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Volume 18, 2024, e36467
Psicologia em Pesquisa
https://periodicos.ufjf.br/index.php/psicologiaempesquisa
Psicologia Evolucionista: Fundamentos epistemológicos e conceituais
Evolutionary Psychology: Epistemological and conceptual foundations
Psicología evolutiva: Fundamentos epistemológicos y conceptuales
Mauro Silva Júnior
1
1
Universidade de Brasília. E-mail: juniormsilva@unb.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8544-4468
Psicol. Pesqui. | 18 | 1-42 | 2024
DOI: 10.34019/1982-1247.2024.v18.26467
Silva, M., Jr. 2
Informações do Artigo:
Mauro Silva Júnior
juniormsilva@unb.br
Recebido em: 27/11/2021
Aceito em: 12/02/2023
RESUMO
Em poucas décadas a Psicologia Evolucionista surgiu enquanto ciência e diversificou seus
temas de investigação, contemplando atualmente temas clássicos e emergentes na
psicologia. Apesar dessa rápida expansão, seus fundamentos teóricos permanecem
incompreendidos. O objetivo desse trabalho foi, portanto, analisar os fundamentos
epistemológicos e conceituais da Psicologia Evolucionista, explicitando como essas bases
teóricas lançam um olhar único sobre a mente e o comportamento humano. Discutiu-se por
meio de pesquisas empíricas como o funcionamento mental evoluído é necessário para a
compreensão de diversos fenômenos psicológicos no ambiente moderno. Ao final, foi
apresentada uma perspectiva interacionista dessa psicologia evoluída e da aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE:
Mecanismos psicológicos evoluídos; Problemas adaptativos; Ambiente de adaptação
evolutiva; especialização funcional; Aprendizagem.
ABSTRACT
In the last few decades, Evolutionary Psychology has emerged as a scientific discipline and
diversified its subjects of investigation, currently covering both classic and emerging topics
in psychology. Despite this rapid expansion, Evolutionary Psychology’s theoretical bases
remain virtually ignored. Therefore, I aim to analyze its epistemological and conceptual
foundations, explaining how its theoretical bases cast a unique look at the human mind and
behavior. I used empirical research to illustrate how the evolved psychological functioning
is necessary for the understanding of diverse psychological phenomena in the modern
environment. Finally, I presented an interactionist perspective of this evolved psychology
and learning.
KEYWORDS:
Evolved psychological mechanisms; Adaptive problems; Environment of evolutionary
adaptedness; Functional specialization; Learning.
RESUMEN
La Psicología Evolutiva surgió como ciencia en las últimas décadas, y diversificó sus temas
de investigación, contemplando actualmente temas clásicos y emergentes en la psicología.
A pesar de su rápida expansión, sus bases teóricas siguen siendo incomprendidas. El
objetivo de este trabajo fue, por consiguiente, analizar los fundamentos epistemológicos y
conceptuales de la Psicología Evolutiva, explicando cómo estas bases teóricas posibilitan
una mirada integral de la mente y del comportamiento humano. Se discutió a través de
investigaciones empíricas cómo el funcionamiento mental evolucionado es necesario para
comprender diversos fenómenos psicológicos en el contexto moderno. Por último, se
presentó una perspectiva interaccionista de esta psicología evolucionada y el aprendizaje.
PALABRA CLAVE
Mecanismos psicológicos evolucionados; Problemas adaptativos; Ambiente de la
adaptación evolutiva; Especialización funcional; Aprendizaje.
Given that cultural ideas are absorbed via learning, inference, and interaction payoffs—
which themselves are caused by evolved programs of some kind in interaction with the
environment—a behavior can be, at one and the same time, cultural, learned, and
evolved
2
(Tooby & Cosmides, 2016, p. 35).
2
“Dado que ideias culturais são absorvidas por meio de aprendizagem, inferência e resultados de interação — que
são, por sua vez, causados por programas evoluídos de algum tipo em interação com o ambiente — um
comportamento pode ser, a um só tempo, cultural, aprendido e evoluído" (tradução nossa). O grifo em itálico
consta no original.
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A Psicologia Evolucionista surgiu no início dos anos 1990 com o objetivo de investigar
características da mente humana que seriam compartilhadas por todos os membros da espécie
(Barkow et al., 1992; Confer et al., 2010; Lewis et al., 2017). Ao longo dos anos, a Psicologia
Evolucionista se expandiu como uma das áreas mais prolíficas na ciência psicológica,
ampliando seus interesses iniciais de pesquisa com questões diretamente relacionadas à
sobrevivência e reprodução para incluir temas aos quais se suspeitavam terem pouco ou nada
a ver com a evolução de características típicas da espécie, como a cultura, as diferenças
individuais e a saúde mental (Li et al., 2017; Lordelo, 2010; Nettle, 2009). Atualmente, os
estudos na área cobrem temas clássicos na psicologia como emoções, personalidade, motivação
e desenvolvimento; mas também temas emergentes, como feminismo, política, literatura,
políticas públicas, direito e psicopatologia (Calvi et al., 2020; Carney et al., 2014; Crawford &
Salmon, 2004; Ellis et al., 2012; Petersen, 2020; Shackelford, 2021). Esses avanços se refletem
no aumento de revistas especializadas e de artigos em periódicos científicos prestigiados
(Conroy-Beam & Buss, 2016; Lewis et al., 2017; Lieberman et al., 2007; Sell et al., 2017;
Sznycer, Xygalatas, Alami et al., 2018), organização de números especiais (Fisher &
Bourgeois, 2020; Luoto et al., 2021; Yamamoto & Seidl-de-Moura, 2010) e de manuais e
enciclopédias publicados com maior periodicidade (Buss, 2016; Shackelford, 2021; Yamamoto
& Valentova, 2018).
A despeito desses avanços, a Psicologia Evolucionista tem encontrado resistências em
relação ao seu programa de pesquisa (Schmitt & Pilcher, 2004). Não raro perspectivas
evolucionistas são erroneamente acusadas de determinismo genético, reducionismo,
alinhamento com políticas conservadoras, tentativas de justificar injustiças e desigualdades
sociais, e que a adoção de uma natureza humana implicaria em acreditar que os
comportamentos são imutáveis ou inevitáveis (Buss & von Hippel, 2018; Perry & Mace, 2010;
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Tybur et al., 2007; Varella, 2018; Winegard et al., 2014). Algo similar ocorreu com o advento
da sociobiologia em meados da década de 1970, uma disciplina que buscava compreender a
evolução do comportamento social por meio das suas bases biológicas (Segerstråle, 2006; Silva
& Albuquerque, 2022; Yamamoto, 2018). A sociobiologia, em especial E. O. Wilson, seu
maior propagador, foi severamente critica por tentar estender ao ser humano avanços recentes
para a época sobre o comportamento animal. Esses avanços ocorreram por meio do
desenvolvimento das teorias da seleção por parentesco, reciprocidade direta e investimento
parental. A despeito dessas teorias terem promovido novas compreensões sobre o
comportamento dos organismos e abrirem novas frentes de pesquisa, quando aplicadas aos
humanos, foram consideradas formas de determinismo genético, de defesa do status quo e de
negação da cultura (Segerstråle, 2006; Silva & Albuquerque, 2022; Yamamoto, 2018).
Contudo, historiadores da ciência consideraram que essas acusações repousam em bases pouco
factíveis e que a discussão polêmica sobre a sociobiologia dizia respeito a diversos fatores.
Entre eles, podemos citar as diferenças teóricas sobre como se dá o processo evolutivo, os
avanços sobre a genética que teriam sido negligenciados por Wilson, e também por motivação
política e moral de seus opositores (Segerstråle, 2006; Yamamoto, 2018).
Essa rejeição se deve em grande parte ao desconhecimento da teoria e receios
infundados, tais como o de que se as pessoas sejam diferentes por razões biológicas, elas não
poderiam mudar o seu comportamento. Ou que seria impossível promover mudanças no
comportamento humano caso haja influência biológica. Há, também, o receio de que as pessoas
não possam ser responsabilizadas pelos seus atos se tiverem alguma base genética (Varella,
2018). Estudos apontam que, contrariamente ao suposto, é o desconhecimento da teoria, e não
o seu conhecimento, um dos maiores preditores da rejeição aos estudos evolucionistas (Buss
& von Hippel, 2018; Perry & Mace, 2010). Além disso, o suposto viés ideológico de
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pesquisadores evolucionistas nas áreas da psicologia e da antropologia não encontrou respaldo
em bases empíricas quando foram diretamente testados. De modo geral, os resultados foram
contrários às expectativas associadas ao conservadorismo e à orientação política de direita
(Lyle & Smith, 2012; Tybur et al., 2007).
Apesar da rápida expansão e do interesse crescente de pesquisadores, os princípios e
conceitos básicos da Psicologia Evolucionista permanecem ignorados ou incompreendidos
(Buss & von Hippel, 2018; Lewis et al., 2017; Winegard et al., 2014). Este cenário contrasta
com o reconhecimento de que a pesquisa com princípios evolucionistas necessita de
treinamento rigoroso para o pleno domínio de um corpo extraordinário de conceitos básicos
(Lewis et al., 2017). Por esses motivos, o objetivo desse trabalho consistiu em desenvolver uma
análise dos fundamentos epistemológicos e da estrutura conceitual da Psicologia Evolucionista.
Nesse processo, foram explicitadas as ferramentas analíticas que conduzem à sua visão única
da mente humana, e como ela é capaz de explicar o comportamento em condições ambientais
modernas. Por fim, foi demonstrada a relação desses conceitos com as noções de ambiente e
aprendizado, evidenciando a sua perspectiva interacionista (Al-Shawaf et al., 2019; Confer et
al., 2010; Lewis et al., 2017).
Histórico e Princípios Epistemológicos
Perspectivas evolucionistas sobre o comportamento humano são tão antigas quanto a
própria psicologia, podendo ser traçadas até Darwin. Em seu livro mais famoso, “Origem das
Espécies”, Darwin afirmou que antevia em um futuro distante que a psicologia repousaria sobre
novas fundações da aquisição gradual de cada faculdade e aptidão mental (Darwin, 1859).
Segundo alguns acadêmicos, a Psicologia Evolucionista é considerada a própria concretização
dessa previsão (Buss, 2015).
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A Psicologia Evolucionista surgiu, no final dos anos 1980, quando um grupo de
pesquisadores interessados na evolução do comportamento humano buscaram enfatizar
aspectos que acreditavam estar sendo negligenciados nessa área. Entre eles estavam a adoção
de uma visão adaptacionista e o foco em mecanismos psicológicos evoluídos (Barkow et al.,
1992; Symons, 1989; Tooby & Cosmides, 2016). Por visão adaptacionista entende-se a
preponderância da seleção natural em explicar a evolução de características adaptativas nos
organismos inspirada no trabalho de George Williams (Confer et al., 2010; Tooby & Cosmides,
2016). Adaptações são propriedades dos organismos que aumentaram a sua aptidão mais que
qualquer alternativa existente na população (Rubenstein & Alcock, 2019; Stearns & Hoekstra,
2005). São resultado do processo de seleção natural, pois capacitaram os organismos a resolver
problemas relacionados à sobrevivência e reprodução (Al-Shawaf et al., 2021; Confer et al.,
2010; Tooby & Cosmides, 2016). Já aptidão refere-se ao “sucesso reprodutivo de um indivíduo
relativo ao seu tempo de vida” (Stearns & Hoekstra, 2005, p. 85). Comumente expresso pela
contribuição de genes passados às gerações seguintes, ou pelo número de descentes
sobreviventes produzidos (Rubenstein & Alcock, 2019), esse sucesso inclui também a
probabilidade de sobrevivência e reprodução (Stearns & Hoekstra, 2005).
A seleção natural tem o poder de moldar adaptações precisas (Stearns & Hoekstra,
2005), que por terem contribuído com a aptidão dos organismos ancestrais, representam as
características típicas de uma espécie (Lewis et al., 2021). De modo a serem reconhecidos como
adaptações, os mecanismos psicológicos devem possuir um conjunto de características que os
tornem eficientes em resolver problemas encontrados por membros de uma espécie, como, por
exemplo: a) se desenvolverem de modo confiável em todos os seres humanos neurotípicos; b)
se desenvolverem sem esforço consciente e na ausência de instrução formal; c) funcionarem
sem qualquer consciência da sua lógica subjacente; e d) serem distintos de mecanismos de
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aprendizagem geral (Tooby & Cosmides, 2016). Segundo os critérios propostos por Georges
Williams, as adaptações devem ainda apresentar confiabilidade (no desenvolvimento),
precisão, eficiência, economia e complexidade (Al-Shawaf et al., 2021; Confer et al., 2010;
Lewis et al., 2017; Tooby & Cosmides, 2016). Quanto mais critérios forem satisfeitos, mais
provavelmente os mecanismos psicológicos podem ser considerados uma adaptação (Al-
Shawaf et al., 2021).
Desse modo, a Psicologia Evolucionista tem um interesse especial por adaptações
psicológicas que foram desenhadas pela seleção natural no processo de evolução da espécie
humana. A ênfase em mecanismos psicológicos se deve ao fato de que o design adaptativo das
espécies é encontrado no nível psicológico e não no comportamental (Symons, 1989), pois a
seleção natural não atua sobre o comportamento em si, mas sobre os mecanismos que o
produzem (Al-Shawaf et al., 2021; Confer et al., 2010; Fawcett et al., 2013; Hutchinson &
Gigerenzer, 2005; Tooby & Cosmides, 2016). Assim, a Psicologia Evolucionista não espera
que todos os humanos se comportem da mesma maneira em contextos e culturas diferentes,
pois os mecanismos psicológicos que regulam o comportamento dependem das condições
ambientais para se expressar e produzir comportamento adaptativo em resposta (Al-Shawaf et
al., 2019; Lewis et al., 2021; Lordelo, 2010).
Os mecanismos psicológicos evoluídos são definidos como processadores de
informação, os quais são ativados diante de estímulos ambientais específicos, produzindo
comportamento adaptativo em resposta (Lewis et al., 2021; Oliva, 2018; Tooby & Cosmides,
2016). Tooby e Cosmides (2016) utilizam o comportamento de correr para exemplificar a
importância dos mecanismos psicológicos na explicação do comportamento. De acordo com
os autores, o comportamento de correr, em si, não pode ser considerado nem adaptativo nem
não adaptativo sem que sejam levados em consideração os processos psicológicos que o
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produzem, pois correr em direção a um predador reduz a sobrevivência e a reprodução,
enquanto correr para longe dele favorece ambos. Ainda segundo Tooby e Cosmides (2016), a
seleção não opera diretamente no comportamento, mas em um relacionamento
sistematicamente gerado entre ele e a informação ambiental. Segundo os autores, para ser
adaptativo, os mecanismos de regulação do comportamento precisam ser funcionalmente
dependentes da informação. O relacionamento entre informação e comportamento, para existir,
necessita da existência de material orgânico minimamente confiável em termos
desenvolvimentais, que consiste nos circuitos neurais encontrados no encéfalo. Assim, a
seleção natural vai manter ou descartar os circuitos da arquitetura neural de uma espécie a partir
de quão bem os relacionamentos entre informação e comportamento, por eles produzidos,
promovem a propagação das bases genéticas desses circuitos. Dessa forma, a seleção natural
moldou um sistema nervoso repleto de mecanismos que respondem a complexas relações sob
a forma de mecanismos de aprendizagem funcionalmente especializados, regras de inferência,
preferências ajustadas pela experiência, regras de decisão complexas etc. (Tooby & Cosmides,
2016). Sendo assim, correr para longe quando um indivíduo vê um predador é o resultado do
processamento da informação de perigo iminente. É importante ressaltar que, segundo Tooby
e Cosmides (2008), “as adaptações não são meros produtos dos genes, mas são produtos da
interação coordenada de uma herança genética estável e características evolucionárias
duradouras do ambiente” (p. 115).
Por representarem o nível do processamento da informação, os mecanismos
psicológicos não podem ser confundidos com o nível intencional ou da agência (i.e. o “eu”,
consciência) ou com o nível implementacional (o sistema nervoso), mas perfazem o nível
funcional (Al-Shawaf et al. 2021; Confer et al., 2010; Lewis, 2021; Pietraszewski & Wertz,
2021; Tooby & Cosmides, 2016). Isso implica dizer que, embora possamos ter a percepção
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consciente das nossas emoções e dos resultados delas, não significa que temos conhecimento
da sua função adaptativa, ou de como o processamento de informação subjacente a elas ocorre.
Segundo os psicólogos evolucionistas, a seleção moldou adaptações psicológicas que
aumentaram as chances de sobreviver e reproduzir, sem que isso implique na busca intencional
desses resultados (Winegard et al., 2014).
A ênfase nos mecanismos psicológicos como produto da seleção natural se deve ao fato
de que, na maioria dos casos, comportamentos semelhantes podem servir a múltiplas funções,
ou ter papéis funcionalmente opostos em diferentes contextos, indivíduos ou espécies (Del
Giudice, 2020). Ao abordar as semelhanças e diferenças entre espécies no comportamento
exploratório, Del Giudice (2020) elenca que esse comportamento, por exemplo, pode refletir
tanto correr riscos como o de predação e de lesões ao buscar por alimentos e parceiros; como
também refletir a evitação de riscos ao buscar por pistas indicadoras de perigo nas imediações.
Frequentemente, estudiosos do comportamento assumem que a arquitetura genética de uma
espécie não limita os fenótipos que podem evoluir a longo prazo; ou seja, o mesmo genótipo
de uma espécie pode produzir diferentes fenótipos devido apenas à variação ecológica.
Contudo, a solução para problemas adaptativos é alcançada por meio de traços
comportamentais flexíveis, os quais são alcançados por meio de mecanismos psicológicos
evoluídos (Fawcett et al., 2013). Dá-se o nome de “aposta comportamental” (behavioral
gambit) quando a existência desses mecanismos é ignorada, pressupondo que eles não limitam
a expressão do comportamento adaptativo. Não obstante, essa suposição é eventualmente falha,
pois mecanismos psicológicos evoluídos podem impedir que animais se comportem de maneira
ideal em condições específicas (Del Giudice, 2020; Fawcett et al., 2013; van den Berg et al.,
2021).
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São os mecanismos psicológicos que capacitam os organismos a apresentar um bom
desempenho médio ao longo de uma variedade de circunstâncias ambientais (Hutchinson &
Gigerenzer, 2005; McNamara & Houston, 2009). Assim, as adaptações são necessariamente
imperfeitas devido às limitações da seleção natural em esculpir mecanismos ótimos. Por
exemplo, ossos leves permitem às presas fugirem mais facilmente de predadores, porém, são
mais suscetíveis de quebrar. O aumento da aptidão causado pela otimização em um parâmetro
do traço (leveza) é responsável simultaneamente pela redução em outro parâmetro (resistência).
É impossível, portanto, que a seleção otimize todos os parâmetros relevantes de uma vez,
produzindo como consequência resultados mal adaptados em pelo menos um dos parâmetros
(Al-Shawaf et al., 2021).
Devido às circunstancias ambientais serem dinâmicas e mutáveis, não é possível a
seleção natural produzir nos animais comportamentos muito específicos apropriados a cada
situação possível de ser encontrada (McNamara & Houston, 2009). Os mecanismos
psicológicos de uma dada espécie são incorporados na sua ecologia refletindo tipos de
situações particulares que os membros da espécie foram mais prováveis de se deparar em seus
ambientes naturais. Mesmo que muitas situações nunca tenham sido encontradas antes, os
animais confiam nos mesmos mecanismos para lidar com problemas de uma forma estatística
(Fawcett et al., 2013; Hutchinson & Gigerenzer, 2005).
Mayr (2004) também abordou como os mecanismos geram o comportamento, ao
discutir a produção de um tipo particular, o comportamento direcionado a um objetivo,
afirmando que “o aspecto verdadeiramente característico do comportamento direcionado a um
objetivo não é que mecanismos existem que melhoram a precisão com que um objetivo é
alcançado, mas na verdade, que existem mecanismos que iniciam, i.e., ‘causam’ este
comportamento direcionado” (p. 98). Embora Mayr reconheça que mudanças nas condições de
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seleção podem ser induzidas por alterações comportamentais, conduzindo a modificações na
morfologia e na ocupação de novos nichos ecológicos, as mudanças comportamentais possuem
um papel mediador da mudança evolucionária. Essa concepção afasta-se, portanto, das visões
lamarquistas que as consideravam como causas da mudança evolucionária (Mayr, 2004). Em
resumo, a compreensão da permanência de padrões de comportamento na espécie deve
considerar o valor adaptativo dos mecanismos psicológicos que os controlam (McNamara &
Houston, 2009) nos tipos de ambiente que os indivíduos de uma dada espécie estatisticamente
encontrariam. Portanto, são nos mecanismos psicológicos evoluídos que deveríamos buscar os
efeitos da seleção natural, e não em seus resultados comportamentais (Fawcett et al., 2013).
Como Funcionam os Mecanismos Psicológicos Evoluídos?
Os mecanismos psicológicos trabalham com a lógica “Se P, então Q” (Pietraszewski &
Wertz, 2021; Tooby & Cosmides, 2016). Ou seja, diante de uma informação ambiental
específica são ativadas e alteradas de forma igualmente específicas a percepção e a cognição,
desencadeando inferências, heurísticas, vieses cognitivos, evocação de memórias passadas,
alterações no foco da atenção etc. (Tooby & Cosmides, 2008). De acordo com essa lógica,
alguns resultados são mais prováveis que outros, pois nem sempre todas as informações para
o processo de tomada de decisão estão disponíveis. Nessas condições limitadas, os indivíduos
utilizam as informações disponíveis no ambiente aplicando regras simples e rápidas (i.e.
heurísticas), mas que com frequência produzem respostas razoavelmente acuradas (Eysenck &
Keane, 2017; Fawcett et al., 2013; van den Berg et al., 2021). As heurísticas descrevem os
relacionamentos sistemáticos entre informação e comportamento, pois perfazem o nível do
processamento de informação, os quais em condições ancestrais representaram as soluções
psicológicas para resolver problemas, como: encontrar alimentos, fugir de predadores, acasalar,
construir alianças, criar os filhos etc. A lógica “Se P, então Q” levou à descoberta de
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mecanismos evoluídos para detecção de trapaceiros, formação de estereótipos, identificação de
pertencimento a grupos sociais, tomada de decisão, seguimento do olhar, detecção do
movimento intencional, atribuição de crenças e objetivos a outros seres, atenção coordenada,
escolha de parceiros, formação de impressões sociais e muitos outros (Buss, 2015; Conroy-
Beam & Buss, 2016; Pietraszewski, 2021).
Considerando que foram moldados pela seleção natural por resolverem um problema
ambiental específico, os mecanismos psicológicos apenas processam informação relevante
para um problema adaptativo específico, mesmo que seus outputs (comportamentos) variem
grandemente em forma. Apesar dessa variação, os outputs estão direcionados à solução de um
problema adaptativo para o qual o mecanismo evoluiu em resposta (Starratt, 2020). O programa
de pesquisa da Psicologia Evolucionista busca prever e testar rigorosamente as relações entre
estímulos ambientais (inputs), mecanismos psicológicos (processamento de informação) e
comportamento (output; Lewis et al., 2017).
A reciprocidade entre dois parceiros sociais, por exemplo, é uma heurística que emerge
quando existe a possibilidade de os parceiros se encontrarem novamente no futuro. Na
impossibilidade de novas interações, agir em favor do outro no presente não vai gerar a
reciprocidade do parceiro no futuro (Schmid et al., 2021; van den Berg et al., 2021). Em
contextos de cooperação de grupos, foi encontrada uma heurística de detecção de trapaça tanto
em adultos quanto em crianças. A percepção de que indivíduos não estão cooperando aumenta
o número de indivíduos que optam por trapacear, bem como a avaliação negativa dos parceiros
sociais e a punição dos trapaceiros (Yang et al., 2018). Em outra linha de investigação,
experimentos demonstram que os indivíduos utilizam pistas visuais e verbais para categorizar
pessoas em grupos sociais, mesmo que eles sejam submetidos a um procedimento de confusão
de memória, o qual aumenta as chances de erro na categorização (Pietraszewski, 2021). A
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detecção do pertencimento grupal emerge desde muito cedo, sendo encontrada, por exemplo,
em crianças de quatro anos de idade, as quais são capazes de utilizar a cor da camisa que
compartilham com outros indivíduos como pistas de pertencimento que guiam o seu
comportamento (Hetherington et al., 2014).
Por meio de um método conhecido como engenharia reversa, os psicólogos
evolucionistas hipotetizam como os processos psicológicos podem ter evoluído para resolver
um problema específico (Pietraszewski & Wertz, 2011; Tooby & Cosmides, 2016). Esses
processos são “decompostos” em diversos elementos que devem ser sensíveis a determinados
inputs, produzindo, assim, comportamento adaptativo que resolva o problema. Seguindo esse
raciocínio, diferentes emoções humanas podem ser interpretadas como modos de operação para
resolver problemas adaptativos distintos, tais como o medo para evitar predadores e animais
peçonhentos, o ciúme para evitar o abandono do seu parceiro amoroso, o nojo para evitar
patógenos, e assim por diante. Esse método permitiu identificar que a mente humana responde
a uma série de pistas ambientais sob a forma de emoções que organizam a experiência dos
indivíduos de forma a responder apropriadamente ao seu ambiente social. Um conjunto de
experimentos realizados em culturas diversas encontrou que a emoção de orgulho foi ativada
diante de situações sociais promotoras de valorização social dos indivíduos, enquanto a emoção
de vergonha foi ativada diante de situações que sinalizaram a desvalorização social (Sznycer,
Xygalatas, Alami et al., 2018; Sznycer, Xygalatas, Agey et al., 2018). Isso significa que
enquanto a emoção do orgulho tem a função de promover a valorização do indivíduo aos olhos
dos membros do seu grupo social, a emoção da vergonha possui a função de evitar que o
indivíduo seja desvalorizado, inclusive antecipando situações que o levariam à desvalorização.
Interessantemente, a ativação de ambas as emoções refletiu tanto o nível de valorização da
cultura local – confirmando o seu caráter ecológico para responder às demandas do grupo social
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– quanto o nível de valorizações de outras culturas, sugerindo o seu caráter universal em
resolver problemas adaptativos. Esses resultados foram replicados em estudos subsequentes,
indicando que essas emoções constituem um sistema de gerenciamento de status social sensível
em relação ao que uma cultura considera valorizado ou inapropriado (Cohen et al., 2020;
Durkee et al., 2019; Sznycer & Lukaszewski, 2019).
A aplicação da engenharia reversa também permitiu desvendar mecanismos
relacionados à emoção da raiva. Considerando que situações de conflito interpessoal existem
em diversas espécies de animais, nas quais os indivíduos podem adotar estratégias para induzir
terceiros a mudar o seu comportamento, e que a raiva é facilmente reconhecida e expressa na
face de humanos e não humanos, Sell et al. (2009) hipotetizaram que a mente deveria apresentar
mecanismos psicológicos para resolver situações de conflito. Sell et al. (2009) e Sell et al.
(2017) sugeriram que a raiva pode ser compreendida como um sistema cognitivo complexo
que evoluiu por motivar os indivíduos ofendidos a exigir do ofensor um tratamento que levasse
em consideração o seu bem-estar. Em um estudo realizado em cinco culturas, Sell et al. (2017)
previram que o principal gatilho do sentimento de raiva seria a indicação de que o ofensor
valoriza muito pouco o bem-estar do ofendido. Em vinte e três experimentos realizados nessas
culturas, os participantes relataram sentir mais raiva quando a) o ofensor valorizou muito pouco
o seu bem-estar; b) o ofensor teve a intenção de atingir diretamente o ofendido; e c) o benefício
do ofensor foi muito pequeno quando comparado ao custo do ofendido. Esta última condição
revela o quanto a emoção de raiva é potencializada em situações nas quais os indivíduos
percebem que terceiros estão dispostos a prejudicá-los por um benefício muito pequeno – que
seria o equivalente a dizerem, em linguagem cotidiana, “a troco de nada”. De maneira oposta,
a raiva diminuiu quando: a) o benefício do ofensor foi alto; b) o custo para o ofendido foi baixo;
ou c) o ofensor não teve intenção de atingir diretamente o ofendido (Sell et al., 2017).
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Outras emoções como gratidão, tristeza e culpa também apresentam evidências de
serem adaptações moldadas pela seleção natural para lidar com problemas adaptativos
relacionados à valorização social. A gratidão, por exemplo, é ativada por indicadores que
terceiros atribuem um valor inesperado ao seu bem-estar, e sua função potencialmente está
relacionada com a consolidação de níveis mais elevados de cooperação entre as partes. Já a
tristeza é ativada pela separação, incapacitação ou morte de terceiros que valorizavam o bem-
estar do indivíduo e que contribuíam com a sua aptidão. Sua função está associada com resolver
problemas relacionados à perda e adaptar-se à ela. A culpa é ativada por pistas de que o
indivíduo não valorizou como deveria o bem-estar de outros significativos, prejudicando sua
aptidão. A função desta emoção seria a de reestabelecer a importância que o indivíduo atribui
ao bem-estar deles (Sznycer & Lukaszewski, 2019).
Como os Mecanismos Psicológicos Foram Selecionados?
Segundo os psicólogos evolucionistas, a seleção natural atuou sobre os mecanismos
psicológicos porque eles ofereceram soluções para problemas adaptativos recorrentemente
enfrentados por centenas de milhares de gerações de indivíduos (Lieberman et al., 2007; Tooby
& Cosmides, 2008). Um problema adaptativo descreve uma situação na qual gerações de
indivíduos se confrontaram com oportunidades e desafios à sua aptidão ao longo do tempo
filogenético (Lewis et al., 2017), tais como: a aproximação de um predador ou de um grupo
rival, a vida da sua prole estar em risco, trapaça por um amigo, perder o apoio do seu grupo
social, aumentar o prestígio dentro do grupo, controlar mais recursos etc. Entre todas as
decisões possíveis para cada um desses cenários, foram selecionadas aquelas que aumentaram
a aptidão dos organismos. Com efeito, diante dos mesmos problemas, a mesma solução foi
estatisticamente mais eficaz que as concorrentes. Dessa forma, a trapaça por um amigo, por
exemplo, descreve uma situação na qual é possível ter oportunidades (i.e. cooperar), mas
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também ameaças à aptidão (sofrer a imposição de custos devido à trapaça). A mente humana,
então, deve estar preparada para detectar as pistas do ambiente que sinalizam as oportunidades
e desafios, que muito embora variem de situação para situação, e entre as partes envolvidas,
deve ser capaz de prever quando um problema adaptativo se apresenta (Tooby & Cosmides,
2008). Em outras palavras, deixar de cooperar com um amigo pode trazer custos, mas ser
trapaceado por ele, também. Assim, a mente humana possui mecanismos de tomada de decisão
que são ativados frente aos problemas impostos pelo ambiente.
Considerando que foram moldados pela seleção natural por resolverem um problema
ambiental específico, os mecanismos psicológicos apenas processam informação relevante
para um problema adaptativo igualmente específico, mesmo que seus outputs
(comportamentos) variem grandemente. Porém, apesar dessa variação, os outputs estão
direcionados à solução de um problema adaptativo para o qual o mecanismo evoluiu em
resposta (Starratt, 2020). Sendo assim, as soluções aos problemas adaptativos foram
incorporadas na arquitetura mental da nossa espécie (Brase, 2021; Fawcett et al., 2013).
Dados sobre os problemas adaptativos são fornecidos pelos avanços em múltiplas
disciplinas, como paleoantropologia, primatologia, ecologia comportamental, estudos
comparativos com caçadores coletores modernos, e estudos transculturais (Brase, 2021; Lewis
et al., 2017; Tooby & Cosmides, 2016). A busca por evidências de um suposto mecanismo
psicológico deve considerar duas importantes dimensões: amplitude e profundidade. A
amplitude reside na extensão em que dados dessas disciplinas convergem para um
entendimento comum sobre ele. A profundidade advém da sua investigação sistemática,
apoiando ou não as hipóteses iniciais, que motivaram a sua proposição como mecanismo
evoluído (Schmitt & Pilcher, 2004).
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Os problemas adaptativos envolvem condições que selecionaram aspectos psicológicos
considerados positivos e negativos (e.g. competição por dominância e cooperação), pois a
seleção é um processo natural e amoral. Esse reconhecimento, contudo, não significa que
psicólogos evolucionistas considerem os aspectos negativos como inevitáveis ou impossíveis
de serem mudados, e, sim, que é necessário entender as condições nas quais eles ocorrem (Ellis
et al., 2012). Dessa forma, problemas adaptativos constituem um conjunto de situações
complexas que envolvem condições ambientais específicas às quais as adaptações psicológicas
processam informação de acordo com a lógica “Se P, então Q”. Por exemplo, não respondemos
a todos os perigos impostos por animais da mesma forma, pois cada um possui um conjunto de
características que sinalizam o perigo (input), cobras rastejam e picam, ao passo que ratos
infectam os alimentos. As respostas esperadas para estes dois exemplos seriam,
respectivamente, mudar o foco atencional ao ouvir movimento de folhas secas e se afastar do
local; e manifestar a resposta de nojo e abandonar o alimento. A ameaça vinda de pessoas
também não é genérica, visto que dentro do grupo social algumas escolhas podem levar à
desvalorização social, à condenação e, consequentemente, às sanções e/ou ostracismo (Sell et
al., 2017; Sznycer et al., 2018; Sznycer & Lukaszewski, 2019). Essas são condições que
produzem aspectos motivacionais e emocionais distintos, como a emoção da vergonha, ao
contrário daquelas ameaças vindas de pessoas que pertencem a grupos rivais.
As oportunidades e desafios à aptidão que constituíram os problemas adaptativos
enfrentados pelos nossos ancestrais derivaram de condições ou propriedades ambientais
igualmente recorrentes no tempo filogenético vivenciadas por gerações de indivíduos de forma
estatística e estável, conhecidas como Ambiente de Adaptação Evolutiva – AAE (Brase, 2021;
Oliva, 2018; Tooby & Cosmides, 2016). O AAE não caracteriza um tempo ou um lugar
definido, mas a própria ocorrência estável de condições disponíveis para os ancestrais
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humanos, e que moldaram cada um dos mecanismos psicológicos (Lewis et al., 2017).
A esse respeito, a existência de diversos problemas adaptativos, acompanhada de
múltiplos AAEs, é essencial para a compreensão de como surgiram mecanismos psicológicos
evoluídos. Primeiramente, do ponto de vista teórico, mecanismos psicológicos só podem existir
porque evoluíram em resposta ao ambiente. Como mencionado anteriormente, diversas
disciplinas oferecem evidências de condições ambientais duradouras no tempo evolutivo. Entre
essas evidências, podemos citar: a própria permanência das leis da física e química, a presença
de patógenos no ambiente, a existência de dois sexos, de rivais sexuais e rivais sociais com os
quais se compete por recursos materiais; de mães e pais, irmãos, membros da família, aliados
etc. (Hagen, 2016; Tooby & Cosmides, 2016). Embora grande parte das pessoas no mundo,
atualmente, viva em cidades e apartamentos, se locomovam por meio de veículos automotores,
e interajam por meios digitais, muitas das condições evolutivas e duradouras ainda estão
presentes em nosso dia a dia. Considerando que a nossa espécie surgiu há 250 mil anos no leste
do continente africano, houve dez mil gerações entre esse tempo e o presente (Wang et al.,
2023), mas somente 400 gerações nos últimos dez mil anos (Hagen, 2016). Assim, não houve,
nos últimos dez mil anos, tempo suficiente para que adaptações complexas tenham sido
selecionadas (Hagen 2016; Tooby & Cosmides, 2016). Surpreendentemente, uma quantidade
muito superior de gerações existiu entre o surgimento da nossa espécie e o surgimento dos
primeiros representantes do gênero Homo, há dois milhões de anos atrás. Esse é o argumento
pelo qual psicólogos evolucionistas afirmam ser necessário um período muito longo para
construir adaptações psicológicas complexas, como os mecanismos psicológicos evoluídos
(Hagen, 2016).
Se existem condições ancestrais recorrentes ao longo do tempo filogenético que
chagaram até nós, e se algumas dessas condições compreendem ameaças ou oportunidades à
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aptidão; logo, os processos mentais complexos de tomada de decisão para evitar as primeiras
e perseguir as últimas tiveram tempo suficiente para serem selecionados e incorporados na
arquitetura mental da espécie (Fawcett et al., 2013; Hagen, 2016). Deste modo, possuir
mecanismos que detectam a presença de ameaças e oportunidades ao longo de milhares de
gerações, e que permitem reagir a elas de forma apropriada, levou à replicação destes mesmos
mecanismos que produzem a tomada de decisão e o comportamento adaptativo (Fawcett et al.,
2013; Tooby & Cosmides, 2016).
Do ponto vista metodológico, mecanismos psicológicos só podem ser estudados em
função do ambiente no qual eles se expressam – o que obviamente deriva do ponto de vista
teórico. Se tomarmos como exemplo os experimentos sobre o mecanismo de detecção de
trapaceiros
3
, podemos observar que eles estão baseados no reconhecimento de que ao longo do
tempo filogenético (a) os organismos possuem parceiros sociais ao longo das suas vidas, (b)
que com esses parceiros são estabelecidas trocas sociais (cooperação), (c) mas que
eventualmente os parceiros podem trapacear (Leinweber et al., 2017; Riehl & Frederickson,
2016; Sachs et al., 2010; Schweinfurth, 2021; Trivers, 1971). Os itens “a”, “b” e “c” se referem
ao AAE do mecanismo de detecção de trapaceiros, enquanto falhar em reconhecer o item “c”
se refere a um problema adaptativo que reduziu a aptidão. Como solução ao problema imposto
por “c”, a mente humana evoluiu a capacidade de reconhecer pistas no ambiente que predizem
a trapaça em trocas sociais.
Com base nesse referencial, Cosmides (1989) identificou que a mente humana possui
capacidades muito dispares de reconhecer violações de regras condicionais (do tipo “Se P,
então Q”). Tal reconhecimento depende do conteúdo representar uma violação de contrato
3
Reconhece-se, atualmente, que a melhor descrição seria sistema de detecção de trapaceiros, por incorporar vários
mecanismos relacionados ao problema adaptativo.
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social (trapaça) ou regras meramente descritivas, regras que descrevem ações permitidas ou
regras de precaução diante do perigo. Violações de regras condicionais são um método de
avaliar o raciocínio utilizando, por exemplo, cartões que possuem na sua frente uma vogal
(“P”) ou uma consoante (“não-P”), e no verso um número ímpar (“Q”) ou par (“não-Q”). Se a
regra consiste em verificar se “P” e “Q” acontecem, detectar corretamente uma possível
violação de regra corresponde a escolher apenas os cartões “P” e “não-Q” (i.e. aqueles nos
quais na frente há uma vogal e no verso um número par). Os demais cartões (“não-P”, “Q”)
são irrelevantes para detectar uma possível violação de regra nesse formato. Esses
experimentos demonstram que os indivíduos possuem uma capacidade formidável de
reconhecer violações de contrato social, em comparação com um baixo desempenho em
identificar violações de outros tipos. A disparidade de performance acontece a despeito dos
diferentes tipos de violações possuírem a mesma lógica formal, “Se P, então Q” (Cosmides,
1989; Fiddick et al., 2005).
Cosmides (1989) sugeriu que a mente humana possui a capacidade diferenciada de
reconhecer violações de contrato social porque elas implicam que um suposto agente pode ter
acesso a um benefício sem pagar o custo contingente ao acesso – i.e. trapaça. Por exemplo, o
comprador pode comprar cerveja (“P”) se for maior de idade (“Q”). Nesse caso, a detecção da
trapaça acontece quando os participantes escolhem os cartões “comprar cerveja” (“P”) e
“menor de idade” (“não-Q”). Os cartões “comprar refrigerante” (“não-P”) e “maior de idade”
(Q) são irrelevantes para detectar a trapaça. Em contratos sociais, os cartões “P” e “Q”
representam o benefício aceito e o requisito satisfeito para ter acesso a ele, respectivamente,
enquanto o cartão “não-P” representa não ter aceitado o benefício. O cartão “não-Q” significa
que o requisito não foi satisfeito, sugerindo, portanto, a possibilidade de um indivíduo ter
acesso a um benefício sem pagar os custos (Sugiyama et al., 2002).
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A capacidade aumentada de identificar violações de contrato social independe da idade,
do sexo, da capacidade de reflexão cognitiva, de executar outra tarefa concorrente, da cultura
do participante, da familiaridade com a regra, ou da ordem na qual os termos são apresentados
- “Se P, então Q” e “Se Q, então P” (Cosmides, 1989; Sugiyama et al., 2002; van Lier et al.,
2013). Diversos experimentos demonstram que as pistas ambientais que sinalizam a presença
de um trapaceiro são (a) a possibilidade de ter acesso ao benefício, (b) ser potencialmente
beneficiado se trapacear (intenção), e quando (c) a violação não é um mero acidente, mas
resulta da capacidade em trapacear. Os participantes são mais habilidosos em identificar
trapaceiros quando essas três pistas são oferecidas simultaneamente em oposição a apenas duas
ou uma (Cosmides et al., 2010).
Esse exemplo ilustra como a capacidade de raciocínio e julgamento responde de
maneira confiável as pistas do ambiente, que sinalizam a presença de um problema adaptativo
que pode ter influenciado à aptidão de organismos ancestrais (Cosmides et al., 2010).
Conforme mencionado anteriormente, hoje a maior parte das pessoas vive em ambientes
modificados pela tecnologia, porém, essas mudanças não alteraram totalmente as condições
passadas que moldaram mecanismos psicológicos evoluídos. Ainda na modernidade lidamos
com a possibilidade de trapaça, de sermos abandonados por nossos parceiros românticos, de
contrairmos doenças infecciosas, de termos nosso status perante o grupo social ameaçado etc.
O quanto um comportamento ainda é adaptativo no mundo moderno depende do quão bem as
condições atuais assemelham-se funcionalmente às condições ancestrais (Tooby & Cosmides,
1990).
No âmbito da cultura e do desenvolvimento do indivíduo, é necessário que as condições
atuais guardem semelhança funcional com o ambiente ancestral para promover o
comportamento adaptativo. Porém, quando a relação entre as condições passadas e as atuais
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não se mantêm, dizemos que ocorre descompasso evolutivo (Li et al., 2017; van Vugt et al.,
2020). Devido às mudanças que acontecem no ambiente, os mecanismos permanecem
funcionando, mas o descompasso acontece nos inputs e nos resultados comportamentais.
Exemplos desse descompasso incluem: a) preferência selecionada por alimentos calóricos, mas
que hoje promovem problemas de saúde; b) favorecimento de parentes sobre indivíduos mais
competentes; c) relacionamentos buscados na internet; d) diminuição do suporte familiar em
culturas ocidentais; e) pornografia; f) desnutrição; g) viver em um estado totalitário; e h) maior
incidência de miopia em jovens devido à exposição à telas de aparelhos eletrônicos (Li et al.,
2017). O descompasso causado pela exposição aos novos ambientes, diferentes daqueles nos
quais os mecanismos foram selecionados, pode levar a resultados mal adaptativos. Por esse
motivo, descompassos evolutivos são considerados como possíveis explicações para
psicopatologias modernas, tais como ansiedade, depressão e depressão pós-parto (Hagen,
2011; Hagen & Barrett, 2007).
A possibilidade de descompassos evolutivos, contudo, não implica que todas as
adaptações estão necessariamente desatualizadas, e não servem para produzir comportamento
adaptado sob condições atuais. Na verdade, pelo fato de o ambiente estar em constante
mudança, a seleção opera sobre os mecanismos que capacitam os organismos a ter um bom
desempenho médio em uma gama de circunstâncias, gerando então comportamento adaptativo
(Fawcett et al., 2013; Hutchinson & Gigerenzer, 2005; McNamara & Houston, 2009). Assim,
os mecanismos psicológicos vão produzir comportamento adaptativo dependente de quão bem
as condições atuais se assemelhem funcionalmente com as condições passadas. Nesse contexto,
o termo adaptativo deve ser interpretado em relação ao conceito de adaptação apresentado
anteriormente, e não como algo necessariamente indesejado.
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Considerando que cada mecanismo psicológico possui sua própria história, igualmente
cada mecanismo possui seu próprio ambiente de adaptação evolutiva, e por essa razão, o AAE
não pode ser definido em referência a um tempo ou lugar específicos (Brase, 2021; Lewis et
al., 2017; Lewis et al., 2021). As propriedades do AAE que selecionaram os mecanismos de
detecção de animais peçonhentos não são as mesmas que selecionaram os mecanismos que
identificam doenças infecciosas, por exemplo. No primeiro caso, o AAE se refere aos animais
que rastejam em folhas secas, que se encontram escondidos nos buracos, na escuridão etc. Já
no segundo, o as propriedades ambientais dizem respeito às pistas visuais e olfativas de
manchas na pele, secreções purulentas e sangramentos. O AAE de mecanismos de detecção de
perigos vindos de pessoas são a presença de desconhecidos, especialmente do sexo masculino,
estar sozinho e no escuro. Já o ambiente que moldou mecanismos que percebem oportunidades
de cooperação são a possibilidade de encontro com as mesmas pessoas no futuro, pistas que
sinalizem que elas são do mesmo grupo social, compartilhamento metas comuns etc. Se
fizermos o experimento mental de trocarmos as propriedades dos AAE’s que moldaram a
cooperação por aquelas responsáveis pela adaptação de nojo, certamente observaríamos uma
grande incongruência. As pistas do ambiente que sinalizam a presença de problemas
adaptativos são coerentes apenas para uma adaptação particular, por isso, considera-se que os
mecanismos possuem especialização funcional (Lewis et al., 2021; Pietraszewski & Wertz,
2021).
Por especialização funcional entende-se que os mecanismos psicológicos fornecem
soluções funcionalmente específicas para problemas igualmente específicos. Logo, não servem
para resolver os problemas adaptativos de outros domínios, podendo inclusive serem
incompatíveis (Brase, 2021; Kenrick et al., 2010). A aproximação de um som alto vai evocar
alterações perceptuais, cognitivas, fisiológicas e comportamentais distintas daquelas
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produzidas pela aproximação de um parceiro sexual atraente. Da mesma forma, o risco de
queda de uma prole pequena e indefesa vai evocar alterações diferentes daquelas causadas pela
presença de pessoas desconhecidas em um ambiente deserto e escuro. Devido a essas condições
terem sido recorrentemente divergentes no tempo filogenético, elas selecionaram respostas
funcionalmente especializadas, incorporando pistas que sinalizam a presença de cada problema
filogeneticamente relevante (Tooby & Cosmides, 2008). Como exemplificado anteriormente,
as ameaças vindas de grupos estranhos não são as mesmas daquelas impostas por indivíduos
de um mesmo grupo, ou daquelas oriundas de animais peçonhentos. Ameaças procedentes do
mesmo grupo selecionaram, entre outras adaptações, emoções como a vergonha; já a presença
de predadores selecionaram a emoção do medo, enquanto o ciúme foi uma resposta aos riscos
impostos por rivais sexuais (Sznycer et al., 2018a; Tooby & Cosmides, 2008). A especialização
funcional existe, portanto, quando a emoção da vergonha não vai resolver o problema
relacionado aos predadores, ou a quando a emoção do medo não é uma solução ao problema
relacionado aos rivais sexuais.
Mecanismos Psicológicos e Aprendizagem
A investigação de adaptações selecionadas no ambiente ancestral tem levado à
interpretação errônea de que os mecanismos são rígidos e inflexíveis em relação à experiência
e aprendizagem. Esse erro é fomentado pela visão muito difundida de que aprendizagem e
evolução são explicações concorrentes (Al-Shawaf et al., 2021). Enquanto explicações
evolutivas descrevem o nível distal da explicação do comportamento, a aprendizagem descreve
o nível proximal (Tinbergen, 1963). O suposto antagonismo entre essas explicações ignora que:
a) a seleção natural molda mecanismos de aprendizagem evoluídos; b) diferentes espécies
aprendem coisas distintas porque são equipadas com diferentes mecanismos; e c) a seleção
produz níveis variados de aprendizagem (Al-Shawaf et al., 2021). Logo, evolução e
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aprendizagem constituem níveis de explicação complementares (Al-Shawaf et al., 2019;
Tinbergen, 1963), de tal modo que “muitos padrões comportamentais podem ser ao mesmo
tempo inatos e aprendidos, parcialmente inatos e parcialmente aprendidos” (Tinbergen, 1963,
p. 425).
Ao invés de defender a existência de um ou poucos mecanismos de aprendizagem, os
psicólogos evolucionistas postulam que cada mecanismo psicológico é, em si, um mecanismo
de aprendizagem. Logo, para cada conjunto de problemas adaptativos temos diversos
mecanismos de aprendizagem que regulam a nossa experiência (Gerdemann & Wertz, 2021;
McNamara & Wertz, 2021). Como a aprendizagem necessita de mecanismos evoluídos de
aprendizagem instanciados no cérebro (Al-Shawaf et al., 2019; Confer et al., 2010), ela é
enviesada para a solução de problemas adaptativos (Al-Shawaf et al., 2021; Fawcett et al.,
2013).
O problema de detecção de parentes nos oferece um exemplo para explorar a relação
entre mecanismos psicológicos e aprendizagem. Mórmons de uma comunidade nos EUA, na
qual os homens podem se casar com mais de uma mulher, consideram que todos os filhos de
um homem são igualmente irmãos entre si, mesmo que possuam diferentes mães. Embora os
filhos de um mesmo homem não relatem a existência de diferenças entre os irmãos,
observações diretas e entrevistas revelaram que eles usam a mãe em vez do pai como ponto de
referência para determinar o parentesco. Além disso, apesar de existirem várias instâncias nas
quais eles se felicitam com ligações dos parentes, ou sintam pesar pela doença ou sofrimento
uns dos outros, a solidariedade entre irmãos é fortemente influenciada pela simultaneidade dos
laços maternos e paternos. Ao serem confrontados com essas observações, os entrevistados
demonstraram surpresa, mas não negaram tratar diferentemente os irmãos (Jankowiak &
Diderich, 2000). Isto acontece porque o mecanismo de detecção de parentes é influenciado
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pelas pistas ambientais disponíveis ao longo do desenvolvimento, uma delas consiste em ter
presenciado o irmão ser cuidado pela mãe na infância – associação materna perinatal. A
despeito da forte crença de que todos são parentes, neste estudo, as mães trataram seus filhos
de maneira diferente em relação aos filhos das outras esposas do seu marido; como, por
exemplo, na amamentação. Ser exposto a essa situação fortalece a percepção de que os filhos
de uma mesma mãe são mais parentes entre si do que os demais. Outras pistas ambientais que
fortalecem a detecção de parentesco são a duração de co-residência na infância (Lieberman et
al., 2007; Lieberman & Lobel, 2012; Tanskanen et al., 2021), bem como sinais olfativos
indicando similaridade do complexo principal de histocompatibilidade (Lieberman, 2009;
Sznycer et al., 2016).
Os seres vivos não têm acesso ao DNA de outros indivíduos, impossibilitando
identificar com precisão quem são seus parentes. No entanto, a seleção natural moldou
adaptações psicológicas sensíveis às pistas ambientais confiáveis associadas ao parentesco
genético em condições sociais ancestrais. Isto significa que dentre todos os estímulos do
ambiente disponíveis, essas três pistas foram as mais confiáveis por muitas gerações. Esse
conjunto de estímulos desenvolve um índice de parentesco com cada membro do grupo social,
o qual, por sua vez, regula tanto o altruísmo quanto o sentimento de nojo sexual direcionados
aos parentes. Ou seja, quanto maior a percepção de que um indivíduo é aparentado (elevado
índice de parentesco) maior é o nojo sexual associado a esse parente (Lieberman et al., 2007;
Lieberman & Lobel, 2012). Por esse motivo, a intensidade da resposta de nojo sexual tem sido
estudada como um indicativo do índice de parentesco, permitindo que esses relacionamentos
sejam investigados transculturalmente. Essa adoção metodológica busca superar as
dificuldades impostas pela existência ou não de palavras que designem, em uma cultura
específica, determinadas nomenclaturas de parentesco.
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Lieberman et al. (2007) hipotetizaram que crianças não aparentadas que co-residem por
um longo período desenvolvem nojo sexual entre si como resposta à evitação de incesto entre
parentes (Lieberman, 2009; Lieberman & Lobel, 2012). Mulheres e homens criados em uma
comunidade kibutzim quando crianças participaram de um experimento para acessar o quão
seria moralmente errado, um casal hipotético de irmãos de sexos diferentes criados separados
terem um relacionamento sexual. Deslocar o nojo sexual para outras pessoas foi uma estratégia
para evitar a desejabilidade social das respostas. A duração da co-residência com pares do sexo
oposto dos participantes previu a intensidade da condenação moral associada ao incesto de
terceiros. Além disso, a aversão sexual individual mediou a associação entre a duração da co-
residência na infância e a condenação moral relacionada ao sexo com pares (Lieberman &
Lobel, 2012). No caso dos casamentos arranjados entre crianças em Taiwan, onde os noivos
são criados juntos desde a infância e poucos filhos são gerados pelo casal, eles praticam mais
relacionamentos extraconjugais e possuem maior probabilidade de se divorciarem do que os
casais que não foram criados juntos. Curiosamente, a idade da primeira associação entre os
noivos prevê a taxa de fertilidade para o membro mais novo do casamento: quanto menor a
idade de um indivíduo introduzido numa família, maior a duração da co-residência na infância.
Lieberman (2009) propõe que a duração da co-residência na infância seja utilizada
como pista principalmente pelo irmão mais novo para detectar irmãos mais velhos, enquanto a
associação maternal perinatal seria uma pista acessível somente aos irmãos mais velhos, sendo
confiável independentemente da duração da co-residência na infância (Lieberman, 2009).
Além disso, em um estudo em cinco países, o altruísmo voltado aos parentes esteve associado
à duração de co-residência e à associação materna perinatal, mas não à associação paterna
(Sznycer et al., 2016). Resultado semelhante também foi encontrado em um estudo
populacional na Finlândia, no qual a duração da co-residência na infância e a associação
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materna perinatal se associaram com a qualidade do relacionamento entre irmãos (Tanskanen
et al., 2021).
Considerações Finais
O presente artigo buscou oferecer uma visão geral sobre os fundamentos
epistemológicos e conceituais da Psicologia Evolucionista. Porém, devido às limitações de
espaço uma descrição completa não foi possível. Outros conceitos importantes não puderam
ser apresentados, tais como cultura evocada, variáveis internas regulatórias e welfare trade-off
ratio (razão de compensação de bem-estar), os quais ajudam a explicar fenômenos relacionados
à cultura, saúde mental e emoções (Kenrick et al., 2010; Li et al., 2017; Lordelo, 2010; Nettle,
2009; Sell et al., 2017; Sznycer & Lukaszewski, 2019). A própria compreensão da Psicologia
Evolucionista sobre esses fenômenos merecia uma abordagem separada, uma vez que ela difere
em aspectos importantes das visões predominantes na psicologia. Esse é o caso do trabalho de
Lordelo (2010), que analisou três conceitos relacionados ao estudo da cultura na Psicologia
Evolucionista. Por esse motivo, esses conceitos devem ser explorados em trabalhos futuros
para fornecer um treinamento adequado ao rigor necessário no seu uso (Lewis et al., 2017).
Ainda que de maneira incipiente, a Psicologia Evolucionista está caminhando em
direção à aplicação do pensamento evolucionista na busca de soluções para problemas sociais.
Essa ampliação pode levar ao arrefecimento das barreiras enfrentadas na atualidade, pois a
preocupação com questões socialmente relevantes tem marcado os debates sociais e
acadêmicos dos últimos anos. No entanto, o engajamento incipiente da Psicologia
Evolucionista nestes temas parece gerar grande desconfiança. Especialmente pelo receio de
que suas explicações sejam utilizadas como justificativas para desigualdades sociais, o que é
conhecido como falácia naturalista; isto é, a afirmação infundada de que um comportamento é
bom ou moralmente desejável simplesmente porque ele existe ou é uma adaptação (Winegard
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et al., 2014).
Falácias naturalistas são vigorosamente rejeitadas por psicólogos evolucionistas, pois a
sociedade não deve julgar ou decidir sobre a aceitação de um comportamento com base no seu
valor adaptativo ou na falta dele (Tybur et al., 2007; Varella, 2018; Winegard et al., 2014).
Conhecer o valor adaptativo de comportamentos indesejados não significa aceitar que eles não
podem ser modificados, e, sim, que dependem de um ambiente para se expressar. Por isso,
conhecer a sua função deve ser parte integrante da busca pelas suas soluções (Ellis et al., 2012).
Ironicamente, é o desconhecimento sobre o pensamento evolucionista que tem levado à
suspeição do uso da falácia naturalista por psicólogos evolucionistas, em vez do contrário
(Perry & Mace, 2010). Na contramão desses receios infundados, existem tentativas que buscam
se debruçar sobre temas sociais importantes como: políticas públicas, saúde mental, feminismo,
desigualdades sociais, desinformação e “fake news” no contexto político (Calvi et al., 2020;
Crawford & Salmon, 2004; Daly, 2020; Ellis et al., 2012; Giosan et al., 2020; Petersen, 2020;
Roberts, 2012).
Finalmente, cabe retomar a epígrafe apresentada no início desse trabalho, na qual os
fundadores da Psicologia Evolucionista reconhecem a indissociabilidade entre natureza e
cultura, afirmando que os comportamentos humanos são simultaneamente culturais,
aprendidos e evoluídos (Tooby & Cosmides, 2016). Considerando que o ser humano é
biologicamente cultural (Bussab & Ribeiro, 1998), não faz sentido pensar nas categorias
“cultura”, “aprendizagem” e “evoluído” como instâncias independentes, mas como colapsadas
em um fenômeno complexo, porém unitário. A seleção natural moldou os mecanismos que nos
capacitam para adquirir cultura, tornando-nos dependentes, mas não livres dela (Bussab &
Ribeiro, 1998). Em uma perspectiva evolucionista do comportamento humano, reconhecer a
indissociabilidade entre natureza e cultura não se trata de reduzir o humano ao animal, como
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erroneamente atribuída aos psicólogos evolucionistas, mas de uma revolução no conceito de
animal (Carvalho, 1989). As próximas décadas serão decisivas para que a Psicologia
Evolucionista em seu processo de expansão cumpra não somente a previsão de Darwin, como
também a previsão dos seus fundadores, a saber: fornecer um corpo teórico integrado ao revelar
um mundo de fenômenos sociais instanciados nas adaptações psicológicas (Tooby, 2020).
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