ed.] – Rio de Janeiro:
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MOZART, W. A. Concerto for Flute and Harp KV 299
(2nd movement). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=00iO7FXWhx8. Acesso em 30 mai. 2022.
Parte II
Experiência Estética na Educação
em Ciências e áreas afins
Capítulo 6
A potencialidade da obra de Primo Levi no processo
de humanização entre Ciências e Literatura:
caminhos diversos na formação de professoras e de
professores em Educação em Ciências
Jackson Luís Martins Cacciamani1
Ronaldo Aurélio Gimenes Garcia2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.91-99
Algumas primeiras palavras
O
presente trabalho constitui-se num recorte de uma proposta
mais ampla a respeito de um projeto de pesquisa e de
extensão acerca da potencialidade da interação entre Ciências e Literatura
na formação de professoras e de professores em Educação em Ciências.
Os projetos pertencem ao Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências
Naturais – GPECieN – na Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
– campus Realeza/PR. Os cursos envolvidos nos projetos mencionados
são: Licenciatura em Química, Licenciatura em Pedagogia e Licenciatura
em Ciências Biológicas, sendo que cabe destacar que nossos cursos de
graduação em Licenciatura são noturnos, bem como nossas e nossos
estudantes pertencem ao mundo do trabalho na sua maioria, isto é, em
diversos momentos somente conseguindo participar das atividades de
ensino, pesquisa, extensão e cultura na nossa universidade no período
noturno.
Por isso, a intenção inicial desses projetos (tanto de pesquisa quanto
de extensão) e, por conseguinte, de ensino é catalisarmos e ampliarmos
horizontes de compreensão a respeito dessa interação entre Ciências e
Literatura, pois isso tudo tem desdobramentos no espaço-tempo da nossa
sala de aula nos cursos de Licenciatura. E, ainda, proporcionarmos assim
1 Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – campus Realeza/PR – pertencente
a área da Educação em Ciências.
2 Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – campus Realeza/PR – pertencente
a área da Educação.
92 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
alguns movimentos mais interdisciplinares e coletivos no que diz respeito
ao processo formativo.
Especialmente, no projeto de extensão temos a participação
de colegas professoras da escola da Educação Básica que por sua vez,
vem desenvolvendo essa proposta nos seus espaços e tempos dentro da
escola, inclusive, com estudantes com autismo em salas de Atendimento
Educacional Especializado (AEE), por exemplo.
Com isso, estamos procurando trazer para a formação de professoras
e professores uma dimensão ainda pouco explorada que envolve as Ciências
como um conhecimento que não está apenas nas bancadas dos laboratórios,
nas revistas e periódicos científicos, nas páginas dos livros didáticos ou em
outros materiais didáticos, mas está em toda parte: no pátio da escola,
nas ruas, nas casas, nos quintais, dentro de nós e também nas obras
literárias. Por vezes, se apresenta de forma explícita como nos poemas de
Augusto dos Anjos ou livros de Júlio Verne. Contudo, em outros casos
os conhecimentos científicos não estão tão evidentes, mas deixam antever
diversas possibilidades por meio de narrativas, poesias, contos que podem
contribuir para se pensar em outras formas de pensar, ensinar e aprender
Ciências. São possibilidades que não surgem de uma fórmula matemática
na lousa ou de um texto descrevendo as descobertas de Mendel, mas de um
conto como “O ovo e a galinha” de Clarice Lispector.
Primo Levi: o químico italiano que potencializou a narrativa de teste-
munho
O processo de formação de professoras e de professores no Brasil,
bem como noutros países da América Latina é pautado por políticas
públicas de governo, especialmente, no que diz respeito ao trabalho na
escola da Educação Básica. Durante muito tempo, especialmente até final
do século XX, a formação de professores esteve muito atrelada aos cursos de
bacharelado. Desta forma, concebia-se que formar um docente era apenas
adicionar alguns conteúdos de caráter didático e tudo estaria resolvido.
Somente, muito recentemente, algumas medidas vêm sendo tomadas
no sentido de pensar mais seriamente o que é formar um profissional da
Educação. Mesmo assim, as coisas não mudam assim tão rapidamente.
E, ao longo dos anos, as áreas da Educação e Educação em Ciências vem
proporcionando espaços e tempos de partilha de conhecimentos, saberes
e experiências acerca do que se produz de conhecimento tanto na escola
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 93
da Educação Básica quanto na Universidade (no nosso caso nos cursos de
graduação em Licenciatura). Especialmente, o nosso grupo de pesquisa
encontra sustento nos seus argumentos na perspectiva do educar pela
pesquisa (Demo, 1998; Galiazzi, 2003) e no educar pelo argumento
(Bernardo, 2007) e pela escrita (Marques, 2001) e, por conseguinte
pela leitura, sendo que a linguagem nos constitui como seres humanos
incompletos, inconclusos e inacabados como nos ensina em diversos
momentos – Freire.
Por isso, defendemos o argumento coletivo acerca da interação
entre Ciências e Literatura no processo de formação de professoras
e de professores em Educação em Ciências, ou seja, a nossa intenção é
preservar as especificidades de cada área do conhecimento, mas, ao mesmo
tempo, potencializar interações dialógicas a respeito dessa interação num
movimento de proporcionarmos espaços e tempos de problematização
acerca da produção do conhecimento das Ciências, principalmente,
no que diz respeito aos processos históricos, filosóficos, sociológicos,
antropológicos, entre outros. E a Literatura tem isso na sua essência,
isto é, catalisar outras percepções, prestar atenção em detalhes antes não
enxergados, problematizar as nossas concepções acerca da produção do
conhecimento das Ciências, e acima de tudo compreender que a produção
do conhecimento das Ciências é uma produção humana, portanto,
constituída por incertezas, inquietudes e intencionalidades.
Algumas discussões rumo a ampliação dos horizontes acerca da intera-
ção entre Ciências e Literatura
A obra de Primo Levi potencializa problematizarmos a nossa
condição como Homo sapiens sapiens na sociedade contemporânea. As
lembranças e as memórias acerca do campo de concentração (termo mais
usado hoje é campo de extermínio) na II Guerra Mundial nos proporciona
entender os grandes problemas da nossa civilização, especialmente, no
que diz respeito do processo de humanização, aliás, nesse caso ausência de
humanização. Por outro lado, de lá pra cá outros tantos episódios marcaram
a história da humanidade, por exemplo, nos últimos anos a pandemia da
Covid-19 que somente no Brasil ceifou com a vida de mais de 600 mil
pessoas, principalmente, por causa do descompromisso e do desrespeito
de um governo que tampouco considerou a gravidade da situação em si.
E, nem tão por acaso, mas a obra de Primo Levi – “É isto um homem?”
– por exemplo, faz esse movimento de interpretação e de compreensão
94 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
do que realmente ocorreu nesse episódio do campo de concentração em
Auschwitz que de modo análogo poderemos considerar semelhante ao
episódio da pandemia da Covid-19.
Os caminhos e descaminhos de um processo de ausência de ética,
de respeito, de alteridade, enfim, de humanidade. Contudo, apesar desse
cenário tão sem explicação, Levi comenta em alguns momentos da obra
que ali encontrou outras pessoas que o acolheram, embora, a situação em si
da guerra. Então, conseguiremos ainda esperançar como nos ensina Freire?
Neste sentido, não se trata de uma tentativa de fazer uso da
Literatura para atender aos propósitos da Educação em Ciências ou vice-
versa. Trata-se aqui de buscar uma aproximação, um diálogo que possa
vislumbrar possíveis formas de que as duas áreas contribuam com os
estudantes da Educação Básica e assim consigam apropriar-se de ambos os
conhecimentos. Em um artigo Zanetic afirma:
Acredito que a Física, bem como as outras Ciências, bem trabalhada na
escola, pode muito bem ser um instrumento útil tanto para o pensador
diurno, dominado pelo pensamento e discurso racionais, quanto para
o pensador noturno, marcado pelo pensamento imaginário e sonhador.
A grande ciência, que nos seus momentos criativos de ruptura nasce
do encontro dessas duas vertentes, tem tudo para satisfazer o pensador
que apela para o fantástico, para a imaginação, para o voo do espírito.
Precisamos construir a ponte entre as duas culturas [...] (2006, p. 69).
A obra de Primo Levi potencializa problematizarmos a nossa
condição como Homo sapiens sapiens na sociedade contemporânea. As
lembranças e as memórias acerca do campo de concentração (termo
mais usado hoje como campo de extermínio) na II Guerra Mundial
nos proporciona entender os grandes problemas da nossa civilização,
especialmente, no que diz respeito do processo de humanização, aliás,
nesse caso desumanização. Por outro lado, de lá pra cá outros tantos
episódios marcaram a história da humanidade, por exemplo, nos últimos
anos a pandemia da Covid-19 que somente no Brasil ceifou com a vida de
mais de 600 mil pessoas, principalmente, por causa do descompromisso
e do desrespeito de um governo que tampouco considerou a gravidade
da situação em si. E, nem tão por acaso, mas a obra de Primo Levi – “É
isto um homem?” – por exemplo, faz esse movimento de interpretação e
de compreensão do que realmente ocorreu nesse episódio do campo de
concentração em Auschwitz. Os caminhos e descaminhos de um processo
de ausência de ética, de respeito, de alteridade, enfim, de humanidade.
Contudo, apesar desse cenário tão sem explicação, Levi comenta em alguns
momentos da obra que ali encontrou outras pessoas que o acolheram,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 95
embora, a situação em si da guerra. Então, conseguiremos ainda esperançar
como nos ensina Freire?
Provavelmente a experiência vivida por Primo Levi o marcou
por toda sua vida e certamente impactou na sua condição de cientista.
A necessidade de compartilhar todos os abusos, violências e mecanismos
de destituição da condição de humano dos prisioneiros nos campos de
concentração, praticados pela máquina perversa do governo nazista, levou
Levi a escrever, não só em forma de denúncia, mas também de chamar o
leitor à reflexão sobre a vida, a condição humana e os limites do próprio
conhecimento científico. Tudo isso abre margem para se pensar como o
pensamento científico, apartado de uma formação humanizadora pode
levar à condição da barbárie. Isso é o que os pesquisadores da chamada
Escola de Frankfurt chamam de semiformação que implica “em propostas
curriculares, os conteúdos disciplinares, as metodologias e técnicas de ensino
tendem, funcionalmente, a favorecer um ensino medíocre, superficial,
acrítico, empobrecido de experiências formativas” (Pucci, 2001, p. 07).
Mas... o que tudo isso que estamos dialogando tem a ver com
a formação de professoras e de professores em Educação em Ciências?
Optamos por escolher alguns caminhos diante de tantos outros
que poderíamos elencar, por exemplo, a respeito da importância de
problematizarmos e de entendermos de outros modos acerca dos conteúdos
escolares – tanto na escola da Educação Básica quanto na Universidade
– pois historicamente nas nossas áreas das Ciências da Natureza e suas
Tecnologias – os conteúdos conceituais são normalmente escolhidos em
detrimento de outros, por exemplo, atitudinais, procedimentais, morais,
éticos, sociais, culturais, políticos, religiosos, e principalmente, a linguagem
em todos as suas formas. Pois isso proporciona argumentarmos acerca da
essencialidade da linguagem na nossa constituição humana e profissional,
especialmente, no que diz respeito a escrita e a leitura.
Sousa e Galiazzi (2018) comentam a partir da obra perspectiva
de Gadamer que as interpretações de uma tradição escrita, já constituem
uma elevação acima dela, como modo de aprender sobre ela, sobre nós
mesmos e, assim, sobre o próprio mundo, numa reinterpretação que já é
mudança dessa tradição, nossa e também do mundo. Por isso, a interação
entre Ciências e Literatura proporciona outras interpretações do mundo a
partir de um processo de (re)leitura e de (re)invenção da realidade.
Nesse sentido, argumentamos em favor de uma formação de
professoras e de professores que encontre nos Direitos Humanos para
96 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
além de um tema transversal, mas, categoria concernente e constitutiva
do processo formativo. Primo Levi no começo da obra em si “É isto
um homem?” potente no sentido de que nos proporciona analisamos e
interpretarmos criticamente a nossa condição humana, por exemplo, o
poema mencionado abaixo:
É ISTO UM HOMEM?
Vocês que vivem seguros
em suas cálidas casas,
vocês que, voltando à noite,
encontram comida quente e rostos amigos,
pensem bem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não.
Pensem bem se isto é uma mulher,
sem cabelos e sem nome,
sem mais força para lembrar,
vazios os olhos, frio o ventre,
como um sapo no inverno.
Pensem que isto aconteceu:
eu lhes mando estas palavras.
Gravem-na em seus corações,
estando em casa, andando na rua,
ao deitar, ao levantar;
repitam-nas a seus filhos.
Ou, senão, desmorone-se a sua casa,
a doença os torne inválidos,
os seus filhos virem o rosto para não vê-los.
(LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi Dei Re. Rio de Janeiro: Rocco,
1988. p. 9).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 97
Esse poema de Primo Levi traz à tona o processo complexo e
distante de qualquer forma de humanização que aconteceu na II Guerra
Mundial, principalmente, no que diz respeito ao enfrentamento diante
da fome, da sede, do frio, da violência, da frieza diante do sofrimento
humano, entre outros tantos aspectos que proporcionam questionarmos a
nossa categorização como Homo sapiens sapiens.
Nesse sentido, Valero, Mori e Massi (2023) comentam que a obra
de Primo Levi é uma espécie de hibridização que resulta numa química
humanizada. Ainda esses autores mencionam que poderemos elencar três
grandes categorias nas obras desse autor, por exemplo, a experimentação,
a relação do homem com a matéria e a química como ofício. Isso referente
as obras em si de Primo Levi para além de “É isto um homem?”. E esses
autores apontam também que o interesse de Levi pela química em si surgiu
na escola porque ainda não estava contaminada pela ideologia fascista
na época e isso se constituía numa espécie de resistência, sendo que era
encantando por Humanidades e Ciências. Posteriormente, a escritura da
obra “É isto um homem?” Levi escreveu tantas outras sendo que a obra “A
tabela periódica” na época, de acordo com a análise, da Royal Institution
of Great Britain como “O melhor livro de ciência já escrito em todos os
tempos.”
A obra de Primo Levi traz à tona a problematização acerca da
constituição das Ciências, especialmente, no que diz respeito ao seu processo
de produção de conhecimento. Por isso, aspectos como a neutralidade,
a construção humana, a historicidade, a intencionalidade encontram-se
presentes de uma forma que potencializa a humanização. Ainda poderemos
encontrar argumentos nesse sentido ancorados no que dizem Sousa e
Galiazzi (2018) a respeito da tradição da linguagem no espaço escolar,
especialmente, na nossa área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias
(CNT) quando afirmam que transmitimos uma linguagem transmitimos
uma tradição de linguagem específica construída historicamente, uma
tradição de nos apresentarmos de determinado modo como educadores
e como estudantes. Por isso, percorrer outros caminhos na sala de aula da
escola da Educação Básica e da Universidade acerca da interação das Ciências
e Literatura, por exemplo, potencializa interpretarmos e compreendermos
o mundo de outros modos e assim tomarmos decisões mais pautadas em
argumentos numa perspectiva mais ética, estética e humanizada.
98 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Algumas considerações finais
A respeito desse trabalho argumentamos em favor da interação
entre Ciências e Literatura na nossa constituição como professoras e
professores em Educação em Ciências, visto que potencializa um processo
de formação mais ético, estético e humanizado.
Ainda consideramos que a interação entre Ciências e Literatura
proporciona estreitarmos as relações entre as diversas áreas do
conhecimento, oportunizando assim um processo de ensinar e de aprender
mais interdisciplinar e produtor de sentidos aos estudantes e professores
tanto da escola da Educação Básica quanto da Universidade.
A obra de Primo Levi, especialmente, traz à tona uma das maiores
crises civilizatórias da humanidade e por isso, constitui-se numa narrativa
de testemunho e assim, ao mesmo tempo, de denúncia a esse episódio tão
distante de qualquer processo de humanização.
Por isso, a interação entre Ciências e Literatura potencializa
caminhos diversos na produção do conhecimento, especialmente,
no que diz respeito a necessidade nos tempos contemporâneos de
problematizarmos o negacionismo e assim compreendermos que tanto
as Ciências quanto a Literatura são produções humanas, portanto, sendo
ambas importantíssimas no nosso processo de humanização.
Ainda destacamos que aprender Ciências e Literatura é cultura!
Referências
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Janeiro: Rocco, 2007.
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09/12/2023.
Capítulo 7
As áreas verdes nas escolas estaduais do Núcleo
Regional de Toledo
Maria Victória Castanha Bedin1
Valéria Ghisloti Iared2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.101-112
Dimensões éticas e estéticas nos espaços escolares
Os valores éticos e estéticos são compreendidos, na educação
ambiental, diante das relações que envolvem o ser humano
e a natureza, ou seja, não se restringem à concepção do belo, mas às
experiências que colocam o ser em imersão no mundo que habitam e que,
portanto, faz dele sociável e político (Iared, 2017a).
A educação ambiental abrange o ambiente na sua totalidade, pois
leva em conta a interação entre os aspectos naturais, sociais e políticos
(Amorim; Jardim; Souza, 2008). Os valores éticos e estéticos podem
ser consolidados na educação ambiental formal por meio das relações
com a natureza estabelecidas nos espaços físicos. O espaço físico é
aqui compreendido como aquele que configura além de um produto
arquitetônico, pois constitui um espaço de manifestação cultural que
expressa a arte, os valores e relações corporais e de poder, pois motiva ou
restringe e se materializa em ações (Castro, 2009; Fay, 1987).
Portanto, os espaços verdes na escola, como hortas e jardins
sensoriais, articulam-se com a proposta de criação de espaços educadores
sustentáveis, pois possibilitam a interação entre sociedade e natureza e
a reflexão das relações nela estabelecidas. Assim, reitera-se que as ações
que fomentam o diálogo e as práticas que estimulam as relações entre
ser humano e natureza, desenvolvidas no espaço físico escolar, objeto de
estudo dessa pesquisa, motivam para as dimensões éticas e estéticas da
1 Graduanda de Ciências Biológicas – Universidade Federal do Paraná (UFPR) – mariabedin@
ufpr.br.
2 Doutora em Ciências, Professora Adjunta, Departamento de Biodiversidade, Universidade
Federal do Paraná – valeria.iared@ufpr.br
102 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
educação ambiental e aproximam-se da filosofia do Bem Viver (Ribeiro
et al., 2019; Girotto et al., 2020). Isto posto, o objetivo desse trabalho foi
identificar as potencialidades e limitações impostas pelo espaço físico para
as dimensões éticas e estéticas da educação ambiental de algumas escolas
do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Toledo, no estado do Paraná.
Produção de dados
Esse estudo, em sua terceira etapa, está no âmbito de uma pesquisa
da pós-graduação, na área da Educação. O projeto foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, de acordo com o
protocolo 5.815.083.
O NRE de Toledo localiza-se no oeste do Paraná, inserido no
contexto de uma região caracterizada economicamente pela indústria,
agropecuária e o agronegócio.
O NRE em questão, atende cerca de 16 municípios e conta com
92 escolas, portanto, para seleção das instituições para o estudo, utilizou-
se como referência o trabalho desenvolvido pelas autoras Sanchez e
Bedin (2022) na segunda etapa dessa pesquisa, que analisou os projetos
e ações de educação ambiental no NRE de Toledo. Com esse objetivo,
as autoras encaminharam um formulário para as escolas questionando se
desenvolvem ou já desenvolveram alguma prática em educação ambiental,
como resultado, identificou-se que 59 das 92 escolas pertencentes ao
Núcleo possuem iniciativas voltadas a educação ambiental (Sanchez;
Bedin, 2022).
A partir disso, cinco escolas foram selecionadas para a presente etapa
da pesquisa, com o intuito avaliar como o espaço físico dessas instituições
motivam ou limitam para os valores éticos e estéticos da educação
ambiental. Para a produção de dados, utilizou-se a pesquisa in loco, que
permite ao pesquisador aproximar-se do ambiente pesquisado, para assim
experimentar a realidade, observar o espaço sob diferentes perspectivas,
assim como registrar os aspectos e as emoções acessadas no local.
Para tanto, as(os) professoras(es) e pedagogas(os), que trabalham
com a educação ambiental nessas instituições, foram convidadas(os), através
do aplicativo WhatsApp, a contribuir com os resultados da investigação.
As cinco escolas concordaram em participar da pesquisa e, a partir disso, as
visitas foram agendadas e ocorreram no mês de maio de 2023. Destaca-se
que, em algumas escolas, além de professores responsáveis pelos projetos
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 103
em educação ambiental, diretores e pedagogos também contribuíram com
os resultados do estudo. O Quadro 1 apresenta o número de entrevistado
de cada instituição de ensino.
Tabela 1: Entrevistados nas instituições de ensino do NRE de Toledo (Paraná)
Instituição de ensino Entrevistados
Escola 1 Entrevistada 1 Entrevistado 2 Entrevistado 3
Escola 2 Entrevistada 4
Escola 3 Entrevistado 5 Entrevistada 6 Entrevistado 7
Escola 4 Entrevistada 8
Escola 5 Entrevistada 9
Fonte: As autoras (2023).
Foram empregadas, como estratégia de investigação, as entrevistas
semiestruturadas, conduzidas por uma série de questões norteadoras por
meio da walking ethnography, e a observação do espaço físico, realizada pela
pesquisadora no momento da visita.
Defendida por muitos autores, a walking ethnography, também
denominada etnografia ambulante (Ingold; Vergunst, 2008) ou sensorial
(Pink, 2009), pressupõe que movimento vai além de uma concepção física,
pois envolve pensar e lidar com a forma de dar sentido às materialidades
afetivas dos corpos, desse modo o caminhar possibilita captar os aspectos
sensoriais e afetivos das pessoas em seu cotidiano quando estão em
movimento. Nessa perspectiva, essa abordagem vai além da relação sujeito-
objeto, reconhecendo que todos os participantes estão vivenciando aquele
momento e lugar específicos (Silva; Iared, 2023).
Alguns trabalhos vêm trazendo essa concepção para a educação
ambiental (Iared; Oliveira, Payne, 2016; Carvalho; Mhule, 2016; Iared,
2017b; Silva; Iared, 2023). Para Iared (2017b), estar em movimento
proporciona um momento mais descontraído e casual, reduzindo a
ansiedade e a sensação de distanciamento entre o sujeito e o objeto,
mesmo em uma pesquisa. Durante a caminhada, surgem uma série de
experiências que são compartilhadas, ao invés de serem descritas, contadas
ou representadas, como ocorreria em um questionário ou entrevista. Os
sons, paisagens, texturas, cheiros e sabores do mundo real, que vão além
do humano, fazem parte da caminhada, e sua materialidade é percebida e
testemunhada.
104 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Dessa forma, essa metodologia foi selecionada para o presente
estudo, por se aproximar dos conceitos da educação estética, motivada
pelo espaço físico e, do mesmo modo, por se relacionar a filosofia do Bem
Viver, que compreende todas as relações existentes entre humanos e não
humanos. Portanto, a entrevista semiestruturada com os participantes
foi realizada em movimento pelo espaço escolar, o que proporcionou
um diálogo produtivo, promoveu conversas informais e fez manifestar-
se novos tópicos relevantes relacionados a temática. Segundo Martins
(2015), a entrevista se baseia em uma conversa ou troca que ocorre entre o
pesquisador e o entrevistado. Como resultado, esse diálogo geralmente leva
a discussões informais que contribuem para a pesquisa e estabelecem maior
compreensão sobre a realidade que está sendo estudada.
Durante a caminhada realizou-se, do mesmo modo, a observação
do espaço físico escolar, que, por sua vez, está associado à capacidade de
documentar o que foi presenciado e encontrado pelos sujeitos da pesquisa
e pelas interações que ocorrem entre pesquisadores e participantes. Dessa
maneira, esta abordagem leva em consideração a sensibilidade e habilidade
em “escutar” e “descrever” o cenário, os comportamentos, as linguagens, as
conversas, os símbolos e todos os elementos relevantes. Assim, a observação
auxilia o pesquisador, ao integrá-lo no ambiente estudado, entender como
ocorrem as relações e interações do pesquisado, portanto, não se restringe à
mera coleta de informações, mas significa a participação na ~ da experiência
em um processo de correspondência (Martins, 2015; Fontana; Rosa, 2021;
Ingold, 2017).
Nessa perspectiva, a observação foi realizada a partir de um roteiro
apoiado na matriz de indicadores da dimensão espaço físico propostos
por Vieira, Campos e Morais (2016, adaptada por Vieira, 2021), a fim de
fundamentar e sistematizar a produção de dados.
Dentre as escolas analisadas, duas estão localizadas em área urbana,
as Escolas 2 e 5, uma em área rural, Escola 4, e, nesse sentido, destacam-se
duas instituições de ensino indígenas, as Escolas 1 e 3. Nessas instituições,
notou-se que os indígenas Guarani veem a natureza não apenas como fonte
de subsistência, mas como algo sagrado, transcendendo a visão utilitária
(Silva, 2018), o que permitiu a exploração de outras dimensões em nossa
pesquisa.
Diante disso, o presente estudo contou com três etapas. Na primeira
etapa, as escolas foram selecionadas e contactadas para participação na
pesquisa; a segunda etapa, se consolidou a partir da visitação nas instituições
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 105
de ensino para o walking ethnography (Silva; Iared, 2023) e observação do
espaço físico; e, por fim, a terceira etapa, onde os aspectos emergentes
foram analisados e discutidos.
O walking ethnography ocorreu em todo o espaço físico das escolas
investigadas, passando pelas áreas verdes, hortas e jardins. A caminhada
por esses ambientes possibilitou que a entrevista não assumisse um caráter
tão informal e metódico, o que proporcionou um momento de diálogos
e trocas de experiência. Recorremos à triangulação do corpus de análise
(registros realizados na observação in loco e nas entrevistas) e, a partir
disso, evidenciou-se os aspectos emergentes da pesquisa: 1-) áreas verdes:
experiências e 2-) valores e limitações impostas para as dimensões éticas e
estéticas.
Áreas verdes: experiências e valores
Ao serem questionados sobre as relações estabelecidas com o meio
ambiente, um aspecto comum evidenciado pelos entrevistados das Escolas
4 e 5 foi que o contato com a natureza propicia sensações de bem-estar,
relaxamento e paz interior. Do mesmo modo, estudos recentes no campo
da educação ambiental defendem que o contato com espaços verdes na
escola possibilita a redução dos níveis de estresse, bem-estar físico e mental
e, dessa forma, desperta para a responsabilidade diante da preservação
ambiental (Girotto et al, 2020).
Silva e Iared (2023) destacaram, por meio da pesquisa realizada
com alunos de uma instituição de ensino do Paraná, que a importância
das áreas verdes está associada predominantemente ao bem-estar pessoal.
Diante disso, as autoras atentam para a visão utilitarista relacionada a essa
perspectiva, na qual a natureza é vista como algo que serve para satisfazer
as necessidades humanas, o que se distancia da filosofia do Bem Viver, que
retrata a harmonia das relações entre sociedade e meio ambiente e revela o
protagonismo da natureza. Nessa perspectiva, deve-se compreender que a
proteção e preservação da natureza não estão separadas de nosso bem-estar
e qualidade de vida, mas são intrinsecamente ligadas a eles (Iared, 2019;
Iared; Venturi, 2022; Souza, 2020; Girotto et al., 2020).
Em vista disso, entende-se que as experiências sensoriais permitem
estabelecer uma relação emocional com o ambiente natural e despertam
para o senso de pertencimento e conexão com o meio, assim estabelecem-
se as dimensões éticas e estéticas da educação ambiental. Portanto, apesar
106 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
dos estudos defenderem o espaço físico como um agente fundamental
para a conexão emocional e afetiva com o meio ambiente, é necessário
considerar o mundo mais-que-humano como protagonista do processo,
para uma visão menos antropocêntrica (Borges, 2014).
Os entrevistados da Escola 1 e 3 evidenciaram essa concepção ao se
inserirem como parte do meio e ao mencionarem o respeito a todos os seres,
humanos e não humanos, fato que está atrelado a cultura indígena. Apesar
dessas escolas destoarem em relação ao espaço físico e a realidade política
em que se encontram, os participantes de ambas as instituições retrataram
que os estudantes apresentam uma relação íntima com o ambiente, de seres
harmonicamente integrados à natureza (Silva, 2018).
Para Borges (2014), essa relação é estabelecida a partir da
compreensão de que estamos em um mundo que é mais-que-humano,
habitado por outros seres. Com isso, torna-se perceptível a presença de
“outros” durante as experiências estéticas proporcionadas pela natureza,
assim, ocorre o deslocamento da atenção a materialidade dos sons,
paisagens, texturas e cheiros do mundo mais que humano (Payne, 2014;
Iared, 2019; Souza, 2020).
A aproximação com a natureza e o desejo de estar inserido nas áreas
verdes foram valores observados nas instituições de ensino que possuem
um espaço físico arborizado, que permitem a ocupação desses espaços e
a realização de atividades para além das salas de aula. Entretanto, para
que os valores éticos e estéticos sejam alcançados, de modo a incentivar
para uma educação ambiental crítica, há necessidade de se considerar a
coexistência entre natureza e sociedade. Dessa forma, autores afirmam
que, ao transformar essa relação entre o ser humano e o meio ambiente,
é possível fazer-se refletir a respeito das discussões políticas e econômicas
que circundam o debate ambiental (Iared, 2017a; Nunes; Bomfim, 2017).
Para Iared (2017a, p.49), “essa análise crítica é fundamental para
superarmos a visão ingênua e comportamentalista da educação ambiental”.
Para tanto, as relações devem ser estabelecidas com o objetivo de combater
a competitividade, ressaltar a importância da coexistência pacífica, da
valorização das diferenças e da participação ativa da população nas decisões
relacionadas aos espaços (Carvalho, 2008; Souza, 2020; Nunes; Bomfim,
2017). Assim é possível promover uma conexão afetiva com o ambiente, o
que Tuan (2012) descreve como uma relação topofílica, de pertencimento
com o nosso ambiente mais próximo.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 107
Dessa forma, torna-se imperativo estabelecer ambientes propícios
para a manifestação das vivências corporais no contexto escolar. Com isso,
destaca-se a importância das áreas verdes nas escolas, uma vez que estes
espaços que possibilitam o contato, a conexão e o convívio com a natureza,
pertencentes as experiências sensoriais e valores associados as dimensões
éticas e estéticas da educação ambiental (Iared, 2019; Souza, 2020; Girotto
et al., 2020).
Limitações impostas para as dimensões éticas e estéticas
Um dos aspectos limitantes observados refere-se ao tamanho do
espaço físico das instituições. Os entrevistados da Escola 3 relataram que,
devido ao pequeno espaço em que o colégio está inserido, não é possível
realizar projetos de arborização, hortas ou canteiros, e que esse aspecto
impossibilita o planejamento de atividades que aproximem os alunos da
natureza. Dessa forma, essa aproximação ocorre somente para além dos
muros da escola. Entretanto, pelo fato de a instituição de ensino estar
localizada em um ambiente rural e, devido a cultura indígena, acaba sendo
mais simples de superar essa adversidade.
Nas demais escolas, que possuem um espaço físico maior e mais
arborizado, notou-se que a preocupação em utilizar e habitar esses espaços
é comum e que frequentemente são executadas práticas que colocam
os alunos em contato com o meio ambiente. Os entrevistados dessas
instituições apontaram o interesse e o apreço dos estudantes, professores e
funcionários pelo ambiente natural na escola. Do mesmo modo, um estudo
realizado por Girotto et al. (2022), que analisou a percepção das crianças
sobre o ambiente escolar associado à natureza, evidenciou a importância da
elaboração de espaços verdes nas instituições escolares.
Dentre os resultados observados na pesquisa de Girotto et al. (2022),
destaca-se o tópico “componentes naturais”, constituída por árvores,
flores, vegetação, água e céu, identificados pelas crianças como elementos
indispensáveis para a integração no contexto educacional. De acordo
com os autores, esses elementos são, portanto, fatores fundamentais na
ocupação do espaço verde na escola, uma vez que são capazes de “promover
o conhecimento sobre a biodiversidade, a afetividade com a natureza e
comportamentos socioambientais para a preservação e conservação do
meio ambiente” (Girotto et al., 2022, p. 448).
108 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Outra limitação apontada no presente estudo, comum às cinco
escolas pesquisadas, está relacionada a utilização e visitação de espaços
externos, além da instituição de ensino, como parques, lagos e praças.
Todas as escolas mencionaram a dificuldade burocrática que se estabelece
ao retirar os estudantes do colégio, além disso, a maioria das instituições
não dispõe de transporte e incentivo financeiro, entretanto, demonstram
muito interesse em realizar esse tipo de atividade, pois reconhecem a
importância desses espaços públicos como oportunos para as dimensões
éticas e estéticas da educação ambiental.
Scheleder e Pontarolo (2022) analisaram a prática de educação
ambiental escolar envolvendo parques urbanos. Para os pesquisadores, os
espaços públicos, quando devidamente planejados e organizados, vão além
de meros elementos de embelezamento urbano e áreas de recreação, pois
também desempenham outras importantes funções sociais, que podem e
devem ser exploradas para iniciativas de educação ambiental. Contudo,
os autores apontaram que, dentre as principais dificuldades encontradas
pelos professores das instituições pesquisadas para a ocupação dos espaços
públicos urbanos, os participantes destacaram, do mesmo modo, haver
dificuldades no excesso de burocracia para se ter acesso a esses locais.
Dessa forma, nota-se que há uma necessidade em rever as questões
burocráticas envolvidas nesse processo, a fim de possibilitar a utilização
dos espaços externos para aprendizagem em educação ambiental, uma vez
que estudos demonstram a importância desses locais para proporcionar aos
estudantes o sentimento de pertencimento (Silva; Iared, 2023). Possibilitar
a integração com o meio ambiente é essencial para as dimensões éticas e
estéticas, já que motivam um olhar diferenciado e integrador, por meio
da exploração de sentidos, como cheiro, tato e visão (Girotto et al., 2022;
Iared, 2019; Scheleder; Pontarolo, 2022).
Autores também enfatizam que as experiências estéticas estão
relacionadas às diferentes dimensões constitutivas, que são construídas por
meio da afetividade, a sensibilidade, a cultura, a política e a vida social
(Payne et al., 2018; Becher; Iared, 2022). Nesse sentido, Iared (2015, p.79)
coloca que:
A experiência estética funda vínculos intrínsecos para com a natureza
e essa seria essencial na defesa da conservação da biodiversidade. Os
valores estéticos refletem nossos posicionamentos éticos e políticos no
debate ambiental.
Portanto, destaca-se o potencial desses ambientes para as dimensões
estéticas da educação ambiental, integrando os seres em sua totalidade e
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 109
possibilitando a filosofia do Bem Viver, no sentido de habitar no mundo
com os não humanos, em uma relação horizontal.
Considerações finais
O presente estudo reforça a importância dos espaços verdes ao se
trabalhar a educação ambiental nas instituições de ensino, para mudanças
nas atitudes, comportamentos e valores, objetivando um Bem Viver. A
experiência dos alunos com os ambientes verdes possibilita a compreensão
ecológica de suas ações, aprimorando suas interações com o meio ambiente
e contribuindo para o desenvolvimento de suas percepções individuais.
Portanto, enfatiza-se o ambiente escolar como um espaço essencial
para compreensão do meio ambiente em sua totalidade e destacam-se os
espaços verdes como fundamentais para as dimensões éticas e estéticas
da educação ambiental, uma vez que, nas quatro instituições de ensino
em que os alunos possuem contato direto com os ambientes naturais, foi
observada maior sensibilização e percepção ambiental.
Do mesmo modo, constatou-se que a afetividade com a natureza e os
comportamentos socioambientais individuais são resultados da identidade
cultural e dos valores sociais em que o indivíduo está inserido. Em vista
disso, ressalta-se que as escolas, ao tratarem da educação ambiental, devem
possibilitar aos estudantes o contato com os ambientes verdes desde as
fases iniciais da educação básica, levando em conta os aspectos sensíveis no
contexto educacional, uma vez que a educação estética busca promover uma
reflexão sobre as interações entre os seres humanos e as outras espécies não
humanas, com o objetivo de superar os mecanismos de controle que estão
contribuindo para a crise socioambiental que enfrentamos atualmente.
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Capítulo 8
As relações estético-afetivas na pedagogia waldorf:
uma revisão de literatura
Helen Abdom Gomes1
Valéria Ghisloti Iared2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.113-126
Introdução
As relações estético~afetivas3 envolvem a afecção e a percepção
de ser~e~estar no mundo. Carvalho (2012) destaca que a
formação do sujeito ecológico é central na construção da relação ser
humano~natureza na educação ambiental. Nós somos formados a partir
da influência de fatores sociais, ambientais, biológicos, históricos, culturais
e outros. Por isso essa abordagem tem o foco voltado para a construção
de uma compreensão ecológica, enquanto é percebida na valorização da
diversidade e complexidade da existência do ser, ao mesmo tempo em que
esbarra com diferentes conflitos em seus comportamentos. Dessa forma,
as vivências no ambiente tornam-se significativas e tem a possibilidade de
ultrapassar um guia de condutas e ações. A autora ressalta a relevância de
uma estética que promova uma relação profunda com a natureza.
Bonotto (2008) destaca que é necessário valorizar a natureza em
relação a ética~estética fundamentada em uma responsabilidade e respeito
que buscam ser fomentados na construção do relacionamento entre o ser
humano e o meio ambiente. Isso implica em cultivar valores éticos, como
justiça, solidariedade e cuidado com a natureza. A autora argumenta que a
estética desempenha um papel central na formação de valores ambientais.
1 Bióloga, Pedagoga, Mestra e Doutoranda em Educação, Universidade Federal do Paraná.
2 Doutora em Ciências, Professora Adjunta do Departamento de Biodiversidade, Universidade
Federal do Paraná.
3 O uso do til tem o papel de enfatizar o posicionamento ontológico de não separar as dimensões
de existências citadas e reflete uma natureza orgânica e dinâmica entre as concepções, de tal
maneira que não é possível que uma se sobreponha sobre a outra e nem que sejam definidas de
formas diretas e parciais (Payne et al., 2018).
114 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
A estética, nesse contexto, não se limita apenas na contemplação visual,
mas se estende à experiência sensorial e à relação afetiva com o ambiente.
Bonotto (2008) ainda ressalta a necessidade de estratégias
que despertem a sensibilidade, afecção e promovam uma apreciação
mais profunda e holística da natureza. A experiência estética envolve a
percepção de diferentes elementos e características naturais do lugar em
que se experiencia. A autora também defende que essa apreciação contribui
para a construção de uma ética ambiental sólida, uma vez que estimula e
possibilita uma relação afetiva com o lugar e a experiência vivida. A ética
ambiental vai além do simples conhecimento dos problemas, pois envolve
uma transformação de atitudes e comportamentos dos indivíduos em
direção às práticas para uma educação baseada em valores. Hermann aponta
que as relações corporais e afetivas na ética têm potencial de emergir os
sentidos e a imaginação, além de promover o autoconhecimento a partir da
afecção corporal e dos afetos, sensibilizando os diferentes princípios éticos
e estéticos. Segundo a autora, isso desafia a concepção de aprendizagem
por vias cognitivas e entende que “o corpo é sobrecarregado por desejos,
projeções, hábitos, afecções e violações e tem um modo especial de
conhecer que reivindica para a educação um refinamento da sensibilidade”
(Hermann, 2008, p. 14). Isso revela que os processos formativos da
educação estão pautados por vias sensoriais e perceptuais com base nas
vivências que o corpo enraíza no lugar.
Nesse caminho, a fenomenologia apresenta uma concepção
situada nas questões da natureza do ser-no-mundo, argumentando que a
compreensão da existência só é possível dentro do contexto das interações
do indivíduo com o mundo ao seu redor. Heidegger (1989) introduz o
conceito de Dasein, que se refere à existência humana. Ele argumenta que
a compreensão do ser deve começar com a análise da existência concreta
do ser humano. Dasein não é apenas um sujeito cognoscente, mas um
ser imerso no mundo. Por isso, ele rejeita a visão tradicional da filosofia
que separa sujeito~objeto e estabelecendo assim, o conceito de “ser-no-
mundo”.
A partir dessa noção, Merleau-Ponty expande e complementa
com sua cosmovisão sobre a corporalidade, sensorialidade, percepção
e carnalidade. Em sua obra “A Fenomenologia da Percepção”, o autor
busca superar os dualismos tradicionais e oferecer uma abordagem
fenomenológica que relaciona a experiência sensorial, a corporalidade e
a percepção em uma estrutura unificada. Merleau-Ponty (1992) discorre
sobre a noção de “corpo próprio” (le corps propre), destacando que a
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 115
percepção não é apenas uma atividade cognitiva, mas está enraizada na
corporalidade. O corpo não é um objeto entre outros no mundo, mas é
uma condição fundamental para a experiência e a compreensão do mundo.
Em consequência disso, ele desafia a dicotomia entre sujeito~objeto,
alegando que a percepção é uma relação dinâmica entre o corpo e o
mundo. A percepção não acontece apenas no nível dos sentidos, mas é uma
experiência irrestrita que envolve o corpo como um todo. Nesse sentido, o
termo “carnalidade” refere-se à encarnação da experiência. Merleau-Ponty
(1992) destaca como a experiência humana é enraizada na corporalidade,
e a percepção é uma atividade carnal. O autor ainda ressalta a importância
dos sentidos na percepção. Ele explica que os sentidos não são apenas canais
passivos para receber informações, mas estão engajados na formação da
experiência perceptual. A sensorialidade é uma parte integrante da nossa
relação com o ambiente.
Com base nessa concepção, surge o pós-humanismo, abordagem
que promove uma reconsideração das fronteiras entre natureza~cultura,
defendendo a correlação de humanos e não humanos (Latour, 2007;
Ingold, 2015; Haraway, 2016a; 2016b; 2016c). O pós-humanismo
também sugere uma visão entrelaçada do conhecimento sobre as diferentes
formas de vida apresentadas para a construção de significado. Ao abraçar a
complexidade e a interdependência, ele visa transcender as limitações das
concepções antropocêntricas, oferecendo uma compreensão mais holística
e dinâmica da existência.
A pedagogia waldorf revela-se como uma possibilidade para
determinadas questões relacionadas sobre a educação ambiental e a relação
com o mundo mais-que-humano, pois a criatividade, a imaginação, o
contato com a natureza e o livre brincar são parte das propostas pedagógicas
e atividades diárias das crianças no espaço escolar. Essa abordagem também
busca trazer o conceito de ludicidade a partir da formação multidimensional
do sujeito, que em um estado interno, vivencia diferentes experiências no
processo de aprendizagem, transcendendo o caráter reducionista do ensino
tradicional (Andrade e Silva, 2015).
A Antroposofia é uma ciência fundada por Rudolf Steiner, também
criador da pedagogia waldorf. Ela “pode ser caracterizada como um método
de conhecimento da natureza, do ser humano e do universo” (SAB, 2023,
p.1) em que são investigadas toda a vida humana e a natureza. A pedagogia
waldorf é organizada para atender o desenvolvimento de maneira holística
do indivíduo, em três aspectos principais: o querer (agir/fazer) que deriva
116 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
de uma perspectiva volitiva, o sentir que está relacionado às questões
psicoemocionais e o pensar que advém das questões cognitivas (Andrade
e Silva, 2015; Lanz, 2003). O equilíbrio entre essa tríade é fundamental
para um desenvolvimento saudável e é através de atividades artísticas,
artesanais, danças, músicas, pintura e do contato com a natureza que isso
é estimulado (FEWB, 1999).
A dimensão estética a qual estamos falando é compreendida a partir
dos aspectos volitivos e psicoemocionais, pautada em uma corrente filosófica
denominada ecofenomenologia (Abram, 1996) que busca perceber o
mundo a partir do corpo (Merleau-Ponty, 1992), do movimento (Ingold,
2015), dos sentidos, da percepção sensorial e das agências não humanas
(Coole; Frost, 2010). Assim, ao relacionar a pedagogia waldorf com a
educação ambiental, entendemos que há uma postura ecocêntrica (Gomes;
Iared, 2021a) e os não humanos tornam-se agentes de transformação e
aprendizagem a partir de uma itineração (Ingold, 2015) que nos torna
sensíveis e pertencentes a experiência da vida.
Isso se reflete na maneira como a pedagogia waldorf concebe sua
proposta metodológica. Essa abordagem compreende que na relação do ser
humano com a natureza, o nosso papel é o de ter responsabilidades sendo
parte dela, não tendo privilégios e vantagens diante do ambiente natural.
Por isso, essa pedagogia surge como uma possibilidade para trabalhar a
dimensão estética da educação ambiental, devido a forma como as crianças
interagem com o mundo e na dinâmica de aprendizagem em uma relação
criativa, imaginativa, de movimento em razão da sua concepção holística
(Bach Jr, 2007; 2017; Bach Jr; Marin, 2012; Gomes; Iared, 2021a; 2021b,
Oliveira, 2006). Assim, buscamos investigar as contribuições das relações
estético~afetivas na pedagogia waldorf para o campo de pesquisa da
educação ambiental.
Caminhos metodológicos
A produção de conhecimento enquanto área de estudos em um
campo científico é uma atividade relevante e complexa, cuja tarefa auxilia
no desenvolvimento não apenas dos sujeitos envolvidos, mas do processo
científico (Santos; Morosini, 2021). A revisão de literatura desempenha
um papel fundamental na construção de qualquer produção científica,
fornecendo uma base sólida para a pesquisa e contextualizando o trabalho
dentro do panorama acadêmico existente.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 117
Através de uma análise sólida, é possível identificar lacunas no
conhecimento, destacar descobertas relevantes e estabelecer a importância
dos estudos de uma nova pesquisa. Também é oferecida uma perspectiva
histórica e evolutiva do tema, permitindo ao leitor compreender a trajetória
do campo de estudo. Além disso, há contribuição para a fundamentação
teórica, auxiliando na formulação de hipóteses e na elaboração de uma
metodologia robusta.
Por isso, para a construção da revisão de literatura deste trabalho
foram selecionados 9 (nove) descritores: infância; criança; pedagogia
waldorf; educação ambiental; “mundo mais-que-humano”; multiespécies;
Ingold; natureza e emparedamento. A partir dessas palavras-chave fizemos
as buscas com dois termos a cada consulta. Como forma de detalhar a
pesquisa utilizamos o operador de proximidade aspas ([“”]) em “mundo
mais-que-humano” e selecionamos apenas artigos de periódicos revisados
por pares. Além disso, também limitamos os filtros das grandes áreas para
Ciências Humanas, área do conhecimento Educação e a subárea Educação
Ambiental.
Em seguida, foram definidos os seguintes filtros para os critérios de
seleção: 1) Inclusão: Quantidade de documentos para a análise: entre 25 a
50 documentos; 2) Espectro temporal: os últimos 10 anos (2013-2023); 3)
Tipo de revistas: estudos publicados em revistas conceituadas e com revisão
de pares; 4) Aproximação à questão e objetivos de investigação: através
da leitura flutuante do título, resumo e das palavras-chave. Exclusão: 1)
Estudos que não se relacionassem com o contexto da educação pré-escolar,
com a infância, natureza e em outras línguas; 2) Trabalhos de revisão de
literatura.
Resultados e discussão
Os levantamentos realizados partiram dos bancos de dados do
Portal de Periódicos da CAPES e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses
e Dissertações (BDTD) e após uma primeira rodada de análise emergiram
38 (trinta e oito) documentos entre artigos, teses e dissertações, conforme
visualizado na Tabela 1.
118 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Tabela 1: Quantidade de publicações pré-selecionadas do catálogo de periódicos da
CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) para a Revisão de
Literatura.
Catálogo de Periódicos da
CAPES
Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações
(BDTD)
Descritores Total de
estudos
Estudos pré-
selecionados
Total de
estudos
Estudos pré-
selecionados
Educação ambiental e
Ingold 09 02 10 01
“Mundo mais-que-
humano” e educação
ambiental
05 01 179 05
Multiespécies e
natureza
07 01 13 -
Criança e natureza 409 10 14 01
Emparedamento e
criança 04 01 02 01
Pedagogia waldorf e
infância 07 01 08 03
Pedagogia waldorf e
natureza 05 02 18 03
Pedagogia waldorf e
educação ambiental 03 02 08 01
Pedagogia waldorf e
Criança 09 03 24 -
Total 458 23 276 16
Total de estudos pré-
selecionados 38
Fonte: As autoras (2023).
Como se pode observar, palavras-chaves como “criança e
natureza” e “[mundo mais-que-humano] e educação ambiental” quando
combinadas nos diferentes bancos de dados resultaram em uma grande
quantidade de resultados. Entretanto, tais resultados não se aproximavam
da temática Educação Ambiental efetivamente, mesmo aqueles com o
termo “educação ambiental” combinados com outros descritores. O baixo
número de pesquisas encontradas na área da pedagogia waldorf demonstra
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 119
a importância de estudos neste campo voltados para uma formação estética,
a infância, a criança e para a relação com a natureza.
Emparedamento e “mundo mais-que-humano” foram as duas
palavras-chaves que apareceram com menor expressividade. Ambos os
conceitos quando relacionados a educação ambiental e criança demonstram
pouco destaque. O primeiro devido a ser uma concepção que está sendo
recentemente discutida com a infância e a natureza e o segundo, por ser
um conceito que foi apropriado pela ecofenomenologia na educação
ambiental e que apresenta poucas pesquisas no Brasil.
O emparedamento é um conceito não tão recente, que significa,
como o próprio nome diz “colocar paredes” ao redor de alguém/algo. Essa
definição foi apropriada para a infância devido às condições de ensino e
crescimento atuais, nas quais as crianças vêm convivendo recentemente.
No espaço escolar muitas crianças precisam estar em carteiras organizadas
em filas, olhando para um quadro por cerca de 4 horas e tem um momento
de lazer/livre que dura aproximadamente 30/40 minutos, no qual fazem o
lanche e brincam ao mesmo tempo com brinquedos de plástico ou metal.
O mundo mais-que-humano é tudo aquilo que é~está com~na
natureza em todas suas formas de existência no mundo, desde os seres
vivos, os não vivos e os seres humanos em uma relação ampla de coabitação
(Souza Jr, 2022). Esse conceito foi difundido pelo ecofenomenólogo Abram
(1996) e busca ultrapassar a dicotomia da modernidade entre cultura e
natureza. Essa relação com~no mundo mais-que-humano é fundamental
para compreender de que maneira estamos imersos em relações afetivas,
sensíveis e significativas, observando da perspectiva do livre brincar
engajado na natureza.
Ao pré-selecionar essas publicações, foram feitas leituras
exploratórias a partir dos critérios estabelecidos anteriormente, o que levou
a exclusão de 17 documentos. Isso nos possibilitou apurar melhor a seleção
destes materiais. Com base nisso, foi construída uma segunda tabela para
que pudéssemos ter como referência nessa pesquisa (tabela 2).
120 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Tabela 2: Quantidade de publicações selecionadas do catálogo de periódicos da CAPES
e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) para a Revisão de
Literatura.
Catálogo de Periódicos da
CAPES
Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações
(BDTD)
Descritores Total de
estudos
Estudos
selecionados
Total de
estudos
Estudos
selecionados
Educação ambiental
e Ingold 09 02 10 -
“Mundo mais-que-
humano” e educação
ambiental
05 01 179 04
Multiespécies e
natureza
07 01 13 -
Criança e natureza 409 03 14 02
Emparedamento e
criança 04 01 02 -
Pedagogia waldorf e
infância 07 -08 01
Pedagogia waldorf e
natureza 05 01 18 02
Pedagogia waldorf e
educação ambiental 03 01 08 01
Pedagogia waldorf e
criança 09 01 24 -
Total 458 11 276 10
Total de estudos
selecionados 21
Fonte: As autoras (2023).
Ao avaliar os resultados, a palavra-chave natureza e educação
ambiental são as que aparecem com maior expressividade, estando presente
em 9 documentos. Em seguida, as palavras-chave pedagogia waldorf e
criança emergem em 7 materiais. Em contrapartida, emparedamento e
“mundo mais-que-humano” apareceram uma vez.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 121
A pedagogia waldorf se revela como uma proposta transformadora
de perspectivas e nos traz diferentes possibilidades a partir do contato
com a natureza como Andrade e Silva (2015) nos fala em seu artigo, seus
princípios e fundamentos são baseados em ludicidade e uma formação
global, prezando pela “plenitude da experiência”.
Ao considerar que a pedagogia waldorf contribui a partir das
experiências vividas, Andrade e Silva (2015) afirma que as atividades
lúdicas são compreendidas com base em quatro dimensões, que estão
relacionadas a forma como entendemos a nossa relação com o mundo: no
individual/interior = estético; no individual/exterior = comportamental;
no coletivo/interior = ético; no coletivo/exterior = sistêmico. Cada uma
delas corresponde a maneira como nos relacionamos conosco, com os
outros e com o mundo, isso se reflete na forma como as experiências nos
afetam e superando os reducionismos e a fragmentações impostas pela
educação tradicional, essa abordagem pedagógica visa transcender para
um desenvolvimento holístico, no qual os indivíduos se tornam livres,
socialmente competentes, integrados e moralmente responsáveis.
Já Silva e Moura (2021, p. 1) buscaram “compreender a relação da
criança com a natureza por meio de suas percepções e experiências numa
fase decisiva do seu desenvolvimento corporal, pessoal e da construção
de valores”. As autoras separam em duas partes o artigo: na primeira,
elas discutem a parte teórica, em relação a percepção dos autores acerca
da experiência e da imaginação na infância e fazem uma triangulação
com a criança na natureza. Na segunda parte são enfatizadas as práticas
pedagógicas, como as experimentações, no caso o corpo-natureza que
são abordados através dos seguintes instrumentos de produção de dados:
os desenhos de paisagens, as narrativas registradas em suas memórias e a
aula passeio no Jardim Botânico de Londrina tendo como proposta uma
religação com a natureza a partir do contato corporal.
O principal ponto de destaque são as experiências e vivências
com~na natureza na infância, as quais devem ser realizadas para que as
crianças possam desenvolver uma relação horizontal (Payne et al., 2018)
com o mundo e que esta deve ser mediada pela escola. Dessa forma, Silva
e Moura (2021) concluem que o contato com a natureza é essencial para o
desenvolvimento físico e emocional da criança, além de contribuir para a
corporeidade, o intelecto e a afetividade.
Schaefer, Guedes e Tiriba (2017) apresentaram um projeto chamado
infâncias cariocas que tinha como objetivo compartilhar as experiências
122 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
corporais, as políticas cotidianas e a relação da criança com a natureza e
estes projetos foram oferecidos a 150 profissionais da educação infantil e
outras áreas correlatas.
A partir disso, as aulas foram elaboradas
com foco na natureza, em políticas e no corpo, observando a experiência
estética, através de danças, produções plásticas, expressões corporais e
vivência da democracia, tem o sentido de promover o empoderamento
das alunas, instrumentalizando-as com ferramentas teóricas e legais,
mas também na percepção e afetação de seus corpos a partir de
experiências de sensibilização no contato com seu próprio corpo, com
o corpo do outro e com a natureza a qual pertencem, assim como na
aprendizagem do ser coletivo (Schaefer; Guedes; Tiriba, 2017, p. 136).
Os registros foram realizados através do olhar sensível e da escuta
atenta às participantes do curso, houve também um formulário de avaliação
final para que elas mesmas pudessem validar suas próprias informações.
Com a relação corpórea e produção voltada para a experiência estética foi
possível empoderar os professores sobre as atividades a partir da vivência,
do corpo e da relação com o mundo. As práticas afetivas e sensíveis se
tornam ferramentas potentes e essenciais na procura por respostas dentro
da estrutura que envolve toda a dimensão estética e com isso conseguimos
perceber diferentes possibilidades de vida, existência e movimento.
Considerações finais
Ao investigar de maneira profunda a temática foi possível
compreender a complexidade das relações estético-afetivas, especialmente
no contexto da educação ambiental. As diferentes perspectivas
apontadas são importantes para o entendimento da relação entre ser
humano~natureza. A estética, longe de ser apenas contemplação visual,
emerge como uma força transformadora na construção de valores
(Bonotto, 2008). A importância da sensibilidade e afecção da natureza é
destacada como estratégia fundamental e a pedagogia waldorf surge como
uma abordagem promissora nesse caminho. A Antroposofia, embasada em
uma visão holística do desenvolvimento humano, propõe uma educação
que transcende as fronteiras entre natureza~cultura (Andrade e Silva,
2015; Gomes; Iared, 2021a; 2021b). A dimensão estética, fundamentada
na ecofenomenologia, destaca a importância do corpo, dos sentidos e
da percepção sensorial na construção de uma relação significativa com o
mundo (Merleau-Ponty, 1992; Ingold, 2015).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 123
A revisão de literatura realizada revela uma lacuna existente nos
estudos sobre a pedagogia Waldorf no contexto da educação ambiental.
A análise criteriosa dos documentos selecionados destaca a necessidade de
aprofundamento nesse campo, considerando especialmente palavras-chave
como “criança e natureza” e “mundo mais-que-humano” que, apesar de sua
relevância, carecem de pesquisa consolidada. Os caminhos metodológicos
adotados na revisão de literatura consolidaram uma base sólida para a
pesquisa, identificando lacunas, relevâncias e contribuições. A seleção
criteriosa destes estudos destaca a importância da natureza na educação
ambiental e a necessidade de explorar mais o fundo a pedagogia Waldorf
nesse contexto.
Os resultados e pesquisas apontaram para a diversidade de abordagens
e práticas relacionadas à estética e afetividade na educação ambiental. As
experiências vividas na infância, especialmente no contato com a natureza,
emergem como elementos essenciais para o desenvolvimento físico e
emocional das crianças. A pedagogia Waldorf, ao promover o livre brincar, a
criatividade e o contato com a natureza, apresenta-se como uma alternativa
valiosa para a construção de uma educação ambiental mais significativa
(Gomes; Iared, 2021a; 2021b). Este trabalho nos mostra a necessidade de
aprofundar as análises das relações estético-afetivas na pedagogia Waldorf,
explorando como essa abordagem pode contribuir para uma educação
ambiental mais relacional, holística e ecocêntrica.
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Capítulo 9
Emoções˜sensações˜sentimentos˜pertencimento na
cidade: educação da atenção no espaço urbano
Marcelo Messias Henriques1
Valéria Ghisloti Iared2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.127-139
Introdução
Este capítulo é resultado de estudos relacionais à educação
ambiental vivenciados na disciplina Afetividade, Emoção e a
Experiência Estética na Pesquisa em Educação ofertada no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Com
base em novas pesquisas em educação ambiental pós-modernas que
possibilitam análises mais sensíveis do ser humano e meio ambiente, surgiu
a ideia de construir um capítulo de livro sobre tais aspectos idealizados no
espaço urbano.
A ecofenomenologia é uma abordagem filosófica que aproxima
princípios da fenomenologia, ecologia e filosofia da mente. Ela
busca compreender a relação entre a experiência humana e o mundo
natural, enfatizando a importância da percepção, da subjetividade e da
corporeidade na construção do conhecimento ambiental. Autores como
Maurice Merleau-Ponty (1994) e Tim Ingold (2014) têm contribuído
significativamente para o desenvolvimento da ecofenomenologia.
Merleau-Ponty (1994) argumenta que a percepção não pode ser
entendida separadamente do corpo, e nossos sentidos desempenham
um papel fundamental na forma como percebemos e interagimos com o
mundo natural. Para ele, o corpo e a mente são entidades interligadas, e
nossa relação com o mundo é mediada pelas experiências sensoriais, como
1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Paraná – UFPR.
2 Doutora em Ciências. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Paraná - UFPR.
128 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
o toque, o movimento e a sensação. Essa perspectiva enfatiza a importância
da corporeidade na experiência perceptual.
A ecofenomenologia como metodologia de pesquisa convida
os pesquisadores a considerar as experiências sensoriais, emoções e
sentimentos que surgem quando interagimos com o meio ambiente.
Métodos como observação participante e caminhadas permitem a descrição
das experiências subjetivas e emocionais dos participantes, aproximando-se
de uma Educação Ambiental da Afetividade.
Com base na Política Nacional de Educação Ambiental, “a
educação ambiental compreende os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências essencial à sadia qualidade de vida e
sua sustentabilidade” (Brasil, 1999).
Atualmente, autores no campo da educação ambiental tem buscado
transcender a excepcionalidade do humano. Payne (2013) e Sato (2016)
contribuem com “a importância de transcender a dimensão humana,
incluindo outras formas de vida” (Sato, 2016, p. 14), considerando pessoas
e coisas coexistindo no mesmo espaço e tempo. Uma educação ambiental
mais sensível possibilita a construção de uma visão de mundo sustentável
através de práticas que situem os humanos e não humanos – todas as coisas
– no mesmo patamar existencial, garantindo a coexistência de todos. Neste
contexto, envolver a rotina dos espaços urbanos é importante no papel
entre educação e Bem Viver do ser humano e natureza.
A filosofia do Bem Viver questiona o economicismo como eixo central
da sociedade hegemônica. Diríamos até que o Bem Viver questiona
a própria ideia de um tripé da sustentabilidade em que o social, o
econômico e o ecológico estariam em perfeita harmonia. (Venturi,
2022, p. 1022).
A cidade é um espaço complexo que abriga uma diversidade
de experiências e relações mais-que-humanas. Nesse contexto, as
emoções˜sensações˜sentimentos˜pertencimento3 desempenham um papel
fundamental na forma como os indivíduos se relacionam com os espaços
urbanos. A compreensão desses aspectos é essencial para promover uma
educação ambiental que valorize a afetividade e a atenção dos cidadãos
em relação ao ambiente urbano. Este capítulo tem como objetivo explorar
as interações entre emoções˜sensações˜sentimentos˜pertencimento e a
3 Utilizo o símbolo “~” para integrar as palavras, considerando a indissociabilidade dos
elementos citados.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 129
cidade, destacando práticas que colaboram com a educação da afetividade
e da atenção.
Rotina, sons, cheiros, velocidade, fluxos, sensações de alegria
e angústias diárias, são alguns aspectos que envolvem a percepção dos/
nos espaços e que não damos atenção no dia a dia desde o momento que
acordamos, estamos a caminho do trabalho ou estamos no parque para
realizar atividades físicas.
Portanto, o movimento não é uma prática unidirecional
que significa ir do ponto A para o ponto B e, sim, concebido como
ontologicamente anterior às representações epistemológicas (Ingold, 2011;
Sheets-Johnstone, 1999).
O movimento vai para além de uma concepção física ou uma oposição
entre dentro e fora. Envolve pensar e lidar com a forma de dar sentido
às materialidades afetivas dos corpos à medida que emergem como
‘matrizes relacionais’, como composições vivas que cruzam limiares
definidos por limites físicos com capacidades para afetar e ser afetados
por outros corpos que, também afetam e são afetados (McCormack,
2013, p. 55).
Uma simples caminhada, estar parado no trânsito, se direcionar
ao parque em dias de calor, ou a mudança no tempo meteorológico estão
repletos de sentidos e afetações, quais, muitas vezes, são desapercebidas,
mas, que inconscientemente afetam a nossa existência.
Fundamentação teórica
Para compreender as relações entre emoções˜sensações˜senti-
mentos˜pertencimento e a cidade, é importante recorrer a conceitos e
teorias de autores que abordam esses temas. Daniel Paiva (2018), em seus
estudos sobre teorias não-representacionais na Geografia, oferece conceitos
que permitem uma compreensão mais ampla das experiências vividas nos
espaços urbanos. Paiva (2018) destaca a importância de considerar não
apenas as representações, mas também o que acontece no espaço vivido,
valorizando as práticas e as experiências cotidianas do mundo mais-que-
humano.
Tim Ingold (2010), por sua vez, contribui com a ideia de educação
da atenção, que propõe uma abordagem mais sensível e sensorial em relação
ao ambiente. Ele argumenta que a atenção direcionada para as sensações
e os materiais presentes no ambiente urbano pode criar uma interação
mais profunda e afetiva com o lugar. A partir dessa perspectiva, a educação
130 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
ambiental pode ser enriquecida ao incorporar práticas que estimulem a
atenção plena e o envolvimento sensorial com os espaços urbanos.
Sarah Pink (2009) em seus estudos sobre etnografia sensorial, destaca
a importância de considerar as sensações e as experiências sensoriais na
compreensão dos espaços urbanos. Através de uma abordagem etnográfica,
ela sugere a realização de pesquisas que explorem as dimensões sensíveis
e afetivas da cidade, permitindo uma compreensão mais completa das
relações com o mundo mais-que-humano e as características do ambiente
urbano.
Com base nessas contribuições teóricas, é possível pensar em
práticas na cidade que colaboram com a educação da afetividade e da
atenção. Exemplos incluem a criação de espaços verdes acessíveis, onde os
cidadãos possam vivenciar experiências sensoriais e estabelecer uma relação
mais íntima com a natureza. Além disso, intervenções artísticas e culturais
podem ser realizadas nas ruas e praças, estimulando as relações espaciais e
despertando emoções e sensações nos indivíduos.
O que o caminhar na cidade nos ensina sobre o Bem Viver4?
O caminhar na cidade possibilidade perceber a si mesmo e ao outro
– natureza, urbano, seres humanos e não-humanos, possibilitando uma
reflexão sobre as relações e sua própria existência dentro de um ecossistema.
Estudos realizados ao longo do tempo evidenciam os benefícios da
relação entre ser humano e natureza. Essa imersão na natureza tem o poder
de nos acalmar, reduzir o estresse e promover uma sensação de tranquilidade.
Estudos científicos realizados no ano de 2022 na Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com a Universidade Veiga de
Almeida demonstram que a exposição à natureza durante o caminhar está
associada a uma melhoria no humor, na capacidade de concentração e
no funcionamento cognitivo (Leão, 2023). Além disso, o contato com a
natureza também tem efeitos positivos na saúde física conforme apontam
as pesquisas do Departamento de Saúde dos Estados Unidos (Salmon,
2001).
A natureza também exerce um impacto positivo no aspecto
emocional das pessoas. O contato com a beleza e a serenidade dos ambientes
naturais desperta emoções positivas, como admiração, sensibilização e uma
sensação de vivência com algo maior. Essas emoções elevadas promovem
4 Conceito utilizado com base no título do artigo de Williges (2018).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 131
um estado de bem-estar psicológico, aumentando a felicidade e a satisfação
com a vida.
Caminhar e ser afetado pela natureza, portanto, estão
intrinsecamente ligados ao Bem Viver. A experiência de caminhar em
meio à natureza oferece uma oportunidade única de se desconectar do
ritmo acelerado da vida urbana e se reconectar com aspectos essenciais da
existência humana. É uma forma de encontrar equilíbrio, nutrir a mente e
o corpo, e encontrar harmonia com o meio ambiente.
Possibilitar o caminhar na natureza como prática pedagógica pode
ser especialmente relevante na educação ambiental e na formação dos
indivíduos. Ao proporcionar experiências sensoriais e afetivas em ambientes
naturais, os estudantes têm a oportunidade de vivenciar os benefícios do
contato com a natureza e desenvolver uma sensibilização ambiental mais
profunda. Isso contribui para a construção de uma relação mais saudável
e responsável com o meio ambiente, promovendo o Bem Viver individual
e coletivo.
Ao emergir a ideia sobre a rede da vida estabelecida na cidade,
o autor Acosta (2016) nos aproxima do conceito de Bem Viver, o qual
diverge bem-estar.
Sob o slogan do ‘bem-estar’, estão abordagens que preconizam os
esportes, alimentação considerada saudável, lazer e uma situação social
e econômica favorável, via de regra são recomendações prescritivas e,
quando relacionadas à saúde, estatisticamente pré-definidas (Iared;
Venturi, 2022, p. 1022).
Neste sentido, o conceito de bem-estar não considera nosso corpo
no mundo, o movimento, a percepção: eu˜corpo˜mundo. “O Bem Viver,
por outro lado, solicita uma revisão e reconstrução paciente do nosso modo
de ser e estar no mundo ao invés de uma improvisação irresponsável”
(Acosta, 2016, p. 200).
Com base em Williges (2018), assumimos como referenciais as
práticas pedagógicas relacionadas ao ato de caminhar na cidade e como
essa atividade pode contribuir para o Bem Viver dos indivíduos. Inspirado
nas ideias do filósofo Henry David oreau (2008), o autor explora os
benefícios e reflexões proporcionados pelo caminhar, especialmente
quando realizado em contato com a natureza.
O caminhar na cidade pode ser compreendido como uma prática
pedagógica que permite aos indivíduos explorarem e vivenciarem o
ambiente urbano de forma mais atenta e significativa. Ao caminhar, somos
132 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
convidados a perceber e apreciar detalhes muitas vezes despercebidos no
cotidiano acelerado. É nesse contexto que oreau (2008) e sua relação
com a natureza entram em cena, pois o autor valorizava o contato direto
com o ambiente natural como uma forma de aprendizado e autorreflexão
e com o mundo.
Williges (2018) destaca que, ao caminhar, os indivíduos têm a
oportunidade de experimentar uma maior liberdade, tanto física quanto
mental. A caminhada pode ser vista como um momento de introspecção,
permitindo uma imersão na própria experiência e na interação com o
entorno. Essa prática possibilita um rompimento com a rotina e com os
espaços padronizados, oferecendo uma sensação de descoberta e novidade.
Além disso, o caminhar na cidade propicia o encontro com a
diversidade urbana, com suas diferentes paisagens, arquiteturas, pessoas
e culturas. Essa vivência promove uma ampliação da visão de mundo e
uma maior compreensão das múltiplas realidades presentes no contexto
urbano. O caminhante se torna um observador atento e participante do
espaço, exercitando a empatia e a sensibilidade diante das experiências
compartilhadas.
No que diz respeito à educação, as práticas pedagógicas de
caminhar na cidade podem ser integradas ao currículo escolar, tanto
em atividades extracurriculares quanto no desenvolvimento de projetos
interdisciplinares. Essas atividades permitem que os estudantes explorem
a cidade de forma crítica e reflexiva, relacionando-se com a diversidade
urbana e compreendendo sua própria identidade e papel como cidadãos.
É importante ressaltar que o caminhar na cidade não se restringe
apenas à dimensão física, mas também envolve a percepção sensorial e
emocional dos espaços. Essa abordagem ampliada do caminhar permite
que os indivíduos se conectem com as sensações e emoções despertadas
pelo ambiente urbano, promovendo uma educação afetiva e estética.
Uma das principais contribuições do caminhar na cidade como
estratégia pedagógica é a oportunidade de explorar e conhecer o ambiente
urbano de maneira mais atenta e consciente. Ao caminhar, é possível
observar detalhes que passariam despercebidos em outros meios de
deslocamento, como a arquitetura dos edifícios, a dinâmica das ruas, os sons
e as cores da cidade. Essa percepção aguçada estimula o desenvolvimento
da sensibilidade estética e da apreciação do ambiente urbano.
Além disso, o caminhar na cidade promove o contato direto com a
diversidade presente nos espaços urbanos. Ao explorar diferentes bairros,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 133
praças, parques e ruas, os caminhantes entram em contato com pessoas,
culturas e realidades diversas, ampliando sua compreensão do mundo e
fortalecendo a empatia. Essa interação social contribui para a formação de
cidadãos mais conscientes e engajados com a comunidade em que estão
inseridos.
Outro aspecto importante é o vínculo entre o caminhar na cidade
e a relação com a natureza. Mesmo em um ambiente urbano, é possível
encontrar áreas verdes, parques e espaços naturais que proporcionam
momentos de contato com o meio ambiente. Essas vivências permitem
novas trocas e vivências com a natureza e seus benefícios para a saúde
física, mental e emocional. O caminhar na cidade, portanto, oferece uma
oportunidade de equilíbrio entre o mundo urbano e o apelo da natureza.
No contexto pedagógico, o caminhar na cidade pode ser
incorporado como uma prática de educação ambiental, contribuindo para
o desenvolvimento da sensibilidade ecológica nos indivíduos. Ao percorrer
espaços urbanos, os estudantes podem refletir sobre a importância da
preservação ambiental, do planejamento urbano sustentável e da valorização
dos recursos naturais.
Além disso, o caminhar na cidade pode ser integrado a projetos
interdisciplinares, promovendo uma abordagem mais abrangente e
contextualizada do conhecimento. Por exemplo, estudantes podem realizar
pesquisas sobre a história e a cultura dos locais visitados, produzir registros
fotográficos e audiovisuais, criar narrativas e relatos de experiência, ou
até mesmo propor intervenções artísticas que dialoguem com o ambiente
urbano.
As práticas pedagógicas de caminhar na cidade, inspiradas nas
reflexões de oreau (2008), proporcionam uma experiência enriquecedora
para os indivíduos. Ao explorar a cidade de forma mais atenta e significativa,
os caminhantes têm a oportunidade de vivenciar o bem-viver, conectando-
se consigo mesmos, com a natureza e com a diversidade urbana. Essa
abordagem pedagógica contribui para uma educação integral, que valoriza
a percepção, a sensibilidade e a reflexão, enriquecendo o processo de
aprendizagem e formação dos indivíduos.
Sendo assim, o ato de caminhar e ser correspondido pela natureza
está diretamente relacionado ao Bem Viver. A imersão na natureza durante
a caminhada oferece benefícios físicos, mentais e emocionais, promovendo
a saúde e a harmonia no mundo mais que humano – pessoas, natureza e
coisas. Integrar essa experiência na prática pedagógica pode contribuir para
134 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
a formação de indivíduos conscientes, saudáveis e comprometidos com a
sustentabilidade.
Práticas pedagógicas na cidade e as teorias não-representacionais
As práticas pedagógicas na cidade podem ser enriquecidas a
partir das contribuições do autor Daniel Paiva (2017; 2018) em seus
artigos “Teorias não-representacionais na Geografia I: conceitos para uma
geografia do que acontece” e “Teorias não-representacionais na Geografia
II: métodos para uma geografia do que acontece”. Esses textos exploram
abordagens não-representacionais na Geografia, proporcionando conceitos
e métodos que podem ser aplicados no contexto educacional para uma
compreensão mais ampla e dinâmica da cidade.
Uma abordagem não-representacional da educação na cidade busca
ir além das representações estáticas e tradicionais dos espaços urbanos,
valorizando as experiências e as práticas que ocorrem no cotidiano. Essa
perspectiva reconhece a cidade como um lugar em constante transformação,
onde as interações entre pessoas, lugares e objetos são fundamentais na
construção dos significados e das vivências.
Com base nas teorias não-representacionais de Paiva (2018,
p.154) as práticas pedagógicas na cidade podem ser orientadas pela
ideia de uma “geografia do que acontece”. Isso implica em privilegiar a
experiência vivida pelos estudantes no ambiente urbano, valorizando suas
percepções˜emoções˜sensações e interações com o espaço.
Para isso, métodos como a observação participante, a cartografia
afetiva e a etnografia urbana podem ser utilizadas. Essas abordagens
permitem que os estudantes se envolvam ativamente na cidade,
explorando-a de maneira mais engajada e reflexiva. Por meio da observação
participante, os alunos podem experimentar e registrar as dinâmicas e os
fluxos da cidade, compreendendo suas diferentes camadas e ritmos (Hutta,
2020).
De acordo com Hutta (2020), a cartografia afetiva incentiva os
estudantes a mapearem suas vivências e emoções na cidade, criando mapas
subjetivos que revelam as diferentes percepções e significados atribuídos
aos lugares. Essa prática promove uma reflexão sobre a relação entre os
indivíduos e os espaços urbanos, permitindo uma compreensão mais
profunda e sensível da cidade.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 135
A etnografia urbana, por sua vez, propõe a imersão dos estudantes em
determinados contextos urbanos, estimulando a observação, a participação
e o diálogo com as pessoas que habitam e vivenciam esses lugares. Essa
abordagem possibilita uma compreensão mais contextualizada e empática
das realidades urbanas, levando em consideração as múltiplas perspectivas
e vozes presentes na cidade (Cachado, 2020).
Ao adotar essas práticas pedagógicas baseadas nas teorias não-
representacionais de Paiva, os educadores têm a oportunidade de
proporcionar aos estudantes uma educação mais participativa, crítica
e conectada com a realidade urbana. Essas abordagens não apenas
contribuem para a compreensão dos espaços urbanos, mas também
promovem o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como a
empatia, a reflexão crítica e o senso de pertencimento.
As práticas pedagógicas na cidade podem ser enriquecidas com
base nas teorias não-representacionais de Paiva (2018). Ao adotar uma
abordagem que valorize as experiências e práticas cotidianas, os estudantes
têm a oportunidade de compreender e se relacionar de maneira mais
profunda e significativa com a cidade. Essa educação sensível, reflexiva e
participativa contribui para uma formação mais completa dos indivíduos,
sensibilizando-os para se tornarem cidadãos ativos e críticos em seu
ambiente urbano.
Considerações finais
A relação entre memórias˜emoções˜sensações˜sentimentos˜pert
en-cimento e a cidade é complexa e multifacetada. A compreensão desses
aspectos é fundamental para promover uma educação ambiental que
valorize a afetividade e a atenção dos indivíduos em relação ao ambiente
urbano e o mundo mais que humano.
Através de práticas que estimulem a atenção plena e o envolvimento
sensorial possibilita uma relação mais profunda e afetiva com os espaços
urbanos. Nesse sentido, é importante que gestores públicos, educadores e a
comunidade em geral trabalhem juntos para criar ambientes urbanos mais
acolhedores, acessíveis e propícios ao desenvolvimento de uma educação
da afetividade e da atenção. Essas práticas podem contribuir para uma
maior sensibilidade e cuidado com o ambiente, promovendo um senso de
pertencimento e bem-estar na cidade.
136 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Ao longo do capítulo, exploramos as interações entre
emoções˜sensações˜entimentos˜pertencimento e a cidade, destacando
práticas pedagógicas que colaboram com a educação da afetividade e da
atenção. Fundamentados em diversas teorias, como a ecofenomenologia,
a filosofia do Bem Viver e as teorias não-representacionais na Geografia,
buscamos compreender a importância da relação entre o humano e o meio
ambiente urbano, bem como a necessidade de uma educação ambiental
sensível e holística.
A cidade, como espaço complexo que abriga uma diversidade de
experiências e relações mais-que-humanas, demanda uma abordagem
que vá além das representações estáticas e tradicionais. Nesse sentido,
as práticas pedagógicas na cidade devem privilegiar a experiência vivida
pelos estudantes, valorizando suas percepções, emoções e interações com
o espaço urbano.
As contribuições teóricas de autores como Maurice Merleau-Ponty
(1994), Tim Ingold (2010), Sarah Pink (2009) e Daniel Paiva (2009) nos
fornecem ferramentas e conceitos para uma compreensão mais ampla e
dinâmica da cidade e das experiências nela inseridas. Através de métodos
como a observação participante, a cartografia afetiva e a etnografia urbana,
os educadores podem promover uma educação mais participativa, crítica e
mais próxima com a realidade urbana, contribuindo para o desenvolvimento
de habilidades socioemocionais e para uma formação mais completa das
pessoas.
Além disso, destacamos a importância do caminhar na cidade
como uma prática pedagógica que possibilita aos indivíduos explorarem
e vivenciarem o ambiente urbano de forma mais atenta e significativa. O
caminhar oferece uma oportunidade única de se reconectar com aspectos
essenciais da existência humana, promovendo o Bem Viver individual e
coletivo.
A educação na cidade deve ser sensível, reflexiva e participativa,
levando em consideração as múltiplas dimensões do mundo mais-que-
humano. Ao colaborar com uma abordagem que valorize as experiências
e práticas cotidianas, os educadores podem contribuir para uma relação
mais saudável, sensível e responsável dos indivíduos com o seu ambiente
urbano, promovendo assim uma cidade mais inclusiva, sustentável e
acolhedora para todos.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 137
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Capítulo 10
O Teatro do Oprimido em aproximações com Hans-
Georg Gadamer: (des,re)construindo narrativas
científicas
Janaína Bárbara Rangel Silva1
Valéria de Souza Marcelino2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.141-155
Introdução
As Ciências, enquanto produções humanas, são representadas
por meio de narrativas que permeiam o imaginário coletivo de
diferentes formas. Enquanto, algumas surgem cercadas de encantamento,
despertando curiosidade acerca de experimentos fantásticos e, até mesmo,
a existência de vida em outros planetas, outras, podem reproduzir lógicas
perversas de exclusão, estabelecendo uma espécie de hierarquia do
conhecimento, na qual é permitido a alguns iniciados produzir, a outros
privilegiados receber e, à grande maioria, se manter fora dos espaços de
poder provenientes dessas trocas.
Neste sentido, torna-se cada vez mais necessária a manutenção/
estímulo desse (re)encantamento pela descoberta, ou como nos diria
Freire (1999), por essa curiosidade epistemológica - afinal, não seria essa a
matéria-prima das Ciências: a curiosidade? Contudo, na mesma medida, é
necessário alargar os horizontes de uma parcela significativa de indivíduos
fazendo com que eles de fato dialoguem com estes e outros conhecimentos,
sob perspectivas várias.
E ao falarmos em alargamento, estamos nos referindo a atualização
de narrativas construídas há séculos que ignoram o percurso científico de
diferentes povos, em todo o mundo. Estamos falando de alargar o discurso
dominante de uma Ciência eurocentrada que desconsidera outras tantas.
Estamos nos referindo a um alargamento que perpassa a (re)descoberta
1 Mestranda, Instituto Federal Fluminense (IFF).
2 Doutora, Instituto Federal Fluminense (IFF).
142 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
de outros valores, outras tradições, mas também cria condições para que
grupos excluídos dos ambientes de produção científica possam encontrar a
sua palavra e fazer dela uma ferramenta de transformação social.
Dessa forma, compreendendo que “cada tempo histórico segue
uma lógica específica, porque é organizado conceitualmente por sujeitos
condicionados em subjetividades temporais” (Franco, 2022, p.3), buscamos,
com olhar em retrospectiva, nas obras de Hans-Georg Gadamer e Augusto
Boal, aproximações que amparem uma proposta de percurso formativo,
em Ciências que dialoguem com os princípios expostos anteriormente.
Em Gadamer, por meio de sua hermenêutica filosófica, encontramos
tensionamentos às estruturas modernistas/positivistas reposicionando
a verdade (ou verdades) também em outros campos de conhecimento -
inclusive no estético -, descolando sua existência do método científico.
Enquanto no Teatro do Oprimido, de Boal, identificamos como as dimensões
simbólicas e sensíveis de nosso pensamento, agem de forma complementar,
se responsabilizando não só pela produção de um conhecimento qualquer,
mas antes de tudo, pela produção de conhecimentos éticos, estéticos,
políticos e humanizadores.
Assim, a questão que move este trabalho é Como o Teatro do
Oprimido, em aproximações com as teorias de Hans-Georg Gadamer, pode
contribuir para (des,re) construção de novas narrativas científicas? De modo
a responder esta questão, nosso objetivo geral é Compreender como o Teatro
do Oprimido, em aproximações com Hans-Georg Gadamer, pode contribuir
para (des,re)construção de novas narrativas científicas.
Desse modo, após esta introdução trataremos, conforme Figura
1, dos fundamentos teóricos deste trabalho, a saber: 1) Hans-Georg
Gadamer: construindo pontes; 2) Augusto Boal: semeando vozes e 3)
Gadamer e Boal: (des,re)construindo pontes e colhendo vozes. Logo em
seguida, apresentaremos uma proposta de percurso formativo que pode ser
experienciado em diferentes contextos, tais como: oficinas ou mesmo em
ambiente escolar, à medida que atende ao que preconiza a Base Nacional
Curricular Comum, em relação à educação científica, cujo objetivo é que
os estudantes “[...] compreendam, expliquem e intervenham no mundo em
que vivem.” (BNCC, 2017, p.325, grifo nosso).
Esperamos assim, incitar a experimentação de espaços acolhedores às
narrativas científicas de modo a instigar a curiosidade de seus participantes,
bem como de ampliar o debate acerca de discursos discriminatórios que
negam a alguns grupos o direito à fala e a valorização de suas tradições.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 143
Figura 1: Desenho da Pesquisa
Fonte: próprio autor (2023)
Em tempo, ressaltamos que nossa busca, em momento algum
credibiliza teorias negacionistas, tais como as que embasam discursos
delirantes terraplanistas ou anti-vacina. Muito antes, reforçamos nosso
compromisso com os avanços das Ciências, principalmente com aqueles que
garantem a vida sustentável e harmoniosa das diferentes espécies na Terra.
Fundamentos teóricos: buscando as origens
Diante do exposto, essa certamente seria uma discussão impressa
nos recentes debates acerca do giro epistemológico que tem ressignificado
narrativas em diferentes áreas do conhecimento. Um “[...] giro decolonial
(que tensiona) à didática, num esforço de desprender-se de seus ranços
modernistas/positivistas, na perspectiva já posta por Candau (2016),
que tem reivindicado a presença das relações interculturais, críticas e
democráticas na certeza de uma didática decolonial” (Franco, 2022, p.18).
Contudo, como dito anteriormente, neste trabalho, interessa-nos
olhar em retrospectiva para pensadores que, muito embora não tenham
se inscrito nos pensamentos decoloniais contemporâneos, inauguraram
discussões anteriores que certamente contribuíram para que hoje novas
narrativas científicas pudessem ser escritas: Hans-Georg Gadamer e
Augusto Boal.
144 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Hans-Georg Gadamer: construindo pontes
O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002) pode ser
considerado um construtor de pontes entre tradições (Lawn, 2007). Um
Hermes3 que revisita a hermenêutica clássica - vista como uma ciência [técnica;
ferramenta] da interpretação de textos sagrados e jurídicos - atualizando
autores antigos de modo a fazê-los dialogar com a contemporaneidade.
Dessa forma, propõe que o fenômeno do entendimento seja observado
não somente sob a perspectiva da compreensão de textos, mas também de
pessoas, coisas, do ambiente e de si próprio.
Nesse sentido, alguns conceitos que na atualidade podem nos
parecer de fácil concordância, tem na hermenêutica filosófica de Gadamer,
algumas de suas discussões iniciais. A começar pelo questionamento do “[...]
predomínio do modelo de conhecimento das Ciências da Natureza (que)
conduz ao desacreditamento de todas as possibilidades do conhecimento,
que se encontram fora dessa nova metodologia [positivista]” (1999, p.151).
Nessa perspectiva, Gadamer admite que no fenômeno da
interpretação, existe uma dimensão que é maior que a dimensão técnica: a
dimensão subjetiva. Nesta dimensão estariam os elementos que comumente
são (ou eram) desconsiderados pela análise científica, tais como as tradições
e as percepções de mundo, a temporalidade e a linguagem, que segundo o
autor “[...] são modos de experiência, nos quais se manifesta uma verdade
que não pode ser verificada com os meios metódicos da ciência” (1999, p.
32).
Ao assumir este pressuposto, descolando as “inúmeras verdades” da
metodologia científica, primeiramente o filósofo abre precedentes para que
novos formatos de investigação possam emergir no meio acadêmico - ainda
que sob um viés eurocentrado. Segundo, reaproxima o sujeito do objeto
investigado, reconhecendo a impossibilidade de uma neutralidade nas
pesquisas, mesmo no campo científico, considerando a Ciência também
como uma produção humana; feita por/para humanos.
Para tanto, o filósofo propõe uma metáfora que representa
este instante de compreensão; um momento em que os horizontes de
interpretação se fundem dando origem a uma fusão de horizontes. Por
meio desta imagem, Gadamer admite a possibilidade de se compreender
um texto, mesmo os não-verbais, a partir do que se revela no confronto
3 Deus grego, considerado responsável por fazer pontes entre as mensagens divinas e os seres
humanos.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 145
entre os horizontes do texto e do intérprete; suas tradições (linguagens),
preconceitos e temporalidade.
De modo que, antes de se reconhecer enquanto indivíduo, o sujeito
precise se reconhecer enquanto uma identidade construída socialmente e
culturalmente, a partir de vínculos que sempre estiveram intimamente
conectados, mas que, muitas vezes, precisam ser desvelados, tal como
propõe Augusto Boal, em seu Teatro do Oprimido.
Augusto Boal: semeando vozes
O brasileiro Augusto Boal (1931-2009) iniciou sua carreira na
Química, mas se infiltrou em atividades teatrais das mais variadas, até
que se tornou um dos grandes nomes do Teatro no mundo, chegando
a Embaixador Mundial do Teatro4. Contudo, foi principalmente com a
experiência das ditaduras militares, no século XX, na América Latina, que
impulsionou a sistematização da obra que se tornaria referência mundial
na formação ética, estética e política por meio do Teatro: o Teatro do
Oprimido (T.O.).
A Árvore do Teatro do Oprimido
A Árvore do T.O é uma ilustração icônica (Figura 2), que oferece
uma visão geral do método, de modo que a interdependência entre suas
técnicas seja melhor compreendida. Lembrando que a árvore traz consigo
a simbologia da permanência e da transformação, o que reflete o caráter de
método em constante movimento.
4 Prêmio concedido pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) em 2009.
146 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Figura 2: Árvore do Teatro do Oprimido
Fonte: Santos (2016, p. 152).
Observando-a de cima para baixo, temos no alto da árvore, ações
sociais concretas e continuadas, que sinalizam a importância de que todo o
conhecimento produzido, de forma estética, no T.O., deve ser direcionado
para ações que transformem realidades, de forma contínua. A pombinha
- e a repetição da palavra multiplicação - traz o potencial de replicação
das técnicas, importante para que este conhecimento alcance novos
horizontes, por meio da organização de novos núcleos artísticos movidos
pela necessidade de uma transformação social.
Observando os galhos e tronco vemos as técnicas em si
[...] o Teatro-Jornal, resposta propositiva à censura imposta pela
ditadura militar brasileira. A impossibilidade de comunicação através
de um idioma comum produziu o Teatro-Imagem. A necessidade
de ampliar o diálogo e de maior efetividade na busca de alternativas
para resolução de problemas reais provocou o surgimento do Teatro-
Fórum. Restrissões políticas para a livre discussão sobre problemas
cotidianos tiveram o Teatro-Invisível como resposta. O desafio de
lidar com opressões internalizadas deu forma ao Arco-Íris do Desejo.
Para avançar na transformação da realidade foi preciso criar o Teatro-
Legislativo (Santos, 2016, p. 148).
Por fim, a palavra, o som e a imagem são os canais pelos quais as
raízes formadas pela Estética do Oprimido “alimentam” toda esta árvore.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 147
Raízes entranhadas no solo da Ética e Solidariedade. Um solo adubado pela
participação, política, história e filosofia. Neste contexto, é a partir de um
diálogo com Gadamer, representante deste último “adubo”, que buscamos
reconstruir as pontes entre as Ciências e as Artes.
Gadamer e Boal: (des,re)construindo pontes e colhendo vozes
Admitindo que nas duas seções anteriores introduzimos alguns
dos conceitos essenciais nas obras de Gadamer e Boal, estabeleceremos
como linha de pensamento para esta seção, de que forma o conceito de
pensamento sensível pode ser atualizado, sob uma perspectiva estética, ética
e política, em ambas as teorias.
Contextualizando-o historicamente, o conceito insere-se como
fundante da Estética do Oprimido, sistematizada por Augusto Boal:
uma estética que se interessa pelos processos de dominação entre seres
humanos, por meio da palavra, imagem e do som; por meio dos sentidos.
Suas hipóteses são que: 1) pensamos, de forma complementar, por meio
de um Pensamento Sensível (produzido pelos sentidos) e um Pensamento
Simbólico (transmitido pelo discurso verbal) e que 2) existem diferentes
estéticas, considerando a diversidade de modos de perceber, interpretar e
compreender o mundo.
Assim, para Boal deve-se “(…) repudiar a ideia de que só com
palavras se pensa, pois que pensamos também com sons e imagens, ainda
que de forma subliminar, inconsciente, profunda!” (Boal, 2009, p.16). Da
mesma forma, para o teatrólogo, a compreensão do dizer, passa por mais
canais sensíveis que simbólicos, isto é, a importância do que se diz está
muito mais evidente no “como” se diz - considerando, inclusive, que a
utilização de símbolos incomunicáveis com a audiência é um dos principais
entraves para uma boa compreensão.
Gadamer, por sua vez, apoiado em sua hermenêutica filosófica, muito
embora não tenha se utilizado da mesma terminologia - pensamento sensível
- também defende a existência de uma verdade que se alcança ultrapassando
o pensamento simbólico (racional), como ele mesmo nos diz: “Também a
experiência estética é um modo de compreender-se.” (1999, p.168).
Entretanto, é válido pontuar que para ambos, esse pensamento
sensível carrega consigo um papel fundamental, não só em uma perspectiva
individual, sensorial, particular, mas sim, como um percurso de construção
ética, estética e política, conduzindo a construção de uma sociedade mais
148 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
justa e capaz de discutir suas diferenças, respeitando suas tradições. Tanto
é, que para Gadamer, o palco teatral “[...] é uma instituição política de
extraordinária espécie [...] [Porque] Ninguém sabe com anterioridade qual
será o “resultado”” (1999, p.236) de um espetáculo.
Vale ressaltar que ainda hoje, pessoas são privadas tanto de
produzirem um Pensamento Simbólico - considerando que, somente no
Brasil, 9,6 milhões, entre 15 anos ou mais, não sabem ler e escrever5 -
quanto de Pensamento Sensível. Em relação a este último, Boal nos diz
que é tão (ou mais) lamentável que o primeiro, pois se dá em decorrência
de um analfabetismo estético - que impede pessoas, mesmo letradas, de
falar, ver e ouvir (Boal,2009). Considerando estes dois últimos como atos
da consciência, enquanto olhar e escutar seriam atos biológicos.“Tanto
olhamos e tão pouco vemos!” (idem, p.45)
Esta castração estética6 vulnerabiliza as pessoas, à medida que estas
são obrigadas “[...] a obedecer mensagens imperativas da mídia, da cátedra
e do palanque, do púlpito e de todos os sargentos, sem pensá-las, refutá-
las, sequer entendê-las!” (idem, p.15), sem poder exercitar suas próprias
escolhas - muitas, sem nem mesmo ter consciência disso, visto que este é
um processo silencioso e perverso.
Dessa forma, ambos defendem que o sujeito deve se reconhecer em
suas tradições, identificar seus preconceitos (em sentido gadameriano; pré-
compreensões) e, a partir de encontros com outros sujeitos (fundindo seus
horizontes), produzir novas formas de conhecimento; tornando-se autores
de suas narrativas. Afinal, como nos diz Bárbara Santos, companheira de
trabalho de Boal:
[...] se apenas alguns têm direito a produzir, significa que aos demais
resta apenas a possibilidade de consumir. Como o consumo não está
disponível para todos e todas, uma parte da sociedade estará alijada
dessa produção, tanto como produtora quanto como consumidora
(2016, p. 297).
Contudo, deve-se estar atento a esse momento autoral para que
sirva à ruptura de um status quo exclusivista, evitando que se replique um
“[...] repertório [que] se distancia mais e mais do criar contemporâneo e
se adequa à necessidade de uma auto-afirmação, que é característica para
5 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Educação 2022.
Disponível em:https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/37089-em-2022-analfabetismo-cai-mas-continua-mais-alto-entre-
idosos-pretos-e-pardos-e-no-nordeste.Acesso em: 05dez,2023.
6 Termo equivalente a analfabetismo estético, isto é, a privação de se desenvolver esteticamente.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 149
a sociedade instruída que sustenta essa instituição [o Teatro]” (Gadamer,
1999, p.155). Assim, é necessário utilizar o “palco” para romper com
silenciamentos históricos e produzir novas narrativas: metáforas estéticas
e ascese (conceitos boalinos diretamente relacionados ao conceito de
pensamento sensível).
As metáforas estéticas, são as representações, por meios estéticos, de
uma situação particular que revela as dinâmicas sociais que lhes deram
origem. No Teatro, é
o espetáculo em si que, mais que contar uma história, faz com
que uma expressão artística avance para um fazer político, à medida
que caminha da encenação de uma situação individual (micro) para a
consciência de um contexto social (macro), realizando assim a Ascese7:
o exercício de compreensão de que o contexto social é determinante no
acontecimento particular.
Estaria aí a importância de se discutir em cena questões que sejam
suscitadas pelo próprio grupo; que seja do conhecimento de todos, de
modo que o participante da plateia, ao entrar em cena, por mais que traga
consigo verdades compartilhadas pela sua tradição, trará também a sua
leitura dos fatos o que, de alguma forma contribuirá para a construção de
novas narrativas.
Proposta de percurso formativo: (des)construindo narrativas na Ciên-
cia
As narrativas científicas permeiam o imaginário coletivo de
diferentes formas. Por um lado, podem vir cercadas de mistérios,
despertando curiosidade sobre experimentações fantásticas e, até mesmo,
a existência de vida em outros planetas. Por outro lado, podem reproduzir
lógicas perversas de exclusão, estabelecendo uma espécie de hierarquia
do conhecimento, na qual cabem a alguns produzir, a outros receber e,
a grande maioria, se manter fora dos espaços de poder provenientes dessa
troca.
Na proposta que se segue, esperamos aliar a possibilidade de
reencantamento das Ciências, trazendo-lhes de volta os elementos que as
7 “Ascese: palavra grega que signica simplesmente ‘exercício’. No cristianismo, Ascese se
refere ao conjunto de exercícios praticados pelos éis (ascetas) - orações, sacrifícios e até a
morticação física - para uma espécie de puricação e perfeição espiritual. ‘O caminho da
cruz o conduziu à Ressurreição’. Também relacionado ao conceito de ascensão: subida aos
céus.” (Santos, 2016, p.199)
150 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
fazem tão atrativas às mentes curiosas, mas também criar condições para
que grupos historicamente silenciados possam encontrar a sua palavra e
fazer dela uma ferramenta de transformação social.
Nesse sentido, o percurso sugerido (Figura 3) pode ser experienciado
em diferentes contextos, à medida que os recursos necessários à sua execução
não causam impacto significativo em espaços de aprendizagem. Desse
modo, podem assumir um caráter de oficina, considerando uma carga-
horária de cerca de três horas/aulas, ou mesmo ser inserido em ambiente
escolar, à medida que atende ao que preconiza a Base
Nacional Curricular Comum, em relação à educação científica,
à medida que tem como objetivo que os estudantes “[...] compreendam,
expliquem e intervenham no mundo em que vivem” (BNCC, 2017, p. 325,
grifo nosso).
Para tanto, elegemos no repertório do Teatro do Oprimido duas
técnicas que, abordadas de forma sequencial, podem contribuir para
o exercício de novas aprendizagens, tanto científicas - considerando a
existência de inúmeras formas de pensar a Ciência -, quanto estéticas: O
Teatro-Jornal e o Teatro-Fórum.
Figura 3: Proposta de percurso formativo: (Des)Construindo Narrativas na Ciência
Fonte: próprio autor (2023)
Etapa 1: O Teatro-Jornal
O Teatro-Jornal - para muitos, a semente do Teatro do Oprimido -
surgiu da necessidade de desenvolver técnicas que pudessem olhar através
das notícias veiculadas pela mídia, durante a ditadura militar brasileira, isto
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 151
é, “[...] revelar a manipulação feita na notícia para redesenhar a imagem do
real” (Santos, 2016, p. 700).
Técnicas que pudessem ler - e reescrever - as entrelinhas subtraídas
do texto; “[...] dar visibilidade a ausências, produzir sons e ritmos que
destacasse vozes silenciadas [...]” (idem). Técnicas que, segundo os atores
da época, tinham a intenção de transformar “[...] o jogo teatral num jogo
de salão [...]”8 para driblar a censura imposta pelo regime vigente.
A metodologia consiste em “[...] diversas técnicas simples que
permitem a transformação de notícias de jornal ou de qualquer outro
material não-dramático em cenas teatrais” (Boal, 1980, p. 165). Nesse
sentido, a técnica parte da análise de uma notícia, sob diferentes perspectivas,
até sua compreensão, por meio da construção de uma metáfora estética.
Propomos então que, inicialmente, se escolha uma notícia a que
todos tiveram acesso, e que sejam selecionados vários meios pelos quais a
notícia foi abordada.
Notícias escritas, charges, vídeos, memes, relatos, fotografias de
diferentes ângulos, podcasts, enfim, um vasto material, de modo a oferecer
diferentes narrativas acerca de um mesmo episódio. Em seguida, isola-se a
notícia do seu contexto, buscando uma compreensão menos subjetiva da
realidade. “O que aconteceu?”, “Qual foi o fato?”.
Na terceira etapa, é importante que se identifique se aquela notícia
também acontece em outros contextos. “Este fato acontece (ou aconteceu)
em outros lugares?”, “Quais as diferenças entre um contexto e outro?”. Nesta
etapa, a busca por outras vozes é fundamental para ampliar os horizontes
dos participantes. No caso de longas distâncias, o uso de tecnologias de
comunicação pode ser um facilitador para acessar estas pessoas e lugares.
Por último, improvisa-se uma cena buscando reunir todos os
dados analisados, incluindo novos personagens. “Quem viu?”, “Como
viu?”, “De que ângulo a pessoa viu?”. Esta etapa é fundamental para que
os participantes ampliem seu repertório argumentativo, mas também
que explorem suas possibilidades estéticas, visto que, ao materializar em
seu corpo, o que, até então, estava restrito à sua consciência, amplia suas
possibilidades de compreensão sobre o ocorrido, potencializando uma
comunicação mais crítica com a plateia.
Assim, muito embora o Teatro-Jornal tenha surgido em um
contexto de censura extrema, distante da atualidade brasileira, sabemos
8 Revista Vintém. Nº 7, São Paulo, 2009, p. 46 (Uma publicação do grupo teatral Companhia
do Latão).
152 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
das implicações geradas pelas fake news que inundam todos os meios de
comunicação. Nesse contexto, infelizmente, a técnica ainda traz consigo
um frescor que a faz muito necessária nos dias de hoje.
Dito isto, concordando com Bárbara Santos, defendemos que sua
utilização mostra-se bastante apropriada para a construção do “[...] alicerce
para uma investigação do Contexto Social de espetáculos de Teatro Fórum”
(2016, p.75), preparando o grupo para a segunda etapa deste percurso de
formação.
Etapa 2: Teatro-Fórum
O Teatro-Fórum surge como desdobramento da técnica Dramaturgia
Simultânea, constituinte do repertório do Teatro do Oprimido. Esta
última consistia em “[...] alguém contar uma história cotidiana sobre
um problema concreto que quisesse resolver para ser representada como
encenação teatral” (Santos, 2016, p.80). Na sequência, o grupo de atores,
sob a direção de Boal, encenava a história e após o término, os espectadores
discutiam o problema apresentado e sugeriam alternativas para a sua
resolução.
Após este debate, os atores retornavam ao palco e encenavam essas
alternativas, de modo que ao final a plateia chegasse a um acordo. Até um
dia, em que uma mulher na plateia, não ficou satisfeita com a encenação
realizada pelos atores e, após um diálogo com o próprio Boal, nada amistoso
- mas, em certa medida, cômico -, subiu ao palco para representar a cena
como gostaria que tivessem feito.
E assim, nasce o Teatro-Fórum. Uma técnica teatral que renuncia
aos cânones teatrais - como o da quarta parede9 -, mas, principalmente,
permite aos “donos da história” encená-la a partir de sua própria perspectiva
e por meio de seus próprios recursos. “Não há mais tradução: quem
propõe, o faz em seu próprio nome, com seu corpo, voz e experiência de
vida” (idem, p.86). No muito, compartilham com seus pares angústias e
desejos comuns, retirando do outro (do ator) a posse de uma verdade que
não é dele, é sua. Afinal, como diria o próprio Boal, “Em cena, o ator é um
intérprete que, ao traduzir trai” (Boal, 1996, p.22).
Dessa forma, com a possibilidade de pisar em cena, ou contribuir
para a construção de problemáticas que também são suas, o espectador
9 Expressão utilizada para definir um “limite imaginário” entre palco e plateia.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 153
passivo, torna-se espec-ator10. Abandona sua passividade em prol de uma
ação concreta baseada na sua compreensão do que se apresenta em cena.
Ou como nos diria Gadamer, “No fundo, aqui se anula a diferença entre
jogador (ator) e espectador. A exigência de se ter em mente o jogo (o
espetáculo) mesmo, no seu conteúdo de sentido, é igual para ambos.”
(1999, p.186)
Neste percurso, propomos que o Teatro-Fórum seja realizado a
partir da temática abordada anteriormente no Teatro-Jornal, favorecendo
o debate sobre questões já analisadas, possibilitando novas descobertas dos
participantes, considerando que cada um poderá apresentar sua resolução
da questão apresentada; poderão (des,re)construir narrativas científicas,
considerando suas diferentes formas de ver e estar no mundo.
Considerações: pontes e colheitas
Neste trabalho, partimos do pressuposto que as Ciências, enquanto
produções humanas, são representadas por meio de narrativas que se
fixam ao imaginário coletivo de diferentes formas. Se por um lado, podem
vir carregadas de encantamento por meio de episódios e personagens
fantásticos, de outro podem potencializar histórias únicas e ranços
modernistas/positivistas (Franco, 2022), forjando realidades depreciativas
baseadas em um pensamento eurocentrado que exclui outras formas de
produção de conhecimento.
Por esta razão, defendemos que a produção de narrativas científicas
seja baseada no estímulo a uma curiosidade epistemológica (Freire, 1999)
que possibilite reflorestar a natureza criativa das Ciências, bem como
reconectar-lhe ao seu papel de agente transformador da sociedade,
alargando os horizontes de uma parcela significativa de indivíduos, à
medida que possibilita a ressignificação de fatos e personagens da história
das Ciências.
Para tanto, apresentamos uma proposta de percurso formativo que
emerge de um olhar em retrospectiva sobre pensadores que, muito embora
não tenham se inscrito nos pensamentos decoloniais contemporâneos,
inauguraram discussões que certamente contribuíram para que hoje
novas narrativas científicas pudessem ser escritas: o filósofo Hans-Georg
Gadamer e Augusto Boal.
10 Termo cunhado por Augusto Boal para descrever esta plateia ativa que, mesmo não pisando na
cena, está presente nela.
154 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Em Gadamer, por meio de sua hermenêutica filosófica, encontramos
as fibras necessárias à reconstrução de uma trama, esgarçada pelo
modernismo/positivismo, que afastou o sujeito de seu objeto de estudo,
desconsiderando a dimensão simbólica de qualquer análise. Enquanto no
Teatro do Oprimido, de Boal, identificamos como as dimensões simbólicas
e sensíveis de nosso pensamento, agem de forma complementar, se
responsabilizando pela produção de conhecimentos e mais, pela produção
de conhecimentos éticos e solidários.
Esperamos assim, que a experimentação de um percurso formativo
de (des,re)construção de narrativas científicas possa se dar em espaços
escolares e não-escolares, instigando a curiosidade de seus participantes,
bem como que incitem a insurgência de debates acerca de discursos
perversos de apagamento compulsório de diferentes saberes e tradições,
em diferentes partes do mundo, em diferentes épocas.
Em tempo, ressaltamos que nossa busca, em momento algum
credibiliza teorias negacionistas, tais como as que embasam discursos
delirantes terraplanistas ou antivacina. Muito antes, reforçamos nosso
compromisso com os avanços da Ciência, principalmente com aqueles
que garantem a vida sustentável e harmoniosa das diferentes espécies na
Terra.
Referências
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2009.
BOAL, Augusto. O Arco Íris do Desejo: Método Boal de Teatro e
Terapia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas� 2ª
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular�
Brasília, 2018.
FRANCO, M. A. S. Por uma didática decolonial: epistemologia e
contradições. Educação e Pesquisa, v. 48, e240473, 2022.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido� Rio de Janeiro,RJ: Paz e Terra,
1984.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 155
educativa. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1996.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método� Trad. Flávio Paulo
Meurer. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
LAWN, Chris. Compreender Gadamer� Trad. Hélio Magri Filho.
Petrópolis, RJ: Vozes. 2007.
SANTOS, Bárbara. Teatro do Oprimido: Raízes e asas – uma teoria da
práxis. Rio de Janeiro Ibis Libris, 2016.
Capítulo 11
Uma nova escola da mente e do corpo
Rafaela Kosinski1
Valéria Ghisloti Iared2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.157-166
Introdução
A
educação contemporânea considerada “tradicional” vem há
anos transformando os ambientes de ensino em locais encarados
por muitos como uma prisão. Como cita Moreira (2020), esses locais são
mestres em disciplinar corpos. Em nome da importância de aprender,
crianças e adolescentes têm seus corpos fixados nas carteiras em salas de
aula. O emparedamento desses jovens pode acarretar uma visão cada vez
mais negativa do ensino que os acompanharão durante grande parte de sua
caminhada educacional.
Carbonara e Zucco (2023) concebem o termo “alunização”, que
remete a expressão “aluno”, aplicado pelas escolas e educadores, para
indicar aqueles sujeitos que estão vinculados de uma maneira institucional
às instituições de ensino. A visão da alunização é a universalização
dos educandos a um único termo, ou seja, o apagamento de todas as
individualidades, assim anulando seus corpos, suas experiências e sua
corporeidade, os transformando em objetos fixos que são apenas receptores
de informações.
Porém um novo olhar fenomenológico vem surgindo dentro de
ambientes formadores de profissionais da educação, esse movimento que
se posiciona de uma maneira contrária à docência alunizadoura visando
formar futuros mestres que se pautem das experiências e sensibilidade dos
lecionandos como um artifício para difundir o conhecimento do mundo
sem erradicar a vivência individual humana. Ou seja, “ensinar a ler não é
colocar um saber contra outro saber (o saber do professor contra o saber
1 Discente em Ciências Biológicas. Universidade Federal do Paraná (UFPR), Palotina, PR -
Brasil.
2 Doutora em Ciências, Professora Adjunta do Departamento de Biodiversidade, Universidade
Federal do Paraná
158 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
do aluno ainda insuficiente), mas colocar uma experiência junto a outra
experiência” (Larrosa, 2011, p. 15).
A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas,
segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção,
a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também
uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se
possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a
partir de sua “facticidade”. É uma filosofia transcendental que coloca
em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural,
mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre “ali”,
antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todo
consiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo, para dar-
lhe enfim um estatuto filosófico (Merleau-Ponty, 2011, p. 1).
Com o objetivo de trazer essa abordagem fenomenológica, que visa
o sentimento e a experienciação dos discentes, para as salas de aula do
ensino básico, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID - Ciências), realizado na Universidade Federal do Paraná Setor
Palotina, trabalha com os acadêmicos de diversos períodos do curso de
Ciências Biológicas uma nova visão que combina a educação estética com
os temas abordados dentro da matéria de Ciências em três colégios da rede
municipal na cidade de Palotina.
Usando como uma das bases do PIBID - Ciências, o livro “Vidas
que ensinam o ensino da vida” (Ferreira et al., 2020), leva-se como um
fundamento que “a ciência e a arte são como margens do mesmo rio”
(Couto, 2007, p. 25, apud Ferreira et al., 2020, p. 15). Nessa esteira,
é proposta uma perspectiva de docência de ciências que questiona a
dualidade entre arte e ciência para tornar possível uma percepção diferente
do mundo que nos cerca e nossas interações com ele, pois os conceitos
científicos ensinados em sala e as experiências sensíveis com o ambiente
não são concepções dicotômicas, mas sim complementares.
Porém, como cita Bastos (2020, p. 47-48), o objetivo buscado
ao trabalhar uma nova forma de docência que valorize a experienciação
da ciência pelos discentes, não é menosprezar a educação considerada
“tradicional”, mas sim que se possa compreender que ela não é a única
possibilidade de ensino em ciências.
Nesse caminho acredito que seja possível inventar uma docência que,
ao se aventurar a mudar a função das palavras, se proponha ao mesmo
tempo a escutar a voz dos passarinhos e a desenhar o cheiro das árvores.
Uma docência revestida de cores que podem ser escutadas, capaz de
transformar nossas aulas em um jogo de sensações inesperadas que leve
a desconfiar dos conceitos e significados que enclausuram uma origem
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 159
das coisas (Ferreira et al., 2020, p. 49-50).
Nesse sentido, o PIBID - Ciências, durante o ano de 2023, buscou
trabalhar dentro da sala de aula do ensino básico de Palotina - PR, uma
educação em ciências fenomenológica, que segundo Santos e Sousa (2022,
p. 279) “valoriza a formação dos indivíduos a partir de suas próprias
experiências vivenciadas e o meio em que ele se encontra inserido”.
O movimento, o som e a sala de aula
Carteiras organizadas em fileiras, educandos direcionados para
onde se posiciona o professor e voltados de costas para seus colegas, todos
em silêncio, esse é o modelo mais comum de organização das salas de
aulas espalhadas pelo mundo atual, nesse padrão são desconsiderados os
aspectos corporais dos discentes, como seu movimento.
“A noção de disciplina na escola sempre foi entendida como “não-
movimento”. As crianças educadas e comportadas eram aquelas que
simplesmente não se moviam” (Strazzacappa, 2001, p. 70). Não somente
o movimento, mas também o som é considerado por esses ambientes
disciplinadores como algo errado, a produção do som pelos estudantes
para qualquer participação que não se remete ao conteúdo teórico é punida
e essa punição normalmente vem em forma de estaticidade e silêncio, ou
seja, a presença da corporeidade é considerada algo indisciplinado e sua
ausência é usada como punição.
A expressão corporeidade é conceituada por Nóbrega (2010, p. 35)
como:
A corporeidade, compreendida em termos epistemológicos como
campo de saberes do corpo, emerge da capacidade interpretativa do ser
vivo desde os níveis celulares e moleculares até os aspectos simbólicos e
sociais. Trata-se de um saber incorporado, desdobrado pela percepção,
configurando a linguagem sensível. Assim posto, a corporeidade é
considerada como um campo de experiência e reflexão, a partir do qual
se desdobram possibilidades epistemológicas, éticas, estéticas, sociais e
históricas.
Assim, compreende-se que uma educação ausente de corporeidade
é uma educação que não se preocupa com os saberes do corpo e suas
possibilidades epistemológicas, éticas, estéticas, sociais e históricas, apenas
buscando distribuir conceitos soltos e que muitas vezes não contribuem
para a formação humana do indivíduo, pois “antes da ciência do corpo
– que implica a relação com outrem –, a experiência de minha carne
160 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
como ganga de minha percepção ensinou-me que a percepção não nasce
em qualquer outro lugar, mas emerge no recesso de um corpo” (Merleau-
Ponty, 1964/1992, p. 21).
Uma das propostas da educação fenomenológica que enfoca
o ser humanos e os fenômenos que os cercam em sua totalidade é o
embasamento da educação estética, ou seja, “à atitude do sujeito perante o
mundo, o estabelecimento de uma relação sensível, de beleza, de harmonia
com o mundo” (Duarte Júnior, 2006 apud Amorim; Castanho, 2009),
para desenvolver nas instituições de ensino uma docência humanizada que
colabore na formação de indivíduos.
A educação estética pressupõe entender que estética vem do grego
Aisthesis que remete ao trabalho com os sentidos e ao encantamento do
mundo através do corpo. O corpo e o afeto são priorizados na educação
estética, não como concepção do belo e, sim, como balizados pelas afetações
do mundo:
A sensibilidade estética é um desdobramento da análise perceptiva de
Merleau-Ponty, considerando os aspectos do corpo, do movimento e
do sensível como configuração da corporeidade e da percepção como
criação e expressão da linguagem; considerando as referências feitas
pelo filósofo às artes, especialmente à pintura, como possibilidade de
se ampliar a linguagem, de aproximá-la da vida do homem e de seu
corpo. A obra de arte está colocada como campo de possibilidades para
a experiência do sensível, não como pensamento de ver ou de sentir,
mas como reflexão corporal (Nóbrega, 2008, p. 143).
Dentre as diversas possibilidades de atender uma educação estética,
está a música e a dança. Segundo Chiarelli (2005), a música é importante
para o desenvolvimento da inteligência, a interação social da criança e a
harmonia pessoal, facilitando a inclusão na educação. Outra potencialidade
da música é o fomento à interdisciplinaridade na educação infantil, uma
vez que sua versatilidade pode atender vários assuntos (Chiarelli, 2005
apud Godoi, 2011). Através dessa interdisciplinaridade podemos fazer a
conexão da música e musicalização a diversos temas trabalhados em sala de
aula. Já a dança, além de permitir uma maior possibilidade de movimento,
beneficia questões cognitivas e sociais.
A dança no espaço escolar busca o desenvolvimento não apenas
das capacidades motoras das crianças e adolescentes, como de suas
capacidades imaginativas e criativas. As atividades de dança se
diferenciam daquelas normalmente propostas pela educação física, pois
não caracterizam o corpo da criança como um apanhado de alavancas
e articulações do tecnicismo esportivo, nem apresentam um caráter
competitivo, comumente presente nos jogos desportivos. Ao contrário,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 161
o corpo expressa suas emoções e estas podem ser compartilhadas
com outras crianças que participam de uma coreografia de grupo
(Strazzacappa, 2001, p.71).
Logo, esses caminhos que são tão pouco percorridos na educação
tradicional, podem trazer ao ambiente escolar uma nova forma de trabalhar
conceitos científicos e acionar a corporeidade, para que assim possamos
transformar a esfera educacional em um local que além de construir
conhecimentos científicos, também valorize o corpo como fundamental
para os processos cognitivos e emotivos de uma educação cidadã.
A ciência através da dança e da música
A atividade realizada teve a intenção de aprofundar dentro da turma
do primeiro ano do ensino básico os órgãos dos sentidos. Em conjunto,
os discentes da UFPR, participantes do PIBID, elaboraram a atividade
intitulada “A ciência através da dança e da música”, que buscou por meio
da interdisciplinaridade entre musicalização e as ciências biológicas, uma
forma de trabalhar a corporeidade dentro da sala de aula de ciências.
Para o desenvolvimento da atividade, foram disponibilizados
recursos didáticos que os educandos pudessem relacionar com o tema
abordado, dentre eles a música e a dança:
Uma educação que experimenta com palavras, imagens e sons é um
plano de composição de heterogêneos, de dispares, de diferenças e de
fenda; um olhar desde a superfície para o que se fatura e se desloca
nessa superfície, muito mais rítmica e variante do que se baseada na
velocidade da síntese ou na proposta de superação e redefinição de
polos em disputa (Ferreira et al., 2020, p. 113).
Durante a atividade, foi buscado interagir e instigar os educandos.
Ela foi iniciada introduzindo a dinâmica que seria realizada e os instrumentos
que foram utilizados, o ukulele e os chocalhos, fazendo sua relação com
elementos já conhecidos pelas crianças, como o violão e o guizo de uma
cobra. Após a introdução, foi formado um círculo com os alunos na sala de
dança do colégio e performada, uma primeira vez, a música “Pula Grilo”
através do canto e uso do ukulele. Nesse momento, os educandos foram
instruídos a apenas utilizar da audição para se conectarem com a canção,
percebendo suas vibrações e significados.
Na sequência, foram feitas perguntas como, “vocês gostam de
música?”, “o que vocês sentiram ao ouvir a música?” e “e de dançar,
vocês gostam?”, com o objetivo de instigar a participação e expressão
162 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
dos participantes permitindo com que eles pudessem compartilhar sua
experiência com a música e a atividade até o momento. Em seguida, houve
um momento onde foram entregues a eles os chocalhos para que pudessem
sentir suas vibrações enquanto performavam a música novamente e ao
finalizarmos essa execução questionamos novamente, “vocês acham que o
som que nós produzimos aqui dentro é o mesmo se produzíssemos ele lá
fora?”, fazendo um gancho com o próximo segmento da atividade.
Figura 1: Educandos performando a música “Pula Grilo” no interior do colégio
Fonte: Professora de ciências (2023).
Logo após as atividades em sala, encaminhamos os educandos para
o pátio externo da escola, onde foi realizada a segunda parte da atividade.
Lá, mais uma vez em círculos, realizamos a musicalização da canção através
do canto e da pulsação dos instrumentos, e novamente instigamos os
alunos com questões, como “vocês se sentiram diferentes cantando aqui?”,
“o que esse ambiente tem de diferente do anterior?”, “vocês preferiram
performar aqui fora ou dentro da sala?” e “e agora, vocês acreditam que o
som foi igual ao que performamos no interior da sala de aula?”.Com essa
última pergunta tivemos o objetivo de levar os discentes a uma percepção
do som com o local em que ele foi produzido e as influências que esse
ambiente tem sobre ele, obtivemos várias respostas dos lecionandos como
“no exterior, a música se mistura com o som dos passarinhos, do vento
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 163
e das árvores” e “aqui podemos cantar mais alto, então ele é diferente”,
possibilitando observarmos as diferentes perspectivas das crianças, que não
estavam aprisionadas aos conceitos teóricos específicos.
Após o momento de troca entre a turma, uma última vez os
convidamos a interpretar a música, dessa vez, em forma de dança,
transmitindo às crianças os movimentos da coreografia, que representavam
os movimentos de um grilo em seu ambiente natural, além dos sentidos
como o toque, a audição e a visão, para que pudéssemos performar juntos.
Figura 2: Educandos performando a música “Pula Grilo” no ambiente externo
Fonte: Professora de ciências (2023).
Ao voltarmos para a sala, os alunos puderam então compartilhar
um pouco mais dos seus sentimentos sobre a atividade, a música, a dança
e os instrumentos e, também, puderam compartilhar com o grupo suas
experiências pessoais em relação a diversos tipos de instrumentos musicais
que já tiveram contato, com o canto que envolve muitos aspectos de suas
vidas e com a dança, que em suas mais diferentes formas se apresenta
recorrente em suas rotinas diárias. Após esse momento de partilha, que
buscou o desenvolvimento social e a valorização das experiências e opiniões
dos estudantes, eles puderam ter o contato manual com o ukulele, que
antes havia sido dedilhado apenas pela discente de Ciências Biológicas
durante a musicalização e despertara a curiosidade das crianças devido ao
164 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
seu tamanho diminuto e semelhança a um violão, assim percebendo seu
toque, texturas e relevos.
Figura 3: Educando percebendo as texturas do ukulele
Fonte: Professora de ciências (2023).
Considerações finais
Através do presente texto, buscamos discutir a importância de
uma nova visão da docência que vá contra os ambientes disciplinadores
alunizadores, levando as escolas e demais locais de ensino uma educação
da corporeidade, que forme indivíduos que com uma capacidade sensível e
cidadã, que compreenda a totalidade do mundo que o cerca.
O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou
aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o
possuo, ele é inesgotável (Merleau-Ponty, 2011, p. 14).
Percebeu-se através do desenvolvimento da experienciação estética
“a ciência através da música e da dança”, a importância que esse novo olhar
fenomenológico tem para a docência de Ciências Biológicas, como uma
maneira de valorizar experiências e cultivar outras formas de ensinar sobre
a vida com contato com o mundo vivo, a arte e a multissensorialidade.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 165
Pode-se vislumbrar, com a realização da atividade, o interesse dos
alunos em trabalhar sua corporeidade durante a experienciação, fazendo
com que se sintam mais valorizados ao poderem expressar suas opiniões e
participar da aula como iguais. Para os participantes do PIBID, iniciou-se
um processo de conceber que a Biologia não é algo estático e objetivo, que
está fixado dentro de béqueres e lâminas, mas sim uma ciência da vida,
sendo uma área que se pode perceber, experimentar e conectar-se com o
mundo.
Assim, por meio da experiência estética, observou-se o quanto
os argumentos teóricos da educação fenomenológica se concretizam na
realidade, enriquecendo a educação básica e formando indivíduos com uma
maior capacidade sensível e humana. Além disso, concebemos que a vivência
propiciou potencializar a formação pessoal e profissional do educador,
que a partir dessa metodologia passa a ver uma nova possibilidade para a
docência. Acreditamos que esse caminho é promissor para a transformação
da escola em um ambiente vivo, que valorize as diversidades, corpos e
pensamentos e que seja aberto a quem está inserido nela.
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fev. 2024.
Parte III
Metodologias Qualitativas
Fenomenológicas e Hermenêuticas
na Educação em Ciências e áreas
afins
Capítulo 12
Investigando currículos escolares sob a ótica
da Análise Textual Discursiva: o que tem de
hermenêutico nisso?
Leonardo de Oliveira Muniz1
Valéria de Souza Marcelino2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.169-181
Introdução
O
campo do currículo, como área de pesquisa, abrange uma
enorme diversidade de trabalhos e produções. Desde questões
práticas sobre como selecionar os conteúdos a serem ensinados quanto às
questões sobre o poder e o Estado, o currículo escolar, imprescindivelmente,
atravessa a vida profissional docente. Porém, nessa escrita, nos afastamos
do propósito de discutir uma definição para currículos escolares. Mesmo
assim, usaremos como cenário um documento curricular. Manifestamos
interesse em compartilhar experiências hermenêuticas ocorridas no
desenvolvimento de um exercício de Análise Textual Discursiva (ATD).
Justificamos nosso interesse apresentando duas provocações.
A primeira tem a ver com a profissão docente, afinal, como professor e
professora acreditamos na crítica ao currículo como parte inseparável de
nossas atividades profissionais. Entendemos o pensamento crítico também
como uma habilidade avaliativa para elaborar bons argumentos (Rainbolt,
2010). Consequentemente, pretendemos promover diálogos reflexivos
sobre questões curriculares.
O segundo estímulo consiste em mostrar evidências concretas de
traços hermenêuticos em uma atividade com ATD. Pesquisadores, em
especial de educação, são questionados sobre “Como isso se mostra na
prática?”. Entendemos as aflições e angústias e, em razão disso, oferecemos
1 Doutorando em Ensino e História da Matemática e da Física pelo Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Matemática (PEMAT/UFRJ) e docente do Instituto Federal Fluminense.
2 Doutora em Ciências Naturais (UENF) e professora titular no Mestrado profissional em Ensino
e suas tecnologias do Instituto Federal Fluminense.
170 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
esta escrita como uma possível orientação para localizar experiências
hermenêuticas na prática da ATD.
Pelos motivos elencados, postura crítica e realidade da prática de
pesquisa, desejamos acatar os anseios respondendo a seguinte pergunta:
como podemos perceber e expor traços de experiências hermenêuticas em
um exercício de ATD? Mostraremos, que o uso da ATD, de fato, transforma
o autor-pesquisador, conforme aumenta a consciência hermenêutica.
Os dados usados nesta pesquisa provêm de um capítulo de livro
a ser publicado, que se configura por uma investigação que usa a ATD
como ferramenta metodológica para compreender como se mostram as
ideologias em um currículo escolar. Aliás, esse currículo será referenciado
também pelo seu nome próprio, Projeto Pedagógico de Curso (PPC),
nomeado pela instituição que o criou.
Para alcançar nosso objetivo, dividimos o texto em duas partes.
As duas primeiras seções abordam uma breve exposição teórica sobre
hermenêutica e ATD e, em especial, frisamos a hermenêutica filosófica de
Gadamer por esta ter um papel de destaque nos estudos e investigações que
utilizam a ATD. Levando em conta a assunção de conceitos envolvendo
hermenêutica filosófica, a segunda parte deste artigo se concentra em
mostrar o que tem de hermenêutico no referido exercício de ATD. Para
facilitar o entendimento, desdobramos essa segunda parte em três subpartes
que especificam os momentos em que as experiências hermenêuticas são
identificadas.
ATD e Hermenêutica
O marco inicial da ATD como metodologia para análise de dados
acontece com a publicação científica do professor Roque Moraes (2003),
sendo considerada uma ferramenta ousada ao contrapor uma perspectiva
positivista, ainda muito presente no início do século XXI. Sucintamente,
essa metodologia prevê três etapas recorrentes: unitarização, categorização
e comunicação. Não obstante, Moraes (2020), investigando vivências de
pesquisadores, percebe o potencial da ATD como uma metodologia de
autotransformação, conforme o grau de envolvimento do pesquisador.
Dessa forma, Moraes (2020) aponta uma aproximação natural entre a
ATD e a hermenêutica.
Além de cunhar o termo Análise Textual Discursiva, Roque Moraes
nos apresentou a ATD como uma metodologia na qual a autoria do
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 171
pesquisador é essencialmente valorizada. O espaço destinado ao metatexto
do autor-pesquisador reconhece esse valor. De fato, o pesquisador,
ao percorrer as etapas de unitarização e categorização, produz uma
comunicação, argumentativa e descritiva-interpretativa, com o intuito
de mostrar compreensões emergentes (Moraes, 2003). Assim, o chamado
metatexto transcende o registro de entendimento de um fenômeno
investigado por ser também expressão textual de autoconhecimento,
o que revela uma forma para compreender-se no mundo. Realçamos os
termos associados ao vocábulo compreensão objetivando desestabilizar o
imaginário ingênuo do sentido dessa palavra. De imediato, afirmamos que
a compreensão estrutura a ponte relacional entre a ATD e a hermenêutica,
conforme mostraremos a seguir.
Robson de Sousa e Maria Galiazzi (2016) examinam a obra intitulada
Análise Textual Discursiva (Moraes; Galiazzi, 2011) visando especificar
conexões entre ATD e hermenêutica. O pesquisador e a pesquisadora
afirmam categoricamente que a “[...] aproximação da Análise Textual
Discursiva à hermenêutica é em virtude de esta ter como centralidade a
busca de compreensão” (Sousa; Galiazzi, 2016, p. 52). Fica explicitado,
portanto, a compreensão como ponto de concurso entre hermenêutica e
ATD.
Para nossa escrita, a relevância em apresentar a compreensão como
termo de destaque e reflexão se dá por dois motivos fundamentais. O
primeiro é sinalizar o filósofo Hans-Georg Gadamer como referência para
uma hermenêutica e o segundo motivo consiste em apropriar significados
para termos discutido por Gadamer e assim facilitar o entendimento das
seções subsequentes. Por tudo isso, apresentamos, a seguir, de forma breve,
a hermenêutica Gadameriana.
Um olhar sobre a hermenêutica filosófica de Gadamer
No que se refere à hermenêutica filosófica, doravante denotada por
HF, a compreensão é um conceito central para Gadamer. Para o filósofo
toda compreensão parte de nossos preconceitos (Bresolin, 2008; Schimidt,
2012; Carmo; Sousa; Galiazzi, 2023). Ele argumenta que não podemos
separar a compreensão da nossa própria história e da história da tradição à
qual pertencemos, pois herdamos um conjunto de preconceitos. Esse ponto
de vista elucida o ato de compreender como uma ação continuamente
cultural. Isso fica evidente quando pensamos na linguagem como uma
172 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
forma de manifestação cultural na qual são negociados um conjunto de
signos.
Isto posto, a linguagem desempenha um papel fundamental
na compreensão e na interpretação na perspectiva de Gadamer, pois ao
examinar o desenvolvimento do conceito de linguagem, ele conclui que
não pode haver uma única linguagem perfeita (Schimidt, 2012). Assim,
cada linguagem está associada a um modo particular de visão do mundo,
logo, uma forma de compreensão restrita. Por isso mesmo, Gadamer
confere destaque à natureza dialógica da linguagem, argumentando
que compreendemos o mundo e os outros por intermédio do diálogo
constante. É por meio da linguagem do diálogo que o filósofo construiu os
fundamentos da sua HF (Sousa; Galiazzi, 2018).
Convém destacar que Gadamer (2015) apresenta o diálogo como
algo maior que uma simples troca de palavras; é um processo no qual os
participantes estão abertos à compreensão mútua. Não é apenas um meio
para atingir um fim, mas é uma parte essencial da experiência humana.
Entretanto, quando interlocutores se expressam por meio de linguagens
distintas, os mesmos necessitam de um intérprete.
Por meio de um diálogo contínuo entre o passado e o presente,
entre o intérprete e o texto, é que se chega à compreensão hermenêutica, a
qual não é um ato isolado. Nesse diálogo, a pré-compreensão do intérprete
desempenha um papel considerável, pois a compreensão não é uma busca
por um significado objetivo e fixo, mas sim um processo interpretativo
que leva em conta a historicidade, a tradição e a intersubjetividade. Ao
traduzir um texto, o intérprete decodifica-o transfigurando sua forma
original para um novo modelo com as devidas adaptações. Nesse processo
de transformação, o intérprete amplia seus conhecimentos de mundo, ou
seja, expande sua compreensão.
Souza e Galiazzi (2018) explicam que as interações discursivas se
utilizam da linguagem como meio para se chegar a novos entendimentos e
acordos entre os participantes de um diálogo. Os autores nos apresentam um
exemplo em que Gadamer exemplifica tal dinâmica por meio da situação
na qual indivíduos que se expressam em idiomas distintos se engajam em
uma conversa, demandando, assim, a intervenção de uma terceira pessoa,
um tradutor. O tradutor assume relevância ao ser encarregado de transpor
significados a serem compreendidos para o contexto do outro interlocutor.
Ainda segundo Souza e Galiazzi (2018), de acordo com Gadamer
(2015), toda tradução configura-se como uma interpretação, onde a
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 173
linguagem como o meio atua para a criação de um acordo produzido
de maneira artificial por meio de uma mediação explicitada. O tradutor,
mesmo ao esforçar-se por expressar e preservar fielmente a essência da vida
e dos sentimentos do autor, inevitavelmente confere uma nova perspectiva
ao texto, pois agora tem a sua própria perspectiva incluída. A tradução, a
partir desse outro olhar, se manifesta como uma nova luz sobre a obra. O
desafio do tradutor reside em preservar o significado original, considerando,
portanto, a necessidade de compreensão dentro de um universo linguístico
distinto.
Nesse contexto, o caráter da linguagem revela-se nos acordos
estabelecidos nos diálogos, caracterizados por Gadamer como a fusão
de horizontes. Esse processo implica na interpretação ativa por parte do
tradutor, que busca compreender e validar o significado no novo contexto
linguístico, revelando, assim, a centralidade da linguagem nos processos
hermenêuticos propostos por Gadamer.
Por essa razão, sentimos a necessidade de enfatizar que a verdadeira
essência da linguagem se manifesta nos momentos em que os interlocutores
concordam, buscam compreender e, consequentemente, aumentam suas
perspectivas individuais. Essa expansão é apresentada como uma fusão de
horizontes, que não apenas aprimora a compreensão mútua, mas também
destaca a capacidade transformadora e enriquecedora do diálogo autêntico
(Sousa; Galiazzi, 2018). Portanto, a linguagem, para Gadamer, não é apenas
um meio de comunicação, mas um modo para a construção conjunta de
significado e compreensão.
Sobre o termo fusão de horizontes, dispomos de alguns comentários.
Partimos do conceito de horizonte sobre o qual criamos, inicialmente, uma
imagem mental da linha aparente em que o céu e a terra ou o mar parecem
se encontrar. Todavia, é preciso buscar o conceito no contexto do universo
hermenêutico de Gadamer:
Horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que pode
ser visto a partir de um determinado ponto. Aplicando este conceito
a consciência pensante, falamos então da estreiteza do horizonte, da
possibilidade de ampliar o horizonte, da abertura de novos horizontes
etc (Gadamer, 2015, p. 399).
O autor ainda explica que horizonte é, antes, algo dinâmico, pois
à medida que caminhamos o horizonte visualizado também se modifica.
Os horizontes se deslocam ao passo de quem se move (Gadamer, 2015).
No mundo físico, isso se materializa com a retratação de dois indivíduos
174 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
caminhando sobre a superfície terrestre de tal forma que cada um enxerga
seu horizonte.
Sendo assim, a fusão de horizontes se refere ao encontro de
diferentes perspectivas e experiências para alcançar uma compreensão
mais completa da realidade. O horizonte do intérprete se entrelaça com
o horizonte do objeto interpretado, visto que “A compreensão ocorre
como uma fusão do horizonte do texto com o horizonte daquele que o
compreende. A compreensão é como uma conversa em que o Ser que pode
ser compreendido é linguagem” (Sousa; Galiazzi, 2016, p. 39).
Em resumo, na hermenêutica filosófica, a compreensão é um
processo que envolve diálogo, fusão de horizontes e reconhecimento da
historicidade, destacando a natureza dinâmica e contextual da interpretação.
Essa síntese ambiciona maximizar o entendimento das próximas seções,
pois será indispensável uma familiaridade com conceitos gadamerianos
apresentados anteriormente. Ademais, necessitamos também relembrar os
movimentos que envolvem uma ATD.
O que tem de hermenêutico nesse exercício de ATD?
O carácter hermenêutico que requer a Análise Textual Discursiva
é do tipo teoria emergente (Sousa; Galiazzi, 2018). Atrevemos a caminhar
um pouco além desse propósito. Objetivamos nesta parte do artigo
demonstrar toda serendipidade oriunda de uma atividade envolvendo uma
ATD. Em outros termos, queremos dizer que o esforço do pesquisador ao
percorrer as etapas da ATD, unitarização, categorização e comunicação,
é capaz de promover a emergência de novas compreensões causadoras de
surpresas agradáveis.
Análise Textual discursiva: Teoria na Prática - Turma 4 - é o nome do
curso em que a docente Valéria Marcelino atua como uma das professoras.
Como o próprio nome afirma, a proposta de formação consiste em
duas etapas integradas: teoria e prática. A primeira parte do curso expõe
os fundamentos e procedimentos da ATD. As bases conceituais dessa
metodologia são apresentadas e ilustradas com exemplos provenientes de
pesquisas científicas consolidadas e publicadas. O dinamismo entusiástico
fomenta um desejo em alguns cursistas em querer experimentar a
emergência de novas compreensões. Em particular, um dos cursistas,
primeiro autor dessa escrita, Leonardo Muniz, se propõe a realizar uma
ATD de um Projeto Pedagógico de Curso.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 175
Embora o corpus analisado seja um documento e não uma pessoa,
podemos admitir um diálogo aberto com esse currículo escolar. Para isso,
basta lembrar de que o pesquisador também é intérprete e que ele “[...]
deve fazer com que o texto fale” (Schmidt, 2012, p. 158).
Já vimos que o exercício da ATD é um encontro entre dois
mundos: do pesquisador e do objeto pesquisado e, por isso, essa prática
proporciona experiências hermenêuticas. Desejamos compartilhar os
sentidos e afetos oriundos das compreensões emergentes de uma dinâmica
que utilizou a ATD como metodologia de análise. Deste modo, exibiremos
três experiências hermenêuticas no referido exercício de ATD: a primeira
ocorreu na elaboração da pergunta de pesquisa, a segunda no movimento
de categorização e a terceira no metatexto.
O que tem de hermenêutico nessa pergunta de pesquisa?
A primeira fase de uma pesquisa científica começa com a
formulação de um problema de pesquisa. Nesse estágio, o investigador
apresenta noções conceituais relacionadas com algum fenômeno associado
ao seu contexto. Maria Aparecida Bicudo (2016) nos lembra que pesquisar
não é apenas sinônimo de investigar ou explorar, mas, sobretudo um
ato de compreender, interpretar e buscar explicações para uma questão
formulada. A autora enfatiza a pesquisa como ato de perseguição de uma
interrogação que faça sentido e tenha significado para o pesquisador no
contexto onde foi formulada.
Bicudo (2016) mostra que a elaboração de uma pergunta de pesquisa
não está distante das tradições culturais a qual pertence o pesquisador,
portanto carrega seus preconceitos.
Assim sendo, apresentamos e discutimos, em perspectiva
hermenêutica, o problema de pesquisa formulado pelo cursista. O
pesquisador objetivou responder a seguinte questão: Como se apresentam e
operam as ideologias hegemônicas, portanto neoliberais, nos projetos pedagógicos
de um curso integrado ao ensino médio nos Institutos Federais?
Destacamos para uma análise inicial a expressão “ideologias
hegemônicas” e a consequente afirmação de que são neoliberais. Ao
apontar o uso de tal locução seguida de uma sentença conclusiva, o autor
demonstra um preconceito em relação às concepções tanto políticas
quanto econômicas. Nesse ponto, portanto, há uma evidência de uma
pré-compreensão que de alguma forma está correlacionada ao contexto
176 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
histórico vivido pelo pesquisador, conforme previsto por Gadamer (2015).
Um estímulo não mencionado motivou o docente de Matemática a usar
uma expressão imperativa e relacionada às discussões sobre as formas de
dominação ideológicas neoliberais. Temos, assim, um primeiro traço de
experiência hermenêutica: a consciência de preconceitos.
O que tem de hermenêutico nessa categorização?
Para prosseguir com a discussão, traremos à baila os movimentos
de unitarização e categorização em ATD para descrever outras experiências
hermenêuticas. A etapa de unitarização consiste em desmontar o texto
em unidades de significado. No exercício relatado, cada unidade se torna
também categoria inicial sendo reagrupadas por proximidade, formando
novos conjuntos chamados de categorias intermediárias. Cada categoria,
inicial ou intermediária, recebe um título para sintetizar uma ideia central
do pesquisador. Em alusão ao que acabamos de escrever, segue o Quadro 1
contendo uma fração da categorização feita pelo cursista.
Quadro 1: Fração de uma categorização
Unidade de sentido (US) Título da US /
Categorias iniciais
Categoria
intermediária
(iii) fomentar a inovação e o
empreendedorismo nas empresas do
Rio de janeiro;
Organização privada
estimulando o
empreendedorismo
Validação do
empreendedorismo
como fuga ao
desemprego
(...) com espírito investigativo,
criativo, inovador e empreendedor;
Egresso com perfil de
empreendedor
Além disso, esse mesmo egresso
ainda pode exercer sua atividade,
autonomamente, por meio de
empresa própria ou prestação de
consultoria (...)
O egresso como patrão
de si
Fonte: Arquivo pessoal
O ato de nomear as categorias requer do pesquisador a assunção de
uma postura crítica e ética. A responsabilidade do investigador consiste em
traduzir para seu mundo o mundo do texto analisado. É nesse momento
em que pode existir o encontro entre diferentes linguagens, logo, como há
dois interlocutores, o texto e o pesquisador, o último assume duplo papel:
autor e intérprete.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 177
O diálogo autêntico entre as US e os títulos produzidos geraram
a categoria intermediária Validação do empreendedorismo como fuga ao
desemprego, que expressa uma compreensão do autor sobre a lógica do
empreendedorismo como uma ideia para produzir uma autorização oficial
para o desemprego em massa. Junto com outras categorias intermediárias,
o cursista elabora uma categoria final intitulada Ideologias hegemônicas
infiltradas em um PPC: a corrosão consequente de uma formação desintegrada.
Assim, temos a confirmação de que o autor entende o empreendedorismo
como uma ideologia neoliberal.
Além do que, o empreendedorismo é posto como qualidade tão
desejada quanto o “espírito investigativo, criativo e inovador”, roupagem
de palavras frequentes para omitir ideais neoliberais. Os títulos dados
às US expressam o início de um caminho para uma postura contra-
hegemônica, indicando o nascimento de um argumento, posteriormente
a ser comunicado. Constatamos esse posicionamento autoral presente
na categorização como uma operação linguística e esse fato expressa
um pressuposto hermenêutico (Sousa; Galiazzi, 2016), caracterizando,
portanto, um segundo traço de experiência hermenêutica.
Acabamos de relatar um processo de categorização vinculado a
um posicionamento político de não neutralidade do pesquisador onde a
ideologia tem um papel de teoria a priori. Efetivamente, percebe-se uma
concepção do cursista como sujeito que entende ideologias como falsa
consciência ou verdade a ser escondida. A seguir, mostraremos como essa
teoria de forma evoluída se mostra emergente no desenvolvimento do
metatexto.
O que tem de hermenêutico nesse metatexto?
A escrita do metatexto tem um significado hermenêutico, pois
consiste fundamentalmente na tradição de linguagem (Gadamer, 2015).
Com efeito, já vimos que a tradição de linguagem carrega preconceitos
e contextos históricos. Por conseguinte, a redação do metatexto, além do
objetivo de comunicação, é também desfecho de um processo cognitivo
de pré-compreensões combinadas com contextos vivenciados pelo
pesquisador.
Consideramos justo atribuir à hermenêutica o desenvolvimento de
uma qualidade notável para o pesquisador: abertura à escuta. Como já
dissemos, herdamos preconceitos e costumes. Porém, isso não significa dizer
178 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
que somos invariáveis. A (auto)escuta, como parte de uma conversa, pode
ser um meio para entender preconceitos adquiridos e assim produzir novas
reflexões. A proposta de abertura ao diálogo autêntico como aquele que
não é impositivo, mas antes construído em conjunto, favorece mudanças
internas ao pesquisador, transformando-o. Zambam (2020) recorre ao
significado de consciência hermenêutica para explicar esse evento. O autor
elucida:
A experiência com consciência hermenêutica é pensada a partir da
condição de abertura, de finitude, sendo essencialmente histórica,
sabendo que nada retorna, não se fecha, mas acontece enquanto diálogo
aberto. O verdadeiro diálogo nos transforma, por proporcionar algo de
novo, algo que não esperávamos, que nos surpreendeu e que contribuiu
para ampliarmos nossos horizontes de sentido, nossa capacidade de
compreensão do assunto a ser estudado (Zambam, 2020, p. 671-672).
Uma consciência hermenêutica, então, promove conversas
honestas em movimentos dialéticos para novas descobertas, culminando
com o prolongamento de horizontes. A partir desse olhar, apresentamos
fragmentos de um metatexto produzido pelo cursista, sintetizados no
Quadro 2 a seguir.
Quadro 2: Fragmento de metatexto
“O que quero tratar, especificamente nesse metatexto, é sobre como essa categoria final é
emergente. [...] Busquei novas compreensões sobre ideologia em Althusser (2023). [...]
Althusser afirma que a ideologia se expressa como existência material (ALTHUSSER,
2023, p.94). Isso quer dizer que as ideologias agem tanto no imaginário das relações
de produção como também se materializam nas aparelhagens das instituições, inclusive
escolares. [...] empreendedorismo como ideologia neoliberal não surgiu no PPC como
algo natural ao ser humano; alguém a implantou lá.”
Fonte: Arquivo pessoal
Observamos que o pesquisador recorre ao uso de primeira pessoa
no início do trecho para manifestar uma autoria. Assim, se materializa
a escrita de Sousa e Galiazzi (2016), quando o professor e a professora
afirmam que
A ATD exige assumir a autoria nas interpretações, um pressuposto
hermenêutico que o pesquisador realiza acerca dessas manifestações e
expressões dos sujeitos, tendo em mente o texto original (A2) (Sousa;
Galiazzi, 2016, p. 42).
Embora tenhamos mencionado a autoria, na categorização, como
um traço hermenêutico, consideramos oportuno evidenciar como ela
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 179
também pode existir no metatexto. Ademais, destacamos a mudança de
percepção do autor sobre o conceito de ideologia. Anteriormente, no
problema de pesquisa, apontamos uma concepção de ideologia como
falsa consciência, portanto, uma atuação apenas no imaginário. É essa
uma ideia corriqueira, associada a uma mentira velada ou verdade que se
quer encobrir. No senso comum, ideologia é como a venda dos olhos que
embaça o campo de visão.
A grande surpresa revelada no metatexto se caracteriza pela mudança
de perspectiva do autor. Nesse caso, a ideologia passa a ser entendida
também como existência concreta. Portanto, há um alongamento de
horizonte sobre o conceito de ideologia. Em outras palavras, a partir
do alongamento, é possível que a tecitura de outra definição seja feita.
Temos a ideologia como expressão de uma ação, um movimento real que
se materializou na confecção de um PPC. O documento foi escrito por
pessoas obedientes, de forma consciente ou não, a princípios neoliberais.
Cabe aqui um alerta. Não estamos julgando quem escreveu o
documento curricular. O exercício de ATD se propõe a compreender. A
análise do metatexto indica que o corpus da pesquisa dialoga com quem
o lê no sentido de comunicar uma intencionalidade. Por outro lado, o
pesquisador ao oferecer escuta, em uma conversa honesta, interpreta o
objetivo do texto de acordo com sua realidade. Não há veredito, apenas o
estabelecimento de um acordo definido no diálogo, teorizado por Gadamer
como a fusão dos horizontes.
A imersão no texto promovido pelas recorrentes etapas da ATD
convida o autor do metatexto a ressignificar de modo constante seus
próprios entendimentos. À medida que o horizonte amplia, os argumentos
tornam-se cada vez mais sofisticados. Sobre isso, Moraes (2020) afirma:
O envolvimento com a ATD possibilita produzir argumentos cada vez
mais consistentes e válidos, sempre a partir da autocompreensão do
pesquisador, com ancoragem em manifestações de uma diversidade de
sujeitos. A qualidade dos argumentos amplia-se pelo retorno reiterado
às informações analisadas e às compreensões parciais atingidas no
decorrer do processo (Moraes, 2020, p. 606).
Destacamos o escrito do idealizador da ATD para apontar uma
sutileza crucial: em qualquer exercício de ATD não há compreensão
desassociada de autocompreensão. A consciência hermenêutica
promove receptividade para (auto)escuta, gerando consciência de nossos
preconceitos. Não existe evolução sem transformação e a ATD pode servir
como mola propulsora desse processo.
180 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Considerações finais
Este trabalho consistiu em um escrito preocupado em expor
experiências hermenêuticas vivenciadas por um pesquisador praticante
de ATD. Inicialmente discutimos a perspectiva de Gadamer para
uma hermenêutica localizada no interior da ATD. Posteriormente,
limitamos nossa apresentação a três traços hermenêuticos: consciência de
preconceitos, posicionamento autoral e transformação acompanhada de
autocompreensão.
Expusemos de forma prática, porém, particular, as manifestações
hermenêuticas em um exercício de ATD. Dessa maneira, instamos
pesquisadores envolvidos com essa metodologia a refletirem sobre suas
práticas investigativas explorando novas descobertas que caracterizam
traços hermenêuticos. Por fim, esperamos impulsionar novos estudos com
foco nas pesquisas em ensino, principalmente nas ciências ditas exatas,
pois acreditamos no potencial da consciência hermenêutica para reverter o
sentido mercadológico, racista e sexista da educação.
Referências
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Paz & Terra, 2023.
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ZAMBAM, Rodrigo Eder. A hermenêutica filosófica na ATD. Revista
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org.br/rpq/article/view/368 Acesso em: 30 nov. 2023.
Capítulo 13
O que é isso que se mostra da/na ATD: o olhar
investigativo do pesquisador
Rita de Cássia Albertinazi Mizuno1
Luciene Silva Primo de Oliveira2
Vivian dos Santos Calixto3
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.183-197
Introdução
Este texto tenciona explicitar o percurso de aprendizagem, com foco
na Análise Textual Discursiva (ATD), realizado pelos estudantes
do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática –
PPGECMAT, Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Faculdade
de Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal da Grande
Dourados - UFGD, que cursam o componente curricular “Horizontes
Compreensivos da/na4 Análise Textual Discursiva”, que tinha como objetivo
compreender, analisar, refletir e exercitar a metodologia da ATD.
Para tanto, como uma das atividades propostas, orientou-se aos
discentes a assistirem a três vídeos disponibilizados na plataforma do
YouTube para produção do material empírico para este trabalho, os vídeos
trouxeram explicações pertinentes da professora e Dra. Maria do Carmo
Galiazzi, sobre as possibilidades de uso da metodologia nos trabalhos
científicos. Deste, podemos mencionar: Análise Textual Discursiva: Das
perguntas ao metatexto5; Análise Textual discursiva: Entre a descrição
1 Aluna Especial do mestrado do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática
– PPGECMAT/UFGD
2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECMAT/
UFGD
3 Professora do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECMAT/
UFGD
4 Por meio da opção de redação em que mencionamos que nosso foco se centra na compreensão
da/na ATD tencionamos explicitar que esse movimento compreensivo se estrutura por um
olhar externo e interno do fenômeno.
5 https://www.youtube.com/watch?v=fmYQubabEME
184 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
e a compreensão6 e ATD: uma ampliação de horizontes da palavra ao
conceito7.
Como tarefa, cada um dos pós-graduandos, deveria elaborar
unidades de significado, a partir dos vídeos, palavras-chave, títulos e
um argumento aglutinador que se explicita as percepções elaboradas.
Após a professora, que conduzia as atividades no componente curricular
supracitado, reuniu os argumentos, que no total foram seis, pois nem todos
haviam realizado a tarefa e distribui para que fossem analisados por meio
dos pressupostos da ATD.
Sendo assim, o material empírico que estrutura as compreensões
emergentes nesse texto se referem aos argumentos elaborados pelos colegas
ao longo das atividades mencionadas anteriormente. Desta maneira, iniciou-
se o processo de unitarização, a partir da análise do fenômeno, que se
apresentou em trechos para iniciar a fragmentação do objeto da pesquisa,
em que se julga necessário a percepção do pesquisador para com o contexto e
foco do fenômeno na pesquisa, para formar as unidades de significado. Com
base sobre esse processo de unitarização Calixto (2019, p. 133) salienta:
[...] no primeiro momento da análise, ou seja, no processo de
unitarização, o pesquisador tem como desafio tomar algumas decisões
importantes. A partir do material empírico precisa selecionar os trechos
que parecem pertinentes ao contexto e foco do fenômeno investigado,
esses trechos configuram-se como as unidades de significado. Após essa
seleção deve desenvolver um código para que possa retornar com certa
facilidade ao material original, caso esse movimento se configure como
necessário.
Perante o exposto, os “códigos indicadores” são os marcadores
que configuram o início da fragmentação, que dá origem às unidades de
significado. Neste ínterim, dos seis argumentos codificados, na construção
desta análise foram elaboradas treze unidades de significados, agrupadas
em três categorias, sendo: categoria A com 4 US, categoria B com 3 US e
categoria C com 6 US. As categorias iniciais estarão com letras “A, B e C”
representadas pelos números de 1 a 6. Para catalisar a nossa compreensão,
prosseguimos com a categorização inicial e intermediária, que se faz
pertinente na estruturação dos argumentos.
Assim, segundo Deslandes (1994, p. 21), “a pesquisa qualitativa
responde a questões muito particulares. [...] ela trabalha com o universo
de significados”. Nesse ínterim, nosso exercício compreensivo se centrou
na temática: Entre a descrição e a compreensão e ATD: uma ampliação
6 https://www.youtube.com/watch?v=MPl94LmzSQY
7 https://www.youtube.com/watch?v=OZ8SZ5COTRY
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 185
de horizontes da palavra ao conceito. E tencionou compreender o que se
mostra da ATD por meio da análise dos vídeos e os argumentos produzidos
que, como material empírico para permitir que se construa conhecimentos
mais profundos dos processos fenomenológicos.
Metodologia
A construção deste trabalho teve como ponto de partida os dez
estudantes matriculados no PPGECMat que cursaram o componente
curricular: Horizontes Compreensivos da/na Análise Textual Discursiva,
ministrada pela professora Dra. Vivian dos Santos Calixto. Nesse ínterim,
selecionamos seis argumentos dos estudantes de pós-graduação, que a
partir dos vídeos sobre ATD, oportunizou o processo exemplificado como
no Quadro 1 abaixo. Houve o exercício do processo de unitarização,
conforme o exemplo:
Quadro 01: Unitarização dos argumentos
Código US Palavra-chave Título Argumento
Vl. Part. T
9:29
Obviamente se eu
tenho uma visão,
né, hermenêutica,
e a intenção é a
compreensão. É, esse
objetivo vai ser dado.
Visão
hermenêutica,
a intenção é a
compreensão
A intenção é a
compreensão
Ao desenvolver
um estudo com o
olhar voltado para
a interpretação em
busca da melhor
compreensão de
um fenômeno, o
objetivo terá uma
maior proximidade
hermenêutica.
Fonte: Tendo como base o proposto pela professora
Diante disso, no processo de análise investigativa do corpus,
entregue aos discentes, orientou-se que eles poderiam trabalhar em dupla
ou/e individualmente, entretanto, esta pesquisa foi construída na segunda
opção. Sobretudo, mencionamos a nossa investigação com teóricos
trabalhados em sala de aula, autores que fundamentam nossos argumentos
metodológico na/da ATD, como os autores Roque Moraes e Maria do
Carmo Galiazzi (2016, p. 69) que salientam:
A unitarização do corpus da pesquisa, um processo de recorte e
fragmentação de textos reunidos a partir de uma diversidade de
metodologias de coleta, pode dar-se de diversas formas e a partir de
diferentes focos linguísticos, resultando daí múltiplas unidades de
análise.
186 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Neste sentido, a professora solicitou aos pós-graduandos assistirem
os vídeos na plataforma do YouTube e ao assistir elaborar unidades de
significado (US), sendo assim, passaram por um processo de fragmentação,
o qual nesse caso, foram codificados, formando, palavras-chaves no
processo de unitarização elaboraram-se títulos para transformarem-se
em argumentos. Diante do exposto, o nosso material empírico são os
argumentos selecionados para a construção deste metatexto, deste foram
selecionados seis argumentos produzidos, e codificados como: P1, P2, P3,
P4, P5 e P6, nos quais as categorias iniciais estarão com letras “A, B e C”
representadas pelos números de 1 a 6.
Sobretudo, os “códigos indicadores” são os marcadores para o
início, origem das unidades de significado que tem como indicação e
sinalizam nossas intencionalidades do corpus da pesquisa, diante disso, a
letra P de Pós-graduandos e os números representando os discentes que os
produziram. Neste escopo, o Quadro 2, na sequência, descreve as falas da
professora/doutora Galiazzi em que compreendemos como pertinente a
ser descrito, como exemplificação.
Quadro 2: Argumentos dos discentes sobre os vídeos
Código Argumento
P1
As raízes da análise textual discursiva estão na análise de conteúdo de 1987 do livro
do Bardin, mas pode ser diferenciada da seguinte maneira: a ATD não é somente
um conjunto de técnicas, ela tem no seu movimento um conjunto, conjunto este
que aborda questões e respostas do tipo: O que é um fenômeno? Para a ATD o
fenômeno é o que se mostra a consciência do pesquisador como resultado de uma
interrogação. Ou também respondido como “ o que se mostra ao pesquisador que tem
a intenção de melhor compreender aquele fenômeno. A análise textual discursiva pode
ser caracterizada como um processo recursivo, pois está lá na ATD a ideia de que é
uma abordagem fenomenológica e hermenêutica. Está na fenomenologia esta ideia de
conseguirmos retirar pela redução o que é essencial daquele fenômeno. A redução é a
retirada do corpus, unidades de significado de acordo com a minha pergunta, embora
a pergunta não seja algo fixo. Após essa retirar posso então dar início a classificação.
Dentre elas há a classificação por sentidos, é o tipo de classificação que se aproxima
e que se diferencia nesse sentido, e essa aproximação pode levar a categorização.
Sempre que falamos em ATD surge questões do tipo: qual a diferença de ATD para
A.C? Esta pode ser respondida do seguinte modo. As diferenças são mais do modo
de olhar a pesquisa do que o procedimento. A ATD faz inferências com relação a
maneira de executar essa metodologia de análise de dados, inferências das quais pode-
se mencionar por exemplo é a de que... “se eu vou para um, a pesquisa sabendo ou
querendo encontrar o que é certo ou errado, eu diria que estou me afastando da analise
textual discursiva”. A intenção principal da ATD é compreender como os fenômenos
se apresentam, pois para os fenômenos tem se a ideia de que eles se apresentam já que
eles se mostram pra nós e não nós que olhamos.
Fonte: Desenvolvido pelas autoras
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 187
Desta forma, parafraseando Deslandes (1994, p.77), a metodologia
é o caminho que o pensamento faz durante a abordagem do fenômeno e a
prática sendo exercida. Já que a metodologia da ATD é um movimento da
pesquisa qualitativa com intenção, na compreensão, para reconstrução de
conhecimentos. Os movimentos principais são: “desmontagem dos textos,
estabelecer relações e captação do novo emergente” (Moraes; Galiazzi,
2016, p.34). O que inicialmente compreende a realização de um estudo
em que permite-a construir a partir do texto investigado.
Metatexto: abordagem fenomenológica e hermenêutica do material
empírico
Em um exercício de “produzir e expressar sentidos”, dos seis
argumentos codificados, o material empírico, gerou no processo de
unitarização e categorização: 13 unidades de significado, 13 palavras
chaves, que foram agrupadas em três categorias, sendo: categoria A com 4
US, categoria B com 3 US e categoria C com 6 US. As categorias iniciais
estarão com letras “A, B e C” representadas pelos números de 1 a 6.
Dos três argumentos das categorias iniciais, emergiram cinco categorias
intermediárias A, três categorias intermediárias B e duas categorias
intermediárias C. Dos três argumentos da categoria intermediária e duas
categorias finais e um argumento final.
Categoria Inicial A.1 – O fenômeno como perspectiva em enxergar a análise
emergente na profundidade dos significados
A análise como perspectiva na profundidade dos significados que
emergem no horizonte. A categoria inicial A possui 4 US, que buscam
compreender os fenômenos emergentes. Nesse entremeio, mergulhamos
profundamente nos significados, que por meio da ATD, se orienta por um
processo analítico e tem se fundamentado na fenomenologia e hermenêutica
que objetiva compreender tais fenômenos aos quais se mostra no corpus.
Consequentemente, para que o fenômeno se mostre ao pesquisador, é
preciso esforço o “enxergar” do pesquisador, pois se compreende de crenças
e ignorâncias, no qual cabe ao pesquisador desconstruir e ressignificar o
corpus no processo de categorização.
Nesse sentido, a ATD se torna um facilitador para “compreensões
aprofundadas e criativas” segundo Moraes e Galiazzi (2016, p. 42). No
188 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
entanto, para que a impregnação do pesquisador aconteça o debruçar-
se com dedicação é necessário, diante disso, tecemos a compreender o
processo recursivo a partir da fenomenologia e hermenêutica.
Categoria Inicial A.2 - A compreensão no processo recursivo a partir da feno-
menologia e hermenêutica
Compreender a fenomenologia e a hermenêutica, são exercícios
necessários quando se intenciona desenvolver um movimento de
aprendizagem acerca da/na ATD. Ao olhar para o fenômeno, a busca em
interpretá-lo de forma criteriosa e com rigor, ampliamos a compreensão do
mesmo nas hipóteses da investigação. Neste processo, o corpus, material
empírico, é desconstruído e fragmentado, priorizando o essencial do
fenômeno.
“O compromisso ético com o outro assumindo a experiência
hermenêutica enquanto exercício de pesquisa tendo presente o mundo de
sentido dos envolvidos na mesma, aparece com nitidez na análise textual
discursiva” (Zambam, 2020, p. 665). Sendo assim, há compreensão
acentuada, enfatizando a veracidade e clareza na pesquisa. Ou seja, com
a utilização deste recurso, é objetivada a ampliação da compreensão do
fenômeno e sua essência que emerge ao pesquisador.
Categoria Inicial A.3 - A ideia de compreensão por meio dos fenômenos que se
mostram na/da ATD
Os fenômenos que se mostram por intermédio da compreensão
surgem à medida que o pesquisador escuta e dialoga ao interpretar o
mesmo, leva a um apropriar-se da metodologia. A transformação dele vai
ocorrendo em uma crescente, daí a importância de estar aberto ao que se
apresenta a ele. Não apenas “produzir resultados de pesquisas” (Moraes;
Galiazzi, 2016, p. 240).
Não é o pesquisador apenas que olha o fenômeno, mas sim, ele que
se mostra ao pesquisador que com escrita crítica explicita o significado das
palavras, com profundidade, melhora a clareza ao se comunicar sobre o
fenômeno em análise.
Categoria Inicial A.4 - O que se mostra na abordagem metodológica da pesqui-
sa, tem se aproximar a priori ou/e emergente
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 189
Os fenômenos que se mostram na proximidade a priori e/
ou emergente. Ao descrever, em um movimento interpretativo, com
profundidade, expor ideias mais detalhadas, cuidadosas, o pesquisador
se afasta de forma gradual do texto inicial. No entanto, cria sentidos e
significados cada vez mais complexos e potentes.
Quando o pesquisador faz esse exercício utilizando um texto com
fundamentação teórica, escolhido para contestar, estabelecer relação com
dados, se aproxima da forma a priori “ampliação de teorias já existentes”
(Moraes; Galiazzi, 2016, p. 60). Outra forma metodológica da pesquisa é
a emergente, “as teorias vão emergindo da análise do conjunto de textos”
em que o pesquisador sem estabelecer o teórico previamente, e sim por
meio da categorização trás o referencial teórico que mais se aproxima do
que emerge no fenômeno para validar a pesquisa.
Categoria Inicial A- Argumento
Na ATD, o olhar atento, é indispensável, pois, o fenômeno se mostra
de duas formas: emergente ou a priori. No entanto, para compreender
o processo, é fundamental a apropriação dos significados das palavras
assumindo a intencionalidade de pesquisa em todo processo de análise.
Este processo recursivo de abordagem fenomenológica e hermenêutica é o
que permite reduzir o que é essencial do fenômeno.
Assim, é possível verificar o que se aproxima ou distância das teorias
abordadas, sem um pré-julgamento, sem certo ou errado, mas acolhendo
com humildade o que se mostra. “Transformações do pesquisador,
desafiando-o a assumir pressupostos de natureza epistemológica, ontológica
e metodológica [...] como autores das compreensões emergentes de suas
pesquisas” (Moraes, 2020, p. 596).
Cat. Intermediária A.1-Apropriação dos significados no processo
recursivo da ATD, com intencionalidade na abordagem fenomenológica
e hermenêutica no processo de pesquisa para um olhar atento ao que se
mostra.
A intencionalidade do pesquisador se compreende a partir da
narrativa da fenomenologia e da hermenêutica, na qual o processo
recursivo da/na ATD se faz presente. Na construção do metatexto, as
intencionalidades elencadas pelo pesquisador se aproximam ou distanciam
das teorias que visam à promoção da flexibilização com a metodologia da
ATD.
190 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Cat. Intermediária A.2 - Aproximação e distanciamento das teorias
abordadas
Sobretudo, o processo da construção do metatexto se compreende
de maneira intencional do pesquisador, que ao produzir as dimensões de
escrita se estabelece no qual valida o que se aproxima ou distancia as teorias
é um “operar entre o caos e a ordem” (Moraes, 2020, p.599). Diante disso,
o pesquisador em suas análises nas construções do metatexto apropria-se
da pesquisa de modo que os objetivos elencados se destacam claramente na
prospecção de buscar novos horizontes no fenômeno investigado.
Cat. Intermediária A.3 - Flexibilização metodológica nos objetivos
elencados, mas com sua intencionalidade clara
A categoria intermediária A possui 4 US. A intencionalidade do
pesquisador na pesquisa, é necessário que se tenha coerência em suas
análises, já que, essa metodologia da ATD se conceitua na fenomenologia,
ou seja, a essência em que se mostra no fenômeno. Entretanto, o pesquisador
ao promover a flexibilização em que a própria ATD se propõe, ainda assim
é necessário que os objetivos elencados na pesquisa estejam explicitados.
Cat. Intermediária A.4 - A liberdade para refletir
O pesquisador em sua pesquisa transcende a linearidade, se expressa
com liberdade, é convidado a desconstruir e reconstruir, “explodem novas
compreensões, sempre com intensa participação e autoria” (Moraes, 2020,
p. 604) de forma a refletir sobre os objetivos elencados, em que se deseja
ou não, abordar no fenômeno.
Cat. Intermediária A- Argumento
O recurso metodológico da/na análise textual discursiva utiliza
material empírico para pesquisa. Este corpus sofre uma redução no decorrer
do trabalho devido ao processo que extrai apenas o essencial mostrado
ao pesquisador. Logo, a abordagem fenomenológica e hermenêutica visa
o olhar cuidadoso, que precisa estar pronto a acolher as aproximações e
distanciamentos dos teóricos que poderão surgir. A intencionalidade
em apropriar-se dos significados e flexibilidade nos objetivos, pois tem
autonomia para tanto.
Cat. Inicial B.1 - O quanto a análise tem se mostrado dialógica e
evolutiva no processo textual da pesquisa
A compreensão no processo textual em que dialoga e produz a
evolução na pesquisa. A categoria inicial B possui 03 US que dialogam
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 191
com a análise textual, evolui em todo processo de pesquisa qualitativa em
uma dimensão interpretativa que contribui para a reflexão.
Quanto à análise, estabelece relações entre estes retalhos tirados do
todo, aos poucos as categorias próximas vão se mostrando e o fenômeno
emerge para que seja melhor estudado e interpretado. Mas, o todo está
em um “mundo de sentido”, dialoga com os saberes de quem pesquisa e
o material analisado. Assim, o pesquisador vai retirando pedaços, retalhos
para reconstruir algo “diferente”, melhorado ou novo, pela proximidade.
Cat. Inicial B.2 - A pesquisa qualitativa como fundamento
metodológico e filosófico na/da Análise Textual Discursiva
ATD, tem como fundamento metodológico e filosófico a
fenomenologia e a hermenêutica que utiliza para análise o material empírico,
textos ou materiais que se transformem em textos. Neste sentido, segundo
Moraes e Galiazzi (2016), “a intenção é a compreensão, a reconstrução de
conhecimentos existentes sobre os temas investigados”.
Cat. Inicial B.3 - O papel de autoria na interpretação e ação no
processo de contribuição reflexiva
O papel reflexivo na ação e interpretação do fenômeno. Sendo
a interpretação uma ação no processo de contribuição reflexiva, favorece
o olhar para o corpus. Fazer o processo de unitarização, teorização das
categorias, ou seja, fragmentar o todo, reescrever, atribuir um título, de
forma cíclica, “não linear”, é onde ocorre a reflexão e interpretação do
fenômeno, o que leva o pesquisador a um envolvimento mais aprofundado.
De acordo com Moraes e Galiazzi (2016, p.68), “a qualidade e originalidade
das produções resultantes se dão em função da intensidade de envolvimento
nos materiais de análise”.
Cat. Inicial B- Argumento
A Análise Textual discursiva é uma metodologia em que a
flexibilização nos objetivos da pesquisa é necessária para cumprir seu
propósito, pois desta forma, ela mostra ao pesquisador a evolução de seu
trabalho durante todo o percurso.
A metodologia da ATD possui fundamentação filosófica e com o
material empírico utilizado (textos, entrevistas, questionários e gravações
de áudio) são convertidos em textos, busca analisar o fenômeno em sua
profundidade, objetivando alcançar um nível subjetivo, a metáfora.
Portanto, a contribuição maior não é uma simples análise de dados, se trata
192 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
de uma pesquisa qualitativa. O metatexto é a representação da articulação
na/da análise da pesquisa do fenômeno explorado.
Cat. Intermediária B.1 - Mostra a evolução do trabalho do
pesquisador no processo devido à profundidade, imersão no fenômeno
analisado e sua hermenêutica
A categoria intermediária B possui 02 US, observamos que se
mostra na 02 US, na qual se compreende como processo da construção
do metatexto a escrita e reescrita, na qual esse movimento de escrever e
reescrever com os “insights”, que compõe a “auto-organização a partir de
uma impregnação” (Moraes, Galiazzi, 2016. p. 67) em que o fenômeno
emerge.
Cat. Intermediária B.2 - Escrita e reescrita
A escrita e reescrita é um processo cauteloso e desafiador, já que, o
processo parte do corpus de maneira que o saber é contínuo e crescente.
Neste escopo, o fenômeno de forma alguma se baseia na superficialidade,
de maneira que promove ao pesquisador o respeito pelo fenômeno que está
sendo investigado.
Cat. Intermediária B - Argumento
A postura do pesquisador é de fundamental importância, pois olhar
para o material empírico com “respeito” e dialogar com o mesmo é parte
do processo. Assim, o trabalho não é de forma alguma superficial, e sim, o
pesquisador se entrega, se dedica para se apropriar para a escrita e reescrita
na constituição de um novo saber que ocorre numa crescente contínua.
Cat. Inicial C.1 - O pesquisador como processo da pesquisa em seu
próprio material empírico
Iniciando a categoria inicial C, observamos que se mostraram 06
US, trazendo o pesquisador como processo da pesquisa em seu próprio
material empírico que dialoga com cada fragmento do corpus, que por sua
vez precisa se afastar de suas próprias convicções. Ao utilizar a ATD como
metodologia de pesquisa, é importante estar atento ao que se mostra com
olhar e escuta atenta, com humildade se despindo de preconceitos, para
que com liberdade de ideias possa ser trabalhada a análise do corpus. “[...]
Que é prestar atenção no que o outro diz, sem preconceito, sem certo e
errado” (Galiazzi; V III. Part.t 01:19:03). A constituição do pesquisador
sendo imerso na própria pesquisa.
Cat. Inicial C.2 – ATD com um olhar humilde e de liberdade para
com a pesquisa sem preconceito e prejulgamento do pesquisador
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 193
A liberdade e expressividade como pesquisador na produção
do metatexto despindo-se de prejulgamentos. A ATD oportuniza ao
pesquisador um olhar humilde e de liberdade do que já é conhecido para
com a nova pesquisa. Captar a essência é um constante desafio, pois partir
do caos e ir para a ordem em um itinerário evolutivo de auto-organização
é um dinamismo que exige a impregnação. É complexo o se “despir” de
concepções e preconceitos para superar as antigas teorias como nos traz
Moraes e Galiazzi (2016).
Cat. Inicial C.3 – Como a intencionalidade de Investigação do
fenômeno como novos horizontes para ressignificação da pesquisa
Novos horizontes dos fenômenos apresentados na pesquisa na
intencionalidade do pesquisador. Assim a intencionalidade de investigação
do fenômeno como novos horizontes para ressignificação da pesquisa
em que a intenção do pesquisador é buscar compreender e ressignificar,
reconstruir o que se mostra no processo desenvolvido durante a investigação,
mantendo o foco na intenção com a percepção para que o fenômeno se
mostre. “O autor precisa preocupar-se em ajudar o leitor na compreensão
de seu texto” (Moraes e Galiazzi, 2016, p. 56).
Cat. Inicial C.4 – O que se mostra na abordagem da pesquisa de
autoria do próprio autor na construção do metatexto a partir da unitarização
e teorização
O autor como pertencente na construção e na produção do
metatexto. Trazer ideias próprias é uma implicação da ATD, é a metodologia
que contribui para a autoria na construção do metatexto. “Caminhos
hermenêuticos de reconstrução de compreensões sempre se dão a partir de
um sujeito-pesquisador que se assume em suas interpretações e autorias”
(Moraes, 2020, p.600).
Cat. Inicial C.5 – Conexões e flexibilidade no metatexto que se
constitui em uma viagem que reflete as informações no processo da ATD/
O horizonte que se constitui no processo na/da conexão e flexibilidade no
metatexto
O metatexto se constitui em uma viagem que inicia na unitarização
no evoluir na/da metodologia de ATD. Ao investigar um fenômeno, pode-
se chegar a um determinado ponto e novas direções surgem e percebe-se
que há um limite, um obstáculo. É preciso a percepção de estar em um
período do espaço-tempo contextualizado, o que exige versatilidade para
que as conexões nos impulsionem a superar obstáculos e buscar novos
horizontes.
194 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Cat. Inicial C.6 – A compreensão na/da Análise Textual Discursiva
no/do processo de unitarização, corpus, categorização e produção do
metatexto
O processo constituinte da unitarização no corpus como
categoria e produção textual. A utilização da metodologia no/do processo
na construção do metatexto, utiliza a unitarização do corpus, com a
categorização, teorização e produção do metatexto, como resultado do
trabalho em um movimento cíclico. “E quanto melhor for a nossa descrição,
mais consistente vai ser essa análise, lá no segundo, terceiro passo” (Galiazi,
V lll. Part.t 19:55).
Cat. Inicial C- Argumento
Na construção do metatexto é utilizado todo o material empírico
disponibilizado para análise, reflexões autorais e teorias. O caminho
a ser percorrido durante este desvelar de ideias e informações vai se
desconstruindo, sendo ressignificado à medida que o pesquisador com
paciência e dedicação se debruça sobre o material empírico e imerso neste
novo “mundo” se vê transformado em algo novo, diferente. Assim, também
sua escrita que é reescrita, é modificada, aproximada de um novo saber a
ser mostrado. A liberdade para formular novos questionamentos e elaborar
supostas teorias faz parte da metodologia da ATD.
Quando o material empírico é apresentado para ser estudado,
“destrinchado”, “esmiuçado”, este corpus passa pela fragmentação em
categorias, ocorrendo a unitarização, teorização e suas referências para a
corroboração como o pensar do pesquisador que “toma posse”, se apropria
do fenômeno de pesquisa e surge o metatexto. Nada engessado, mas sim
flexível, com abertura ao novo que emerge e se mostra ao pesquisador
através de palavras significativas, com conexões se afastando de suas
próprias crenças e mitos, mas acolhendo o fenômeno produzido com seus
sentidos e intenções.
Cat. Intermediária C.1 - Metatexto se mostra advindo da pesquisa,
da análise, da reflexão de autoria do pesquisador e das teorias que ancoram
a pesquisa.
A categoria intermediária C possui 02 US, sobretudo, proporciona
de maneira a apresentar o processo do metatexto que parte do pesquisador
a partir de suas análises e reflexão de teorias ancoradas na metodologia da
ATD. Sendo assim, o pesquisador na produção do metatexto se compreende
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 195
como parte desta análise da pesquisa, ou seja, suas intencionalidades se
ancoram na proposta de pesquisa. “A validação das compreensões atingidas
ocorre por interlocuções teóricas e empíricas, representando uma estreita
relação entre teoria e prática” (Moraes, Galiazzi, 2016, p. 59).
Cat. Intermediária C.2 - O resultado de todo trabalho é o metatexto
Portanto, como resultado do trabalho das análises que se materializa
no metatexto que se apresenta na reflexão, teorização do movimento
produtivo do pesquisador. O autor-pesquisador assume a própria voz e
interpretação (Moraes, 2020).
Cat. Intermediária C- Argumento
Partindo do corpus que é analisado, dialogado, refletido, teorizado
e reduzido, chega-se ao metatexto. Este é o ápice da metodologia da Análise
Textual Discursiva, ATD, pois que se mostra no essencial do corpus se
evidencia ao pesquisador.
Cat. Final Argumento - Abordagem fenomenológica e hermenêutica do mate-
rial empírico
A análise textual discursiva - ATD, é um recurso metodológico
qualitativo, em que o pesquisador o utiliza para analisar material empírico
disponibilizado, convertido em texto quando está em áudio, por exemplo.
Os objetivos de pesquisa são flexíveis para que, ao utilizar a abordagem
fenomenológica e hermenêutica, o que se evidencia, o que se mostra,
ao pesquisador atento, seja visto. Com apropriação dos significados das
palavras, para extrair o essencial, pois ao teorizar e fazer suas reflexões
seja observado e com discernimento do que se aproxima e distância dos
referenciais contribua com autonomia, apropriação e intencionalidade ao
escrever.
Assim, ressignificar conceitos e elaborar novos ao produzir e
construir o metatexto é o resultado do trabalho elaborado pelo pesquisador.
O metatexto pode ocorrer de duas formas: a emergente ou a priori, ou
as duas em um mesmo trabalho. Neste sentido, o pesquisador precisa ter
uma postura de acolhimento ao que se mostra e estar aberto ao diálogo na
perspectiva do fenômeno estudado. Flexibilização, intenção e autonomia
do pesquisador.
196 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Considerações finais
Consideramos que a utilização da metodologia ATD contribui
em muito na construção de novos saberes, pois a aprendizagem, na/da
ATD, o agir reflexivo é um movimento constante que transforma. Neste
ínterim, mencionamos a metodologia da ATD que utiliza a abordagem
fenomenológica e hermenêutica para ancorar as análises e reflexões do
corpus estudado.
Valer-se da unitarização, categorização, teorização para construir
o metatexto, propicia ao pesquisador liberdade de escuta, liberdade para
desconstruir-se, liberdade para criar conexões, liberdade de reescrita nas
conexões possíveis.
Também desperta a criatividade, que com humildade busca novos
saberes para se reconstruir como ser humano. Ao longo do processo que
é cíclico, entra no caos e vai à ordem em um movimento contínuo, mas
imerso na intimidade do corpus e os teóricos que emergem para validar a
construção.
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29/11/2023.
Capítulo 14
O que pode ser pesquisa? Método em movimento
Douglas Marques de Almeida1
Valéria Ghisloti Iared2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.199-209
3
Começo
Por onde caminha a pesquisa? De que maneira ela pode aprofundar
o nosso olhar sobre o mundo? O que se constrói quando se faz
pesquisa científica? Quais parâmetros estabelecem o que é ou deixa de ser
uma pesquisa? Qual papel desempenha o pesquisador? Em que medida a
pesquisa reflete a visão de mundo daquele que a desenvolve? Quem dialoga
com a pesquisa? Com que propósito?
Estas são reflexões que asseguram à pesquisa o lugar de processo
investigativo aberto ao desconhecido, inacabado, que flui e se adapta ao
movimento e necessidade do mundo. O presente artigo, ao alargar as
fronteiras do entendimento do que pode ser pesquisa, busca tensionar o
1 Licenciado em Ciências Biológicas pelo Setor Palotina da UFPR. Mestrando do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE - UFPR) na Linha de Cultura, Escola e Processos
Formativos em Educação.
2 Doutora em Ciências, Professora Adjunta do Departamento de Biodiversidade da Universidade
Federal do Paraná (UFPR).
3 Intervenção Audiovisual / Investigação Estética / Perfomance Memória e Movimento | Cidade
como Casa (https://youtu.be/LxqoxMHPHAY) abordada no tópico Método em Movimento.
200 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
campo da Educação Ambiental ao propor a mobilização dos afetos para
a leitura dos fenômenos, a atenção às experiências, aos sentimentos e ao
movimento dos corpos.
Indo além do entendimento segmentado e objetivo da ciência, o
artigo reúne referenciais ontológicos, epistemológicos e metodológicos,
imbricados com a construção de novos saberes ambientais a partir da
percepção do mundo através do corpo em sua integridade de sentidos. Para
isso, são levantadas as questões: o que não é pesquisa? o que é pesquisa? o
que pode ser pesquisa?
O entrelaçamento de tais reflexões origina-se dos diálogos
favorecidos pelas leituras coletivas no Grupo de Pesquisa em Educação
Ambiental e Cultura da Sustentabilidade (GPEACS) e através das
disciplinas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), e tem como objetivo discutir o que pode
ser pesquisa em Educação Ambiental, apontando caminhos para uma
metodologia contemporânea através da motricidade humana e de uma
etnografia sensorial.
O que não é Pesquisa?
Por que pesquisar? O que a pesquisa revela ao mundo? Quem
faz pesquisa? É possível transformar a realidade através da pesquisa? Para
responder tais questões, Gohn (2005), sugere o entendimento de que o
“saber é sempre uma construção histórica realizada por sujeitos coletivos”,
e que a realidade, nesse sentido, é uma construção de saber que molda a
forma como nos relacionamos com o mundo.
Para a autora, “o que torna a ciência necessária é o fato da realidade
não ser transparente” (Gohn, 2005). Por isso, o pensamento científico,
enquanto processo investigativo e metodológico de produção de saber,
corresponde a uma lente de interpretação desta realidade que é dialética.
Dentre inúmeras qualidades que caracterizam o que vem a ser
pesquisa científica, comecemos por três aspectos que não definem tal
processo investigativo: fazer pesquisa não é coletar informações, não é
ensinar e não é repetir um estudo.
Para Ingold (2010), “a sabedoria assumiu um lugar secundário diante
da informação, à medida que a ciência positivista passou a determinar que
o conhecimento não provém de um diálogo com os seres do mundo”, mas
sim da leitura exata e literal dos fatos nele existentes (Ingold, 2010, p.21).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 201
Diante dessa noção, conhecer seria uma “questão de liberar os
segredos da natureza” e não uma construção coletiva de saber (Ingold,
2011, p.22). Por isso, levantamos o questionamento de que pesquisar não
se trata de coletar informações pré-estabelecidas pelo mundo, mas sim, de
produzir dados e analisá-los através de um método próprio do campo em
que se investiga.
Da mesma forma, pesquisar não se resume num processo de ensino.
Com a pesquisa tem-se a pretensão de construir um novo conhecimento,
que é coletivo e emana dessa coletividade, que não é a verdade e que
depende de outros saberes para se fazer existente.
Entendemos também que realizar uma pesquisa não se resume em
repetir um estudo. Para Gamboa (2003), a pesquisa se justifica quando
“as respostas sobre os problemas não estão dadas ou quando os saberes
acumulados na literatura ou por pesquisas anteriores não são satisfatórias
nem suficientes para diagnosticar a problemática abordada”. Nesse sentido,
a produção de novos conhecimentos é sempre relevante pela subjetividade
intrínseca daquele que realiza a pesquisa.
O que é Pesquisa?
Aqui, reconhecemos que a pesquisa trata-se de um processo
qualificado de saber, que está vinculado a uma metodologia própria
do campo em que se investiga. Então, como se dá a construção do
conhecimento científico na pesquisa em educação? Quais as metodologias
possíveis para a pesquisa em Educação Ambiental?
Autores como Martins (2004) e Demo (1989), compreendem a
metodologia como um “conhecimento crítico dos caminhos do processo
científico” e que por isso, implica numa discussão teórica acerca das
técnicas que instrumentalizam a pesquisa, assim como de seus limites e
potencialidades.
Como mencionado anteriormente, a pesquisa se justifica quando
as respostas sobre os problemas não estão dadas, portanto, o problema é o
primeiro aspecto que caracteriza o que aqui se define pesquisa científica,
pois, de acordo com Gamboa (2003), “sem a delimitação da problemática
não é possível prever instrumentos e técnicas a serem utilizadas”.
Então, somente após a definição dos problemas de pesquisa é que
se pode estabelecer a sistematização das informações já sabidas no campo
202 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
de investigação, que irão orientar a construção do novo conhecimento que,
neste sentido, será sempre coletivo.
Considerando a pesquisa em educação, autores como André
(2005) consideram que é “preciso recorrer a enfoques multi/inter/
transdisciplinares e tratamentos multidimensionais” para compreender e
interpretar as problemáticas do campo. Isso porque a produção de dados
deve envolver questões que transpassam a interpretação objetiva dos fatos.
Nesse sentido, muitos métodos são empregados na tentativa de
envolver as diversas problemáticas do campo educacional. A pesquisa
qualitativa, por exemplo, surge como opção metodológica que busca
superar a necessidade de submeter a pesquisa em educação à regularidade
estatística empírica.
De acordo com Gamboa (2003), “o que está em jogo são as diversas
concepções de ciência, as diversas epistemologias e não apenas a escolha de
um método ou uma técnica” que satisfaça as questões de pesquisa.
Nesta articulação entre teoria e prática, diferentes recursos podem
contribuir para a produção e análise dos dados na pesquisa em educação.
Elementos de caráter autobiográfico, por exemplo, auxiliam na aproximação
do pesquisador com o objeto de pesquisa, e segundo Bueno (2002),
“constitui uma via de acesso não linear ao conhecimento científico”.
Na pesquisa em educação, o método autobiográfico “prioriza o
papel do sujeito na sua formação”, o que significa que a própria pessoa
se forma mediante seu percurso de vida (Bueno, 2002, p. 22). Então, tal
componente é trazido para a discussão no presente artigo, justamente por
valorar a noção da experiência como parte do processo de aprendizado.
Outro método bastante empregado na pesquisa em educação é a
etnografia, que se utiliza de recursos como a observação participante por
parte do pesquisador para elaboração e análise de dados de sua pesquisa.
Entendida como um estudo descritivo, a etnografia pode ir além da simples
representação descritiva de dados e abrir novas possibilidades para pensar
a experiência.
De acordo com Ingold (2016), “observar não é objetificar e sim
atender as pessoas e coisas, aprender com elas e acompanhá-las em princípio
e prática”. Por isso, não pode haver observação sem participação. Segundo
o autor, uma etnografia que se propõe à observação participante, envolve
uma “composição íntima da percepção na ação” ao longo da pesquisa
(Ingold, 2016, p. 407).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 203
Considerando o fazer científico como um processo coletivo de
construção de saber, segundo Martins (2004, p.299), “ao escrever, um
autor deve preocupar-se com a possibilidade de que seu discurso venha a
ser apreendido pelo outro que dele necessita”.
Então, um aspecto muito importante a ser levado em consideração
ao escolher o método de representação na pesquisa, diz respeito à
interlocução do trabalho e à qualidade ética de tal pesquisa, pois, “é isso
que contribuirá para a difusão da imaginação, sensibilidade e qualidade do
espírito que constrói um novo pensamento e forma de explicar o mundo”
(Martins, 2004, p. 299).
O que pode ser Pesquisa?
Ao considerar o campo da Educação Ambiental numa vertente
pós crítica, que propõe a subversão das dualidades corpo e mente, coisa e
objeto, cultura e natureza; a escolha do método de investigação representa
uma postura ontológica, no sentido de que reflete a visão de mundo do
pesquisador.
Para autores, como Ingold (2012), que propõem uma discussão
sobre o papel do corpo nas relações que compõem a malha da vida, a
aproximação do pesquisador na pesquisa é fundamental para a construção
de um saber que resulta da experiência do corpo com o mundo, levantando
a concepção de um “conhecimento corporificado”.
Para não falar em etnografia, Ingold (2016) propõe uma Educação
da Atenção, que concebe a percepção como uma ação que todo o corpo
exerce sobre o ambiente de modo a compreendê-lo, se posicionando
contrário à ideia de uma mente que está presa dentro do corpo e sozinha é
responsável pela cognoscibilidade do sujeito.
Tal perspectiva revela uma preocupação ontológica em reivindicar a
subjetividade como componente essencial da construção do conhecimento,
um movimento que rompe com a dualidade entre corpo e mundo, entre o
que é real e o que é imaginário.
Acreditamos que à luz de uma metodologia que valorize as
subjetividades, o movimento dos corpos, a significação das coisas e espaços,
as reflexões até aqui levantadas podem contribuir para a construção de
novos conhecimentos baseados nas relações de aproximação entre pesquisa
e pesquisador.
204 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
O tópico a seguir apresenta perspectivas ecofenomenológicas
que relacionam o corpo e a experiência como novas possibilidades de
desenvolvimento metodológico para a pesquisa em Educação Ambiental.
Método em Movimento
A vida acontece ao longo do entrelaçamento das coisas e suas
histórias. As coisas vazam e se atravessam, dissolvendo toda e qualquer
fronteira que se queira estabelecer entre um corpo e o mundo. Habitar
um mundo que é vivo, aqui/agora, passa a ser um processo de se “juntar
à formação das coisas, envolver-se em seu emaranhado de significados e
histórias” (Ingold, 2012, p. 38).
Ao reconhecer o corpo como lugar da experiência, Ingold (2012)
sugere que o conhecimento do mundo se constrói através de um movimento
“onde os sujeitos criam o ambiente e por ele são criados”, onde são causa
e consequência de si mesmos. O autor entende a percepção como um
exercício de compreensão do corpo sobre o mundo - o que envolve seus
sentidos, seus sentimentos, sua multisensorialidade (Pink, 2009).
Nesse entrelaçamento corpo~mente~mundo, em que as subjetividades
se misturam, o corpo que agencia o mundo é também agenciado por ele. As
experiências que afetam o corpo, em seus sentidos e sentimentos, formam
os sujeitos.
Por isso, o presente texto, ao alimentar a imaginação do “corpo
(soma) como local de percepção ativa da subjetividade”, busca tensionar
o campo da pesquisa em Educação Ambiental ao mobilizar os afetos
para a leitura dos fenômenos - atento às experiências, aos sentimentos
e movimentos dos corpos - indo além do entendimento segmentado e
objetivo de realidade, para propor através do corpo, uma reaproximação
afetiva com a natureza (Shusterman; Estevez; Velardi, 2011, p. 130).
Diante dessa perspectiva ampla de existência, na qual “as coisas são
suas relações” (Ingold, 2011 apud. Iared, 2017, p. 573), o movimento,
seja como símbolo de deslocamento físico ou de rememoração, se mostra
como alternativa metodológica para a pesquisa em Educação Ambiental ao
revelar a integração do corpo~mente com o mundo.
Tais compreensões estão apoiadas em abordagens contemporâneas
de uma fenomenologia que entende o “movimento como parte integrante
da experiência incorporada de viver entre as coisas” (Iared, 2017, p. 572); e
que por ser “ontologicamente, epistemologicamente e metodologicamente
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 205
gerador de afetividades” deve ser compreendido em seu nível experiencial
(Iared, 2018, p. 186).
Wiliges (2018), por exemplo, ao citar autores como Wilson e Foglia
(2017), Goodman (2012) e oreau (1986, 2001), considera que processos
corporais de movimento ou “experiências de fluxo” estão profundamente
entrelaçadas com a construção de uma “cognição corporificada”, admitindo
que a construção da cognição, inclusive da moral, passa por processos
viscerais que se dão no corpo.
Essa leitura, do movimento como fluxo da vida, pode contribuir
para o aprimoramento da relação entre sujeito e mundo. Shusterman,
Estevez, Velardi (2011) refletem que as pessoas aprendem melhor quando
vivenciam as experiências percebendo o corpo (soma) em tais dinâmicas.
Segundo os autores, “experiências somaestéticas4” rompem com a dualidade
entre corpo e mente ao nos possibilitar ser sensível à nossa condição pessoal
no e com o ambiente (Shusterman; Estevez; Velardi, 2011, p. 128)
Nesse aspecto, buscando a construção de novos saberes ambientais
através da percepção do mundo pelo corpo, para dar conta de representar
o não representável, é preciso corporificar a pesquisa.
A seguir, descrevo a elaboração de uma intervenção audiovisual
que, ao criar sobre a cidade, incorpora o movimento como experiência
estética de investigação sobre o espaço, a memória e a identidade.
Criar econarrativas5 na/com a cidade surge do interesse de investigá-
la e como um sistema de relações e práticas, que para além de seu aspecto
físico, forma os sujeitos pelo seu caráter simbólico; um espaço que é
imaginado, vivido e constantemente transformado pelas relações que o
compõe.
Tal escolha discute como o vínculo entre memória, movimento e
espaço urbano pode contribuir para a construção de novos imaginários
sobre a cidade. Gineste (2016) ao estudar a Cidade como Sistema de
Memória, sugere que “pensar a cidade a partir da memória é também um
modo de ir além de sua história oficial e dar lugar a vivência e afetos dos
seus habitantes a partir de suas narrativas”.
Nesse sentido, o espaço urbano, através de aspectos como paisagem,
movimento, sons, cheiros, cores, memórias e sentimentos, e à lente de
4 Entendimento de que processos perceptivos e cognitivos, sejam em experiências estéticas,
compreensões morais ou ação política, são indissociáveis.
5 Busca por uma representação descentralizada da experiência com ênfase ao engajamento
corporal e afetivo das relações (Payne, 2013 apud Iared, 2019).
206 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
uma etnografia sensorial (Pink, 2009), pode ser revelador de processos que
formam as concepções e percepções de mundo dos sujeitos urbanos.
Reconhecendo que a construção do conhecimento é resultado de
uma relação corporificada, através de uma ““Educação da Atenção” (Ingold,
2011), a performance Memória e Movimento: Cidade como Casa (Almeida,
2023), se inscreve no desejo de construir na/com a cidade, econarrativas
que possam mobilizar memórias e sentimentos dos sujeitos, buscando
ressignificar os sentidos de perceber e pertencer ao espaço urbano.
Para isso movimento memórias, revisito lugares, incorporo o que
de objetivo e subjetivo há em mim, crio mapas psicogeográficos que me
unem à minha própria história, para investigar a relação entre memória,
movimento, identidade e pertencimento através desta intervenção
audiovisual.
Esta proposta de investigação, que dialoga o subjetivo e com a
experiência corporal, propõe também discutir teorias metodológicas de
pesquisa que vão para além da simples representação do mundo através
de dados e que possam contribuir para a atribuição de significados a este
mundo.
Em diálogo, Paiva (2017) indica que para dar conta de expressar
o não representável é preciso “atenção ao corpo e a relação deste com o
mundo, através dos afetos”. Segundo o autor, é através das atmosferas
afetivas, terrenos onde os afetos se transmitem, “que os sujeitos podem
se tornar mais reflexivos e produzir um sentido de presença autociente no
mundo” (Paiva, D. 2017, p. 163).
A intervenção Memória e Movimento: Cidade como Casa
(ALMEIDA, 2023), como recurso estético de investigação sobre o espaço,
articula paisagens, memórias, andanças e sonoridades; reúne vivências e
olhares sobre o ambiente natural e urbanizado, na busca pessoal de me
ressignificar e me reencontrar nestes espaços.
Nesse sentido, para dar corpo à investigação, a intertextualidade
se apresenta como forma de alargar os entendimentos sobre o que pode
ser pesquisa. São utilizados recursos como poesia, fotografia e música, na
tentativa de uma aproximação afetiva com os objetos de investigação.
Assim como os fios da teia da aranha “conduzem sua percepção
e ação no mundo” (Ingold, 2012, p.40), ao mobilizar sentimentos e
atribuir significados, os elementos presentes no texto e no recurso estético,
expressam uma visão ontológica de mundo e de percepção sobre o espaço.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 207
Sob esse aspecto, o presente texto pode contribuir significativamente
para o campo da pesquisa em Educação Ambiental, ao pautar a memória,
o corpo, a percepção e o movimento, como objetos de pesquisa que
impactam as noções de percepção e relação com o ambiente, orientando
novos caminhos de existência para que possamos pertencer ao mundo de
corpo inteiro.
(In)conclusões
O presente artigo se insere na discussão sobre o que não é, o que
é e o que pode ser pesquisa científica no campo educacional e envolve
perspectivas contemporâneas de análise dos fenômenos que podem
contribuir, especialmente para o campo da Educação Ambiental, por
orientar uma aproximação afetiva com o fazer científico.
Buscando romper com entendimentos segmentados e objetivos
da realidade, o texto destaca a importância de incorporar na pesquisa
em Educação Ambiental referenciais ontológicos, epistemológicos e
metodológicos que valorizem a experiência estética com o mundo, pois, a
pesquisa, assim concebida, pode abrir espaço para a inclusão dos afetos na
percepção do mundo através do corpo.
Nesse contexto, o enfoque na etnografia sensorial como metodologia
contemporânea demonstra o compromisso em buscar caminhos inclusivos,
abertos e adaptáveis à dinâmica e necessidade do mundo e a pluralidade
dos sujeitos. Assim, é possível afirmar que as reflexões aqui levantadas
contribuem para a compreensão da pesquisa enquanto um processo
dinâmico, capaz de refletir a visão de mundo do pesquisador, de dialogar
com as subjetividades e também criar outras compreensões sobre o mundo,
ressignificando a forma de nos relacionar com a vida e com o processo de
investigação científico.
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Capítulo 15
Nas profundezas do ser: uma odisseia no desvelar
das novas compreensões do fenômeno
Selton Jordan Vital Batista1
Marcio Brito de Oliveira2
Vivian dos Santos Calixto3
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.211-222
Embarcando na Nave, um passeio pelo “Big Bang”
A
Análise Textual Discursiva (ATD) pode ser comparada ao Big
Bang, o evento que deu origem ao universo. Assim como o Big
Bang, a ATD começa com um “ponto singular” - o texto ou discurso a
ser analisado. Este é o momento de alta densidade e infinita curiosidade,
semelhante ao estado do universo antes do Big Bang. À medida que a
análise avança, assim como o universo em expansão após o Big Bang, o
texto se desdobra em múltiplas direções e dimensões - as unidades de
significado. Este é o período de inflação rápida, onde cada partícula do
texto é examinada e interpretada. À medida que o universo se expande
e esfria, formam-se galáxias, estrelas e planetas. Da mesma forma, na
ATD, as unidades de significado começam a se agrupar em categorias
intermediárias, formando constelações de ideias e temas. Finalmente,
assim como o universo continua a se expandir e evoluir, dando origem a
novas estrelas e galáxias, a ATD também continua a evoluir. A partir das
categorias intermediárias, emerge uma categoria final, que é como uma
nova galáxia de compreensão, iluminando o fenômeno sob análise com
novas luzes e perspectivas.
Desta forma, neste trabalho buscamos compreender a metodologia
de ATD por meio de uma disciplina do Programa de Pós-graduação em
Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal da Grande
Dourados (PPGECMat-UFGD), estudos orientados com o livro escrito
1 Mestrando PPGECMat - Universidade Federal da Grande Dourados.
2 Mestrando PPGECMat - Universidade Federal da Grande Dourados.
3 Docente PPGECMat - Universidade Federal da Grande Dourados.
212 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
por Roque Moraes e Maria do Carmo Galiazzi, que aborda a mesma, que
se propunha a analisar “corpus” (textos) e através de vídeos da Maria do
Carmo Galiazzi que abordam sobre esse assunto. Abaixo, iremos abordar
questões teóricas da metodologia com base nos estudos citados.
A ATD possibilita uma compreensão aprofundada dos fenômenos
por meio de uma análise rigorosa e criteriosa. Diferentemente de outras
abordagens, a ATD não busca testar hipóteses para validar ou desvalidar
ao final do trabalho. Em vez disso, seu objetivo é ver os fenômenos a partir
de novas perspectivas e reconstruir conhecimentos.
Os autores Moraes e Galiazzi (2016) apresentam os conceitos
básicos e os fundamentos iniciais dos processos necessários para desenvolver
a ATD no capítulo 1 de seu trabalho. A ATD consiste principalmente em
um ciclo de três etapas, seguido por uma “quarta etapa” auto-organizada.
O ciclo é composto pelas seguintes etapas: I) Desmontagem dos textos; II)
Estabelecimento de relações; III) Captando o novo emergente. A quarta
etapa é um processo auto-organizado, que emerge naturalmente a partir
das três primeiras etapas.
Na desmontagem dos textos Moraes e Galiazzi (2016), nos
permitem compreender que em todos os textos existem significados, e que
a linguagem permite a compreensão dos fenômenos de diversas formas,
para que possamos compreender o que o outro traz em seus textos é
necessário que tenhamos a atitude de deixar nossos valores de lado e tentar
ver a partir da perspectiva do outro sujeito. Dessa forma, compreendemos
que toda leitura é feita por meio de alguma perspectiva teórica, como Fleck
(1986) apresenta, nós não estamos livres do pensamento coletivo. Como
Moraes e Galiazzi (2016, p. 37) apontam “toda leitura é feita a partir de
alguma perspectiva teórica, seja esta consciente ou não”.
De acordo com Marquezan (2009), “o corpus de pesquisa se
configura como a materialidade discursiva necessária para fazer/produzir
sentidos. Ele se constitui a partir do processo de conversão de recortes da
temática que mobiliza o pesquisador”. Dessa forma, vemos que esse processo
de compreensão dos significados ocorre no corpus, que no caso, consiste
em produções textuais. Sendo assim, compreendemos que o corpus pode
ser tanto materiais produzidos para o estudo do fenômeno como também
documentos já existentes, por isso a necessidade da hermenêutica, já que
os textos são entendidos como produções que se referem a determinados
fenômenos, localizados em espaços e tempo específico.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 213
Desconstrução e Unitarização são processos que consistem em
diversas fragmentações do corpus em que se pode perceber o sentido
dos textos em diferentes limites, existindo infinitas possibilidades, nunca
atingindo uma compreensão singular. Das desconstruções dos textos
surgem as unidades de significado/sentido, que são advindas de unidades
de contexto, ou seja, de onde foram retiradas as unidades de significado,
para isso é necessário a construção de uma codificação para compreender
de onde surgiu cada unidade de sentido.
Segundo Moraes e Galiazzi (2016, p.71) define a Unitarização
como um “desmembrar do texto, transformando-o em unidades
elementares”. Esse movimento ocorre a partir de três momentos: nas
fragmentações e codificação das unidades; no processo de reescrever dando
um significado e intitulando cada unidade que foi construída. Para que
possamos alcançar um processo de análise com rigor e qualidade, se faz
necessário um exaustivo e rigoroso trabalho de leitura. De acordo com
Moraes e Galiazzi (2016), o segundo processo da metodologia consiste na
categorização, processos de contrastes entre as unidades de significados,
organizando-as em grupos por meio de elementos que se assemelham.
Moraes e Galiazzi (2016) discorrem sobre esse processo, que pode ser
constituído por três níveis de categorização e diversas etapas. As categorias
podem ser definidas em Categorias Iniciais, Intermediárias e Finais,
respectivamente as categorias abordam de forma mais restrita caminhando
para uma forma mais abrangente.
Podemos utilizar as categorias de duas formas: Indutivamente, em
que as categorias seriam a priori, ou seja, preestabelecidas antes da análise.
Emergentes, que surgem à medida que o pesquisador examina os dados e
identifica padrões ou temas que não eram inicialmente previstos e por fim,
Mistas no qual, referem-se a uma abordagem que combina elementos de
categorias a priori (predefinidas antes da análise) e categorias emergentes
(que surgem durante a análise). No que tange a Categorização Mista, o
pesquisador pode começar com algumas categorias preestabelecidas,
geralmente derivadas de teorias existentes ou hipóteses iniciais, mas
também permanece aberto à identificação de novas categorias que possam
surgir durante o processo de análise.
As categorias possuem propriedades, que nos permite melhor
construí-las, como a validade das categorias, que se dá por meio de um
aglomerado de categorias a formar um novo modo de ver o fenômeno;
outro ponto é a homogeneidade, que consiste em uma mesma linha
conceitual na sua construção.
214 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Após o processo de unitarização e categorização, alcançamos o terceiro
momento do ciclo da metodologia, que consiste em novas compreensões
atingidas, que se estrutura por meio do metatexto. O metatexto se estrutura
após os surgimentos das categorias e do estabelecimento das ligações entre
elas, sempre organizadas de forma em que possibilitam expressar maior
clareza das novas compreensões atingidas.
Temos o processo auto-organizado que consiste basicamente na
tríade de movimento, a desconstrução e unitarização, a fragmentação das
informações, que gera elementos unitários “caóticos”.
Vemos então que a ATD é uma metodologia que se baseia em
um ciclo de compreensão do novo. Este ciclo começa com um momento
de isolamento e fragmentação de trechos, que chamamos de unidade de
significado. Este é um processo “caótico” em que o pesquisador precisa ter
os objetivos em mente para não se perder no meio do caos. Este caos é a
primeira etapa, que consiste em uma exaustiva exploração do corpus. A
segunda etapa é a organização do caos, que ocorre através de um processo
auto-organizado e intuitivo. O pesquisador está sempre à espreita para
captar e inscrever os significados emergentes. O segundo momento, é
quando começa a emergir o novo, por meio de uma organização do caos
que dará continuidade nas formações de novos textos, organizadas e com
validez, por meio do metatexto, onde nos permite compreender o novo
emergente.
As compreensões enigmáticas por meio da janela do Metatexto
No quarto capítulo, Moraes e Galiazzi (2016) reiteram aspectos
cruciais do processo de escrita e das possíveis interpretações do novo.
Iniciam o capítulo destacando a importância dos argumentos parciais, que
contribuem significativamente para a formação e estruturação do metatexto.
Esses argumentos parciais consistem em pequenos trechos originados das
categorias que se reúnem para formar um texto de compreensão renovada.
O argumento central, que impulsiona a ideia, serve como o eixo em torno
do qual o texto se desenvolverá.
Para aprofundar as categorias é essencial começar na nascente do
rio, descrevendo e narrando à medida que o rio se transforma ao longo do
tempo, passando por diversas formas e mudanças que serão abordadas por
meio da interpretação e argumentação. À medida que avançamos no rio, o
aprofundamento e as contribuições já existentes possibilitam vislumbrar o
novo, promovendo o surgimento de ideias inovadoras para a compreensão
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 215
do desconhecido. A crítica desempenha um papel crucial nesse processo,
conduzindo à melhoria contínua do texto e proporcionando uma
aprendizagem constante sobre os temas investigados.
A imersão contínua nos fenômenos é essencial para a produção de
uma escrita de qualidade. As metáforas, enquanto formas de significação
do evento, enriquecem a compreensão do novo por meio da escrita
metafórica. Assim, argumentamos que o processo de escrita é equiparado
à rotação da Terra e da Lua, enquanto o movimento de compreensão do
novo é ilustrado pelas marés. A escrita, como meio de compreensão do
desconhecido, demanda uma movimentação contínua, impulsionada pela
criatividade. Ao concluir o quarto capítulo, fica evidente que os autores
construíram, por meio de metáforas, o processo de comunicação na
escrita. Ao analisar a ATD, compreendemos os processos de interpretação
do novo, permitindo que o pesquisador aprenda e se aprofunde no evento.
Para garantir uma leitura fluida, como proposto por Bardin (2011),
é importante reconhecer que o texto pode exigir uma compreensão mais
profunda. No entanto, ao dar prioridade à metodologia desde o início,
compreendemos como proceder ao longo do processo de escrita, desde o
estabelecimento do limite até a fase de finalização.
Metodologia
O presente trabalho utilizou-se de metodologia qualitativa, que
sustenta a investigação de fenômenos. O trabalho foi desenvolvido em
uma disciplina de ATD ofertada no PPGECMat – UFGD, ministrada pela
docente Vivian dos Santos Calixto. Informando o contexto do ambiente
em que o trabalho foi desenvolvido, podemos contextualizar o processo
de construção e constituição das informações empíricas, que originou o
corpus da pesquisa.
Durante a disciplina, a professora solicitou que os estudantes
assistissem a três vídeos disponibilizados no YouTube, sendo eles “Análise
Textual Discursiva: entre a descrição e a compreensão” 4, “Análise Textual
Discursiva: Das perguntas ao metatexto” 5 e “ATD: uma ampliação de
horizontes da palavra ao conceito” 6. Depois de assistir aos vídeos, os
estudantes foram instruídos a transcrever a parte do vídeo que mais lhes
4 https://encr.pw/G6gRQ
5 https://l1nq.com/pBkxQ
6 https://l1nq.com/lN2UB
216 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
chamou a atenção e a realizar a unitarização. Com as transcrições em mãos,
eles foram orientados a desenvolver as duas primeiras etapas da ATD:
unitarização e categorização, para que pudessem formular argumentos
parciais.
Em uma segunda fase da disciplina, a professora explicou que
havia produzido um texto a partir dos argumentos parciais. A partir daí,
os estudantes foram encarregados de realizar a segunda atividade, que
consistia em desenvolver todo o processo de ATD a partir do corpus
gerado. A metodologia de análise utilizada foi a ATD. Entendemos que as
diferenças significativas desta metodologia se concentram na abordagem
da pesquisa, e não nos procedimentos. A ATD vai além da mera execução;
ela envolve a realização de interpretações profundas.
Nas Profundezas do Ser: Uma Odisseia no Desvelar das Novas Com-
preensões do Fenômeno
Figura 1: Odisseia segundo a IA.
Fonte: Copilot, 2023.
“Uma obra de arte abstrata que retrata a essência de um fenômeno.
No centro da imagem, um turbilhão de cores e formas se mistura
simbolizando a complexidade do fenômeno. Linhas finas e ousadas
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 217
se entrelaçam, representando as várias camadas de Problematização,
criando um emaranhado intrigante de questões. Ao redor, faixas de
cores suaves se expandem, indicando a Intenção como um raio de
luz que ilumina o cenário. Repetidas espirais surgem e desaparecem,
sugerindo a Repetição das perguntas, como um eco que ecoa no fundo
da mente. No centro da explosão de cores, uma neblina etérea que
envolve a palavra Fenômeno, simbolizando a Incerteza que o cerca.
Ao longo da imagem, um caminho sinuoso se forma, indicando a
Orientação na busca de compreender esse fenômeno”
A partir das Análise desenvolvidas para a compreensão da ATD
na disciplina de mestrado, alcançamos a categoria final intitulada de “Nas
Profundezas do Ser: Uma Odisseia no Desvelar das Novas Compreensões
do Fenômeno”, advinda de duas categorias intermediárias que emergiram
de cinco categorias iniciais contempladas por doze unidades de significados.
A categoria intermediária Relações da ATD e abordagem
fenomenológica, constituída pelas categorias iniciais “Compreensão filosófica
da ATD” (com quatro unidades de significado), “Como o fenômeno se
mostra” (com três unidades de significado), busca as possíveis visualizações
da seção filosófica da metodologia. Como apresentado nas unidades abaixo
que buscam a compreensão filosófica da ATD. Como pode ser ilustrado
por meio das unidades na sequência:
“A intenção principal da ATD é compreender como os fenômenos
se apresentam, pois para os fenômenos tem se a ideia de que eles se
apresentam já que eles se mostram para nós e não nós que olhamos.” [P1.3]7.
“Que possui fundamento filosófico na fenomenologia e na hermenêutica.
Trabalha com material empírico textuais e com materiais que podem ser
transformados em textos, como entrevistas, questionários e gravações de
áudio.” [P2.1]. “A ATD reconhece que o fenômeno muitas vezes não está
imediatamente visível para o pesquisador” [P2.2]”
“Com a ATD, não queremos apenas descrever os dados, queremos
alcançar um nível mais abstrato, uma compreensão mais profunda. A
metáfora também desempenha um papel importante, iluminando o
que sabemos e o que ainda não sabemos sobre o tema que estamos
pesquisando”. [P6.4]
Como apresentado na unidade P1.3, a ATD nos dá a possibilidade
de novas compreensões do fenômeno estudado, apoiados em referenciais
teóricos para nos dar outras possibilidades de visualização do que é
7 Para aprimorar a organização, categorizamos as unidades em códigos, onde “P” indica pós-
graduando, o primeiro numeral indica a identificação específica do pós-graduando, e o segundo
numeral após o ponto representa a unidade de significado emergente.
218 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
mostrado. Como ressaltado por Moraes e Galiazzi (2016) acerca das
possibilidades das novas compreensões sobre os fenômenos.
O movimento do semântico ao hermenêutico, característico da
ATD, é esforço permanente de construir e expressar novas compreensões,
novas camadas sobre os fenômenos investigados. Segundo Moraes e
Galiazzi (2007):
[...] a análise textual discursiva, ao pretender superar modelos
de pesquisas positivistas, aproxima-se da hermenêutica. Assume
pressupostos da fenomenologia, de valorização da perspectiva do outro,
sempre no sentido da busca de múltiplas compreensões dos fenômenos.
Essas compreensões têm seu ponto de partida na linguagem e nos
sentidos que por ela podem ser instituídos, implicando a valorização dos
contextos e movimentos históricos em que os sentidos se constituem.
Nisso estão implicados múltiplos sujeitos autores e diversificadas vozes
a serem consideradas no momento da leitura e interpretação de um
texto (Moraes; Galiazzi, 2007, p. 80).
Desta forma, as unidades P2.2 e P2.1 nos possibilitam discutir
sobre os fundamentos das descrições do fenômeno, a fenomenologia, a
compreensão do estudado, apoiado na hermenêutica, de maneira sucinta,
as possibilidades das compreensões do que foi descrito. Como aponta
Moraes e Galiazzi (2016) os novos entendimentos emergem de forma viva,
nas maneiras que se possibilitam a expressar as novas compressões. Dito
isso, podemos entender que devemos nos atentar em como o fenômeno se
mostra, nuances que constituem as unidades a seguir:
“Na Análise Textual Discursiva é preciso adotar a perspectiva
fenomenológica e deixar que os fenômenos se mostrem no processo
de análise, no entanto, é importante assumir uma intencionalidade de
pesquisa para conseguir enxergar os fenômenos emergentes.” [P5]
“A inconclusão na Análise Textual Discursiva é algo visto como normal.
Um “fechamento de ideias” não é comumente aceito, pois na ATD
sempre existirá a oportunidade de outras percepções” [P2.3]
A partir das unidades P5 e P2.3, podemos ter uma possível
compreensão sobre as percepções do fenômeno e a “inconclusão” da
compreensão. Podemos perceber que na ATD o fenômeno se revela, mas
é necessário ter uma intencionalidade no fenômeno, o que nos permite
compreender a “inconclusão” da ATD, devido a sua fórmula de possibilitar
novas compreensão. Quanto mais se olha para o fenômeno, mais faces
conseguimos observar, como apresentado pela pesquisadora Calixto
(2020), cada nova revisitação pode nos proporcionar novas paisagens e
compreensões.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 219
Podemos apontar que a ATD aborda a compreensão por meio da
Hermenêutica e Fenomenologia, explorando as questões filosóficas que
revelam como o Fenômeno se manifesta pelos significados, moldados
por nossos valores ao longo dos caminhos percorridos. Há estruturação
da ATD na abordagem fenomenológica, pois a ATD, como metodologia,
analisa textos com base nos princípios fenomenológicos, compreendendo
os fenômenos conforme se manifestam nos discursos.
A categoria intermediária Aspectos da metodologia de pesquisa ATD
e intencionalidade do pesquisador foi constituída por três categorias iniciais,
“Uma metodologia de Análise denominada ATD” (com duas unidades
de significado), “Compreensões emergidas por meio do metatexto” (com
uma unidade de significado) e “Diferença de intencionalidade entre AC e
ATD” (com duas unidades de significado).
Sobre a metodologia que denominamos de ATD, compreendemos
que as diferenças significativas se concentram na abordagem da pesquisa,
não nos procedimentos. A ATD vai além da execução; implica em
inferências profundas. Ao escolher a ATD como metodologia, a atenção,
a humildade e a abertura a diversas perspectivas são essenciais para uma
análise rica e autêntica do corpus. Assim como contemplado nas unidades:
“As diferenças são mais do modo de olhar a pesquisa do que o
procedimento. A ATD faz inferências com relação a maneira de
executar essa metodologia de análise de dados.” [P1.2]. “Ao utilizar a
ATD como metodologia de pesquisa, é importante estar atento ao que
se mostra com olhar e escuta atenta, com humildade se despindo de
prejulgamentos, preconceitos, para que com liberdade de ideias possa
ser trabalhada a análise do corpus.” [P4].
Por meio das unidades P1.2 e P4 podemos discutir sobre a
necessidade de se despir das concepções do fenômeno, ainda que árduo
o processo, para que tenhamos uma melhor desenvoltura de análise do
corpus necessitamos de disponibilidade para as compreensões do que o
fenômeno se mostra. Partindo de que a intencionalidade do pesquisador é
o que molda a visão do que o fenômeno se mostrou existe a necessidade da
maturidade que se constrói ao utilizar a metodologia, para que assim possa
alcançar os objetivos da intenção do pesquisador.
Todas essas possibilidades de novas compreensões emergem por
meio do metatexto, objeto com capacidades de reestruturação imensurável,
pois a cada nova análise feita do fenômeno é um novo metatexto que surge.
Conforme exposto por P6.2:
“É uma forma de reconstruir nosso entendimento sobre aquele
220 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
fenômeno. O metatexto é como uma trama de ideias que percorre toda
a pesquisa, unindo informações, teoria e o que o pesquisador pensa.
É como uma viagem, vai mudando e se ajustando conforme a gente
avança e aprende coisas novas” [P6.2]
Gonçalves (2020) em seu trabalho sobre comunicação, faz
apontamentos que existe a necessidade de explorar a ATD, além de uma
forma metódica de analisar os dados, mas sim alinhá-la de forma harmônica
com os referenciais teóricos para melhor compreensão.
Um ponto debatido sobre ATD é em relação a sua criação e
aproximação da Análise de Conteúdo (AC), que nos permite entender que
não há necessidade dessas discussões após a compreensão da ATD. O que
nos permite compreender sobre a forma de execução das análises e nas
intencionalidades. Compreensão que pode ser percebida na reflexão de P3:
“Os procedimentos da ATD parecem com a análise de conteúdo, ainda
que não possuam uma ordem fixa. Se diferem na intenção de pesquisa, a
ATD busca compreender o que se mostra.” [P3]
Na ATD, as diferenças significativas se concentram na abordagem
da pesquisa, não nos procedimentos. A ATD vai além da execução; implica
em interpretações profundas. Ao escolher a ATD como metodologia, a
atenção, a humildade e a abertura a diversas perspectivas são essenciais para
uma análise rica e autêntica do corpus. Com uma conjectura sobre o que
é o metatexto, acrescenta-se outra dimensão à compreensão do material
investigado. A intencionalidade do pesquisador no tratamento dos dados
da pesquisa também se destaca como um elemento crucial para a validade
e profundidade da análise.
Compreendemos a ATD como metodologia baseadas na
fenomenologia e hermenêutica da pesquisa qualitativa nos permite explorar
as novas compreensões dos fenômenos por meio das intencionalidades
do pesquisador, uma odisseia filosófica que utiliza além dos processos
metódicos para organizar uma nova concepção, compreensão que emerge
por meio da organização que nomeamos de metatexto. Para uma concepção
nova, rica e autêntica do fenômeno, necessita tocar a humildade para
ampliarmos as concepções já construídas para entendimento do corpus.
Possíveis Concepções de ATD
Frente ao discorrido e apresentado, compreendemos a ATD como
metodologia baseadas na Fenomenologia e Hermenêutica da pesquisa
qualitativa nos permite explorar as novas compreensões dos fenômenos
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 221
por meio das intencionalidades do pesquisador, uma odisseia filosófica que
utiliza além dos processos metódicos para organizar uma nova concepção,
compreensão que emerge por meio da organização que nomeamos de
metatexto. Para uma concepção nova, rica e autêntica do fenômeno,
necessita tocar a humildade para deixarmos de lado as concepções já
construídas para entendimento do corpus�
Para concluir este trabalho, empregamos o Copilot (2023) para
criar uma imagem que encapsula as concepções da ATD discutidas aqui.
Solicitamos que ele lesse o artigo e elaborasse uma descrição de imagem. A
partir dessa descrição, novamente a inserimos no Copilot (2023) para que
ele gere uma imagem. Ao pedir isso, a própria Inteligência Artificial fez
uma pequena alteração:
Eu usei a sua descrição como base, mas eu adicionei alguns elementos
que eu acho que podem representar melhor o tema da sua pesquisa. Por
exemplo, eu coloquei um navio navegando pelo mapa, simbolizando a
aventura e o desafio de explorar o desconhecido. Eu também incluí algumas
estrelas e planetas no céu, sugerindo a dimensão cósmica e transcendental
do fenômeno. E eu usei cores vibrantes e contrastantes para dar um toque
de arte e emoção à imagem (Copilot, 27 set. 2023).
Desta forma então, gerando a seguinte imagem:
Figura 2: Uma Odisseia no Desvelar das Novas Compreensões do Fenômeno
Fonte: Copilot, 2023.
222 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
CALIXTO, V. S. Reflexões acerca do desenvolvimento da autoria
no exercício de escrita envolvido na análise textual discursiva: um
horizonte compreensivo. Revista Pesquisa Qualitativa. São Paulo (SP),
v.8, n.19, p. 835-862, 2020.
Figura 1: ATD Segundo o Copilot� COPILOT Microsoft. Arquitetura
GPT-3.5. Disponível em: https://encurtador.com.br/cdwT4. Acesso em
21 nov. 2023.
Figura 2: Uma Odisseia no Desvelar das Novas Compreensões do
Fenômeno. COPILOT Microsoft. Arquitetura GPT-3.5. Disponível em:
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e a compreensão� Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=MPl94LmzSQY Acesso em: 22 set. 2023.
UNIOESTE, P. ATD: uma ampliação de horizontes da
palavra ao conceito. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=OZ8SZ5COTRY Acesso em: 22 set. 2023.
Parte IV
Fenomenologia na Educação em
Ciências e áreas afins
Capítulo 16
A criança para Merleau-Ponty e seus intérpretes:
lentes para uma educação fenomenológica em
Ciências na infância
Valdirene Aparecida Araujo dos Santos1
Robson Simplicio de Sousa2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.225-237
Introdução
Pensar a infância a partir de Merleau-Ponty nos convida a
“retornar às coisas mesmas” (Merleau-Ponty, 2018), em busca
de caminhos que nos possibilitem acessar à vida infantil, suas percepções,
seus espaços e tempos vivenciados a partir das experiências corporais.
Machado (2010) evidencia a propositiva de Merleau-Ponty da necessidade
de se explorar um “saber afetivo” para aproximar-se das noções sobre a
criança. Para tal, é preciso ouvi-las a partir das suas próprias percepções,
experiências e compreensões. Ou seja, “que o adulto enxergue a criança
do seu próprio ponto de vista, ‘do ponto de vista do pesquisado’ (e não do
ponto de vista do pesquisador)” (Machado, 2010, p. 18). Merleau-Ponty
entende que [...] não se encontra, na criança, uma tese sobre o mundo,
por isso é impossível discorrermos sobre a “representação” dele (Machado,
2010), uma vez que, a criança vivencia, experimenta e percebe o mundo a
partir do Corpo.
Para Machado (2010), o maior privilégio da fenomenologia de
Merleau-Ponty acerca da infância é recusar dicotomias. “Não cabem
1 Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e
Tecnologias Educativas (PPGECEMTE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Setor
Palotina. Palotina (PR), Brasil. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Aldete Maria Alves
(FAMA) e Licenciada em Química pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
2 Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do
Rio Grande (FURG). Professor Adjunto do Departamento de Educação, Ensino e Ciências
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Líder do Grupo de Pesquisa JANO: Filosofia
e História na Educação em Ciências da UFPR. Atua no Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências, Educação Matemática e Tecnologias Educativas (PPGECEMTE) da
UFPR, Setor Palotina.
226 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
dualismos na construção de uma Psicologia da Criança; o filósofo nos
convida a buscar totalidades. Para ele, a criança vive um corpo “fenomênico e
indiviso” (Machado, 2010, p. 15). A autora ainda compreende a percepção
da criança “como a experiência de uma primeira organização de dados;
desenvolver-se, amadurecer, crescer é revelar capacidade de reorganização
desses dados iniciais” (Machado, 2010, p. 19). Além disso, Merleau-Ponty
enfatiza que nossas experiências são reorganizadas a cada nova percepção
uma vez que, toda experiência, independentemente de ser boa ou ruim,
nos possibilita perceber o mundo. Exige apenas a suspensão de nossos
preconceitos e a abertura para o novo.
Merleau-Ponty também revela que a criança sofre influência
da cultura na qual se encontra imersa. O que também é reforçado por
Simms (2008, p. 3, tradução nossa), quando a autora expõe que “toda
criança é um ser histórico, nascida em uma cultura e época com uma
visão particular da infância que resulta em práticas culturais particulares”.
Cultura é definida por Merleau-Ponty como “o conjunto das atitudes
tacitamente recomendadas pela sociedade ou pelos diferentes grupos nos
quais vivemos, atitudes que estão inscritas na ordem material de nossa
civilização” (Merleau-Ponty, 2006, p. 377). Deste modo, a cultura nos
influencia desde antes mesmo do nosso nascimento, durante a gestação e
até o dia em que morremos. Aprendemos a andar, falar e desenvolvemos a
partir das nossas experiências do mundo.
Para Merleau-Ponty o Corpo é fundamental para as experiências e
percepções da criança, por isso ele o considera o cerne de sua fenomenologia.
Além disso, o Corpo também possui características fundamentais que são
evidenciados por Merleau-Ponty e seus intérpretes. Deste modo, é possível
possibilitar uma Educação fenomenológica em Ciências na Infância
alicerçadas nas características do Corpo de Merleau-Ponty e seus intérpretes?
Na tentativa de responder essa indagação, buscamos compreender como se
apresenta o Corpo na Infância para Merleau-Ponty e seus intérpretes.
A experiência primária e primordial da criança
em sua obra Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 2018),
Merleau-Ponty apresenta suas compreensões em relação ao modo da
percepção e da consciência expressando-as em termos de experiência
primária e experiência primordial da criança. Por considerar essas
experiências fundamentais, Welsh (2013), uma das intérpretes de Merleau-
Ponty, apresenta importantes compreensões de Merleau-Ponty a respeito da
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 227
experiência infantil. De acordo com a autora, “Merleau-Ponty afirma que
o que é historicamente primário em nossa experiência infantil permanece
primordial em nossa experiência adulta” (Welsh, 2013, p. xxii, tradução
nossa). E por ser uma fenomenologista natural a criança se envolve com
o mundo e com os outros. Além disso, a autora também evidencia que as
experiências primárias das crianças, permeiam sua vida adulta.
Simms (2008), outra intérprete de Merleau-Ponty, também
apresenta a experiência primária ao revelar que a experiência primária de
um bebê é definida como “a experiência de se mover em direção a um
mundo de coisas e aos outros que já está prefigurada em seu próprio corpo”
(Simms, 2008, p. 14 tradução nossa). Experiência esta, que permite ao bebê
responder aos estímulos de sua mãe. Suas percepções ocorrem desde o dia do
seu nascimento ao vivenciar suas primeiras experiências do mundo. Welsh
(2013, p. 7, tradução nossa) expõe que “em nossa primeira experiência
no mundo, já encontramos a capacidade de estruturação normativa que
permite, posteriormente, a aquisição de pensamentos e crenças culturais
e abstratos”. As experiências primárias nos possibilitam uma abertura
para o mundo e nos permite vivenciar e ressignificar novas experiências.
Para Welsh (2013), não chegamos totalmente formado no mundo, nos
estruturamos e reestruturamos de acordo com nosso ambiente. Além
disso, nossas experiências mantêm-se enraizadas em nossas experiências
primárias. Como se mostra em Welsh, “Merleau-Ponty escreve que dentro
do mundo primário, “natural” das crianças, já se encontram as raízes do
secundário” (Welsh, 2013, p. 9, tradução nossa). Por isso, as relações das
crianças começam desde o seu nascimento, quando estas se conectam a seu
círculo familiar (especialmente a mãe).
Precisamos retornar à experiência corporificada da criança para
entender o significado inerente à percepção. Merleau-Ponty ensina que
a totalidade da experiência da criança inclui seu senso de corporificação.
Portanto, as crianças não têm compreensão de seus corpos como
“Corpos”, pois isso significaria que elas haviam objetificado seus
corpos. Em vez disso, sua experiência é uma unidade: corpo, mundo
e percepção são partes de um todo significativo. Existe na criança um
tipo de esquema do ser, mas ainda não um mundo de objetos distintos
(Welsh, 2013, p. 34, tradução nossa).
Merleau-Ponty defende que a criança pequena já possui em suas
experiências corporificadas vários significados que não são adquiridos
gradativamente, no entanto, ela ainda não tem a capacidade de realizar
uma organização desses dados. Conforme a criança vai ficando mais
velha e vivenciando novas experiências, suas experiências primárias são
228 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
reorganizadas. Por sua vez, a experiência primordial carrega consigo rastros
da experiência primária que são reestruturados à medida que vivenciamos
novas experiências do mundo. Deste modo, nossas compreensões ocorrem
a partir da reestruturação das percepções anteriores.
De acordo com Merleau-Ponty (2018, p. 378), “toda percepção
supõe um certo passado do sujeito que percebe, e a função abstrata de
percepção, enquanto encontro de objetos, implica um ato mais secreto
pelo qual elaboramos nosso ambiente”. Assim, toda percepção nasce sobre
um pano de fundo do mundo no qual estamos envoltos, ocorrendo a partir
das nossas primeiras experiências com o mundo.
Minha primeira percepção, com os horizontes que a envolviam, é um
acontecimento sempre presente, uma tradição inesquecível; mesmo
enquanto sujeito pensante, ainda sou essa primeira percepção, sou a
sequência da mesma vida que ela inaugurou (Merleau-Ponty, 2018, p.
546).
A percepção está enraizada nas experiências primárias do sujeito,
na qual nos possibilitam reestruturar nossas compreensões conforme
vivenciamos novas experiências e, por isso, são tão primordiais. Desta
forma, ela não é uma experiência exclusiva minha, visto que temos
experiências com os outros e com o mundo. Welsh (2013, p. 61-62,
tradução nossa), acrescenta que, “a natureza primordial da vida original
também está presente na experiência adulta; a pessoa está sempre imersa
em seu corpo e, portanto, nunca pode se relacionar completamente com
ele como uma coisa”. Deste modo, a experiência primordial também
ocorre desde as experiências primárias e carrega consigo vestígios de uma
experiência corporificada, que repercutem sobre a nossa existência.
Mostramos nesta seção, que as crianças vivenciam suas experiências
primárias e primordiais de maneira corporificada. Assim, na próxima seção,
apresentaremos a criança percebida a partir de suas próprias experiências
vivenciadas no mundo. Mostraremos que desde o nascimento até os seus
primeiros anos de vida (0 a 2 anos) esta, já possui a unidade corpo, mundo
e percepção, mas ainda lhe falta a capacidade de organização.
A criança a partir de si mesma: o egocentrismo
a organização das experiências do mundo da criança é alicerçada
em suas experiências primárias de si mesma. Como a criança é totalmente
envolvida em suas experiências, muitas vezes, ela é percebida pelo
adulto como egocêntrica. Para Welsh (2013, p. 18, tradução nossa), “o
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 229
egocentrismo da criança reflete sua incapacidade de considerar que existe
algo além dessa experiência. A experiência ainda não é propriedade de um
indivíduo, ela simplesmente é”. Desta forma, a criança não está preocupada
em perceber a objetividade do mundo, mas em vivenciá-lo. De acordo com
Welsh (2013) Merleau-Ponty também considera a percepção da criança
como “egocêntrica”, uma vez que ela ignora os critérios de objetividade
do adulto, mas ele nos mostra que o fato da criança desconhecer essa
objetividade não significa que ela viva em si mesma, mas que ela exerce
uma objetividade desmedida. Citando Merleau-Ponty, Machado (2010, p.
286) expõe que “a criança pequena vive o mundo, mergulhada nele – não
possui distanciamento para “representá-lo”. Elas não são autorreflexivas,
suas preocupações estão envolvidas nas experiências corporais.
Merleau-Ponty acrescenta que a percepção da infância precede distinções
intelectuais como objetiva e subjetiva. O egocentrismo das crianças
simplesmente reflete o fato de que elas se comportam diretamente com
base em sua experiência sensorial, sem nenhuma concepção de que a
experiência sensorial é algo que alguém possui (Welsh, 2013, p. 11,
tradução nossa).
A preocupação da criança está no seu envolvimento com o
mundo e com o outro, uma vez que elas participam ativamente das suas
interpretações do mundo (Welsh, 2013). “Na experiência da criança não
há mundo interior. Também não há mundo exterior” (Simms, 2008, p. 2,
tradução nossa), apenas o mundo. Welsh (2013, p. 18, tradução nossa) ainda
complementa afirmando que “como crianças, não podemos nos abstrair de
nossa situação imediata; assim, parecemos egocêntricos, ingênuos e pouco
sofisticados”. A criança não consegue perceber que existem experiências e
pontos de vista diferentes dos seus. Para Merleau-Ponty,
O conceito de egocentrismo deve ser entendido de maneira bem
diferente. Para Piaget, a criança está voltada desde o início unicamente
para o mundo exterior, sem vestígio de introversão, há, sim, um
realismo excessivo que ainda não sabe criticar as coisas: a criança
ainda não sabe distinguir o que há de pessoal em suas experiências,
e toma seu eu por realidade objetiva; é um estado de indiferenciação
entre o mundo exterior e o eu. Assim, em vez de significar um
excesso de autoconsciência, esse conceito põe em evidência a falta de
autoconsciência (Merleau-Ponty, 2006, p. 178).
Para o autor, é preciso perceber as experiências primárias da criança
para explicar sua intersubjetividade. Quando assumimos uma consciência
objetiva, temos apenas uma verdade objetiva do mundo, limitando as
crianças de vivenciar um mundo intersubjetivo. Quando o adulto concebe
a criança como egocêntrica ele deixa de levar em consideração que ela
230 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
possui uma sociabilidade sincrética. A criança não compreende que existe
um mundo além das suas experiências, esse sincretismo a impede de
diferenciar o eu e o outro. Por isso, na próxima seção, apresentamos a
criança percebida a partir da sociabilidade sincrética.
A criança e a sua sociabilidade sincrética
a criança experimenta o mundo a partir das suas experiências
primárias e primordiais e é compreendida pelo adulto como egocêntrica.
Simms (2008, p. 121, tradução nossa) afirma que “a mente egocêntrica
não vê as coisas como outras; ela as experimenta como extensões de si
mesma”, por isso, o egocentrismo da criança pode ser explicado a partir
da sociabilidade sincrética. Para conceituar a relação da criança pequena
com o mundo, Merleau-Ponty se apropria, então, do termo sincretismo de
Henri Wallon (Simms, 2008). As crianças pequenas não estão centradas
em si mesmas, elas apenas não conseguem diferenciar-se dos outros.
“Merleau-Ponty argumenta que a experiência primária é caracterizada pela
abertura e ausência de barreiras (Welsh, 2013, p. 45, tradução nossa)”. E
por não conseguir diferenciar-se dos outros e do mundo, a criança vivencia
suas experiências primárias intensamente, que são, então, refletidas na sua
existência. A sociabilidade sincrética, [...] é caracterizada por experiências
que parecem emanar de uma experiência compartilhada e não individual
(Welsh, 2013, p. 52-53, tradução nossa). Assim,
A sociabilidade sincrética é vista como uma fase em que o bebê,
devido à incapacidade de organizar seu mundo perceptivo e tátil,
confunde-se com os outros. Ela não tem subjetividade e, portanto,
não tem intersubjetividade, tradicionalmente falando. No entanto,
isso não significa que os bebês estejam internamente preocupados sem
nenhuma conexão com os outros; ao contrário, eles têm uma existência
peculiar onde as sensações internas e externas se misturam, incluindo as
intenções do outro (Welsh, 2013, p. 47, tradução nossa).
A criança não está preocupada em se conectar com o mundo ou
com os outros, ela apenas o vive. Suas experiências são possibilitadas por
suas sensações corporais.
A criança vive em um mundo que ela acredita imediatamente acessível
a todos aqueles que a circundam, ela não tem nenhuma consciência de
si mesma, nem tampouco dos outros, como subjetividades privadas, ela
não suspeita que nós todos e ela mesma estejamos limitados a um certo
ponto de vista sobre o mundo (Merleau-Ponty, 2018, p. 475).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 231
Desta forma, a criança não é intelectualmente imatura, somente
vivencia intensamente suas experiências primárias e primordiais que a
influenciará por toda sua existência. Assim, ela precisa ser compreendida em
sua totalidade, ou seja, corpo, mundo e percepção. As crianças necessitam
se conectar ao mundo, estar arraigada nele e sentir-se pertencente. Quando
elas começarem a se perceber, a perceber o outro e a perceber o mundo,
conseguirá ultrapassar sua sociabilidade sincrética. Na próxima seção,
mostrarem a crianças percebida do estágio do espelho a imitação.
Do estágio do espelho à imitação
nesta seção, apresentaremos a percepção da criança do estágio do
espelho à imitação. O estágio do espelho “inicia a criança na compreensão
de que seu corpo está localizado em algum lugar e é um objeto para
os outros. Inicia a criança na capacidade de se representar como uma
coisa entre muitas” (Welsh, 2013, p. xix, tradução nossa). É a partir da
visualização da sua imagem e do outro no espelho que a criança começa
a perceber e reconhecer a si mesma e ao outro. Além disso, “o estágio do
espelho não inicia um estágio em que a imitação ocorre com fluidez e
sem reservas, em que a criança pode facilmente tomar o outro como outro
ser como eu” (Welsh, 2013, p. 61, tradução nossa). Quando uma criança
reproduz um movimento realizado, ela o faz a partir de suas próprias
percepções. “Merleau-Ponty defende que há uma identificação global, um
tipo de Gestalt que a criança usa para se associar com os outros e não uma
comparação intelectual consciente entre si e o outro” (Welsh, 2013, p. 61,
tradução nossa). A criança não compreendeu a mensagem do adulto, suas
percepções surgem a partir das suas experiências perceptivas corporificadas
primárias e primordiais.
A partir do “desenvolvimento da compreensão da imagem
espelhada do outro, o bebê vai se concentrar em sua própria imagem,
que originalmente não era tão interessante quanto a imagem especular do
outro” (Welsh, 2013, p. 60, tradução nossa). Nessa fase, os bebês começam
a se perceber e reconhecer o seu próprio corpo. No entanto, esse processo
não é tão simples quanto parece, pois sem um espelho é impossível
observar o nosso corpo em sua totalidade. Esse estágio possibilita que a
criança perceba a si mesma, ao outro e ao mundo a partir das suas próprias
experiências. Para Welsh (2013, p. 61, tradução nossa), “Merleau-Ponty é
rápido em escrever que o estágio do espelho não é simplesmente a ‘adição’
de subjetividade à natureza animalesca e não subjetiva do bebê”. Por isso,
232 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
supor que a criança tenha uma consciência cognitiva para compreender o
significado do gesto do outro na imitação durante o período do estágio do
espelho, seria presumir uma capacidade de organização de suas unidades
corpo, mundo e percepção que ela ainda não possui.
Merleau-Ponty defende a tese piagetiana de que a imitação está
relacionada à autoconsciência e à capacidade de objetificar os outros e os
objetos. No entanto, ele não concorda que a imitação precoce só pode
ser o resultado de um sujeito totalmente autoconsciente. Mas isso por
si só não contradiz uma intersubjetividade primária; os fenomenólogos
contemporâneos enfatizam que o senso primordial de autoconsciência
não é baseado na autorrepresentação, mas em interações vivas reais
(Welsh, 2013, p. 103, tradução nossa).
Como se mostra em Welsh (2013, p. 81, tradução nossa), “a
imitação demonstra uma conexão muito mais lúdica e interpessoal do que
um desejo prático de manipular objetos” A criança imita porque ela está
conectada ao outro.
Desde o início, o campo da criança não é apenas um campo de objetos;
é já um campo de seres. Ao mesmo tempo é verdade que as funções
adultas são já representadas na criança, na qual não têm o mesmo
sentido que têm no adulto (Merleau-Ponty, 2006, p. 529).
As experiências vivenciadas pelas crianças também são influenciadas
pela cultura do adulto e se reorganizam a cada nova experiência. As
representações das crianças do outro ocorrem a partir de suas próprias
percepções uma vez que a imitação se faz na atividade corporal. Muitas
vezes, os adultos consideram os bebês incapazes de organizar seu mundo
perceptivo, mas isso não é verdade, o que ocorre é que o mundo deles se
organizam de maneira diferente do nosso.
Percebendo a criança como fenomenologista na Educação em Ciências
Pensar a criança com fenomenologista na Educação em Ciências
requer uma suspensão dos preconceitos do professor pesquisador, além
de uma abertura a novas perspectivas. Buscamos realizar a atitude de
“agachamento” proposta por Machado (2010) e realizar minuciosas
descrições das experiências das crianças percebidas através da lente de olhar
fenomenológico (Machado, 2020). Procuramos evidenciar as experiências
das crianças em práticas educacionais que trazem as Ciências implícitas
em suas atividades e alicerçá-las as características fundamentais do Corpo
defendida por Merleau-Ponty.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 233
Paula (2020) e Prado e Paula (2021), evidenciam diferentes
experiências com crianças com idade de quatro a seis anos, partindo-se de
desdobramentos que instigaram os interesses dos alunos. Em um desses
relatos, as crianças puderam experienciar sensorialmente a transformação
da mandioca desde o plantio, a colheita, até a produção da tapioca. A cada
etapa dos processos de transformação da mandioca, as crianças se reuniam.
Elas demonstravam interesse em “cheirar, observar, mexer, experimentar as
permanências e metamorfoses que ocorriam, ressignificando os alimentos,
as relações, e gerando novas transformações” (Prado; Paula, 2021, p. 120).
Assim, vários questionamentos por parte das crianças surgiram. – “Então é
assim que nasce a mandioca?” (Paula, 2020, p. 169). – “Então ela fica branca
por dentro, igual à pele da Mandi da história?” (Paula, 2020, p. 170). - “Nossa
prô, que meleca! Como vai sair uma tapioca com aquele pozinho daí?” (Paula,
2020, p. 171). As autoras ainda relataram, que durante todo o processo as
crianças puderam movimentar-se livremente, brincando e explorando os
espaços, observando e contribuindo quando se sentiam interessadas.
Apesar dessas experiências não serem abordada como uma aula
de Ciências, o processo a envolve e nos permite evidenciar algumas
características das experiências das crianças caracterizadas por Merleau-
Ponty e apresentada por alguns de seus intérpretes. Quando uma das
crianças questiona: - “Então é assim que nasce a mandioca?”, é perceptível
a vivência de uma “experiência primária” (Welsh, 2013) a partir de uma
“primeira percepção” (Merleau-Ponty, 2018) que está em movimento em
direção ao novo. Alguns questionamentos podem surgir dessa indagação,
afinal, de onde será que ela achava que vinha a mandioca? Será que ela já
conhecia? Ela já experimentou? Questionamentos esses que só poderão ser
respondidos por essa criança em novas indagações. Ao comparar a cor da
mandioca à cor da pele de uma criança da história contada pela professora,
está criança demostra que está já possui uma “experiência primária” que se
tornou uma “experiência primordial” (Welsh, 2013). Também é perceptível
que está demonstra estar adquirindo o “estágio do espelho” (Merleau-Ponty,
2006; Welsh, 2013), ao perceber diferenças e semelhanças entre si mesmo
e o outro.
Prado e Paula (2021) também evidenciaram outras experiências
vivenciadas pelas crianças durante um processo de separação de casca
de alimentos que elas traziam de casa para realizar um processo de
compostagem. Em um momento durante a roda de conversa para trocas
de experiências, ao manusear cascas de alimentos, as crianças perceberam
a presença de uma espécie de “tinta’ que saia das cascas da cenoura e da
234 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
beterraba. Isso causou-lhes espanto evidenciando assim, sua “primeira
percepção” (Merleau-Ponty, 2018) com essa experiência. Nas falas das
crianças, algumas percepções puderam ser explicitadas. - “Tinta não é pra
colocar na boca”. “A minha mãe nunca me deixou fazer isso em casa!”. “Eu
não sabia que a cenoura era docinha, porque em casa eu como com sal” (Prado;
Paula, 2021, p. 121). Nas falas das crianças, foi possível evidenciar que
estas já possuem “experiências primárias” (Welsh, 2013) com tinta e/ou
alguns alimentos que estão arraigados em suas relações culturais. Apesar
desta aula também não ser específica de Educação em Ciências, as Ciências
também se mostram aqui por meio da experiência de compostagem. A
Ciência se faz presente no processo de amadurecimento dos legumes, na
sua pigmentação, na decomposição dos alimentos para transformação em
adubos, entre tantas outras possibilidades. Ao expor que tinta não é para
colocar na boca, está criança demonstra que apesar da sua pouca idade, já
possui um conhecimento adquirido a partir de uma “experiência primária”.
Por meio de novas experiências, suas experiências primárias podem ser
reorganizadas tornando-se uma “experiência primordial” (Welsh, 2013). Ao
experienciar a degustação dos legumes, uma das crianças percebeu por meio
de uma experiência sensorial corpórea, o sabor da cenoura camuflada no
tempero utilizado pela sua mãe. Mesmo já tendo experimentado cenoura
anteriormente, essa criança teve sua “primeira percepção” (Merleau-Ponty,
2018) e uma “experiência primária” (Welsh, 2013) com o sabor do legume
sem tempero.
Paula (2020) e Prado e Paula (2021) exibem que, a partir do
processo de compostagem e do interesse das crianças em observar o
crescimento das raízes, foi realizado também o plantio da semente do
limão. Fruta já anteriormente saboreada e aprovada pela maioria das
crianças. Por isso, a semente foi cultivada para a observação do crescimento
da planta. Durante o processo de crescimento da planta, as crianças
convidaram uma das funcionárias da escola para ver o pé de limão. No
entanto, está percebeu que o que havia nascido era na verdade, um pé
de tomate. Mesmo a experiência não saindo como o esperado, surgiram
algumas indagações das crianças. “Será que a semente do tomate é mais forte
do que a do limão?, “Não poderia ter nascido uma espécie de planta mutante:
um ‘limate’ ou um ‘tomão’?”, “Será que as sementes do limão não estavam
boas?” (Prado; Paula, 2021, p. 121). Esses questionamentos evidenciam
que as crianças já demonstram reconhecer tanto o limão, quanto o tomate,
demonstrando aqui suas “experiências primárias” (Welsh, 2013). Além disso
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 235
elas conseguem diferenciá-los evidenciando que já adquiriram o “estágio do
espelho” (Merleau-Ponty, 2006; Welsh, 2013).
Ao propor o plantio da semente do limão, a professora tinha a
intencionalidade de produzir um limoeiro, mas o desfecho dessa experiência
além de evidenciar a Ciência, mostrou-se muito fenomenológico no
sentido de que jamais poderíamos prever o nascimento de um tomateiro.
A Ciência se mostra presente na preparação da terra, na germinação das
plantas, na importância do sol e da chuva, na adubação natural, etc., e os
questionamentos das crianças as evidenciam como fenomenologista natural
e nos possibilitam uma abertura a novas investigações. Ao buscar explicações
para o ocorrido, percebeu-se que durante o processo de preparação da terra,
ao jogar as cascas de tomate (adubo natural), provavelmente alguma delas
tinha restos de sementes que germinaram a planta. Estas indagações só
puderam ser respondidas a partir das experiências primárias (Welsh, 2013)
com o processo de adubação.
Nos relatos apresentados acima, foi possível perceber que estas
crianças já passaram por uma “sociabilidade sincrética” (Welsh, 2013), e
evidenciam o “estágio do espelho” (Merleau-Ponty, 2006; Welsh, 2013), pois
já compartilham das percepções, experiências e ponto de vista de outras
crianças coletivamente. Essas experiências mostraram, que é possível
possibilitar uma Educação em Ciências fenomenológica na Infância para
Crianças na tenra infância a partir de experiências corpóreas, uma vez que,
as Ciências se mostram para nós a partir da natureza presente no mundo
ao qual estamos imersos.
Considerações finais
Em busca de perceber como se mostra a Infância para Merleau-
Ponty e seus intérpretes, apresentamos a propositiva de Merleau-Ponty de
que o adulto enxergue a criança a partir dela mesma. Percebemos que a
criança pequena só é egocêntrica porque ainda não conseguiu reorganizar
seus dados iniciais, e é só a partir do estágio do espelho ela começa a
distinguir-se de si e dos outros.
Percebemos que a Educação fenomenológica em Ciências na
Infância pode ser possibilitada, uma vez que, as crianças a vivenciam e
percebem suas experiências a partir do Corpo. Além disso, ao utilizarmos a
lente do olhar fenomenológico nas experiências vivenciadas pelas crianças,
percebemos que estas se revelam como fenomenologistas naturais. Desta
236 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
forma uma Educação em Ciências pode ocorrer desde a tenra idade.
Defendemos neste trabalho a abordagem fenomenológica como um
caminho para evidenciar a criança como fenomenologista na Educação em
Ciências.
No contexto educacional, no que se refere a educação na infância,
é perceptível a carência de uma Educação em Ciências para crianças na
tenra idade. Assim, destacamos a importância de pesquisas que estimulem
e possibilitem uma Educação em Ciências fenomenológicas na infância.
A educação fenomenológica propicia a percepção das crianças por meio
de suas experiências primárias e primordiais. É imprescindível também,
que professores promovam a Educação em Ciências na infância como um
caminho para percepção do mundo.
Referências
MACHADO, M. M. Merleau-Ponty & a educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010.
MACHADO, M. M. Espiralidades: arte, vida e presença na pequena
infância. Currículo sem Fronteiras, v. 20, n. 2, p. 348-371, 2020.
MERLEAU-PONTY, M. Psicologia e Pedagogia da Criança: Cursos
da Sorbonne 1949-1952. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. Tradução
de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 5ª ed. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2018.
PAULA, B. B. A poeticidade contida nas linguagens artísticas e
estéticas da educação infantil: Vamos escutar a cor dos passarinhos
fazendo o verbo delirar?. 2020. 211f. Dissertação (Mestrado em
Educação), Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), 2020. Disponível
em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48137/tde-29092020-
154243/en.php. Acesso em: 18 mar. 2023.
PRADO, P. D.; PAULA, B. B. Poeticidade e estesia: narrativas
linguageiras em contextos acontecedores da educação infantil. Em
Aberto, v. 34, n. 110, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.24109/
emaberto.v34i110.4578. Acesso em: 18 mar. 2023.
SIMMS, E. M. e Child in the Word: Embodiment, Time, and
Language in Early Childhood. Wayne State University Press, 2008.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 237
WELSH, T. e child as natural phenomenologist: Primal and primary
experience in Merleau-Ponty’s psychology. Northwestern University
Press, 2013.
Capítulo 17
Educação Ambiental e Educação em Saúde:
reflexões sobre os currículos dos cursos de
Licenciatura em Ciências Biológicas
Daiane Poletini Massuchin1
Valéria Ghisloti Iared2
Tiago Venturi3
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.238-249
Introdução
A
Educação Ambiental (EA) e a Educação em Saúde (ES)
foram discutidas nos temas transversais do currículo brasileiro
conforme estabelecido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
onde constavam como inclusas, respectivamente, nos temas Meio
Ambiente e Saúde (Brasil, 1997). A partir da implantação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) os seis temas transversais que compunham
os PCNs foram substituídos por seis macroáreas temáticas que abrangem
quinze Temas Contemporâneos Transversais (TCT), a EA encontra-se
alocada na macroárea Meio Ambiente, ao lado do tema educação para o
consumo (Brasil, 2019), enquanto há um silenciamento a respeito da ES. É
oportuno mencionar que, há presença da macroárea temática denominada
Saúde e um TCT também denominado Saúde (Brasil, 2019a), contudo, a
abordagem adotada não corresponde ao viés educativo.
Em relação às normativas que orientam a elaboração do currículo
para a formação docente, a Lei Nº 9.394/96, estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional e determina em seu Artigo 62, §8º, que “os
currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base
Nacional Comum Curricular” (Brasil, 1996).
Outro documento que regulamenta a formação docente é a
Resolução CNE/CP 02/2019, que ao definir as Diretrizes Curriculares
1 Mestranda pelo PPGECEMTE/UFPR, Universidade Federal do Paraná
2 Doutora em Ciências, Universidade Federal do Paraná
3 Doutor em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal do Paraná
240 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e
instituir a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores
da Educação Básica (BNC-Formação), determina que a organização do
currículo dos cursos de formação inicial de professores deve estar alinhada
às orientações e prescrições contidas na BNCC da Educação Básica, além
disso, orienta sobre as competências gerais e específicas docentes, princípios
norteadores e fundamentos pedagógicos que o curso deve abordar e
estabelece a carga horária básica para os cursos de licenciatura, entre outras
regulamentações (Brasil, 2019b).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Ciências
Biológicas são: Parecer CNE/CES1.301/2001 e Resolução CNE/CES
7/2002. A Resolução CNE/CES nº 7/2002 estabelece as Diretrizes
Curriculares para os cursos de Ciências Biológicas (Bacharelado e
Licenciatura) que foram aprovadas no Parecer CNE/CES nº 1.301/2001.
Tais documentos estabelecem as diretrizes que orientam a formulação
do projeto pedagógico destes cursos, e ao mencionar os conteúdos
considerados básicos e específicos para a composição curricular o fazem de
maneira ampla e genérica, sem aprofundamento nas particularidades de
cada área de conhecimento.
Os documentos mencionados acima normatizam e orientam a
nível nacional sobre a composição do projeto pedagógico e atribui a cada
instituição a competência para o desenvolvimento do Projeto Pedagógico
do Curso (PPC), documento que contempla a organização curricular
do processo formativo do futuro professor, com suas especificidades e
características.
Sobre este tema, Sacristán (2020) ressalta a natureza complexa do
currículo e o define uma como construção social que transcende a mera
seleção de conteúdo e que possui características do momento histórico
e social em que é elaborado. De acordo com o autor, o currículo não é
neutro em razão de refletir valores e pressupostos da sociedade onde
está inserido, assim como, diversas práticas políticas, administrativas,
econômicas, organizacionais e institucionais que se entrelaçam com as
práticas pedagógicas.
Considerando a importância da formação em EA e ES no curso
de Licenciatura em Ciências Biológicas, a singularidade e complexidade
contida em cada PPC, bem como sua relevância na organização do processo
formativo, nos dispomos a pesquisar a sobre estas áreas de educação no
âmbito do processo de formação inicial de professores por meio da análise
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 241
do currículo dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas ofertados
na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Em razão da complexidade que se constitui o currículo, Sacristán
(2020) distingue seis momentos no processo de desenvolvimento
curricular: currículo prescrito, apresentado aos professores, moldado,
em ação, realizado e avaliado. Para o desenvolvimento da pesquisa, nos
deteremos na investigação do currículo prescrito, que correspondem a
“aspectos que atuam como referência na ordenação do sistema curricular,
servem de ponto de partida para a elaboração de materiais, controle do
sistema, etc.” (Sacristán, 2020, p. 103), pode-se afirmar que é um ato
normativo e regulador.
Para descrição do projeto de pesquisa a ser realizado é de suma
importância expressar as concepções que orientam a pesquisa, adotamos
uma perspectiva fenomenológica inspirada nas ideias e princípios do filósofo
francês Maurice Merleau-Ponty. Em sua perspectiva, a fenomenologia é
uma abordagem filosófica complexa que se opõe a ideia de compreensão
do mundo unicamente a partir do conhecimento científico e argumenta
a favor da valorização da experiência subjetiva (Merleau-Ponty, 1999). Os
conceitos que compartilham da ontologia sobre a valorização da experiência
corporificada serão abordados adiante.
Adotamos uma compreensão de EA além dos modelos tradicionais
de ensino, abordada fora dos enquadramentos institucionais, a qual preza
pela valorização da experiência do sujeito englobando aspectos como
afetividade, emoção e a experiência estética como formas de experienciar
e vivenciar o mundo (Carvalho; Muhle, 2016; Gomes; Silva; Iared, 2020;
Iared, 2015).
Compreendemos a ES sob a perspectiva pedagógica, de forma
que, proporcione a reflexão sobre o conhecimento científico, articulação
e problematização com demais conhecimentos e questões como fatores
socioeconômicos e culturais para que haja o desenvolvimento do
pensamento e opinião crítica que colaborem para a construção do
conhecimento sobre saúde individual e coletiva e proporcione o exercício
da cidadania (Mohr, 2011; Pedroso, 2015; Venturi, 2018).
A pesquisa é de caráter qualitativo e tem como objetivo geral
compreender a inserção da EA e ES sob a perspectiva fenomenológica
nos currículos dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas da
Universidade Federal do Paraná – UFPR ofertados no Setor Palotina
(Palotina – PR) e Setor de Ciências Biológicas (Curitiba – PR).
242 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
O presente texto tem o intuito de discorrer sobre a elaboração e
desenvolvimento de uma pesquisa a nível de mestrado que se encontra em
processo de desenvolvimento, a próxima seção tem como objetivo abordar
conceitos relacionados a fenomenologia e que encontram-se vinculados a
pesquisa.
Fundamentação teórica: diálogos iniciais
A fenomenologia sob a perspectiva de Merleau-Ponty (1999) se
destaca em razão da ênfase na experiência vivida, importância atribuída a
corporeidade para compreensão do mundo e da consciência humana. Para
o autor:
Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir
de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual
os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da
ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a
própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance,
precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da
qual ela é a expressão segunda (Merleau-Ponty, 1999, p. 3).
Para Merleau-Ponty (1999) todo o conhecimento sobre o mundo,
inclusive o conhecimento científico, origina-se a partir da percepção e
experiência subjetiva do ser humano. O autor enfatiza a importância da
experiência direta, corporificada, ao afirmar que, “o mundo não é aquilo que
eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me
indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável” (Merleau-
Ponty, 1999, p. 14).
Steil e Carvalho (2014) conceberam o termo “epistemologias
ecológicas” para denominar e identificar abordagens filosóficas e teóricas
que convergem em uma visão holística da relação entre seres humanos,
seres não humanos e o ambiente natural e tem como objetivo a superação
da dicotomia natureza e cultura, sujeito e objeto, corpo e mente, entre
outras dualidades contemporâneas.
Sob esta perspectiva, está a ontologia proposta pelo antropólogo
britânico Timothy Ingold, que inspirado nas ideias de Merleau-Ponty,
propõe uma ontologia que dá primazia ao movimento, à compreensão
de que a vida é resultado da interação entre todas as coisas que compõe
o mundo e que tudo, humano e não humano, encontram-se em um
complexo sistema relacional de interação contínua (Ingold, 2012b). Ao
propor uma visão holística do mundo, que abrange as interações entre
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 243
os seres humanos e não humanos, sua concepção busca transcender as
dicotomias tradicionais entre cultura e natureza, sujeito e objeto.
Ingold (2012a) a classificação dos elementos da natureza em
compartimentos da taxonomia desconsidera a interação entre tudo o que
compõem o mundo e promove a divisão entre realidade e imaginação,
a vida foi reduzida às suas funções microbiológicas. O autor, se opõe a
essa perspectiva ontológica e epistemológica, sustenta a necessidade de
um ponto de equilíbrio e chama a atenção para três corolários quanto a
transição da forma de leitura do mundo natural: 1. Imaginação daquilo que
ainda está por vir, isto é, imaginar é uma postura de se atentar ao mundo;
2. Diz respeito a performance, se juntar à performance do mundo, onde o
fazer e conhecer estão interligados; 3. Ideia de que os animais e outros seres
do mundo mais-que-humano eram conhecidos, na época medieval, como
um emaranhado de histórias, descrições e observações.
Considerando os pressupostos acima mencionados, Ingold (2010)
propõe uma mudança na forma como compreendemos o processo
educacional, uma transição da tradicional transmissão de representações
para uma abordagem centrada na educação da atenção. O autor argumenta
pela imersão nas práticas e experiências vividas, afirma que o conhecimento
consiste em habilidades e que a transmissão do conhecimento se dá por
meio da interação entre o praticante habilidoso e o iniciante de forma a
promover uma redescoberta orientada por meio do afinamento o sistema
perceptivo.
Tais pressupostos confluem com o conceito de somaestética
desenvolvido por Richard Shusterman, filósofo americano, um campo
de estudo interdisciplinar que aborda a dimensão corporal, o corpo vivo
(soma) como instrumento de percepção e ação na experiência do processo
de aprendizagem (Shusterman et al. 2018). A somaestética valoriza o corpo
em sua totalidade, não apenas o intelecto, como fonte de aprendizagem.
Em consonância com tais abordagens que buscam promover a
valorização do corpo em sua integralidade como fonte de aprendizado,
Paiva (2017 e 2018), discorre sobre as teorias não-representacionais
que tem como objetivo ir “além de leituras segmentadas da realidade e
da experiência humana” (Paiva, 2017, p. 159), valorizam a experiência
subjetiva de percepção dos fenômenos como um processo contínuo de
afetações. Para o autor, o conhecimento não é independente ou desassociado
da realidade de onde surge. Isto posto, as teorias não-representacionais se
contrapõem a dicotomia entre representação e realidade, corpo e mente,
244 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
e, argumentam que a ação não é guiada unicamente pelo pensamento
consciente, é também influenciada por afetações não representacionais
como sensações, emoções, sentimentos entre outros. O mesmo autor
salienta que, a compreensão e consideração da teoria não-representacional
não invalida o valor do representacional, corresponde a uma abordagem
que trata da relação do sujeito com o mundo de forma ampla e integrada,
que também pode ser denominada como “mais-do-que-representacional”.
Considerando a influência da experiência corporal do afeto, no
sentido de afetar e ser afetado, Pitton e McKenzie (2020) expõem que
processos políticos e sociais são organizados por seres sociais corporificados
(pessoas) e que podem ser engajadas técnicas afetivas para incitar ou
mobilizar aceitação de políticas de forma coletiva ou individualmente.
Nesse sentido, afeto são sentimentos e sensações que abrangem as emoções
individualizadas, da forma como é apresentada envolve fenômenos do tipo
euforia ou tédio, medo e esperança, mas, de certa forma, as afetividades
extravasam os corpos e criam as atmosferas afetivas. Portanto, o que nos
move (individualmente) é mobilizado e, também, mobiliza políticas
públicas (Pitton; Mckenzie, 2020).
Carvalho e Muhle (2016) apontam que o pensamento moderno
possui enfoque na racionalização, em decorrência disso, ignora e negligencia
a relevância dos aspectos afetivos durante o processo formativo educacional,
e, argumentam por uma formação menos reducionista de forma a permitir
uma compreensão ampla e sensível do ambiente e contribuir para uma
formação ética.
Williges (2018) ao dissertar sobre as ideias do filósofo estadunidente
Henry David oreau, apresenta a imersão em experiências corporais
praticadas na natureza como forma de promoção da integração corpo-
ambiente, menciona que caminhadas ou outro esporte que exija esforço
e concentração, promovem um estado peculiar de consciência. De acordo
com o autor, a imersão do eu na prática, a fusão de consciência e ação
esvaziam a mente e focam no presente, é denominado estado de fluxo. Ao
apresentar as ideias de oreau, o autor faz observações de que para o bem-
viver há a necessidade de estar imerso no presente, renovar-se a cada dia,
manter a jovialidade no viver, manter o frescor da vida, manter os olhos
descansados para ver a beleza da vida em cada detalhe e do contato com a
natureza. Conforme exposto, o autor apresenta a experiência corporal do
sujeito como forma de cognição.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 245
Iared, Ferreira e Hofstatter (2022) advogam pela necessidade de
inclusão de experiências estéticas da natureza durante a educação básica,
ressaltam a importância de uma abordagem menos antropocêntrica e
mais sensível na educação ambiental escolar e destacam a problemática
relacionada a falta de preparo docente para este tipo de atuação, fato
que remete a problemática relacionada a formação docente para esta
compreensão.
Nesse contexto, o tema Bem Viver nos traz uma revisão da relação
sociedade e natureza (Alcântara; Sampaio, 2017). Alcântara e Sampaio
(2017), ao analisarem a produção científica sobre o termo Bem Viver
ponderam que:
[...] a concepção do Bem Viver enaltece o fortalecimento das relações
comunitárias e solidárias, os espaços comuns e as mais diversas formas de
viver coletivamente, respeitando a diversidade e a natureza. Reconhece
a diversidade de povos e suas estruturas e rompe com os velhos estados-
nação dos setores privados-capitalistas como estruturas únicas, abrindo
possibilidades para deixar para trás o extrativismo desenfreado e dar
maior peso aos modelos cooperativos e comunitários. Harmoniza as
necessidades da população à conservação da vida, diversidade biológica
e equilíbrio de todos os sistemas de vida (Alcântara; Sampaio, 2017,
p. 248).
Pesquisas atuais têm se dedicado a abordar EA e ES de forma
integrada, como campos complementares, tendo o Bem Viver como
possibilidade interface entre as áreas (Venturi; Iared, 2022).
Em síntese a pesquisa tem o intuito de abordar EA como um
processo de valorização da experiência individual e coletiva, transcende
os limites institucionais ao englobar a afetividade, emoção e experiência
estética como meios de compreender, interagir e se relacionar com o
mundo. Paralelamente, a ES, sob viés pedagógico, busca não apenas
transmitir conhecimento científico, mas, promover reflexões críticas
contextualizadas, envolvendo fatores sociais, econômicos e culturais
para a construção do conhecimento e exercício da cidadania. Nesse
contexto, o Bem Viver emerge como possibilidade de elo entre essas áreas,
propondo uma redefinição da relação sociedade e natureza por meio de um
reposicionamento ontológico.
Considerações finais
O presente refere-se a parte do referencial teórico e descrição de
um projeto de pesquisa no âmbito do programa de mestrado que está
246 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
em andamento e tem como objetivo analisar a inserção da EA e ES nos
currículos dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas ofertados na
Universidade Federal do Paraná (UFPR), identificar as formas de inserção
e discutir possíveis abordagens integradas entre as áreas.
Espera-se que os resultados dessa pesquisa contribuam para uma
educação mais abrangente e integrada, que prepare os futuros educadores
em Ciências Biológicas para abordar de forma equilibrada e equitativa as
emergências da sociedade que envolvem as temáticas em tela.
Referências
ALCANTARA, Liliane Cristine Schlemer; SAMPAIO, Carlos Alberto
Cioce. Bem Viver como paradigma de desenvolvimento: utopia ou
alternativa possível?. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 40, 30 abr.
2017. DOI 10.5380/dma.v40i0.48566. Disponível em: http://revistas.
ufpr.br/made/article/view/48566. Acesso em: 27 nov. 2022.
BRASIL. Lei nº 9�394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília,
23 de dezembro de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/
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Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES nº 1�301/2001,
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Capítulo 18
Experiências estéticas no Atelier Científico a partir
da fenomenologia da dança
Amanda Dal Molin Kruger1
Robson Simplicio de Sousa2
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.251-264
Introdução
Na região Oeste do Estado do Paraná, foi criado um ambiente
voltado para a realização de vivências e experiências na formação
de professores de Ciências e Matemática. O projeto Atelier Científico
desenvolveu um espaço coletivo, destinado a criação, desenvolvimento e
planejamento de experiências estéticas, no âmbito da Universidade Federal
do Paraná, no Setor Palotina.
O projeto tem caráter extensionista e foi vinculado ao programa
institucional Licenciar da instituição. O Licenciar teve como objetivo geral
apoiar iniciativas que buscassem desenvolver projetos para melhorar a
qualidade das Licenciaturas na universidade. Para alcançar esses objetivos,
o programa propõe especificamente promover a expansão da formação
acadêmica e gerar conhecimento científico sobre práticas pedagógicas,
integrando-se aos contextos educacionais formais e informais. Além
disso, busca fortalecer a conexão entre ensino, pesquisa e extensão, bem
como reforçar a ligação entre as Licenciaturas e as necessidades de todos
os níveis educacionais (UFPR, 2018). Dentro das estratégias deste
programa, incluem-se a concessão de bolsas aos licenciandos, orientação
e direcionamento aos coordenadores, acompanhamento pedagógico, além
do planejamento e realização de eventos para debater e compartilhar os
conhecimentos gerados pelos projetos (UFPR, 2018).
1 Discente em Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2 Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do
Rio Grande (FURG). Professor Adjunto do Departamento de Educação, Ensino e Ciências
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Líder do Grupo de Pesquisa JANO: Filosofia e
História na Educação em Ciências da UFPR.
252 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
O Atelier Científico teve o objetivo de fomentar o enlace entre
a estética filosófica e as ciências exatas, biológicas e computação (Sousa,
2023). Com uma visão de Educação em Ciências menos instrumental e mais
ontológica, um dos objetivos específicos do Atelier Científico é pautado
na criação de objetos estéticos para os cenários escolares e universitário,
mas também para ambientes não formais de ensino (Sousa, 2023). Esses
objetos foram destinados a uma exposição, que teve o objetivo de propiciar
uma Educação em Ciências além da racionalidade técnica, mais voltada
à sensibilidade. No presente trabalho, primeiramente, apresentamos um
esboço teórico que serviu de base do projeto. Em seguida, exploramos
a convergência do Atelier Científico com a Experiência Estética e a
Fenomenologia. Na seção subsequente, detalhamos a experiência de dança
vivenciada no Atelier Científico, seguida pela análise da poesia que inspirou
a coreografia. Posteriormente, discutimos o papel do corpo nesse contexto
e, por fim, oferecemos algumas considerações finais sobre o projeto.
O atelier científico, experiência estética e a fenomenologia
a Educação em Ciências é frequentemente pautada em abordagens
cognitivas, técnicas e instrumentais para fundamentar as práticas educativas
(Oliveira-Junior; Sousa, 2022). Em vista disso, a percepção dos fenômenos
foi substituída pela racionalidade e abstração de conceitos, fórmulas e
números e, com pouca ou nenhuma sensibilidade, as percepções são
ignoradas, de modo que as experiências dos alunos são desconsideradas do
contexto de Educação em Ciências (Oliveira-Junior; Sousa 2023).
No campo da filosofia, o sentido de estética tem a ver com a
sensibilidade, voltada à faculdade de sentir e perceber. Na concepção
de Hermann (2010), na modernidade, a estética não é mais vista como
algo voltado ao estudo do belo ou feio, mas abrange toda a dimensão da
sensibilidade, voltada à faculdade de sentir, e perceber. Nesta abordagem,
Hermann (2010, p. 67) pontua que “a estética parte do termo grego
aesthesis, aistheton (sensação, sensível), que significa ‘senso de percepção
em geral’”. Para Sousa (2023), a relação com a estética converge com as
experiências, com as coisas do mundo e com a ciência. Essa experiência pode
repercutir a estímulos sensórios, participando na criação ou percepção das
múltiplas sensações que transbordam na relação com o objeto estético à sua
frente. Para isso, é preciso estarmos predispostos à experiência, conforme
Østergaard (2017) defende, que a sensibilidade estética envolve uma
prontidão para perceber o mundo tal como se apresenta diante de nossos
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 253
olhos, ouvidos e corpos, e ao mesmo tempo, estar disposto à sensibilidade
na natureza. Sensações como a inquietação, encantamento e indagações
são partes que permeiam a experiência na percepção estética.
Juntamente aos elementos da obra de arte, está o indivíduo que passa
a dialogar com o objeto estético, e nele estão imbricadas suas experiências,
suas pré-compreensões e seus preconceitos (Sousa, 2023). Diante disso,
ocorrerão posturas perceptivas e interpretativas em que o intérprete
buscará a compreensão do seu estranhamento, do que anteriormente lhe
parecia desconhecido. O intuito de captar a objeção de uma obra nessa
comunicação nada mais é que a busca de compreender suas ideias, é
também o que fazemos com o mundo, com a ciência e com a arte.
A fenomenologia é o campo de estudo da ciência, que parte e
retorna aos fenômenos, para apreender aquilo que é vivido e percebido, ou
que se mostra a consciência a partir do que experienciamos. Nas palavras
de Bicudo e Klüber (2013, p. 27), “ao percebermos o fenômeno em seu
campo de manifestação, nosso olhar, que é um ver compreensivo, já traz
consigo a historicidade de nossas vivências e o solo cultural e histórico
em que o fenômeno se presentifica”. Encontra-se então, um ponto de
convergência na experiência estética e a fenomenologia, no olhar que
retorna à experiência perceptual como forma de prontidão à sensibilidade
pela natureza e pelo mundo.
Segundo Reis (2011), em uma análise fenomenológica completa
da experiência estética deveria seguir ambas as direções: investigar o
fenômeno da criação e o da recepção estética. A abordagem de Bicudo e
Klüber (2013) ressalta que, ao observarmos o fenômeno em seu contexto
de manifestação, nosso olhar compreensivo automaticamente integra a
história de nossas experiências e o ambiente cultural e histórico em que
o fenômeno se revela. Nesse contexto, emerge à experiência perceptual
com prontidão à sensibilidade pela natureza e pelo mundo, enfatizando
a importância de explorar ambas as direções para uma compreensão
abrangente dessa interação entre o sujeito e a obra de arte.
Nesse contexto teórico, o Atelier Científico tem o intuito de fomentar
experiências estéticas e o retorno aos fenômenos dentro da Educação em
Ciências. A integração dos discentes dos cursos de licenciatura da UFPR
ao projeto, tem o intuito da compreensão sócio-histórica-filosófica das
ciências como expressões da produção humana (Sousa, 2023), abrangendo
também os exercícios de ouvir, de sentir, de perceber, de descrever e de
criar (Carmo; Sousa; Galiazzi, 2022).
254 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Experiência de dança no atelier científico
na terceira edição do projeto Atelier científico, em 2022,
cujo tema central se intitulou “Ser Cientista ou ser Artista?”, foram
desenvolvidas atividades artísticas que proporcionassem uma conexão com
as possibilidades de identificação tanto do ser artista com o ser cientista.
Esta edição do projeto teve ampla diversificação das atividades artísticas
realizadas pelos bolsistas, indo além das práticas anteriores, com produções
de poesias, dança, pintura, jogos, instalações interativas e fotografias
(Sousa, 2023). Dentre as contribuições desta edição, relatamos a criação
do primeiro conteúdo audiovisual do Atelier Científico, o vídeo “Vida e
Morte de uma Estrela”3. Este vídeo apresenta uma performance de dança
com articulação entre poesia e coreografia, com a intencionalidade de
apresentar as inter-relações existentes entre a obra, as Experiências Estéticas
e a Educação em Ciências. Como Sousa (2023, p. 67) escreve, “a provocação
consistiu no instigar ser outra coisa” nesta edição do projeto. O poema foi
concebido com o propósito de abordar o lado artístico e científico do eu-
lírico que se dedica ao estudo e compreensão da natureza, como sendo o
centro do próprio fenômeno, enquanto também experienciava as próprias
maravilhas vivenciadas da coisa percebida. Quando o eu-lírico é o próprio
fenômeno descrito na poesia, experimenta o mundo-vida e qual a sua
relação existencial com a implosão, explosão e subversão da dança caótica
que é o universo, tendo em vista a explosão de energia que é gênese da
“vida” de uma estrela. A ideia apresentada é de que a artista e a cientista,
sendo a mesma pessoa, experiencie a vida com suas sensações corpóreas e
perceptivas e, assim, expresse o que é a vida-passagem-morte do fenômeno
descrito. O retorno ao fenômeno, exige a descrição “pura” da natureza que
se observa, como ela é, possibilitando caminhos para perceber e valorizar
as experiências que um indivíduo tem do mundo em que está inserido
(Santos, 2023).
A coreografia e o poema foram concebidos com a intenção de se
complementarem. Durante a gravação do vídeo, em cada cenário registrado,
novos elementos foram incorporados, enriquecendo a expressão artística.
Nesse contexto, é fundamental compreender a elaboração da coreografia
como uma jornada de investigação nas temáticas exploradas no projeto.
Ambos visavam se transformar em elementos estéticos, evidenciando, ao
mesmo tempo, aprofundamento no estudo das temáticas desenvolvidas no
âmbito do projeto Atelier Científico.
3 Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cl90PldD0gf/
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 255
A poesia e a coreografia
Nesta seção, apresentamos o Quadro 1, que oferece uma descrição
detalhada das interações entre os elementos da poesia e os movimentos
coreográficos da performance intitulada “Vida e Morte de uma Estrela”.
O Quadro foi elaborado por meio de uma análise da performance,
envolvendo a observação detalhada de cada verso da poesia correlacionado
com os movimentos específicos, a fim de capturar a correspondência entre
palavras e movimentos. Em seguida, a seção abordará a imersão e a criação
do fenômeno experienciado, embasado na obra “e Phenomenology of
Dance” de Sheets-Johnstone (2015).
Quadro 1 – Poesia e Coreografia da performance “Vida e Morte de uma Estrela”.
Poesia Descrição da Coreografia
Transbordarei teus olhos com o caleidoscópio
das paisagens bonitas e esquisitas
Julgando trazer as mãos cheias de estrelas do
mundo em que habito
Gravidade e equilíbrio puxando tudo para
dentro e a pressão do gás puxando tudo para
fora
O corpo bailarino e louro das chamas soltos
na estrada onde a poeira e o gás hidrogênio
se misturam pelas encruzilhadas
A gravidade vence
E quer que condense
Em repouso e de olhos fechados
impulsiona o corpo para cima, com
potência e eficácia, e a dinâmica corporal
inicia com a mudança temporal de dois
ambientes. Como corpo e espaço são
partes um do outro, a fala no corpo
atravessa experiências dos movimentos
de acentuação rítmica com o cenário,
e momentos de desenho do corpo no
espaço. Esta sequência provoca a utilização
de movimentos livres, como quem flutua
na superfície e aproveita sua liberdade
Hoje eu não queria ter pés, nem mãos, nem
vísceras, nem corpo
Mas, apenas luz,
Hoje eu queria ser apenas brilho,
Viver por esse único sentido e ser uma onda
sonora perdida no espaço
Porque estrelas, morrem
É tão intenso, mas tão intensa, que ela
colapsa em si mesma,
As camadas externas das estrelas, implodem
em direção ao centro
Criando um buraco negro, nem mesmo a
luz escapa, curvando o espaço a sua volta
Quem me levou a esse encontro imprevisto,
para uma posse impossível?
Em seguida corre pelo espaço e acelera
gentilmente, numa corrida espiral veloz
com a sensação flutuante de uma agitação
que se move, recua e avança no ambiente.
Através da abstração, as linhas aparecem
como um design, como se uma linha
imaginária fosse traçada ao longo de todo
o corpo efetuando uma configuração
direcional do corpo como um todo, essas
linhas são expressas por movimentos de
“Waacking”, elaborado com as mãos.
256 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Marquei comigo mesmo um recomeço numa
esquina do espaço
Legado de encontro, união e reunião
Abrirei a mataria, serei alguma estrada, serei
a estrela pequenininha, pura e brilhante,
serei o rio gigante, ou o cume da montanha
a desafiar a altura, serei o infinito
Valeu crescer, se atirar, a vida sem começo,
meio, fim e recomeço, seria como noites sem
astros
As florestas sem rios, os jardins sem flores, ou
o mundo sem poetas.
Os efeitos causados pelos buracos negros
permitem a observação de outros astros que
habitam o destino
Eu sei o que eu era
Em contínuo ritmo, a sequência da
movimentação dos braços para frente
e para trás experienciando seu corpo e
o local, operando sempre dentro de sua
sensibilidade. A revelação da própria força
é expressa com pulso de uma onda que
passa pelo corpo e influencia o movimento
sequenciado de mãos, antebraços, braços,
pernas, ombros, joelhos, cabeça e pés.
E se tudo começa dentro de uma nuvem
escura que quer desaparecer como fumaça
no ar,
eu só quero saber do lirismo que é libertação
Como se eu abrisse o olho pela primeira vez,
para o primeiro dia
Qualquer parte de mim contaria sobre tudo,
pelo espírito, com a alegria singular de uma
artista, de uma estrela
Há dias assim, em que eu desejaria voltar,
não sei de onde, vir lá da curva do céu, lá
onde o sol se esconde sobre o mar
Voltar…por essa alegre e estranha sensação
de voltar
Até que tudo seja cumprido.
Deitada, contemplando o céu, a abstração
da cena fornece a estrutura do corpo
como símbolo, e está relacionado com
a condição pré-reflexiva da coreografia.
O movimento abstrato de acordar na
floresta presta-se à formulação despojada
das partes de um todo significativo.
Fonte: Primeira autora (2024).
Depois de descrevermos a criação da apresentação é que podemos
analisar a singularidade ocorrida da imersão e criação do fenômeno
experienciado. Sheets-Johnstone (2015), em seu livro e Phenomenology of
dance, aborda sobre o fenômeno dança, desde cada forma dinâmica única,
até a dança em sua totalidade, em que cada movimento constitui uma
forma contínua da criação. Segundo a autora, é necessário a percepção além
do fenômeno do movimento, pois a dança nada mais é do que o fenômeno
do movimento corporal. Diante disso, a observação no que está sendo
apresentado precisa nascer sem julgamentos, não separar nem o corpo do
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 257
movimento nem o movimento da dança, sendo crucial o mergulho na
forma que sustenta a ilusão. Sheets-Johnstone (2015, p. 9) escreve sobre a
fenomenologia da dança,
Se a dança é o fenômeno, o fenomenólogo descreve o encontro imediato
com a dança, a experiência vivida de dança, e procede a partir daí para
descrever as estruturas analisáveis, como temporalidade e espacialidade,
inerentes à experiência total.
Sobre a dança, a autora trata também sobre como o fenômeno
não é apenas um fenômeno cinético que se entrega à consciência, mas
também um ambiente vivo e vital, sendo a experiência humana como arte
formada e executada, uma experiência vivida tanto para o dançarino como
para o público. Para Sheets-Johnstone (2015), a natureza do ritmo, como
tudo o que se relaciona com a dança, não existe até que exista uma dança.
A criação da força depende do olhar para a dança como já possuindo as
características a serem notadas, um fluxo e refluxo ou uma relação tempo-
força. A qualidade projecional da força é aparente na maneira como a força
é liberada em cada movimento, não apenas se completando com a música,
mas também se preparando para o próximo movimento.
O movimento como revelação de força apresenta uma qualidade que
descreve tanto o design linear do corpo e a atitude direcional que o
corpo projeta à medida que se move, ou seja, o dançarino dentro do
ritmo revela a força com o que se quer expressar. A organização de
forças, ou seja, a forma como quais as qualidades da força temporalizam
e espacializam a força, é o que torna a forma exclusivamente dinâmica
e expressiva. Uma outra qualidade do movimento como revelação de
força diz respeito ao alcance ou forma da força, é o desenho da área na
forma da criação do espaço, a dança cria seu próprio espaço dentro ou
além dos limites da área do palco. O desenho da área do corpo depende
da amplitude do corpo como centro de força, conforme ele é projetado.
Sobre isso Sheets-Johnstone (2015, p. 42) argumenta:
O movimento como revelação de força também apresenta uma
qualidade linear que descreve tanto o design linear do corpo à medida
que ele se move e o padrão linear criado pelo corpo à medida que ele se
move. O design é a linha que os segmentos do corpo fazem isoladamente
ou em combinação e a linha que o corpo apresenta como um todo. Pode
ser curvado, torcido, angular, diagonal, vertical e assim por diante, ou
qualquer combinação de tais segmentos lineares.
Sheets-Johnstone (2015) descreve duas abstrações aparentes
na criação da forma simbólica de dança. A primeira está relacionada às
maneiras pelas quais os sentimentos humanos são retirados de sua realidade
258 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
cotidiana e transformados em representações simbólicas, enquanto a
segunda se refere ao movimento que é retirado de seu contexto usual de
expressão para se tornar a linguagem expressiva da dança.
Para Sheets-Johnstone (2015), a plasticidade dos movimentos e o
fato de que eles podem ser criados e desenvolvidos livremente de acordo
com as exigências da música, tornam a forma em formação simbolicamente
expressiva para a qualidade da força. A qualidade nos textos se refere à
quantidade de esforço exercido pelo corpo através da contração muscular,
que pode ser chamada qualidade tensional. Embora a tensão possa referir-
se a uma quantidade mensurável, é somente como qualidade que a tensão
tem função na dança. O fenômeno do movimento em sua aparência pura,
desvinculada de qualquer condição afetiva ou prática real já atua como
uma revelação de força, pois aparece em si como poder ou energia. Todas as
qualidades do movimento são descritíveis em relação ao fenômeno global
da força, ou seja, cada qualidade descreve uma determinada estrutura
aparente de movimento como revelação de força. Sobre isso Sheets-
Johnstone (2015, p. 41) escreve:
O ponto significativo é que fenomenologicamente, a qualidade tensional
é ali, imediatamente aparente no movimento, seja cinestesicamente ou
visualmente: é a intensidade ou magnitude da força específica sendo
projetada, sua força qualitativa, vigor ou potência. Mas é ainda mais do
que isto: a qualidade tensional projetada é a própria força que está sendo
revelada e, como tal, caracteriza a força como sendo esta força específica
e nenhuma outra. Fica claro, então, que embora a qualidade tensional
projetada certamente deriva do estado tensional do corpo, é somente
quando o estado tensional revela força que se pode falar da qualidade
tensional do movimento. E quando a tensão qualidade é revelada, é a
própria essência do próprio movimento, a própria determinada força
sendo projetada.
Pode-se, assim, dizer que ilusão é criada e sustentada por uma forma
em formação que é ela mesma espacialmente unificada e temporalmente
contínua, e é finalmente apresentada através do movimento que aparece
como uma revelação de força, pois os componentes reais da força
fundamentam sua ilusão, e sua plasticidade, que auxiliam na transformação
das qualidades do movimento como revelação de força.
Na experiência de dança “Vida e Morte de uma Estrela”, a criação
da força é mostrada tanto com intensidade como com sutileza. Os
movimentos da força podem ser conferidos com a força que está sendo
projetada ou apresentando o padrão do design criado pelo corpo enquanto
ele se move. Como existem vários momentos da performance que são
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 259
criados por movimentos vigorosos, explosivos e potentes e podem terminar
sendo sustentados com delicadeza, estes movimentos não se definem em
si mesmos, pois podem ser desenvolvidos livremente de acordo com as
exigências do ritmo, na plasticidade do corpo humano como símbolo
dentro do fenômeno da ilusão. A forma estática do corpo, também aparece
como um design, independente das mudanças em sua aparência. O design
do corpo que está imóvel constituiria uma experiência vivida da dança e é
parte integrante da forma móvel, mesmo em repouso.
Segundo Sheets-Johnstone (2015), a interação dinâmica de
forças na própria criação dessas tem a ver não só com a espacialização da
força, mas com o projeto de desenhos e padrões. Por exemplo, a forma
visual-cinética imaginativa criada em qualquer projeção de força obtém
o significado dessa forma, à medida que está relacionada a forma total de
dança que o dançarino está criando. Este poderia refletir sobre a extensão
de cada movimento, também sobre as linhas projetadas, a expansividade
dos braços, até que ponto a perna foi levantada do chão se seu foco estava
direto em todos os momentos e se destes desenhos e padrões um motivo
textural era aparente.
A corporeidade através da experiência vivida é capaz de elucidar as
formas existentes dentro da sua totalidade. Sobre isso, Sheets-Johnstone
(2015) escreve que “em virtude do movimento, o corpo humano deve ser
considerado como algo mais do que uma estrutura física: é ser consciência
incorporada bem como a corporalidade”. Torna-se então, a necessidade de
explorar a relação da consciência com o corpo, também como a relação da
consciência com o corpo em movimento e a aspectos espaço-temporais
dessa relação. A existência da consciência e do corpo e a descrição dessa
relação devem necessariamente proceder de uma base ontológica, com a
natureza da realidade do movimento como é vivenciado por qualquer ser
humano, pois há algo que sente, deseja e pretende das ações corporais.
O corpo
Partindo das reflexões da Fenomenologia e da Experiência Estética
que se manifestam no retorno ao olhar perceptual com uma disposição
sensível em relação à natureza e ao mundo, identificamos um ponto de
convergência entre esses elementos e o corpo. Para Santos (2022) uma
abordagem fenomenológica está em olhar aberta e atentamente para o
modo com que o nosso próprio corpo experiencia o mundo. Por isso, sendo
o corpo o modo de ser e estar no mundo, o filósofo Maurice Merleau-
260 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Ponty elaborou sua própria fenomenologia, centrada na corporeidade,
em busca de recuperar as percepções do indivíduo em relação ao mundo,
partindo do Corpo como ponto inicial (Santos, 2022). Um dos principais
interesses de Merleau-Ponty é o caráter corporal da experiência, em que
há a possibilidade de experienciar de diversas maneiras, por meio do nosso
corpo, pela percepção em respostas a uma ação, por gestos e movimentos
(Cerbone, 2014).
Assim expõe Machado (2010, p. 30) sobre a corporeidade:
“Podemos dizer que há algo de sagrado na experiência da corporalidade:
a vivência de contato significativo com a vida e com a morte; o contato
simultâneo comigo, com a cultura e a natureza, no mundo”. Em uma
abordagem fenomenológico-estética, a experiência corpórea pode
propiciar sensivelmente às percepções e colocar o fenômeno dentro de
sua particularidade na busca de uma significação mais profunda, por ser e
estar no mundo. O pensamento merleau-pontiano se dá sobre o entrelace
do corpo-e-espaço, traduzida na expressão “espaço, corpo próprio”, em
como pensar os enigmas da percepção e escrever sobre eles, construindo
um projeto filosófico pessoal a partir da importância da linguagem e da
sua significatividade e, a partir disso, poder filosofar sobre o corpo, com o
corpo, no corpo (Machado, 2010).
De acordo com Landes (2013), Merleau-Ponty defende a
reversibilidade entre meu corpo e ele mesmo e meu corpo e dos outros,
e garante uma intercorporeidade primordial, uma pertença partilhada
à carne reversível do mundo. Podemos pensar na corporeidade, então,
como além dos aspectos biológicos no mundo, pois o corpo envolve um
conjunto de significações vividas no qual interagiu, interage e se influencia
pelos demais corpos. Em sendo um corpo vivido, é a soma dessa partilha
de experiências com o mundo-vida.
Assim, defende Santos (2023), o caráter corporal como possibilitador
de experiências e, através disso, apontam-se caminhos para percebermos
os fenômenos como os vivemos e/ou os sentimos. Ainda para Santos
(2023), um corpo objeto está ligado ao Corpo sujeito, um Corpo que
nos permite, a partir de atos intencionais, a possibilidade de adquirirmos
uma corporeidade e esse é o cerne da fenomenologia da corporeidade, a
importância de se compreender o Corpo como próprio ou vivido.
Santos (2023) apresenta que é a partir de Merleau-Ponty que se
pretende perceber as características do Corpo que o levam de corpo objeto
a Corpo sujeito para tornar-se um Corpo próprio ou vivido. Nas palavras
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 261
de Souza e Souza (2017, p. 127), o Corpo não é um “mero objeto, mas é
um corpo/sujeito, há um total imbricamento entre corpo e a consciência
tornando o sujeito algo uno: corpo e mente”. Diante disso, não deverá
haver dicotomia do corpo e consciência, porque o corpo não deve ser visto
como um objeto passível de dominação. O corpo vivido ou corpo próprio
caminha ao encontro das teorias corpóreas, buscando dispor sua própria
compreensão de existência a partir de suas experiências ontológicas,
trazendo consigo a sua noção de espacialidade.
Machado (2010) apresenta a corporeidade como a junção de três
existenciais: o mundo circundante (Unwelt, chamado de “ambiente”
ou mundo biológico), o mundo das inter-relações (Mitwelt, o mundo
dos nossos semelhantes) e o mundo próprio (Eigenwelt, o mundo das
relações pessoais consigo próprio). Sobre isso, a autora escreve que a noção
fenomenológica da corporeidade se centraliza no “corpo humano”, mas
transcende o significado de corpo-massa ou corpo-coisa e, por isso, a
transversalidade do uso da palavra “corporalidade” é também traduzida
como “corporeidade”. Corporeidade pode ser interpretada então, como o
corpo vivido, que traz consigo as nuances de suas vivências, e articula, a
partir disso, com as coisas que percebe e experiencia com o mundo ao seu
redor.
Em sua obra Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty (1999)
expõe que através de suas particularidades, emoções e o meio social em que
se mantém, o sujeito é inserido em sua totalidade, e apresenta o espaço e a
percepção como responsáveis para essa interiorização. O filósofo defende
que os problemas de transcendência que possam estar relacionados ao corpo
se encontram na espessura do presente pré-objetivo, em que encontramos
nossa corporeidade, nossa sociabilidade, a preexistência do mundo, sendo
o ponto de desencadeamento das “explicações” naquilo que elas têm de
legítimo e ao mesmo tempo o fundamento de nossa liberdade.
A intersecção entre a Fenomenologia e a Experiência Estética nos
convida a refletir sobre a relação entre nosso corpo, nossa percepção do
mundo e nossa existência. A partir disso podemos compreender melhor a
complexidade dessa relação e explorar sua relevância em nossa experiência
cotidiana. A resistência à restrição das experiências corpóreas no ensino,
onde o corpo é percebido não como potência de aprendizagem, mas de
disciplinamento, estão em consonância com as considerações de Camargo
e Finck (2013), sobre como o corpo tem sido historicamente negligenciado
na formação humana, tanto em nível pessoal quanto nas instituições de
ensino. Para reverter esse paradigma, é fundamental que os educadores
262 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
compreendam o corpo não apenas como um instrumento, mas como a
base ontológica de um sujeito que interage com o mundo. Ao reconhecer
o papel das experiências corpóreas na Educação em Ciências e das próprias
experiências do corpo em sua relação com o mundo, os educadores
possibilitam que os alunos expressem e superem suas resistências corporais
consolidadas pelo ensino de ciências vigente. Essa abordagem pode, além
de promover a reestruturação das práticas educativas, aprofundar estudos
do corpo no contexto da Educação em Ciências.
Considerações finais
Em busca de uma abordagem educacional em Ciências centrada
nas Experiências Estéticas, o Atelier Científico possibilitou perspectivas
educacionais no ensino de Ciências por meio de diálogos, vivências e
reflexões sobre questões éticas e estéticas relacionadas à alteridade. Diante
da predominância de abordagens cognitivas e instrumentais na Educação
em Ciências, a percepção dos fenômenos foi subjugada pela ênfase na
racionalidade e abstração de conceitos, relegando as experiências dos
alunos a um plano secundário.
Ao explorarmos o campo das Experiências Estéticas e da
Fenomenologia, emerge a compreensão de que a sensibilidade é
fundamental para o entendimento do mundo. A experiência estética,
intrinsecamente ligada à percepção sensível, revela-se como um fenômeno
em que os significados remetem à singularidade do sujeito e à sua disposição
para dialogar com a obra de arte. A fenomenologia, enquanto campo de
estudo científico, oferece um olhar que retorna à experiência perceptual,
destacando a importância de explorar tanto o fenômeno da criação quanto
o da percepção estética. Nesse contexto, o Atelier Científico surge como
uma iniciativa que busca resgatar a sensibilidade e promover o retorno aos
fenômenos na Educação em Ciências.
Através de diálogos e vivências sobre questões centradas nas
Experiências Estéticas e na Fenomenologia da Dança foi possível enxergar
horizontes mais profundos no resgate da sensibilidade e a percepção
sensível na sala de aula e também fora dela. Tais reflexões na articulação
da corporeidade com a Educação em Ciências foram fundamentais à
formação docente, visto à possibilidade de uma abordagem educativa mais
aberta às experiências individuais e à profundidade ontológica que permeia
a compreensão do mundo científico.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 263
A integração dos estudantes de licenciatura da UFPR no projeto
visou compreender as ciências como expressões da produção humana,
enfatizando a importância de exercícios sensoriais e criativos no processo
educacional. A proposta do projeto envolveu a promoção de exercícios
sensoriais, como ouvir, sentir, perceber, descrever e criar, reafirmando
a relevância do encontro entre sensibilidade, educação e ciência. Essa
abordagem integrada representa um passo significativo na construção de
uma educação mais aberta às experiências individuais e à profundidade
filosófica que permeia a compreensão do mundo científico.
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Capítulo 19
Fenomenologia na Educação em Ciências sob o
olhar de Edvin Østergaard
Ritchielli Cristine Schröder Coimbra1
Robson Simplicio de Sousa2
Roberta Chiesa Bartelmebs3
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.265-278
Introdução
Muitas vezes, uma lacuna é experimentada pelos alunos entre
os conceitos científicos aprendidos em sala de aula e a vida
cotidiana vivenciada por eles (Østergaard; Dahlin, 2009). Isso pode ocorrer
porque o conhecimento e as teorias que explicam o fenômeno são vistos
como cientificamente mais corretos e mais reais do que o próprio fenômeno
vivenciado, o que faz com que suas experiências sejam desvalorizadas e eles
se tornem desenraizados (Østergaard, 2014).
Na Educação em Ciências, o ponto inicial da abordagem
fenomenológica consiste em realizar uma descrição cuidadosa dos
fenômenos cotidianos (Østergaard; Dahlin, 2009). A abordagem
fenomenológica, segundo os autores, “nunca negligencia a experiência
sensorial ou a deixa de lado como meramente subjetiva, mas utiliza-a como
ponto de partida para investigação, reflexão e compreensão sistemáticas”
(p. 2, tradução nossa). Cerbone (2012, n.p) conceitua fenomenologia
como “‘o estudo dos fenômenos’, onde a noção de um fenômeno e a noção
de experiência, de um modo geral, coincidem”. A fenomenologia também
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e
Tecnologias Educativas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2 Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Rio
Grande (FURG). Docente Adjunto do Departamento de Educação, Ensino e Ciências e do
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e Tecnologias
Educativas (PPGECEMTE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
3 Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente Adjunta do Departamento de Educação, Ensino e
Ciências e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e
Tecnologias Educativas (PPGECEMTE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
266 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
pode ser vista como um ramo da filosofia que, para Dahlin, Østergaard e
Hugo (2009) e para Østergaard e Dahlin (2009), pode ser descrita tanto
como uma filosofia do conhecimento quanto como uma filosofia do ser
em que:
1) toda experiência humana possível é considerada igualmente
significativa para nossa compreensão do mundo; e 2) a relação sujeito-
objeto é de natureza interna, ou seja, sujeito e objeto devem ser vistos
como pertencentes um ao outro, como dois aspectos de um todo (não
dualístico). (Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009, p. 202, tradução nossa)
Este texto se baseia na abordagem fenomenológica na Educação
em Ciências de acordo com a visão de Edvin Østergaard. Østergaard é
um pesquisador, compositor e educador em Ciências norueguês4. Ele
atua na Universidade Norueguesa de Ciências Ambientais e Biológicas
(em norueguês: Norges miljø- og biovitenskapelige universitet; NMBU5),
concluiu o mestrado em Ciências Aplicadas e o doutorado em Agroecologia
utilizando a abordagem fenomenológica para estudar os processos de
conversão na agricultura orgânica. Além disso, estudou composição musical
na Academia Norueguesa de Música, localizada em Oslo. As suas áreas de
interesse envolvem a interação entre arte e ciência, a história e filosofia da
ciência e a aprendizagem de ciências fenomenológicas. Atualmente, ele é
professor na RealTek, onde leciona Arte e Ciência na Educação (NMBU,
[s.d.]). Assim, a pergunta que se pretende responder neste trabalho é: O
que se mostra da perspectiva fenomenológica de Østergaard à Educação
em Ciências a partir de suas produções?
Argumentos para a Abordagem Fenomenológica na Educação em Ci-
ências
Nesta seção, apresentamos alguns argumentos para a abordagem
fenomenológica na Educação em Ciências, conforme os autores Dahlin,
Østergaard e Hugo (2009). São eles: é mais ampla e profunda do que o
construtivismo, a compreensão da natureza da ciência, o argumento da
ciência e alienação e o argumento da formação da personalidade.
O primeiro argumento para a abordagem fenomenológica na
Educação em Ciências, conforme os autores Dahlin, Østergaard e Hugo
(2009), é a de que tal abordagem, quando comparada à abordagem
4 Disponível em https://www.researchcatalogue.net/profile/?person=1111485. Acesso em: 7 dez.
2023.
5 Disponível em https://www.nmbu.no/om/ansatte/edvin-ostergaard. Acesso em: 7 dez. 2023.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 267
construtivista6, é mais ampla e profunda. Tanto o construtivismo quanto
a fenomenologia levam em consideração a pré-compreensão dos alunos,
o envolvimento ativo e têm como objetivo a compreensão, em vez da
assimilação passiva. Porém, a abordagem fenomenológica considera o
perceber e o experienciar importantes, dando destaque à fase precognitiva,
para então prosseguir para a abstração posterior, baseada em conceitos,
enquanto, o foco do construtivismo é mais limitado à cognição e na
construção de conhecimentos conceituais. A ideia de que o sujeito produz
seu conhecimento ativamente também é aceita na fenomenologia, no
entanto, ela procura conectar o conhecimento abstrato ao ser e agir no
mundo para que realmente haja a compreensão pelo sujeito que aprende
(Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009).
Outro argumento apresentado por Dahlin, Østergaard e Hugo
(2009) é o de que a abordagem fenomenológica pode auxiliar na
compreensão da natureza da ciência. Segundo os autores, um objetivo
importante na Educação em Ciências é a compreensão da natureza da
ciência, o que vai além de conceitos e conhecimentos científicos básicos.
Para que a natureza de algo seja compreendida, é interessante compará-la
com algo que tenha semelhanças e diferenças entre eles. Por exemplo, é
possível comparar a teoria das cores de Goethe e de Newton e, com isso,
os alunos podem perceber diferentes a interpretações dos fenômenos e que
o conhecimento não é definitivo. Além disso, a teoria das cores de Goethe
difere da ótica de Newton pois, como tem princípios semelhantes aos da
fenomenologia, ela não leva à reversão ontológica, até porque vai além da
ideia de que as cores não são nada além de ondas eletromagnéticas com
frequências variadas (Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009). Segundo Dahlin,
Østergaard e Hugo (2009), a abordagem fenomenológica também contribui
para a formação da personalidade. Este argumento está relacionado com
a ideia de viver no presente, o que não significa negligenciar o passado e
o futuro, mas viver mais intensamente. Observar os fenômenos naturais
atentamente e continuamente nos ensinaria, com o tempo, a viver no
presente de maneira mais intensa, traria-nos um sentimento mais intenso
da vida e de comunhão com a natureza (Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009).
6 Ao citar Matthews (1998), Dahlin, Østergaard e Hugo (2009) afirmam que “o construtivismo
é uma designação para uma variedade de posturas filosóficas e epistemológicas” e que “o
construtivismo educacional enfatiza a criação individual de conhecimento e a construção de
conceitos”, além de contribuir “decisivamente para a mudança de foco do ensino baseado
no professor para a aprendizagem baseada no aluno” (p. 213, tradução nossa). E, ao citar
Cobern e Aikenhead (1998), Dahlin, Østergaard e Hugo (2009) afirmam que a aprendizagem
sociocultural também é um ramo do construtivismo e que ela “argumenta que a construção do
conhecimento está inextricavelmente ligada ao seu contexto cultural” (p. 213, tradução nossa).
268 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Os autores apresentam ainda o argumento da ciência e alienação.
Assim, conforme Dahlin, Østergaard e Hugo (2009, p. 212, tradução
nossa), a natureza, em termos científicos, “é representada em si mesma
como sem cor, sem som e sem gosto; em que essas qualidades são meramente
aparências subjetivas produzidas pelos sentidos humanos”, incluindo o pôr
do sol, que “não é, de acordo com a interpretação da ciência, realmente
bonito, e a área de recreação da natureza intacta pode em breve ser destruída
por projetos de mineração ou de exploração de outros recursos”. Isso, de
certa forma, contribuiria para a nossa alienação em relação à natureza e à
vida que não seja a humana. Na abordagem fenomenológica, a experiência
sensorial não é negligenciada, mas é considerada como uma base para,
então, partir para a reflexão, investigação e a compreensão dos conceitos.
Além disso,
Cultivar a abordagem fenomenológica da natureza pode, portanto,
nos ajudar a superar a divisão básica entre sujeito e objeto, consciência
subjetiva e realidade objetiva, que se tornou uma convicção tão arraigada
na cultura ocidental. Pode subjugar nosso impulso de controlar a
natureza e, em vez disso, desenvolver uma abordagem mais cooperativa.
Isso está novamente relacionado principalmente à reversão ontológica,
uma vez que significa que nossas experiências de prazer e beleza não
são relegadas a uma esfera irreal de meras aparências subjetivas, mas
são tidas como um aspecto essencial da realidade (Dahlin; Østergaard;
Hugo, 2009, p. 214, tradução nossa).
No entanto, conforme os autores, tais argumentos não implicam
que os modelos matemáticos e outros modelos abstratos não tenham
valor e significado ou que devam ser desconsiderados, porém, eles devem
ser considerados secundários, pois não são “mais reais” do que o mundo
imediato.
A abordagem fenomenológica apresenta, também, os conceitos de
enraizamento, desenraizamento e reversão ontológica, que serão abordados
nas seções a seguir.
Reversão Ontológica e Desenraizamento: Problemáticas da Educação
em Ciências
Nas aulas de ciências, “o conhecimento e as teorias por trás do que
os alunos vivenciam tornaram-se cientificamente mais corretos do que o
próprio fenômeno vivenciado” (Østergaard, 2014, p. 516, tradução nossa),
situação esta que gera um distanciamento entre o conhecimento que é
apresentado nas aulas, baseado na ciência, e o conhecimento cotidiano que
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 269
possuem, assim como o mundo que os estudantes vivenciam (Østergaard,
2014). Esse distanciamento experimentado pelos alunos, assim como a
desvalorização de seus conhecimentos cotidianos e suas experiências em
comparação ao conhecimento científico são algumas das causas apontadas
por Østergaard (2017) pelas quais a alienação pode ocorrer.
Desse modo, haveria uma reversão do que é real no que se refere
a uma perspectiva ontológica (Østergaard, 2014). Segundo a reversão
ontológica7, a compreensão conceitual teria prioridade em relação às
experiências sensoriais, o que teria, para a Educação em Ciências, algumas
consequências graves, pois enquanto os modelos científicos abstratos
continuarem sendo considerados como as causas reais das experiências
cotidianas, menos importância nas experiências e percepções dos alunos
será dada pelos professores (Østergaard, 2014; 2015). Isso faz com que
as experiências dos alunos com os fenômenos naturais sejam esquecidas
e desvalorizadas nas aulas de ciências (Østergaard, 2019a). Nesse sentido,
“os alunos não têm a oportunidade de descobrir algo novo ou questionar a
teoria existente; em vez disso, espera-se que confirmem o conhecimento já
estabelecido” (Østergaard, 2017, p. 559, tradução nossa).
A reversão ontológica levaria os alunos ao desenraizamento8 que se
caracteriza, segundo Østergaard (2017), como uma sensação de alienação,
de perda de terreno firme. Porém, como o autor comenta, o conhecimento
científico apresentado em salas de aula sozinho não faria com que os alunos
ficassem desenraizados, essa sensação pode acompanhá-los antes mesmo
de terem contato com as aulas de ciências. No entanto, parece haver
evidências o bastante para afirmar que há “uma conexão entre a visão de
mundo da ciência moderna (ou mesmo do cientificismo) e um sentimento
crescente de desenraizamento entre os estudantes” (p. 560, tradução
nossa). Nesse sentido, Dahlin, Østergaard e Hugo (2009, p. 202, tradução
nossa) argumentam que “os modelos científicos devem ser reconhecidos
como abstrações redutivas, não explicando tudo sobre um fenômeno, mas
apenas aqueles aspectos dele que nós, por razões históricas contingentes,
escolhemos considerar essenciais para nossa compreensão da realidade”,
pois não devem ser considerados como algo mais real que o nosso mundo
cotidiano. No entanto, conforme os autores, isso não significa que os
7 Østergaard (2017) se baseia na ideia de reversão ontológica definida por Charles W. Harvey
como “uma posição ontológica em que os modelos abstratos da ciência são considerados mais
reais do que a própria realidade cotidiana” (Østergaard, 2017, p. 567, tradução nossa).
8 O par de conceitos enraizamento/desenraizamento é discutido por Roth, que é baseado na
teoria de Simone Weil (Østergaard, 2014).
270 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
modelos científicos devam ser desvalorizados, apenas os situa em um
contexto de experiência e compreensão mais abrangente. Na próxima
seção, abordaremos, a partir das produções de Østergaard, um caminho
possível para lidar com o desenraizamento e a reversão ontológica.
Promovendo o Enraizamento: Caminho Fenomenológico à Educação
em Ciências
Conforme Østergaard (2017, p. 560, tradução nossa), o
enraizamento refere-se a “uma sensação de estar-aqui-agora, em vez de
sentir-se alienado do lugar e do tempo”, não referindo-se apenas ao planeta
Terra, mas também no que diz respeito “ao mundo como familiaridade,
experiência vivida e inter-relações significativas”.
Relacionar os conceitos científicos com o mundo cotidiano
dos estudantes é, atualmente, um desafio da Educação em Ciências,
que baseada em uma abordagem fenomenológica tem o potencial de
preencher essa lacuna (Østergaard; Hugo; Dahlin, 2007). Os fenômenos
escolhidos para serem abordados em aula podem ser tanto parte da lição
em uma disciplina específica quanto uma conexão que envolva diferentes
disciplinas ou temas de outras disciplinas (Østergaard, 2014). Assim,
segundo Østergaard, Hugo e Dahlin (2007), a conexão entre os conceitos
científicos e os fenômenos do mundo cotidiano pode ser descrita em quatro
etapas: 1. desenvolvimento e a construção de uma imagem viva do fenômeno
observado, em que o fenômeno é escolhido pelo professor a partir do qual
é possível os alunos formularem diferentes expressões de tal fenômeno;
2. a partir dessas descrições, a escolha de alguns dos conceitos cotidianos dos
alunos para ir em direção aos conceitos científicos, em que estes que os alunos
escolheram estão relacionados com os fenômenos observados e, ao mesmo
tempo, com os conhecimentos científicos; 3. introdução de conceitos e os
modelos científicos, em que tais modelos ou conceitos são explicados de
modo que não contradizem os conceitos cotidianos dos alunos, mas dão
continuidade em tais conceitos; 4. utilização desses conceitos introduzidos
para compreender o fenômeno mais profundamente, o que possibilita que
os conceitos e os modelos científicos tenham um contexto significativo a
partir do desenvolvimento dos próprios alunos. Desse modo, os autores
argumentam que, a partir deste modelo de aprendizagem, é possível uma
compreensão mais profunda dos fenômenos do mundo cotidiano, como
uma abordagem gradual para essa compreensão.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 271
De acordo com Østergaard (2014), há uma concordância
entre enfatizar as habilidades de observação precisa e as habilidades
desempenhadas por um cientista natural. Assim, tanto os esforços para
se tornar um cientista quanto os esforços para que o enraizamento seja
promovido podem seguir o mesmo percurso. Segundo o autor, há três
desafios que devem ser considerados para que o enraizamento nas aulas de
ciências seja promovido: restaurar o valor da experiência estética, tempo
para a consulta aberta e lidar com o currículo.
Em relação ao desafio de restaurar o valor da experiência estética,
Østergaard (2014) comenta que, atualmente, nas aulas de ciências, devido
à falta de tempo e ao favorecer o conteúdo, as habilidades de percepção são
desconsideradas. Porém, quando há uma desvalorização das experiências
sensoriais em relação ao conhecimento baseado na cognição e abstração,
tal desvalorização estaria relacionada mais a um desafio mental do que a
um desafio de tempo. E, quando se valorizam as experiências estéticas e
como os alunos escolhem nomeá-las, é oferecido a eles um ambiente de
aprendizado em que possam permanecer no que é familiar (Østergaard,
2014).
Outro desafio citado pelo autor é o tempo para consulta aberta. Este
desafio envolve priorizar as experiências sensoriais que vão além de uma
simples introdução de conceitos, tornando-as uma base essencial para a
aprendizagem de ciências. É um desafio que envolve também o cultivo das
habilidades do desenvolvimento do fenômeno. Quando o tempo é escasso,
pouca atenção é dedicada para a etapa de investigação aberta. É importante
enfatizar aos alunos que uma atitude aberta em relação à investigação é
necessária para que haja uma verdadeira exploração estética (Østergaard,
2014).
Sobre o desafio lidar com o currículo, Østergaard (2014) afirma
que, independentemente da sua flexibilidade, há uma necessidade de
que o processo de investigação se relacione com o currículo, levando em
consideração os contextos, suas possibilidades e limitações. A abordagem
fenomenológica educacional é holística, em que diferentes disciplinas
escolares são compreendidas e, para ter certeza de que o currículo está sendo
cumprido, incentiva-se que o fenômeno seja buscado e o ensino planejado
de modo que vários objetivos de aprendizagem estejam envolvidos.
Incentiva-se, também, a colaboração com professores de outras disciplinas
para que o ensino entre disciplinas possa ser planejado e implementado
(Østergaard, 2014).
272 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Para o autor, é responsabilidade do professor de ciências criar um
cenário que proporcione experiências fundamentadas, o que pode ser feito
ao facilitar o encontro com o fenômeno antes mesmo de ser transformado
em representações. Os alunos só poderão compreender conceitualmente as
representações dos fenômenos cotidianos se tais representações puderem
ser baseadas na experiência (Østergaard, 2014).
Outro conceito bastante importante para Østergaard é a experiência
estética. Segundo Østergaard (2014, p. 515, tradução nossa), “uma
experiência estética é definida como uma experiência precognitiva, sensorial,
uma experiência que se abre através da percepção sensorial”. Entretanto,
como o foco deste capítulo é apresentar a abordagem fenomenológica na
Educação em Ciências, a experiência estética será apresentada em uma
outra oportunidade, mais detalhadamente.
Aspectos Básicos para uma Abordagem de Educação em Ciências Fe-
nomenológica
Uma maneira de promover o enraizamento é o cultivo de
competências como o sentir. Nesse sentido, a partir de um conjunto de
exercícios, é possível treinar a observação dos sentidos e fazer a ponte entre
os fenômenos e os conceitos (Østergaard, 2014), como nos exemplos
descritos a seguir.
Um exemplo de atividade fenomenológica na Educação em
Ciências, segundo Østergaard (2014) e Dahlin, Østergaard e Hugo (2009),
pode ser a exploração de uma variedade de maçãs. Nela o professor pede
aos seus alunos para explorarem esse fenômeno livremente, como se fosse
a primeira vez que tivessem contato com as maçãs, e então anotarem as
suas observações. Assim, a maçã pode ser tocada, provada, cheirada e vista.
Depois, o professor pode pedir aos alunos que relacionem a descoberta com
experiências que tiveram e com a disciplina escolar em questão (Østergaard,
2014; Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009). O fenômeno “maçã” pode ser
relacionado a diferentes disciplinas, como pode ser visto no quadro abaixo:
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 273
Quadro 1: Explorando o fenômeno “maçã” e relacionando-o com o currículo escolar.
“A MAÇÔ
Por meio de uma exploração do fenômeno, utilizando todos os sentidos, a maçã pode
ser relacionada a diferentes disciplinas e temas do currículo escolar:
Biologia: botânica, temas de saúde etc.
Química: nutrição, ácidos orgânicos etc.
Física: densidade, peso etc.
Economia: custos de transporte para maçã importada em comparação com os cultivados
localmente, etc.
Horticultura: como as maçãs são cultivadas, armazenadas e consumidas etc.
Arte e mitologia: A maçã em expressões artísticas, mitos, caudas de fada e história (a
Bíblia) etc.
Fonte: Traduzido de Dahlin, Østergaard e Hugo (2009).
É possível relacionar esse exemplo com as etapas descritas
anteriormente por Østergaard, Hugo e Dahlin (2007): os alunos
desenvolvem e constroem uma imagem viva do fenômeno observado, a
maçã neste caso, anotam suas observações e relacionam a maçã com as
experiências que tiveram. Porém, como Østergaard, Hugo e Dahlin (2007)
comentam nas etapas, os alunos formulariam termos ou expressões e, a
partir de tais descrições seriam escolhidos aqueles que tivessem relacionados
tanto com o fenômeno observado quanto o com os conhecimentos
científicos, para que possa haver uma conexão entre ambos e o fenômeno
seja compreendido.
Um outro exemplo de abordagem fenomenológica em Educação
em Ciências pode ser a relação entre a escuta e o conceito, em que os alunos
exploram o som e a sensibilidade (Østergaard; Dahlin, 2009). O exemplo
a seguir trata-se caso real, que foi dividida por Østergaard e Dahlin (2009)
em três etapas:
1ª etapa: solicita-se aos alunos que ouçam, de olhos fechados,
o som quando a borda de um copo de cristal é esfregado com o dedo,
repetindo essa experiência três vezes, ao variar a velocidade e intensidade
da fricção, por pelo menos 30 segundos cada. Esse experimento também
é feito com um segundo copo friccionado por outra pessoa ao mesmo
tempo. Após cada repetição, os alunos são solicitados a descrever, com as
próprias palavras, os sons que ouviram.
274 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
2ª etapa: em grupos de quatro alunos, é solicitado que escolham
entre as palavras da primeira etapa para que seja possível estabelecer uma
ponte entre elas e os conceitos como a frequência, o ruído e o decibel,
relacionados ao som.
3ª etapa: cada grupo comenta as escolhas das palavras e o motivo
dessas escolhas, como essas descrições se relacionam com os conceitos
científicos e se estabeleceram noções intermediárias para se chegar a esses
conceitos científicos.
Assim, conforme Østergaard (2014), os alunos iniciam a escuta com
a tarefa de ouvir um som específico e não com a de “ouvir a frequência”,
até porque não faria sentido em uma abordagem fenomenológica. As
três etapas descritas por Østergaard e Dahlin (2009) sobre o som e a
sensibilidade podem se relacionar com as etapas descritas por Østergaard,
Hugo e Dahlin (2007) para a conexão entre o fenômeno e os conceitos
científicos: a partir do som ouvido ao friccionar a borda do copo de cristal,
os alunos puderam desenvolver e construir uma imagem viva do fenômeno
e formularem suas próprias descrições; ao escolherem entre as descrições
da primeira etapa, puderam ir em direção aos conceitos científicos,
estabelecendo uma ponte entre o fenômeno e os conceitos. Assim, seria
possível avançar para as etapas 3 e 4, que se referem à introdução dos
conceitos e modelos científicos e a utilização desses conceitos para que o
fenômeno possa ser compreendido mais profundamente.
Por fim, um exemplo de como um exercício fenomenal pode ser
trabalhado (Quadro 2). Assim, pode-se trabalhar esse exercício primeiro
individualmente, para então os alunos discutirem seus resultados em grupo
e os desafios desse fenômeno podem ser discutidos entre todos (Dahlin;
Østergaard; Hugo, 2009).
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 275
Quadro 2: Exercício fenomenal na Educação em Ciências.
Exercício fenomenal
Com base no que você aprendeu no ensino de ciências baseado em fenômenos, você
deve:
• Escolher um fenômeno que você acha que pode ser útil na aula - ou que simplesmente
lhe interessa
• Observar o fenômeno com atenção, e anotar o que você vê, cheira, prova ou ouve
após repetidas observações
• Refletir sobre as possibilidades por usar este fenômeno em uma aula de ciências - ou
em outras aulas
O resultado deste exercício individual é apresentado em grupos de alunos, terminando
com uma discussão sobre a relevância da utilização de tais fenômenos no ensino de
ciências.
Fonte: Traduzido de Dahlin, Østergaard e Hugo (2009).
Para os autores, é importante que o fenômeno expresse a
experiência em sua plenitude, integrando dimensões múltiplas, como as
dimensões arquetípicas, estéticas e cognitivas. Assim, Dahlin, Østergaard
e Hugo (2009) citam três aspectos que eles consideram básicos em
uma competência9 de ensino baseado na abordagem fenomenológica: a
capacidade de observar e refletir fenomenologicamente; a habilidade de
comunicação e a capacidade de planejar currículos.
Em relação à capacidade de observar e refletir fenomenologicamente,
os autores afirmam que, a partir de observações precisas e cuidadosas,
baseadas na experiência sensorial e perceptiva, é possível compreender
os fenômenos humanos e naturais. É importante que essa habilidade de
observar reflexivamente seja cultivada na Educação em Ciências já que
para muitos professores em formação o conhecimento científico é visto
como algo “dado” e que, por isso, esse conhecimento deva ser “somente”
transmitido para os alunos, sem considerar as experiências perceptivas
(Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009).
Sobre a habilidade de comunicação, os autores comentam que tal
habilidade está relacionada ao ouvir os alunos atentamente, em ser sensível
às formas como as experiências são expressas pelos alunos e também em
9 As competências se referem a “um complexo funcionalmente ligado de conhecimentos,
habilidades e atitudes”, como habilidades que podem ser treinadas e executadas (Wiek;
Withycombe; Redman, 2011, p. 204 apud Østergaard, 2019b, tradução nossa).
276 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
orientar os alunos na exploração dos fenômenos (Dahlin; Østergaard;
Hugo, 2009).
Os autores ainda comentam que a capacidade de planejar currículos
implica em saber escolher um fenômeno que seja ao mesmo tempo
interessante e relevante tanto para o ensino quanto para os alunos, de
modo que tenha potencial para descobertas de conceitos científicos.
Também compreende a capacidade de decidir como esse fenômeno será
apresentado, como a sua exploração será orientada e como o tempo será
planejado para que os alunos consigam conectar o fenômeno aos conceitos
científicos (Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009).
Nesse sentido, os autores argumentam que todas as três
competências citadas acima estão relacionadas a uma experiência sensorial,
de forma atenta e vivida. Tais competências enfatizam as experiências
sensoriais para que haja a compreensão, com o intuito de equilibrar a
ênfase na predominância que há nas explicações científicas e abstratas
(Østergaard; Hugo; Dahlin, 2007). Assim, os conceitos científicos não são
negligenciados, mas conectados a um processo de aprendizagem baseado
em atividades realmente vividas, e não apenas citado como um exemplo
do cotidiano (Dahlin; Østergaard; Hugo, 2009). A seguir apresentaremos
as considerações finais, baseando-se no que emergiu das produções de
Østergaard.
Considerações finais
A partir da questão O que se mostra da perspectiva fenomenológica
de Østergaard à Educação em Ciências a partir de suas produções?, podemos
observar que, quando as teorias e conhecimentos que representam o
fenômeno são vistos como mais reais e cientificamente mais corretos
que o próprio fenômeno, os alunos experimentam uma lacuna entre o
conhecimento cotidiano que vivenciam e o que é apresentado em sala de
aula. Tal situação contribui para a sensação de desenraizamento entre os
alunos, ou seja, se sentem alienados em relação ao espaço e ao tempo.
Em uma perspectiva ontológica, haveria uma inversão do que é real
pois as experiências sensoriais seriam vistas como inferiores em relação à
compreensão de conceitos e os modelos científicos abstratos como sendo mais
reais que o próprio cotidiano vivenciado. Fazer a relação entre os conceitos
científicos e mundo cotidiano é um desafio, porém, a fenomenologia pode
desempenhar esse papel. Assim, para que o enraizamento seja promovido
na Educação em Ciências, deve-se considerar a restauração da experiência
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 277
estética, o tempo que é dado para a consulta aberta e o currículo. E, para
que o ensino seja baseado em uma abordagem fenomenológica, existem
aspectos básicos para que isso aconteça: a capacidade de observar e refletir
fenomenologicamente, a de comunicação e a de planejar currículos, pois
se relacionam com a experiência sensorial, de modo que ela seja atenta e
vivida.
A abordagem fenomenológica na Educação em Ciências é
importante pois vai além da cognição e construção de conceitos, ela valoriza
as experiências dos alunos, de modo que a aprendizagem seja genuína.
Além disso, por meio dessa abordagem, o sujeito aprende a viver mais no
presente e mais intensamente, de modo que ele se sinta conectado com a
natureza.
Referências
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13, n. 1, p. 20-33, 2019a.
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278 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
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ØSTERGAARD, E.; HUGO, A.; DAHLIN, B. From Phenomenon
to concept: Designing Phenomenological Science Education. In: 6th
IOSTE Symposium for Central and Eastern Europe, p. 123-129,
2007.
Capítulo 20
Fenomenologia em Educação em Ciências por uma
principiante
Maria do Carmo Galiazzi1
DOI 10.46550/978-65-6135-076-1.279-299
Introdução
Este texto é resultado primeiro de estudo realizado para responder
ao convite dos organizadores do I Colóquio de Pesquisa em
Educação em Ciências Fenomenológica e Hermenêutica para realizar a
conversa de encerramento e, segundo, do que deriva posteriormente
àquela fala. Organizei o texto em três momentos. No primeiro, minha
intenção foi mostrar um pouco da história da Educação em Ciências no
Brasil, assinalando lembranças de minha formação no período que abrange
minha vida escolar. A inspiração fenomenológica na minha formação e
alguns teóricos fazem parte do segundo momento do texto. No terceiro
momento, me espelho nos textos de Østergaard (2007, 2008) para fazer
uma análise da produção de artigos científicos da Educação em Ciências
articulados com a Fenomenologia.
Neste percurso, pretendo mostrar o que percebi durante o estudo:
a demora no Brasil de perceber a importância da ciência, da Educação
em Ciências e do ensino em todos os níveis educativos com vertiginoso
crescimento posterior a 1970; a pouca presença da Fenomenologia na
história da pesquisa na Educação em Ciências e com convicção a importância
das discussões reunidas durante o Colóquio terem continuidade.
Alerto que não é um texto sobre a história do Ensino de Ciências
no Brasil. É com a história provocar lembranças. É mais como quando
se mostra uma fotografia e começam a aparecer lembranças. E faço isso a
partir de um texto recente que me levou a outros textos a fazer um voo por
aspectos do Ensino de Ciências que percebi e vivi.
É preciso justificar o título do texto especialmente por se entender
que uma fala de encerramento remete a alguma expertise no tema. Não
1 Professora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
280 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
que não a tenha em certa medida, mas para o título busquei em Husserl
a inspiração, pois ele se afirmava como principiante, talvez porque tenha
cunhado a Fenomenologia como metodologia, fato reconhecido por
muitos pesquisadores. Apresento-me, em sentido diferente, como alguém
que se coloca no começo de uma compreensão mais densa, objetivo do
estudo para apresentar no momento de encerramento do colóquio.
Momento 1 - breve histórico da Educação em Ciências no Brasil
Um dos pontos fundamentais da Fenomenologia é entender o
conceito fenomenológico de fenômeno. Nas Ciências Naturais, é muito
comum expressar o estudo de fenômenos, mas não com o mesmo sentido
fenomenológico. Por exemplo, o fenômeno da evaporação, da fotossíntese,
do surgimento da vida, da dilatação dos corpos. Na Fenomenologia, é
preciso compreender o fenômeno como modo de aparição do próprio
objeto (Zahavi, 2018).
Em Galiazzi e Sousa (2021), escrevemos sobre como se mostra o
fenômeno em textos de pesquisadores do Ensino de Ciências que aplicaram
a Análise Textual Discursiva (ATD). Concluímos, naquele texto, que há
ainda um caminho a perseguir de distinção entre o que é o fenômeno da
ciência e o fenômeno na fenomenologia.
No início da organização deste texto, um fenômeno
(fenomenológico) se mostrou. Não sei precisar como isso aconteceu,
mas um texto apareceu na minha tela de computador. Um texto sobre a
história do Ensino de Ciências no Brasil desde o período colonial aos dias
atuais. Eu procurava, provavelmente por um texto sobre a relação entre a
Fenomenologia e a Educação em Ciências. Nada melhor para um início
ainda mais que Gadamer consolida a atenção necessária à tradição.
Um primeiro ponto que esse texto problematiza é a origem do
Ensino de Ciências no Brasil. Revisitei este texto em um ir e vir nas abas
do computador desde a preparação para o Colóquio até a escrita deste
texto. Em uma destas visitas aquele texto me chamou atenção o seguinte
fragmento:
A memória de um determinado campo de conhecimento é uma
construção social que está relacionada às identidades e interpretações
dos sujeitos que o constituiu, às condições e fatores locais e globais que
favoreceram o seu desenvolvimento (Nardi, 2005; 2014), mas também
aos eventos históricos que fomentaram certas tendências por meio de
transformações ocorridas na sociedade, sejam essas de ordem política,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 281
econômica, cultural ou científica. Portanto, ampliar o olhar para tais
eventos é compreender, tanto as dinâmicas nas quais uma disciplina
escolar se transformou ao longo do tempo, no caso das ciências da
natureza: a partir das demandas pelo acesso ao conhecimento científico
produzido historicamente, mas, principalmente, pelo processo
deescolarização subjacente a essa demanda que regula, seleciona e
organiza os conteúdos escolares (Marandino et al., 2009); como
as dinâmicas em sua constituição e consolidação como uma área de
pesquisa: a produção acadêmica sobre o ensino de ciências que se
originou com o surgimento dos primeiros programas de pós-graduação
no país. (Santos; Galletti, 2023, p.3)
Normalmente, os textos sintetizam processos longos. Em parágrafos
datam, argumentam e nele existem muitas presenças, entretanto, algumas
escampam, aquelas que geralmente não são importantes para a pesquisa,
pois particulares, a não ser em pesquisas de cunho narrativo aceitas como
científicas mais recentemente, são únicas. É o caso das minhas lembranças
aqui. Não é um texto resultante da pesquisa narrativa. São apenas
lembranças.
Na pesquisa de Santos e Galletti (2023), a análise de documentos
históricos resultou em uma cronologia da história do Ensino de Ciências
no Brasil em quatro momentos. Em cada um deles há elementos para se
ampliar a compreensão deste início demorado no entendimento no Brasil
sobre a ciência e seu ensino.
Não se pode esquecer de nossos tempos de colônia de Portugal até
o século XIX. Os modelos de educação do lado de lá do Oceano Atlântico
ressoaram por aqui. A educação em Portugal desta época era fechada, com
tradição escolástica e, se na Europa resplandecia a mentalidade audaciosa
do Iluminismo, mesmo que a ele atualmente possamos tecer críticas
por sua soberba em relação à verdade da ciência, Portugal se mantinha
com pouco interesse pela ciência e, com isso, por atividades de pesquisa
e experimentação, tão características das Ciências da Natureza. Ou
seja, a educação científica não foi uma preocupação na primeira fase do
desenvolvimento da ciência, nem a ela mesma foi dada atenção no Brasil.
Como afirmam Santos e Galetti (2023, p. 10):
Na primeira fase de desenvolvimento da Ciência no Brasil (1549–
1800), constata-se a escassez tanto pesquisa científica como do ensino
de ciências, de forma específica, que só viria começar a avultar com a
criação das primeiras instituições de ensino secundário, inspiradas
em escolas europeias, principalmente as francesas e alemãs, e com
o estabelecimento das instituições de ensino superior no final do
século XIX, fazendo emergir “as primeiras tradições de trabalho de
282 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
pesquisa científica no Brasil, nas áreas de ciências físicas e biológicas”
(Schwartzman, 2012, p. 165).
Se colônia, colonizados fomos também no espelhamento de
conteúdos nas escolas. Universidades não havia nesta fase. Na segunda fase,
que vai dos anos 1800 a 1950, inicia a configurar-se o currículo escolar de
Ciências.
somente no começo do século XIX é que podemos identificar a inclusão
de conteúdos científicos a nível curricular de forma mais presente,
mais especificamente, no ano de 1800 com a elaboração das cadeiras
Química, Mineralogia e Botânica, no Seminário de Olinda (Buss, 2016)
e das cadeiras de Zoologia, Mineralogia, Botânica, Química, Física
e Astronomia no Colégio Pedro II, com a sistematização do ensino
secundário no contexto imperial (Decreto s/n, 1837). Azevedo (1944)
comenta que, diferentemente dos colégios jesuíticos com seu ensino
excessivamente retórico, literário e religioso, o Seminário de Olinda
representou uma ruptura com a tradição jesuítica do período colonial
ao introduzir as cadeiras de ciências naturais visando à formação de
párocos-exploradores. (idem, p. 11).
Ao procurar no texto de Santos e Galletti (2023) pelas referências a
esta informação está lá a obra de Fernando de Azevedo (1944). Isso trouxe
uma lembrança das minhas primeiras incursões no campo da Educação,
embora já professora universitária. Professora universitária de Química
Geral para alunos das Engenharias da Universidade Federal do Rio Grande
- FURG e 60 anos me afastavam da publicação do Manifesto da Escola
Nova lançado em 1932. E é neste livro de Fernando de Azevedo, A Cultura
Brasileira, que encontro um capítulo sobre a cultura científica no Brasil.
A demora em dar atenção às ciências reafirma a demora na chegada das
ciências à educação escolar e ao mesmo tempo a importância dada às
humanidades e à preparação para carreiras liberais.
Mas, então, quem formava os professores?
É sabido que as universidades brasileiras foram tardias se comparadas
com outras colônias e em Azevedo (1944), p. 432) encontro algo que me
faz retornar à situação contemporânea. São suas palavras:
Ora, entre a democracia que, sendo relativista, pluralista e céptica,
“exclui os pontos de vista absolutos, assim como todos os modismos”,
e as universidades que, prepostas ao progresso das ciências, só se
desenvolvem num clima, não de crença numa verdade, mas de
pesquisa de verdades, e portanto, de espírito de inquietação, dúvida
e relatividade, existem tão intima dependência e uma relação tão
essencial que os desenvolvimentos e as crises do processo democrático
se acompanham sempre dos progressos ou das decadências das
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 283
instituições universitárias. (idem, p. 445)
Recém celebrados um século da criação das universidades
primeiras, a do Rio de Janeiro em 1920, a de Minas Gerais em 1927, a de
São Paulo em 1934 em movimento liderado por Fernando de Azevedo,
a do Distrito Federal em 1935 por Anísio Teixeira e a Universidade do
Brasil que incorporou a Universidade do Rio de Janeiro em 1939, vimos
muito recentemente o ataque à ciência e à universidade e não só a ela como
também às escolas públicas, com notícias anedóticas sobre conclusões
científicas consolidadas em que são exemplos a terra plana, a propagação
contrária à vacinação com incentivo à automedicação e o movimento
denominado de Escola sem Partido.
Retornando ao texto. Mesmo a pesquisa científica nas universidades
recém-criadas era negligenciada. Para o ensino das Ciências, os professores
contratados foram europeus renomados.
Quando penso na dificuldade das gerações que foram importantes
na minha formação, em formar professores de Ciências para a Educação
Básica lembro de um lado que a pesquisa em Química na década de 80
recém iniciava na instituição em que trabalhei no ensino superior e que hoje
é um destaque nacional na área. Do outro lado, a pesquisa em Educação
em Ciências, apesar do envolvimento de professores de Biologia, Química,
Física e Matemática na formação de professores da Educação Básica na
mesma universidade só veio a se concretizar nos anos 90 com os primeiros
doutores na área da Educação.
Outro ponto da história me traz lembranças, pois é só em 1939 que
surge o primeiro curso de Pedagogia na Universidade do Brasil no nosso
conhecido e criticado modelo “3+1”, que posteriormente tanto assolou
a formação de professores de Ciências. Eu mesma sou exemplo disso.
Bacharel em Química em 1979, fiz no ano que me faltava de disciplinas
pedagógicas como exigência da escola em que trabalhei no início dos anos
80.
Ainda na segunda fase do desenvolvimento do Ensino de Ciências,
a Reforma Francisco Campos de 1931, tão citada sempre em textos
históricos, é que vai prever o ensino das Ciências Físicas e Naturais no curso
fundamental de cinco anos, e a presença das disciplinas Física, Química e
História Natural nas três últimas séries desse nível de ensino. No ensino
secundário, aparece a disciplina de Biologia Geral para os candidatos ao
ensino superior em ciências jurídicas e Física, Química, História Natural
e Cosmografia, para os candidatos aos cursos superiores de Medicina,
284 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Farmácia e Odontologia e nos cursos de Engenharia e Arquitetura (Santos;
Galletti, 2023).
Dois pontos destaco no que foi descrito por Santos e Galletti (2023).
O primeiro é a organização do ensino para os que irão para a universidade
apenas, um ensino secundário, nome da época em que cursei, cujos
vestígios se prolongaram em outros momentos de nossa história. O outro
ponto também relacionado ao anterior é currículo distinto dependendo
da carreira almejada. Como falei, eu não tive disciplinas de História,
Geografia e menos Biologia que meus colegas que buscavam por cursos nas
Ciências da Saúde, especialmente Medicina. A nós, os das Ciências Exatas,
concentravam-se os estudos de Matemática, Física e Química.
A terceira fase apontada por Santos e Galletti (2023) que abrange
o período de 1950 a 1970 é que vamos ver uma maior preocupação com o
Ensino de Ciências que teve um fato marcante: o lançamento do foguete
Sputnik em 1957. Inglaterra e Estados Unidos com suas reformas e
preocupações impulsionam mudanças aqui no Brasil. Surgem o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
no mesmo ano de 1951.
Se busco lembranças sobre o Ensino de Ciências, lembro de ter
tido aula de Ciências no ensino básico, cuja denominação na época era
primário. No quinto ano, o que destaco é a falta de professores em uma
pequena cidade de origem italiana no norte do estado do Rio Grande do
Sul. Minhas professoras foram freiras: Irmã Enilda, alfabetizadora, Elizete,
negra, uma mulher com um rosto lindo, o permitido a mostrar, que era
só o que eu enxergava de seus corpos escondidos por trás de hábitos, Irmã
Elizabeth no terceiro ano, Irmã Helena com suas bochechas rosadas. E
depois no Ginásio, se fazia exame para ir para o Ginásio ao final do ano.
Irmã Clara, de Português e suas análises sintáticas, Ir. Olga do Inglês, Ir.
Lourdes, a do Português e eu tinha clara impressão que não simpatizava
comigo. Também desta época de ter ido visitar pelas mãos da Ir. Francisca
que também era professora de Matemática e de Educação Física e com seu
apito também organizava o desfile da escola com sua banda, o laboratório
de Ciências, que era um lugar com um conjunto enorme de animais
empalhados e um cheiro que repelia a todas nós daquele lugar. Minha
escola era só de meninas. No Ginásio, poucas lembranças das aulas de
Ciências, mas da professora, vagamente, lembro que era a esposa do juiz,
sem formação na área. Também desta época, o livro que me apresentou a
Tabela Periódica, um encantamento. Olhando meu boletim, que guardo
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 285
com afeto, está lá uma disciplina que hoje choraria: Educação para o lar,
em que aprendi a coser, a bordar e técnicas sobre panelas, etc…que pouco
as coloco em uso. Tive, nesta época, apenas um professor, o professor Paulo
da disciplina denominada Educação Moral e Cívica em 1970.
Mas voltando ao texto de Santos e Galletti (2023), os autores
destacam a institucionalização do Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura (IBECC) no ano de 1952. O modelo de ensino da época
apostava no método experimental e o IBECC foi essencial na formação de
professores para a produção de equipamentos e materiais didáticos no Brasil
no período de 1950 a 1980 com auxílio de financiamento estrangeiro. E
vamos para a quarta fase apontada por Santos e Galetti (2023).
Em 1970, mudo para a capital do Estado e vou estudar numa
Escola Marista. Os professores com graduação, os laboratórios de Química,
Física e Biologia organizados e grandes e uma mudança que incluiu na
minha formação um curso de formação profissional por determinação da
legislação da época. Minha escolha, curso técnico em Química realizado
em outra escola marista da capital, à noite. Foi a Lei de Diretrizes e Bases
5692/71. Não via muita diferença entre as aulas de Química no Secundário
e as aulas no curso técnico. Estas reformas que repetidamente acontecem
até hoje buscam para dar um sentido ao Ensino Médio, naquela época uma
profissão, mas no meu caso e de meus colegas a meta era a universidade.
Quanto à profissionalização a partir do ensino de 2º Grau, como era
chamado, não funcionou, obviamente. As escolas ofereciam o que podiam
organizar e isso me traz novamente para o momento recente das escolhas
dos itinerários pelos alunos do Ensino Médio. Que itinerários oferecer por
este Brasil enorme e diverso?
Entrei para a Universidade ao final do Secundário em 1976. Tive
como professores alguns destaques na área, Prof. Áttico Ignácio Chassot,
no primeiro ano de Química Geral. Nesta época o ensino universitário era
organizado com um primeiro ano de disciplinas básicas comuns a outros
cursos como Matemática e interpretação de textos. Na Química, Prof. Luiz
Pilla, na Físico-Química, e dos rostos lembro de muitos, das aulas também.
Muitos dos nomes se apagaram de minha memória. A Internet agora
me permite lembrar de todos os professores que eu admirava: Antônio
Bernardo João Batista Todesco, em que sempre destacava seu doutorado na
Inglaterra, Yeda Pinheiro Dick, Euclydes Francisco da Rocha Fraga e José
Schiffino, meu paraninfo extremadamente tímido à época enquanto Prof.
Chassot, professor homenageado sempre, demonstrava seu entusiasmo
pelo ensino.
286 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Finalizei meu curso em 1979 e, no último ano, lembro de um
evento: a segunda reunião anual da Sociedade Brasileira de Química. Não
participei. Iria casar. Inicio a docência universitária em 1985 e em 1989
participo de eventos de formação organizados por um dos seis centros,
fundados em 1965 em diferentes capitais brasileiras com o objetivo de
treinar professores, produzir e distribuir livros-textos e materiais para
laboratórios em diferentes escolas: o Centro de Ciências do Nordeste
(CECINE), o primeiro a ser implantado, e os outros, fundados
subsequentemente — CECIRS em Porto Alegre, o CECIMIG, em
Belo Horizonte, o CECIGUA, no Rio de Janeiro, o CECISP, em São
Paulo e o CECIBA, em Salvador (Santos; Galeffi, 2023). Quando ingresso
na universidade como professora em outubro de 1985, participo logo em
seguida do 5o. Encontro de Debates sobre o Ensino de Química (EDEQ),
atualmente com mais de 40 edições realizadas.
Visitei a Fundação Brasileira para o desenvolvimento do Ensino
de Ciências (FUNBEC) na Universidade de São Paulo na década de 90,
e trouxe materiais, poucos que ainda havia, para o Centro de Ensino
de Ciências e Matemática atualmente centro de Educação Ambiental,
Ciências e Matemática (CEAMECIM) que tem uma longa história e que
dela participei em diferentes momentos, inclusive como líder do grupo
de pesquisa CEAMECIM, material para realizar o método experimental,
foco deste instituto. Os kits de experimentação em caixas de madeira eram
distribuídos nas escolas.
Entre 1980 e 1990, Santos e Galletti (2023) destacam o
Subprograma de Educação para Ciência (SPEC) no âmbito do Programa
de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT),
financiado em parte através de empréstimos do Banco Mundial. projeto
voltado para apoiar projetos de melhoria do ensino de Ciências e
Matemática. Por conta deste projeto, encontro parte de meus formadores
na área de Educação em Ciências. Também fui professora no Pró-Ciências
por meio de financiamento aos professores em exercício participantes da
formação financiado pela CAPES e com apoio da Secretaria Nacional de
Ensino e Tecnologia do MEC de 1996-2000. Depois disso, o mestrado
e doutorado em Educação. A participação em eventos regionais e
nacionais, O I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências,
o ENPEC, depois vários. Em um deles, em Bauru assisti a palestra sobre
Fenomenologia na Educação da Profa. Maria Aparecida Bicudo ao lado
do Prof. Roque Moraes. E os eventos se repetiam, a Reunião Anual da
Sociedade Brasileira de Química, o Encontro Nacional de Ensino de
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 287
Química, o ENEQ. E formamos, na CAPES, uma área específica, a Área
de Ensino de Ciências e Matemática e depois nos tornamos uma Área de
Ensino. Eu, particularmente, senti. Dissertações, teses, o PIBID, processos
de formação foram decorrência destas histórias.
Destes breves fragmentos históricos e algumas lembranças, pretendo
ter mostrado que a Fenomenologia não se mostrava nestes percursos da
Educação em Ciências. Na minha própria história apenas a lembrança de
ter assistido a Profa. Maria Aparecida Bicudo. Lembro de uma pergunta
que o Prof. Roque Moraes me fez ao final da palestra, solicitando minha
avaliação. Não lembro da resposta, mas à época eu estava mais interessada
no construtivismo e na abordagem sociocultural.
Considerando minha história de quase 60 anos de escola desde
o fatídico início em março de 1964, com aulas suspensas por conta do
golpe militar da época, a mudança requer um movimento de mudança
coeso, fundamentado e o estudo da tradição fornecem pistas dos acertos a
intensificar e dos erros a evitar.
Momento 2 - Inspiração na fenomenologia a partir da Análise Textual
Discursiva
Para falar sobre o encontro com a Fenomenologia, busquei
inspiração em parte em um texto que escrevi juntamente com a Profa.
Valderez Lima e o Prof. Maurivan Güntzel Ramos para o dossiê sobre
Análise Textual Discursiva (Galiazzi; Lima; Ramos, 2020) e tenho que
ressaltar, a convite da Profa. Maria Aparecida Bicudo. Como já dito, um
dos meus primeiros encontros com a Fenomenologia foi assistir a palestra
da Profa. Maria Aparecida Bicudo durante um ENPEC e como também
está dito, não lembro da resposta que dei ao Prof. Roque quando me
solicitou opinar sobre a palestra, o que me faz pensar que não me marcou
naquele momento a Fenomenologia.
Outro encontro com a Fenomenologia foi ter recebido do Prof.
Roque o conjunto de textos para leitura que posteriormente resultaram
no livro de ATD em 2007. Posteriormente, em outro encontro com a
Profa. Maria Aparecida Bicudo durante uma banca e posteriormente uma
palestra, foi como um descortinar de compreensões. Esta palestra aconteceu
por volta de 2012 aqui em Rio Grande no Programa de Pós-graduação
em Educação em Ciências. Ao dar-me conta de que a Fenomenologia
estava nas atitudes do Prof. Roque, retomei sua tese e lá estava dito que
288 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
a Fenomenologia era o despertar de uma nova visão do mundo. E este
fazer fenomenologia está expresso no texto de Østergaard, Dahlin e Hugo
(2008) logo em seu título: Doing phenomenology in Science Education!
Enquanto escrevo, me veio à memória uma disciplina
especificamente sobre Fenomenologia em que estudamos Merleau-Ponty
ministrada pelo Prof. Roque. Retornei ao livro de ATD e cito
O fenômeno como o que se manifesta em seus modos de aparecer,
olhando-o em sua totalidade de maneira direta, sem a intervenção de
conceitos prévios que o definam e sem basear-se em um quadro teórico
prévio que enquadre as explicações sobre o visto (Martins; Bicudo,
2006, p. 16).
Outro momento inspirador foi o encontro com Neves (1999).
Foi ainda o modo desafiador de um doutorando, Prof. Robson Simplício
de Sousa que me levou a fazer ATD da própria ATD e nela esmiuçar
sentidos sobre fenômeno, dialética, discurso, categoria em um conjunto
de textos. E novamente retorno a Moraes (2019) que afirma sistemático
aos fenômenos para maior aprofundamento da compreensão constitui
o círculo hermenêutico. Como afirma o autor, “o círculo hermenêutico
propicia o desvelamento gradual e progressivo de novas camadas veladas,
conduzindo a uma compreensão cada vez mais aprofundada do fenômeno”
(idem, p. 28).
Como posto, Roque Moraes, Maria Aparecida Bicudo, Joel
Martins, Marcos Dagnoni Neves têm sido encontros inspiradores quer
em situações presenciais quer em suas produções. Não citei muitos, mas a
seguir quero apresentar alguns conceitos estruturantes da Fenomenologia,
são eles, o fenômeno, a intencionalidade, a epoché, as coisas mesmas e o
mundo da vida ou mundo-vida, como alguns autores denominam este
conceito.
Momento 3 - Poucos inícios: o fenômeno
Para o Colóquio iniciei a leitura de Phenomenology: the basics
de Dan Zahavi publicado em 2018 e, posteriormente, o que deu nome
a este texto derivado da conversa no Colóquio, Fenomenologia para
Iniciantes do mesmo autor (Dahavi, 2019). Zahavi é filósofo dinamarquês,
professor na Universidade de Copenhagen com extensa e densa obra sobre
Fenomenologia e nestes dois livros escolhidos, apresenta conceitos básicos.
Edmund Husserl, Jean Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e
Emmanuel Levinas são apresentados como os proponentes influentes da
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 289
Fenomenologia que têm contribuído em muitas áreas da Filosofia com
os tópicos como intencionalidade, percepção, incorporação, emoções,
autoconsciência, intersubjetividade, temporalidade, historicidade
e verdade. E destes aportes derivou sua aplicação em outras tantas
disciplinas com influência até os momentos atuais. E por que estes os livros
introdutórios foram os escolhidos? Porque o autor apresenta semelhanças
entre os diferentes autores, mais do que suas diferenças como necessárias
no princípio. Um primeiro ponto a ressaltar é o foco na perspectiva da
primeira pessoa, opção que assumi para escrever este texto e isso remete às
perguntas de Zahavi (2018, p. 7)
Que tipo de investigação/exploração a Fenomenologia abrange? A
fenomenologia é focada principalmente ou mesmo exclusivamente na
mente ou é igualmente sobre o mundo? O que é um fenômeno e como
investigá-lo? Como o mundo da ciência se relaciona com o mundo que
nós conhecemos a partir de nossas experiências diárias? O que significa
afirmar que a Fenomenologia é uma forma de filosofia transcendental?
Como trazido no início deste texto, fenomenologia é o estudo de
fenômenos e nisso está mais interessada nos modos como este fenômeno
aparece. Por exemplo, neste texto, a Fenomenologia se mostra praticamente
ausente na história da Educação em Ciências e mais recentemente, como
mostrado no texto, teve um incremento que, de certa forma, resulta na
organização do próprio colóquio. Mas ela se mostra aqui no Brasil por
intenção de alguns pioneiros que foram minha inspiração, ou seja, a
Fenomenologia se mostra neste texto em perspectiva considerando meu
contexto e nisso vai se incorporando em meu modo de ser, de modo
que posso até mesmo pontuar meus primeiros encontros, lembranças
e impressões. Como afirma Zahavi (2018, p. 13): “Nós encontramos o
presente com base no passado, e com planos e expectativas para o futuro.
Nossas experiências passadas não estão perdidas e não nos deixam imunes”.
Mas isso aponta para a aparência dos fenômenos contrastando com a ciência
que busca saber como o fenômeno é? O conceito de fenômeno não é este
de como aparece, mas de como se revela para quem o estuda. E a distinção
entre aparência e realidade na Fenomenologia precisa ser vista como uma
distinção entre dois modos de manifestação. O fenômeno quando se
mostra tem toda a objetividade e realidade exigida para desenvolver uma
análise fenomenológica, a Fenomenologia não está focada exclusivamente
na mente e sim na tríade eu-outro-mundo (Zahavi, 2018) o que encaminha
para a intencionalidade.
290 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Quando iniciei o estudo para o Colóquio, eu tinha uma
intencionalidade, quando aceitei escrever este texto que estava fora de
minha consciência e Zahavi (2018) diferencia entre a intencionalidade
na Fenomenologia e o sentido comum atribuído ao termo de ter uma
proposição quando agimos. Ao ser intencional, a consciência não está
fechada, mas principalmente ocupada com objetos e eventos que por
natureza, são totalmente diferentes da consciência mesma e que podemos
circunscrever em uma experiência. Cada tipo de experiência intencional
sendo uma percepção, uma imaginação, um desejo, uma lembrança, está
dirigida para um objeto/fenômeno em um modo distinto.
Assim, busquei lembranças de encontros, busquei autores, escrevi
e reescrevi este texto. E, portanto, a percepção na Fenomenologia mereceu
destaque porque são nas ações perceptivas que temos o objeto diretamente.
“A intencionalidade perceptiva é mais básica que outras formas complexas
de intencionalidade” (idem, p. 18). Quando eu lembrei dos encontros com
a Fenomenologia, estes encontros foram experiências perceptivas a partir
de minha história, contexto, corpo e que as selecionei aqui de uma unidade
integral perceptiva em fragmentos discursivos. As lembranças fizeram eu
poder afirmar como a Fenomenologia se apresentou, o que vou discutir
adiante neste texto. Assim, a Fenomenologia está mais interessada nos
sentidos e significados que atribuímos aos fenômenos que à causalidade.
Zahavi (2018, p. 23) alerta que “a consciência não é uma caixa nem
um lugar específico, mas precisa ser compreendida por sua abertura. A
abertura da consciência é uma parte de seu ser e sua relação com o mundo
faz parte de sua natureza”. Assim, a separação entre mim e o mundo não
existe como pontua Merleau-Ponty: “O mundo está inteiramente dentro
de mim e eu estou inteiramente fora de mim” (2012 apud Zahavi, 2018, p.
24), o que pode ser dito é que os fenomenólogos articulam a afirmativa de
que o mundo é diferente da mente com a de que está também relacionado
com a mente e que a relação entre mente e mundo é sempre uma relação
interna, uma relação constitutiva das relações que a própria mente
constituiu. (Zahavi, 2018).
E o que foi brevemente apresentado até aqui reverbera em
questões metodológicas que também têm a ver com meus encontros
com a Fenomenologia e com o dito sobre o retorno às coisas mesmas,
a necessidade da suspensão. Segundo Zahavi (2018), há divergências de
interpretações. Uma delas é a que eu procuro aplicar mais, suspender nossas
ideias preconcebidas, pensamentos e preconceitos e teorias assumidas. é
preciso estar com a mente aberta para deixar o fenômeno se manifestar.
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 291
Mas Zahavi (2018, p. 36) apresenta uma perspectiva que me afeta e cito
integralmente:
A maneira apropriada de interpretar a epoché é vê-la como algo que
envolve não uma exclusão da realidade, mas uma suspensão de uma
atitude dogmática particular em relação à realidade, uma atitude que é
operante não apenas nas ciências positivas, mas que também permeia
nossa vida pré-teórica diária.
O lema de Husserl para retornar às coisas mesmas indica que
nossas escolhas metodológicas precisam estar fundadas na materialidade. A
investigação não deve ser dogmática, mas determinada pelo que se mostra
para nós e não por aquilo que reflete algum ponto teórico. É preciso seguir
a natureza da coisa e não nossos preconceitos, teorias e imagens prévias
(Zahavi, 2018).
Como sabia desde o princípio, seria um texto de principiante. Muito
a estudar e coloquemos em parênteses a teoria para analisar a materialidade
da Fenomenologia na Educação em Ciências.
Momento 4 - Educação em Ciências Fenomenológica
A Fenomenologia na Educação em Ciências é algo novo para mim
e exigiu estudo para atender ao convite para o I Colóquio de Pesquisas
em Educação em Ciências Fenomenológicas e Hermenêuticas e, para este
estudo, minha atenção foi em Østergaard, Dahlin, Hugo (2008, 2007).
Apresento a compreensão alcançada sobre a Fenomenologia na Educação
em Ciências considerando a análise dos cem primeiros resultados
de uma busca por relevância no Google Acadêmico com as palavras
“Fenomenologia” E “Educação em Ciências”. A busca resultou em 2510
resultados como mostro a seguir:
A decisão pelo Google Acadêmico foi por eu estar focada em
resumos em Língua Portuguesa. Outra busca dentro do Google Acadêmico
e do Scopus foi por ano com as mesmas palavras-chave e resultou nos
gráficos mostrados na sequência.
Iniciei o processo de análise seguindo os procedimentos sugeridos
na Análise Textual Discursiva (Calixto; Galiazzi; Kiouranis, 2024;
Galiazzi; Sousa, 2022; Moraes; Galiazzi, 2016) que em síntese pode
ser compreendida como um processo de busca pela compreensão do
fenômeno pela separação e aproximação e leitura e escrita na produção dos
metatextos. Separam-se as unidades de significado com sentidos diversos
e, posteriormente, aproximam-se por sentidos semelhantes. O processo de
292 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
separação denominamos de unitarização e os processos de aproximação
por sentidos, de categorização, inicial, intermediária e final. Processos de
escrita recursiva e leitura na busca de parceiros para fundamentação das
compreensões.
Cada resumo foi considerado uma unidade de significado e a cada
um deles foi atribuído um código com indicação do trabalho original. O
código foi formado pelo número do resumo na listagem dos 100 resumos
seguido do sobrenome do autor e do ano da publicação da referência. Assim,
“32. Vieira – 2011” remete ao trabalho de Gilberto Vieira publicado em
2011 sendo o trigésimo segundo trabalho na listagem geral do corpus.
A distribuição destes ao longo do tempo mostrou um crescimento
de publicações sobre Fenomenologia vinculada a Educação em Ciências
a partir de 2007. Esta distribuição foi muito semelhante se comparada
com a curva de trabalhos com as mesmas palavras em língua inglesa como
mostram na Figura 1.
Figura 1 - Gráfico do número de referências no Google Acadêmico e no Scopus.
Østergaard, Dahlin e Hugo (2008) ao apresentarem uma revisão
das aplicações da Fenomenologia consideraram que a Fenomenologia,
na época do artigo, estava sendo bastante aplicada em diversas áreas e
perspectivas metodológicas e os gráficos apresentados mostram que esta
força da Fenomenologia tem tido continuidade passados 25 anos dessa
revisão.
Um aspecto interessante que os autores abordam é a aproximação
entre Fenomenologia e Construtivismo, abordagem sociocultural e Ensino
de Ciências com foco na aprendizagem baseada no contexto dos estudantes.
Por que considero interessante? Porque faz parte da minha história. Moraes
(2003) manifestava-se positivamente em relação ao construtivismo e
escrevo nessa obra Construtivismo e o Ensino de Ciências um artigo em que
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 293
apresento algumas críticas ao construtivismo na Educação, mas sem dúvida
foi um movimento que teve papel importante e deslocou a centralidade
do ensino no professor para uma abordagem considerando o estudante a
aprender.
O Construtivismo, de acordo com Østergaard, Dahlin e Hugo
(2008), tem seu foco na cognição e construção do conhecimento. A
Fenomenologia enfatiza fortemente os momentos pré-cognitivos e o
papel dos sentidos e dos sentimentos. Embora haja aproximações, como
a de que o conhecimento é construído pelo aprendiz em seu contexto, a
Fenomenologia mais busca equilibrar as explicações conceituais abstratas,
articulando-as com ser e agir no mundo como a base para uma compreensão
genuína.
Para a revisão da pesquisa fenomenológica em Educação em
Ciências, Østergaard, Dahlin e Hugo (2008) classificaram as diferentes
aplicações da fenomenologia diferenciando-as em três abordagens: a
Fenomenologia da Educação em Ciências; a Fenomenologia na Educação
em Ciências e; a Fenomenologia e a Educação em Ciências integradas.
Na Fenomenologia da Educação em Ciências, as atividades de
ensino e aprendizagem são compreendidas a partir de um ponto de vista
fenomenológico. A Fenomenologia se mostra no caráter descritivo e
analítico para compreender como algum fenômeno se mostra.
A Fenomenologia na Educação em Ciências são estudos
fenomenológicos de fenômenos que são ensinados em aulas de Ciências.
O foco nesta abordagem é no que está sendo ensinado. Esta abordagem,
além da descrição e análise tem um viés prescritivo de sugerir como deve
ser o ensino das Ciências.
A Fenomenologia e a Educação em Ciências integrada é estudar e
elaborar inter-relações entre professor, ensino, estudantes, aprendizagem e
o conteúdo a ser ensinado (Østergaard, Dahlin, Hugo, 2008)
Na revisão de artigos de brasileiros que fiz, depois de selecionados
os 100 primeiros resumos da busca, todos os resumos foram lidos,
unitarizados e categorizados a partir das categorias apresentadas por
Østergaard, Dahlin e Hugo (2008) com acréscimo de três outras categorias
analíticas: Fenomenologia como epistemologia na Educação em Ciências,
Fenomenologia como metodologia de análise e pesquisas em geral na
Educação em Ciências. Este resultado mostro no Quadro 01 a seguir.
294 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
Quadro 01 - Categorização dos resumos
Categorias Finais Número Resumos
Fenomenologia da Educação em Ciências 40
Fenomenologia na Educação em Ciências 06
Fenomenologia e Educação em Ciências Integrada 09
Fenomenologia como epistemologia na Educação em Ciências 06
Fenomenologia como metodologia de análise 15
Pesquisas em geral em Educação em Ciências 23
Total 100
Fonte: A autora (2023)
Destaco que, em um conjunto expressivo, a Fenomenologia se
mostrou como epistemologia e metodologia nas pesquisas. Também um
número expressivo (23%) citava brevemente a aplicação da fenomenologia,
mas não serão foco de análise neste texto. A seguir, apresento exemplos das
três categorias da pesquisa fenomenológica em Educação em Ciências e,
como alertam Østergaard, Dahlin e Hugo (2008), as categorias não são
exclusivas.
Fenomenologia da Educação em Ciências
No conjunto de resumos analisados esta é a categoria preponderante
(40%). No trabalho de Shimamoto (1993, p. 1), a Fenomenologia é
aplicada para interpretar o discurso de professores, alunos e orientadores.
Como afirmam Østergaard, Dahlin e Hugo (2008), é um estudo descritivo
e interpreta o que acontece nas escolas pelo ponto de vista de diferentes
participantes.
Estudo qualitativo da relação entre o processo formal de ensino de
Ciências e o mundo do aluno na escola pública de 1º grau (5a a 8a séries).
Procede-se a descrição e interpretação «fenomenológica-existencial do
discurso de professores, alunos e orientadores educacionais no caso de
05 (cinco escolas estaduais da 2a DRE de Uberlândia, MG. Evidencia-
se uma manifesta desconexão de sentido entre o processo formal de
ensino-aprendizagem e o mundo existencial do aluno na aula de
Ciências
A Fenomenologia se mostra para analisar os discursos na pesquisa
para compreender a sala de aula e sobre ela o que pensam professores,
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 295
estudantes e orientadores. Ou seja, é um olhar fenomenológico como
aplicação para análise de um fenômeno.
Fenomenologia na Educação em Ciências
O texto de Campos, Cruz e Souza (2021, p. 137) é um exemplo em
que a Fenomenologia está na sala de aula de Física para estudar fenômenos
naturais e apresenta as dificuldades dos estudantes em enfrentar a diferença
nas atividades propostas.
As disciplinas de Instrumentação para o Ensino de Física (INSPE
A, INSPE B e INSPE C) do curso de Licenciatura em Física da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem como metas,
num primeiro momento em INSPE A, propiciar uma discussão
de forma analítico-crítica sobre os principais trabalhos destinados
à melhoria do ensino de Física, para posteriormente em INSPE B
e C, desenvolver um Projeto Temático (PT) que proporciona aos
licenciandos a exploração e o estudo de fenômenos realistas. A partir
desse ambiente de formação de professores, nossa pesquisa objetiva
investigar o processo de construção dos PTs no decorrer da disciplina
de INSPE B pelos licenciandos de uma turma da sexta fase do curso
de Licenciatura em Física da UFSC. Para isso, foi feita uma análise
documental dos trabalhos desenvolvidos por eles durante a disciplina,
dando ênfase ao processo que envolve a Fenomenologia. Mostraremos
que as dificuldades apresentadas pelos licenciandos se manifestam,
primeiramente, devido ao fato de enfrentarem as mudanças nas tarefas,
atividades e avaliações que a disciplina propõe e, segundo, devido ao
que definimos como reversão ontológica, isto é, quando fenômenos e
coisas do mundo são diretamente substituídos por modelos teóricos
e/ou teorias, quebrando o diálogo com o mundo das coisas e com os
próprios fenômenos em estudo.
Esta categoria está menos presente no conjunto de trabalhos (6%).
A Fenomenologia, nesta categoria, está na sala de aula organizando a sala
de aula do professor para o ensino de conceitos da Física e como concluem,
os alunos tiveram dificuldade em compreender a proposta, por estarem
acostumados a atribuir antes modelos teóricos para interpretar o mundo-
vida.
Fenomenologia e Educação em Ciências integradas
Østergaard, Dahlin e Hugo (2008) exemplificam esta categoria
com os trabalhos do célebre cientista Faraday. Na minha análise, talvez
tenha sido menos exigente. Foram nove trabalhos que classifiquei em uma
296 Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental
perspectiva integrada (9%). O resumo do trabalho de Trindade (2017, p.
7) apresenta uma atividade em um museu organizada para favorecer aos
estudantes perceberem o fenômeno por meio de experiências sensoriais
corpóreas. Sensações e sentimentos são integrados ao ensino ampliando
abordagens cognitivistas mais presas aos conceitos das Ciências Naturais:
Com base na perspectiva da História da Ciência, buscou-se ampliar a
interpretação dos temas relativos à ciência a partir dos artefatos e do
espaço do Museu do Seringal, revelando a inter-relação entre as condições
vividas pelos trabalhadores seringueiros e a prevalência de doenças
como a malária, principalmente. Desse modo, a abordagem aponta
algumas possibilidades de articular ensino de Ciências e a dimensão
histórica do pensamento científico aos artefatos e doenças prevalentes
entre os seringueiros, com a finalidade de facilitar a compreensão da
ciência a estudantes da Educação Básica, principalmente os do Ensino
Fundamental da rede pública. Trata-se de uma pesquisa qualitativa,
de cunho fenomenológico, com estratégia etnográfica, com objetivo
de compreender o espaço históricosocial do Museu do Seringal Vila
Paraíso, a partir de um olhar fenomenológico, articulando o ensino
de ciências às experiências perceptivas sobre a malária, com estudantes
do ensino fundamental. A fenomenologia de Merleau-Ponty aplicada
ao ensino de Ciências Naturais possibilitou conhecer a percepção dos
alunos como ideias explicativas, baseadas em experiências sensoriais,
que podem ser amplamente refletidas, potencializando a ampliação das
funções intelectivas.
Como afirmam Østergaard, Dahlin e Hugo (2008) é fazer
fenomenologia em espaços formativos. Ainda, as características das
classificações têm mais um caráter pedagógico que exclusivo, pois como
vemos, neste último exemplo, a sugestão da abordagem fenomenológica
como possível organização da sala de aula é característica da segunda
categoria, de acordo com os autores recém citados. Não vejo nisso um
problema, ao contrário, um modo de fazer fenomenologia na formação de
professores.
Conclusões
O primeiro momento do texto mostrou que a demora no Brasil
de se dar atenção à ciência e a Educação em Ciências é resultado de nossa
colonização e o esforço de muitos fez pesquisa, pesquisadores, grupos
de pesquisa, eventos, revistas serem expressivos muito recentemente.
Do conjunto analisado, percebemos um número expressivo de resumos
com frágil articulação com a Fenomenologia. Um conjunto maior que
enfrentaram o desafio de adensar a compreensão teórica e mais, de fazer
Experienciar e Interpretar na Educação em Ciências e na Educação Ambiental 297
fenomenologia. Por isso, concluo afirmando que a Fenomenologia é um
movimento na pesquisa que exige compromisso filosófico e ontológico.
Também compreendi que a Fenomenologia na Educação em Ciências tem
tido repercussão nas salas de aula com significativo aumento na produção
científica a partir de 2010. A análise mostra o esforço em integrar a
Fenomenologia e a Educação em Ciências.
Por último, vida longa ao Colóquio de Pesquisa em Educação em
Ciências Fenomenológica e Hermenêutica.
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