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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana

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Abstract

O objetivo geral é o de pesquisar quais contribuições o paradigma da jurisdição romana, em um período pré-estatal – momento histórico em que julgamentos por meio de julgadores leigos, sem qualquer formação jurídica, que eram nomeados a partir dos cidadãos romanos –, pode fornecer ao Oversight Board (Conselho de Supervisão), que realiza revisões sobre decisões de conteúdo suspenso ou removido das plataformas digitais Facebook, Instagram e Thread. Como a própria concepção de Estado Nacional somente surgiu em fins da Idade Média, a organização republicana dos romanos foi fundada com base na sociedade, e não por meio de uma pessoa jurídica. Assim, buscou-se entender de como os conflitos eram resolvidos por uma jurisdição da antiga cidade romana, de forma pragmática, criativa e com todo o rigor jurídico. Partindo dessas constatações, o problema de pesquisa encontra-se na seguinte pergunta: quais contribuições o paradigma da jurisdição romana pode fornecer ao Oversight Board? A ausência de experiências anteriores sobre um órgão empresarial que foge do binômio público-privado, enquanto base dogmática do Direito Moderno, abre espaço para que a questão seja realizada por meio de um paradigma jurídico que legitime sua autorregulação. Tendo isso em vista, adotou-se como marco teórico a concepção de jurisdição da republicana romana, construída sobre a “sociedade” e não sobre a “pessoa jurídica estatal”. O desenvolvimento do trabalho é realizado por meio de um método de abordagem dedutivo, um método de procedimento monográfico e a técnica de pesquisa bibliográfica documental, por meio de revisão da literatura especializada. Realizou-se um confronto entre os paradigmas jurídicos antigo e contemporâneo, por meio do método de contraponto. Em razão do ineditismo do tema, ao final, são apresentados como resultados, 12 contribuições para o melhor funcionamento do Oversight Board. Ao final, conclui-se que o paradigma da jurisdição romana – gênese do Direito moderno – legitima a atuação do Oversight Board como forma de resolução de conflitos por meio da autorregulação.
1Pensar, Fortaleza, v. 29, n. 3, p. 1-17, jul./set. 2024
Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges e-ISSN:2317-2150
10.5020/2317-2150.2024.14040
Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
* Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal de Santa Catarina (2018). Possui Mestrado em
Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos - PPGD - UNIPAC (2010), possui Graduação (2004) e Pós-Graduação lato sensu em Direito
Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC, 2004). Lecionou na Universidade Presidente Antônio Carlos de 2009 até
2011/1. Leciona desde agosto de 2011, na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
** CDoutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2013 - CAPES 5), tendo realizado Pós-Doutorado em Direito pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2014 - CAPES 6), com bolsa de pesquisa PNPD/CAPES. Mestre em Ciências Criminais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (2007 - CAPES 5). Especialista em Ciências Penais pela PUCRS). Pós-graduado
pela Escola da Magistratura do Rio Grande do Sul - AJURIS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Atualmente, é Professor da
Graduação e Pesquisador permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGD/UNESC).
Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a
partir da Jurisdição Romana
Oversight Board and its Legitimacy: Genesis of Self-Regulation from Roman
Jurisdiction
Junta de Supervisión y su Legitimidad: Génesis de la Autorregulación desde
la Jurisdicción Romana
Maurício da Cunha Savino Filó*
Gustavo Silveira Borges**
Resumo
O objetivo geral é o de pesquisar quais contribuições o paradigma da jurisdição romana, em um período pré-estatal – momento
histórico em que julgamentos por meio de julgadores leigos, sem qualquer formação jurídica, que eram nomeados a partir dos
cidadãos romanos –, pode fornecer ao Oversight Board (Conselho de Supervisão), que realiza revisões sobre decisões de
conteúdo suspenso ou removido das plataformas digitais Facebook, Instagram e Thread. Como a própria concepção de Estado
Nacional somente surgiu em ns da Idade Média, a organização republicana dos romanos foi fundada com base na sociedade,
e não por meio de uma pessoa jurídica. Assim, buscou-se entender como os conitos eram resolvidos por uma jurisdição da
antiga cidade romana, de forma pragmática, criativa e com todo o rigor jurídico. Partindo dessas constatações, o problema
de pesquisa encontra-se na seguinte pergunta: quais contribuições o paradigma da jurisdição romana pode fornecer para o
aprimoramento do Oversight Board? A ausência de experiências anteriores sobre um órgão empresarial que foge do binômio
público-privado, enquanto base dogmática do Direito Moderno, abre espaço para que a questão seja realizada por meio de
um paradigma jurídico que legitime sua autorregulação. Tendo isso em vista, adotou-se como marco teórico a concepção de
jurisdição da republicana romana, construída sobre a sociedade e não sobre a pessoa jurídica estatal. O desenvolvimento do
trabalho é realizado por meio de um método de abordagem dedutivo, um método de procedimento monográco, e a técnica
de pesquisa bibliográca documental, por meio de revisão da literatura especializada. Realizou-se um confronto entre os
paradigmas jurídicos antigo e contemporâneo, por meio do método de contraponto. Em razão do ineditismo do tema, ao nal,
são apresentados, como resultados, 12 contribuições para o melhor funcionamento do Oversight Board. Por m, conclui-se
que o paradigma da jurisdição romana – gênese do Direito moderno – legitima a atuação do Oversight Board como forma de
resolução de conitos por meio da autorregulação.
Palavras-chave: acesso à justiça; Oversight Board; jurisdição; direitos humanos; liberdade de expressão.
Abstract
The general objective is to investigate what contributions the Roman jurisdictional paradigm, in a pre-state period - a historical
moment in which judgments were made by lay judges, without any legal training, whom Roman citizens appointed - can provide
to the Oversight Board, which reviews decisions on content suspended or removed from the digital platforms Facebook,
Instagram and Thread. As the very concept of a nation-state only emerged at the end of the Middle Ages, the republican
organization of the Romans was founded based on society and not through a legal entity. Thus, we sought to understand how
conicts were resolved by a jurisdiction in the ancient Roman city in a pragmatic, creative way and with all legal rigor. Based on
these ndings, the research problem lies in the following question: What contributions can the Roman jurisdictional paradigm
make to the Oversight Board? As the dogmatic basis of modern law, the lack of previous experience of a corporate body that
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Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
escapes the public-private binomial opens up space for the issue to be addressed through a legal paradigm that legitimizes its
self-regulation. With this in mind, the theoretical framework adopted was the Roman republican conception of jurisdiction, built
on “society” and not the “state legal entity.” The work was developed using a deductive approach, a monographic procedural
method, and the technique of documentary bibliographical research through a review of specialized literature. A comparison
was made between the old and contemporary legal paradigms using the counterpoint method. Due to the unprecedented
nature of the topic, the results show 12 contributions to the better functioning of the Oversight Board. In the end, it is concluded
that the paradigm of Roman jurisdiction - the genesis of modern law - legitimizes the work of the Oversight Board to resolve
conicts through self-regulation.
Keywords: access to justice; Oversight Board; jurisdiction; human rights; freedom of expression.
Resumen
El objetivo de este artículo es analizar límites y posibilidades de la actuación del Oversight board (Comité de Supervisión)
que realiza revisiones sobre decisiones de contenido del Facebook. La ausencia de experiencias anteriores sobre un órgano
empresarial, que huye del binomio público- privado, mientras base dogmática del Derecho Moderno, abre espacio para
que la cuestión sea realizada por medio de otros paradigmas. Teniendo esto en cuenta, se adoptó como paradigma de
contrapunto la jurisdicción de la antigua ciudad romana, construido con base en la sociedad y no en la personalidad jurídica
estatal. El desarrollo del trabajo es realizado por medio de un método de enfoque deductivo, un método de procedimiento
monográco y la técnica de investigación bibliográca documental, por medio de revisión de la literatura especializada.
En la conclusión, se realize un confronto entre los paradigmas jurídicos antiguo y moderno, cuando se concluyó por la
inoperancia de intentar resolver conictos en sus redes sociales privadas utilizando el paradigma jurídico de la jurisdicción
moderna. Debido a la característica inédita del tema, al nal, son presentadas contribuciones para el funcionamiento del
Oversight board del Facebook.
Palabras clave: comité de supervisión; derechos humanos; Facebook; juzgamiento independiente; libertad de expression.
1 Introdução
A sociedade moderna sofreu inúmeros impactos decorrentes das primeiras Revoluções Industriais, quando
novas tecnologias passaram a implementar mudanças nas cidades e um novo ritmo na produção, no trabalho, no
deslocamento, na política e no planejamento estatal (Morazé, 1965).
O ritmo cada vez mais acelerado dos grandes centros urbanos se estendeu, de forma gradual e contínua,
para outras urbes em todo o mundo. Entretanto, o que mais afetou a vida global foi a 4ª Revolução Industrial
(Schwab, 2016), a revolução nas tecnologias da informação, que gerou o fenômeno conhecido por sociedade em
rede (Castells, 1999).
Os usos das novas tecnologias da informação mereceram atenção e estudos no sentido de vericar seus limites
e possibilidades (Schwab, 2019), sendo comprovado que o seu bom uso pode contribuir para o desenvolvimento,
desde que se respeite as especicidades de cada localidade (Santiago,2018).
Entretanto, não se pode ignorar o papel exercido pela Inteligência Articial (IA), na coleta e venda de informações
sobre usuários de plataformas digitais (Borges; Filó, 2020). Os cientistas acreditam que estão conseguindo, cada
vez mais, compreender como ocorre a tomada de decisão pelos seres humanos, o que gera a expectativa de
planejar atuações com base no que dizem os algoritmos (Harari, 2018, p. 36). Tudo isso, sendo ensejado pela
disseminação das tecnologias da informação, está produzindo mudanças no próprio modo de se operar o direito
(Koener et al., 2019) e de mobilização social para a reivindicação e discussão do direito à cidade e de questões
políticas (Cavalcanti; Ferreira, 2018).
Nesse contexto, o risco de que plataformas digitais sejam utilizadas como meio de comunicação em massa,
para confundir a população e/ou disseminar ideias extremistas, ultrapassando os limites do direito humano à
liberdade de expressão levaram o Facebook1 a tomar uma medida inédita: criar um Oversight Board (Conselho de
Supervisão), a m de proporcionar revisão de conteúdos divulgados em sua plataforma.
1 Cf. Harari (2018, p. 51): “A Califórnia está acostumada com terremotos, mas assim mesmo o tremor político das eleições americanas de 2016 chegou
como um choque violento ao Vale do Silício. Ao constatar que eles poderiam ser parte do problema, os magos da computação reagiram fazendo o que
os engenheiros fazem melhor: buscaram uma solução técnica. Em nenhum outro lugar a reação foi mais contundente do que na sede do Facebook,
em Menlo Park. Isso é compreensível. Como o negócio do Facebook é a rede social, é ele que está mais sintonizado com perturbações sociais”.
3
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
O presente artigo, portanto, tem por objetivo geral pesquisar quais contribuições o paradigma da jurisdição
romana, em um período pré-estatal, pode fornecer ao Oversight Board, que realiza revisões sobre decisões de
conteúdo suspenso ou removido das plataformas digitais Facebook, Instagram e Thread.
Apesar deste conselho ter sido criado por uma empresa privada, sua contribuição pretende ser essencial para
o aprimoramento da democracia2, ocupando uma esfera que é pública, por meio de uma estrutura hierarquizada
supranacional
3
. Entretanto, a ausência de experiências anteriores sobre um órgão empresarial privado para controlar
informações públicas, situando-se além do espaço previsto pelo binômio público-privado do Direito Moderno, justica
que a pesquisa se realize na busca de outros paradigmas4.
O aperfeiçoamento da jurisdição pode ocorrer pela incursão em rotas descartadas, mais do que pelo
prosseguimento em um caminho linear. Não obstante isso, percorrer novos caminhos (ou caminhos esquecidos)
não signica que se trate de uma fuga, pois pode ser um reencontrar (Macedo; Facchini Neto, 2015), já que no
Direito atual, apesar de ter suas raízes na República dos romanos
5
, houve o descarte de diversos institutos jurídicos
antigos. Nesse sentido, o problema de pesquisa está na seguinte pergunta: quais contribuições o paradigma da
jurisdição romana pode fornecer para o aprimoramento do Oversight Board?
O desenvolvimento do artigo ocorrerá em três partes. Primeiro, será explicado como a jurisdição foi administrada
pela perspectiva de um paradigma jurídico que levou em consideração a sociedade, e não a personalidade jurídica
do Estado. Na segunda parte, será vericada a estrutura do Oversight Board. Na terceira parte, será analisado o
funcionamento do Oversight Board, que foi constituído a partir de uma decisão corporativa inédita sobre controle
de informações públicas. Na conclusão, pretende-se apresentar o contraponto entre os paradigmas antigos e a
prática do Oversight Board, a m de se apresentar contribuições da jurisdição romana republicana.
As primeiras seções serão realizadas por meio de um método de abordagem dedutiva, um método de
procedimento monográco e a técnica de pesquisa bibliográca documental, quando se vericarão artigos jurídicos,
doutrina e revistas jurídicas. A análise da quarta seção ocorrerá por meio de um método de contraponto, cuja base
teórica se encontra nas produções de Giovanni Lobrano (1983; 2009) e José Isaac Pilati (2013), a m de se levantar
proposições ao funcionamento do Oversight Board.
2
O nascimento da jurisdição romana: a nomeação de juízes leigos e a busca pela justiça
O embasamento teórico para o termo paradigma que é adotado neste artigo encontra-se em Kuhn (2013),
que conseguiu explicar o desenvolvimento cientíco a partir da superação de matrizes adotadas pela academia,
quando essas não conseguem mais resolver problemas propostos aos cientistas. Em sua explicação, demonstrou
que o condicionamento dos cientistas às regras de entendimento adotadas nem sempre funcionam para resolução
de novos problemas. No entanto, isso não quer dizer que a mera divergência entre estudiosos indique que um
paradigma terá perdido sua validade, mas sim que os paradigmas adotados descartam a observação de certos
fenômenos e a consideração de diversas soluções.
Morin (1999) retomou o termo paradigma para indicar que na complexidade se encontram problemas,
mas não respostas. Sendo assim, o pesquisador deve fornecer respostas que não se encontram nas estruturas
previamente construídas e adotadas:
[...] é preciso estar consciente do problema do paradigma. Um paradigma impera sobre as mentes
porque institui os conceitos soberanos e sua lógica (disjunção, conjunção, implicação), que governam,
ocultamente, as concepções e as teorias cientícas, realizadas sob seu império. (Morin, 2006, p. 114)
Quando se refere ao termo paradigma neste artigo, retomam-se às ideias do termo paradigma normal
ou reinante (Kuhn, 2013) e do grande paradigma do Ocidente (Morin, 1999), para se elaborar uma denição de
paradigma jurídico. Como observa Pilati (2017), há sintonia entre esses Kuhn e Morin, sendo que essas ideias,
por sua vez, vão ao encontro de Burguière (1999), segundo o qual há um dogma de uma evolução unitária e linear
2 Sobre valores e princípios necessários à democracia, ver reexão de Cunha (2022).
3 Callejón (2022) adverte sobre a tendência das grandes empresas tecnológicas de monopolizar a distribuição da informação e a opinião pública, por
meio de processos comunicativos de mediação.
4 O conceito de paradigma aqui adotado se encontra em Kuhn (2013).
5 Pilati (2017) prefere utilizar a expressão República dos romanos ao invés de República Romana, a m de indicar que naquela época antiga não
havia pessoa jurídica, tratando-se de uma concepção de república pautada em indivíduos.
4Pensar, Fortaleza, v. 29, n. 3, p. 1-17, jul./set. 2024
Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
da Humanidade, o que induz q crer que a mera passagem do tempo leva a humanidade a uma evolução unitária
e linear, como se houvesse uma marcha conscientemente realizada.
O conceito de paradigma jurídico da Modernidade (Pilati, 2017) surgiu a partir da comprovação de que
regras de entendimento contemporâneas que ditam a validade jurídica ocorreu por meio de elementos jurídicos
intencionalmente selecionados (Filó, 2018), que, apesar de estarem presentes na Antiguidade (Grossi, 2007), não
se enquadram no melhor conceito de republicanismo. Pelo contrário, o que ocorreu, no nobre afã de se superar os
horrores da Idade Média (Deschner, 1990), foi alicerçar o Direito por meio de uma mescla de práticas medievais,
elementos que puderam ser resgatados do Direito Romano – que se mantiveram por séculos registrados Código
do Imperador Justiniano – e das práticas do Direito Canônico (Paricio; Barreiro, 2014).
Todavia, o grande esforço para se superar práticas comuns na Idade Média não foi capaz de harmonizar a
criação do Estado com a Sociedade (Lobrano, 2009), sendo forçoso se reconhecer ausência ou incapacidade das
instituições para tratar de questões jurídicas complexas, que devem ser pesquisadas para além do dogmatismo
(Delmas-Marty, 1999; Grossi, 2004).
É necessário esclarecer que na República não havia a gura do juiz moderno: um jurista que foi eleito ou é
concursado para exercer o ofício de julgar conitos. Em segundo lugar, não havia a gura estatal, mas sim instituições
públicas que eram exercidas por magistrados eleitos para períodos curtos, a m de exercerem determinada
função, de forma não remunerada. As instituições políticas, fundadas a partir da sociedade, ao carecerem da
representação ctícia do Estado, surgiam pragmaticamente para se conseguir a continuidade e o funcionamento
da cidade (Filó, 2018).
Diante dessa situação, o retorno a fontes jurídicas antigas, paradoxalmente, permite novas racionalizações
teóricas e técnicas, a m de poder se encontrar verdades cientícas ignoradas por diversos estudos modernos
(Morin, 2010)6. Mas é importante frisar: não se trata de copiar o que os romanos antigos realizaram, mas sim – por
meio de um contraponto jurídico
7
vericar novas soluções jurídicas. Para isso, deve-se levar em consideração que
as raízes jurídicas do Ocidente são profundas, vão além do que ocorreu na Idade Média e no Período Absolutista
do Império Romano, chegando a um republicanismo movido por instituições que não dependiam da pessoa jurídica
estatal8 (Lobrano, 2006).
A longevidade de 13 séculos de produções jurídicas permite uma divisão didática que é realizada em
três grandes fases: Realeza (754 a.C. a 510 a. C.); República (510 a. C. a 27 a. C.), e o Império (27 a. C. a 565 d.
C.). A fase imperial é subdividida em Principado (27 a. C. a 284 d. C) e Dominato (284 d. C. a 565 d. C), quando o
absolutismo crescente acabou por extinguir a forma casuística de aplicação da jurisdição (Paricio; Barreiro, 2014).
Como não existe uma estrutura monolítica, nem continuidade unilinear, nem evolucionismo nestes séculos
(Bretone, 1998), adota-se o critério de que a pesquisa românica exige a escolha do período a ser estudado (Ferraz,
1989), reduzindo seu objeto e aprofundando na experiência jurídica, que no caso deste artigo se concentrará em
aspectos da aplicação da jurisdição ocorrida na República dos Romanos.
Outro aspecto está na forma de estudo das fontes romanas republicanas, pois, ao não se encontrarem
catalogadas em um manual jurídico, encontram-se espalhadas, como um quebra-cabeça. Frequentemente são
encontradas em literaturas jurídicas clássicas e em outras produções que permitem identicar embates políticos.
Para se aprofundar em questões especícas e aprofundar a crítica do fato histórico, não é raro se valer de fontes
epigrácas e papirológicas, numismáticas, iconográcas e arqueológicas9 (Bretone, 1998).
Realizados esses esclarecimentos prévios, passa-se a vericar como os romanos conseguiram, por meio
de instituições jurídicas, contemplar fenômenos sociais complexos de forma casuísta, ou seja, sem utilizar o
dogmatismo jurídico.
Sem o ônus de resumir séculos de desdobramentos a alternativas ocorridas naquele período e explicar os
diversos desdobramentos históricos, ora não pertinentes, a jurisdição será aqui resgatada enquanto assunto de
máxima relevância para a sociedade romana, que – apesar de seus diversos conitos – entendeu pragmaticamente
6 Cf. Morin (2010, p. 149/150): “Eu disse que a verdade da ciência não estava em suas teorias, mas no jogo que permitia a confrontação dessas
teorias, no jogo da verdade e do erro; a ciência não possui a verdade, mas joga num nível da verdade e do erro [...]”.
7 Um exemplo de aplicação do método de contraponto entre paradigmas, pode ser vericado em Borges e Filó (2020) quando se realizou a cartograa
contemporânea do comum e sua vertente no Direito Romano: https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/1434.
8 Sobre o tema república e sociedade, é fundamental a leitura do artigo de Lobrano (2009): “A teoria da respublica (fundada sobre a “sociedade” e
não sobre a “pessoa jurídica”) no Corpus Juris Civilis de Justiniano (Digesto 1.2-4)”.
9
As frequentes pesquisas arqueológicas, por exemplo, permitem a vericação de conclusões e hipóteses, para serem conrmadas, ampliadas,
modicadas ou mesmo excluídas (Alföldy, 1989, p. 18; Grandazzi, 2010, p. 12-13).
5
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
que “a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”, conforme teria registrado o jurista
Ulpianus (Justiniano, 2013, p. 21), que completa levantando os preceitos do Direito: “viver honestamente, não lesar
a outrem, dar a cada um o seu” (Justiniano, 2013, p. 21).
Mas como fazer para que justiça se efetivasse em períodos de tantas guerras externas e conitos entre a
ordem10 patrícia e outra ordem excluída das garantias cidadãs?
A jurisdição naquela república foi exercida inicialmente pelos cônsules que, em razão das guerras tinham
que se ausentar da cidade. Em razão disso, passou a se eleger um magistrado para exercer a jurisdição, sendo
criado um magistrado de menor estatura política: o pretor. Seguindo a fórmula já adotada, ele passou a distribuir
o Direito em cada caso concreto (Paricio; Barreiro, 2014).
E como ele realizou esse ofício de ministrar a jurisdição?
O pretor, enquanto grande magistrado que, hierarquicamente, estaria abaixo somente dos cônsules, tinha
a missão de organizar a controvérsia a partir do conito gerado entre os envolvidos. A partir de então, passava a
nomear um ou mais árbitros ou juízes para cada causa especíca (Justiniano, 2013).
Quando se menciona juiz da causa (iudex), deve-se afastar da mente qualquer menção aos juízes das
democracias modernas. O juiz da causa, ao não ser jurista (Justiniano, 2013), julgava a causa essencialmente por
meio de critérios de equidade, a partir do caso concreto, funcionando como uma espécie de árbitro. E, na verdade,
é assim que ele deve ser entendido na fase em análise, pois ele não possuía qualquer formação jurídica ou técnica,
sendo nomeado dentre os cidadãos romanos, para a resolução de um conito, num verdadeiro sistema arbitral.
Mas como isso era possível? Como leigos puderam julgar casos concretos como se juízes o fossem? E mais, como
este período de julgamentos por árbitros leigos é considerado o período juridicamente mais rico de Roma, quando
se aoraram ideias e concepções que ainda são adotadas pela modernidade?
A resposta parece estar no pragmatismo romano.
Apesar de o juiz da causa não seguir qualquer indicação e posicionamento teóricos sobre qual posição
deveria ser tomada, o pretor deveria informar o princípio jurídico a ser aplicado no caso em análise (Valditara,
2008). Após o resultado do julgamento, o pretor (geralmente) homologava o julgamento. Após o juiz da causa julgar
a controvérsia, cabia ao pretor homologar o julgamento.
Conforme Pilati (2013, p. 27), a própria jurisdição romana se encontrava resumida em três verbos solenes
(tria verba solemnia):
[1] dico (publicar uma regra geral em um edito, ou regular uma contenda por um interdito);
[2] do (dar um juiz às partes), addico (reconhecer um direito em benefício de uma parte; também,
homologar o que as partes pactuam; exercer jurisdição voluntária). Dicer, na linguagem jurídica e
religiosa, é dizer com caráter solene, técnico.
[3] Addicere é aprovar, estar de acordo. Donde: adjudicar, conrmar a vontade das partes (por ato
jurisdicional).
Os éditos dos pretores, que provinham do ius edicendi, tratavam do direito de emitir ordens normativas.
Isso quer dizem que aquele magistrado possuía poder para se dirigir ao povo por editais, a m de esclarecer
alguma questão que fosse comum a todos. Os éditos eram realizados, geralmente, no início e no nal de cada
mandato do pretor, especialmente para indicar como a jurisdição seria realizada, o que era muito importante para
os jurisdicionados. Os editos – importante frisar – não poderiam vincular os cidadãos, mas esclareciam a forma de
agir dos pretores em suas atuações (Del Giudice, 2006). O objetivo dos éditos não era criar norma em abstrato,
como as leis, logo, poderiam ser – por motivos justicados – desconsiderados, em razão da natureza complexa
de alguma demanda.
Apesar de o juiz da causa não seguir posicionamentos teóricos, o pretor informava o princípio jurídico a ser
aplicado no caso em análise (Valditara, 2008).
Havia duas fases de julgamento. Na primeira fase (in iure) o pretor se fazia presente para tratar de questões
preliminares, xando os limites da lide. Na segunda fase (apud iudicem), a produção de provas e a controvérsia
era tratada pelo juiz da causa (um cidadão leigo em direito) que poderia ser indicado pelo magistrado ou escolhido
em comum acordo pelos envolvidos no litígio (Paricio; Barreiro, 2014).
10 Conforme Rostovtze󰀨 (1983) e Durant (1971), a democratização de Roma não ocorreu por típicos conitos sangrentos de classes sociais, mas a
partir de embates políticos, como a greve plebeia).
6Pensar, Fortaleza, v. 29, n. 3, p. 1-17, jul./set. 2024
Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
No processo formulário – adotado aqui como paradigma – o pretor realizava a primeira fase de forma contratual,
nomeando um árbitro para o caso. Esses juízes da causa eram eleitos pelas partes ou indicados a partir de nomes
que constavam em um álbum previamente confeccionado. Quando o assunto envolvia questões públicas, poderiam
ser nomeados mais juízes para a causa. Quando o pretor dava ao juiz a causa, não se tratava de somente uma
mera nomeação, mas sim de dar-lhe jurisdição (poder) para julgá-la. Após o juiz da causa julgar a controvérsia,
cabia ao pretor homologar o julgamento. Verica-se que o pretor, apesar de delegar o poder de julgar, guardava
para si o poder de homologar o julgamento, a m de se produzirem os devidos efeitos jurídicos (Pilati, 2017).
Com relação às questões públicas e privadas, adotava-se o seguinte: a) se um conito afetasse mais aos
particulares do que a coletividade, tratava-se de direito privado; b) se um conito afetasse mais à coletividade do
que a particulares, tratava-se de direito público (Meira, 1972, p. 184).
Em razão da necessidade de se dar condições para que a jurisdição fosse exercida, criou-se uma magistratura
assessória ao pretor, que era chamada de edilidade curul. Sua missão era cuidar e vigiar a cidade, com uma espécie
de poder de polícia (Paricio; Barreiro, 2014, p. 66-67). Algo bastante lógico, pois a atividade do pretor caria afetada
sem esta scalização nos espaços de maior movimentação.
Por m, cabe ressaltar que o desenvolvimento do senso de justiça ocorreu graças à atuação de um corpo
de peritos técnicos que assistiam àquele que exercia a jurisdição, anotando e registrando várias jurisprudências
e as fórmulas processuais. Na República, esses peritos (prudentes) registravam os resultados dos julgamentos e
esclareciam dúvidas formuladas pelos árbitros das causas (Valditara, 2008).
3 Estrutura e governança do Oversight Board
Atualmente, observa-se o recuo do poder estatal centralizado e localizado dentro de limites territoriais
xos. Com a rápida evolução tecnológica, as plataformas digitais como Facebook, Twitter, Google, Instagram e
outros, surgiram como novas autoridades econômica e socialmente poderosas. Nesse cenário, ocorre uma nova
distribuição do poder, que passa a ser caracterizado pela descentralização e pela ausência de limites geográcos.
As plataformas passam a acumular uma grande quantidade de legitimidade e poderio em detrimento dos governos
nacionais; surge então, o que se denomina de práticas autorregulatórias (Supiot, 2007, p. 187-188).
A criação de um órgão independente vem, justamente, para equilibrar o acúmulo desproporcional de autoridade
e evitar práticas autoritárias. Assim, é nessa tentativa de estabelecer um novo sistema de governança independente
que o Oversight Board foi projetado e delineado; seu principal objetivo é distribuir a responsabilidade acumulada
pelo Facebook na tomada de importantes decisões sobre variados assuntos (Clegg, 2020).
O Oversight Board foi criado em 17 de setembro de 2019 por meio da publicação ocial do seu Estatuto,
após oito meses sob análise pública
11
e diversas consultas globais em mais de 88 países (Clegg, 2020). O processo
de consulta fez parte da tentativa do Facebook de reetir as diversidades culturais que compõem a rede social, se
propondo a abarcar novas perspectivas não ocidentais. Justamente por isso, a primeira consulta global do Comitê
ocorreu em Singapura, na Ásia (Klonick, 2019).
O Oversight Board pode ser denido de forma simples como um painel ou um órgão independente de
controle. O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, criou o Oversight Board para funcionar como uma espécie
de Suprema Corte norte-americana, a m de atuar como a última instância para análise de determinadas decisões
tomadas pelo Facebook na remoção ou suspensão de conteúdos que violam os termos da política de privacidade
ou as diretrizes gerais da comunidade (Kang, 2021).
Compreende-se, então, que violação das diretrizes da comunidade é uma expressão bastante comum aos
usuários do Facebook. Sabe-se que por vezes, as publicações de conteúdo on-line ultrapassam os limites da liberdade
de expressão e violam as diretrizes da comunidade. A retirada do conteúdo ou a desativação da conta são algumas
punições internas previstas no Termo de Serviço do Facebook. O próprio serviço já conta com um mecanismo de
denúncias integrado ao aplicativo, no qual uma equipe global é responsável pela averiguação (Facebook, 2022).
As normas da comunidade foram elaboradas sem a participação do usuário em todas as suas etapas e uma
crescente demanda de especialistas, imprensa, usuários e estudantes começou a surgir no ano de 2018, exigindo
11 Em junho de 2019, o Facebook publicou um relatório com um resumo dos resultados obtidos nas consultas públicas sobre o Oversight Board. As
principais reinvindicações foram: Julgamentos independentes, transparência na elaboração das regras do Comitê e diversidade cultural em sua
composição (Harris, 2019).
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
alterações nas políticas internas da plataforma que garantissem, dentre outros, uma maior transparência (Klonick,
2019, p. 2425).
Ainda, algumas situações problemáticas envolvendo as diretrizes gerais e a política de moderação interna
do Facebook ganharam destaque midiático. No ano de 2016, o Facebook removeu a publicação do escritor Tom
Egeland, que continha a imagem fotografada por Nick Ut, intitulada “The Terror of War” e popularmente conhecida
como “Napalm Girl”; a imagem em preto e branco mostrava uma garota nua na guerra do Vietnã, em Trang Bang,
logo após um ataque. Além disso, os danos causados à democracia durante a eleição presidencial americana
e durante a campanha Brexit, no Reino Unido, demonstraram o poder de interferência da desinformação12 no
Facebook. Por m, a plataforma também causou polêmica em Mianmar, região extremamente crítica e conituosa,
onde os grupos militares se apropriaram da rede social para incitar o ódio e organizar a violência13 (Klonick, 2019,
p. 2018-2020). Como resposta à pressão pública, o fundador do Facebook começou a divulgar os esboços iniciais
do Oversight Board, sendo, em última análise, uma pressão econômica, visto como “uma iniciativa de investimento
na construção de conança do usuário, que é uma estratégia de longo prazo para a continuidade do crescimento
econômico” (Klonick, 2019, p. 2426).
Para analisar a estrutura do Oversight Board, deve-se atentar ao seu documento fundamental. O seu Estatuto
apresenta a essência estrutural do Oversight Board, além de instituir responsabilidade às plataformas digitais e
incentivar a tomada de decisões imparciais, independentes e transparentes (Oversight Board, 2024c).
“A liberdade de expressão é um direito humano fundamental”, arma o Estatuto. Sua elaboração surge de
duas premissas: Primeiro, o reconhecimento do Facebook como ferramenta de conexão humana e, segundo,
que algumas manifestações on-line implicam violações à “autenticidade, segurança, privacidade e dignidade”
(Oversight Board, 2024c, p. 3). Ele foi organizado em oito sessões que abordam assuntos especícos: membros,
jurisdição, procedimentos, implementação, governança, alterações e regulamentos internos e conformidade com
a lei (Klonick, 2019).
Os impactos negativos nos direitos humanos, sobretudo na liberdade de expressão e a inuência na
independência das plataformas digitais, são duas das maiores preocupações quando o tema é regulação das
plataformas digitais (Zankova; Dimitrov, 2020). Nesse sentido, o Oversight Board busca alcançar um equilíbrio ou uma
convivência harmônica entre o exercício da liberdade de expressão dos usuários e as limitações à independência
da rede social. Na introdução, o Comitê já se posiciona no sentido de que o seu objetivo é proteger a liberdade
de expressão, mas, apesar disso, arma também que o serviço de internet deve ter a responsabilidade de denir
determinados limites do que deve ou não ser aceitável compartilhar nas plataformas. Na denição desses limites,
devem ser utilizados padrões baseados em princípios e valores que garantam a tomada de decisões imparciais e
independentes (Oversight Board, 2024c, p. 3). Mark Zuckerberg, em entrevista à Vox, apresentou a denição como:
Algum tipo de estrutura, quase como uma Suprema Corte, que é formado por pessoas independentes
que não trabalham para o Facebook, que em última análise, faça o julgamento nal sobre o que deve
ser aceitável em uma comunidade que reete as normas sociais e os valores das pessoas ao redor
do mundo (Klein, 2018).
O Estatuto apresenta a composição do Oversight Board já em seu primeiro artigo. Contará com um conjunto
de membros de origens diversas, cujos nomes serão públicos. Brasil, Quênia, Indonésia, Estados Unidos, França,
Austrália, Paquistão e Iêmen são apenas alguns dos países que simbolizam a diversidade cultural de sua composição
(Oversight Board, 2024c, p. 4). O intuito é estar em harmonia com a multiplicidade da própria comunidade do
Facebook e promover um julgamento neutro, sem interferências culturais. Essa multiculturalidade abrange não
só a origem/nacionalidade de seus membros, como também seu gênero, idade, educação, opiniões políticas, e
outros (Klonick, 2019).
12
Desinformação é o conceito adotado pela comissão europeia para denir o termo popularmente conhecido como Fake News; os especialistas
europeus compreendem que a desinformação é capaz de abarcar um contexto mais amplo, adotando como conceito para desinformação: “All forms
of false, inaccurate, or misleading information designed, presented and promoted to intentionally cause public harm or for prot. It does not deal with
issues arising from the creation and dissemination online of illegal content, which are subject to regulatory remedies under EU or national laws, nor
with other forms of deliberate but not misleading distortions of facts such as satire and parody” (European Comission, 2018, p. 11).
13 Mianmar está situado no continente asiático e é ambiente palco de perpetuação de violações aos direitos humanos de seus cidadãos; o país não
possui quase nenhum meio de comunicação em massa e, os que possuíam, eram controlados e cercados por censura. O Facebook foi implementado
durante episódios de genocídio e extrema violência entre grupos sociais e militares e acabou sendo utilizado para espalhar ódio e organizar
movimentos de violência (Arun, 2019, p. 6-7).
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Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
De professores à ganhadores de Nobel da Paz, seus membros são selecionados dentre guras com
conhecimento e experiência em questões de liberdade de expressão, Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC’s), privacidade on-line e governança digital. Diplomacia e ponderação são atributos essenciais na seleção
de seus membros (Oversight Board, 2024a). O processo de escolha dos prossionais e futuros membros do
Comitê optou por inserir a necessidade de possuírem uma grande quantidade de conhecimentos, competências e
especializações, além de demonstrar experiência e habilidade para tomada de decisões (Klonick, 2019, p. 2459).
A plataforma enfrentou um grande problema para decidir sobre o processo de seleção dos membros, cogitou-se
a seleção direta pelo próprio Facebook, a seleção de um conselho inicial para seleção e até mesmo a realização
do voto direto; ao nal das discussões, a plataforma decidiu realizar a seleção inicial de alguns membros para
formação do Conselho Inicial, e esses membros trabalhariam na seleção do restante, numa tentativa de minimizar
as interferências do Facebook na suposta independência do Comitê (Klonick, 2019, p. 2461).
Os membros podem ainda ser recomendados pelos cidadãos do mundo todo através do portal de recomendações
do Oversight Board; bem como a partir de autoindicação, devendo conter informações biográcas e experiências
pessoais, necessitando de resposta de quatro perguntas dissertativas (Oversight Board, [s.d.])
A exibilidade permeia todo o Oversight Board. Primeiro quanto ao número de integrantes, contando,
hoje, com 22 membros. Porém, o Estatuto estabelece um mínimo de 11 e um provável, máximo de 40 membros,
conforme o necessário ao seu funcionamento ecaz. Segundo, quanto à duração do mandato de seus membros,
cada membro exercerá suas funções por um prazo de três anos, admitindo-se até três mandatos, consecutivos
ou não (Klonick, 2019).
Essa estipulação de regras exíveis é essencial ao funcionamento de qualquer instituto em seus primeiros
anos de experiência empírica, pois permite um funcionamento adaptável às circunstâncias surgidas na sua condução.
4 Limites da liberdade de expressão e a avaliação de conteúdo pelo Oversight Board
O Oversight Board funciona como estrutura superior para análise de conteúdos relevantes. Para atuar sobre
um caso, faz-se necessário sua requisição após o esgotamento das vias anteriores: O usuário necessita recorrer
num primeiro momento ao processo interno de apelação do Facebook, Instagram e Threads; caso não obtenha
satisfação da sua pretensão, o usuário poderá solicitar à própria plataforma o pedido de apelação ao Oversight
Board, o que gerará um número de identicação individual que deverá ser copiado pelo usuário e enviado ao site
ocial do Oversight Board. O processo automatiza o envio e facilita a comunicação entre o usuário e o Comitê; além
disso, será possível descrever informações adicionais e comentários pessoais relevantes para a decisão. Após
o envio do caso, o Comitê de seleção, composto por cinco membros, irá analisar e decidir pelo envio ao painel,
sendo necessário o voto da maioria dos membros. Com o envio para o painel, tanto o Facebook quanto o usuário
são imediatamente comunicados e um painel com cinco membros irá requisitar as informações, documentos ou
especialistas necessários para o caso em concreto. Importante destacar que todo o processo de comunicação
e apresentação dos pontos do Facebook e do usuário é realizado de forma escrita. Após todas essas etapas os
membros do painel se reunirão para a votação. A decisão é enviada ao Facebook, que deverá tomar as providências
dentro de sete dias (Klonick, 2019, p. 2472-2473).
Portanto, o Comitê poderá ser acionado somente após a atuação. A requisição poderá ser feita pelo próprio
criador do conteúdo sob análise, em caso de discordância com a decisão tomada; ou, ainda, pelo Facebook, em
caso de dúvidas na tomada de decisões14 (Oversight Board, 2020).
O envio de casos pelo Facebook, Instagram e Threads pode ser feito por três vias; primeiro, a plataforma
poderá selecionar um caso especíco e solicitar a revisão, de maneira semelhante ao processo de apelação do
usuário; de forma diversa, o Facebook, poderá também exigir urgência do Comitê em situações excepcionais que
acarretarão graves consequências no mundo real, nessas situações o Comitê perde seu poder de escolha, devendo,
obrigatoriamente, analisar o conteúdo em menos de 30 dias; e, por m, a plataforma pode requisitar orientações
consultivas sem necessidade de submissão de casos especícos (Klonick, 2019, p. 2473).
Além disso, existem alguns requisitos que devem estar previamente existentes para possibilitar a apelação
ao Oversight Board; o apelante deve: 1) possuir uma conta ativa no Facebook, Instagram e Threads, isso signica
14 Esse recurso foi implementado em outubro de 2020. Entre outubro a dezembro, cerca de 20 mil casos foram propostos ao Comitê (Oversight Board,
2020).
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
que contas desativadas no decorrer do processo de análise implicam na imediata interrupção das atividades e na
ausência de futura decisão sobre o caso; 2) possuir uma identicação de referência e, para obter a identicação,
o usuário deverá ir à caixa de entrada do suporte do Facebook ou até as solicitações de suporte da plataforma e
abrir a mensagem sobre a decisão previamente analisada pelo Facebook, Instagram e Threads; 3) qualicação
da decisão, isso signica que a análise pelo Comitê deve estar de acordo com a legislação nacional do país do
conteúdo, isso será visível pelo usuário na própria plataforma; e, por m, 4) deve ser observado o prazo de 15 dias
contados a partir do momento em que a Meta responde a apelação interna do usuário (Oversight Board, 2024b).
Importante frisar que o Oversight Board atua sobre a Meta, tido como o conjunto que engloba o Facebook,
Instagram e o Threads.
Entre os casos selecionados, encontram-se situações notórias, geralmente envolvendo discurso de ódio,
incitação à violência, desinformação, nudez e outros. Em junho de 2021, o Comitê anunciou que irá analisar um
caso encaminhado pelo Facebook de notório potencial e importância pública; o caso se trata de uma publicação
postada em março de 2021 por uma página no Facebook de um conselho médico brasileiro. A publicação continha
uma ilustração com um aviso sobre a ineciência do lockdown na contenção da Covid-19; armava ainda que a
medida era repudiada pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) por ferir direitos fundamentais e causar
danos psicológicos e econômicos. Além disso, fazia referência a uma citação de David Nabarro, médico diplomata
que atuou na OMS, na qual supostamente armava que “o lockdown não salva vidas e torna os pobres mais pobres”
(Ovsersight Board, 2021c).
Segundo o Facebook, o caso em tela não viola expressamente as políticas da plataforma, o que o torna
de difícil resolução; arma também que apesar de a OMS e outros especialistas recomendarem que a plataforma
remova conteúdo especíco sobre saúde: “eles não orientaram o Facebook a remover ações que criticam lockdowns.”
(Oversight Board, 2021c).
Outro importante caso sob análise foi a decisão do Facebook em remover duas publicações do ex-presidente
Donald Trump e suspender a sua conta por tempo indenido; o Comitê concluiu que as publicações violaram os
padrões e diretrizes da comunidade, além do usuário possuir grande inuência on-line – cerca de 35 milhões de
seguidores no Facebook – e considerou correta a suspensão por 24 horas da referida conta; entretanto, concluiu
pela inadmissão da suspensão por período indenido por não ser uma das penalidade habituais previstas nas
normas da plataforma (Oversight Board, 2021b).
De maneira resumida, percebe-se que é necessário a existência de três elementos para a autorização da
atuação do Oversight Board: o esgotamento das vias anteriores, a requisição expressa – contém ressalvas – e a
existência de conteúdo relevante. Ausentes esses requisitos, não haverá espaço para a atuação do Comitê.
Dito isso, questiona-se a denição de “conteúdo relevante” para ns de atuação do Comitê. Seu estatuto
dene a seleção dos casos conforme seu potencial de repercussão futura. Assim, aquelas matérias com capacidade
para esclarecer e facilitar a tomada de decisões em futuros casos, se enquadrariam na denição de relevância15.
Para além disso, é permitido ao Comitê estabelecer seu próprio procedimento para a seleção de casos. A escolha
de conteúdo relevante é extremamente importante para a estrutura do Comitê, já que “qualquer decisão anterior do
comitê terá valor precedente e deverá ser vista como altamente persuasiva quando os fatos, as políticas aplicáveis
ou outros fatores forem substancialmente semelhantes” (Oversight Board, 2024c, p. 7).
Feito essa análise, nota-se que há uma descrição detalhada no estatuto quanto ao processo de apelação
ao Comitê, sem margem para dúvidas quanto ao momento de sua atuação. Porém, o mesmo não é dito quanto à
seleção dos casos. Percebe-se a utilização de termos genéricos, que possibilitam uma atuação ampla do Comitê.
Assim, o Estatuto foca em quem e como apelar ao Comitê, contando com poucas disposições sobre quais conteúdos
são analisados. Isso aconteceu justamente porque “o papel do Estatuto era demarcar os princípios básicos, com
o resto a ser denido mais tarde” (Klonick, 2019, p. 2425).
Interessante notar também que o Comitê não poderá analisar casos que possam ocasionar sanções criminais
ou regulatórias. A regra coaduna com o entendimento do Comitê como órgão consultivo.
Para o processo decisório, serão utilizadas as políticas de conteúdo do Facebook, além dos valores
constantes em seu Termo de Uso, como a promoção da segurança, inclusão, promoção da pesquisa e inovação
15 Até março de 2021, o Comitê recebeu mais de 220 mil apelações. Destas, foram selecionados 10 casos considerados com “importância crucial
para o discurso público ou que suscitam questões importantes em relação às políticas do Facebook (Oversight Board, 2021a).
Somente no primeiro trimestre de 2023, mais de 158 mil apelações foram submetidas ao Comitê (Oversight Board, 2023).
10 Pensar, Fortaleza, v. 29, n. 3, p. 1-17, jul./set. 2024
Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
e o fortalecimento das relações pessoais (Facebook, 2022). Ainda, o Comitê deverá utilizar as regras de direitos
humanos sobre liberdade de expressão como princípio norteador (Oversight Board, 2024b, p. 1).
Para que seja possível analisar os casos e tomar uma decisão, será adotado um esforço multifacetado
através da participação de diversos atores: o Facebook, o Comitê, o denunciante, e, ainda, terceiros externos
à relação, como especialistas, pesquisadores e tradutores. Para análise, serão fornecidas informações pelo
Facebook ao Comitê, sempre de acordo com as moderações de privacidade e limites jurídicos aplicáveis ao caso.
Ainda, o responsável pela publicação do conteúdo ou o denunciante poderão encaminhar, por escrito, declarações
pessoais relevantes com conteúdo informativo ao Comitê. Também é possível a solicitação de outras informações a
especialistas, pesquisadores, tradutores e aos sujeitos indiretamente afetados pelo conteúdo sob análise (Oversight
Board, 2024c, p. 7 e 8).
Ao nal do procedimento, será elaborado uma decisão nal. A decisão se reveste da seguinte forma: uma
disposição explicativa e fundamentada em linguagem simples (Oversight Board, 2024c, p. 8). O cenário ideal visado
será sempre a decisão unânime, todavia, quando impossível, será aceita a determinação da maioria dos membros,
constando expressamente, na disposição, as opiniões divergentes, a m de proporcionar a vista de entendimentos
diversicados (Ghosh, 2021).
Nesse sentido, a disposição conterá a decisão do Comitê que poderá ser pela remoção ou permissão do
conteúdo, ou ainda, o reconhecimento de alguma designação sobre o conteúdo, como denir a existência de
violência explícita (recomendações). O Comitê também poderá analisar decisões originais da Meta que foram
alteradas posteriormente após recomendação do Comitê. Todas as decisões serão disponibilizadas ao público
on-line no site do Oversight Board (Ghosh, 2021).
O Estatuto prevê, excepcionalmente, a utilização de procedimentos especiais para determinados casos que
exijam urgência. Trata-se de um ambiente (o virtual) em que o ritmo do tempo transcorre em velocidade superior
ao ambiente real. As mudanças e as consequências do que acontece on-line são “naturalmente” mais rápidas.
Por isso, quando for notável que as consequências reais serão desenfreadas, o processo de seleção e análise
será recebido em regime célere16.
As atribuições do Comitê não se limitam à elaboração das decisões. Seu Estatuto prevê, dentre
outras competências:
1. Solicitar que o Facebook forneça as informações razoavelmente necessárias para as deliberações
do comitê de forma pontual e transparente;
2. Interpretar os Padrões da Comunidade do Facebook e outras políticas relevantes (coletivamente
chamadas de “políticas de conteúdo”) à luz dos valores articulados do Facebook;
3. Instruir o Facebook a permitir ou remover conteúdo;
4. Instruir o Facebook a manter ou reverter uma indicação que levou a um resultado de aplicação;
5. Emitir explicações por escrito adequadas sobre as decisões do comitê (Oversight Board, 2024c, p.
4 e 5).
As decisões do Comitê serão vinculativas e deverão ser executadas de imediato pelo Facebook, Instagram
e Threads, com exceção daquelas que violem a legislação. Nesse ponto, é necessário esclarecer que a vinculação
das decisões tem caráter excepcional, aplicável somente aos casos relativos às apelações. Assim, como regra
geral, as atribuições do Comitê se revestem de caráter consultivo (Klonick, 2019).
Quanto ao Comitê, o seu objetivo é o de analisar o conteúdo e emitir decisões públicas e fundamentadas dentro
das balizas do estatuto, além de emitir opiniões consultivas acerca de políticas de conteúdo do Facebook. O comitê
terá seus serviços contratados pelo Facebook, sendo nanciado pelo Trust que custeará suas operações e despesas.
O Trust funciona como alicerce garantidor das funções essenciais previstas no Estatuto do Oversight Board.
Isso é concretizado por meio de atividades, como aprovação do orçamento do Comitê ou a remoção de membros
por violações de conduta. O funcionamento do Trust é nanciado pelo Facebook, e, nesse ponto, alguns autores
atentam para a dubiedade que existe na armação de que o Oversight Board seria um órgão independente, já que
o Facebook nanciaria o Trust com um fundo de cerca de US$ 130 milhões (Kang, 2021).
16 O prazo estabelecido para a publicação da decisão pelo Comitê é de 90 dias a partir da atribuição de um caso ao painel; já os casos considerados
excepcionais, servem-se de um procedimento célere com duração de trinta dias (Oversight Board, 2024b).
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
O Oversight Board é uma estrutura relativamente nova, implementado há poucos anos, de tal maneira
que as pesquisas sobre seu funcionamento ainda são recentes e suas implicações/consequências não possuem
contornos denidos. De todo modo, sabe-se que é uma tentativa ambiciosa e diferente de qualquer mecanismo
autorregulatório existente até agora. Pesquisas mais atuais o equiparam inclusive a um exemplo de constitucionalismo
social (Golia, 2021).
A iniciativa de implementação do Oversight Board é uma solução inédita em termos de gestão corporativa. Sua
formação coaduna com o entendimento da complexidade das plataformas digitais. O Comitê é uma ideia inovadora
pensada para funcionar efetivamente em um ambiente que exige respostas adaptáveis ao caráter disruptivo dos
novos desaos sociais. Ainda, exerce papel essencial para descentralização responsável das decisões antes
deixadas a cargo de uma única estrutura: o Facebook (Zankova; Dimitrov, 2020).
Na próxima seção será realizado um contraponto, apresentando-se as conclusões das contribuições do
paradigma da jurisdição romana ao Oversight Board.
5 Contraponto e conclusões
O método de contraponto (Pilati, 2017), que se realiza neste trabalho, tratou de confrontar dois paradigmas
jurisdicionais, a m de se contribuir para melhoria dos procedimentos adotados pelo Oversight Board de
análise de conteúdo.
O paradigma presente da antiguidade trata-se, na verdade, da gênese da jurisdição, daquele momento
registrado pela História do Direito Ocidental, como o nascimento da forma de realizar julgamentos por meio de
julgadores leigos, sem qualquer formação jurídica, que eram nomeados a partir dos cidadãos romanos.
A própria concepção de Estado Nacional somente viria a surgir em ns da Idade Média, não sendo necessária
na organização republicana dos romanos, que foi fundada com base na sociedade.
Pelo procedimento de se conhecer o antigo, com vistas a se reestudar os problemas contemporâneos
(Lobrano, 1983), realizou-se uma contextualização de como os conitos eram resolvidos por uma jurisdição da
antiga cidade romana, de forma pragmática, criativa e com todo o rigor jurídico.
Deve-se ressaltar que, não obstante a ausência da pessoa jurídica estatal, o período romano republicano
– escolhido como paradigma da antiguidade – foi o mais rico em produções jurídica e insuperável por originais
criações de instituições políticas.
Com a convicção de que o estudo do Direito Romano encontra seu sentido na resolução prática de problemas
contemporâneos – anal, o pragmatismo romano era avesso a digressões losócas –, contextualizou-se o inédito
problema de pesquisa: quais contribuições o paradigma da jurisdição romana pode fornecer para o aprimoramento
do Oversight Board?
Foram vericados dois caminhos: (1) repetir a estrutura estatal moderna dentro da estrutura de uma empresa
privada; ou, (2) ir em busca de um paradigma não estatal.
Não parece ser lógico que o Oversight Board replique a estrutura estatal regulatória, notadamente para a
resolução de conitos, pois as questões ali tratadas não se restringem aos limites territoriais ou de interesses de
determinado Estado nacional.
Em primeiro lugar, entende-se que a Meta não pode absorver estruturas estatais ou mesmo substituí-las,
até porque não parece ser esse o seu objetivo.
Em segundo lugar, os Estados Nacionais construíram sua jurisdição como expressão de sua função-atividade-
poder, que deve ser exercida dentro de uma estrutura que exige a presença dos elementos: povo, território e
governo soberano. A Meta não possui nenhum desses elementos.
Então, o caminho que se visualiza é o de ir em busca de um paradigma não estatal. Sendo assim: por que não
implementar um paradigma jurisdicional autorregulatório que emerge do próprio contexto societário, independente
de estruturas e amarras estatais?
Ademais, não parece ser sensata a crença de que a Meta – ou mesmo outras sociedades empresárias
privadas – consigam resolver e prevenir conitos que envolvem liberdade de expressão em suas plataformas
digitais utilizando paradigmas da jurisdição moderna. O paradigma da jurisdição moderna se pauta em esperar o
conito ocorrer e – posteriormente – aplicar a sanção correspondente, prevista em alguma norma. O paradigma da
jurisdição antiga permite – além da punição – um olhar mais próximo dos envolvidos, com soluções que advenham
12 Pensar, Fortaleza, v. 29, n. 3, p. 1-17, jul./set. 2024
Maurício da Cunha Savino Filó, Gustavo Silveira Borges
do caso concreto, e não da mera aplicação da sanção. Em outras palavras: a solução é encontrada a partir do
conito e não em uma norma geral e abstrata, por meio de um movimento reverso e propositalmente casuísta.
Entende-se que a Meta, dessa forma, deve ser encarada como uma espécie de república digital, consolidada
com base na sociedade e não em uma pessoa jurídica provada ou pseudo-estatal.
Pode-se dizer que, de certa forma, a Meta realiza atividades bastante semelhantes com o que se ocorria
dentro do paradigma da jurisdição romana, como exemplo da nomeação de seus membros do Oversight Board.
Após essas conclusões, seguem algumas contribuições que foram extraídas pela utilização do método
de contraponto.
1. Os candidatos a membros do Oversight Board deveriam ser indicados pela Meta, dentre os habilitados
cadastrados, para cumprirem suas funções em mandatos curtos. Os mandatos curtos permitem maior oxigenação
e atualização de ideias, além de impedir a manipulação das estruturas do conselho para interesses pessoais.
2. Sugere-se votação dos membros do Oversight Board pelos próprios usuários das plataformas da Meta.
Como se trata de uma convivência digital, é justo que haja esta votação prévia e que a escolha dos membros
ocorra de forma ampla, acessível e fartamente divulgada. Todos os usuários devem ter o direito de votar nos
candidatos apresentados e de se apresentar como candidatos. Porém, os atos de nomeação e cadastramento
devem ser sempre da Meta.
3. Os membros do comitê devem informar, no início de seus mandatos, como a jurisdição será exercida no
Oversight Board, ou seja, como realizarão seus trabalhos e quais serão as diretrizes principais a serem seguidas
pelos árbitros. Quando houver a sucessão de mandatos – os novos membros deverão informar se as regras
anteriormente estabelecidas serão mantidas ou modicadas.
4. Antes de haver os julgamentos, nos quais pode haver inclusive formas de mediação e conciliação, os
membros do Oversight Board devem se reunir com os interessados e realizarem um esclarecimento sobre os limites
da demanda: quais serão suas consequências, como será o procedimento e quem julgará a causa como árbitro.
Sendo possível, o ideal é que tudo surja de comum acordo. Caso contrário, os membros do Oversight Board devem
realizar as escolhas necessárias e informar como será o procedimento.
5. Os árbitros devem constar em um cadastro público de voluntários, acessível a todos os usuários da rede.
Caso sejam identicados extremistas (de esquerda ou de direita), caberá ao Oversight Board não lhes nomear
enquanto membros, sob este próprio fundamento.
6. É necessário criar um corpo de juristas permanente, que não são membros do Oversight Board, que
deve ser formado por membros vitalícios, para registrar todos os conitos e julgamentos que ocorrerem, a m
de – desta forma – auxiliar os árbitros quando forem suscitadas dúvidas, por meio de decisões e informações
sobre casos passados, política adotada pela Meta, e indicação de princípios já consagrados na forma adequada
de resolução de conitos.
7. O corpo de juristas permanente em nenhuma hipótese poderá se envolver diretamente nos conitos e
julgamentos, pois se dedicarão – também – a pesquisas para o funcionamento da República Digital.
8. É necessária uma scalização autônoma da plataforma, que se dará por uma espécie de polícia
administrativa digital, a m de potencializar o alcance do Oversight Board, auxiliando no levantamento antecipado
de problemas para a Meta.
9. O Oversight Board poderá proferir decisões vinculantes e orientações a serem cumpridas pelos usuários, com
normas amplas para orientar o melhor uso das plataformas; desde logo, entendendo-se que essas normas devem
surgir da análise de casos anteriores e com nalidades bem esclarecidas e delimitadas. Essas decisões poderão ser
revistas a qualquer momento, desde que seja apresentada, pelo interessado, sólida fundamentação e necessidade.
10. A decisão dos árbitros somente possui ecácia após a homologação do Oversight Board; logo, não
deve ser concedido direito de apelação automático para o julgado, após o julgamento da lide, como ocorre nos
julgamentos modernos. O Oversight Board, ao analisar a homologação das decisões dos árbitros, já realizará
a função de 2ª instância e reanalisará todo o julgado. Em caso de não homologação, o Oversight Board deverá
realizar uma decisão devidamente fundamentada e nomear novo árbitro para a demanda.
11. Em caso de requerimento de revisão de decisões, o Oversight Board irá se reunir previamente para
vericar a necessidade de se dar novamente jurisdição àquele caso já resolvido. Sendo que este procedimento pode
simplicar questões já resolvidas e dar segurança jurídica aos usuários das plataformas da Meta, sem necessidade
do uso do instituto da “coisa julgada”, sob pena de ir na contramão da dinâmica digital.
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
12. É conveniente e oportuno criar, a partir do contraponto da República dos romanos, as bases para
uma república digital, a m de estruturar sua concepção em bases jurídicas sólidas e propiciar seu saudável
desenvolvimento.
Por todo o exposto, conclui-se que as práticas de autorregulação exercidas no Oversight Board se encontram
perfeitamente legitimadas pelo paradigma jurídico da República dos romanos: gênese de todo o Direito Ocidental.
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Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da Autorregulação a partir da Jurisdição Romana
Como citar:
FILÓ, Maurício da Cunha Savino; BORGES, Gustavo Silveira. Oversight Board e sua Legitimidade: Gênese da
Autorregulação a partir da Jurisdição Romana. Pensar – Revista de Ciências Jurídicas, Fortaleza, v. 29, n. 3, p.
1-17, jul./set. 2024. DOI: https://doi.org/10.5020/2317-2150.2024.14040
Endereço para correspondência:
Maurício da Cunha Savino Filó
mauriciosavino@hotmail.com
Gustavo Silveira Borges
gustavoborges@hotmail.com
Recebido em: 08/02/2023
Aceito em: 26/04/2024
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As novas tecnologias tiveram tanto um impacto positivo como negativo na liberdade de expressão, nos direitos constitucionais e nos processos democráticos. Tal incidência foi positiva nas etapas iniciais de desenvolvimento da Web e, particularmente nas primeiras etapas da Web 2.0, quando a Internet estava desenhada de uma maneira mais participativa e cooperativa. Nos últimos anos, porém, apareceram processos hierárquicos de organização da informação e dos dados, através das grandes empresas tecnológicas que monopolizam a distribuição da informação e a opinião e que são os novos mediadores entre os usuários e a esfera pública. A liberdade de expressão está atualmente condicionada por estes mediadores, quais sejam, as grandes empresas tecnológicas que controlam os processos comunicativos. Este artigo analisa o papel desenvolvido por estes novos mediadores, levando em conta seu impacto na liberdade de expressão e na configuração da esfera pública nos sistemas democráticos. Dos novos mediadores se destacam dois elementos: a dialética sobre a liberdade de expressão se traslada do âmbito público ao privado e do âmbito estatal ao global. Dois elementos que contribuem conjuntamente a alimentar o poder dos novos mediadores e a debilitar a capacidade de regulação e de controle por parte do Estado. Mas, nos ecossistemas desenvolvidos pelas companhias tecnológicas, os novos mediadores exercem um poder que não é estritamente privado, na medida em que ocupam e monopolizam um espaço público. No entrono criado pelos novos mediadores, a liberdade de expressão se converte em um mero produto comercial, de maneira que a informação e a opinião se transformam em uma mercadoria efêmera, organizada por meio dos algoritmos dos aplicativos de internet, que decidem seu impacto e sua incidência no espaço público. Estes algoritmos foram criados com uma finalidade econômica, através dos quais potencializam as fake news e a radicalização, com o fim de atrair a atenção do público e gerar maiores receitas. Os novos mediadores, ao potencializar as fake news em contextos democráticos (sem pretender impor uma narrativa concreta, como nos ditatoriais) geram uma tensão destrutiva da realidade. Em lugar de contribuir, como os meios de comunicação tradicionais, à construção social da realidade ou, como nas ditaduras, à reconstrução da realidade em função dos interesses da oligarquia dominante, estão provocando a destruição da realidade, isto é, de uma percepção social compartilhada da realidade. Dentre as muitas medidas que podem ser adotadas destacam-se as relativas ao Direito da concorrência, com medidas institucionais através dos reguladores que dificultem uma concentração ainda maior de poder. No entanto, o desejável seria mais que uma limitação, a abertura. Uma tecnologia aberta que acabasse com o caráter fechado e hierarquizado dos aplicativos seria o desejável. A comunicação telefônica é aberta e permite que os operadores de telefonia móvel atuem, possibilitando a comunicação global e o mesmo ocorre com os servidores de correio eletrônico. Os aplicativos de comunicação que ora são fechados (WhatsApp ou Telegram, por exemplo) deveriam também ser abertos, intercomunicáveis e geridos por uma pluralidade de operadores.
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Objetivo: O presente artigo tem como objetivos: 1) apontar como o egocentrismo e o egoísmo constituem uma cultura de fundo que inviabiliza a política democrática e, no limite, corroboram o ódio como forma de fazer política; e 2) indicar a democracia agonística, como proposta por Chantal Mouffe, a partir de um debate com Carl Schmitt, como uma forma de fazer política mais consentânea com o pluralismo e, portanto, com o assentimento da alteridade como constitutiva do próprio fazer político. Metodologia: Para alcançar os objetivos propostos, o artigo apoia-se no método hipotético-dedutivo, mediante a pesquisa bibliográfica em textos que tratam sobre o tema. Resultados:Individualidade e pluralismo são características centrais do mundo moderno. Contudo, a afirmação excessiva da individualidade produziu situações em que se busca suplantar o pluralismo em nome do sectarismo. Uma cultura de fundo de reforço do ego parece descambar em muitos momentos para um forte egocentrismo e um individualismo brutal. No aspecto político, isso institui práticas alérgicas à alteridade que chegam a suplantar o próprio compromisso com a democracia, abrindo espaço para o ódio como forma de fazer política. Em oposição a essa perspectiva, o artigo indica o modelo agonístico de democracia, conforme sustentado por Chantal Mouffe. Em diálogo com Carl Schmitt, Mouffe defende que a política democrática é um campo de inevitável conflito, todavia esse conflito não deve se dar na forma de um antagonismo onde aquele que pensa diferente seja tomado como um inimigo a ser destruído. No lugar do antagonismo, propõe o agonismo, que significa um permanente embate democrático, porém em condições nas quais o outro não seja visto como inimigo, mas sim como adversário.
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Os conceitos de Sociedade 5.0 foram apresentados pelo governo japonês como parte importante de uma política pública em prol da inovação, da economia, do Estado e da sociedade. Este artigo discute a Sociedade 5.0 e seus reflexos na promoção dos Direitos Sociais no Brasil. Tem como objetivos apresentar a evolução da sociedade, relacionando-as com as revoluções industriais; caracterizar a Sociedade 5.0; e apontar os principais aspectos promotores dos direitos sociais trazidos nos conceitos dessa sociedade. Como consequência, demonstra que os pilares da Sociedade 5.0 estão em consonância com os direitos sociais, onde a intervenção do Estado garante os direitos fundamentais, ao implementar ações planejadas, articuladas e reguladas nas políticas públicas e em suas legislações.
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Resumo O artigo discute os efeitos da disseminação das Tecnologias de Informação e Comunicação para a efetivação do direito social, segundo a lógica da racionalidade governamental neoliberal. O foco é na produção de normatividades pela difusão dessas tecnologias, tanto nos modos de objetivação e subjetivação quanto nas tensões de operação das técnicas jurídicas e dos sistemas de decisão assistidos por inteligência artificial. A questão final é sobre as implicações dessas mudanças para o direito enquanto prática de juízo centrada na questão da justiça. Estaríamos diante do fim do direito?
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Trabalho enviado em 13 de dezembro de 2015. Aceito em 14 de janeiro de 2016 DOI: 10.12957/rqi.2016.20050 Resumo O presente ensaio analisa o movimento das ADR (Alternative Dispute Resolution) – meios alternativos de resolucao de conflitos –, sua origem, evolucao, ideologia, especialmente nos Estados Unidos. Faz-se referencia as diversas tecnicas la utilizadas, referem-se os argumentos favoraveis e, em especial, as criticas ao referido movimento. Agregam-se as experiencias brasileiras seja quanto as tecnicas de sumarizacao da jurisdicao como a construcao de espacos publicos ou privados para a composicao alternativa de conflitos de interesses e a contribuicao do novo CPC. Palavras-chave : ADR. Resolucao alternativa de conflitos. Justica norte-americana. Direito comparado. Experiencias brasileiras. Abstract The present essay analyses the so-called ADR movement (Alternative Dispute Resolution), its origin, development and ideology, specially in the United States. References are made to the different ADR techniques that are used, and the arguments that commonly are invoked to sustain or to criticize it. It also focus on Brazilian experiences either on summarization of jurisdiction techniques or the construction of public or private spaces for alternative dispute resolution and the contribution of de new CPC. Keywords : ADR. Alternative Dispute Resolution. American Justice. Comparative Law. Brazilian experiences.
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The essential difficulty about Computer Ethics' (CE) philosophical status is a methodological problem: standard ethical theories cannot easily be adapted to deal with CE-problems, which appear to strain their conceptual resources, and CE requires a conceptual foundation as an ethical theory. Information Ethics (IE), the philosophical foundational counterpart of CE, can be seen as a particular case of environmental ethics or ethics of the infosphere. What is good for an information entity and the infosphere in general? This is the ethical question asked by IE. The answer is provided by a minimalist theory of deseerts: IE argues that there is something more elementary and fundamental than life and pain, namely being, understood as information, and entropy, and that any information entity is to be recognised as the centre of a minimal moral claim, which deserves recognition and should help to regulate the implementation of any information process involving it. IE can provide a valuable perspective from which to approach, with insight and adequate discernment, not only moral problems in CE, but also the whole range of conceptual and moral phenomena that form the ethical discourse.
Preprint
Misinformation on social media has become a major focus of research and concern in recent years. Perhaps the most prominent approach to combating misinformation is the use of professional fact-checkers. This approach, however, is not scalable: Professional fact-checkers cannot possibly keep up with the volume of misinformation produced every day. Furthermore, many people see fact-checkers as having a liberal bias and thus distrust them. Here, we explore a potential solution to both of these problems: leveraging the “wisdom of crowds'' to identify misinformation at scale using politically-balanced groups of laypeople. Using a set of 207 news articles flagged for fact-checking by an internal Facebook algorithm, we compare the accuracy ratings given by (i) three professional fact-checkers after researching each article and (ii) 1,128 Americans from Amazon Mechanical Turk after simply reading the headline and lede sentence. We find that the average rating of a politically-balanced crowd of 10 laypeople is as correlated with the average fact-checker rating as the fact-checkers’ ratings are correlated with each other. Furthermore, the layperson ratings can predict whether the majority of fact-checkers rated a headline as “true” with high accuracy, particularly for headlines where all three fact-checkers agree. We also find that layperson cognitive reflection, political knowledge, and Democratic Party preference are positively related to agreement with fact-checker ratings; and that informing laypeople of each headline’s publisher leads to a small increase in agreement with fact-checkers. Our results indicate that crowdsourcing is a promising approach for helping to identify misinformation at scale.
Book
Who are we, and how do we relate to each other? This book argues that the explosive developments in Information and Communication Technologies (ICTs) is changing the answer to these fundamental human questions. As the boundaries between life online and offline break down, and we become seamlessly connected to each other and surrounded by smart, responsive objects, we are all becoming integrated into an "infosphere". Personas we adopt in social media, for example, feed into our 'real' lives so that we begin to live, as Floridi puts in, "onlife". Following those led by Copernicus, Darwin, and Freud, this metaphysical shift represents nothing less than a fourth revolution. "Onlife" defines more and more of our daily activity - the way we shop, work, learn, care for our health, entertain ourselves, conduct our relationships; the way we interact with the worlds of law, finance, and politics; even the way we conduct war. In every department of life, ICTs have become environmental forces which are creating and transforming our realities. How can we ensure that we shall reap their benefits? What are the implicit risks? Are our technologies going to enable and empower us, or constrain us? This volume argues that we must expand our ecological and ethical approach to cover both natural and man-made realities, putting the 'e' in an environmentalism that can deal successfully with the new challenges posed by our digital technologies and information society.
AI and the global south: designing for other worlds
  • Chinmayi Arun
ARUN, Chinmayi. AI and the global south: designing for other worlds. In: DUBBER, Markus Dirk; PASQUALE, Frank; DAS, Sunit (eds.). The Oxford Handbook of Ethics of AI. Oxford: Oxford University Press, 2019. p. 1-15. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3403010. Acesso em: 09 maio 2024.