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http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2024.1.45118
1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
2 O artigo é baseado na pesquisa de mestrado de Mayara Achilei de Freitas, intitulada “Eu sinto muita saudade de mim”: narrativas crí-
ticas sobre maternidades entre participantes de um grupo virtual de mães, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2023 e financiada pela FAPEMIG. A pesquisa de Sabrina Finamori, intitulada “Maternidade
solo”: parentalidades, conjugalidades e noções de família, foi financiada pelo edital universal CNPq, processo 432604/2018-9. Nossa
gratidão às interlocutoras das pesquisas e às pessoas que elaboraram os pareceres para este artigo pelas importantes contribuições.
CIVITAS
Revista de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Civitas 24: 1-13, jan.-dez. 2024
e-ISSN: 1984-7289 ISSN-L: 1519-6089
Resumo: Neste artigo, reetimos sobre os entrelaçamentos entre maternida-
de, cuidado e gramáticas emocionais. Na primeira parte do artigo, discorremos
sobre os campos de pesquisa do parentesco, do cuidado e das emoções em
suas particularidades e em seus intercruzamentos. Na segunda parte do artigo,
mobilizamos algumas cenas de pesquisa para reetir sobre como as micropo-
líticas das emoções operam na prática a relação entre cuidado e parentesco.
Argumentamos que as relações entre parentesco, cuidado e emoções estão
atravessadas por dimensões normativas e relações de poder.
Palavras-chave: Cuidado. Emoções. Parentesco. Maternidade.
Abstract:
In this article, we analyze the interweaving between motherhood, care,
and emotional grammars. In the rst part of the article, we discuss the research
elds of kinship, care, and emotions in their particularities and their intersections.
In the second part of the article, we mobilize some research scenes to reect on
how the micropolitics of emotions operate in practice the relationship between
care and kinship. We argue that the relationships between kinship, care, and
emotions are crossed by normative dimensions and power relations.
Keywords: Care. Emotions. Kinship. Motherhood.
Resumen:
En este artículo analizamos el entrelazamiento entre maternidad,
cuidados y gramáticas emocionales. En la primera parte del artículo discutimos
los campos de investigación del parentesco, el cuidado y las emociones en
sus particularidades y en sus intersecciones. En la segunda parte del artículo,
movilizamos algunos escenarios de investigación para reexionar sobre cómo
la micropolítica de las emociones opera en la práctica la relación entre cuidado
y parentesco. Sostenemos que las relaciones entre parentesco, cuidado y emo-
ciones están atravesadas por dimensiones normativas y relaciones de poder.
Palabras clave: Cuidado. Emociones. Parentesco. Maternidad.
Introdução2
Neste artigo, partimos das experiências das duas autoras, que partilham
o interesse experiencial e analítico na temática da parentalidade e que
pesquisaram o tema ao longo dos últimos anos, tendo em vista o debate
antropológico do parentesco e seus cruzamentos com a bibliograa que
DOSSIÊ: CUIDADO E EMOÇÕES: DISCURSOS, PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS
Trabalhos de amor e cuidado: as gramáticas emocionais da
maternidade e o ativismo materno nas redes
Labors of love and care: the emotional grammars of motherhood and maternal
activism on networks
Labores de amor y cuidado: las gramáticas emocionales de la maternidad y el
activismo materno en redes
Mayara Achilei de
Freitas1
orcid.org/0009-0003-9763-9635
mayaraachilei@ufmg.br
Sabrina Finamori1
orcid.org/0000-0003-2584-7016
snamori@ufmg.br
Recebido: 31 ago. 2023.
Aprovado: 22 fev.2024.
Publicado: 08 jul. 2024.
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tem abordado cuidado e emoções.
Ao longo de nossos diferentes trabalhos de
pesquisa (Freitas 2023, Finamori 2015, Carvalho
e Finamori 2022) nos deparamos com discur-
sos e com práticas de parentesco nas quais o
cuidado (ou a ausência dele) estava conjugado
ao modo como o parentesco é feito e desfeito.
Argumentamos que as formas pelas quais cui-
dado, parentesco e emoções se interconectam
estão, em muitos contextos, profundamente
arraigadas à permanência de determinados mo-
delos de família, não tanto como realidades, mas
como uma espécie de fantasma ou cção social
(Bourdieu 1996). Neste intercurso, uma determi-
nada gramática emocional pode ser mobilizada
e sentimentos como amor, raiva e solidão são
acionados em conrmação ou contraposição a
posições de parentesco.
A pesquisa de Mayara Achilei de Freitas aborda
experiências de mulheres participantes de um
grupo virtual de mães, centrado no compartilha-
mento de narrativas críticas sobre maternidades.
Partindo destas narrativas, a pesquisa compre-
ende as redes virtuais como um lócus frutífero
para a tematização da maternidade e a confor-
mação de ativismos, sobre o que analisa discur-
sos acerca da desromantização da maternidade,
em especial, quanto à desnaturalização de uma
noção de amor materno instintivo, entremeado à
organização do cuidado, e seus impactos para a
trajetória e o cotidiano das interlocutoras. A pes-
quisa de Sabrina Finamori enfoca a introdução da
expressão “mãe solo” nos anos 2010 em produ-
ções audiovisuais veiculadas em redes sociais,
os efeitos da proposição desta terminologia em
trabalhos acadêmicos e as histórias de vida de
mulheres com experiências monoparentais. As
duas pesquisas foram baseadas em entrevistas
realizadas, em sua maioria, remotamente durante
o período da pandemia de Covid-19, entre os
anos 2020 e 2022.3
Para esta análise, realizamos uma breve revi-
3 A pandemia de Covid-19 foi decretada pela Organização Mundial de Saúde em março de 2020 e a principal medida de contenção da
propagação do vírus, até a criação de uma vacina, foi o distanciamento social. Até meados de 2022, vigoraram protocolos de restrição de
circulação social, com diferentes graus de rigor. Por este motivo, boa parte das entrevistas da segunda autora e todas as entrevistas da
primeira autora foram realizadas em conversas síncronas por meio de plataformas de chamada de vídeo. Também foram estabelecidas
variadas interações com nossas entrevistadas por mensagens instantâneas assíncronas de texto e áudio.
são bibliográca sugerindo alguns cruzamentos
dos debates teóricos sobre cuidado, emoções e
parentesco, visando analisar como essas dimen
-
sões podem se entrelaçar fortalecendo conexões
relacionais ou sublinhando desigualdades e so-
frimentos sociais. Na sequência, apresentamos
dados etnográcos que trarão dimensões para
a reexão acerca de como parentesco, cuidado
e emoções se entrelaçam na prática.
Parentesco, cuidado e emoções
Espécie de espinha dorsal da antropologia
desde seus primórdios, o parentesco esteve pre-
sente em boa parte das monograas clássicas ao
longo do século 20, tendo passado por intensas
críticas e revisões na segunda metade do século
(Schneider 1984). Recuperou seu vigor com as
análises feministas (Maccormack e Strathern
1980) e as questões postas pelas tecnologias
de reprodução assistida (Strathern 1992), tendo
ganhado novos desdobramentos em produções
que se focam menos nos aspectos formais do
parentesco, que marcaram os primeiros estudos
e mais nas práticas cotidianas, nas relações de
poder e nos entrelaçamentos entre parentesco
e política (Carsten 2004; MacCallum 2001).
A despeito de as relações de cuidado esta-
rem subjacentes ao modo como o parentesco
é performado e teoricamente denido, na bela
denição de Sahlins que o descreve como pes-
soas intrínsecas umas às outras ou, ainda, nas
conexões relacionais conforme propõe Carsten
(2004), o conceito de cuidado raramente é usado
para denir tais relações, como bem nota Antonia
Pedroso de Lima (2022).
Heike Drotbohm e Erdmute Alber (2015) suge-
rem que, na correlação com parentesco, o cuida-
do tem sido mais enfatizado em suas dimensões
afetivas, emocionais e sociais do que naquelas
relacionadas às dimensões econômicas, embora
as fronteiras entre esses domínios sejam mais
borradas do que se supõe.
Mayara Achilei de Freitas • Sabrina Finamori
Trabalhos de amor e cuidado: as gramáticas emocionais da maternidade e o ativismo materno nas redes 3/13
Para as autoras, os dois modos pelos quais a
antropologia do parentesco aborda o cuidado
– como algo que conrma o parentesco con-
sanguíneo ou como uma forma alternativa de
fazer parentesco – provam que o cuidado é um
tipo particular de ação social performada entre
pessoas que se entendem como pertencentes
umas às outras através do parentesco e que per-
formam este pertencimento através do cuidado.
Ao discutir o cuidado como trabalho e como
parentesco, Drotbohm e Alber (2015) destacam,
ainda, o potencial em se fundir esses dois campos
de estudos, que foram, até então, mantidos em
separado. Na visão delas, as discussões sobre
o trabalho do care nas ciências sociais têm su-
bestimado os aspectos da relacionalidade do
parentesco e os limites do conceito de traba-
lho, do mesmo modo, também os estudos de
parentesco não têm atribuído, na visão delas, o
devido peso à dimensão do trabalho envolta nas
relações de parentesco. A consequência disso
seria o pouco questionamento sobre de que for-
mas a prossionalização e a comercialização do
trabalho mudam os signicados e as atividades
que anteriormente ocorriam dentro do domínio
do parentesco.
Se o parentesco se constituiu como uma área
autônoma da antropologia, que, a um só tempo,
se entrecruza a outras e é reivindicada, em de-
terminados momentos, em suas especicidades,
o debate sobre care apresenta, desde seu início,
uma patente interdisciplinaridade. Um ponto
central para as questões que traremos, neste
artigo, é o modo como a dimensão de gênero
foi tematizada nos debates sobre care. O traba-
lho já clássico da psicóloga Carol Gilligan (1982)
enfatiza as diferenças entre meninos e meninas
no desenvolvimento moral que culminariam na
divisão entre uma ética dos princípios, mais li-
gada aos homens e uma ética do cuidado, mais
tipicamente feminina.
Tal perspectiva sobre o cuidado feminino como
intrinsecamente positivo foi caracterizada por
Joan Tronto (1993) como uma leitura essencialista
e moralizante. Tronto (1993) aponta, nessa direção,
a importância de compreender os contextos em
que as relações de cuidado se desenvolvem de
modo a não se naturalizar desigualdades. Ainda
que Tronto mantenha certa positividade moral
do cuidado, ela insere a dimensão política ao
defender a ética do cuidado como parte de
uma crítica ao individualismo. Um dos pontos
importantes de suas formulações, que têm in-
uência em desdobramentos posteriores do
debate sobre cuidado, diz respeito à ênfase na
interdependência das relações humanas e em
uma dimensão relacional do cuidado menos dual
e hierárquica (Tronto 2007). Essas dimensões são
centrais às questões que apresentamos aqui, uma
vez que tratamos de um campo discursivo que,
a um só tempo, desnaturaliza o cuidado como
domínio materno e feminino e que aponta para a
relacionalidade ao reivindicar uma coletivização
do cuidado.
Nas primeiras décadas do século 21, os estu-
dos sobre cuidado têm ganhado uma amplitude
de escopo, abarcando trabalhos remunerados
de cuidado dos mais diversos tipos (Hirata e
Guimarães 2012), seus impactos na migração
transnacional (Hochschild 2012), suas articulações
com os estudos de deciência (Kittay 2011). Uma
dimensão que nos interessa aqui é também sua
relação com campos de estudos das emoções.
Nesta direção, o trabalho de Arlie Hochschild
(2008, 2012), que retomamos mais adiante, é
fundamental ao destacar o intercruzamento entre
as redes informais de cuidado familiar e suas
formas institucionais, destacando o modo como
o ritmo capitalista do trabalho impõe-se sobre
a vida familiar.
O debate sobre cuidado é também marcado
por intensivas tentativas em explorar suas múlti-
plas acepções. Uma das problematizações, nesta
direção, é sobre como o termo, em português,
não comportaria a mesma multiplicidade de
sentidos do que o termo care em inglês, que,
em suas formas compostas, pode evocar uma
variedade de signicados, como “cuidar de al-
guém”, “preocupar-se” ou “ser cuidadoso” (Lam-
bek 2007). No caso brasileiro, trata-se também
de um debate sobre como outras terminologias
são mobilizadas dando ênfase ao cuidado como
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uma ação, frequentemente, feminizada e subal-
ternizada, o que estaria presente nas variações
das expressões “tomar conta”, da casa, do marido,
dos lhos (Guimarães, Hirata e Sugita 2011) ou,
ainda, como a nominação de algumas práticas
como “ajuda”, não cuidado, podem se relacio-
nar a complexos sistemas de trocas e formas
de retribuição tendo efeitos teóricos e políticos
(Guimarães e Vieira 2020).
Nesta última direção, a pesquisa de Camila
Fernandes (2021) traz de modo extenso e deta-
lhado como diferentes práticas se encadeiam
no cuidado de crianças de camadas populares,
podendo envolver articulação entre a família
extensa, o cuidado pago desempenhado infor-
malmente pela rede de vizinhança em “casas
de tomar conta” e os serviços do estado, como
creches, trazendo à tona a precariedade das
estruturas públicas de cuidado e as moralidades
que as atravessam. Neste sentido, para além
de o cuidado ser perpassado pelo marcador de
gênero, há um complexo imbricamento entre
outros marcadores que dão forma ao modo como
é performado, uma questão cara às discussões
que desenvolvemos adiante.
O debate sobre as emoções, por seu turno,
atravessa a história da antropologia, sendo seu
ponto seminal mais amplamente reconhecido
a publicação de Expressão obrigatória dos sen-
timentos, de Marcel Mauss, na década de 1920,
em que os sentimentos são abordados como
formas de linguagem. Ao longo do século 20, a
dimensão das emoções se apresenta em uma
série de outros trabalhos antropológicos. No
entanto, como bem assinalam Victora e Coelho
(2019), em boa parte destes casos, as emoções
não são tomadas como eixos organizadores de
uma área de estudos, o que apenas ocorre, de
fato, na década de 1980, com as publicações de
Michelle Rosaldo (1984), Catherine Lutz e Lila
Abu-Lughod (1990).
Rezende e Coelho (2010), resgatando a confor-
mação do campo da Antropologia das Emoções,
destacam que uma premissa importante na área é
o questionamento da convicção ocidental de que
as emoções são universais ou provêm de uma
essência humana, e ressaltam as emoções como
“representações” de uma sociedade. Segundo
elas, o estudo das emoções já estava presente
nos trabalhos pioneiros, de fundação das Ciências
Sociais. Contudo, as emoções ainda guravam de
modo secundário por serem, em geral, conside-
radas como fenômenos naturais, embora com
sua expressão regulada socialmente. Por isso, as
emoções permaneciam como parte do domínio
da Psicologia. As autoras destacam que “o estudo
das emoções ganhou força na antropologia com
o desenvolvimento da abordagem interpretativa
na década de 1970 nos Estados Unidos” (Rezende
e Coelho 2010, 14). Esta perspectiva questiona-
va a noção de cultura centrada em padrões de
comportamento, em favor de uma noção de teia
de signicados, o que impactou a compreensão
sobre as emoções. Neste segundo momento,
as emoções passam a ser analisadas a partir de
uma dimensão contextual, que põe em destaque
a variabilidade de sentidos que podem assumir
dentro de um mesmo grupo social e ressaltan-
do as relações de poder que as perpassam. A
dimensão do poder é, assim, bastante relevante
quando pensamos em sua relação com gênero,
sendo uma das discussões mais instigantes a
este respeito, a de Catherine Lutz ao propor que
os discursos sobre emoção podem ser também
instrumentos de exercício da dominação.
Bispo e Coelho (2019) enfatizam, nessa dire-
ção, a ligação entre os estudos sobre gênero e
sexualidade e o campo das emoções. A partir de
uma importante armação de Lutz e Abu-Lughod
(1990, 69) de que “qualquer discurso sobre emo-
ção é também, pelo menos implicitamente, um
discurso sobre gênero” (Bispo e Coelho 2019, 186),
os autores argumentam que na conformação do
campo da Antropologia das Emoções, nos EUA
na década de 1980, o estudo das emoções já se
relacionava a investigações a respeito do gênero
e da sexualidade. Bispo e Coelho mencionam as
discussões sobre emoções e gênero, mostrando
como elas estão ligadas a estruturas de poder,
isto é, como as emoções têm um papel micropo-
lítico. Esta percepção nos permite problematizar
as dicotomias corpo e mente e razão e emoção,
Mayara Achilei de Freitas • Sabrina Finamori
Trabalhos de amor e cuidado: as gramáticas emocionais da maternidade e o ativismo materno nas redes 5/13
bem como a hierarquia entre os gêneros, a exem-
plo do pensamento de Michelle Rosaldo, que
compreende as emoções como pensamentos
incorporados. Por conseguinte, Bispo e Coelho
(2019, 193) ressaltam a importância também da
noção de controle para este campo, destacando
que “gênero, controle e poder formam, assim,
um tripé temático constitutivo do campo da
Antropologia das Emoções”.
A perspectiva contextualista proposta por Lutz
e Abu-Lughod (1990) é uma postura analítica
centrada na noção de discurso, compreendendo
a emoção como uma prática discursiva, isto é,
como fenômenos produzidos em discurso e não
simplesmente expressos no discurso. Com isso,
acentuam a importância das emoções como
ações sociais que “causam efeitos no mundo”.
As autoras destacam também a importância
de considerar o contexto especíco de produ-
ção dos discursos em análise, pois os discursos
emocionais têm seu signicado lido a partir de
um domínio cultural particular.
Vale ressaltar que Lutz e Abu-Lughod questio-
nam o próprio conceito de cultura, que avaliam
como homogeneizante e universalizante. Assim,
quando armam a especicidade de contextos
culturais, as autoras propõem o trabalho não
com a cultura como objeto ou conceito central,
mas sim uma análise centrada nas dimensões de
processo, prática e contexto, que se originam a
partir da observância de discursos emocionais. As
antropólogas também operam uma desconstru-
ção das dicotomias entre indivíduo e sociedade
e razão e emoção, pois reforçam a visão das
emoções como fenômenos “incorporados” – o
que vai além de localizar as emoções no corpo
humano, mas as situam teoricamente também
no corpo social (Abu-Lughod e Lutz 1990, 8).
Considerando o tripé “gênero, controle e poder”
e a conformação destes campos de estudos,
analisamos como noções como cuidado e amor
são mobilizadas em discursos sobre maternidade.
O termo cuidado é, como vimos, uma categoria
polissêmica que envolve uma variedade de ati-
vidades, posições relacionais, sendo atravessada
pelos mais diversos marcadores sociais da dife-
rença, como classe, raça, geração, gênero (Hirata
e Guimarães 2012). Quando nos direcionamos ao
parentesco e às relações de cuidado parentais, a
dimensão de gênero vem mais obviamente à tona
com as profundas desigualdades sociais sobre
o que se considera cuidado materno e cuidado
paterno. A relação entre cuidado e parentesco
envolve, no entanto, uma variedade de camadas
em que laços lidos como biológicos tanto quanto
atitudes, bens e disposições emocionais produ-
zem parentesco.
Maternidade e trabalho de cuidado
Desde 2019, temos trabalhado conjunta e se-
paradamente em pesquisas sobre ativismos ma-
ternos e redes virtuais de suporte à maternidade.
Atravessamos o período pandêmico realizando
entrevistas a distância com nossas interlocutoras
e vivenciando, ao mesmo tempo, os desaos da
maternidade em um cenário de distanciamento
social em que os serviços de cuidado, como
creches e escolas, suspenderam suas atividades.
Somos mães de crianças na mesma faixa etária,
que tinham menos de quatro anos no início da
pandemia e vivenciaram os múltiplos desaos de
ser mãe e pesquisar maternidade em um contexto
sensível às relações de cuidado.
A pesquisa de Mayara Achilei de Freitas versava
sobre experiências de maternidades de mulheres
contatadas a partir de um grupo virtual de mães,
centrado no compartilhamento de desabafos e
relatos sobre o cotidiano que viviam no cuidado
com os lhos (Freitas 2023). A pesquisa se iniciou
a partir de um grupo que se constituiu como uma
rede de apoio para as participantes, envolvendo
além dos relatos e interações, também ajudas
nanceiras compartilhadas.
A pesquisa de Sabrina Finamori tinha por ob-
jetivo abordar a maternidade solo por meio da
experiência de mulheres com um ativismo em
torno da questão (Finamori e Batista 2022). Em
um primeiro momento, mapeou o debate virtual
sobre maternidade solo nos anos de 2010 e, de-
pois, compôs histórias de vida com mães solo.
Uma importante reivindicação apresentada neste
campo diz respeito não apenas a uma divisão
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igualitária de responsabilidades parentais em
termos de gênero, mas abarca uma defesa da
coletivização do cuidado para além do ambiente
doméstico, das relações conjugais ou mesmo
familiares, demandando tanto políticas públicas
de suporte às mães solo como também uma
mudança social mais ampla em torno da infância.
Apesar de serem campos distintos, os relatos
são parte de um movimento discursivo mais
amplo sobre maternidade, que questiona a orga-
nização do cuidado centrado na gura materna
e seus impactos para a vida e a saúde de mães
que são as únicas ou as principais cuidadoras
dos lhos. Os relatos de nossas interlocutoras
foram observados como parte de um momento
contemporâneo em que as redes virtuais são
importantes lócus para a atuação política, para
movimentos feministas (Ferreira 2015) e, também,
para pautas envolvendo maternidades.
Nos campos discursivos que analisamos, a
problematização sobre amor materno como uma
emoção instintiva tem sido frequente. Nossas
interlocutoras são mulheres, em sua maioria,
com origens nas camadas populares e trajetórias
de autoarmação que as levaram à ascensão às
camadas médias (Duarte e Gomes 2008), têm
participações ativas em redes virtuais de debate
sobre maternidade. Nestas redes, a mobilização
de narrativas íntimas tem, por vezes, o objetivo
de articular pautas políticas. Algo que tem sido
nominado como a exposição de uma intimida-
de pública (Arfuch 2005), isto é, a tematização
pública de questões, a princípio, consideradas
privadas, como experiências, sonhos, sentimen-
tos. Ao expor publicamente a própria intimida-
de, muitas dessas mulheres visam colocar em
pauta o que nominam como “maternidade real”,
sublinhando, desse modo, a variabilidade de
possibilidades de seu exercício. Ao fazerem esse
movimento, colocam-se também em oposição a
uma “romantização da maternidade”, isto é, um
modelo normativo, fundado na noção de instin-
to materno e que descreve seu exercício como
uma experiência de alegria e plenitude. A noção
êmica “desromantização da maternidade” é, as-
sim, acionada para enfatizar uma postura crítica
que questiona o modelo normativo de família
no qual as mães são as principais cuidadoras
de crianças. Essas terminologias, como “mater-
nidade real”, “romantização”e “desromantização
da maternidade” se difundem nas redes sociais,
na década de 2010, mais ou menos no mesmo
período de difusão da expressão “mãe solo”,
que traz também fortes críticas à relação entre
parentalidade e conjugalidade.
Neste contexto, o trabalho de cuidado tem
sido também intensamente tematizado pelos
ativismos maternos. A máxima da lósofa Sil
-
via Federici pronunciada em uma entrevista ao
jornal Folha de S.Paulo quando esteve no Brasil
em 2019 “o que eles chamam de amor, nós cha-
mamos de trabalho não pago” tem estampado
posts e reverberado também nas entrevistas que
zemos. É fundamentalmente sobre o trabalho
de cuidado que muitas dessas reexões têm
sido tematizadas. Ao mesmo tempo, contudo,
a noção de amor não deixa de ser mobilizada
em narrativas íntimas e é também sobre esses
entrelaçamentos que trataremos aqui.
Sobre maternidade e suas obrigações
Em um belo verbete sobre família para um
dicionário de estudos sobre deciência, Ginsburg
e Rapp (2011) apresentam a expressão “imaginá-
rio de parentesco” a partir da qual enfatizam um
duplo aspecto do qual as famílias são feitas: a
carnalidade das relações concretas e uma espé-
cie de imaginação cultural. Em uma paráfrase de
Marx, apontam que: “as pessoas fazem suas pró-
prias famílias, mas elas não as fazem como bem
entendem, mas sob circunstâncias preexistentes,
dadas e transmitidas pelo passado” (Ginsburg e
Rapp 2015, n.p., tradução nossa). As relações de
cuidado, no âmbito familiar, são também per-
passadas pela “imaginação cultural” acerca do
que é o cuidado e como ele será distribuído ao
longo da vida, em termos de gênero e geração.
Guimarães e Vieira (2020, 8) apresentam o cui-
dado em três distintos circuitos, como prossão,
obrigação e ajuda: “cada ‘circuito de cuidado’
seria um arranjo social, produto de um trabalho
relacional voltado para diferenciar relações sociais
Mayara Achilei de Freitas • Sabrina Finamori
Trabalhos de amor e cuidado: as gramáticas emocionais da maternidade e o ativismo materno nas redes 7/13
signicativas”. Tal noção é relevante para reetir-
mos sobre o trabalho do cuidado para além de
sua dimensão prossional. Inspiradas em estu-
dos feministas sobre trabalhos domésticos não
remunerados, as autoras apontam o cuidado em
seu sentido de obrigação e propõem que, nestes
contextos, “amor e responsabilidade familiar”
dão sentido à identidade subjetiva de quem o
executa. Trata-se da obrigação decorrente do
vínculo familiar, algo que está muito presente
nos contextos que analisamos.
Ana Clara Santos (2022), partindo de um con-
texto etnográco envolvendo a obrigação do
cuidado em sua própria família, pondera sobre
como as relações de parentesco criam senti-
mentos de dever e efetivam responsabilidades e
obrigações, entrelaçando dimensões de gênero
e geração. A força das normas de parentesco e
o dever do cuidado que ela analisa, se impõe
na vida diária, pelos laços de família, por um
cotidiano de trocas que produz, segundo ela, o
sentimento de obrigação.
Essas relações são permeadas não só pela
positividade moral posta na ideia de cuidado,
mas pelos complexos imbricamentos entre pa-
rentesco, cuidado e modelos normativos de
família. O cuidado diz respeito a normas sociais
e, no contexto do parentesco, em particular, está
relacionado a expectativas em torno de modelos
de família. Mais do que apenas conrmar laços de
parentesco, a mobilização da noção de cuidado
em certos contextos familiares produz também
hierarquias entre modelos de família e institui
sofrimentos sociais entre aquelas pessoas que
não correspondem ao ideal normativo.
Isabela,
4
mãe solo de duas crianças na pri-
meira infância, autoidenticada como negra,
que tinha 41 anos na época das entrevistas para
a pesquisa de Sabrina Finamori. Ela destaca que
a descoberta da gravidez não planejada com um
parceiro com o qual não desejava ter uma relação
que incluísse parentalidade foi muito dolorosa e
que só passou a aceitar essa gravidez quando
já estava por volta do quinto mês. Ela pondera
4 Com o consentimento de nossas entrevistadas, os nomes delas e das pessoas mencionadas em suas histórias foram trocados.
o quanto via, neste primeiro momento, a própria
mãe como uma pessoa muito mais habilitada
para o cuidado do que ela própria e apenas co-
meça a se enxergar como uma gura cuidadora
muito tempo depois. Em seu relato, há também
uma dimensão de como os marcadores sociais
inuenciam a experiência da maternidade. Tendo
feito o pré-natal em uma maternidade pública
e sendo uma mulher negra com uma gravidez
de risco, ela destaca que se sentia violentada
no atendimento de saúde ao ser questionada,
toda vezes, se a gravidez era fruto de violência
sexual. Ao mesmo tempo, ela rememora o quan-
to, naquele mesmo espaço, a maternidade era
colocada como o “presente mais lindo da vida”,
algo que a tornaria uma “mulher realizada”. Entre
as mães solo foi frequente, tanto nas entrevistas
como em produções audiovisuais, a crítica ao
modo como eram socialmente tratadas como
menos adequadas à maternidade por, frequen-
temente, vivenciarem uma maternidade que não
havia sido fruto de um projeto e ora estimuladas
ou coagidas a se adequarem a um modelo nor-
mativo de cuidados maternos.
Ao mobilizarmos a noção de cuidado paren-
tal, a tomamos não como um dado, mas como
uma questão contextual, histórica e situada em
termos de marcadores sociais, como gênero,
classe e raça. A reexão sobre os marcadores
sociais da diferença permeia muitas de nossas
inquietações sobre os campos discursivos nos
quais nossas interlocutoras estão imersas. Vários
estudos têm destacado, desde os anos 2010, a
importância das redes sociais na experiência de
maternidade de mulheres de camadas médias
(Alzuguir e Nucci 2015; Souza 2018). Rosama-
ria Carneiro (2021) questiona, nesta direção, se
a maternidade contemporânea não estaria se
tornando uma espécie de projeto de si, no qual
mulheres de camadas médias consumidoras
desses discursos sobre maternidade teriam se
tornado especialistas no doméstico e no cuidado.
Tomamos essa dimensão para situar e, ao mes-
mo tempo, questionar em que medida nossas
8/13 Civitas 24: 1-13, jan.-dez. 2024 | e-45118
entrevistadas se circunscrevem à delimitação
das camadas médias? E se suas próprias origens
sociais nas camadas populares impactam seus
ideais de maternidade?
A dimensão dos marcadores, ainda que im-
portante, é analiticamente muito desaante. Nas
duas pesquisas, as entrevistadas têm origem nas
camadas populares com trajetórias de ascen-
são às camadas médias, via estudo, trabalho e
inserção em ativismo. Há, no entanto, enormes
diferenças em suas trajetórias. Júlia, proveniente
das camadas populares, autoidenticada como
branca, mãe solo, que tinha 29 anos na época das
entrevistas, destacou fortemente a importância
da estabilidade nanceira que vivia naquele mo-
mento como algo que fundamental para minimi-
zar os aspectos negativos de uma maternidade
solo. Já Isabela, embora tenha uma trajetória
ascendente em relação à sua família de origem,
sendo a primeira geração de sua família a cursar
graduação e pós-graduação, destacou, em mais
de um momento, a precariedade de sua situação
social. Vivia em uma casa emprestada de outro
parente e, apesar de ter um emprego estável,
estava longe de ter condições confortáveis. Entre
as entrevistadas da pesquisa de Mayara Achilei,
essas condições eram também muito variadas,
tendo uma delas relatado que chegou a passar
insegurança alimentar.
Essas dimensões impactam também na com-
preensão sobre o que constitui a maternidade e
o cuidado na perspectiva intergeracional, tendo
efeitos variados entre nossas interlocutoras. Para
algumas, o amor e o cuidado parental deveriam
ser menos centrados na gura materna do que
havia sido para a geração de suas mães. Outras
destacam o desejo de oferecer uma educação
nomeada como mais feminista do que a que
receberam de suas famílias. Ou, ainda, a vontade
manifesta em oferecer às crianças algo que elas
não tiveram em suas infâncias, que entrecruza
bens materiais e bens decorrentes de um certo
conhecimento sobre o mundo, como uma alimen-
tação considerada mais natural ou um certo tipo
de educação. Em todos os casos, a estabilidade
nanceira foi, no entanto, destacada como um
facilitador dos trabalhos de amor e cuidado.
Sobre o trabalho de amor
Se o sentimento de obrigação permeia as
relações de parentesco, a expectativa em torno
do sentimento de amor entre pais e lhos e, es-
pecialmente, das mães em relação à sua prole
são muito presentes. O amor materno é, histori-
camente, alvo de debates feministas, como no
clássico trabalho de Badinter (1985), onde a autora
problematiza a institucionalização de um mito de
amor materno instintivo. Badinter aponta que, no
contexto francês do século 18, devido às altas
taxas de mortalidade de bebês e às necessidades
político-econômicas do país, ações do estado,
aliadas a debates de teóricos como Rousseau,
geram um mito, o do “instinto materno”. Para isto,
foram incentivadas mudanças nas visões sobre
a maternidade, o papel e a imagem das mães,
e a emergência de abundantes recomendações
de cuidados maternos para com os lhos, o que
engendrou a noção de amor espontâneo de todas
as mães pelos lhos. Badinter argumenta que
difundir o valor do amor materno era, naquele
contexto, defendido como algo que favoreceria a
espécie e a sociedade e, depois, foi visto também
como um valor mercantil. A autora destaca, neste
cenário, um foco ideológico do amor, iluminando
a mãe, ao mesmo tempo em que a gura do pai
ia, cada vez mais, para a obscuridade. Assim, as
mães eram impelidas a amamentar, a cuidar e
amar os lhos, e a ter a maternidade como um
projeto que as lhe proveria de realização, plena
felicidade e a respeitabilidade social desta fun-
ção. Enquanto dos pais, socialmente, não eram
esperadas outras funções além da manutenção
nanceira de seus lhos. As análises de Badinter
são, até hoje, inuentes, pois historicizam concep-
ções sobre maternidade que são frequentemente
naturalizadas no senso comum e na ciência.
A despeito das múltiplos reexões em torno do
tema, a expectativa social de que mães amem,
instintiva e incondicionalmente, seus lhos, ainda
parece ter muita força e a tematização do amor
materno tem sido um ponto delicado, mesmo no
campo discursivo que analisamos, de mulheres
Mayara Achilei de Freitas • Sabrina Finamori
Trabalhos de amor e cuidado: as gramáticas emocionais da maternidade e o ativismo materno nas redes 9/13
que, em alguma medida, têm vocalizado critica-
mente a própria maternidade.
Uma das interlocutoras de Sabrina Finamori,
Júlia, ativista da maternidade, com atuação nas
mídias sociais e em políticas públicas, revela,
em uma das entrevistas, o quanto é desaante
e sensível tematizar o amor materno mesmo
em contextos ativistas nos quais se reivindica
uma desprivatização do cuidado de crianças.
Ao mencionar o tema, diz que, frequentemen-
te, a questão causa mal-estar ao ser abordada
publicamente. “A gente vai ter que se consultar
e repensar o que é amor, a gente vai ter que
repensar o quanto a gente vai querer estar pre-
sente ou não [na criação de lhos/as]”, diz ela,
referindo-se não só a própria maternidade, mas
a uma noção mais coletiva sobre o cuidado, na
qual seja possível falar mais abertamente sobre
maternidades não necessariamente vinculadas
a noções como amor e apego. Com essa colo-
cação provocadora, ela resume bem um dos
incômodos presentes no debate público sobre
maternidade, que tem reverberado nas narrativas
íntimas. Se a problematização do trabalho do
cuidado e da “romantização da maternidade” têm
sido frequentes nas redes sociais e amplamente
consumidas por mulheres jovens de camada
média, a defesa de uma “criação com apego”,
em que os cuidados com crianças deveriam ser
minimamente terceirizados, povoa e recria um
certo ideal normativo em torno do exercício da
maternidade entre camadas médias, conforme
bem pontua o trabalho de Carneiro (2021).
Nas experiências de duas interlocutoras de
Mayara, Jéssica e Maria, a expectativa em torno
do amor materno lhes causou diculdade e so-
frimento. Jéssica, que se identica como mulher
cisgênero, heterossexual, parda, de 23 anos e
mãe de uma criança de dois anos, à época da
pesquisa, conta sobre sua gestação, não plane-
jada e não desejada:
Foi um processo muito longo de aceitação, o
amor não vinha, eu fui amar a minha lha ela
tinha mais de cinco meses. A minha família
achava que era pecado, que eu ia queimar no
fogo do inferno [por não desejar ser mãe]. Pior
de tudo é que as pessoas, principalmente a
minha família, minha mãe e minha sogra falava
assim ‘ah, mas você fala isso agora, depois
você vai pegar amor, quando você sentir o
bebê mexer você vai pegar amor, você vai
mudar de ideia’ […]. O tempo vai passando
e eu tipo, ouvi o coração do bebê, senti o
bebê chutar, vi o ultrassom e etc, etc., ganhei
a primeira roupinha... E foi foda, foi difícil, as
pessoas falavam que ia mudar minha cabeça
mas, véi, não mudava, cada dia que passava
eu odiava mais tá grávida, eu cava me sentido
mais burra e inferior às outras mulheres por
ter feito aquela cagada com a minha vida, eu
sabia que er a uma cagada, eu nunca romant izei
a maternidade e depois que eu engravidei eu
romantizei menos ainda (Jéssica, comunicação
pessoal, grifos nossos).
Jéssica menciona um processo de aceitação,
que podemos interpretar a partir da noção de
trabalho ou gerenciamento emocional. Ela conta
que era cobrada pelas pessoas ao seu redor, mas
“o amor não vinha”. Hochschild (2013) arma que o
trabalho emocional pode tanto ser um trabalho de
modelar os próprios sentimentos como também
ser feito por alguém sobre os outros, o que parece
o caso mencionado por Jéssica, no qual sua mãe
e sua sogra a estimulavam e acreditavam em uma
mudança nos sentimentos dela, pois havia uma
expectativa de felicidade e amor em relação à
gestação, de que ela estivesse feliz fazendo um
ultrassom, por exemplo, e que amasse seu bebê.
Vale ressaltar que para Hochschild o trabalho
emocional implica em uma postura ativa diante
do sentimento, o que nos instiga a ver as agên-
cias das interlocutoras nesses processos, que
envolvem também outras pessoas, e a ressaltar
a força das normatividades sobre maternidades
de modo amplo na vida social, que não incide
apenas nas experiências das próprias interlocu-
toras, mas também orienta a conduta de outras
guras, como os familiares delas.
As experiências de Maria, que se identica
como mulher cisgênero, heterossexual, branca e
de 31 anos, à época da pesquisa, também mos-
tram um gerenciamento emocional investido por,
além dela mesma, seu esposo e pai do seu lho:
Já tive crises de choro, de falar “eu não gosto
do meu l ho”. Eu che guei a chor ar pro pai dele
e falar “ah, eu não gosto, eu não amo meu -
lho”, e chorando, des esp erada. E aí ele: “M ari a,
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deixa de bobeira” aí começou a falar, né, de
todas as coisas que eu fazia, do cuidado que
eu tinha com ele, né. Aí ele falava “olha só, a
diculdade que o men ino tem pra come r, mas
mesmo assim ele tá semp re saudável, você faz
um monte de cois a, faz isso e aquilo, você acha
que se você não amasse ele você faria tudo
isso?”, sabe, ele começou a m e mostrar, eu não
sentia que eu amava, mas aí ele começou a
me mostrar, a apontar as at itudes que eu tinha
com o meu lho, que ele falava assim “isso
aqui é am or, você am a seu l ho”, cê entende?!
Então eu, tipo, eu comecei a entender aquilo.
(ris o) Foi, ah, eu nem sei te dizer, te m hora que
eu não sei nem como explicar, sabe. (Maria,
comunicação pessoal, grifos nossos).
O companheiro de Maria, pai de seu lho,
impulsiona um trabalho emocional baseado em
uma compreensão que interliga o amor e o cui-
dado: se Maria cuida tanto do lho, isso signica
que ela o ama. Em outras palavras, o que ele
expressa nessa situação é que amar é cuidar.
Articulando amor e cuidado, Maria relatou um
grande sofrimento por não ter se sentido como
pensava que deveria com a maternidade. Ela se
sentia triste e até mesmo que havia algo errado
com ela, pois não sentia o amor incondicional, ou
o “calorzinho no peito” que sempre ouvira falar. Ao
passo em que todos ao seu redor expressavam
uma grande felicidade, ela mesma não conseguia
partilhar desse sentimento.
Maria relatou ter uma visão romantizada de
maternidade desde a adolescência, quando já
escolheu o nome do lho que teria décadas de-
pois, e mesmo com o fato de que “sempre quis”
ter um lho, não sentiu o esperado “calorzinho
no peito”. Assim, o cuidado é desvinculado do
sentimento de amor, que Maria não sentiu. As
próprias práticas de cuidado são caracterizadas
por ela como um senso de responsabilidade,
por ela ter colocado o lho no mundo, em um
processo de construção também do amor:
E eu, eu tenho plena convicção de que hoje
o amor que eu tenho pelo meu lho, ele foi
construído, ele não nasceu do nada, do tipo,
por que pariu, tá ali, “olha, ah!”, eu tive que
aprender a amar meu lho. Eu aprendi a amar
meu lho e foi ali um processo que demorou
uns dois anos até eu sentir, sabe, aceitar aquela
minha nova condição de mãe, aceitar aquele
serzinho ali, [...], e começar realmente a amá-lo
como mãe, sabe. (Maria, comunicação pessoal,
grifos nossos).
Maria mobiliza alguns verbos em sua fala: ter,
aceitar, adquirir, aprender. Eles expressam, de
modo muito direto, o gerenciamento emocional
empenhado por ela na mudança de seus sen-
timentos em relação a sua maternidade. Des-
tacamos que esta questão do amor materno,
e as expectativas de alegria e felicidade com a
maternidade que o acompanham transcende a
questões individuais e de foro íntimo, e nos ajuda
a pensar sobre gramáticas sociais, e dizem respei-
to a questões que são sociais. Abu-Lughod e Lutz
(1990, 7), inspiram este caminho, ao discutirem
que “[...] devemos encarar o discurso emocional
como um modo de ação social que cria efeitos
no mundo – efeitos estes que são alvo de uma
leitura culturalmente informada pela plateia do
discurso emocional”.
A despeito das expectativas sociais e do tra-
balho emocional empenhado por Jéssica e Maria,
por exemplo, dois sentimentos presentes nas
experiências das interlocutoras, manifestos de
forma muito direta, são a tristeza, a solidão, o
ódio e o arrependimento. As menções feitas
pelas interlocutoras, aqui lidas a partir da noção
de trabalho emocional, expressam uma busca de
adequação do sentimento à situação social, onde
a expectativa, baseada em papeis de gênero, é a
de que uma mãe ame, incondicionalmente, seu
lho. A este respeito, observando a organização
do cuidado entre as interlocutoras, vale retomar
que Maria destacou uma melhora na relação
com o lho quando ele passou a frequentar uma
creche. Paralelo a isso, Maria pode retomar e de-
senvolver suas atividades prossionais e se sentir
menos sobrecarregada. Maria menciona, diante
da sobrecarga, um arrependimento sentido em
“vários momentos” e fala em uma ambiguidade.
Diante disso, é importante ver que os sentimentos
e emoções não são xos, mas variáveis ao longo
do tempo e plurais, podendo inclusive coexistir.
Nesse sentido, um mote muito compartilhado
no grupo de mães do qual participam algumas
das interlocutoras, também presente em outras
redes de mães, é “amo meu lho, mas odeio ser
Mayara Achilei de Freitas • Sabrina Finamori
Trabalhos de amor e cuidado: as gramáticas emocionais da maternidade e o ativismo materno nas redes 11/13
mãe”. A verbalização destes sentimentos é im-
portante para as interlocutoras, que encontraram
nas redes virtuais essa possibilidade, tendo um
potencial de atualizar as convenções sociais
sobre maternidade.
Desse modo, vale investigar os sentidos da
popular frase “amo meu lho, mas odeio ser
mãe”. Por vezes, mencionar o amor aos lhos é
uma forma de amenizar o impacto de verbalizar
o ódio à condição de maternidade. Não sentir
afeto em relação aos lhos ou não ter sentido
amor pelos lhos durante um período é algo
manifesto diretamente nas redes e nas entrevistas
por algumas mulheres. Em outros casos, o amor
aos lhos é como uma salvaguarda para falar de
outros sentimentos. Um sentido importante da
frase “amo meu lho, mas odeio ser mãe” é uma
denúncia que ela faz da condição de materni-
dade. A frase evoca uma situação em que uma
criança não é diretamente um problema, mas sim
a relação de parentesco e as normatividades e
responsabilidades que advêm dessa relação, a
exemplo das expectativas emocionais e da ela-
boração do cuidado aqui mencionadas.
Ao dizerem “amo meu lho, mas odeio ser
mãe”, as interlocutoras estão despersonalizando
a emoção, desfocando a gura da criança para
jogar luz ao lugar social da maternidade. É uma
forma de abordar as maternidades retirando
o peso de um sentimento que não é o amor
esperado da gura dos lhos e a direcionando
a experiência da maternidade. Assim, esta frase
não fala apenas das relações pessoais entre
mães e lhos, mas a partir das experiências das
interlocutoras, trata também de questões sociais
que não se limitam ao contexto individual.
Nesse sentido, um aspecto central, mobilizado
pelas interlocutoras, é a sobrecarga de demandas
de cuidado. Em muitos casos, a questão também
é levantada quando se aborda a divisão de cui-
dados em termos de gênero, entre mãe e pai da
criança ou fatores atenuantes dessa demanda
como o ingresso em uma creche ou mesmo a
mudança na faixa etária dos lhos. Em todos os
casos, a divisão de cuidados é vista como um fator
crucial para a melhora na relação com os lhos e
com suas próprias experiências de maternidade.
Uma discussão comum nas redes virtuais de
mães é também o mote “queria ser pai”, com as
alegações de que ser pai é muito mais fácil do
que ser mãe. Essa avaliação é sustentada, princi-
palmente, a partir das discussões sobre abandono
paterno e sobrecarga mental. O abandono pater-
no é, de certo modo, até normalizado socialmen-
te, bem como o não envolvimento dos homens
nas atividades de cuidado. Mesmo entre pais que
se envolvem no cuidado dos lhos, contextos em
que há uma carga mental incidindo sobre mães
é muito comum. A noção êmica “carga mental”
se refere a atividades de organização da vida
doméstica e do cuidado, como a preocupação de
ver que o uniforme da criança está sujo, de que
acabou a fórmula infantil e providenciar mais, de
marcar as consultas no pediatra, e de comprar o
material escolar. Então, além de atividades ob-
jetivas como lavar a louça ou trocar uma fralda,
há atividades e preocupações que organizam o
cuidado que acabam sendo uma carga exclusiva
de muitas mulheres. Assim, “querer ser um pai”
também denuncia as condições de organização
das maternidades, colocando-a em perspectiva
com a paternidade. A categoria “pai de Instagram”
é um exemplo de como essa carga mental e de
cuidado incidindo sobre mães se organiza, pois
evoca como socialmente pais são valorizados
em suas ações e mães são incumbidas de obri-
gações. Nesse sentido, pais que fazem sua parte
no cuidado dos lhos são celebrados, enquanto
atividades que mães eventualmente não fazem
são facilmente motivos para uma acusação de
negligência e ostracismo. Isto é, mães e pais
não são cobrados em suas responsabilidades de
cuidar de modo equalizado. As expectativas em
torno da maternidade são extremas, a ponto de
naturalizar a gura de mães como cuidadoras.
As experiências de maternidades são plurais, e
um ódio à maternidade além de poder ser variável
ao longo do tempo, pode se ligar a inúmeros fa-
tores. Sem pretendermos ser categóricas quanto
aos sentidos de um ódio manifesto à maternidade
na frase “amo meu lho, mas odeio ser mãe”,
propomos que um desses sentidos é o de uma
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denúncia das condições de maternidade, das
normatividades sobre essa relação de parentesco.
Esses relatos expressam a compreensão de
uma norma social e avaliações de si mesmas
como desajustadas. A tristeza expressa por algu-
mas delas é a expressão dessa compreensão de
desajuste. Abu-Lughod e Lutz (1990, 8) ressaltam
o caráter social das emoções, apresentando que
discursos emocionais se vinculam a questões
sociais. Diante disso, é interessante ver que a
culpa expressa por algumas interlocutoras, sen-
timento frequente também em espaços diversos
que congregam relatos sobre maternidades, fala
não apenas das próprias experiências, mas se
conectam a questões amplas como papeis de
gênero e normatividades sobre a relação entre
mães e lhos. Desse modo, as emoções, tal qual
(e vinculadas) às práticas de cuidado, participam
da construção da relação parental. A possibi-
lidade de colocá-las em pauta e questionar a
expectativa social de amor materno, ou apontar a
culpa, arrependimento, solidão, tristeza, e outras
emoções vistas como negativas, como partes
importantes das experiências de maternidades,
permitem propor formas alternativas de maternar
e construir as relações de parentalidade. Seja
propondo a partilha das atividades de cuidado,
em geral centralizadas nas guras das mães, ou
compreendendo maternidades como experi
-
ências complexas e não subsumíveis a apenas
aspectos prazerosos e de realização pessoal.
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Mayara Achilei de Freitas
Mestra e doutoranda em Antropologia pela Univer-
sidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo
Horizonte, MG, Brasil.
Sabrina Finamori
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Esta-
dual de Campinas (Unicamp), em Campinas, SP, Brasil.
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em Belo Horizonte, MG, Brasil.
Os textos deste artigo foram revisados pela SK
Revisões Acadêmicas e submetidos para validação
das autoras antes da publicação.