Content uploaded by João Muralha
Author content
All content in this area was uploaded by João Muralha on Dec 11, 2024
Content may be subject to copyright.
- -47
João Muralha
Escavação de sítios e
prospeção nas
imediações de rochas
com arte rupestre
- -48
No vale do Côa, a arte esquemática e os contextos
socioculturais das comunidades que a praticavam, é uma
realidade cada vez mais conhecida, mas ainda pouco
estudada. Nos últimos dez anos, projetos como o Art-FACTS
e mais recentemente o LandCRAFT, dedicaram-se a
prospetar, identificar, cartografar e estudar, sítios e abrigos
com pintura e/ou gravura da Arte Esquemática.
O LandCRAFT apresenta um conjunto de pilares de
investigação, que no seu conjunto nos está a permitir obter
cada vez mais dados de reflexão e a construirmos quadros
interpretativos sobre a arte, os artistas e as comunidades do
Neolítico, Calcolítico e Idade do Bronze.
Este artigo pretende apenas referir algumas das actividades
desenvolvidas no âmbito de uma das tarefas daquele projeto:
a escavação arqueológica e prospecção do território.
A seleção dos locais a escavar baseou-se na sua proximidade
com os locais onde foi registada Arte Esquemática. São eles:
a) Abrigo das Lapas Cabreiras, com ocupações conhecidas
do Neolítico e da Idade do Bronze; b) Barrocal dos Lameiros,
onde foram encontrados vestígios ténues de pinturas numa
superfície granítica durante os trabalhos de escavação; c)
Texugo, que tem uma posição dominante nas imediações de
três sítios de arte Esquemática, dois dos quais no sopé da
elevação: Vale Videiro e Vale Figueira, e outro na ribeira de
Piscos. Considerando que um conhecimento mais
circunstanciado do território seria um vetor de análise muito
importante, decidimos também prospectar as áreas
envolventes aos sítios arqueológicos intervencionados.
- -49
Fig. 1 - Progressão dos trabalhos de escavação nas Lapas Cabreiras.
- -50
Figs 2, 3, 4 e 5 (esta e página seguinte) - É nesta paisagem, pontuada por maciços, montes e colinas que surge o abrigo das Lapas Cabreiras. Este constitui, de
certa forma, um ponto importante na paisagem, mas apenas a um nível mais local. Quando nos afastamos, a sua forma característica começa a ficar dissimulada
no conjunto de maciços que assinalam esta paisagem. À medida que nos aproximamos, especialmente de Sul, a área onde o abrigo está implantado começa a
ser visível, tornando-se um lugar imponente. Percebemos, quando estamos no local, que os vários painéis pintados se concentram ao centro de um “anfiteatro”,
delimitado a Norte por uma pequena plataforma onde corre uma linha de água sazonal e a Sul pela Canada da Abóbora.
- -51
- -52
Fig. 6 - Barrocal dos Lameiros é um sítio pré-histórico
não murado, com uma situação geomorfológica muito
interessante. Implanta-se em dois pequenos cabeços
aplanados e contíguos, na parte terminal do planalto de
Algodres, entre o Côa e uma ribeira profundamente
cavada. Os dois cabeços caracterizam-se pelo caos de
blocos graníticos, tendo várias plataformas aplanadas
entre rochedos. Estas plataformas, com áreas muito
diferenciadas, ou apresentam-se limpas de blocos, ou
possuem outros dispersos. Os materiais arqueológicos
encontram-se nesta área, apresentando grande
dispersão. As cerâmicas são de fabrico manual, muito
fragmentadas e erodidas. Encontra-se igualmente
material lítico, sobretudo lascas de quartzo, mas
também algumas em quartzito, e mós de granito, de
todas as dimensões.
- -53
Fig. 7 - O sítio do Texugo, no cimo de um cabeço, caindo em ribanceira sobre o rio Côa, não é um ponto de passagem, mas sim um nódulo de chegada e partida. A
visibilidade extraordinária que possui. A área que visualmente alcança, e acima de tudo o território que observa, tornam este local um sítio marcante. A especificidade
deste local não é a sua monumentalidade arquitetural, mas a sua quase invisibilidade. É um outro tipo de sítio que em conjunto com todos os outros sedimenta a
dinâmica identitária destas comunidades, com uma paisagem que, ao longo dos anos, se vai transformando em território.
- -54
Fig. 8 - O vale do Côa entre o sítio da Mioteira e a Laje
- -55
Fig. 9 - A Rocha 1 do Ervideiro no centro da imagem. A prospecção nas margens do rio Côa, nem sempre ofereceu novos sítios, novas pinturas. Mas o ato de caminhar
e percecionar o espaço, faz-nos sempre refletir sobre a mobilidade destas comunidades e a sua relação com a paisagem.
- -56
O projecto ainda se encontra em desenvolvimento, mas,
praticamente no seu final. Os dados têm sido trabalhados e
publicados e, no final, gostaríamos de acrescentar um novo, e
diferente olhar sobre a arqueologia e a história da arte no vale
do Côa. Este novo olhar, foca-se num período crucial de
transformações das comunidades humanas e do território; o
período de transição entre a arte dos últimos caçadores
recolectores e a Arte Esquemática do Neolítico. Neste
processo de reconfiguração, alguns dos sítios ocorrem nas
mesmas topografias da tradição paleolítica e outros revelam
uma escolha de locais diferenciadores, locais implantados em
outras geomorfologias (Alves, 2020). A iconografia da Arte
Esquemática, parece estar presente em abrigos (embora não
exclusivamente), e encontra-se em toda a Península Ibérica,
com a exceção do NW de influência atlântica (ibidem). A
investigação da arte do Côa tem estado focada nos sítios
paleolíticos sendo que a Arte Neolítica só mais recentemente,
tem vindo a ser alvo de estudos mais sistemáticos. (Figueiredo
e Baptista, 2013; Alves et al. 2014; Martins, 2015; Reis et al.
2017).
Fig. 10 - Materiais arqueológicos recolhidos na
escavação do abrigo das Lapas Cabreiras. Do Neolítico
antigo à Idade do Bronze.
- -57
Fig. 11 - Relações visuais entre Lapas Cabreiras, Mioteira e Laje Gorda.
- -58
As escavações têm sido publicadas (Cardoso et al. 2021;
Muralha et al. 2022 e Cardoso et al. 2023) e os dados da
prospecção também o foram recentemente (Cardoso et al.
2023). Importa aqui dar nota de duas ou três ideias que nos
parecem interessantes no processo interpretativo dos sítios
arqueológicos e da paisagem envolvente:
•Os dados das escavações arqueológicas remetem-nos
para sítios com ocupações mais sistemáticas e outros
com ocupações mais vestigiais. Os usos e a frequentação
destes locais na paisagem, não são padronizados.
•A cronologia de ocupação remete-nos para padrões
interessantes: os materiais em maior quantidade são do
neolítico antigo e Idade do bronze, e neste último período,
as cerâmicas cogeces parecem assumir especial
importância.
•A prospecção arqueológica tem-nos obrigado a pensar o
território e os sítios arqueológicos não só numa dinâmica
de conhecimento territorial, mas igualmente numa
vertente dos diferentes modos de uso da paisagem; os
sítios não são objectos estanques, estendem-se para a
paisagem, não como áreas de ocupação sistemática, mas
sim, como áreas usadas e frequentadas
sistematicamente.
•Os sítios com materiais do Neolítico Antigo, já conhecidos
e publicados (Carvalho 1999; Rodrigues 2011), na área do
vale do Côa, são sítios de baixa densidade, pequenas
áreas de ar livre e ocupações junto a abrigos rochosos.
Acrescentado à reflexão, todos os lugares com materiais
de todo o Neolítico, a imagem pouco se altera. Continuam
a ser de baixa densidade, em pequenas áreas de ar livre,
junto a grandes afloramentos de granito.
•Os sítios da Idade do Bronze Antigo e Médio parecem
constituir uma ocupação mais integral da paisagem. São
lugares dispersos na paisagem, ocupando diferentes
implantações geomorfológicas, parecendo afirmar uma
efetiva apropriação do espaço e até, outra forma de estar
na paisagem.
A paisagem, desde sempre, está pontuada por usos e
mobilidades. Frequentar um sítio, não é ocupá-lo. Frequentar
sistematicamente um sítio, é dar-lhe um significado específico
para esse uso frequente. Os sítios e a sua paisagem
envolvente têm de ser entendidos como espaços
incorporadores de ação, uma ação estruturadora, identitária e
memorial.
- -59
- -60
Bibliografia:
ALVES, Lara Bacelar (2020) – LandCRAFT. A arte da Pré-história Recente no Vale do Côa.!Kairós.
Coimbra. 5, 6-21.
ALVES Lara Bacelar, CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, CARVALHO, Bárbara (2014) - ART-
Facts: Uma investigação sobre os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no vale
do Côa, Côavisão, 16, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Foz Côa,
101-106.
CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, CARVALHO, Bárbara, ALVES, Lara Bacelar (2023). O
Projecto LandCRAFT. A intervenção Arqueológica no abrigo das Lapas Cabreiras, in
Arqueologia em Portugal, III CAAP, ed. By José Morais Arnaud, César Neves e Andrea
Martins, pp. 105-117.
CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla, BATARDA, António (2021) -
Trabalhos Arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa). Côavisão, 23, Câmara
Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Foz Côa, 103-110.
CARVALHO, António Faustino (1999). Os sítios de Quebradas e da Quinta da Torrinha (Vila Nova
de Foz Côa) e o Neolítico Antigo do Baixo Côa. Revista Portuguesa de Arqueologia, 1 (2):
39-70.
FIGUEIREDO, Sofia, BAPTISTA, António Martinho (2013). A Arte Esquemática Pintada em
Portugal. In J. Martínez & M. S. Hernández (eds.). Actas del II Congreso de Arte Rupestre
Esquemático en La Península Ibérica, Vélez-Blanco Málaga, 2010.Vélez-Blanco, pp.
301-316.
MARTINS, Andrea (2015). E no Médio Côa? A arte esquemática que ainda resiste: o Abrigo do
Ribeiro das Casas (Almeida). Revista Portuguesa de Arqueologia, 18: 41-54.
MONTEIRO-RODRIGUES, Sérgio (2011) - Pensar o Neolítico antigo. Contributo para o estudo do
Norte de Portugal entre o VII e o V milénio a.C., Estudos Pré-históricos, 16. Viseu. Centro
de Estudos Pré-históricos da Beira Alta.
MURALHA, João, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla BATARDA, António (2022) - A Intervenção
Arqueológica no Barrocal dos Lameiros (Figueira de Castelo Rodrigo) – 2021. Côavisão,
16, Vila Nova de Foz Côa, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, 101-106.
REIS, Mário, ALVES, Lara Bacelar, CARDOSO, João Muralha, CARVALHO, Bárbara (2017). Art-
facts – os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no Vale do Côa. In S. Garcês, H.
Gomes, A. Martins, L. Oosterbeek (eds) A Arte das Sociedades Pré-históricas in Actas do
IV Congresso de Doutorandos e Pós-doutorandos, 26-29 de Novembro, Mação, 2015.
O estudo dos resultados das intervenções arqueológicas
desenvolvidas no âmbito do LandCRAFT encontra-se em
curso e mais dados serão publicados. Caso seja do interesse
em saber mais sobre os resultados das escavações,
sugerimos a consulta de textos entretanto já publicados e
onde são apresentados alguns dos resultados preliminares da
pesquisa.