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15º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, Manaus (AM)
MARCAS DE LUGAR: potencial tipologia de artefatos gestores da
discursividade social
PLACE BRANDS: potential typology of artifacts managing social discourse
PEREIRA, Marcos Paulo do Nascimento; Mestre; Universidade de São Paulo
marcosppaulo@usp.br
BRAGA, Marcos da Costa; Doutor; Universidade de São Paulo
bragamcb@usp.br
Resumo
Esta escrita pretende uma exposição a respeito da marca da cidade de Antuérpia, o A-radiante.
Sua importância é dada pela compreensão de um uso específico da concepção do artefato marca
enquanto possível mediador de conflitos históricos-sociais que se manifestam sobre o território no
estrato temporal correspondente à primeira década dos anos 2000. Trata-se de estudo histórico
de natureza qualitativa exploratória composto de levantamento bibliográfico e pesquisa
documental. Nele, verifica-se um tom de ineditismo dado por sua exposição em língua portuguesa
e pela especificidade do caso visto sob a lente da Micro-História. Como resultado dessa exposição,
o artigo pretende refletir a respeito das potencialidades da marca de cidade e a apreensão do
projeto de marca enquanto artefato mediador da discursividade social.
Palavras-chave: Antuérpia, marca de cidade, história do design, dispositivo, comunicação.
Abstract
This writing aims to present an exposition about the brand of the city of Antwerp, known as the A-
radiant. Its significance lies in understanding a specific use of the concept of the brand artifact as a
potential mediator for historical and social conflicts that manifest over the territory during the
corresponding time period of the first decade of the 2000s. This is a qualitative exploratory
historical study composed of bibliographic research and documentary analysis. Notably, it stands
out due to its presentation in the Portuguese language and the specificity of the case examined
through the lens of Micro-History. As a result of this exposition, the article intends to reflect on the
potentialities of the city brand and the apprehension of the brand project as a mediator of social
discourse.
Keywords: Antwerp, city branding; design history; dispositive, communication.
1. O contexto sinjor: o território de Antuérpia
Era 2004, quando a cidade de Antuérpia, às margens do Rio Escalda e ao norte da Bélgica,
foi apresentada à sua marca de cidade. Elaborada pela agência de publicidade belga LDV United, a
mais nova marca foi resultado de uma disputa acirrada entre concorrentes de uma licitação
lançada pela prefeitura da cidade. À época, Patrick Janssens, do partido progressista Vooruit, era o
prefeito e via-se com uma cidade polarizada para administrar. Em meio a um cenário político
conturbado, o prefeito e ex-profissional de marketing [portanto, ciente do potencial de uma
marca1], tentava diálogo com a oposição. Neste início de século XXI, estamos relatando talvez um
dos períodos de disputa política mais acirrados da história recente de Antuérpia.
Contudo, disputas ferrenhas não eram fatores desconhecidos no território belga banhado
pelo Escalda. Cobiçada historicamente por possuir um dos portos marítimos mais importantes do
comércio do Velho Mundo, a cidade tem um histórico de grandes combates entre espanhóis,
franceses, holandeses e alemães desde a Idade Antiga até meados do século XX (van der Wee,
1963; Pye, 2021). Na Era de Ouro de Antuérpia2 no século XVI, a cidade era o maior porto do
continente europeu em tamanho e fluxo (Puttevils, 2015; Pye, 2021; Tellier, 2019). Essa vantagem
geográfica [e outras disputas, como por exemplo, de credo ou religiosas], garantiu à Antuérpia o
infortúnio de diversas ocupações de domínio por parte de outras nações que travaram guerra no
território belga que só se tornou independente em 1830 (van der Wee, 1963; Pye, 2021).
Tamanha importância comercial, também garantiu a cidade uma mescla riquíssima de
indivíduos advindos de diferentes lugares do globo com habilidades específicas, bem como
diferentes cultos, costumes, etc. Nessa época, em que a cidade alcança seu auge, tudo parecia
convergir para que essa fosse uma Meca europeia
“A economia de Antuérpia nos séculos XIV, XV e XVI tiveram um dinamismo muito
especial. Passou pelo processo de ascensão, expansão, maturidade e decadência com
intensidade peculiar. Deu um estímulo impressionante às correntes comerciais, marítimas
e continentais, que convergiram para a cidade. Inspirou o aparecimento e o crescimento
de novas instituições de novas instituições e intensificou mudanças na estrutura social e
econômica. Foi o coração do comércio, da indústria e da agricultura para uma grande área
e particularmente de Brabante, Flandres e Zelândia. Além disso, a economia de Antuérpia
era uma artéria importante, e por vezes até a principal, de toda a economia europeia.”
(van der Wee, 1963, p.5, tradução nossa).
É perceptível a multiplicidade que transpassa a cidade historicamente ainda no século XVI
“Os cidadãos têm uma escolha de fantasia: Antuérpia como Babilônia, com todas as suas
muitas línguas e crenças, ou Antuérpia como Roma, pela sua dignidade e importância
conscientes. Eles precisam de fantasia para aprender a ser eles mesmos.” (Pye, 2021,
p.25, tradução nossa).
Voltando ao futuro, essa mistura de povos é uma característica que se manteve em
Antuérpia. A cidade é uma das que mais abriga pessoas de diferentes origens no mundo
(Barnouw, 1955; Pye, 2021). Segundo os dados oficiais do Governo Flamengo cerca de 23,2% de
1 Nos referimos à marca em um sentido contemporâneo de interface mediadora não exclusivamente das relações
rodução e consumo material e simbólico, mas como uma forma amplamente inteligível de comunicação (Askegaard,
2006; Kornberger, 2010).
2 Período de ascensão de flamenga no século XVI quando o Porto de Antuérpia foi o centro do comércio marítimo
internacional da época e a cidade representava um território de importância econômica, política e cultural, por sua
produção de mercadorias, comércio e práticas artísticas (van der Wee, 1963; Braudel, 1992; Pye, 2021).
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Antuérpia [quase ¼ da população sem contar os que adquiriram nacionalidade após permanência]
possuem nacionalidade estrangeira3. Certamente, este é um fator potencializador das
possibilidades de divergência sobre um território. Era o que acontecia desde décadas anteriores4
quando as eleições entre lados opostos de ideologias se definiram. Os partidos políticos em
disputa direta eram o Vooruit5 e o Vlaams Blok6. Radical e impalatável7, o bloco de direita com
seus adeptos surfaram no enfraquecimento do lado de oposição devido ao escândalo do Visa8, o
que resultou no domingo negro9. Mesmo com uma frente ampla [denominada de cordão
sanitário10] combinada em conjunto para não negociar com o bloco e enfraquecê-lo, após o
escândalo, eles venceram as eleições ocupando a maior parte da Câmara Municipal de Antuérpia.
“Antuérpia emergiu de uma grande crise em 2004 devido ao episódio do Visa e outros
escândalos. Os outrora orgulhosos cidadãos de Antuérpia já não tinham mais em alta
conta a sua cidade. Havia uma atmosfera amarga. Todos reclamaram. Antuérpia tornou-se
uma cidade dividida, com apoiantes e opositores de todo o tipo de coisas. Em suma,
faltava a Antuérpia um sentimento NÓS. As pessoas também sentiram que a sua cidade
não se comunicava suficientemente com elas. Cada serviço ou departamento comunicava
à sua maneira, com logótipo e identidade corporativa próprios. Havia cerca de até 170
logotipos diferentes em circulação. Tudo parecia vir de remetentes diferentes.” (Effie...,
2017, sp., tradução nossa).
Resultado destes escândalos foi a renúncia da prefeita Leona Detiège [em exercício
de 1995 a meados de 2003] por Patrick Janssens [que ficaria no cargo até 2012]. Nesse momento,
sob tantos escândalos e instabilidade política, ter orgulho de ser um cidadão de Antuérpia era
algo minimamente duvidoso e, para alguns, impensável. Foi neste contexto que a prefeitura da
cidade lançou a publicação de número 6634 no dia 25 de abril de 2004 e enviou por e-mail
um comunicado sobre para diversas agências e escritórios locais.
Ausentando-se um pouco da história e vertendo espaço à teoria, buscamos apoio na
geografia humanística para entender melhor a relação entre território e identidade antes de
continuarmos o excurso. Santos (2000) considera que o território divide o protagonismo com seus
agentes, destarte, ele não é um elemento passivo ou neutros nas correlações estabelecidas na sua
composição. Do contrário, e em complementaridade, Haesbaert e Limonad (1999) expõem que a
relação entre a terra enquanto espaço geográfico e a ação humana são indissociáveis ao seu
próprio conceito, de forma que
“O território é sempre, e concomitantemente, apropriação (num sentido mais simbólico) e
domínio (num enfoque mais concreto, político-econômico) de um espaço socialmente
partilhado. [...] O território possui tanto uma dimensão mais subjetiva, que propomos
denominar de consciência, apropriação subjetiva ou mesmo, em alguns casos, identidade
territorial [...]” (Haesbaert e Limonad, 1999, p.10).
3 Disponível em: vlaanderen.be/en/statistics-flanders/population/population-by-nationality. Acesso em 10/06/2024.
4 cf. Swyngedouw, 2020.
5 Vooruit [Avançar] Partido social-democrata ou socialista [a depender do referencial] fundado em 1978.
6 Vlaams Blok [Bloqueio Flamengo] Partido nacionalista de extrema direita fundado em 1979. No ano de 2004 se torna
Vlaams Belang [Interesse flamengo] devido a crises internas por condenações de crimes de racismo.
7 Não a gosto desta autoria, mas pela defesa de pautas extremistas que se relacionavam a crimes como por exemplo
racismo, xenofobia e homofobia.
8 Constatação do crime de corrupção envolvendo diversas autoridades políticas acusadas de adulterar os
relatórios de despesas dos cartões de crédito municipais em benefício próprio.
9 Ocorrido em 24 de novembro de 1991, este episódio histórico trata-se da vitória do Vlaams Blok nas eleições
federais belgas, que por consequência, irá desarticular o cordão sanitário.
10 Uma articulação feita com diversos partidos de oposição ao Vlaams Blok para minar as negociações possíveis entre
partidos e com isso a sua influência política no geral. Uma estratégia de isolamento da extrema direita.
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Há, neste sentido, um senso intrínseco de que o território é uma amálgama entre
apropriação e domínio. Ele é o lugar em que os tensionamentos entre as relações de poderes
exercidas no campo social ocorrerão, de maneira a não só caracterizar o território, como prover a
consciência de uma identidade territorial resultado dessa amálgama que se baseia nas relações
mutualísticas que ali se desenvolvem. Ainda, é importante sublinhar que, conforme supracitado,
esta dimensão mais subjetiva, pode ser compreendida como uma dimensão que transcende a
materialidade do espaço, revelando-se, portanto, como [também] essencialmente simbólica.
Uma vez que se introduziu Antuérpia, seu contexto naquele momento histórico e conceitos
teóricos básicos e centrais, a exploração proposta pretende estabelecer um viés teórico sobre as
possíveis potencialidades do artefato ‘marca’ tomando como exemplo o que é capaz de emergir
do contexto em que a marca da cidade belga foi criada. Aqui, é indispensável e notória que a
compreensão do artefato não seja algo avulso à existência de um contexto, mas, do contrário,
dependente de imersão e exposição deste.
É de encontro com este raciocínio que se justifica a abordagem da Micro-história conforme
compreendida por Barros (2007) e Levi (1992) que a expõem como uma maneira específica de
enxergar com profundidade um objeto de estudo bem delimitado sob o tempo e espaço por meio
da sua descrição densa realizada pelo uso das informações obtidas das fontes [sinais significativos]
interligadas em uma estrutura inteligível. Portanto, trata-se de um olhar interpretativo e
cuidadoso que requer uma análise intensiva de fontes sob uma questão social, problema e/ou
objeto histórico e cultural sem deixa-lo avulso do seu contexto amplo.
Para esta exposição, esse objeto é o artefato marca da cidade de Antuérpia a partir do ano
de seu lançamento até o fim da primeira década de 2010. Não obstante, e afim de justificar a
necessidade do estudo, a exploração realizada com objetivo de averiguar os potenciais do artefato
marca por meio da tipologia específica de marca de lugar11, é, além de pouco comum, importante
quando consideramos a possibilidade de expansão dos saberes vinculados a este campo específico
de prática projetual em busca de uma apreensão deste artefato como possível mediador da
discursividade social.
2. A-radiante, um mediador silencioso?
Surgiu o A-brilhante ou A-radiante de Antuérpia, projeto vencedor proposto pela LDV
United que tinha como tagline “a cidade é de todos!” [ou ‘t Stad is van iedereen!, em neerlandês].
Para Demey (2014) a principal preocupação reflexo do objetivo do projeto era a proposição de um
sentimento positivo de unidade, uma comunicação que transparecesse que “Antuérpia, somos
nós”. Não absolutamente impensável [vide contexto], essa era uma exposição complementar ao
briefing que solicitava um plano estratégico de marketing e comunicação para a cidade.
A letra “A”, mesmo antes do A-radiante de Antuérpia de 2004, já era de todos desde de sua
aparição anos antes, em 2001, com a realização do Mode2001: Landed/Gelanded12 quando
Antuérpia se consolida como cidade de moda (Demey, 2014; van Beirendonck, Derycke, 2001).
Nesta ocasião, o “A” de Walter van Beirendonck13 já ocupava o imaginário de sua audiência após
11 Segundo Braun et. al., 2014, uma marca de lugar é um signo que identifica um lugar e evoca associações que dão à
ele um significado cultural. Ainda, considera que estas são construções simbólicas que tem como função adicionar
valor e significados aos lugares.
12 Foi um festival voltado à moda que, de forma inovadora, foi projetado para ocupar a paisagem urbana na sua escala
real com diversas atividades na cidade de 26 de maio a 07 outubro de 2001. O festival, que realizou o ano da moda na
cidade, marca a consagração de Antuérpia como cidade da moda.
13 Designer de moda, membro do Antwerp Six, primeira geração de sucesso internacional da moda belga.
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permanecer [por demanda popular] até o fim do ano de 2001 sobre o topo da torre da KBC após
o encerramento em outubro do Mode2001 (figura 1). Sendo assim, observa-se que a adoção de
uma continuidade do “A” como símbolo era um caminho natural para uma marca que
precisava sobretudo da aderência de seus clientes [neste caso, os cidadãos de Antuérpia].
Figura 1 – Página dupla com horizonte de Antuérpia e o “A” sobre a torre comercial
Fonte: Digitalização do autor (2023) de van Beirendonck e Derycke (2001)
Figura 2 – A esquerda, folheto com identidade visual do Mode2001. A direita, exemplo da
aplicação do “A” como um dos elementos gráficos pertencentes a identidade construída.
Fonte: Digitalização do autor (2023) de van Beirendonck e Derycke (2001)
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Apesar da existência prévia do “A” de Beirendonck ser um condicionante importante,
Demey (2023) reconhece sua importância única e exclusivamente como mais uma das
inspirações dentre tantas do processo criativo. Ou seja, não se trata de uma releitura ou de um
redesign, mas de um novo projeto [inclusive, de uma outra tipologia] que vislumbrou neste
outro maiores chances de aderência da audiência. Ainda, o autor do projeto destaca que pensar
em uma letra “A” como uma solução gráfica para uma cidade que se chama Antuérpia, não seria
algo obviamente fora de qualquer horizonte. O A-radiante não é um derivativo14, mesmo porque,
neste projeto está claro que antes mesmo da solução traduzida em configuração visual, em
artefato marca, houve a entrega do que foi solicitado no briefing: um plano estratégico de
marketing e comunicação.
Assim, constata-se contextos diferentes que promovem diferentes sinais gráficos com uso
do mesmo caractere que se tornou um símbolo da cidade com significados diferentes. O primeiro,
revela e ajuda a consolidar Antuérpia como cidade da moda, parte da identidade do Mode2001. O
segundo, atende as necessidades do briefing e do discurso proposto pela equipe da LDV, o nós,
uma unificação dos cidadãos. Nesta intenção sobre a linha de base: “a cidade é de todos!”, a
equipe de Demey, chegou à conclusão de que apenas o caractere não bastava, segundo a equipe,
faltava orgulho na marca (Demey, 2014). O caractere precisava atuar como um aglutinador, um
centralizador das atenções e do orgulho, ele precisava irradiar positividade e otimismo. Resultado
de uma busca entre várias opções, finalmente se chegou a uma versão final do logotipo proposto
para Antuérpia, o A-radiante.
Figura 3 – A esquerda, a marca gráfica da cidade de Antuérpia. A direita, a marca gráfica com linha de base.
Fonte: Demey (2014)
Dentre os muitos caminhos possíveis, da descrição à análise, uma vez que desvelado o
logotipo, opta-se aqui por uma reflexão sobre o contexto do projeto, sua intencionalidade e por
fim, sua forma de sociabilização [o projeto de marca, e, portanto, a marca como dispositivo]. Tudo
isso para articular conceitos teóricos já relacionados ao contexto de marcas na sua condição pós-
moderna (Semprini, 2010; Agamben, 2009) e que nos auxiliarão a compreender e alcançar o
objetivo desta exposição. Quanto ao contexto [já exposto no tópico anterior e neste], nota-se que
este é um condicionante fundamental, não só, para a existência da licitação proposta pela
autoridade da cidade, como o viés discursivo que foi uma das escolhas projetuais feitas pela
LDV United. Desse modo, se percebe a intencionalidade imbuída ao projeto de acordo com os
fatores históricos-sociais que o concebem.
14 Mesmo porque o “A” de Beirendonck não se tratava de uma marca, e sim algo mais próximo, em função, de um
elemento gráfico da identidade do Mode2001: Landed/Gelanded. Novamente, ambos os “A”s de Antuérpia, seja o de
2001 ou o de 2004, tem sua relevância e sua influência mas apresentam funções e contextos de produção díspares e,
portanto, tipologias de projetos diferentes.
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Quanto a sociabilização, é sabido que Demey, na posição de líder do projeto considerou a
inserção do A-radiante sobre Antuérpia natural e silenciosa:
“Queríamos colocar o logo [marca gráfica] na cena de rua o mais rápido possível de forma
natural. De preferência abraçado por Antuérpia o mais rápido possível. É por isso que
optamos por uma implementação rápida. Quatro meses após a aprovação do concurso, a
estratégia – ou certamente a nova forma com o radiante A – é comum para 7700
funcionários [internos]. [...] Todos os meios de comunicação silenciosos, como folders,
brochuras, folhetos e papelaria institucional foram impressos ou reimpressos na nova
identidade corporativa” (Demey, 2014, p.52-53, tradução e interpolação nossa).
Isso porque a forma de implementação tinha por estratégia uma aderência da base social
em primeira instância e depois os seguintes setores sociais, por isso
“A cada duas semanas, a folha de informações De Antwerpenaar era distribuída para os
ônibus [da cidade]. O layout é ajustado para que cada residente veja rapidamente a nova
identidade corporativa de Antuérpia e o A-radiante. Juntamente com o jornal De
Antwerpenaar, todos os moradores recebem adesivos gratuitos em seu ônibus com
inscrições como “louco por A”, “a caminho de A”, “estou em A”. Os adesivos rapidamente
encontraram seu caminho para carros, janelas, mochilas e outros lugares (Demey, 2014,
p.53, tradução e interpolação nossa).
Além de iniciativas referentes à interação da marca gráfica com a sociedade, foi proposto
um plano de comunicação organizado por diferentes tipos de campanha a serem veiculadas em
diferentes mídias. As campanhas foram divididas em campanhas de perfil [A], campanhas
motivacionais [B] e campanhas informativas [C] a serem distribuídas da forma a seguir:
Figura 4 – Infográfico de tipos de campanha e seus respectivos tipos de veiculação hierarquizados
Fonte: Traduzido e elaborado pelo autor (2023) de Demey (2014)
De maneira objetiva, as campanhas de perfil [A] tinham como objetivo “projetos únicos
que podem ser um meio particularmente poderoso para aumentar o orgulho entre a população,
criando fãs, por assim dizer” (Demey, 2014, p.42). As motivacionais [B], por sua vez, estavam
relacionadas em promover e comprovar o compromisso da administração com a cidade em
aumentar sua qualidade e assim, por decorrência, o orgulho e identificação positiva com a cidade.
Por fim, e não menos importante, as informacionais se detinham a promover as informações
necessárias aos cidadãos sobre atividades e serviços que estavam em atividade na cidade
promovidos em sua maioria pela administração, mas não restrito apenas a eles.
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Pertencente a um plano estratégico mais complexo e de muitos níveis, expostos por
detalhes na obra de Demey (2014), o projeto elaborado para a cidade de Antuérpia, possuía em
seu cerne a mudança de imagem e orientação positiva da opinião pública sobre o seu território de
forma que através do orgulho comum, a sociedade pudesse criar um sentimento de unificado
sobre a cidade e, não só, da política pública que estava sendo exercida [interesse latente por parte
da administração da cidade]. Consequência disso, seria o próprio apaziguar dos ânimos
separatistas que preponderavam sobre o território.
Apesar desta forte tendencia à uma influência de sentido político, o discurso veiculado
sobre a marca seguiu a mesma linha que a seguir em parte majoritária dos registros históricos
“O objetivo desta campanha [refere-se ao projeto de marca] foi expressamente não atrair
turistas ou empresas. Também não é uma campanha baseada na política. É uma
campanha da cidade de Antuérpia para o povo de Antuérpia. A comunicação da cidade
com os seus cidadãos é um importante agente de ligação. A comunicação deve contribuir
para um sentimento positivo do NÓS e transformar novamente os residentes de Antuérpia
em apoiantes da sua cidade.” (Effie..., 2017, sp., tradução e interpolação nossa).
Destarte, o que se percebe aqui, é que mais do que um logotipo, a marca, no exercício de
sua sociabilidade [implementação de estratégia, e por consequência, pontos contato] transcende
uma compreensão rasa do design visual [por vezes, limitada a execução da marca gráfica] e se
materializa por meio de uma compreensão próxima ao entendimento de dispositivo.
Agamben (2009, p.13), considera como dispositivo “literalmente [...] qualquer coisa que
tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar,
controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”. Esta
ampla consideração tem uma raiz foucaultiana que assume pressupostos elaborados que nos são
importantes: em primeiro, que o dispositivo ele sempre se inscreve em uma relação de poder
exercendo influência sobre elas; em segundo que sua função é estratégica e concreta [baseada em
uma manipulação racional de forças]; e por fim, este pode ser linguístico ou não linguístico.
Com isso, nos aproximamos de uma compreensão mais subjetiva e complexa de entender
o artefato e também seu projeto. Contudo, não se reflete-se aqui em um sentido generalista em
que todo e qualquer artefato marca pode está posto sobre esta compreensão. Apesar de possível
[sob outras conjecturas teóricas e semelhantes], nos interessa aqui, considerar aspectos
importantes e exclusivos da tipologia marca de lugar que favorecem este entendimento e
potencialização seu exercício neste sentido. Por isso, em conseguinte, continua-se a exploração e
descrição sobre o caso de Antuérpia para exposição desses demais nuances.
3. Comunicação de cidade, não marketing de cidade
“Como leitor atento, você sabe a partir da descrição do grupo-alvo em diferentes deles,
que a nossa história é uma história de comunicação de cidade. Isso é diferente do
marketing de cidade, embora o que desenhamos e fizemos para a cidade de Antuérpia
tenha sido erroneamente apresentado várias vezes como marketing urbano. Este, se
dirige a um grupo-alvo externo e, assim, tenta comercializar a cidade. No entanto, nosso
grupo-alvo é claramente um grupo-alvo interno” (Demey, 2014, p.27, tradução nossa).
A partir dessa enfática afirmação [sobretudo, perspectiva], o que se estabelece é uma
noção específica dentro do próprio campo do desenvolvimento das marcas de lugares. Neste
campo, com diferentes tipologias, há possibilidade de identificação, por modo estratégico de
comunicação preconizado. Uma vez que o este modo estratégico opta por uma comunicação
voltada ao público interno, ou seja, seus cidadãos, por excelência, estamos lidando com uma
marca de lugar e não uma marca de destino (Govers, 2011; Zbuchea, 2014).
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Frequente e erroneamente confundidas, estas tipologias tem como diferença essencial,
além do escopo da comunicação [interno/externo], a apreensão do modo de promoção. Quando
este é direcionado a promoção de um destino turístico [intrinsecamente, um outro lugar,
desvinculado do território15, fabricado na mente dos estrangeiros], voltado, portanto ao público
externo, temos uma marca turística ou marca de destino. Do contrário, têm-se uma marca de
lugar, em que existe uma correspondência com a amalgama já supracitada entre território e
apropriação que gera o lugar. Devido a isso, esta comunicação deve ser preferencialmente
interna, voltada aos habitantes do território. É o caso de Antuérpia.
Torna-se evidente que há uma diferente construção de estratégia e de aplicação do
marketing envolvidos em ambos os casos, e por esta razão, adota-se comunicação de cidade como
esse tipo específico de marketing para este caso [veja, também é marketing que atende as partes
interessadas, ou ainda, o interesse dos sujeitos sociais, e modo de exercer influência político-
simbólica]. A este ponto, no cerne da compreensão das diferentes estratégias possíveis, há uma
confluência desta noção específica de exercício de influência para com o conceito e características
do dispositivo exposto anteriormente. Isso é dado quando as condições histórico-sociais que
atuam sobre a formulação do projeto [já elencadas] em que claramente é visto um interesse na
mediação entre relações de força por meio da atividade sobre a discursividade social.
Aqui, se entende este conceito como o processo racional de avanço sob as conclusões da
realidade social por meio da inferência de enunciados sucessivos ou concatenados. Em um sentido
kantiano, ao contrário do intelecto intuitivo, a discursividade demanda a racionalização e,
consequentemente, a formulação, elaboração de conceitos. Quando Semprini (2010) propõe a
marca pós-moderna e cunha o conceito de forma-marca, assume também ela como um
dispositivo gestor da discursividade social. Isso também se atesta em trabalhos mais recentes16.
Estas são incursões que tratam sobre a ampliação da capacidade das marcas na sociedade pós-
moderna gerarem uma multiplicidade de discursos. Contudo, concentram seus esforços nas
marcas corporativas e se atém a uma compreensão da discursividade social que é fruto de uma
reflexão que parte do campo semiótico.
Quando tratamos de marcas de lugar como neste estudo, caminhamos no mesmo
sentido, admitimos marca como dispositivo e por isso, há a preferência da aproximação da
discursividade social aos tensionamentos das relações de poder proposto no entendimento
de discurso do campo filosófico e sociológico (Foucault, 1996). Isso não implica em um
separatismo teórico ou inaugura uma outra compreensão do conceito, mas torna mais evidente
o sentido [ou prisma de observação] que se pretende neste estudo.
Isto posto, é possível verificar esta ampliação de capacidade discursiva e tensionamento
das relações sociais a partir do exemplo de campanha realizada pela LDV United no ano de 2006
para a polícia de Antuérpia para mudar a percepção de segurança e relação dos cidadãos com o
seu agente de bairro. Novamente, um problema [a segurança da cidade] íntimo à percepção
geradora de reputação positiva. O pressuposto imediato era que por ser uma cidade, Antuérpia
seria insegura. O que se constatou como problema além desse pressuposto imediato foi que os
agentes de bairro não eram conhecidos pelos moradores de cada bairro quando estes deveriam
“ser conselheiros confidenciais, um mediador, que conhece bem o bairro e muito acessível para
todos os casos que não seriam urgência” (Demey, 2014, p.73, tradução nossa).
15 Não de suas propriedades geográficas [aspectos mais inerentes], mas de suas múltiplas apropriações dadas por sua
demografia, e, portanto, sublimáveis ou não.
16 c.f. dos Santos, 2019.
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A campanha trabalhou não só o nível informacional [C] de trazer aos cidadãos contatos
essenciais a sua segurança, como também o nível motivacional [B] em que se afeta por
consequência a percepção de segurança do cidadão em seu âmbito pessoal e público relacionado
a cidade. No momento em que você faz o cidadão se sentir mais seguro, a percepção é de que
Antuérpia é segura, assim alcançando efeitos na discursividade social.
De nível motivacional, a campanha alcançou o espaço de mídia proposto pelo infográfico
da figura 04 para este tipo de categoria. Em dois níveis, amplo e individual [um para um]. Neste
primeiro ela alcançou telas, jornal da cidade, site e boletim informativo eletrônico. No segundo
uma correspondência distribuída nos ônibus de um folheto de 8 páginas, um cartão específico do
seu agente de bairro conforme a linha, e um imã de geladeira com foto e telefone do agente do
bairro conforme mostra a figura a seguir.
Figura 5 – A esquerda, divulgação de impresso de nível amplo com a chamada “O agente de bairro está
lá para você17”. A direita, kit de divulgação da campanha a nível individual entregue nas residências.
Fonte: van Lil (2008) e Demey (2014)
Ainda segundo (Demey, 2014) os resultados da campanha medidas por indicadores de
desempenho oficiais, retornaram que 89% dos habitantes perceberam a campanha. Ela gerou em
55% dos entrevistados a sensação de segurança buscada e 80% deles a consideraram útil. Ainda,
antes da campanha, 11% dos habitantes conheciam seu agente local por nome ou rosto. Após,
este número subiu para 34%. Nas palavras de Demey (p. 77, tradução nossa)
“A comunicação pode resolver o problema se segurança em uma cidade? Não. O que a
comunicação pode fazer neste caso é informar. De uma forma relevante. Isso é útil para o
cidadão. Ao informar claramente, você, como conselho da cidade, também mostra que
está preocupado com a segurança. Dessa forma, você pode aumentar a sensação de
segurança. Desta forma a comunicação pode fazer uma contribuição positiva para as
pessoas e a sociedade.”
Não somente, a campanha estendeu-se em 2007 ao recrutamento local de cidadãos para a
polícia de Antuérpia, trabalhando como a imagem da própria corporação de forma positiva para
atrair novos candidatos. Evadindo os pormenores da estratégia para esta breve exposição, a
campanha para polícia de Antuérpia “Apenas comece” foi fruto da coleta de histórias reais de
policiais da cidade que foram os primeiros a serem consultados e terem contato com a campanha
por meio do recebimento de canecas personalizadas da campanha e rosquinhas pela manhã no
escritório. Evidentemente, uma forma de valorizar e trabalhar o orgulho na corporação de dentro
17 O “A” também significa "você" em um dialeto tradicional de Antuérpia.
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para fora. O recrutamento em ampla mídia [para o público externo], era um convite a ação, a
apenas começar. Nele os cidadãos comuns foram expostos a perguntas extraídas [ou formuladas]
com bases nos depoimentos cedidos pelos oficiais.
Figura 6 – A esquerda, caneca personalizada e rosquinhas distribuídas aos oficiais internos junto a peças de
divulgação ampla em língua inglesa. Ao centro e a direita, peças na língua nativa com “Basta encontrar as palavras
certas se alguém não entender holandês”; “Como, sendo um oficial negro, tranquilizar alguém que realmente tem
medo de você?” [tradução nossa] – exemplos reais de problemas cotidianos dos agentes de bairro da cidade.
Fonte: LDV United (2007) e Demey (2014)
Em estratégia um para um, novamente uma correspondência a todos os que estavam
finalizando o ensino médio. Segundo o autor, o jovem ao receber uma carta da polícia, “tem
assunto garantido na mesa da família”. Pois bem, essa correspondência era na verdade um kit
com um diário de um inspetor com alguns desses depoimentos de mídia ampla, e um convite
a um evento informativo onde a juventude pode ter contato com os policiais em carne e
osso para todas as suas questões. Do policial no serviço e no escritório, passando pelo cidadão
comum até o potencial futuro jovem e futuro candidato, todos são impactos pela campanha
“o círculo está completo” (Demey, 2014, p.83-84, tradução nossa).
Figura 7 – Correspondência enviada as residências para os jovens considerados possíveis ingressantes
contendo: a carta da polícia local e um diário de inspetor com o mesmo teor de toda campanha.
Fonte: Demey (2014)
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Os resultados da campanha, certamente positivos, foram todos emitidos por um único
enunciador e interface: o A-radiante. Presente em todas as comunicações [acima foi apenas um
exemplo pontual] e a cada momento de mudança de percepção sobre o cotidiano particular e
amplo sobre a própria cidade, este mediador, naturalmente [também] projeto de design gráfico,
teria se tornando a figura cativa desses momentos, articulando e capitalizando valores positivos
para com seu remetente. Há dessa forma uma considerável ampliação do brand-equity18 da marca
que até os dias atuais estampa toda e qualquer comunicação oficial da cidade de Antuérpia.
4. Uma história para observar, a marca de Antuérpia
Evidentemente, em algum momento a LDV United iria vir a perder as repetidas licitações
que vinha ganhando para continuar à frente da gerência do A-radiante e da comunicação de
Antuérpia. Isso aconteceu em 2013. Após isso, mesmo aos sabores e dissabores de novas gestões
políticas e com outros direcionamentos ideológicos no poder, o A-radiante sofreu alterações, mas
não foi substituído e nem substancialmente alterado desde de seu aparecimento em 2004 [não
por falta de tentativas]. Dentre as alterações mais relevantes, está a mudança, e por fim, retirada
da linha de base “a cidade é de todos!”. O fato é que o “A” de Antuérpia tornou-se uma marca
forte, abraçada pelos seus cidadãos e único projeto em sua tipologia ao vencer um Effie Awards19
em 2007.
“O número de residentes de Antuérpia que estão realmente orgulhosos aumentou 5% (de
62,4% em 2004 para 67,6 em 2007). Mas o que é ainda mais importante é que a
atmosfera negativa foi invertida. Em 2004, 23% não estavam nada orgulhosos de
Antuérpia; em 2007, esse número caiu para menos de 10. Todas as campanhas testadas
tiveram uma pontuação extremamente boa. São invariavelmente notados por mais
de 50% dos residentes de Antuérpia e a atribuição é consistentemente superior a 80.
O fã-clube cresce ano após ano. O número de visitantes na recepção de Ano Novo mais do
que triplicou (2005: 3.000 visitantes; 2007: 10.800). E por último: as vendas de gadgets A
estão em alta e, onde quer que você vá pelas estradas flamengas, encontrará alguém com
um adesivo, um broche ou uma camiseta” (Effie..., 2017, sp., tradução e interpolação
nossa).
Visto isso, é importante ressaltar quando se indica observar a marca neste sentido mais
amplo, não se pretende preconizar ou ir ingenuamente ao encontro de formulações mágicas para
o sucesso de uma marca de lugar, ou marca gráfica de lugar. Aqui, têm-se consciência que cada
território e lugar em sua temporalidade específica tem suas necessidades e características únicas
que os fazem ser o que são, únicos no mundo. Contudo, esta curta observação chama atenção a
respeito de como o projeto de marca da cidade de Antuérpia enquanto comunicação de cidade
interna, tem se aproximado do conceito de marca pós-moderna proposta por Semprini (2010) que
a considera como um dispositivo de alcance geral, um modo de organização e gestão da
discursividade social, conceito que o autor confere o nome de forma-marca.
A escolha do termo “aproximado”, não é desproposital nesta exposição. Diferente do que
propõe o semioticista, esta autoria não adere a nomenclatura proposta por Semprini (2010),
18 Segundo a Interbrand (2006), brand equity se trata da soma dos diferenciais tangíveis e intangíveis das
qualidades [valores] de uma marca, às vezes referido como capital de reputação.
19 Criado pela New York American Marketing Association, “os Effie Awards são conhecidos por anunciantes e agências
em todo o mundo como o prêmio mais proeminente do setor e reconhecem toda e qualquer forma de comunicação
de marketing que contribua para o sucesso de uma marca. Desde 1968, ganhar um Effie tornou-se um símbolo global
de conquista” (Effie Awards Belgium, 2024).
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estabelecendo preferência apenas por dispositivo. Isso porque, nossa reflexão sobre o fato de a
marca pós-moderna ser um possível gestor da discursividade social é limitada a uma tipologia
específica de marca, ou ao menos mais evidente, quando falamos sobre marca de lugar. Isso
porque, este nível de profundidade no estrato social é mais suscetível em uma marca que possa
corresponder a representação deste estrato, seja pela sua territorialidade ou pelo seu aspecto
político público. No caso desta tipologia a que nos referimos estes são aspectos latentes.
Que seja sublinhado aqui, que esta é uma reflexão em progresso que carece de maiores
investigações. No entanto, há uma compreensão à priori, de que, hipoteticamente, uma marca
corporativa do setor privado atual [daí, portanto, forma-marca] provavelmente teria menos
impacto na discursividade social do que uma que privilegia os aspectos anteriormente citados. É
neste sentido que a partir da discursividade social, introduzimos o conceito de dispositivo como
um mediador das relações de forças. O caso da marca de Antuérpia torna isso explícito. Em acordo
com Demey (2014), não é como se a marca por si, fosse a resolução dos problemas estabelecidos.
Contudo, ela pode ser de grande valia se bem articulada e compreendida como mais do que um
projeto gráfico, mas um dispositivo mediador de discursos sociais.
5. Considerações finais
Neste sentido, considera-se possibilidades a respeito do artefato marca, da marca gráfica,
do design e da atitude projetual a ser desenvolvida no processo de concepção de marca de lugar
[e exclusivamente a essa tipologia?] sobre este prisma teórico. Em primeiro, torna-se essencial
uma visão ampla do escopo de alcance do projeto uma vez que este precisa ser compreendido
como um dispositivo. Sendo assim, o artefato marca, precisa ter seu briefing articulado no sentido
de considerar o exercício entre forças que estão coabitando este escopo e em como atuar sobre
ele diretamente [ou sobre sua percepção] como parte integrante e fundamental de sua estratégia,
o seu core20.
Evidente que, ser consistente no planejamento estratégico das ações da marca levando
em consideração esse primeiro movimento projetual é fundamental para uma comunicação
clara e sua longevidade. Este é um movimento que deve ser refletido também no projeto e
configuração visual da marca gráfica. Nesse sentido [e a priori], esta transmuta-se em parte
essencial no exercício do dispositivo sendo ela, além de sua principal interface de mediação,
a primeira a apresentar-se a consciência de forma não-verbal e, por vezes, de forma inesperada. A
interface é o primeiro contato, ou a identificação da ação do dispositivo, sua pregnância
portanto, é fundamental para aderência e estabelecimento do exercício deste. De fato, sob
este fluxo de pensamento, o projeto e a implementação da marca gráfica são determinantes
sobre o sucesso da mediação dos discursos.
Ampliando a discussão a ponto de nos referirmos e refletirmos sobre a episteme do design
em si, sob estas circunstancias [da marca de lugar como gestor e mediador da discursividade
social, dispositivo] não estamos distantes de discursos que já foram averiguados ao se debruçarem
a pensar o papel social do design gráfico (Braga, 2011; Frascara, 1989; Margolin & Margolin, 2004;
Margolin, 2006) e, por consequência do próprio design. Contudo, sobre o prisma específico aqui
ensaiado e teoricamente amparado, o artefato marca entendido como dispositivo, amplia a
concepção do próprio projeto que a priori volta sua atenção ao exercício pretendido sobre as
relações de forças em que esse dispositivo irá inserir-se. Trata-se de uma perspectiva sobretudo
de observação do contexto sócio-histórico e da função estratégica e concreta que se deseja
20 Equivalente a coração, ou [neste caso] melhor, alma. Dessa forma, se preconiza que a alma do projeto de marca
seja a função do dispositivo, a mediação e intervenção entre forças e poderes.
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projetar e imbuir neste ambiente. Novamente [e, sem esquecer], se insiste no questionamento
se esta é uma discussão que encontra maior capilaridade sobre um projeto relacionado ao
território com influencia direta da esfera pública.
Por fim, a atitude projetual. Como opção latente, esta poderia encontrar descanso sobre
uma postura de investigação fundamentalmente fenomenológica no sentido de considerar uma
atenção íntegra sobre os estudos do funcionamento e diagnóstico da percepção. Como visto em
todo o excurso até aqui, o objetivo inicial que a marca de Antuérpia se propôs em suma, foi uma
alteração do estado da percepção individual e coletiva que, por fim, veio a gerar consequências na
na materialidade e discursividade social. Neste sentido, destaca-se que o exercício do dispositivo
foi [e pode ser] sobre a percepção [em vários níveis] de um objeto, neste caso, a cidade. Quando
neste campo, uma atitude projetual que priorize além da estratégia, as questões fenomenológicas
do projeto é um caminho viável e ainda pouco explorado pelo design.
Finalmente, objetivando explorar as potencialidades do artefato marca de lugar em
específico, observou-se que esta é uma tipologia de projeto que por sua própria natureza pode ser
dissecada e explorada em diversas frentes [como por exemplo, metodologicamente] enquanto
laboratório de design que pense artefatos enquanto dispositivos gestores de discursividades,
operadores de relações de força e da percepção social individual e coletiva sobre o território, e
sobre consequentemente sobre sua identidade territorial. Há, portanto, múltiplas vias de
exploração e ensaio de um design que consiga, de fato, operar a materialidade por meio do
exercício sobre a percepção da realidade, o que pode servir de caminho frutuoso para novas
incursões do gênero em outras tipologias de artefatos.
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