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13 A trajetória do Programa
Ambientes Verdes e
Saudáveis, 2009-2022 –
promovendo saúde pela
cidade de São Paulo
Mateus Henrique Amaral
Daniela Ribeiro Barbosa
INTRODUÇÃO
Na medida em que as cidades crescem e estabelecem uxos cada
vez mais complexos de capital, pessoas, informações e mercadorias dentro
ou fora de seu país de origem, os indivíduos e comunidades podem ser
expostos a elementos e situações que colocam em risco a boa saúde e o
bem-viver: rios contaminados com esgotos doméstico e industrial, escassez
de água potável, ar poluído, eventos violentos, álcool e outras drogas, bebi-
das e alimentos ultraprocessados, dentre tantos outros (Giatti; Sousa, 2009;
Ribeiro, 2004).
Esses componentes de risco do meio ambiente se constituem de tra-
de-offs de um padrão insustentável de produção e consumo mobilizados
pelo capitalismo do século atual, que ainda têm o potencial de agravar um
conjunto de iniquidades sociais que acompanha a história de países sub-
desenvolvidos como o Brasil. Como prova disso, tem-se as reportagens de
jornais que denunciam a estreita relação de associação estabelecida entre
essa versão mais precarizada do viver com as taxas de pobreza, baixa es-
328 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
colaridade e desemprego (Maia; Burgarelli; Toledo, 2013; Moreno, 2021; Pi-
mentel, 2019).
No entanto, ainda é possível que esses indivíduos e comunidades
menos favorecidos por esse modelo de desenvolvimento insustentável des-
frutem de um sentido mais amplo do conceito de saúde apresentado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) (Rouquayrol, 1999), que supera a
ausência de doenças e entende os ecossistemas conservados e dinâmicas
sociais mais justas como pré-requisitos para o suporte de uma vida de mais
prosperidade, felicidade e bem-estar.
Para isso, faz-se necessário que as políticas, programas e ações em
saúde capitaneados pelos agentes e governos locais estabeleçam sinergias
com outros setores e fomentem as capacidades individuais e espaços de
participação e controle social, a m de ampliar o leque de possibilidades
de escolhas mais saudáveis sobre a vida que esses sujeitos desejam ter e
conduzir nos seus espaços de residência, trabalho e interação com a família
e amigos.
Para esse conjunto de instrumentos e estratégias orientados à ca-
pacitação de indivíduos e comunidades com o propósito de melhorar as
condições de vida e saúde por meio do enfrentamento de componentes
ambientais que causam doenças e dicultam o acesso às oportunidades fa-
voráveis à boa saúde e ao bem-viver, dá-se o nome de promoção de saúde
(Brasil, 2010a).
O termo promoção da saúde (PS) ganhou notoriedade global por
meio de documentos internacionais como o Informe Lalonde (1970) e a Car-
ta de Ottawa (1986), que foi assinada durante a 1ª Conferência Internacio-
nal de Promoção da Saúde por diversos países. A Carta de Ottawa é um
documento que apresenta um conjunto de estratégias e ações para o setor
e serviu de impulso para a realização de conferências subsequentes com
lideranças de mais países que assinaram outros documentos e colocaram
a PS numa agenda global (Buss et al., 2020; Heidmann et al., 2006; Sícoli;
Nascimento, 2003).
Porém, diferentemente do Informe Lalonde, cuja centralidade das
ideias se debruçam mais sobre o enfrentamento de componentes de risco
individuais (p. ex. hábito de fumar), a Carta de Ottawa e esses documentos
elaborados posteriormente passaram a reconhecer a complexidade das in-
terfaces da saúde com os aspectos de natureza não somente biológica, mas,
também, política, econômica, ambiental e cultural (Sícoli; Nascimento, 2003).
Assim, com um maior reconhecimento internacional sobre a PS e
amadurecimento do pensamento cientíco que contraria o modelo biomé-
dico de assistência e admite a existência de um entrelaçamento dos com-
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 329
ponentes de risco que determinam os modos de viver mais saudáveis e
sustentáveis, os governos dos países passaram a assimilar novos princípios
capazes de nortear o manejo e a concepção de políticas e estratégias em
saúde e PS mundo afora (Buss et al., 2020; Heidmann et al., 2006; Sícoli;
Nascimento, 2003).
No Brasil, com a redenição da Política Nacional de Promoção da
Saúde (Brasil, 2010a) pela Portaria de nº 2446, de 11 de novembro de 2014
(Brasil, 2014), as intervenções em PS assumem nove princípios norteadores:
I – a equidade, quando baseia as práticas e as ações de promoção de saúde,
na distribuição igualitária de oportunidades, considerando as especicida-
des dos indivíduos e dos grupos;
II – a participação social, quando as intervenções consideram a visão de di-
ferentes atores, grupos e coletivos na identicação de problemas e solução
de necessidades, atuando como corresponsáveis no processo de planeja-
mento, de execução e de avaliação das ações;
III – a autonomia, que se refere à identicação de potencialidades e ao de-
senvolvimento de capacidades, possibilitando escolhas conscientes de su-
jeitos e comunidades sobre suas ações e trajetórias;
IV – o empoderamento, que se refere ao processo de intervenção que es-
timula os sujeitos e coletivos a adquirirem o controle das decisões e das
escolhas de modos de vida adequado às suas condições sócio-econômico-
-culturais;
V – a intersetorialidade, que se refere ao processo de articulação de saberes,
potencialidades e experiências de sujeitos, grupos e setores na construção
de intervenções compartilhadas, estabelecendo vínculos, corresponsabili-
dade e cogestão para objetivos comuns;
VI – a intrassetorialidade, que diz respeito ao exercício permanente da des-
fragmentação das ações e serviços ofertados por um setor, visando à cons-
trução e articulação de redes cooperativas e resolutivas;
VII – a sustentabilidade, que diz respeito à necessidade de permanência
e continuidade de ações e intervenções, levando em conta as dimensões
política, econômica, social, cultural e ambiental;
VIII – a integralidade, quando as intervenções são pautadas no reconhe-
cimento da complexidade, potencialidade e singularidade de indivíduos,
grupos e coletivos, construindo processos de trabalho articulados e inte-
grais; e
IX – a territorialidade, que diz respeito à atuação que considera as sin-
gularidades e especicidades dos diferentes territórios no planejamento e
330 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
desenvolvimento de ações intra e intersetoriais com impacto na situação,
nos condicionantes e nos determinantes da saúde neles inseridos, de forma
equânime.
A trajetória brasileira de reorganização dos serviços de saúde em
seus diferentes níveis de complexidade, incluindo a atenção básica, se deu
à luz da PS e de seus princípios. Portanto, é esperado dos municípios o de-
senvolvimento de medidas locais capazes de corresponder à complexidade
e amplitude de vários componentes de natureza distintas que apresentam
riscos à boa saúde e à qualidade de vida dos indivíduos, famílias e comuni-
dades territorializados pelos prossionais que integram as equipes de saú-
de da família.
Essas equipes de saúde da família são constituídas de, pelo menos,
um auxiliar ou técnico de enfermagem, enfermeiro, médico e quatro ou cin-
co agentes comunitários de saúde (ACS). Nos territórios atendidos por uma
dessas equipes, Judith Tendler entende que a presença do ACS deve ser
encarada com bastante entusiasmo para a prática em PS:
a criatividade do ACS na mobilização das famílias para a promoção da
saúde não está no cumprimento mecânico de suas tarefas, mas no com-
promisso com o trabalho que o desaa. Este é facilitado pela sua convivên-
cia com as famílias que acompanha, com as quais compartilha a mesma
cultura e as mesmas diculdades. A característica especial do ACS é sua
facilidade de comunicação com as famílias para que se mobilizem para a
promoção da saúde (Brasil, 2010b, p. 18).
Reconhecendo, portanto, a centralidade dos agentes no engajamen-
to comunitário para as questões de saúde, São Paulo explorou a potenciali-
dade da atenção básica junto a esses prossionais por meio de um processo
de capacitação para que eles fossem capazes de assimilar aspectos do am-
biente, da saúde e do desenvolvimento local de seus espaços de moradia e
atuação para a promoção de ambientes mais verdes e saudáveis.
Essa capacitação ocorreu em 2006 e deu origem a repercussões que
transcenderam o setor saúde e podem ser percebidas até os dias atuais, com
a conversão de um projeto1 em um programa que foi incorporado na rotina
das unidades básicas de saúde do município: o Programa Ambientes Ver-
des e Saudáveis (PAVS) (São Paulo, 2012; Sousa; Parreira, 2010).
1 Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: Construindo Políticas Públicas Integradas.
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 331
Diante disso, considerando, também, o fato de que a PS determina a
reorientação dos serviços para a concepção de “práticas de saúde de modo
a permitir a interação saúde, meio ambiente e desenvolvimento sustentá-
vel” (Brasil, 2010a, p. 38) para combater os efeitos causados pelos compo-
nentes de risco intrínsecos aos territórios mais vulnerabilizados das cidades
brasileiras, este capítulo teve o objetivo de discutir como os princípios da
PS são operacionalizados pelos projetos socioambientais e ações do PAVS.
Para isso, foi feita uma busca não sistemática de notícias e docu-
mentos institucionais divulgados pelos canais ociais da Prefeitura de São
Paulo, instrumentos de política pública de diferentes setores da adminis-
tração pública e cartilhas e produções cientícas capazes de contar não só
a trajetória do Programa, mas, também, o modo como os atores envolvidos
atuam pelos territórios à luz de pressupostos institucionais estabelecidos
pela gestão do município.
Além da Introdução, o texto foi estruturado em outras três seções. A
seção “O PAVS na cidade de São Paulo: origem e estrutura organizacio-
nal” descreve, brevemente, a origem, estrutura organizacional e avanços
do Programa reportados para o período de 2009 a 2022. A seção “Operacio-
nalização do PAVS à luz dos princípios da OS” apresenta os resultados
esperados para esta pesquisa, a partir de um conjunto de experiências de
diferentes lugares da cidade que revelam como os projetos socioambientais
são sinérgicos e operacionalizados à luz dos princípios da PS. As “Consi-
derações nais” sintetizam os principais resultados e, além disso, discu-
tem sobre as potencialidades e limitações de o PAVS servir de insumo para
novos desaos e objetivos capazes de impactar a saúde ambiental de São
Paulo e outros municípios brasileiros.
O PAVS NA CIDADE DE SÃO PAULO: ORIGEM E ESTRUTURA
ORGANIZACIONAL
Com 12,2 milhões de habitantes e um produto interno bruto na casa
dos 700 milhões de reais, a capital paulista se apresenta como a maior e
mais rica cidade brasileira. Devido a esse elevado contingente populacio-
nal, São Paulo ainda é detentora de uma grande rede assistencial de saúde
pública: aproximadamente 80 mil trabalhadores distribuídos pelos quase
900 equipamentos/serviços (São Paulo, 2017).
Porém, apesar de ser uma cidade rica que concentra bastante in-
fraestrutura em termos de saúde, ainda são percebidas desigualdades in-
traurbanas que podem ser medidas por meio de indicadores consolidados
332 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
como a expectativa de vida média ao nascer. De acordo com a Rede Nossa
São Paulo (2022), que é uma organização da sociedade civil, enquanto a
média de vida do distrito administrativo Jardim Paulista é de 80 anos, a do
Iguatemi é de apenas 59,3 – ou seja, o local de residência pode determinar
se o cidadão paulistano tem mais ou menos anos de vida.
As disparidades de valores observados para esse indicador dentro
de uma mesma cidade podem ser justicadas pela diculdade de garantir
que todos tenham acesso adequado às oportunidades de emprego e renda,
saúde e educação. Anal, mesmo com os avanços da última década que
foram percebidos para o país em termos de desenvolvimento humano, o
processo de urbanização assumido pela cidade de São Paulo e suas regiões
adjacentes é reconhecido por não considerar a conservação e interação dos
ecossistemas naturais sobre o espaço construído e não integrar todos da
mesma forma (Amaral; Benites-Lazaro; Giatti, 2022; Ribeiro, 2016).
Como consequência, os indivíduos marginalizados nesse processo
passam a ocupar os espaços menos privilegiados das cidades que propor-
cionam uma versão mais vulnerável do viver (Torres et al., 2003) e maior
quantidade de trade-offs indesejáveis que são produzidos por esse modelo
de desenvolvimento insustentável e injusto (Giatti; Sousa, 2009); conferin-
do, dessa forma, desfechos ruins para o binômio saúde-doença.
Diante disso, considerando a “complexidade das questões ambien-
tais presentes nos territórios das unidades básicas de saúde” (São Paulo,
2011) distribuídas nesses espaços de vulnerabilidade da cidade e a poten-
cialidade dos ACS de capitalizar novas práticas de PS e proteção ambien-
tal, o PAVS surgiu, em 2005, como um projeto articulado pela Secretaria
do Verde e Meio Ambiente e o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente com o objetivo de “fortalecer a gestão intersetorial em questões
ambientais com o impacto sobre a saúde da população, envolvendo a pro-
moção de atitudes voltadas à preservação, conservação e recuperação am-
biental e a promoção e proteção da saúde da população” (São Paulo, 2023a).
Com a mobilização de recursos da prefeitura do município, do Ban-
co Interamericano de Desenvolvimento, do Ministério da Saúde e do Pro-
grama das Nações Unidas para o Meio Ambiente, esses agentes de saúde,
proteção social e zoonoses foram capacitados para o desenvolvimento de
projetos de intervenção com foco sobre um conjunto de temas considera-
dos estratégicos para a saúde humana: lixo, água e energia, biodiversidade,
convivência saudável com os animais e zoonoses, consumo responsável e
cultura da paz e não-violência (São Paulo, 2012).
Com a conclusão desse processo de capacitação dos agentes, em
2008, a Secretaria Municipal de Saúde transformou esse projeto em um
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 333
Programa complementar às ações da Estratégia Saúde da Família, com o
intuito de estimular novas práticas no campo da promoção de saúde no
nível local e conferir maior protagonismo às intervenções dos ACS em seus
territórios junto a um novo prossional que foi contratado para integrar a
rede de atenção básica: o agente de promoção ambiental (APA) (São Paulo,
2011; São Paulo, 2023a). A Portaria n.º 1.573, de 2 de agosto de 2011, poste-
rior à consolidação das atividades, instituiu esse Programa na Coordenação
da Atenção Básica da Secretaria Municipal da Saúde.
De acordo com o manual orientador das ações do APA (São Paulo,
2015), dentre as atribuições, têm-se: as visitas socioambientais pelos domi-
cílios e territórios, o mapeamento das potencialidades e fragilidades das
áreas de abrangência da área territorializada pelas unidades básicas de saú-
de e desenvolvimento e apoio a projetos socioambientais e ações dentro
dessas unidades, dos equipamentos públicos (p. ex. escolas) e comunidade,
junto às equipes de saúde da família e demais prossionais.
Esses projetos socioambientais e ações do PAVS, desenvolvidas lo-
calmente pelos APAs junto às equipes de saúde da família e supervisiona-
dos pela gestão local e regional do Programa passaram a assumir foco sobre
um novo conjunto de novos eixos temáticos: biodiversidade e arborização;
horta e alimentação saudável, gerenciamento de resíduos, agenda ambien-
tal na administração pública (A3P), revitalização de espaços públicos e
água, ar e solo (São Paulo, 2012).
A visita socioambiental territorial se constitui de uma importante
ferramenta para o APA identicar possíveis parceiros para o desenvolvi-
mento de ações em PS e fatores de risco à saúde (p. ex. rio poluído). Por sua
vez, a visita aos domicílios, também acompanhada de outro prossional
da equipe de saúde da família, tem o objetivo de sensibilizar a população
territorializada para as questões de saúde e ambiente2.
Essa sensibilização proporcionada pela visita, nesse caso, procura
“transformar os cidadãos em participantes ativos na proteção dos valores
naturais” (São Paulo, 2015, p. 23), pois é percebida pelo PAVS como “um
componente fundamental para a reexão de um modelo de sociedade mais
sustentável, indispensável para se exercer uma cidadania plena” (São Pau-
lo, 2015, p. 23). Por exemplo, como o controle da dengue se constitui de um
desao para os prossionais da saúde e a população paulistana, as visitas
2 De acordo com a plataforma e-Gestor AB, do Ministério da Saúde, em dezembro de 2020,
São Paulo contava com 1433 equipes de saúde da família (eSF) vinculadas à Estratégia Saúde
da Família, 1230 eSF tradicionais e seis equipes em função de adesão ao Programa de Melho-
ria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB).
334 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
ambientais domiciliares (VADs) podem integrar o conjunto de interven-
ções de combate a esse agravo. Somente em 2022, o município registrou um
coeciente de incidência de dengue de 62,5 por 100 mil habitantes, maior
do que para outras doenças como a aids (11,5/100 mil hab.) e tuberculose
(49,0/100 mil hab.) 3.
Desde a integração do PAVS à Secretaria Municipal de Saúde, os
boletins divulgados pela coordenação do Programa revelam números ex-
pressivos sobre a quantidade de unidade básica de saúde (UBS) com equipe
de saúde da família (eSF) que contam com os projetos socioambientais ope-
racionalizados pelos APAs e o número de visitas domiciliares de combate à
dengue e outros temas de interesse da saúde. A Tabela 1 mostra um resumo
dos principais resultados.
Tabela 1 – Cobertura municipal e número de visitas socioambientais,
2009-2022
Ano
% de UBS com eSF
e projetos
PAVS
Nº de VADs
Nº de VADs de
combate ao
Aedes
aegypti
2009 60,3 - -
2010 55,7 - -
2011 96,0 - -
2012 92,0 - -
2013 90,5 - -
2014 89,4 34.284 -
2015 99,2 62.517 -
2016 - 106.835 86.990
2017 - 94.029 61.489
2018 - 92.352 63.705
2019 - 90.056 65.426
2020 100,0 72.078 47.589
2021 - 111.394 -
2022 - 170.487 102.540
Fonte: Elaborado a partir de São Paulo (2023b).
Legenda: – Dado indisponível; eSF Equipes de saúde da família; UBS Unidades
básicas de saúde;VADs Visitas ambientais domiciliares.
3 Informação extraída do Boletim CEInfo, da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo
(2023c).
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 335
Em 2020, a cobertura do Programa atingiu 100% das UBS com eSF
e mais de 100 mil visitas domiciliares de conscientização foram feitas na
área de abrangência dessas unidades de saúde. Durante a pandemia de Co-
vid-19, o Programa também se mostrou competente com as visitas domici-
liares e prestação de apoio às campanhas de prevenção contra o novo ví-
rus: houve ações comunitárias (São Paulo, 2020) para orientar a população
sobre as medidas de proteção individual e coletiva, como distanciamento
social, higiene das mãos e uso da máscara. O Programa também registrou
milhares de VADs dedicadas ao A. aegypti, em 2020.
Até 2025, ainda estão previstos mais avanços sobre a cobertura de
UBS do município atendidas com projetos socioambientais PAVS e visitas
domiciliares que abordam o tema das mudanças do clima, a m de corres-
ponder aos objetivos estabelecidos pelo Plano de Ação Climática do Muni-
cípio de São Paulo.
Os processos de trabalho dos agentes locais, gestores e coordena-
dores do Programa são planejados, monitorados e avaliados por meio de
métodos participativos e contam com o apoio de atores estratégicos (p. ex.
ACS) para a promoção da sustentabilidade e engajamento comunitário so-
bre as ações e projetos socioambientais desenvolvidos.
Como orientação prévia para o planejamento e execução das inter-
venções, no âmbito do PAVS, o Guia PAVS (São Paulo, 2012) recomenda
que os agentes considerem as particularidades de cada território, desejos
da comunidade, parcerias locais e análise detalhada das questões que serão
problematizadas a partir de um dos eixos temáticos do Programa.
O monitoramento dessas intervenções desenvolvidas, por sua vez,
se dá com relatórios, encontros técnicos, fóruns e reuniões sistemáticas en-
tre os agentes locais e gestores com os coordenadores e respectivas coorde-
nadorias regionais de saúde, supervisões técnicas e instituições parceiras.
Na tentativa de aprimorar os processos de trabalho, a avaliação
das intervenções busca conferir visibilidade para os resultados que foram
alcançados e proporcionar momentos de aprendizado social entre os par-
ticipantes por meio da condução de rodas de diálogo. Um balanço anual
do PAVS também é divulgado para a comunidade e gestores, quando se
é possível ter um panorama da atuação e dimensão da problemática so-
cioambiental enfrentada pelo município com a análise de indicadores insti-
tucionais e distribuição das intervenções pelos eixos temáticos.
OPERACIONALIZAÇÃO DO PAVS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PS
Na tentativa de não limitar esta análise à descrição da sistemática
de trabalho e estrutura organizacional, o Quadro 1 mostra uma possível
336 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
relação de sinergia entre os princípios da PS com os objetivos apresentados
para cada um dos eixos temáticos do Programa (São Paulo, 2012) que orien-
tam o desenvolvimento de projetos e outras intervenções socioambientais
pelos territórios.
Quadro 1 – Relação dos objetivos dos eixos temáticos sinérgicos com os
princípios da PS
Princípios da PS Eixo temático Objetivos sinérgicos com os
princípios da PS
Equidade
Resíduos sólidos “Favorecer o trabalho dos catadores de
materiais recicláveis”
A3P
“Implantação da coleta seletiva com
inclusão social, destinando os mate-
riais recicláveis preferencialmente às
cooperativas de catadores locais”
Revitalização de espaços
públicos
“Apoiar e encorajar iniciativas integra-
das voltadas à mobilidade e acessibili-
dade”
Participação
social
Horta e alimentação
saudável
“Potencializar a sabedoria popular e
integrar com o saber cientíco nas ati-
vidades de plantio e de contato com a
terra”
Autonomia Horta e alimentação
saudável
“Incentivar a produção e consumo de
alimentos orgânicos”
Empoderamento Cultura e comunicação “Fomentar a criação de mídias comuni-
tárias visando o exercício da cidadania”
Intersetorialidade Água, ar e solo
“Apoiar programas para despoluição,
limpeza de rios e córregos”
“Sensibilizar os prossionais de saúde
para o entendimento da relação entre
mudanças climáticas e saúde”
Intrassetorialidade Biodiversidade e
arborização
“Apoiar as ações de vigilância em
saúde ambiental
continua...
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 337
Princípios da PS Eixo temático Objetivos sinérgicos com os
princípios da PS
Sustentabilidade A3P
“Disseminação de informações sobre
o uso correto da água e de práticas
para conter o desperdício”
“Implantação de medidas para di-
minuição do uso de copos plásticos
descartáveis”
Integralidade
Horta e alimentação
saudável
“Fortalecer e integrar ações com
programas de plantas medicinais/
toterápicos, agricultura urbana e
periurbana”
Biodiversidade e
arborização
“Contribuir no desenvolvimento de
projetos para prevenção de zoonoses”
Territorialidade Cultura e comunicação
“Promover atividades que estimulem
moradores e artistas do território a
reetir sobre a identidade local”
Legenda: A3P Agenda Ambiental na Administração Pública; PS Promoção da saúde.
Ao estimular o desenvolvimento de projetos socioambientais cen-
trados nos catadores autônomos de materiais recicláveis, o Programa de-
monstra reconhecer as iniquidades socioeconômicas e de saúde que se rela-
cionam com a precariedade das condições de vida e processos de trabalho
desses indivíduos (Moura; Dias; Junqueira, 2018).
Nesse sentido, ao aplicarem o princípio da equidade, na prática, no
âmbito do PAVS, o APA junto às equipes de saúde da UBS Iguaçu Maria
José Mariano da Silva orienta e presta assistência a um grupo de catadores
não cooperados da região do Sapopemba sobre o acondicionamento ade-
quado de materiais recicláveis e prováveis problemas de pele, nos pés e na
coluna associados à precariedade de suas moradias e duras jornadas de tra-
balho com o peso de suas carroças (São Paulo, 2022a). As intervenções desse
projeto de nome Catadores Saudáveis do Iguaçu também são apoiadas por
organizações do terceiro setor e outros equipamentos de saúde da cidade.
A participação social e a autonomia são outros princípios que po-
dem ser percebidas pelos projetos e ações que assumem outros objetivos:
338 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
“potencializar a sabedoria popular e integrar com o saber cientíco nas ati-
vidades de plantio e de contato com a terra” e “incentivar a produção e
consumo de alimentos orgânicos”.
As intervenções relacionadas a esses dois princípios têm o potencial
de transformar o ambiente alimentar local, valorizar o conhecimento tra-
dicional das pessoas, facilitar a troca de informações e estreitar as relações
entre os prossionais de saúde e pacientes. Com isso, os participantes têm
a oportunidade de acessar e/ou construir novos espaços de participação
social pelo território e converter os conhecimentos adquiridos em fonte de
renda (Armstrong, 2000) e cuidado em saúde.
Por outro lado, as doenças de veiculação hídrica estão entre o con-
junto de agravos sensíveis à atenção básica e responsáveis pela morbimor-
talidade da população. Somente em 2022, o município registrou mais de
100 casos de leptospirose (São Paulo, 2023c). A prevenção nas grandes ci-
dades requer a fragmentação das ações e corresponsabilização de outros se-
tores por meio de um trabalho intersetorial e colaborativo (Dias et al., 2014;
Segurado; Cassenote; Luna, 2016), na tentativa de interferir com efetividade
sobre o ciclo de vida dos animais vetores e condições do ambiente que são
favoráveis para o seu desenvolvimento.
Nesse sentido, o eixo temático Água, ar e solo tem como um de seus
pressupostos de ação o desenvolvimento de projetos que apoiem progra-
mas de despoluição e limpeza de rios e córregos da cidade. Durante a con-
dução das ações do projeto Novo Rio Pinheiros, da Companhia de Sanea-
mento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o PAVS somou esforços
para que o esgoto doméstico bruto de mais de 80 mil domicílios deixasse de
ser despejado (São Paulo, 2020).
Urbinatti et al. (2023) ainda discutem outras possibilidades de como
o Programa pode ser sinérgico para tratar das questões envolvendo a água,
tendo em vista o cenário de escassez que as comunidades periféricas en-
frentam e as complexas relações de interdependência que os recursos hídri-
cos estabelecem com outros setores.
Por outro lado, a busca de soluções para os problemas de saúde
relacionados à água poderia se estender, também, para as técnicas da en-
genharia que simulam processos naturais capazes de enfrentar a poluição
e enchentes (Cassin, 2021). Partindo do pressuposto de que o envolvimen-
to de diferentes stakeholders (que inclui a população) contribuem com os
processos de otimização e denição dessas tecnologias capazes de mitigar
os efeitos adversos da má gestão do tratamento hidrológico de águas plu-
viais (Pagano et al., 2019), o PAVS pode se apresentar como um importante
mediador; ao ser capaz de colocar sobre a mesa diferentes saberes, alinhar
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 339
objetivos em comum e integrar os prossionais da saúde com os das enge-
nharias.
Dado o exposto, em parceria estabelecida com a Sabesp, os APAs
também contribuem com o planejamento e promoção de ações e projetos
associados à vigilância e controle de zoonoses para combater a presença
dos animais sinantrópicos que apresentam riscos à saúde das populações
territorializadas. No entanto, o manejo de produtos químicos para o contro-
le das populações de ratos, baratas e insetos voadores causadores de doen-
ças é exclusivo dos agentes de zoonoses.
Junto às Supervisões de Vigilância em Saúde (SUVIS) do município,
os APAs prestam assistência às pessoas em situação de acúmulo de ma-
teriais inservíveis e animais domésticos. Esses indivíduos que vivem com
“acúmulo excessivo de objetos, resíduos ou animais, associado à diculda-
de de organização e manutenção da higiene e salubridade do ambiente”
(São Paulo, 2016) assumem riscos para a saúde individual e coletiva por
estarem proporcionando condições favoráveis para a proliferação de ani-
mais vetores de doenças como leptospirose e dengue. Essa possibilidade
de parceria entre os APAs e prossionais da vigilância em saúde ambiental
das SUVIS é sinérgica ao princípio da intrassetorialidade.
Por levar em conta as dimensões culturais, sociais, ambientais e eco-
nômicas, os projetos e ações envolvendo a A3P servem de exemplo para
demonstrar como o princípio da sustentabilidade se relaciona estreitamen-
te com o PAVS.
A A3P é um programa do Ministério do Meio Ambiente que ob-
jetiva estimular os órgãos públicos do país a implementarem práticas de
sustentabilidade. Sendo assim, ao propor a disseminação de “informações
sobre o uso correto da água e de práticas para conter o desperdício” e im-
plantar “medidas para diminuição do uso de copos plásticos descartáveis”,
o PAVS contribui para uma melhor consciência ambiental dos prossionais
de saúde que, consequentemente, incentiva práticas menos predatórias pe-
los territórios de abrangência das unidades de saúde que sobrecarregam a
área territorializada por essas unidades de saúde.
De acordo com Borowy (2020), a própria OMS reconhece a comple-
xidade dos resíduos gerados pelo setor saúde – mesmo aqueles similares
ao lixo doméstico – e reportagens (Faddul, 2020) -têm revelado a amplitude
da problemática do descarte inadequado de máscaras e luvas pelas praias
e oceanos.
Assimilando o princípio da integralidade com os processos de tra-
balho articulados, que são orientados tanto pelas ações de tratamento e rea-
bilitação quanto às de prevenção e promoção, o PAVS fortalece e integra os
340 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
programas municipais de plantas medicinais e agricultura urbana e periur-
bana. Como exemplo prático para esse pressuposto de ação selecionado,
pode-se mencionar o projeto Farmácias Vivas & Segurança Alimentar que
conta com hortas terapêuticas e alimentares distribuídas pelos equipamen-
tos de saúde e escolas das regiões de Santo Amaro e Cidade Ademar (São
Paulo, 2023d).
As hortas desse projeto são abastecidas com sementes e mudas pro-
duzidas pelo trabalho dos APAs e usuários dos serviços de saúde e esco-
lares. As hortaliças colhidas passaram a integrar o cardápio das escolas e
os estudantes recebem a orientação de nutricionistas sobre o uso e preparo
de plantas alimentícias convencionais (p. ex. alface, couve) e não conven-
cionais como peixinho, ora-pro-nóbis, taioba e capuchinha. As ervas medi-
cinais, por sua vez, são transformadas em chás e consumidas pelos partici-
pantes de grupos das UBS sob a supervisão e orientação de farmacêuticos.
Dentre esses participantes, tem-se idosos e mulheres carentes.
Essas iniciativas são convergentes com políticas municipais e o pró-
prio Sistema Único de Saúde, por meio das Portarias nº 971 e 886 e o Decre-
to nº 5.813, que regulamentam, respectivamente, a Política Nacional de Prá-
ticas Integrativas e Complementares (PICs), o conceito de Farmácia Viva
dentro do SUS e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos.
Já o princípio da territorialidade demonstra estar sendo considera-
do pelos agentes do Programa por meio do desenvolvimento de projetos
e ações pontuais que estimulam a população e artistas territorializados a
reetirem sobre as suas identidades locais. Assim, esses indivíduos, ao se-
rem submetidos a essas experiências, podem reetir sobre as singularida-
des intrínsecas de seus territórios que podem ou não ser sinérgicas à boa
saúde e ao bem-viver individual e coletivo. Na zona norte da cidade, com o
apoio do Programa, a UBS Aldeia Indígena do Jaraguá promove um evento
anual que reúne centenas de pessoas e conta com dança, desle, música e
artesanato que mostram a cultura da aldeia Jaraguá-Kwarãy-Djekupé (São
Paulo, 2022b).
Por m, partindo do pressuposto de que a água é um importante
elemento para a compreensão sistemática do bem-estar humano, da pro-
moção de saúde e da prevenção de doenças (Parkes; Horwitz, 2009), cabe
discutir a experiência que o Programa obteve por meio do projeto socioam-
biental Observando os Rios nas Palmas das Mãos, que foi desenvolvido na
área de abrangência de uma UBS da zona sul da cidade, a UBS Jardim das
Palmas, que está inserida dentro do distrito administrativo Vila Andrade.
A Vila Andrade é reconhecida pela disparidade das condições de
vida e habitação entre os seus residentes, pois, ao mesmo tempo em que
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 341
é lugar de bairros nobres e empreendimentos imobiliários de luxo, abriga
pessoas privadas de direitos básicos como acesso adequado aos serviços
de saneamento água e esgoto e moradia digna - os moradores das favelas
Nova Jersey e Olaria, por exemplo, vivem nos arredores de linhas de trans-
missão de energia elétrica e dutos de gás (Articulação Vila Andrade, 2021).
Um córrego que corta as favelas Nova Jersey e Olaria, de nome Cór-
rego dos Mirandas, tem recebido esgoto doméstico bruto. O mau cheiro
causado pela poluição da água é um problema antigo e parece ser um incô-
modo de difícil solução para os moradores da região. Em 2013, foi motivo
de pauta da reunião de uma associação local e noticiado pelo blog Super
Quadra News (Andrade, 2013):
Sujeira e um cheiro desagradável! Localizado ao lado da rua Ministro Gui-
marães onde faz divisa com o Jardim das Palmas, o Córrego dos Miran-
das é um problema antigo no bairro. Para se ter uma ideia, no começo do
ano, a presidente da Associação de Moradores e Amigos da Super Quadra
Morumbi, Vera Lúcia Vitorino Alves, visitou a sede da Sub-prefeitura do
Campo Limpo e conversou com o então recém nomeado sub-prefeito da
região Sérgio Roberto dos Santos. Na oportunidade, Vera destacou a ne-
cessidade da limpeza e da canalização do córrego.
Diante desse cenário, em parceria estabelecida com a Fundação SOS
Mata Atlântica, que é uma organização não governamental brasileira, o
APA e ACS da UBS Jardim das Palmas elaboraram um projeto que teve
o objetivo principal de sensibilizar e mobilizar ainda população territoria-
lizada e seus gestores municipais para a qualidade da água de um trecho
desse córrego.
Com isso, formou-se um grupo de monitoramento constituído de
moradores da região e prossionais de saúde da unidade que se reuniram,
mensalmente, durante o ano de 2019, para coletar amostras de água e ana-
lisá-las localmente por meio de um kit fornecido pela Fundação, a m de
vericar um conjunto de parâmetros de qualidade denidos pela legisla-
ção ambiental vigente: turbidez, coliformes, oxigênio dissolvido, demanda
bioquímica de oxigênio, pH, nitratos e fosfatos, espumas, odor, material
sedimentável e presença de peixes e larvas4.
De acordo com o relato de experiência de Marcolino, Pereira e Ribei-
ro (2020), o projeto somou o envolvimento de mais de 500 pessoas, incluin-
do representantes da Sabesp, da subprefeitura regional do Campo Limpo,
4 Resolução Conama n° 357, de 17 de março de 2005.
342 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
de conselhos gestores municipais e de empresas privadas do setor de sa-
neamento.
Como resultado, o grupo também registrou momentos pontuais de
melhora para alguns parâmetros de qualidade da água: o índice calculado
para as amostras coletadas passou de “ruim” para “regular”, depois de in-
tervenções de zeladoria e limpeza coordenadas pela subprefeitura regional
do Campo Limpo.
Mesmo com esses resultados positivos observados para o bairro Jar-
dim das Palmas, cabe enfatizar que os APAs, ACS, demais prossionais da
saúde e o próprio PAVS não devem ser percebidos como uma alternativa
que serve de panaceia para controlar e resolver os problemas complexos
enfrentados pelas periferias do país e demais espaços onde as pessoas são
expostas a componentes de risco. Anal, mesmo com o Programa demons-
trando capacidade de promover a saúde por meio de um diálogo mais
estreito com a população territorializada que resulta em movimentos co-
munitários para o encaminhamento de problemas relevantes em termos de
saúde ambiental, sem maiores investimentos públicos (G1, 2023) e planeja-
mento dos governos (Madeiro, 2023) dicilmente atingiremos um patamar
de desenvolvimento local sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo explorou a trajetória do PAVS pela cidade de São Pau-
lo, de 2009 a 2022, por meio da análise de documentos institucionais, expe-
riências locais reportadas e orientações técnicas para o desenvolvimento de
projetos socioambientais e outras intervenções, considerando os princípios
da PS e a conjuntura urbana do município para o período estudado.
A sistemática dos processos de trabalho, estrutura organizacional
denida e ampliação do Programa pela rede de saúde pública municipal
somam esforços para as armações de que a responsabilização e busca de
soluções para o enfrentamento de problemas complexos de uma metrópole
transcendem o setor saúde e carecem de mobilização e integração de distin-
tos atores e recursos de instituições públicas e privadas.
Por outro lado, a concepção de projetos socioambientais a partir de
um diálogo estreito com as comunidades e demais disciplinas e setores da
sociedade e da administração pública são convergentes e sinérgicos com
muitos dos princípios descritos pela Política Nacional de Promoção da Saú-
de (Brasil, 2010a). Por exemplo, ao mobilizar diferentes atores e estimular
sujeitos a se tornarem agentes de mudança e não mais espectadores de um
A trajetória do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis, 2009-2022 343
ambiente poluído que não favorece a boa saúde e o bem-viver, o projeto
Observando os Rios nas Palmas das Mãos mostrou que se relaciona com os
signicados atribuídos aos princípios da intersetorialidade, do empodera-
mento e da participação social.
Por outro lado, a comunicação e visibilidade das ações do PAVS
são desaos a serem superados, na tentativa de não dicultar a captação
de recursos necessários e limitar o alcance do programa e estabelecimento
de novos desaos para o setor saúde face aos desaos proporcionados por
temas urgentes e emergentes como as mudanças climáticas.
Nesse sentido, faz-se necessária a institucionalização de indicadores
de monitoramento e avaliação e desenvolvimento de estratégias de comu-
nicação ampliadas e mais ecazes, como campanhas, mídias sociais e rela-
tórios de impacto capazes de mobilizar os residentes para um maior contro-
le social e chamar a atenção de diferentes stakeholders para as experiências
exitosas do município em termos de saúde ambiental e pública, atraindo
mais apoio que possibilite a replicação desse modelo em outros municípios
e estados do Brasil. Entendemos, portanto, que a ampliação da cobertura
de programas com propósitos equivalentes pelo país é fundamental e pos-
sível, considerando que o PAVS está inserido no Sistema Único de Saúde
(SUS) e ocorre apenas no município de São Paulo.
De um modo geral, as vivências reportadas pelo PAVS, pelos di-
ferentes territórios da cidade, demonstram que para enfrentar os desaos
das questões ambientais, de saúde e sustentabilidade também é necessário
fortalecer a atuação em rede com articulações mais abrangentes das polí-
ticas municipais, estaduais e federais. Para tanto, o Programa demonstra
que são necessários modelos de abordagem mais integrada, baseados no
envolvimento da comunidade e estabelecimento de parcerias estratégicas
(que já ocorre atualmente) para que as intervenções e projetos socioambien-
tais sejam replicados com sucesso a partir de diferentes contextos de vida
e objetivos.
Além dos princípios da Política Nacional de Promoção de Saúde,
o PAVS ainda evidencia a sinergia de suas iniciativas com a Agenda 2030,
movimentos sociais, políticas e programas nacionais e internacionais de
forma estratégica e sistematizada, demonstrando a importância da integra-
ção de políticas para alcançar resultados mais signicativos e promissores.
Certos de que não se esgotaram as possibilidades de analisar o PAVS
numa perspectiva crítica à PS, pode-se admitir que reorganizar os serviços
de saúde para integrar novas concepções sobre o ambiente e seus elementos
na prática e na rotina de territórios vulnerabilizados cobertos pelas equipes
de saúde da família, faz o PAVS servir de exemplo de como as cidades do
344 Caminhos Verdes: Interfaces Saúde e Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável
país podem contribuir com o SUS e agir localmente sobre a complexidade
das tensões colocadas entre os aspectos da ecologia e do desenvolvimento
urbano que se constituem de determinantes individuais e coletivos da boa
saúde e bem-viver.
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