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estudos &
memórias
CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
VILA NOVA DE SÃO PEDRO
E O CALCOLÍTICO NO
OCIDENTE PENINSULAR
2
Mariana Diniz • Andrea Martins • César Neves • José M. Arnaud
estudos & memórias
Série de publicações da UNIARQ
(Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa)
Direcção: Ana Catarina Sousa
Série fundada por Victor S. Gonçalves (1985)
23.
Vila Nova de São Pedro e o Calcolítico
no Ocidente Peninsular 2
ponsáveis pelos seus originais, respeitando a UNIARQ a sua autoria e não sendo responsável por
ÍNDICE
7 VILA NOVA DE SÃO PEDRO – MONUMENTO NACIONAL
José M. Arnaud, Mariana Diniz, César Neves, Andrea Martins
21 EUGÉNIO JALHAY E O CASTRO DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO – NOS ECOS DA PROVÍNCIA
DE PORTUGAL
António Júlio Limpo Trigueiros, SJ
37 MANUEL AFONSO DO PAÇO, MILITAR E ARQUEÓLOGO
VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL): NOVOS DADOS SOBRE ESTRUTURAS,
MATERIAIS E CRONOLOGIA
César Neves, Andrea Martins, Mariana Diniz, José M. Arnaud
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E MARIA DE LOURDES COSTA ARTHUR (1924-2003): UMA HISTÓRIA
NO FEMININO
Ana Cristina Martins
123 O ESPÓLIO METÁLICO DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO – INVESTIGAÇÕES ARQUEOMETALÚRGICAS
António M. Monge Soares
135 O TERRITÓRIO DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO NO 3º MILÉNIO A.C: ANÁLISE DE PROVENIÊNCIA
DAS MATÉRIAS-PRIMAS LÍTICAS A PARTIR DE NOVOS DADOS (2017-2018)
Patrícia Jordão, Nuno Pimentel, Andrea Martins, Pedro Cura, Mariana Diniz, César Neves, José M. Arnaud
153 ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO
(AZAMBUJA, PORTUGAL)
Cleia Detry, Mariana Diniz, César Neves, Andrea Martins, José M. Arnaud
171 INVESTIGATING THE ECONOMIC INTEGRATION OF COASTAL AND INTERIOR SETTLEMENTS
IN LATE PREHISTORIC PORTUGAL: NEW ISOTOPIC DATA FROM VILA NOVA DE SÃO PEDRO
(AZAMBUJA, PORTUGAL)
Anna Waterman, Cleia Detry, César Neves , Mariana Diniz, Andrea Martins, José M. Arnaud, David Peate
185 NOVAS IMAGENS DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL): O CONTRIBUTO
DA FOTOGRAMETRIA
A CERÂMICA CALCOLÍTICA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO – CARACTERIZAÇÃO TEXTURAL,
QUÍMICA E MINERALÓGICA
Rute Correia Chaves, João Pedro Veiga, António M. Monge Soares
221 PRODUTOS SECUNDÁRIOS EM VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL): AS “QUEIJEIRAS”
Lucas Barrozo, Mariana Diniz, Andrea Martins, César Neves, José M. Arnaud
239 SYMBOLART – ABORDAGEM METODOLÓGICA NÃO DESTRUTIVA PARA A CARACTERIZAÇÃO
DE ARTEFACTOS SIMBÓLICOS DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
César Neves, José M. Arnaud
A COLABORAÇÃO DO ANTIGO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
COM AS ESCAVAÇÕES DE VILA NOVA DE S. PEDRO: ALGUMAS NOTAS HISTÓRICAS
Ana Maria Silva
CONHECIMENTO E MEMÓRIA: A SALA DO POVOADO FORTIFICADO DE VILA NOVA DE SÃO
PEDRO NO MUSEU DE AZAMBUJA
Nuno Nobre
279 LA PÉNINSULE IBÉRIQUE ET LE CHALCOLITHIQUE DE LA MÉDITERRANÉE OCCIDENTALE:
ANALOGIES ET CONTRASTES
Jean Guilaine
287 POSFÁCIO
153
Cleia Detry
UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa /
cdetry@letras.ulisboa.pt
Mariana Diniz
UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa /
Associação dos Arqueólogos Portugueses / m.diniz@letras.ulisboa.pt
César Neves
UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa /
Associação dos Arqueólogos Portugueses / c.augustoneves@gmail.com
Andrea Martins †
UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa /
Associação dos Arqueólogos Portugueses / Fundação para a Ciência e a Tecnologia / andrea.arte@gmail.com
José M. Arnaud
Associação dos Arqueólogos Portugueses / direccao@arqueologos.pt
Resumo: Apresentamos neste artigo novos dados sobre os restos faunísticos recuperados nas escavações
mais recentes do povoado calcolítico de Vila Nova de São Pedro.
Continuando trabalhos anteriores analisamos aqui mais três contextos da área 1, e outros dois da área 3, das
sondagens 1 e 2. Os elementos estudados permitiram adicionar mais informação à caracterização do con-
junto faunístico conservado em Vila Nova de São Pedro. A elevada diversidade de espécies selvagens iden-
ticadas no conjunto, como o castor, lince-ibérico e urso, combinado com a identicação de vários ossos
de auroque, javali e veado, permitem demonstrar como seria importante a atividade cinegética para estas
populações. A identicação de espécies domésticas como a vaca, ovelha, cabra e porco conrmam também
a convivência com um modo de vida ligado à pastorícia que seria também certamente muito relevante para
estas populações.
Palavras-chave: Zooarqueologia; Calcolítico; Vila Nova de São Pedro; Animais domésticos.
Abstract: In this article, we present new data on the faunal remains recovered in the most recent excava-
tions of the Chalcolithic settlement of Vila Nova de São Pedro. Building upon previous work, we analyse
three additional contexts from area 1 and two from area 3, from test pits 1 and 2. The elements studied have
allowed us to add more information to the characterization of the faunal assemblage accumulated by the
people who inhabited Vila Nova de São Pedro. The high diversity of wild species identied in the assemblage,
such as beaver, Iberian lynx, and bear, combined with the identication of various bones from aurochs, wild
boar, and red deer, demonstrates the importance of hunting activity for these populations. The identication
of domestic species such as cow, sheep, goat, and pig also conrms coexistence with a pastoral way of life,
which would undoubtedly have been highly relevant for these populations.
Keywords: Zooarchaeology; Chalcolithic; Vila Nova de São Pedro; Domestic animals.
ENTRE DOMÉSTICOS
E SELVAGENS: NOVOS
DADOS SOBRE A FAUNA DE
VILA NOVA DE SÃO PEDRO
(AZAMBUJA, PORTUGAL)
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 154
1. INTRODUÇÃO
Desde 2017, que uma equipa da Associação dos Arqueólogos Portugueses e da UNIARQ – Faculda-
de de Letras da Universidade de Lisboa tem vindo a desenvolver trabalhos arqueológicos no sítio
calcolítico de Vila Nova de São Pedro (Martins et al., 2019) com o intuito de melhor caracterizar
os contextos de ocupação humana e de proceder a um novo quadro cronométrico (Martins et al.,
2019) (Figura 1).
O sítio arqueológico de Vila Nova de São Pedro é de importância fulcral para a compreensão
do estabelecimento do modo de vida das sociedades camponesas na Estremadura, devido à
extensão do espaço do povoado, resultados obtidos ao longo dos anos, número e diversidade de
elementos recuperados.
Neste projecto, não só as escavações recentes têm sido objeto de estudo, mas também as
escavações antigas dirigidas por Afonso do Paço foram alvo de registo e recuperação da infor-
mação existente no Arquivo , conservado no Museu Arqueológico do Carmo. Todos os dados têm
sido, paulatinamente, disponibilizados, nomeadamente na plataforma online em https://vnsp.
arqueologos.pt.
A ligação à comunidade não foi descurada. Os legados locais reconstruídos foram regista-
dos e guardados, recuperando também a memória das escavações antigas e fazendo com que as
populações locais retomem as ligações ao seu património cultural local.
No âmbito deste projecto, uma das linhas de investigação é o estudo Zooarqueológico dos
restos de Vila Nova de São Pedro, tanto na recuperação e registo dos dados das escavações
mais antigas de Afonso do Paço e Eugénio Jalhay, depositados no Museu Arqueológico do Carmo
(Francisco et al., 2020), como de contextos particulares das escavações mais recentes como é o
caso da Unidade [305] datada dos Calcolítico Médio/Idade do Bronze (Detry et al., 2020).
Neste artigo continuamos esta análise com a inclusão de mais unidades de áreas distintas
do povoado e datadas em três fases distintas dentro do Calcolítico. Os resultados conrmam
a elevada diversidade especíca encontrada anteriormente, reforçando do mesmo modo a de-
pendência do grupo sobre espécies selvagens. O auroque (Bos primigenius), javali (Sus scrofa)
e veado (Cervus elaphus) seriam recursos relevantes, mas as espécies domésticas foram igual-
mente exploradas, nomeadamente a ovelha (Ovis aries), cabra (Capra hircus), vaca (Bos taurus) e
porco (Sus scrofa domesticus) são abundantes entre os restos. A presença de lince-ibérico (Lynx
Figura 1 – Vila Nova de São Pedro (Arquivo VNSP 3000).
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
155
pardinus), castor (Castor ber) e texugo (Meles meles) vieram complementar as espécies já co-
nhecidas. Pela primeira vez, observámos dois restos de cão (Canis lupus familiaris), que apesar
de presente nas coleções antigas do Museu Arqueológico do Carmo (Francisco et al., 2020) e
terem apresentado indicadores indirectos como ossos roídos, só agora aparecem nos restos das
escavações realizadas no âmbito do projecto VNSP3000.
Por m, escassos restos de moluscos foram encontrados, sendo o berbigão (Cerastoderma
edule) e a ameijoa (Ruditapes decussatus) os mais frequentes, conrmando a utilização de al-
guns recursos costeiros.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO ARQUEOLÓGICA
Neste artigo foram incluídos os dados das Unidades Estratigrácas da área 1 e 3, tendo sido se-
lecionadas por terem contextos bem denidos e datados, as seguintes:
– Área 1 / Sondagem 1 – UE: [116], [117], [125];
– Área 3 / Sondagem 1 – UE: [310], [316] e [319].
– Área 3 / Sondagem 2 UE: [201], [204];
2.1. Área 1 / Sondagem 1
Na Área 1, a intervenção arqueológica tem incidido directamente em torno da 2ª linha de Muralha
de Vila Nova de São Pedro. Com o objectivo de caracterizar esta estrutura, desde a sua fase de
construção, utilização e abandono (passando, obviamente, pela compreensão do método cons-
trutivo), em 2019, foi implantada uma sondagem que, face aos resultados, tem sido alvo de alar-
gamentos não estando ainda nalizada.
As UEs em análise correspondem a essa “tríade” (construção-utilização-abandono), procu-
rando, assim, traçar um quadro evolutivo e, através da fauna, detectar padrões/alterações de con-
sumo ao longo do tempo, num mesmo espaço e a realidade funcional – neste caso, uma Muralha.
A UE [125] marca o que será o início da história da “2ª” linha de Muralha de VNSP, pelo menos
no troço identicado na Sondagem 1 da Área 1. Assentando directamente no substrato geológico,
este depósito, com escassos materiais arqueológicos associados, caracteriza-se pela presença
dos blocos de média e grande dimensão que são parte da base/início da Muralha. Os blocos es-
tão, igualmente, imbricados neste depósito compacto
As suas características sedimentares são idênticas à [121], que tem uma datação estatisti-
camente semelhante, mas cou fora da análise pois a presença de fauna foi praticamente nula.
Apresenta a datação mais antiga deste espaço em concreto, com um intervalo de tempo da
soma maior das probabilidades a situar-se em ~2707-2562 cal BC (Neves, et al., 2024).
A UE [117] refere-se a um nível de ocupação que se encontra encostado à muralha – no inte-
rior do povoado – que apresenta um elevado número de material arqueológico, disposto horizon-
talmente, nomeadamente cerâmica lisa (bordos e bojos em conexão). Identicou-se, igualmente,
alguns elementos em pedra afeiçoada e de pedra lascada, cadinhos e abundante fauna de gran-
des dimensões e bem conservada.
Deverá corresponder a um solo de ocupação do Calcolítico, que terá ocorrido enquanto a
muralha se encontrava em funcionamento, apresentando um conjunto de cinco datações muito
coerente, com um intervalo de ~2500-2200 cal BC (Neves, et al., 2022; Neves, et al., 2024).
Por m, a UE [116] corresponde a um depósito que apresenta um conjunto signicativo de ma-
teriais arqueológicos onde se destaca a cerâmica lisa. Os artefactos são, exclusivamente, de cro-
nologia pré-histórica. Corresponde ao último nível associado à Muralha, correspondendo ao seu
abandono e/ou desmantelamento. Está datado entre ~2240-2130 cal BC (ver Neves, et al., 2024).
2.2. Área 3 / Sondagem 1
A primeira área a ser intervencionada no âmbito do projecto VNSP3000 corresponde à Sondagem
1 da Área 3, iniciada logo em 2017 e concluída em 2019, tendo sido implantada a Este do Reduto
Central, num espaço onde não é perceptível qualquer sistema amuralhado (Martins, et al., 2019;
Neves, et al., 2022).
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 156
A escavação veio a revelar níveis arqueológicos de ocupação calcolítica, visíveis nos nu-
merosos materiais arqueológicos recolhidos, restos faunísticos e, posteriormente, através das
datações absolutas entretanto obtidas.
As UEs [310], [316] e [319] correspondem a depósitos sedimentares associados a níveis de
ocupação e a uma estrutura arqueológica (outros níveis da mesma sondagem já foram, ante-
riormente, tratados – conf. Detry et al., 2020), situados, genericamente, entre 2600-2300 cal BC
(Neves, et al., 2022).
Apesar da presença de alguma bioturbação vegetal, os elementos arqueológicos surgem em
número muito considerável e em bom estado de preservação, revelando uma grande homoge-
neidade cronológica atestando, dessa forma, a sua segurança estratigráca.
Tanto a [310] como a [316] estão associadas a uma estrutura arqueológica composta por blo-
cos pétreos, em calcário, de grande dimensão, bem consolidados, alinhados e com uma orien-
tação Oeste-Este. Esta realidade foi identicada num espaço da sondagem onde as condições
de escavação não eram as ideais, mas, ainda assim, foi possível recolher, em clara associação,
abundantes materiais arqueológicos constituídos por cerâmica manual lisa, indústria lítica em
sílex e fauna mamalógica, que analisaremos neste trabalho.
2.3. Área 3 / Sondagem 2
Situada numa zona bem fora do sistema amuralhado de VNSP, esta sondagem tinha como prin-
cipal objectivo a avaliação do potencial arqueológico da zona sul do povoado procurando, dessa
forma, detectar os reais limites da ocupação deste amplo sítio.
Com 12m2 de área aberta (6x2m), a Sondagem 2 da Área 3 não permitiu a identicação de
muitos elementos arqueológicos. No entanto, cumpriu o seu propósito e foi possível identicar
níveis de ocupação preservados, associados a material arqueológico claramente enquadrados
com uma ocupação humana no Calcolítico. Além dos materiais arqueológicos e restos faunísti-
cos aqui em análise, importa destacar a presença de vestígios de uma estrutura de cariz domés-
tico (ver Neves, et al., 2022; 2024).
As UEs de onde parte a nossa análise estão associadas a esta realidade, correspondendo ao
depósito sedimentar que a cobria [201], assim como a unidade que a preenchia [204].
A [201] tem a particularidade de já apresentar materiais arqueológicos totalmente associa-
dos a uma ocupação calcolítica, sem qualquer intrusão de períodos mais recentes.
A partir de um resto de Sus sp. [204], identicado em articulação anatómica mesmo na área
central da estrutura arqueológica, foi possível obter uma datação absoluta, com um intervalo
situado entre ~2814-2670 cal BC, o que corresponde à data mais antiga, até hoje, reconhecida
para Vila Nova de São Pedro (Idem, 2024).
3. METODOLOGIA
A metodologia de análise e registo de ossos foi anteriormente descrita com detalhe (Detry et al.
2020), tendo-se, agora, procedido ao inventário completo dos restos osteológicos faunísticos
das campanhas de 2019 e 2021.
Todos os conjuntos foram crivados no campo e posteriormente analisados em laboratório.
Os ossos foram identicados com recurso às colecções de referência da Uniarq e do Laboratório
de Arqueociências da Direcção Geral do Património Cultural.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados, até ao momento, 5590 restos de animais recolhidos nas escavações do pro-
jecto VNSP3000 em Vila Nova de São Pedro, dos quais quase 3000 se reportam às UEs analisa-
das neste artigo (daí a sua selecção). A maioria dos elementos (1856) provêm da sondagem 1 na
Área 1 (UEs [116], [117] e [125]). Apenas 248 foram recolhidos na sondagem 2 da Área 3 ([201] e [204])
e 801 na Área 3, sondagem 1 ([310], [316], [319]) – ver Tabela 1.
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
157
Área 1 – Sondagem 1
[116] [117] [125]
Área 3 – Sondagem 2
[201] [204]
Área 3 – Sondagem 1
[310] [316] [319]
Área 3 – Sondagem 1
[305]
NRD NMI NRD NMI NRD NMI NRD NMI
N % N % N % N % N % N % N % N %
Molusca 1 0,4% 1 13%
Gastropoda 1 0,04% 16%
Gastrópode terrestre 1 0,1% 17% 5 1% 1 6%
Cornu aspersa
(caracoleta)
11 0,4% 16%
Bivalvia 1 0,1% 16%
Margaritifera 1 0,1% 17%
Solenidae 1 0,4% 1 13%
Pecten maximus (vieira) 10,1% 16%
Cerastoderma edule
(berbigão)
10,1% 17%
Ruditapes decussatus
(ameijoa)
12 0,6% 2 13% 2 0,2% 16% 50,2% 16%
Bos sp. (vaca e auroque) 36 1,9% 5 2% 1 13% 14 2% 2 13% 63 2% 2 12%
Ovis/Capra (ovelha/
cabra)
41 2,2% 1 7% 5 2% 1 13% 15 2% 1 6% 39 1% 1 6%
Ovis aries (ovelha) 3 0,2% 17% 20,2% 16%
Capra hircus (cabra) 20,1% 17% 10,1 % 16%
Sus sp. (porco e javali) 67 3,6% 2 13% 14 6% 1 13% 31 4% 16% 89 3% 2 12%
Cervus elaphus (veado) 13 0,7% 17% 10,4% 1 13% 6 1% 1 6% 15 1% 1 6%
Capreolus capreolus
(corço)
10,04% 16%
Artiodactyla 30,2% 30,4% 16%
Equus sp. (cavalo
e burro)
10,1% 17% 20,2% 16% 1 0% 1 6%
Oryctolagus cuniculus
(coelho)
32 1,7 % 2 13% 5 2% 1 13% 28 3% 1 6% 31 1% 2 12%
Castor ber (castor) 1 0,1% 16% 10,04% 16%
Ursus arctos (urso) 1 0,04% 16%
Canis lupus familiaris
(cão)
20,1% 17%
Meles meles (texugo) 10,1% 16%
Lynx pardinus
(lince-ibérico)
10,4% 1 13% 0% 4 0% 1 6%
Aves 20,1%
Alectoris rufa
(perdiz-vermelha)
20,1% 16%
Macrofauna 233 12,6% 46 19% 100 12% 267 10%
Mesofauna 227 12,2% 28 11% 108 13% 441 16%
Microfauna 1 0,1 % 20,2% 28 1%
Indeterminado 1180 63,6% 141 57% 478 60% 1683 63%
Total 1856 15 248 8801 16 2685 17
Tabela 1 – Número de Restos Determinados por área e por sondagem de Vila Nova de São Pedro, escavações de 2017 a 2021.
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 158
Note-se a ausência de restos de ave neste conjunto, ausentes de toda as unidades estuda-
das para este artigo, mas presentes marginalmente na UE [305] analisada anteriormente (Detry
et al., 2020).
4.1. Área 1 – Sondagem 1 – [116], [117] e [125]
Nesta zona do povoado foram encontrados apenas dois restos de moluscos: um fragmento de
concha de um gastrópode terrestre não identicado e um fragmento de charneira de um bival-
ve de água doce. Os gastrópodes terrestres são frequentemente intrusivos e os bivalves de rio
podem ser recolhidos por razões estéticas, já que sua escassez neste contexto não nos permite
identicar relação com o consumo.
Quanto aos recursos marinhos, a presença de um fragmento de concha de berbigão e de 12
restos de amêijoa conrmam incursões a zonas mais perto da linha de costa para a recolha deste
tipo de recursos, tal como o observado noutras fases de ocupação (Detry et al., 2020).
As aves estão ausentes, apesar deste ser o segundo conjunto mais numeroso aqui analisa-
do, vericando-se a especialização do consumo de mamíferos domésticos e selvagens.
Quanto aos mamíferos, os mais frequentes são sem dúvida os suínos, podendo tratar-se
de javali ou porco, seguidos dos caprinos, ovelha ou cabra. Nos ossos e dentes que foi possível
distinguir, a ovelha prevalece ligeiramente. Os bovinos chegam em terceiro e o veado em quinto,
reforçando a importância da caça em Vila Nova de São Pedro. Os equídeos estão apenas repre-
sentados por um cubo-escafóide, um osso do membro posterior (ver Tabelas 2 e 3).
Quanto a carnívoros temos a primeira presença de cão com um fragmento de canino supe-
rior na UE [117] e uma falange I na UE [125]. Tendo estes elementos sido encontrados em unidades
diferentes, provavelmente pertencem a animais diferentes. Nas escavações sob responsabilida-
de do projecto VNSP3000 é a primeira vez que identicamos a presença deste canídeo domés-
tico, sendo que nos trabalhos mais antigos, dirigidos por Afonso do Paço, já tinha sido detetado
(Francisco et al., 2020).
Tabela 2 – Número de Restos Determinados por partes do esqueleto da Área 1 – Sondagem 1 – Ues [116] [117] [125]. B
– Bos sp. (gado bovino ou auroque); OC – Ovis/Capra (ovelha ou cabra); OA – Ovis aries; CH – Capra hircus; S – Sus sp.
(porco ou javali); CE – Cervus elaphus (veado); AR – Artiodactyla; EQ – Equus sp. (cavalo ou burro); ORC. – Oryctolagus
cuniculus (coelhobravo); CF – Canis lupus familiaris (cão); MAC – Macrofauna; MES – Mesofauna; MIC – Microfauna;
IND –Indeterminado.
#NOME? B OC OA CH S CE AR EQ ORC CF MAC MÊS MIC IND
Esqueleto Cranial
Haste/Chifre 1
Crânio 2 2 16
Maxilar 2
Mandíbula 1 2 4 1 3
Hióide 1
Dentes 327 3 1 23 4 3 4 1
Esqueleto Axial
Atlas 1 1
Costelas 58 43
Vértebras 9 10
Vértebras Cervicais 9 1
Vértebras Toráxicas 2 2
Vértebras Lombares 1 4
Vértebra caudal 1 1
Sacro 1
Membro Anterior
Escápula 1 7 2 1 3
Úmero 3 1 5 1
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
159
#NOME? B OC OA CH S CE AR EQ ORC CF MAC MÊS MIC IND
Rádio 1 2 3 2
Cúbito 2 4
Escafóide 1
Piramidal 1
Capitato-trapezóide 1
Os crochu 1
Metacarpo 1 5 1
Membro Posterior
Pélvis 5 1 1 1 1 3 1
Fémur 1 3 2 1
Tíbia 1 2 2 1
Calcâneo 3 1 2 1 1
Astrágalo 2 1 1 1 1
Cubo-escafóide 1
Grande Cuneiforme 1
Cubóide 1
Metatarso 1 1 3 7
Metápode 1 4 1 1
Falange I 3 5 1 3 1
Falange II 3 3
Falange III 3
Ossos longos 41 134 1
Ossos indeterminados 101 3 1180
TOTAL 36 41 3 2 67 13 3 1 32 2 233 227 1 1180
MNI 1 1 1 2 1 1 2 1
Tabela 2 (Continuação)
B OC OA CH S CE AR CF ORC
Dentes Superiores
Incisivo 2 1
Incisivo de leite 1
Canino de leite 1
Pré-Molar 1 3
Pré-Molar 2
Pré-Molar 3
Pré-Molar 4 1
Pré-Molar de leite 2
Pré-Molar de leite 4
Molar 1
Molar 2 1
Molar 3
Molar 1/2 3
Molar 5 2
Tabela 3 – Número de dentes por tipo e por grupo taxonómico da Área 1 – Sondagem 1 – Ues [116] [117] [125]. B – B –
Bos sp. (gado bovino ou auroque); OC – Ovis/Capra (ovelha ou cabra); OA – Ovis aries; CH – Capra hircus; S – Sus sp.
(porco ou javali); CE – Cervus elaphus (veado); AR – Artiodactyla; CF – Canis lupus familiaris (cão); ORC. – Oryctolagus
cuniculus (coelhobravo).
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 160
B OC OA CH S CE AR CF ORC
Dentes Inferiores
Incisivo 1 1 2
Incisivo de leite 3
Canino
Pré-Molar de leite 2
Pré-Molar de leite 3 2
Pré-Molar de leite 4 1 1 1
Pré-Molar 2
Pré-Molar 1 1
Pré-Molar 2
Pré-Molar 3 1
Pré-Molar 4 1 1
Molar 1 1
Molar 2 1
Molar 3
Molar 1/2 8 2
Molar 3 4
Dente Indeterminado 5 3 3
Total 3 27 3 1 23 4 3 1 4
Tabela 3 (Continuação)
Figura 2 – Número de Restos Determinados por sondagem de Vila Nova de São Pedro.
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
161
Tabela 4 – Número de Restos Determinados por partes do esqueleto da Área 3 Sondagem 2, UEs [201] [204]. B – Bos
sp. (gado bovino ou auroque); OC – Ovis/Capra (ovelha ou cabra); S – Sus sp. (porco ou javali); CE – Cervus elaphus
(veado); ORC. – Oryctolagus cuniculus (coelhobravo); LP – Lynx pardinus (linceibérico); MAC – Macrofauna; MES –
Mesofauna; MIC – Microfauna; IND –Indeterminado.
B OC S CE ORC LP MAC MÊS IND
Esqueleto Cranial
Crânio 4
Mandíbula 2 1
Dentes 1 1 1 4
Esqueleto Axial
Costelas 1
Vértebras 1 2
Vértebras Cervicais 1
Membro Anterior
Escápula 1
Úmero 2
Rádio 2 1
Cúbito 3
Semi-lunar 1
Metacarpo 1
Membro Posterior
Tíbia 1
Calcâneo 1 1
Astrágalo 1
Metatarso 2
Metápode 1
Falange I 1 1
Falange II 3
Falange III 2
Ossos longos 18 15
Ossos indeterminados 21 7 141
TOTAL 5 5 14 1 5 1 46 28 141
MNI 1 1 1 1 1 1
4.2. Área 3 – Sondagem 2 – [201] e [204]
Nesta fase, o aproveitamento de recursos marinhos ou mesmo estuarinos não parecem relevan-
tes. Recursos mais locais terão sido privilegiados ou mesmo estes representam elementos que
não foram consumidos. No entanto, este conjunto é o mais reduzido com apenas 248 restos,
acompanhando a dimensão da área escavada (6x2m).
Em relação aos mamíferos, os suídeos aumentam a sua prevalência para 6% do total da
amostra (Tabela 2), isso quer dizer que representam 45% dos mamíferos identicados (Figura 2).
Os bovinos e caprinos são menos frequentes, mas igualmente presentes bem como o veado e o
coelho-bravo. O lince ibérico está representado por uma única primeira falange (ver Tabelas 4 e 5).
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 162
4.3. Área 3 – Sondagem 1 – [310], [316], [319]
Neste conjunto observamos, novamente, restos de invertebrados, com cinco fragmentos a per-
tencerem a gastrópode terrestre indeterminado, provavelmente intrusivo. Dois fragmentos são
identicados como ameijoa, a espécie de bivalve mais comum em todas as unidades, e ainda um
fragmento de bivalve não identicado. Por m, identicou-se um fragmento de Pecten maximus
(vieira), que pode ter sido recolhido por motivos estéticos, para funcionar como uma pequena
taça, ou mesmo para consumo.
Os suínos apresentam o dobro dos restos dos bovinos e caprinos. O porco é um recurso
fácil de manter e de médio porte; a sua dieta omnívora torna-o um comensal oportunista útil na
gestão de resíduos alimentares, por outro lado têm reprodução e taxa de crescimento rápidas.
Sendo que não providencia produtos secundários, a sua função primária é produzir carne para
consumo. É possível que durante estas fases de ocupação a pastorícia fosse menos privilegiada.
Nos poucos ossos identicados ao nível especíco a ovelha parece ligeiramente mais pre-
valente que a cabra.
O coelho-bravo parece também bastante frequente com 31 restos, conrmando a caça de pe-
queno porte, provavelmente de tipo mais oportunista, já que esta espécie seria certamente abun-
dante. A caça de grande porte está também demonstrada pela presença de veado, auroque e javali.
O castor está representado por um dente encontrado na unidade estratigráca [319] que
se vem adicionar a uma pélvis recuperada da UE [305] (Detry et al., 2020). Aliás, Afonso do Paço
já o havia referido na sua lista de espécies (Paço, 1958), mas não encontrámos esses restos nos
depósitos das escavações antigas (ver Tabelas 6 e 7).
Por m, dentro dos carnívoros temos um úmero distal de texugo (Figura 3), que é o primeiro
exemplar relativo a esta espécie.
Figura 3 – Úmero distal de texugo (Meles meles) recuperado na Área
3, sondagem 1, na UE [319].
OC S CE AR ORC
Dentes Superiores
Incisivo 1
Dentes Inferiores
Incisivo 1
Molar 4
Dente Indeterminado 1 2
Total 1 1 1 2 4
Tabela 5 – Número de dentes por tipo e por grupo taxonómico da Área 3 Sondagem 2, UEs [201] [204]. OC – Ovis/
Capra (ovelha ou cabra); S – Sus sp. (porco ou javali); CE – Cervus elaphus (veado); AR – Artiodactyla; ORC – Orycto-
lagus cuniculus (coelhobravo).
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
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Um grande cuneiforme queimado e um fragmento de dente inferior são os únicos elementos
pertencentes a um equídeo neste contexto. É muito provável que pertençam a Equus cabalus,
embora já tenha sido reportada a presença de burro (Equus asinus), em Leceia, um povoado Cal-
colítico contemporâneo de Vila Nova de São Pedro localizado, igualmente, na Estremadura (Car-
doso et al. 2013). Tornando, assim, possível a sua presença neste conjunto já que a sua introdução
se deu comprovadamente pelo menos desde o Calcolítico. O burro é de origem africana e não au-
tóctone da Península Ibérica, a sua introdução está normalmente associada a um momento mais
tardio, Idade do Ferro (e aos Fenícios), altura em que os seus restos se tornam mais frequentes.
Note-se que tanto na Área 1 como na Área 3, se observaram ossos de partes sem carne, dois
tarsos e um dente, não tendo assim qualquer evidência do consumo desta espécie. Evidências
que são, aliás, raras no registo arqueológico, sendo uma espécie que foi pouco consumida e pre-
ferida para o transporte de bens e pessoas.
B OC OA CH SCE AR EQ ORC CFB MM MAC MÊS MIC IND
Esqueleto Cranial
Crânio 1 3 2 1
Maxilar 2
Dentes 1 14 14 5 3 1 13 1
Esqueleto Axial
Costelas 1 6
Vértebras 3 5 1
Vértebras Cervicais 1 1
Vértebras Toráxicas 1
Vértebras Lombares 1
Escápula 3
Úmero 1 1 1 1
Rádio 3
Cúbito 1
Metacarpo 1 4
Membro Posterior
Pélvis 1 3
Fémur 1
Tíbia 1
Calcâneo 2 1
Astrágalo 2 2 1
Grande Cuneiforme 1
Cubo-escafóide 1 1
Metatarso 1 1
Metápode 1 2
Falange I 4 4
Falange II 2 1 1
Falange III 1 1
Ossos longos 46 89 1
Ossos
indeterminados 40 5478
TOTAL 14 15 2 1 31 6 3 2 28 1 1 100 108 2478
MNI 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Tabela 6 – Número de Restos Determinados por partes do esqueleto da Área 3 – Sondagem 1 – UEs [310] [316] [319].
B – Bos sp. (gado bovino ou auroque); OC – Ovis/Capra (ovelha ou cabra); OA – Ovis aries; CH – Capra hircus; S – Sus sp.
(porco ou javali); CE – Cervus elaphus (veado); AR – Artiodactyla; EQ – Equus sp. (cavalo ou burro); ORC. – Oryctolagus
cuniculus (coelhobravo); CFB – Castor ber (castor); MM – Meles meles (texugo); MAC – Macrofauna; MES – Mesofau-
na; MIC – Microfauna; IND –Indeterminado.
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 164
4.4. Perl de idades
Os dados sobre o desgaste dos dentes molares são escassos em relação a todas as espécies.
Nos casos onde foi possível registar o estado de fusão dos ossos longos obtivemos igualmente
poucos dados sendo que, genericamente, apresentavam-se fundidos entre 85 e 94% das vezes,
mas quando dividimos por espécie essa informação é demasiado reduzida, tornando pouco sig-
nicativa a informação sobre este tema.
4.5. Tafonomia
A presença de cão é atestada apenas por uma falange e um dente, sendo que mais restos foram
encontrados nas escavações de Afonso do Paço (Francisco et al., 2020). Um outro indicador indire-
to da presença deste canídeo doméstico em contexto humano é o aparecimento de ossos roídos.
Em VNSP, nas unidades aqui analisadas, podemos observar uma maior prevalência de ossos roí-
dos nas unidades da Área 1, onde foi precisamente encontrado o único resto de cão. Na sondagem
2 da Área 3 não se encontraram ossos com vestígios de terem sido roídos e na sondagem 1 da Área
3 a percentagem também foi reduzida. O calcâneo é normalmente o mais afetado por carnívoros
provavelmente por estar mais exposto com menos carne adstrita, seguido pelo fémur e falange I.
Todas as espécies parecem afetadas por este indicador tafonómico.
Da mesma maneira é também na sondagem 1, da Área 1, que observamos mais ossos com
marcas de fogo, a maioria com coloração escura e alguns calcinados. Também na sondagem 2
não temos ossos com marcas de fogo. Na Área 3, sondagem 1, temos a mesma proporção que na
sondagem 2.
Quanto a marcas de corte, temos poucas evidências, com apenas um astrágalo de ovelha ou
cabra na sondagem 1 da Área 1 e uma falange I de bovino na sondagem 1 da Área 3 a apresentarem
incisões. Ambas, regiões do esqueleto sem aporte cárnico, mas que possuem tendões fortes que
pode interessar extrair, bem como podem resultar de movimentos para retirar a pele do animal.
Na sondagem 2 da Área 3, observámos, ainda, marcas de corte na articulação proximal de um
B OC S CE AR EQ CFB ORC
Dentes Superiores
Canino 1
Pré-Molar 2
Pré-Molar 4 1
Molar 3 1
Molar 1/2 2
Molar 1 4
Dentes Inferiores
Incisivo 1
Incisivo de leite 1
Pré-Molar de leite 4 1
Pré-Molar 1
Pré-Molar 3 1 1
Molar 3 1
Molar 1/2 2
Molar 7 2 9
Dente Indeterminado 3 5 3 1 1
Total 1 14 14 5 3 1 1 13
Tabela 7 – Número de dentes por tipo e por grupo taxonómico da Área 3 – Sondagem 1 – UEs [310] [316] [319]. B – Bos
sp. (gado bovino ou auroque); OC – Ovis/Capra (ovelha ou cabra); S – Sus sp. (porco ou javali); CE – Cervus elaphus
(veado); AR – Artiodactyla; EQ – Equus sp. (cavalo ou burro); CFB – Castor ber (castor); ORC – Oryctolagus cuniculus
(coelhobravo).
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
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Figura 4 – Medidas do astrágalo de Bovinos de Vila Nova de São Pedro (este artigo e Detry et al., 2020) e de Muge,
auroques (Bos primigenius) datados do Mesolítico retirado de Detry (2007).
rádio, provavelmente mais relacionadas com a extração de carne. No entanto, a escassez de
elementos informativos não permite interpretações sobre padrões de preparação da carcaça.
4.6. Osteometria
Ao observarmos as medidas do astrágalo de bovinos obtidas para os animais de Vila Nova de São
Pedro na Figura 4, podemos notar que a maioria até pertence ao grupo de maior porte, muito pro-
vavelmente pertencente à espécie selvagem, o auroque. Os dois ossos mais pequenos pertencem
certamente à espécie doméstica e curiosamente os dois recuperados na UE [305] são relativos a
uma fase mais tardia da ocupação (Detry et al., 2020). Em VNSP, a caça de auroque aparenta ser
bastante relevante ao contrário do que se observa em Leceia e Zambujal onde se agura mino-
ritário. Outro aspecto que se pode observar é o facto de que os auroques no Calcolítico serem
claramente maiores do que no Mesolítico, fenómeno já observado por Davis & Detry (2013). Aí se
refere que essa diferença se deve à pressão cinegética sobre as espécies selvagens no Mesolítico
e que se nota a sua recuperação e consequentemente maior tamanho no Calcolítico, quando as
espécies domésticas já sustêm a maioria do consumo cárnico das populações humanas. Esta
teoria é assim reforçada com os dados das novas escavações de Vila Nova de São Pedro.
Relativamente às medidas dos suínos, obteve-se apenas mais uma de um astrágalo, cuja
altura (GL) é de 36,6 mm, claramente enquadrável nos animais domésticos se observarmos os
dados para VNSP na Figura 6 de Detry et al. (2020: 939). Ao compararmos ainda com as medi-
das para Leceia, mais reforçamos esta classicação. Mesmo assim, se tomarmos em conta dos
dados publicados anteriormente, podemos dizer que também nos suínos o ancestral selvagem
parece ser mais frequente, sendo que o porco aparece nas unidades mais antigas e os atribuíveis
a javali aparecem na ocupação mais tardia.
Quanto aos ossos de veado não temos em número suciente para permitir observações
relevantes. Em relação aos coelhos não observamos diferenças signicativas entre os animais
do Mesolítico (Detry, 2007) e de VNSP, não demonstrando por isso os efeitos de pressão humana
referidos por Davis & Detry (2013).
4.7. Diversidade especíca
A presença de animais selvagens em Vila Nova de São Pedro é bastante signicativa e com valores
superiores aos dos observados nos povoados Calcolíticos da Estremadura e que, aliás, se enqua-
dra mais nas tendências observadas nos sítios do Calcolítico do Alentejo (Davis & Mataloto, 2012).
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 166
Figura 5 – Número de Restos Determinados dos povoados calcolíticos da Estremadura em comparação com os
vários contextos de Vila Nova de São Pedro.
Figura 6 – Comparação do número de taxa identicados e o número de restos determinados de vários sítios do
Calcolítico da Estremadura e Alentejo a cores, por baixo a cinzento e preto o gráco de Watson & Davis (2020). Da-
dos obtidos em: São Pedro Redondo – Davis & Mataloto, 2012; Paraíso – Mataloto et al., 2012; Porto Torrão – Arnaud,
1993; Perdigões – Almeida & Valera, 2021; Leceia – Cardoso & Detry, 2002; Zambujal – Driesch & Boessneck, 1976,
1976; Penedo do Lexim – Moreno-García, 2015; Chibanes – Pereira et al., 2017; Columbeira – Correia, 2015; Vila Nova
de São Pedro – este artigo e Detry et al. 2020.
ENTRE DOMÉSTICOS E SELVAGENS: NOVOS DADOS SOBRE A FAUNA DE VILA NOVA DE SÃO PEDRO (AZAMBUJA, PORTUGAL)
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Um dos indicadores utilizados para identicar a caça de grande porte é a proporção de cer-
vídeos, já que muitas vezes é difícil distinguir os outros possíveis animais caçados como o javali
e o auroque.
Na Figura 5 podemos observar um gráco com a comparação entre os três principais taxa
encontrados nos povoados calcolíticos e os cervídeos. Em VNSP, a percentagem de cervídeos si-
tua-se entre os 8% e os 3%, sendo que é na UE [305] que se encontram os valores mais elevados.
No castro da Columbeira rondam os 13%, os valores mais elevados de restos de veado para os sí-
tios da Estremadura (Correia, 2015). Mas é no Alentejo, em São Pedro Redondo, que se observam
os valores atingem quase metade da amostra – 38% (Davis & Mataloto, 2012). Leceia tem presen-
ça vestigial de cervídeos, conrmando a mesma tendência de menor atividade cinegética com
a identicação de raros javalis e auroques (Cardoso & Detry, 2002). No Zambujal a percentagem
parece um pouco maior Driesch & Boessneck, 1976).
Ao observarmos outros indicadores como a caça de outras espécies, ou seja, a diversidade
especíca, concluímos que é onde VNSP mais se destaca. Animais como o lince, urso e castor,
menos comuns em contextos arqueológicos portugueses, aparecem aqui representados. Quan-
do comparamos o número de taxa identicados com o tamanho da amostra, rapidamente con-
cluímos que VNSP apresenta uma conjuntura única. Na gura 6, observa-se um gráco que junta
a análise realizada por Watson & Davis (2020), sobre a relação da diversidade taxonómica com o
tamanho da amostra em sítios localizados em ilhas, com os dados de vários sítios portugueses
do Calcolítico.
O grupo de Leceia e Zambujal, uma baixa diversidade para um grande número de elementos.
Aliás, Leceia e Zambujal comportam-se como ilhas, onde tipicamente a diversidade especíca é
reduzida, dependendo largamente das espécies domésticas; Leceia com maior dependência dos
caprinos e Zambujal dos bovinos domésticos. Vila Nova de São Pedro enquadra-se mais dentro
da diversidade especíca dos grupos do Alentejo como São Pedro Redondo e Paraíso.
Como já referimos nos capítulos anteriores também temos fortes indicadores que a caça
de auroque e javali era mais frequente do que nos outros sítios da Estremadura. Cresce assim
o interesse sobre VNSP por se destacar de modo tão signicativo dos restantes povoados da
Estremadura.
O aumento de estudos zooarqueológicos permite observar uma maior complexidade nos
padrões de consumo e gestão animal no Calcolítico. Paisagem que era dominada pelas publica-
ções de Leceia e Zambujal, os sítios com publicações mais antigas com estudos zooarqueológi-
cos detalhados. Ao serem analisados mais conjuntos, nos anos recentes, conseguimos perceber
que a dependência dos animais caçados não é exclusiva do Alentejo, mas parece apresentar
padrões mais complexos a que interessa estar atento nos próximos anos.
Estas heterogeneidades são ainda difíceis de interpretar. O que torna o povoado de Vila
Nova de São Pedro tão diferente de Leceia e Zambujal? São povoados igualmente monumentais
e muralhados, indicando a presença de populações numerosas e hierarquizadas, mas aparente-
mente com organizações ou interesses distintos.
5. CONCLUSÃO
Neste artigo apresentámos os resultados da análise dos restos faunísticos recuperados nas es-
cavações de 2017-2021 em Vila Nova de São Pedro, em três novas sondagens. Estes dados vêm no
seguimento de outros trabalhos sobre as mesmas escavações (Detry et al. 2020) e das escava-
ções antigas de Afonso do Paço e Eugénio Jalhay (Francisco et al., 2020).
Os resultados demonstram uma continuidade com os dados anteriores em que os suínos
são as espécies mais frequentes, seguidas pelos caprinos e bovinos. Também foi notada uma
elevada presença de animais selvagens como o auroque, javali, veado e coelho-bravo, bem como
alguns carnívoros como o lince, texugo, urso e os dois primeiros elementos de canídeo domés-
tico. Não podendo ainda deixar de referir a presença de castor, o que reforça o carácter único
deste povoado pelo recurso privilegiado aos animais selvagens. Esta biodiversidade é única de
VNSP e pode apontar para futuras linhas de investigação.
VILA NOVA DE SÃO PEDRO E O CALCOLÍTICO NO OCIDENTE PENINSULAR 2 168
AGRADECIMENTOS
Associação dos Arqueólogos Portugueses e Museu Arqueológico do Carmo.
UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.
Agradecemos ao Laboratório de Arqueociências da Direcção Geral do Património Cultural pelo
acesso à coleção de comparação que nos permitiu identicar alguns dos elementos mais raros
aqui referidos.
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