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DOI: 10.58731/2965-0771.2024.46
PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS DA Cannabis sativa L.NA
ODONTOLOGIA
THERAPEUTIC PERSPECTIVES OF CANNABIS SATIVA L. IN DENTISTRY
Otacílio José de Araújo Neto1; Nadja de Azevedo Correia2; Karla Veruska
Marques Cavalcante da Costa3; Diego Nunes Guedes4; Katy Lísias Gondim Dias de
Albuquerque5
1Cirurgião-Dentista, Universidade Federal da Paraíba. Colaborador PEXCannabis - UFPB.
2,3,4 Departamento de Fisiologia e Patologia, Universidade Federal da Paraíba. Colaborador
PEXCannabis - UFPB
5Departamento de Fisiologia e Patologia, Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do
PEXCannabis – UFPB, Membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis -SBEC.
Submetido em 03 de março de 2024
Aceito para publicação em 14 de maio de 2024
Publicado em 17 de junho de 2024
Revista Brasileira de Cannabis, São Paulo, Vol. 3, n. 2, p. 88 a 100, 2024.
RESUMO
O uso medicinal da Cannabis sativa é milenar, envolvendo diversas culturas ao redor do
mundo, e a utilização de fitocanabinoides como opções terapêuticas na odontologia
podem trazer inúmeros benefícios à qualidade de vida de muitos pacientes. Este estudo
teve como objetivo discutir os avanços nas aplicações clínicas dos fitocanabinoides na
odontologia. A metodologia empregada envolveu revisão de literatura por meio da
técnica de documentação direta, classificada como pesquisa bibliográfica, utilizando a
base de dados PubMed e Google Acadêmico como mecanismo de busca de apoio, com
os descritores “Cannabis”, “Cannabinoids” e “Odontologia” no período de março a abril
de 2023, com foco em artigos publicados nos últimos cinco anos e/ou com relevância
científica significativa. Os critérios de inclusão foram metanálises, revisões sistemáticas
e ensaios clínicos randomizados abordando o uso de fitocanabinoides em odontologia.
Dos 66 estudos encontrados no PubMed, 8 estudos relacionados ao tema atenderam aos
critérios de inclusão para atingir os objetivos do trabalho. Os resultados indicaram que
as evidências sobre o uso de fitocanabinoides em doenças orofaciais ainda são
insuficientes. Formas farmacêuticas adequadas podem trazer benefícios potenciais em
situações clínicas de dor nociceptiva, neuropática e crônica. Contudo, as pesquisas
encontradas nesta análise evidenciam a necessidade de novos estudos serem
desenvolvidos nesta área para garantir um melhor entendimento dos protocolos
terapêuticos, das melhores formas farmacêuticas, e assim garantir maior confiabilidade
para uso clínico nestas e outras condições odontológicas.
Palavras-chave: Canabinoides, Cannabis, Odontologia.
Revista Brasileira de Cannabis, São Paulo, Vol. 3, n. 2, p. 88 a 100, 2024.
ABSTRACT
The medicinal use of Cannabis sativa is ancient, involving various cultures around the
world, and the utilization of phytocannabinoids as therapeutic options in dentistry can
bring numerous benefits to the quality of life of many patients. This study aimed to
discuss the advances in the clinical applications of phytocannabinoids in dentistry. The
methodology employed involved a literature review through direct documentation
technique, classified as bibliographic research, using the PubMed database and Google
Scholar as a supporting search engine, with the descriptors "Cannabis," "Cannabinoids,"
and "Dentistry" from March to April 2023, focusing on articles published in the last five
years and/or with significant scientific relevance. Inclusion criteria were meta-analyses,
systematic reviews, and randomized clinical trials addressing the use of
phytocannabinoids in dentistry. Out of the 66 studies found on PubMed, 8 studies
related to the topic met the inclusion criteria to achieve the objectives of the work. The
results indicated that the evidence on the use of phytocannabinoids in orofacial diseases
is still insufficient. Suitable pharmaceutical forms may bring potential benefits in
clinical situations of nociceptive, neuropathic, and chronic pain. However, the research
found in this analysis highlights the need for further studies to be developed in this area
to ensure a better understanding of therapeutic protocols, the best pharmaceutical forms,
and thereby guarantee greater reliability for clinical use in these and other dental
conditions.
Keywords: Cannabinoids, Cannabis, Dentistry.
Revista Brasileira de Cannabis, São Paulo, Vol. 3, n. 2, p. 88 a 100, 2024.
INTRODUÇÃO
A história da Cannabis sativa como um recurso medicinal abrange milênios e
envolve diversas culturas ao redor do mundo, onde a planta foi usada para tratar várias
doenças. O cultivo e o uso medicinal são documentados desde a antiguidade, com
descobertas arqueológicas e registros históricos atestando a utilização terapêutica em
diferentes sociedades1. Avanços significativos na pesquisa da planta ocorreram durante
o século XX. Em 1940, o canabidiol (CBD) foi isolado pela primeira vez 2, e em 1964
foi isolado pela primeira vez o delta-9 tetra-hidrocanabinol (THC)3, sendo esses os
principais componentes da planta, denominados fitocanabinoides. Posteriormente,
receptores canabinoides foram identificados no cérebro, e em 1992, o primeiro
neurotransmissor endocanabinoide, a anandamida (AEA), foi isolado.3O segundo
neurotransmissor endocanabinoide, 2-araquidonilglicerol (2-AG), foi isolado em 1995.4
Esses avanços científicos contribuíram para uma maior compreensão dos efeitos e
potenciais terapêuticos da C. sativa e sua relação com o sistema endocanabinoide
(SEC).
O SEC desempenha um papel crucial na modulação de várias funções
fisiológicas no organismo humano, incluindo a regulação do humor, do apetite, da dor,
da memória, da neuroproteção e de outros. Esse sistema complexo é composto por
receptores canabinoides do tipo I e tipo II, por ligantes endógenos conhecidos como
endocanabinoides, como a AEA e o 2-AG e enzimas de síntese e degradação deles. A
produção de AEA é feita através da ação da enzima específica
araquidonil-fosfatidiletanolamina-fosfolipase D (NAPE-PLD), enquanto o 2-AG é
sintetizado pela diacilglicerol lípase (DAGL). Os endocanabinoides produzidos são
transportados através do transportador de membrana dos endocanabinoides (EMT) para
que possam se ligar aos receptores canabinoides. No entanto, esses endocanabinoides
são rapidamente degradados, sendo que a AEA é degradada pela hidrólise das amidas
dos ácidos graxos (FAAH) e o 2-AG é degradado pela FAAH ou pela monoacilglicerol
lipase (MAGL) como representado na figura 1. O SEC é composto pelos receptores
canabinoides, endocanabinoides, enzimas e transportador EMT. 5 – 7
Figura 1: Sistema Endocanabinoide.Fonte:Autores.
Os endocanabinoides são moduladores chave que interagem com os receptores
canabinoides, influenciando processos neuronais e participando tanto da
neurotoxicidade quanto da neuroproteção.8Em C. sativa, as maiores concentrações de
fitocanabinoides podem ser encontradas nos tricomas glandulares, estruturas
especializadas localizadas principalmente nas flores fêmeas não fertilizadas da planta,
Revista Brasileira de Cannabis, São Paulo, Vol. 3, n. 2, p. 88 a 100, 2024.
antes da senescência. Essas concentrações de fitocanabinoides e terpenos variam em
concentração e perfil dependendo do estágio de crescimento e do quimiotipo da planta.9
Os metabólitos secundários de C. sativa, incluindo fitocanabinoides e terpenos,
desempenham um papel crucial nas propriedades medicinais da planta. Estes compostos
interagem de maneira sinérgica, potencializando os efeitos terapêuticos uns dos outros
e, assim, contribuindo para o chamado "efeito entourage" ou efeito comitiva.10
A literatura científica sobre fitocanabinoides teve avanços significativos nos
últimos anos, reafirmando o seu potencial terapêutico. Estudos relatam que o CBD
possui efeitos como prolongamento do sono, ação anti-inflamatória, anticonvulsivante,
ansiolítica e alívio da dor neuropática, além disso, os fitocanabinoides tem se mostrado
útil no controle da dor, tratamento da dependência de álcool, abstinência de opioides,
estimulação do apetite, efeitos antipiréticos, antibacterianos e demonstrado sua eficácia
no tratamento de doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson e Doença de
Alzheimer.11 AC. sativa tem sido empregada ainda no tratamento da epilepsia refratária
e no alívio dos sintomas de pacientes com transtorno do espectro autista de forma
segura e eficaz.12,13 Tais usos terapêuticos, documentados desde a antiguidade,
corroboram o seu potencial como um recurso medicinal valioso e reforçam a
importância de aprofundar os estudos e pesquisas nessa área.
Segundo a Academia Americana de Dor Orofacial, a disfunção
temporomandibular (DTM) é definida como um conjunto de distúrbios que envolvem os
músculos mastigatórios ou a articulação temporomandibular e estruturas associadas,
sendo considerada a maior causa de dor com origem não odontogênica na região
orofacial.14 Essa condição não é causada apenas por um único fator, sendo considerada
como uma desordem complexa que possui comorbidades sobrepostas, alterações físicas
e psicológicas. A etiologia multifatorial e a difusão do modelo biopsicossocial são
justificadas pela manifestação de sinais e sintomas da DTM em circunstâncias de
estresse emocional. O tratamento pode ser tão complexo quanto o seu diagnóstico,
evidências científicas demonstraram que as terapias são divididas em tratamentos
definitivos e de suporte, como aconselhamento e orientações de autocuidado,
farmacoterapia, fisioterapia, fonoterapia, psicoterapia, higiene do sono, laserterapia,
placas estabilizadoras e procedimentos cirúrgicos. Mesmo apresentando considerável
sucesso, há pacientes que desenvolvem uma sensibilização central do quadro de dor
crônica, fazendo com que algumas vezes a terapia conservadora não seja eficaz, esses
são considerados refratários ao tratamento.15
O tratamento da dor neuropática em pacientes odontológicos é uma área de
crescente interesse e envolve a colaboração entre cirurgiões-dentistas especialistas em
DTM e Dor Orofacial e médicos neurologistas. O manejo envolve uma abordagem
multidisciplinar, incluindo tratamentos farmacológicos, intervenções não
farmacológicas e procedimentos intervencionistas, conforme a necessidade do paciente.
A atual farmacoterapia aplicada nesses casos se dá com o uso de antidepressivos
tricíclicos como a amitriptilina e nortriptilina devido à sua capacidade de bloquear a
recaptação de serotonina e norepinefrina. Anticonvulsivantes como a pregabalina e
gabapentina são medicamentos de primeira linha para a dor neuropática, pois atuam no
sistema nervoso central para reduzir a excitabilidade neuronal. O uso de
anti-inflamatórios não esteroides, como ibuprofeno e naproxeno, podem ajudar a
controlar a dor em alguns pacientes.16 No entanto, a busca por alternativas terapêuticas
eficazes, seguras, com menos efeitos colaterais e mais adesão clínica continua e os
medicamentos à base de C. sativa têm atraído atenção como potenciais agentes
analgésicos com alta tolerabilidade e baixos riscos de efeitos adversos.
Revista Brasileira de Cannabis, São Paulo, Vol. 3, n. 2, p. 88 a 100, 2024.
AC. sativa tem despertado interesse crescente na pesquisa médica quanto aos
seus potenciais efeitos terapêuticos em várias áreas da saúde, incluindo a odontologia.
Estudos recentes sugerem que os compostos da planta, em especial o CBD e o THC,
podem ter efeitos benéficos no tratamento de dor orofacial, inflamação e ansiedade em
pacientes odontológicos. Além disso, os fitocanabinoides podem ter ação
antimicrobiana e anti-inflamatória na gengivite e periodontite, que são condições
odontológicas comuns. O CBD é conhecido por interagir com o SEC, regulando assim
processos inflamatórios e modulando a dor.17, 18
Estudos documentam que o SEC tem uma atuação intensa em áreas
fundamentais para a percepção da dor, com endocanabinoides modulando eventos
dolorosos como a hiperalgesia e alodínia. A ativação dos receptores CB1 pode
contribuir para a redução da hiperalgesia e da alodínia, especialmente em cenários
inflamatórios. Os canabinoides parecem limitar a liberação de glutamato no hipocampo,
atenuando a dor associada ao receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), sugerindo
potencial para tratar condições como enxaqueca e fibromialgia, cefaleias entre outras
relacionadas à atividade glutamatérgica. A interação entre os sistemas canabinoide e
opioide envolve a liberação de endorfina e a otimização do efeito analgésico dos
opioides 19.
Com base nessas evidências, a utilização de fitocanabinoide como opção
terapêutica, na odontologia, pode ser uma área promissora de pesquisa e prática clínica,
e este trabalho tem como objetivo discorrer sobre os avanços dos estudos das aplicações
clínicas de fitocanabinoides na odontologia por meio de uma revisão de literatura.
Materiais e métodos
Realizou-se uma revisão de literatura com pretensão de analisar o atual uso de
fitocanabinoides na prática odontológica. Para tal, foi efetuada uma investigação
detalhada de artigos científicos na base de dados “PubMed” e utilizado o “Google
Scholar” como buscador de apoio, com os descritores “Cannabis”, “Canabinoides” e
“Odontologia” no período de março a abril de 2023, seguindo uma estratégia de busca
(Figura 2). Foram selecionados artigos dos últimos 5 anos e/ou com grande relevância
científica. Aplicaram-se os critérios de inclusão: artigos de meta análise, revisão
sistemática e ensaios clínicos randomizados que abordassem o uso de fitocanabinoides
na odontologia e exclusão aqueles que fogem do tema pesquisado nos resultados
encontrados. Foram selecionados os artigos de acordo com o título e o resumo para
análise e aplicação dos critérios de inclusão. A realização de uma avaliação criteriosa
possibilitou a relação das possibilidades terapêuticas com o uso de fitocanabinoides da
C. sativa em situações odontológicas, mediante uma abordagem qualitativa. Dos 66
estudos encontrados no PubMed foram selecionados 8 estudos relacionados ao tema que
seguiram os critérios de inclusão, para que os objetivos do trabalho fossem alcançados.
Revista Brasileira de Cannabis, São Paulo, Vol. 3, n. 2, p. 88 a 100, 2024.
Figura 2. Estratégia de busca utilizada. Fonte:Autores.
Resultados
A crescente compreensão dos efeitos terapêuticos dos compostos de C. sativa
tem impulsionado a exploração de seu potencial em diversas áreas da saúde, incluindo a
odontologia. Ao longo desta análise, aborda-se os possíveis benefícios, desafios e
implicações futuras da incorporação de compostos fitocanabinoides como opções
terapêuticas na prática odontológica.
Bellocchio et al.20 (2021), em revisão sistemática, avaliaram os efeitos da C.
sativa na saúde bucal associados ao uso recreativo e fins terapêuticos, abordando a
importância de os cirurgiões-dentistas compreenderem tanto os efeitos adversos quanto
os benefícios potenciais dos fitocanabinoides. A revisão incluiu 31 estudos, que
apresentaram resultados variados, alguns estudos indicaram que o uso recreativo,
abusivo e fumado de C. sativa, pode causar danos à saúde bucal, incluindo maior
prevalência de cárie dentária, doença periodontal, boca seca, câncer e xerostomia. Por
outro lado, alguns estudos sugeriram que os canabinoides têm potencial para tratar
doenças bucais, devido às suas propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e
antimicrobianas.
Votrubec et al.21 (2022) desenvolveram uma revisão sistemática e investigaram o
potencial dos canabinoides, tanto naturais quanto sintéticos, no manejo da dor orofacial
em pacientes no contexto odontológico (manejo de efeito miorrelaxante em pacientes
com dor miofascial, efeitos em radioterapia em cânceres da cabeça e pescoço, efeitos
trans e pós-operatórios), foram selecionados 5 ensaios clínicos randomizados. De
acordo com os autores, apesar do CBD e do THC apresentarem um amplo espectro de
ações antinociceptivas e anti-inflamatórias, o uso de canabinoides no tratamento da dor
orofacial ainda é controverso e incipiente. Apenas um estudo demonstrou efeitos
positivos do uso de CBD tópico no alívio da dor da DTM, mas a evidência geral
permanece insuficiente. Os pesquisadores recomendam mais estudos randomizados
rigorosos para avaliar diferentes doses de canabinoides tópicos e sistêmicos e possíveis
interações com outros medicamentos, a fim de fornecer informações mais conclusivas
sobre seu potencial terapêutico na odontologia.
Grossman, Tan, Gadiwalla22 (2022) realizaram uma revisão sistemática sobre os
efeitos do uso medicinal de produtos à base de C. sativa na dor e inflamação orofacial,
destacando que, tanto produtos à base de C. sativa natural quanto sintética para uso
medicinal, têm ganhado crescente atenção mundial devido ao aumento das evidências
que apoiam seu uso no alívio da dor crônica inflamatória e neuropática associada a
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diversas condições. Foram selecionados 3 ensaios clínicos randomizados que abordam o
uso de fitocanabinoides no contexto de inflamação pós e pré-operatória e na dor
miofascial. Um estudo demonstrou resultados positivos na aplicação de CBD tópico
para redução desse tipo de dor. Entretanto, outros dois estudos não demonstraram
efeitos analgésicos significativos no uso de canabinoides sintéticos após exodontia do
terceiro molar. Os autores ressaltam que, apesar de existir um vasto corpo de evidências
de alta qualidade que apoiam o uso de produtos à base de C. sativa no tratamento da dor
nociceptiva e neuropática crônica, as evidências relacionadas especificamente às
manifestações orofaciais são extremamente limitadas, sendo necessária a realização de
mais pesquisas para investigar a eficácia desses produtos e sua aplicabilidade na área
orofacial, enfatizando que os profissionais médicos e dentistas devem acompanhar de
perto os resultados desses estudos, uma vez que isso pode trazer benefícios
significativos para os pacientes.
Sainsbury et al.23 (2021) avaliaram a eficácia dos medicamentos à base de C.
sativa e canabinoides sintéticos comparados com terapias placebos em pacientes com
dor neuropática crônica por meio de uma revisão sistemática com meta-análise. A
meta-análise incluiu 15 ensaios clínicos randomizados e mostrou que houve uma
redução significativa na intensidade da dor para THC/CBD, THC e dronabinol em
comparação com o placebo. Além disso, pacientes que tomaram THC/CBD e THC
apresentaram maior probabilidade de alcançar uma redução de 30% a 50% na dor em
comparação com o grupo placebo. No entanto, as evidências foram classificadas como
de qualidade moderada a baixa, indicando a necessidade de mais pesquisas para avaliar
a eficácia e segurança e definir protocolos clínicos para o uso de canabinoides no
tratamento da dor neuropática crônica.
Bhaskar et al.24 (2021) reuniram especialistas de nove diferentes países que
desenvolveram recomendações baseadas em consenso sobre como dosar e administrar
fitocanabinoides em pacientes com dor crônica. Os resultados demonstraram consenso
entre os especialistas de que os fitocanabinoides podem ser considerados para pacientes
com dor neuropática, inflamatória, nociceptiva e mista. Foram propostos três protocolos
de tratamento, incluindo um protocolo de rotina, um protocolo conservador e um
protocolo rápido conforme ilustrado (figura 3). Esses protocolos variam na dose inicial
e na taxa de titulação de CBD e THC, de acordo com as necessidades e objetivos do
paciente.
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Figura 3. Protocolos de tratamento com fitocanabinoides. Fonte:Bhaskar et al. 2021.
O primeiro protocolo, chamado de protocolo de rotina, envolve o início do
tratamento com uma variedade de CBD predominante, administrando 5 mg de CBD
duas vezes ao dia. A dose é ajustada em incrementos de 10 mg a cada 2 a 3 dias, até que
o paciente atinja seus objetivos terapêuticos ou até a dose máxima de 40 mg/dia de
CBD. A escolha do CBD se dá por sua segurança e alta tolerabilidade, não induzindo
efeitos psicoativos e com baixos riscos de efeitos adversos. Se necessário, pode-se
considerar adicionar THC em 2,5 mg e ajustar a dose em 2,5 mg a cada 2 a 7 dias, até
atingir uma dose diária máxima de 40 mg/dia de THC. O segundo protocolo,
denominado protocolo conservador, começa com 5 mg de CBD uma vez ao dia e titular
a dose de CBD em incrementos de 10 mg a cada 2 a 3 dias, até atingir os objetivos do
paciente ou até a dose máxima de 40 mg/dia. Após alcançar a dose predominante de
CBD de 40 mg/dia e não chegar no potencial máximo da terapia, pode-se adicionar
THC em 1 mg/dia e ajustar a dose em incrementos de 1 mg a cada 7 dias, até uma dose
diária máxima de 40 mg/dia de THC. O terceiro protocolo, chamado protocolo rápido,
inicia o tratamento com uma variedade equilibrada de THC:CBD, administrando 2,5-5
mg de cada fitocanabinoide uma ou duas vezes ao dia. A dose de cada fitocanabinoide é
ajustada em incrementos de 2,5-5 mg a cada 2 a 3 dias, até que o paciente atinja seus
objetivos terapêuticos ou até uma dose máxima de THC de 40 mg/dia. Esses protocolos
detalhados oferecem orientações valiosas para profissionais de saúde na personalização
do tratamento com fitocanabinoides para pacientes com dor crônica, levando em
consideração necessidades e objetivos específicos de cada paciente, o SEC, efeito
comitiva dos fitocanabinoides e o alcance da dose ideal.
AminiLari et al.25 (2022), em revisão sistemática e meta-análise, propõem que
canabinoides, sintéticos ou naturais, podem ser modestamente eficazes no tratamento de
distúrbios do sono, como insônia e apneia do sono. 39 estudos (5.100 pacientes) foram
elegíveis para revisão, dos quais 38 avaliaram canabinoides orais e um administrou C.
sativa inalada. O acompanhamento médio foi de 35 dias e a maioria dos ensaios incluiu
pacientes com dor crônica oncológica ou não oncológica. O estudo demonstrou que o
uso de canabinoides pode proporcionar pequenas melhorias na qualidade do sono e na
perturbação do sono entre pacientes com dor crônica, sendo que esses benefícios podem
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ser mais significativos em pacientes com dor crônica não oncológica. No entanto, o uso
dessas substâncias também pode estar associado a efeitos colaterais adversos, incluindo
um risco modesto na ocorrência de tontura e um risco menor de outros efeitos colaterais
temporários, como fadiga e náusea com tratamentos mais prolongados. Os autores
enfatizam que a evidência disponível para comparação entre a C. sativa medicinal e os
canabinoides e outros tratamentos ativos ainda é de baixa a muito baixa certeza,
indicando a necessidade de mais pesquisas para entender melhor o papel dessas
substâncias no tratamento de distúrbios do sono.
Valenti et al.26 (2022), em revisão sistemática, investigaram os efeitos biológicos
do CBD em uma variedade de células cancerígenas humanas, localizadas em tecidos
tegumentares, gastrointestinais, genitais, mamários, respiratórios, nervosos,
hematopoiéticos e esqueléticos. O trabalho englobou 84 estudos publicados nos últimos
24 anos, constataram que o CBD afeta a viabilidade celular, proliferação, migração,
apoptose, inflamação, metástase e expressão de receptores de canabinoides. Os
resultados mostraram que o CBD geralmente inibe a viabilidade e a proliferação celular,
com exceção do sistema tegumentar, e que a migração celular foi reduzida em todas as
concentrações testadas. Além disso, ele induziu a apoptose em doses altas e baixas,
reduziu a inflamação em células nervosas e gastrointestinais e diminuiu a metástase em
baixas concentrações. Esses achados sugerem que o uso terapêutico do CBD apresenta
um grande potencial de aplicações clínicas em diversas condições patológicas. A
determinação de uma dose terapêutica adequada que minimize os efeitos colaterais é
crucial para estabelecer uma abordagem eficaz e segura com o CBD. O estudo destaca a
importância de uma análise aprofundada dos mecanismos de ação do CBD e de estudos
clínicos adicionais para fornecer um melhor entendimento das doses ideais e das
possíveis implicações terapêuticas. Assim, os profissionais de saúde poderão utilizar o
CBD como uma alternativa viável e promissora no tratamento desses pacientes.
Umpreecha et al.27 (2023), através de estudo clínico randomizado, investigaram
a eficácia e segurança do CBD pasta oral tópica a 0,1% no tratamento de úlceras aftosas
recorrentes. O estudo randomizado incluiu 72 pacientes alocados em um grupo placebo,
um grupo controle tratado com a triancinolona acetonida (TA) e o grupo tratado com
CBD 0,1%. Os resultados mostraram que o CBD reduziu significativamente o tamanho
da úlcera e acelerou a cicatrização sem causar efeitos colaterais, além de apresentar
efeitos anti-inflamatórios no estágio inicial e efeito analgésico no estágio avançado,
apresentando uma ação muito similar ao grupo tratado com a TA. A pesquisa demonstra
que o CBD tópico a 0,1% pode ser uma alternativa mais apropriada para pacientes com
úlceras aftosas recorrentes que não desejam utilizar esteroides tópicos, exceto em casos
que o CBD seja contraindicado, fornecendo uma opção terapêutica segura e eficaz para
o manejo dessa condição. No entanto, estudos adicionais com amostras maiores e um
período de acompanhamento mais longo são necessários para confirmar esses achados e
determinar a eficácia a longo prazo e o perfil de segurança do tratamento.
Discussão
A crescente atenção à utilização dos fitocanabinoides para fins terapêuticos tem
incentivado diversos pesquisadores que exploram suas possíveis aplicações na
odontologia. Esses estudos têm contribuído para um melhor entendimento dos
benefícios potenciais e efeitos adversos dos fitocanabinoides, permitindo aos
cirurgiões-dentistas uma abordagem mais embasada no uso desses produtos em suas
práticas clínicas.
O uso abusivo de forma fumada da planta pode ocasionar diversos efeitos
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adversos ao paciente e repercussões na saúde bucal, como a maior prevalência de cárie,
doenças periodontais e lesões teciduais como bem abordado pelo estudo de Bellocchio
et al. (2021)23, entretanto o uso de fitocanabinoides em formas farmacêuticas adequadas
podem trazer benefícios potenciais em diversas situações clínicas. O estudo de Votrubec
et al. (2022)24 avaliando adequadas aplicação dos canabinoides sintéticos e naturais
constatou efeitos positivos do CBD tópico no alívio da dor na DTM, porém devido
poucos estudos para solidificar tais resultados, a evidência geral ainda é insuficiente. O
trabalho de Grossman, Tan e Gadiwalla (2022)25, avaliando os produtos à base de C.
sativa sintéticos e naturais em situações de dor e inflamação orofacial também destacou
a limitação em evidências para as manifestações orofaciais. A meta-análise de
Sainsbury et al. (2021)26 demonstrou significativa redução da intensidade de dor em
pacientes com dor neuropática crônica com o uso de THC/CBD, THC e dronabinol
quando comparado ao placebo, entretanto esse estudo também considerou as evidências
de qualidade moderada/baixa.
Pacientes refratários a terapias tradicionais da DTM, dor neuropática ou em
quadros de sensibilização central com baixa resposta à terapia farmacológica necessitam
de profissionais capacitados que levem em consideração as necessidades e objetivos
específicos do tratamento, o SEC, efeito comitiva dos fitocanabinoides e o alcance de
doses ideais, dessa forma o estudo elaborado por Bhaskar et al. (2021)27 pode oferecer
recomendações valiosas de dose de fitocanabinoides para o tratamento desses pacientes
em consultório odontológico.
Conclusões
Diante dos achados do estudo, é possível observar que as evidências científicas
sobre o uso de fitocanabinoides nas doenças orofaciais ainda são insuficientes. Diante
da metodologia empregada na seleção dos artigos, poucos estudos evidenciaram o uso
desse recurso em situações clínicas odontológicas, os achados demonstram que os
fitocanabinoides podem ser aliados chaves em situações como na dor nociceptiva,
neuropática e crônica, entretanto, mais estudos precisam ser desenvolvidos nessa área
para garantir a melhor compreensão dos protocolos terapêuticos, as melhores formas
farmacêuticas e dessa forma garantir maior confiabilidade para utilização clínica nessas
e em outras condições odontológicas.
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