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Práticas de interação e socialização do património cultural

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Abstract

O projeto LandCRAFT não se limitou à pesquisa arqueológica, procurou também estabelecer um diálogo entre passado e o presente, destacando a importância das interações humanas com a natureza ao longo do tempo. A descoberta da Arte do Côa nos anos 1990 gerou momentos de controvérsia uma vez que a preservação dos sítios implicou a suspensão da construção de uma barragem. Embora o património tenha sido classificado pela UNESCO (1998), as comunidades locais ainda resistem ao reconhecimento do seu valor cultural, esta fenda histórica, transformou-se num dos principais desafios e focos de intervenção do projeto. No âmbito das ações de transferência de conhecimento procuramos adotar uma abordagem colaborativa e participativa, envolvendo as comunidades na criação de narrativas sobre a paisagem e os sítios arqueológicos. Cruzando vários domínios de estudo, desde da Etnografia, Arqueologia Comunitária, à Ciência Cidadã, numa ótica de permuta de saberes, desenvolveram-se um conjunto de ações que promoveram a disseminação e partilha de conhecimento da investigação que podemos dividir em três categorias principais: atividades de diagnóstico, difusão e socialização, e transferência de conhecimento.
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καιρός | kairós
Boletim do Centro de Estudos em
Arqueologia, Artes e Ciências do
Património!
N.º 14. Especial LandCRAFT !
CEAACP - UC/CAM/UALG
FICHA TÉCNICA
Título καιρός | kairós. Boletim do Centro de Estudos em Arqueologia,
Artes e Ciências do Património | N.º 14 Especial LandCRAFT
Editores do volume L. Bacelar Alves | S. Gomes
Equipa Editorial J. Alves-Ferreira | L. Bacelar Alves | P. Silva | S.
Gomes
Imagem de capa ©LandCRAFT
Edição CEAACP
ISSN 2184-7193
DOI https://doi.org/10.14195/2184-7193_14
Suporte Digital | Formato PDF
Contactos ceaacp@uc.pt
Financiamento
Coimbra | Mértola | Faro, Outono 2024
ÍNDICE
EDITORIAL … 1'
LANDCRAFT. BREVE APRESENTAÇÃO DO PROJETO … 5
O CORPUS DA ARTE DA P-HISTÓRIA RECENTE DO VALE DO CÔA … 25
ESCAVAÇÃO DE SÍTIOS E PROSPEÇÃO NAS IMEDIAÇÕES DE ROCHAS COM ARTE
RUPESTRE … 47
CARACTERIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DOS SÍTIOS COM ARTE RUPESTRE … 63
GESTÃO E VALORIZAÇÃO PÚBLICA DOS ABRIGOS COM ARTE RUPESTRE … 83
SIG … 89
ESTRATIGRAFIA E PALEOAMBIENTE EM LAPAS CABREIRAS … 95
A CERÂMICA PRÉ-HISTÓRICA DE LAPAS CABREIRAS … 105
FERRAMENTAS, PARA QUE VOS QUERO? … 123
BASES DE DADOS … 137
PTICAS DE INTERAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL!… 143
DOCUMENTÁRIO, ARQUIVO E DIVULGAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PESQUISA … 159
1
EDITORIAL
L. BACELAR ALVES | S. GOMES
Neste volume da Kairós retomamos um texto de apresentação do
LandCRAFT, publicado em 2020. Os contributos que compõem o
presente número estão centrados nas suas tarefas de investigação,
partilhando os diferentes objetos de estudo contemplados na
pesquisa e os múltiplos métodos de análise desenvolvidos. Cada
texto procura explicar as questões que subjazem ao projeto, as
ferramentas de que arqueologia enquanto ofício dispõe para as
responder, as vivências proporcionadas pelas diferentes atividades e
as comunidades que se geram em torno desta investigação que é,
intrinsecamente, científica e social.
A diversidade dos modos de trabalhar e a multiplicidade de
questões decorre do facto do Côa encerrar uma densa e caótica
paisagem de memórias de todos os tempos, cujos sentidos
desafiam a um desdobramento de olhares e perspetivas. Com este
volume pretende-se mostrar que o LandCRAFT parte da vontade
de compreender este entrelaçamento de tempos, imagens,
pessoas... e que, nesta condição, foi forjado na interseção de
múltiplos ofícios que procuram acompanhar a infinidade da
paisagem.
Da leitura destes 12 textos surge a imagem do LandCRAFT como
um cruzamento de saberes orientado para ampliar os horizontes de
compreensão da arte da Pré-história Recente do vale do Côa. Como
se verá, cada tarefa revela um cuidado particular para com a
singularidade das figuras pintadas nas rochas; um cuidado com o
qual se procura conhecer o seu contexto sociocultural, tratar da sua
preservação para o futuro e valorizar o seu lugar na grandiosidade
desta geografia humana e natural. Com estas múltiplas valências
procura-se também que o projeto se mantenha em aberto e que a
arte pré-histórica no segredo da sua diferença continue a
interpelar o nosso olhar e a suscitar novos ofícios.
Archaeologists are not heroes who overcome great adversity to discover facts about the past; nor do they merely act as detectives
gathering the facts of the past assembling them like so many pieces of a puzzle. Rather archaeologists craft facts out of a chaotic
welter of conflicting and confused observations; they modify them and reformulate them out of existing knowledge.
Michael Shanks & Randall McGuire, 1996, H. The Craft of Archaeology, American Antiquity, 61(1): 78-79
Nota
Este volume começou a ser organizado pela mão da
Lara, sem que lhe tenha sido possível participar na sua
conclusão. Porém, estando definidos os seus traços
gerais, todos aqueles que participam no volume
cuidaram de concretizar esta ideia de ter um registo
sobre as diferentes tarefas (ou “crafts”) do LandCRAFT.
No que diz respeito ao texto de apresentação do
projeto, assinado apenas pela Lara, foi elaborado a partir
dos seus apontamentos para comunicações acerca da
progressão dos trabalhos, privilegiando-se, assim, as
suas próprias palavras e o seu modo de nos inspirar.
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Ainé Francos Golán | EcoPast, Universidade de Santiago
de Compostela
Ana Cristina Araújo | Património Cultural, IP - LARC |
UNIARQ | !InBIO / BIOPOLIS / CIBIO
António!Batarda!Fernandes | CEEACP – Universidade de
Coimbra
Antonio Martínez Cortizas | EcoPast, Universidade de
Santiago de Compostela
Bárbara Carvalho | CEEACP – Universidade de Coimbra
Beatriz Comendador-Rey | GEAAT – Universidade de Vigo
Clara Veiga Rilo | EcoPast, Universidade de Santiago de
Compostela
Cristina Gameiro | UNIARQ - FLUL
Fernando Carrera | RAC, Rock Art Conservation and
Management
Hannah Sackett | Universidade de Bath
Isabel!Maria!Almeida Fonseca | Universidade de Coimbra
João Muralha | CHAM-FCSH-UNL
José Santiago Pozo-Antonio | CINTECX, grupo
GESSMin, DERNMA, Dpto. de Enxenaria dos Recursos
Naturais e Medio Ambiente, Escola de Enxenaria de Minas e
Enerxia, Universidade de Vigo
Lara Bacelar Alves | CEEACP – Universidade de Coimbra
Mário Reis | Fundação Côa Parque | !CEEACP –
Universidade de Coimbra
Marta Colmenares Prado | EcoPast, Universidade de
Santiago de Compostela
Mohamed Traoré | EcoPast, Universidade de Santiago de
Compostela
Olalla López Costas | EcoPast, Universidade de Santiago
de Compostela
Pablo Barreiro | EcoPast, Universidade de Santiago de
Compostela
Sérgio Gomes | CEEACP – Universidade de Coimbra
Susana Soares Lopes | CEEACP – Universidade de
Coimbra
Teresa Rivas | CINTECX, grupo GESSMin, DERNMA, Dpto.
de Enxenaria dos Recursos Naturais e Medio Ambiente,
Escola de Enxenaria de Minas e Enerxia, Universidade de
Vigo
Teresa Silva | Investigadora Independente
Vera Caetano | CEEACP – Universidade de Coimbra
Zaira García López | EcoPast, Universidade de Santiago
de Compostela
Participam neste volume:
- -143
Bárbara Carvalho | Beatriz Comendador-Rey
Lara Bacelar Alves | Hannah Sackett
Práticas de interação e
socialização do
património cultural!
- -144
O projeto LandCRAFT não se limitou à pesquisa
arqueológica, procurou também estabelecer um diálogo entre
o passado e o presente, destacando a importância das
interações humanas com a natureza ao longo do tempo. A
descoberta da Arte do Côa nos anos 1990 gerou momentos
de controvérsia uma vez que a preservação dos sítios
implicou a suspensão da construção de uma barragem.
Embora o património tenha sido classificado pela UNESCO
(1998), as comunidades locais ainda resistem ao
reconhecimento do seu valor cultural, esta fenda histórica,
transformou-se num dos principais desafios e focos de
intervenção do projeto.
No âmbito das ações de transferência de conhecimento
procuramos adotar uma abordagem colaborativa e
participativa, envolvendo as comunidades na criação de
narrativas sobre a paisagem e os sítios arqueológicos.
Cruzando vários domínios de estudo, desde da Etnografia,
Arqueologia Comunitária, à Ciência Cidadã, numa ótica de
permuta de saberes, desenvolveram-se um conjunto de ações
que promoveram a disseminação e partilha de conhecimento
da investigação que podemos dividir em três categorias
principais: atividades de diagnóstico, difusão e socialização, e
transferência de conhecimento.
- -145
Fig. 1 - Francisco Bandarra com o machado de pedra polida encontrado no abrigo das Lapas Cabreiras,
durante a visita ao sítio arqueológico no âmbito das Jornadas Europeias de Arqueologia - 2022.
- -146
Fig. 2 - Café Escondidinho do
Pêgo. Ao balcão: Mário Reis e Sr.
Henrique Pêgo; Na mesa ao canto
esquerdo: João Rodrigues; Mesas
ao centro, da esquerda para a
direita: Sr. Valentim, Sr. João
Osvaldo, Sr. Carlos Martins e o
Bolinhas; Na cadeira à direita:
Dona Conceição Pêgo.
Uma das preocupações da equipa foi a sua integração junto
das comunidades locais, um desafio essencial para
compreender as dinâmicas culturais e sociais da região. Esta
proximidade e trabalho contínuo com as pessoas permitiu não
criar as plataformas necessárias ao diálogo e confiança
mútua, como contribuiu para a construção de uma
investigação exploratória e informada a partir dos contextos
existentes e não em função de perguntas e critérios pré-
determinados. A abordagem ao lugar e à sua comunidade
focou-se essencialmente na interconexão das suas estruturas
sócio-económicas, culturais e experiênciais. O Café
Escondidinho do Pêgo, na aldeia de Algodres (Figueira de
Castelo Rodrigo) foi local de encontro e base de socialização
entre a equipa de investigação e a comunidade (Fig. 2).
- -147
Para explorar a paisagem histórica e cultural da região,
juntamente com os pastores e antigos feitores dos terrenos, o
projeto utilizou ferramentas como a cartografia participativa e
a metodologia “Walk-along”. Este método permitiu elaborar
um mapa detalhado da microtoponímia, rede de percursos e
património etnográfico (Fig. 3 e 4).
Figs. 3 e 4 - Sessão de trabalho
colaborativo de criação de uma
cartografia das faias graníticas do
vale do Côa, onde foram recolhidas
informações orais sobre o uso e a
transformação da paisagem. Aqui
com com Sr. Francisco Bandarra da
aldeia de Algodres.
- -148
No decorrer das festas anuais de Algodres organizamos uma
atividade que nos permitiu, simultaneamente, diagnosticar
as relações que a comunidade tem com os elementos
patrimoniais e, simultaneamente, sensibilizar para o seu
valor. Usando a ferramenta "BIComún", foram expostos
painéis sobre o património cultural da região e a comunidade
foi incentivada a discutir o seu valor e estado de conservação,
promovendo um processo de sensibilização e envolvimento
ativo nas questões da sua preservação (Figura 5).
- -149
Fig. 6 Lara Bacelar mostra o machado de pedra polida das Lapas Cabreiras a Maria Inês Beato e a
Maria Vicente, durante a visita ao sítio arqueológico no âmbito das Jornadas Europeias de Arqueologia -
2022
- -150
A socialização do património permitiu-nos alargar a nossa
comunidade de partilha, diversificando a rede de vínculos
entre as pessoas, os sítios arqueológicos e a paisagem do
vale do Côa. Em 2022, marcamos presença na Noite Europeia
de Investigadores, em Coimbra, demonstrando, através de
múltiplas atividades e suportes, o trabalho em curso (Fig. 7 a
10). Em 2023, lançou-se do primeiro encontro transfronteiriço
sobre arte pré-histórica, que designamos “Ponte da União”
(Fig. 11 a 14). Esta ação, inscrita no âmbito das sugestões da
Estratégia 6 da Carta ICOMOS 2023, contempla o fomento de
redes de cooperação para a promoção da divulgação
científica, transferência de conhecimento e debate crítico bem
como o intercâmbio de experiências entre a comunidade
investigadora e outros agentes. Neste sentido, é também de
salientar a visita ao abrigo das Lapas Cabreiras, no âmbito
das Jornadas Europeias de Arqueologia (2022), na qual os
habitantes locais e visitantes foram apresentados ao sítio
arqueológico e à sua arte, procurando estimular o diálogo
entre o conhecimento científico e a história oral e o reforço
dos laços com o lugar (Fig. 15 a 18).
- -151
Figs. 7 a 10 - Registos da Noite
Europeia dos Investigadores,
Coimbra, 2023.
- -152
Figs. 11 a 14 - Registos dos encontros
“Ponte da União” organizados em 2023
e 2024.
- -153
Figs. 15 a 18 - Registos da visita ao
abrido de Lapas Cabreiras no
âmbito das Jornadas Europeias de
Arqueologia, 2022.
- -154
As ações de transferência de conhecimento foram um
aspeto central do projeto, tendo a equipa trabalhado em
parceria com a Organização Não-Governamental de Ambiente
Faia Brava, a Plataforma Ciência Aberta e o Agrupamento
de Escolas do Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo na
criação de atividades educacionais inovadoras. As bandas
desenhadas que Hannah Sackett co-criou com a comunidade
escolar local são exemplo desta estratégia de comunicação e
transferência de conhecimento, mostrando como uma história
gráfica sobre o sítio arqueológico das Lapas Cabreiras permite
criar e consolidar uma relação entre pessoas e patrimónios
(Fig. 18 e 19). Outro exemplo de diálogo entre comunidades e
transferência de conhecimentos é a colaboração do
LandCRAFT no projeto artístico “Habitat” da autoria de
Antony Lyons realizado no âmbito do Festival Côa Corredor
das Artes” promovido pelo Rewilding Portugal (Fig. 20).
- -155
Figs 18 e 19 - Banda desenhada das Lapas Cabreiras. Atividade conduzida
pela ilustradora Hannah Sackett, em colaboração com a equipa de
investigação, que ao longo de um workshop de 3 dias trabalhou com uma
turma do 8º ano do Agrupamento de Escolas de Figueira de Castelo Rodrigo
na produção de uma banda desenhada dedicada ao sítio arqueológico do
Abrigo das Lapas Cabreiras. O workshop foi organizado em duas partes:
uma primeira sessão que visava ensinar as bases gráficas da construção de
uma banda desenhada, e uma segunda que visou a criação coletiva do
trabalho final. Esta abordagem foi concebida para ser utilizada por terceiros,
como uma proposta didática a ser desenvolvida autonomamente na
comunidade escolar.
- -156
Fig. 20 - Na sequência do trabalho realizado com os parceiros locais
e no âmbito do "Festival Côa - Corredor das Artes", promovido pela
Rewilding Portugal no verão de 2023, o projeto LandCRAFT
participou no desenvolvimento do projeto artístico de Antony Lyons –
"Habitat". A escultura, instalada na área protegida da Faia Brava, teve
como conceito a criação de uma casa de tesouros, inspirada na
construção de um pombal tradicional, onde estiveram representados
elementos do património ecológico e cultural da paisagem
envolvente, incluindo objetos artísticos que remetem para a biografia
do sítio arqueológico. A inauguração pública da escultura decorreu a
16 de julho de 2023 e contou com a presença de todos os parceiros
locais do projeto.
- -157
As práticas de interação e socialização do património do
LandCRAFT permitiram-nos perceber que é possível criar
um verdadeiro impacto na valorização"e conservação de sítios
com arte rupestre se assumirmos um trabalho de diálogo e
negociação contínuos. Este impacto poderá ser medido e
realmente consequente se encararmos estas práticas como
parte de um plano de gestão integrado, um plano que procure
ir ao encontro das comunidades locais, fundamentais para a
preservação a longo prazo destes sítios. Para que tal
aconteça, acreditamos que os “agentes do património” têm
que se “fixar” no território, nem que seja de forma intermitente.
A ideia de nos “fixarmos” passa também por nos
comprometermos, individualmente e coletivamente. assim
é que nos parece possível combater o medo intrínseco destas
comunidades de caírem no esquecimento e construir
narrativas vitalizadas. A verdade é que aqui neste lugar, é
dado valor real aos sítios e às suas materialidades se houver
primeiro, um reconhecimento de quem está e vive
quotidianamente no território. Os significantes reais de uma
paisagem em transformação. Afinal de contas, conservar não
é mais do que cuidar e nesta equação entra tudo e todos.
Porque na paisagem e no património, cabem lugares, coisas,
seres e pessoas e acreditamos que é nestas interseções que
podemos encontrar os verdadeiros sentidos de herança e de
futuro.
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Este projecto, com a referência COA/OVD/0055/2019, é financiado por fundos nacionais através da FCT- Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P.
Continue a seguir o LandCRAFT no Facebook e no Instagram
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Consulte o site
https://www.uc.pt/ceaacp/
para mais informação sobre as atividades do CEAACP
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Ilustração de Sónia Borges, 2024
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À Andrea Martins…
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… à sua amizade,
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… e ao seu sorriso.
Obrigado.
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