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XVI Congreso de la Asociación Latinoamericana de
Investigadores de la Comunicación (ALAIC)
La Comunicación como Bien Público Global:
Nuevos lenguajes críticos y debates hacia el porvenir
Buenos Aires, Argentina, 26 al 30 de septiembre de 2022
Organizan
❖ Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC).
❖ Federación Argentina de Carreras de Comunicación Social (FADECCOS).
Grupo de Trabajo 8 – Comunicácion Popular, Comunitaria e Ciudadanía
Midiativismo indígena no Brasil em favor dos direitos e do clima
Indigenous media activism in Brazil in favor of rights and the climate
Cláudia Herte de Moraes
1
Patricia Kolling
2
Carine Massierer
3
Resumo: O artigo aborda a resistência dos povos indígenas e a consolidação de seus
processos comunicativos em rede, tendo em vista o protagonismo crescente da
1
Cláudia Herte de Moraes, Universidade Federal de Santa Maria, doutora em Comunicação e Informação
(UFRGS), professora adjunta na UFSM, Brasil, claudia.moraes@ufsm.br
2
Patrícia Kolling, Universidade Federal de Mato Grosso, doutoranda em Comunicação no Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da UFRGS e Docente na UFMT- Campus Araguaia, Brasil, patikolling@gmail.com
3
Carine Massierer. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. mestra em Comunicação e Informação (UFRGS),
Membra do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), Brasil, cmassierer@yahoo.com.br
4140
comunicação na luta contra o desmonte de políticas públicas e a retirada de seus direitos
no Brasil. Considerando a diversidade de etnias, línguas, ferramentas comunicacionais
usadas e finalidades de tais comunicações, discute as formas de efetivação do midiativismo
indígena brasileiro. Usa o método da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), e organiza
tematicamente a fala pública de 20 comunicadores. Discute a inserção de aspectos da
resistência no midiativismo, dos aspectos culturais na etnomídia, bem como dos saberes e
cosmovisão, associados à luta ambiental. Conclui que estes espaços comunicativos estão
impregnados dos elementos culturais e de identidade, pela luta e resistência, fazeres
históricos dos indígenas brasileiros. Ao mesmo tempo em que se colocam de forma contra-
hegemônica na comunicação, também trazem a visão dos povos originários sobre os atuais
desafios climáticos da humanidade, como verdadeiros guardiões da vida e da floresta.
Palavras Chave: comunicação comunitária, indígenas, etnomídia
Abstract: The article addresses the resistance of indigenous people and the consolidation
of their communicative processes in a network, in view of the growing role of
communication in the struggle against the dismantling of public policies and the withdrawal
of their rights in Brazil. Considering the diversity of ethnicities, languages, communication
tools used and the purposes of such communications, it discusses the ways in which
Brazilian indigenous media activism is put into effect. It uses the Content Analysis method
(Bardin, 2011), and thematically organizes the public speech of 20 communicators. It
discusses the insertion of aspects of resistance in mediativism, cultural aspects in
ethnomedia, as well as knowledge and cosmovision associated with the environmental
struggle. It concludes that these communicative spaces are impregnated with cultural and
identity elements, through struggle and resistance, historical actions of Brazilian indigenous
people. At the same time that they put themselves in a counter-hegemonic way in
communication, they also bring the vision of native peoples about the current climate
challenges of humanity, as true guardians of life and the forest.
Key words: community communication, indigenous people, ethnomedia
4141
Introdução
Em um cenário de constantes invasões às terras indígenas brasileiras, de violências
sofridas neste processo, de retrocessos dos direitos e das políticas públicas, a resistência
dos povos originários está ocupando as ruas e as redes. As mídias indígenas surgem para
dar visibilidade e até mesmo conhecimento aos não indígenas sobre a real situação dos
povos no Brasil. Com o acesso à internet ampliado nas últimas décadas, as organizações
ambientais e indígenas têm se apropriado cada vez mais de espaços comunicacionais e os
estão utilizando cada vez mais. O crescimento do número de mídias indígenas e a percepção
de que os povos originários são protagonistas deste processo, considerando a diversidade
de etnias, línguas, ferramentas comunicacionais usadas e finalidades de tais comunicações,
nos instiga a pensar sobre aspectos que consolidam o midiativismo indígena no Brasil.
Portanto, este artigo propõe uma reflexão sobre como o midiativismo indígena tem
se tornado fundamental no processo de resistência e luta do movimento indígena, além de
trazer os desafios climáticos nesta discussão. A proposta é refletir como os povos indígenas
inserem seus saberes a serviço da ação em favor do clima, e de que maneira estes saberes
e culturas se colocam na luta por direitos, refletindo-se, portanto, sobre a cultura e a
cosmovisão indígena como possibilidade de diálogo para a ação no âmbito da etnomídia
indígena.
O artigo faz um delineamento da prática de midiativismo indígena e etnomídia a
partir das falas dos próprios comunicadores e comunicadoras indígenas e lideranças
reconhecidas, que tiveram visibilidade no período (2017-2022), afastando-se de uma
reconstrução histórica ou descritiva do midiativismo indígena, o que já consta em obras de
Carneiro (2019), Costa (2019), Kolling & Müller (2022).
4142
Como uma pesquisa qualitativa (Minayo, 1994), objetiva trazer elementos
subjetivos do fenômeno comunicacional estudado, referenciando a história recente do
Brasil. Como metodologia, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e documental e a Análise de
Conteúdo (AC). A base analítica foi organizada a partir da transcrição de entrevistas em
vídeo, com comunicadores indígenas brasileiros, publicadas na internet, nos últimos cinco
anos.
A função primeira da AC consiste em analisar de forma crítica o conteúdo dos
materiais organizados (Herscovitz, 2007). A teoria de Bardin (2011) serviu de base para a
AC, em sua descrição de etapas: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos
resultados.
Os vídeos analisados foram produzidos em portugês, postados no período de 30 de
junho de 2017 e 30 de junho de 2022 e são de acesso público na internet. A busca se deu
por meio das expressões “entrevista com comunicadores indígenas”, “comunicadores
indígenas” e “etnomídia indígena”, no site Google para vídeos no Youtube e na rede social
Facebook. Conforme os objetivos do trabalho foi realizada a “pré-análise” dos vídeos pela
“leitura flutuante" (Bardin, 2011), fase em que foram descartadas entrevistas, reportagens
e documentários sobre os povos indígenas que não tinham relação com o universo da
comunicação e/ou que não tinham a presença de comunicadores indígenas. Após a etapa
de seleção, restaram nove vídeos, que totalizaram em média 12 horas de material, em que
se manifestam 20 midiativistas, sendo que 14 foram citados nas análises.
Na fase da “exploração do material”, houve a organização do conteúdo das
entrevistas em unidades de registro temáticas, utilizadas no processo de codificação:
midiativismo, etnomídia e luta por direitos. Seguindo para a fase final de “tratamento e
4143
interpretação dos resultados”, foram trazidas inferências baseadas no referencial teórico e
relacionadas ao conteúdo das mensagens (Bardin, 2011).
É importante registrar que, de nosso lugar de fala, como não-indígenas, nossa
postura e abordagem epistemológica não deve ser colonialista em relação aos saberes que
nos oferecem os grupos estudados, conforme destacam Souza & Costa (2021). Desta forma,
nos posicionamos como aliadas e compartilhamos os desafios das lutas travadas pelos
povos indígenas.
Após esta breve introdução, apresentamos a análise de conteúdo e seus resultados,
que levaram em consideração as inferências nos três eixos de observação acima
mencionados, salientando, porém, que ambos se conectam e retroalimentam, inclusive nas
entrevistas analisadas.
Midiativismo indígena: protagonismo e resistencia
Quando o movimento indígena iniciava o seu processo de organização,
na década de 1970, com as primeiras assembleias, promovidas pelo Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), já nasciam dois jornais pioneiros nesta comunicação:
o Macaxeira e o Porantim. Nos anos 1980, surgiu o Programa de Índio na rádio,
protagonizado por Ailton Krenak, Alvaro Tukano e Biraci Yawanawa, fazendo uma
integração de etnias de cunho cultural e político. Com a internet, proliferam experiências,
como a Rádio Yandê e a Mídia Índia, que produzem informação
para os povos indígenas e para a sociedade em geral, tornando-se efetivo espaço de
luta e resistência. Outras estratégias comunicacionais utilizadas por indígenas são
4144
mapeadas por Kolling & Müller (2022) demonstrando uma diversidade de ferramentas, que
surgem a cada dia, como forma de oportunizar que se manifestem e sejam ouvidos.
A apropriação da comunicação pelos povos indígenas cumpre a função de exercício
pleno da cidadania, mas caminha contra a lógica estabelecida pela imprensa tradicional,
esta que se encontra ligada à “estrutura hegemônica da sociedade e tende a atuar como
agente conservador dos padrões de opinião ligados à elite e ao status quo” (Moraes &
Fante, 2018, p.340). Assim, o comunicador ativista indígena pode ser entendido como um
agente contra-hegemônico.
Esta situação é ressaltada pelo realizador de filmes indígenas, Alexandre Pankararu
4
(2020). “A gente não vê na mídia tradicional, e até no YouTube muito conteúdo, então,
temos a missão de estarmos construindo estes conteúdos”. Graciela Guarani
5
(2020)
complementa dizendo que a categoria do realizador/cineasta indígena, vive à margem da
margem, praticamente não existe”. Além disso, enfatiza a ausência de feminina indígena na
publicidade e em outros setores. Em uma ação contra-hegemônica, ela ressalta que utiliza
o audiovisual como ferramenta para mudar este cenário: “A gente sabe que a invisibilidade
contribui para este genocídio indígena".
Ao ocupar maior centralidade, conforme o jornalista Erisvan Guajajara
6
(2021b), a
comunicação indígena rompe com estereótipos repassados pela grande mídia e apresenta
novas narrativas, trazendo visibilidade à luta e resistência dos povos indígenas e a riqueza
4
Indígena Pankararu, produtor do filme Nossa Alma não tem cor e outros filmes/ documentários indígenas.
Assessor de comunicação da APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES).
5
Indígena Guarani, produtora do filme Nossa Alma não tem cor, e outros filmes/ documentários indígenas.
Assessora de comunicação da APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES)
6
Indígena Guajajara, jornalista graduado, fundador e integrante da equipe de coordenação do Coletivo Mídia
Índia.
4145
cultural do Brasil. A comunicadora Samela Sateré Mawé
7
(2021b) reforça: “já chega das
pessoas contarem para a gente o que nós somos, o que nós sabemos, tentar contar a nossa
história, sabendo que nós mesmo podemos ser protagonistas”. Também Ingrid Sateré
Mawé
8
(2022) salienta o diferencial das “bandeiras de luta” serem repassadas por quem as
vivencia.
Essa é uma forma de quebrar a dinâmica de relacionamento abusivo “em que os
outros se apropriam da nossa cultura, das nossas palavras e se colocam como protagonistas
o tempo inteiro (...) como se os povos indígenas não fossem capazes de falar e agir por si”,
acredita a artista e comunicadora Daiara Tukano
9
(2021). Ela ressalta que a comunicação
realizada pelos povos mostra a realidade do indígena que luta pelos direitos ao território, à
cidadania, à saúde, ao meio ambiente, desmistificando os estereótipos do indígena do
passado.
Neste sentido, os comunicadores ressaltam a importância do indigena ocupar
espaços na sociedade atual, em áreas profissionais, como no direito, no jornalismo e na
saúde. Ítalo Mongconãnn
10
(2020) acredita que falta representatividade indígena e sobram
estereótipos e, para superá-los, indica reforçar o papel do indígena enquanto consultores,
guias ou profissionais.
7
Indígena do Povo Sateré Mawé, comunicadora na Apib e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas
Guerreiras da Ancestralidade, apresentadora no Canal Reload e estudante de Biologia
8
Indígena do Povo Sateré Mawé, colunista do Portal Desacato, licenciada em Ciências Biológicas, graduanda
de Comunicação Institucional
9
Indígena do Povo Tukano, comunicadora da Rádio Yandê, professora e artista, graduada em Artes Visuais
pela, com mestrado em direitos humanos
10
Indígena Xokleng/Laklãnõ, publicitário, cineasta, tem especialização em Intermídias com ênfase em cinema
e é mestrando em Antropologia Social
4146
Desta forma, a comunicação faz parte da luta social e, por isto, o midiativismo está
ancorado na veiculação das ideias de mobilização diante de um contexto de opressão,
demonstrando radicalmente a resistência dos movimentos sociais (Moraes & Fante, 2018).
O midiativismo indígena, portanto, se inscreve nos aspectos da mobilização pela resistência,
pela garantia dos direitos e o exercício pleno da cidadania.
Daiara Tukano (2021) frisa que traz força aos povos mostrar aos outros a cultura
indígena, e “também a nós mesmos, a nossa beleza, a importância da nossa cultura, e a
força do nosso espírito”. O humorista, chef de cozinha e comunicador Tukuma Pataxó
11
,
que compartilha vídeos no TikTok e tem mais de 130 mil seguidores, afirma que a
contribuição para a luta passa pelas denúncias de ataques, e também “apoiando nossos
povos, mostrando nossa cultura, ancestralidade, fazendo com ética e verdade,
transformando a realidade da nossa comunidade” (Pataxó, 2021).
Podemos observar um forte senso de comunidade com a produção de informações
nos coletivos de comunicação, como o Mídia Índia, e na formação das redes de
comunicação das organizações do movimento, como Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (Apib) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Estes espaços ganham alcance tanto nacional, como internacional, e também pautam
veículos de comunicação tradicionais. “Vimos que se não fosse a nossa grande rede de
comunicação, as denúncias que estão acontecendo nos territórios (...) não seriam notícia
na grande mídia”, evidencia Samela Sateré Mawé (2021b).
Ingrid Mawé (2022) lamenta as poucas fontes indígenas na chamada grande mídia:
“Tem sempre alguém falando pelo indígena, como antropólogos ou especialistas. (...) Sinto
11
Indígena Pataxó, da aldeia de Coroa Vermelha, extremo sul da Bahia, chef de cozinha, comunicador
4147
falta do respeito a nossa autonomia e capacidade de falar por nós mesmos”. Desta forma,
o protagonismo é um dos principais aspectos ressaltados pelos comunicadores indígenas e,
para tal, é necessário um intenso trabalho de capacitação dos jovens. O coordenador do
Mídia Índia, Guajajara (2021b) ressalta, que desde 2017, já percorreram diversas terras
indígenas capacitando jovens em oficinas de comunicação. Conforme Ingrid Sateré Mawé
(2022), a formação exige muita responsabilidade “É fundamental que os mais jovens
entendam que as tecnologias servem para fazer monitoramentos e contar a nossa história,
integradas à sabedoria tradicional e ancestral.”
Etnomídia como cultura e diversidade
Em função de que são muitos contextos diferentes, não podemos apontar uma voz
única dos indígenas, cada povo tem suas lutas, e ao mesmo tempo se unem pela
preservação dos direitos de todos e todas (Dominguez, 2017). Neste sentido, é relevante
reconhecer o conceito de etnomídia, por meio do qual é possível compreender que tais
manifestações midiativistas, possam se originar da própria expressão identidades étnicas.
Carneiro (2019) postula que as etnomídias indígenas são elaboradas a partir de sujeitos,
que formam redes comunicacionais horizontais de resistência, lutando por cidadania
comunicativa.
A etnomídia indígena pode ser entendida como uma mídia livre de formatos
preestabelecidos e condicionados às estruturas fechadas do jornalismo padrão (Tupinambá
Machado, 2016), ressaltando que é uma ferramenta de empoderamento cultural e étnico
por meio da convergência de várias mídias dentro de uma visão etno. É importante
considerar que a etnomídia de um povo indígena vem do que ele é e de suas demandas,
4148
além de se apropriar da comunicação dentro de seus contextos culturais e comunitários. O
jornalista Eric Marky Terena
12
(2021) reforça esse aspecto dizendo que: “Falamos sobre nós
e isto auxilia a fortalecer as escolas nas aldeias e a construir comunicação com identidade
e ocupar espaços, contra os processos históricos de estereotipação”.
Nas sociedades indígenas, a terra e os recursos naturais pertencem à comunidade e
são utilizados coletivamente, assim como também o trabalho é realizado em grupo e o
resultado deste é distribuído a todos que auxiliaram (Ramos, 1988). Na comunicação, isso
também ocorre. Yago Kaingang
13
(2022) cita exemplos das coberturas jornalísticas
realizadas de forma colaborativa em Brasília, e as redes de comunicadores que existem
hoje, como a rede de comunicadores da Coiab e a rede de comunicadores do Sul.
Para Santi & Araújo (2021), a etnomídia indígena se relaciona diretamente à prática
de movimento de apropriação midiática (enquanto midiatização), desta forma usada tanto
para “(...) atualizar as representações territoriais dos povos indígenas no tecido social,
quanto para criar novas territorialidades no espaço midiático.” (p.132). Entre as mídias
indígenas há ainda a vinculação de uma outra leitura de mundo, ou cosmovisão, que parte
não mais do colonizador, conforme Tupinambá Machado (2018).
As diferenças culturais e de linguagem ao mesmo tempo que dão riqueza às
produções são também um obstáculo a ser superado. “São 305 povos com culturas
diferentes, 274 línguas falantes (...) e a comunicação tem sido essencial para mostrar ao
mundo a realidade que cada povo enfrenta em seus territórios”. (Guajajara, 2021b). Essas
narrativas são então “(...) protagonizadas pelas lideranças, caciques, anciãos, pelos nossos
12
Indígena do Povo Terena (MS), jornalista graduado, especialista em etnomídia, integrante do Coletivo Mídia
Índia, produtor de música eletrônica indígena
13
Indígena Kaingang e Fulni-ô (SC), jornalista e comunicador da APIB e Arpinsul (Articulação dos Povos
Indígenas da Região Sul.
4149
ancestrais conhecedores de cada povo, cada povo tem a sua especificidade” (Guajajara,
2021c).
Guajajara (2021b) ressalta a necessidade de adaptar a informação para que ela seja
compreendida: “linguagem popular (...) resumida, clara e objetiva para que os parentes
possam compreender o que está acontecendo em Brasília e no contexto nacional.” Durante
a pandemia da Covid-19, foram produzidos materiais informativos nas línguas nativas de
muitas comunidades.
Os comunicadores ressaltaram a importância do respeito com a informação, pois
“nem tudo que a gente filma pode ser divulgado, porque tem alguns rituais sagrados que
não podem ser divulgados” (Guajajara, 2021b). Neste sentido, Kaingang (2022) compreende
a comunicação indigena como trajetória e vivência e como uma prática ancestral “quando
a gente comunica algo sobre os nossos povos, estamos colocando o nosso olhar, a nossa
vivencia”.
As pautas também precisam ser discutidas com a comunidade, seus líderes e anciãos
e, depois do material produzido, é necessário mostrar e/ou dar retorno. Pankararu (2020)
comenta que os principais críticos dos filmes deles são as comunidades, os parentes que
assistem, que criticam e que dão força, legitimidade e opiniões.
Enfim, resume Kaingang (2022), a comunicação precisa se importar com a outra
pessoa, e esse sentimento traz à tona a coletividade e solidariedade das sociedades
indígenas. A grande força indígena está na união de todos os povos. Portanto, esse sentido
é também levado ao contexto da comunicação, atingindo estratégias, ideias e conteúdos:
“Pensa numa floresta, não se faz de uma árvore só. Uma árvore se comunica com as outras
por meio das suas raízes, dos seus frutos. Floresta é diversidade, traz uma memória, um
bem estar, saúde que é o que conseguimos compartilhar entre nós”. (Tukano, 2021). Samela
4150
Mawé (2021a) reforça que “a comunicação é como flechas, e essa é a nossa guerra, contra
aqueles que só querem nos destruir e ocupar o que é nosso”.
Cosmovisão nas lutas pelos direitos e pelo clima
Para pensar sobre a luta dos povos indígenas por seus direitos, é necessário traçar
alguns diferenciais dos aspectos sócio-culturais das sociedades indígenas, que se diferem
muito das ocidentais. Primeiramente, refletir que foi justamente a variedade de
ecossistemas e seus ambientes naturais que as sociedades indígenas se formaram durante
milhares de anos. Assim, “(...) sua mentalidade ecológica-cultural foi se desenvolvendo no
processo de atividade vital, na relação equilibrada entre cultura tradicional e ecossistemas
naturais” (Baniwa, 2006, p. 100).
Os biomas em geral são ligados aos saberes tradicionais, como explica a indígena
Kariri (CE), Raquel Paris
14
. Assim, o desmatamento de um bioma, como a Caatinga, faz
desaparecer “(...) os saberes, os conhecimentos, os povos, os biomas e todo um
conhecimento que existe” (PARIS, 2022).
Portanto, para os povos indígenas pensar na exploração dos recursos naturais, como
a terra e a floresta, até a sua exaustão, com padrões não-sustentáveis é inconcebível, pois
“(...) todos formamos uma cadeia única e sagrada de vida, por isso, a atitude de respeito
em relação a natureza”. O território, portanto, não se trata de um bem material mas um
ambiente “(...) em que se desenvolvem todas as formas de vida.” (Baniwa, 2006, p. 101).
14
Jornalista, mestra em Literatura e Interculturalidade, doutoranda em Comunicação e Coordenadora de
Comunicação da UNIperiferias.
4151
No território indigena estão um conjunto de seres, espíritos, bens, valores, conhecimentos,
tradições que garantem a possibilidade e o sentido da vida individual e coletiva.
Esta perspectiva está presente nas falas dos comunicadores. Terena (2021) comenta
que para os indígenas tudo está conectado: “Falar sobre populações indígenas, mudanças
climáticas e proteção territorial está tudo interligado”. Ele explica que hoje o protagonismo
dos povos indígenas nas cúpulas se faz de suma importância e a cada dia mais estão sendo
convidados a participarem, a colocarem suas propostas e seus saberes tradicionais, uma
vez que são considerados os guardiões das florestas e da vida.
Anápuàka
15
(2021) afirma que é preciso ressignificar os espaços, os territórios e as
ações, descolonizando-os. “Às populações indígenas é negado o direito de dizer que estão
sendo exterminadas. É negado o direito de dizer que há um holocausto e o mundo não olha
isto”. A garantia ao território passa pela demarcação de terras no Brasil “enquanto a gente
não resolver a questão da demarcação de terras no Brasil não se resolve nada”.
Nesse sentido, a demarcação das terras indígenas pela tese do marco temporal
16
seria um perigo para a humanidade. “Sem a terra, sem o nosso território a gente deixa de
existir, mas (...) se a gente não proteger a mãe natureza acaba a vida no planeta terra”,
ressalta Yago Kaingang (2022). Ingrid Sataré Mawé (2022) complementa dizendo que as
pessoas precisam compreender o que é a luta por esses territórios, “a gente está lutando
por todos os seres humanos, por tudo que habita essa terra”.
15
Indígena do Povo Tupinambá. fundador da primeira rádio indígena on line do Brasil, a Rádio Yandê.
16
O marco temporal é uma tese que busca restringir os direitos constitucionais dos povos indígenas. Se for
aprovado, povos indígenas só terão direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de
outubro de 1988 (data da aprovação da Constituição) ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou
judicial comprovada
4152
Guajajara (2021c) reforça essa perspectiva: “nossos territórios não são só para a
sobrevivência dos povos indígenas, porque a luta que os nossos guerreiros e anciãos não
garante somente a vida dos povos indígenas, mas a vida do planeta e da
humanidade”. Daiara Tukano destaca que a relação dos povos indígenas com o Planeta
é “distinta da relação de exploração, de racismo, de todas as fobias, da violência, do
capitalismo, que separa a humanidade de uma relação de afeto com a vida, com o próprio
planeta” e descreve uma guerra: “que não é uma guerra de mundos, porque estamos num
mesmo mundo, num mesmo planeta, mas é uma guerra de pensamento, de coração.
Guerra que provoca para que nós possamos partir para a ação, de proteger o que se
mantém em pé.” (Tukano, 2021).
Ao afastar e perseguir os indígenas, o sistema colonial se coloca também contrário
aos direitos dos povos e ao enfrentamento da mudança climática. Este posicionamento é
histórico no Brasil, visando a imposição de um modo de vida que destrói a natureza:
O que está na base da história do nosso país, que continua a ser incapaz de acolher
os seus habitantes originais — sempre recorrendo a práticas desumanas para
promover mudanças em formas de vida que essas populações conseguiram manter
por muito tempo, mesmo sob o ataque feroz das forças coloniais, que até hoje
sobrevivem na mentalidade cotidiana de muitos brasileiros —, é a ideia de que os
índios deveriam estar contribuindo para o sucesso de um projeto de exaustão da
natureza. (Krenak, 2019, p.21)
Com o acesso e a propagação da internet, a comunicação se tornou ainda mais
essencial para denunciar as violências cometidas dentro territórios indígenas, os
retrocessos nos direitos indígenas e também as mobilizações e lutas indígenas. Nas
principais mobilizações indígenas, como o Acampamento Terra Livre, e nas lutas contra a
aprovação do marco temporal e projetos de lei que impactam na vida dos povos indígenas,
4153
as ações de comunicação foram aliadas. “Usamos a comunicação como ferramenta de luta,
para dar visibilidade à resistência dos povos indígenas" (Guajajara, 2021c).
Considerações finais
Para se contrapor à falta de lugar de fala na mídia hegemônica, surgem cada vez
mais espaços comunicacionais sendo ocupados por organizações ambientais e de indígenas,
indicando uma mudança de abordagem, pois promovem agendamentos da mídia e da
sociedade em direção à democratização da informação e da luta pelos direitos. A proposta
deste trabalho foi refletir sobre como pensar o midiativismo indígena brasileiro no recorte
dos desafios climáticos. A análise se deu a partir da fala dos próprios comunicadores e
comunicadoras indígenas, em vídeos publicados entre os anos de 2017 e 2022. A etapa de
“exploração de material” (Bardin, 2011) indicou três temas aos quais fizemos destaques
neste texto: midiativismo, etnomídia e luta por direitos.
Após a análise das falas dos comunicadores indígenas destacamos especial atenção
à diversidade cultural e à cosmovisão em relação às questões culturais e saberes
ambientais, isso porque a própria luta territorial se coloca no terreno da sobrevivência dos
povos e pelo planeta, ou seja, é uma luta também global e pelas futuras gerações. Ficou
comprovado que a visão dos ancestrais e das culturas de cada povo estão impregnados no
agir comunicativo dos comunicadores, constituindo-se como riqueza da comunicação
indígena e da etnomídia.
Neste contexto, a comunicação torna-se essencial para mostrar a realidade
vivenciada nos territórios, e comunidades, com enfrentamento de muitas dificuldades,
desrespeitos e violências, como também para mostrar a luta dos povos indígena pelos seus
direitos. Além de combater a desinformação que deslegitima o movimento e suas lutas por
4154
dignidade, cultura, respeito, sobrevivência e território. Da mesma forma, o midiativismo e
a etnomídia atuam em diferentes frentes culturais, informando sobre a literatura, arte,
cinema tanto para indígenas quanto para não indígenas. Enfatizamos que a cultura e a
cosmovisão indígenas trazem uma ampliação de caminhos para diálogos e ação em favor
da agenda climática global.
Referências
Baniwa, G. dos S. L. (2006). O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas
no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; LACED/ Museu Nacional.
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
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indígenas e processos etnocomunicacionais: a etnomídia cidadã da Rádio Yandê.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Unisinos, São Leopoldo.
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Guajajara, E. (2021b, 28 jul). Povos Indígenas em Diálogo: Etnocomunicação como ferramenta de
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https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=2953823918210795
Guajajara, E. (2021c, 21 out). Perspectiva indígena: os povos tradicionais através da fotografia e
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https://www.youtube.com/watch?v=f5-J-OR_eJY&t=5s
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Mongconãnn, Í. (2020. 23 jul). Bate-papo sobre o filme Nossa Alma não tem Cor. Cineclub Da
Fundação Cultural Badesc. [Live]. https://www.youtube.com/watch?v=t-1Vrw2w8a4
Muniz, A. (2021, 15 abr). Lídia Domingues conversa com Anápuàka. Diversa. [Live]
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Pankararu, A. (2020. 23 jul). Bate-papo sobre o filme Nossa Alma não tem Cor. Cineclub Da
Fundação Cultural Badesc. [Live]. https://www.youtube.com/watch?v=t-1Vrw2w8a4
Paris, R. (2022, 21 jun). Curso Jornalismo indígena para jornalistas não-indígenas. Núcleo de
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Pataxó, E. (2021, 27 abr). Indígenas On line: as estratégias da Rede de Jovens Indígenas
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Pataxó, T. (2021, 25 mar). Programa Úrsula Estrela na TV Ambiental no youtube. [Entrevista].
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Sateré Mawé, I. (2022, 20 jun). Curso Jornalismo indígena para jornalistas não-indígenas. Núcleo
de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul Apoio: Fundação Luterana de Diaconia. [Live].
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Sateré Mawé, S. (2021, 27 abr). Indígenas On line: as estratégias da Rede de Jovens Indígenas
Comunicadores na defesa dos seus territórios. Acampamento Terra Livre. [Live].
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Sateré Mawé, S. (2021, 28 jul). Povos Indígenas em Diálogo: Etnocomunicação como ferramenta
de luta contra a agenda anti indígena. Aba Antropologia. [Live].
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Terena, E. M. (2021, 27 out). 72 Horas de Jornalismo. Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
[Live].https://www.facebook.com/ojornalismoucdb/videos/1012719899290521
Tukano, D. (2021, 21 out). Perspectiva indígena: os povos tradicionais através da fotografia e do
audiovisual. IPAM Amazônia. Ciclo de debates Amazoniar. [Live].
https://www.youtube.com/watch?v=f5-J-OR_eJY&t=5s
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