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2024KairoslandcraftEscavação

Authors:
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João Muralha
Escavação de sítios e
prospeção nas
imediações de rochas
com arte rupestre
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No vale do Côa, a arte esquemática e os contextos
socioculturais das comunidades que a praticavam, é uma
realidade cada vez mais conhecida, mas ainda pouco
estudada. Nos últimos dez anos, projetos como o Art-FACTS
e mais recentemente o LandCRAFT, dedicaram-se a
prospetar, identificar, cartografar e estudar, sítios e abrigos
com pintura e/ou gravura da Arte Esquemática.
O LandCRAFT apresenta um conjunto de pilares de
investigação, que no seu conjunto nos está a permitir obter
cada vez mais dados de reflexão e a construirmos quadros
interpretativos sobre a arte, os artistas e as comunidades do
Neolítico, Calcolítico e Idade do Bronze.
Este artigo pretende apenas referir algumas das actividades
desenvolvidas no âmbito de uma das tarefas daquele projeto:
a escavação arqueológica e prospecção do território.
A seleção dos locais a escavar baseou-se na sua proximidade
com os locais onde foi registada Arte Esquemática. São eles:
a) Abrigo das Lapas Cabreiras, com ocupações conhecidas
do Neolítico e da Idade do Bronze; b) Barrocal dos Lameiros,
onde foram encontrados vestígios ténues de pinturas numa
superfície granítica durante os trabalhos de escavação; c)
Texugo, que tem uma posição dominante nas imediações de
três sítios de arte Esquemática, dois dos quais no sopé da
elevação: Vale Videiro e Vale Figueira, e outro na ribeira de
Piscos. Considerando que um conhecimento mais
circunstanciado do território seria um vetor de análise muito
importante, decidimos também prospectar as áreas
envolventes aos sítios arqueológicos intervencionados.
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Fig. 1 - Progressão dos trabalhos de escavação nas Lapas Cabreiras.
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Figs 2, 3, 4 e 5 (esta e página seguinte) - É nesta paisagem, pontuada por maciços, montes e colinas que surge o abrigo das Lapas Cabreiras. Este constitui, de
certa forma, um ponto importante na paisagem, mas apenas a um nível mais local. Quando nos afastamos, a sua forma característica começa a ficar dissimulada
no conjunto de maciços que assinalam esta paisagem. À medida que nos aproximamos, especialmente de Sul, a área onde o abrigo está implantado começa a
ser visível, tornando-se um lugar imponente. Percebemos, quando estamos no local, que os vários painéis pintados se concentram ao centro de um “anfiteatro”,
delimitado a Norte por uma pequena plataforma onde corre uma linha de água sazonal e a Sul pela Canada da Abóbora.
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Fig. 6 - Barrocal dos Lameiros é um sítio pré-histórico
não murado, com uma situação geomorfológica muito
interessante. Implanta-se em dois pequenos cabeços
aplanados e contíguos, na parte terminal do planalto de
Algodres, entre o Côa e uma ribeira profundamente
cavada. Os dois cabeços caracterizam-se pelo caos de
blocos graníticos, tendo várias plataformas aplanadas
entre rochedos. Estas plataformas, com áreas muito
diferenciadas, ou apresentam-se limpas de blocos, ou
possuem outros dispersos. Os materiais arqueológicos
encontram-se nesta área, apresentando grande
dispersão. As cerâmicas são de fabrico manual, muito
fragmentadas e erodidas. Encontra-se igualmente
material lítico, sobretudo lascas de quartzo, mas
também algumas em quartzito, e mós de granito, de
todas as dimensões.
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Fig. 8 - O vale do Côa entre o sítio da Mioteira e a Laje
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Fig. 9 - A Rocha 1 do Ervideiro no centro da imagem. A prospecção nas margens do rio Côa, nem sempre ofereceu novos sítios, novas pinturas. Mas o ato de caminhar
e percecionar o espaço, faz-nos sempre refletir sobre a mobilidade destas comunidades e a sua relação com a paisagem.
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O projecto ainda se encontra em desenvolvimento, mas,
praticamente no seu final. Os dados têm sido trabalhados e
publicados e, no final, gostaríamos de acrescentar um novo, e
diferente olhar sobre a arqueologia e a história da arte no vale
do Côa. Este novo olhar, foca-se num período crucial de
transformações das comunidades humanas e do território; o
período de transição entre a arte dos últimos caçadores
recolectores e a Arte Esquemática do Neolítico. Neste
processo de reconfiguração, alguns dos sítios ocorrem nas
mesmas topografias da tradição paleolítica e outros revelam
uma escolha de locais diferenciadores, locais implantados em
outras geomorfologias (Alves, 2020). A iconografia da Arte
Esquemática, parece estar presente em abrigos (embora não
exclusivamente), e encontra-se em toda a Península Ibérica,
com a exceção do NW de influência atlântica (ibidem). A
investigação da arte do Côa tem estado focada nos sítios
paleolíticos sendo que a Arte Neolítica mais recentemente,
tem vindo a ser alvo de estudos mais sistemáticos. (Figueiredo
e Baptista, 2013; Alves et al. 2014; Martins, 2015; Reis et al.
2017).
Fig. 10 - Materiais arqueológicos recolhidos na
escavação do abrigo das Lapas Cabreiras. Do Neolítico
antigo à Idade do Bronze.
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Fig. 11 - Relações visuais entre Lapas Cabreiras, Mioteira e Laje Gorda.
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As escavações têm sido publicadas (Cardoso et al. 2021;
Muralha et al. 2022 e Cardoso et al. 2023) e os dados da
prospecção também o foram recentemente (Cardoso et al.
2023). Importa aqui dar nota de duas ou três ideias que nos
parecem interessantes no processo interpretativo dos sítios
arqueológicos e da paisagem envolvente:
Os dados das escavações arqueológicas remetem-nos
para sítios com ocupações mais sistemáticas e outros
com ocupações mais vestigiais. Os usos e a frequentação
destes locais na paisagem, não são padronizados.
A cronologia de ocupação remete-nos para padrões
interessantes: os materiais em maior quantidade são do
neolítico antigo e Idade do bronze, e neste último período,
as cerâmicas cogeces parecem assumir especial
importância.
A prospecção arqueológica tem-nos obrigado a pensar o
território e os sítios arqueológicos não numa dinâmica
de conhecimento territorial, mas igualmente numa
vertente dos diferentes modos de uso da paisagem; os
sítios não são objectos estanques, estendem-se para a
paisagem, não como áreas de ocupação sistemática, mas
sim, como áreas usadas e frequentadas
sistematicamente.
Os sítios com materiais do Neolítico Antigo, já conhecidos
e publicados (Carvalho 1999; Rodrigues 2011), na área do
vale do Côa, são sítios de baixa densidade, pequenas
áreas de ar livre e ocupações junto a abrigos rochosos.
Acrescentado à reflexão, todos os lugares com materiais
de todo o Neolítico, a imagem pouco se altera. Continuam
a ser de baixa densidade, em pequenas áreas de ar livre,
junto a grandes afloramentos de granito.
Os sítios da Idade do Bronze Antigo e Médio parecem
constituir uma ocupação mais integral da paisagem. São
lugares dispersos na paisagem, ocupando diferentes
implantações geomorfológicas, parecendo afirmar uma
efetiva apropriação do espaço e até, outra forma de estar
na paisagem.
A paisagem, desde sempre, está pontuada por usos e
mobilidades. Frequentar um sítio, não é ocupá-lo. Frequentar
sistematicamente um sítio, é dar-lhe um significado específico
para esse uso frequente. Os sítios e a sua paisagem
envolvente têm de ser entendidos como espaços
incorporadores de ação, uma ação estruturadora, identitária e
memorial.
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Bibliografia:
ALVES, Lara Bacelar (2020) – LandCRAFT. A arte da Pré-história Recente no Vale do Côa.!Kairós.
Coimbra. 5, 6-21.
ALVES Lara Bacelar, CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, CARVALHO, Bárbara (2014) - ART-
Facts: Uma investigação sobre os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no vale
do Côa, Côavisão, 16, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Foz Côa,
101-106.
CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, CARVALHO, Bárbara, ALVES, Lara Bacelar (2023). O
Projecto LandCRAFT. A intervenção Arqueológica no abrigo das Lapas Cabreiras, in
Arqueologia em Portugal, III CAAP, ed. By José Morais Arnaud, César Neves e Andrea
Martins, pp. 105-117.
CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla, BATARDA, António (2021) -
Trabalhos Arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa). Côavisão, 23, Câmara
Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Foz Côa, 103-110.
CARVALHO, António Faustino (1999). Os sítios de Quebradas e da Quinta da Torrinha (Vila Nova
de Foz Côa) e o Neolítico Antigo do Baixo Côa. Revista Portuguesa de Arqueologia, 1 (2):
39-70.
FIGUEIREDO, Sofia, BAPTISTA, António Martinho (2013). A Arte Esquemática Pintada em
Portugal. In J. Martínez & M. S. Hernández (eds.). Actas del II Congreso de Arte Rupestre
Esquemático en La Península Ibérica, Vélez-Blanco Málaga, 2010.Vélez-Blanco, pp.
301-316.
MARTINS, Andrea (2015). E no Médio Côa? A arte esquemática que ainda resiste: o Abrigo do
Ribeiro das Casas (Almeida). Revista Portuguesa de Arqueologia, 18: 41-54.
MONTEIRO-RODRIGUES, Sérgio (2011) - Pensar o Neolítico antigo. Contributo para o estudo do
Norte de Portugal entre o VII e o V milénio a.C., Estudos Pré-históricos, 16. Viseu. Centro
de Estudos Pré-históricos da Beira Alta.
MURALHA, João, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla BATARDA, António (2022) - A Intervenção
Arqueológica no Barrocal dos Lameiros (Figueira de Castelo Rodrigo) 2021. Côavisão,
16, Vila Nova de Foz Côa, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, 101-106.
REIS, Mário, ALVES, Lara Bacelar, CARDOSO, João Muralha, CARVALHO, Bárbara (2017). Art-
facts – os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no Vale do Côa. In S. Garcês, H.
Gomes, A. Martins, L. Oosterbeek (eds) A Arte das Sociedades Pré-históricas in Actas do
IV Congresso de Doutorandos e Pós-doutorandos, 26-29 de Novembro, Mação, 2015.
O estudo dos resultados das intervenções arqueológicas
desenvolvidas no âmbito do LandCRAFT encontra-se em
curso e mais dados serão publicados. Caso seja do interesse
em saber mais sobre os resultados das escavações,
sugerimos a consulta de textos entretanto publicados e
onde são apresentados alguns dos resultados preliminares da
pesquisa.
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Disponível aqui.
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Article
Full-text available
Considering one of the objectives of our project - the investigation of the socio-cultural contexts of Schematic Art in the Côa Valley – and starting from the case study of Lapas Cabreiras, we consider that the investigation of archaeological contexts, either in the sense of identifying a moment of transit/occupation/use of the sites, or the recognition of other occurrences in its surroundings, will provide a set of very important data for un�derstanding several open questions, highlighting the following: To what extent does material evidence (from excavation and field surveys) and the occupation of different sites help us to understand the use and occupation of the landscape?
Article
Full-text available
Abrigo do Ribeiro das Casas is a schematic painted rock art shelter located in the banks of a stream, tributary of the Coa River. It shows a small iconographic scene, expressed in two panels where the schematic motifs were painted: one zoomorph and two anthropomorphs. Through the analysis of the technical, morphological and stylistic parameters, and also by the iconographic parallels it was possible to establish two distinct execution periods: since the beginning of the Neolithic (6–5th millennium BC), until the final stages of the Chalcolithic (end of 3rd millennium BC). o
Article
Until very recently, the first Holocene human occupation of Northeast Portugal (Trás-os-Montes and Beira Alta provinces) was thought to be undertaken by the builders of the many megaliths known in the region, which have been dated to the first half of the 4th millenium cal BC. In the last few years, some Early Neolithic sites have been found and dated to the beginning of the 5th millenium. Recent work carried out in the Lower Côa Valley by PAVC (Côa Valley Archaeological Park) teams allowed the recognition of two sites dated to the same period: Quebradas and Quinta da Torrinha (Vila Nova de Foz Côa). The first was completely excavated in 1996-97, while the Neolithic layer of the latter was tested in 1997. The absence of Mesolithic contexts among the more than 70 prehistoric sites so far discovery in the region strongly indicates the introduction of a full «Neolithic package», including ovicaprids, cereals, ceramics and polished stone. The arrival of these early farmers to this then uninhabitated region, resulting from a complex set of small-scale migrations from Andalucia and probably from the Ebro basin, took place only a few centuries after their settlement in those areas. Quebradas and Quinta da Torrinha may have been part of a settlement system featuring specialized, seasonal highland occupations. Both sites are located in plateaux between 450-500 metres a.s.l. and close to winter streams. The small size of pots, the presence of some projectile points and the recovery of an ovicaprine tooth at Quebradas suggest a pastoral exploitation of the highlands complemented by hunting. The discovery of a large number of grinding stones at Quinta da Torrinha, on the other hand, indicates an occupation based on plant processing (wild and/or cultivated). Some rock art of subnaturalistic style seems to have been made by these early farmers.
ART-Facts: Uma investigação sobre os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no vale do Côa, Côavisão, 16, Câmara Municipal de Vila
  • Alves Lara Bacelar
  • João Cardoso
  • Muralha
  • Reis
  • Mário
  • Bárbara Carvalho
ALVES Lara Bacelar, CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, CARVALHO, Bárbara (2014) -ART-Facts: Uma investigação sobre os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no vale do Côa, Côavisão, 16, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Foz Côa, 101-106.
Trabalhos Arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa). Côavisão, 23, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa
  • João Cardoso
  • Muralha
  • Reis
  • Mário
  • Magalhães
  • Carla
  • António Batarda
CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla, BATARDA, António (2021) -Trabalhos Arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa). Côavisão, 23, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Foz Côa, 103-110.
Actas del II Congreso de Arte Rupestre Esquemático en La Península Ibérica
  • Sofia Figueiredo
  • António Baptista
  • Martinho
FIGUEIREDO, Sofia, BAPTISTA, António Martinho (2013). A Arte Esquemática Pintada em Portugal. In J. Martínez & M. S. Hernández (eds.). Actas del II Congreso de Arte Rupestre Esquemático en La Península Ibérica, Vélez-Blanco Málaga, 2010.Vélez-Blanco, pp. 301-316.
Pensar o Neolítico antigo. Contributo para o estudo do Norte de Portugal entre o VII e o V milénio a.C., Estudos Pré-históricos
  • Sérgio Monteiro-Rodrigues
MONTEIRO-RODRIGUES, Sérgio (2011) -Pensar o Neolítico antigo. Contributo para o estudo do Norte de Portugal entre o VII e o V milénio a.C., Estudos Pré-históricos, 16. Viseu. Centro de Estudos Pré-históricos da Beira Alta.
A Intervenção Arqueológica no Barrocal dos Lameiros (Figueira de Castelo Rodrigo) -2021. Côavisão, 16, Vila Nova de Foz Côa
  • João Muralha
  • Reis
  • Magalhães Mário
  • Carla Batarda
MURALHA, João, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla BATARDA, António (2022) -A Intervenção Arqueológica no Barrocal dos Lameiros (Figueira de Castelo Rodrigo) -2021. Côavisão, 16, Vila Nova de Foz Côa, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, 101-106.
Artfacts -os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no Vale do Côa
  • Mário Reis
  • Lara Bacelar
  • João Cardoso
  • Muralha
  • Bárbara Carvalho
REIS, Mário, ALVES, Lara Bacelar, CARDOSO, João Muralha, CARVALHO, Bárbara (2017). Artfacts -os contextos arqueológicos da Arte Esquemática no Vale do Côa. In S. Garcês, H. Gomes, A. Martins, L. Oosterbeek (eds) A Arte das Sociedades Pré-históricas in Actas do IV Congresso de Doutorandos e Pós-doutorandos, 26-29 de Novembro, Mação, 2015.