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Mosaico - Revista Muldisciplinar de Humanidades, Vassouras, v. 15, n. 1, p. 278-291, jan./abr. 2024.2024.
DOI 10.21727/rm.v15i1.4181
Aliação dos autores:
¹Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino da Universidade Federal Fluminense Campus Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro, Brasil.
2Doutora em Ciências da Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino da Universidade Federal Fluminense Campus Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro,
Brasil.
Email de correspondência: rosianefonseca@id.u.br
Resumo
Neste trabalho analisamos os desaos enfrentados na carreira docente, desde o “choque de realidade” e ao
longo do tempo em seu desenvolvimento deste prossional, entrelaçado à construção e reconstrução da sua
idendade. Analisamos os ciclos de vida prossional de professores na concepção de Huberman (1995) além
de dialogar com outros autores sobre a temáca. Realizamos a pesquisa com três professores do Curso Normal,
com diferentes tempos de magistério, de uma mesma escola de Trajano de Moraes-RJ. A metodologia é de
abordagem invesgação narrava, centrada no método qualitavo, exploratório-descrivo. As informações
foram construídas através de entrevistas semiestruturadas, e as análises das narravas em diálogo com o
referencial teórico, através da modalidade de pesquisa invesgação narrava, através das cognições narrava
e paradigmáca. Analisando os dados da pesquisa, conhecemos melhor, as trajetórias dos professores,
percepções sobre a docência enquanto atuação prossional, desaos enfrentados e experiências vividas na
formação do ser docente.
Palavras-chave: formação de professores; idendade docente; desenvolvimento prossional docente;
narrava.
Rosiane de Oliveira da Fonseca Santos1, Amanda Oliveira Rabelo2
A reading of narraves of professional life cycles of teachers in Huberman’s concept
Uma leitura das narravas de ciclos de vida prossional de professores
na concepção de Huberman
Recebido em: 04/11/2023. Aceito em: 15/04/2024.
Como citar esse argo. SANTOS,
R. O. F. RABELO, A. O. Uma leitura
das narravas de ciclos de vida
prossional de professores na
concepção de Huberman. Mosaico
- Revista Muldisciplinar de
Humanidades, Vassouras, v. 15, n. 1,
p. 278-291, jan./abr. 2024.2024.
Abstract
In this work, we analyze the challenges faced in the teaching career, since the “reality shock” and over me in
their professional teaching development, intertwined with the construcon and reconstrucon of the teaching
identy. We analyzed the professional life cycles of teachers in Huberman’s (1995) concepon, in addion to
dialoguing with other authors on the subject. We carried out the research with three teachers from the Normal
Course, with dierent teaching periods, from the same school in Trajano de Moraes-RJ. The methodology is
based on a narrave invesgaon approach, centered on a qualitave, exploratory-descripve method. The
informaon was constructed through semi-structured interviews, and the analysis of the narraves in dialogue
with the theorecal framework, through the research modality narrave invesgaon, through narrave
cognion and paradigmac cognion. Analyzing the research data, we get to know beer the trajectories of
teachers, percepons about teaching as a professional acvity, challenges faced and experiences lived in the
formaon of being a teacher.
Keywords: teacher training; teaching identy; teaching professional development; narraves.
Nota da Editora. Os argos
publicados na Revista Mosaico
são de responsabilidade de seus
autores. As informações neles
condas, bem como as opiniões
emidas, não representam pontos
de vista da Universidade de
Vassouras ou de suas Revistas.
Introdução
A atuação prossional na educação é um desao constante, é um movimento que implica construir
e reconstruir a idendade docente, pensar e repensar as prácas educavas, aprender de modo connuo.
Portanto, faz-se necessário um olhar com mais acuidade ao professor, para a sua formação, tanto inicial
quanto connuada, buscando compreender sua percepção sobre a docência, os desaos enfrentados e
como aprendeu a ser professor, intervindo em suas prácas pedagógicas codianas.
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Freire (1991, p. 58) enfaza que “Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro
a tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se
forma, como educador, permanentemente, na práca e na reexão sobre a práca”. Neste sendo,
compreendemos que não nascemos prontos ou escolhidos para exercer a função de educador, assim
como não se torna professor ao receber um diploma.
O aprender a ser professor e a formação para a práca pedagógica, ocorrem ao longo da vida
prossional, não se restringindo ao conhecer o que já foi produzido, mas invesgando e se reinventando
diante de situações novas que se revelam em nossos codianos, que trazem consigo novos desaos; neste
sendo é de suma relevância olhar para a trajetória formava do professor.
O educador Paulo Freire (2001, p. 42) defende a importância da reexão críca sobre a práca
docente codiana: “A práca docente críca, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico,
dialéco, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Assim, compreendemos a necessidade no ser docente, de
uma reexão, assim como uma relação indissociável entre teoria e práca. Este trabalho se propõe como
uma contribuição à reexão sobre a trajetória formava, que potencializa o fazer-se docente no trabalho,
em meio a desaos e mudanças constantes.
Considerando o objeto de estudo proposto, temos como aporte metodológico uma pesquisa de
abordagem qualitava, visando compreensão das experiências docentes. Silva e Menezes (2001) apontam
que esta forma de pesquisa considera haver uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, um
vínculo inseparável entre o mundo objevo e a subjevidade do sujeito que não se explica apenas em
números, sendo necessária a interpretação dos fenômenos pesquisados e a atribuição de signicados.
Quanto aos procedimentos técnicos, desenvolvemos um levantamento bibliográco, realizando um
estudo exploratório a parr de uma revisão bibliográca, efetuada nos autores referência sobre o tema e
também uma pesquisa de campo para levantamento e construção de dados junto aos professores através
de entrevista semistruturada seguindo um guião .
O levantamento e a construção de dados foram feito a parr de entrevistas semiestruturadas, após
a aprovação pelo Sistema CEP/CONEP. A opção pela mesma se dá por a entrevista construir uma narrava,
nos auxiliando na compreensão de experiências vivenciadas pelos professores em suas trajetórias
formavas no trabalho.
Nossa amostra é um grupo de 3 (três) docentes, com diferentes tempos de magistério: sendo 1 (um)
com até 6 (seis) anos, 1 (um) de 7 (sete) a 20 (vinte) anos e 1 (um) com mais de 20 (vinte) anos de trabalho,
que atuam em uma mesma escola pública, no curso de Formação de Professores a nível médio, da cidade
de Trajano de Moraes-RJ.
O tamanho da amostra foi reduzido levando em conta o tempo disponível para pesquisa, que passou
diversas etapas, não sendo viável a pesquisa com uma amostra grande e a necessidade de uma análise
cuidadosa das entrevistas narravas.
As entrevistas foram gravadas e transcritas para melhor apreciação, a idendade dos parcipantes
da pesquisa foi preservada, mantendo altos padrões prossionais de sigilo, para idencá-los usamos
nomes ccios.
A análise das entrevistas narravas segue a modalidade de pesquisa invesgação narrava. Esta
metodologia é importante para conhecer suas percepções sobre as experiências vividas na formação e
trabalho docente. Esta forma de análise tem Jerome Bruner como um dos principais autores, que nos
apresenta a narrava como uma forma de construção da realidade, uma interpretação do que passou e
constuição do vínculo social, que reitera as normas da sociedade (RABELO, 2011).
Tivemos o cuidado de escrever a palavra do outro, e não falar em nome do outro, ou seja, dar
voz aos professores dentro do trabalho, não nos colocar como representante, consciente que dados são
produzidos, não coletados, pessoas, enquanto seres pulsantes, não são meros objetos de estudo. E as
experiências sociais que os professores trazem consigo, para além de sua formação teórica, também
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precisam ser pensadas e contextualizadas.
Figura 1. Informações gerais sobre os professores parcipantes.
Fonte. Elaborado com base nas informações fornecidas nas entrevistas.
A pesquisa, enquanto construção coleva de narravas, é uma singela contribuição aos colegas
estreantes ao mundo da docência e aos que já estão trilhando este caminho, para que compreendam
melhor essa prossão que é tão desaadora, quanto gracante.
Análise dos ciclos propostos por Huberman na carreira dos professores
[...] o desenvolvimento do professorado vêm empregando os ciclos de vida prossional
como uma maneira de entender a carreira, a evolução prossional e ainda o grau de
compromisso ou implicação com a mudança e a inovação. (BOLIVAR, 2002, p. 50).
A trajetória da carreira docente é atualmente objeto de estudo de diversos pesquisadores, porém
as contribuições de Huberman (1995) são pioneiras na análise biográca da docência e classicação em
fases com caracteríscas próprias. Seus estudos clássicos, baseados na interpretação de dados empíricos
coletados através de entrevistas e quesonários com professores do ensino secundário na Suíça, nos
ajudam a compreender o percurso prossional em ciclos pelos quais os professores vivenciam em cada
etapa de suas trajetórias de formação em serviço.
Conforme descreve Marcelo García (1999), estudos como este são importantes para que possamos
compreender o desenvolvimento de professores, pois se propõem a estabelecer relações entre os ciclos
vitais dos professores e suas caracteríscas pessoais e prossionais.
Rossi e Hunger (2012), apontam que através da análise dos ciclos propostos por Huberman, é
possível compreender que as necessidades formavas e expectavas dos professores não são as mesmas
em cada período prossional.
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A análise de Huberman (1995) não é feita pensando na linearidade ou na imutabilidade das respostas
encontradas, ou que seriam comuns a todos os prossionais, porém procura-se vivências comuns a um
grande número de professores. Considera-se a individualidade de cada um dentro dos processos, e que
nem sempre todos vivenciarão a carreira da mesma maneira, havendo rupturas e connuidades em alguns
casos. Sobre isso Huberman (1995, p. 38) arma: “Para alguns, este processo pode parecer linear, mas
para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, desconnuidades”.
Concebe o professor como indivíduo histórico, construído em diálogo consigo mesmo, a nível
psicológico e também em interação externa em sua vida social, no plano sociológico. O indivíduo e a
organização são analisados em interação e inuência, um sobre o outro, as forças internas (maturacionais,
psicológicas) e externas (sociais, culturais, sicas) que se encontram em estado de tensão (HUBERMAN,
1995).
O autor invesga como os professores se vêem e se sentem em diferentes momentos de suas
carreiras prossionais desde o início, suas competências e formas de trabalhar, se relacionar com os
demais membros da comunidade escolar, as “crises”, os acontecimentos que impactam em sua atuação
prossional e a fase nal da carreira. Concordamos com o autor que a temáca é fascinante, desperta
curiosidade a qualquer pessoa interessada em estudos sobre a atuação prossional do professor.
Huberman (1995) considera que existem outras possíveis formas de estruturar o ciclo de vida
prossional dos professores, mas optou por uma perspecva clássica, a da carreira.
O autor delimita 5 (cinco) fases gerais que correspondem aos anos de carreira, compreendendo que
cada professor as vivencia em sua singularidade, pois é avo e tem suas caracteríscas próprias, as fases
são um processo connuo, cada fase é um novo estado, mas as fases não são homogêneas e lineares.
Porém, foram organizadas dessa forma, por serem observadas com mais frequência nas pesquisas.
Haveria, assim, fases, transições, “crises”, etc., atravessando a carreira do ensino e afectando
um grande número, por vezes mesmo a maioria, dos seus pracantes. Não avançamos com
um modelo linear e monolíco, mas falamos, apesar disso, na recuperação, várias vezes
efectuada, de “tendência centrais”, na carreira quer nos leitmove1das diferentes fases,
quer na ordenação dessas fases. (HUBERMAN, 1995, p. 47).
Huberman (1995) complementa:
[...] uma fase prepara a etapa seguinte e limita a gama de possibilidades que nela
podem desenvolver-se, mas não pode determinar a sua sequência. Ao mesmo tempo,
várias sequências não são simplesmente vividas, fenomenologicamente em termos de
connuidade, como, por exemplo, a fase de “diversicação” que se segue à etapa de
“estabilização”, para um grande número de professores, ou a fase de “quesonamento”,
que é quase sempre inesperada, ou mesmo a “serenidade”, para uns quantos, que surge no
momento em que menos se esperava. (HUBERMAN, 1995, p. 54).
Observemos a seguir, na Figura 2, um esquema resumido deste percurso das Fases da carreira
conforme o modelo proposto por Huberman (1995):
1 Leitmove, palavra alemã que podemos compreender a parr da denição proposta no Dicionário Online de Língua Portuguesa
que signica o condutor, frase, fórmula que ocorre por várias vezes em uma obra literária, em um discurso. Tema ou movo nuclear
persistente numa obra. Disponível em: <hps://www.dicio.com.br>.
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Figura 2. Fases da carreira: modelo de Huberman.
Fonte. Elaborado pelas autoras. Adaptado de Huberman (1995, p. 47).
Na fase da entrada carreira que dura até três anos para Huberman (1995), ocorrem os primeiros
contatos com o codiano da sala de aula, ou seja, é quando efevamente o professor vai assumir a
regência de uma turma, ocorre então um “choque com o real”, chegou a hora de colocar em práca os
conhecimentos adquiridos em sua formação; porém a realidade é bem mais complexa. Em diálogo com cf.
Fuller (1969), Field (1979) e Was (1980), Huberman (1995) usa o termo “sobrevivência” para caracterizar
essa situação de insegurança diante da realidade e o confronto com ideais que o iniciante traz consigo
sobre a prossão.
Não há consenso entre os autores sobre o tempo que dura a fase de entrada na carreira docente
e consequentemente as demais fases. Para Tardif (2014, p. 82), entre os primeiros 3 (três) a 5 (cinco)
anos, constroem-se as bases dos saberes prossionais, sendo também uma fase críca das experiências
anteriores e os reajustes necessários à nova realidade, sendo um rito de passagem, um “choque de
transição”, “choque cultural”, momento de descoberta, “choque com a realidade2”, “[...] confronto inicial
com a dura e complexa realidade do exercício da prossão, à desilusão e ao desencanto dos primeiros
tempos de prossão e, de maneira geral, à transição da vida de estudante para a vida mais exigente de
trabalho.”
Gonçalves (1995) concebe que a entrada na carreira ocorre até os 4 (quatro) primeiros anos de
docência, sendo momentos de oscilação entre uma luta pela sobrevivência diante do choque com a
realidade e a alegria de novas descobertas e possibilidades.
Para aquelas em que se mostrou marcante «a falta de preparação», efeva ou suposta,
para o exercício docente, a que se juntaram, na maior parte dos casos, «condições diceis»
de trabalho e o «não saber como fazer-se aceitar como professora», a entrada na carreira
redundou numa autênca luta entre a vontade de se armar e o desejo de abandonar a
prossão.
Para aquelas em que o início da carreira se mostrou «sem diculdades», tal foi o resultado
2 O termo “choque de realidade” foi citado primeiramente nos trabalhos de Kramer (1974) e, posteriormente, consagrado
por Veenman (1984) e outros autores, como por exemplo, Silkes (1985), Huberman (1989) e Gonçalves (1995).
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da autoconança, movada pela convicção de «estar preparada» para o exercício docente,
ainda que mais tarde, como reconheceram ao rememorarem momentos posteriores
da carreira, essa facilidade vesse sido menos real do que no momento lhes parecera.
(GONÇALVES, 1995, p. 164).
O professor vai sondando constantemente, oscila entre relações muito próximas aos alunos e muito
distantes, enfrenta diculdades de se relacionar com os que criam problemas, aige-se, quesona se vai
aguentar, o material didáco nem sempre se mostra adequado, tem diculdades com a práca pedagógica
e a transmissão de conhecimentos (HUBERMAN, 1995).
Marcelo García (1999, p. 28) concebe este momento como “o período de confrontação inicial do
professor com as complexidades da situação prossional”. O autor aponta que os programas de iniciação
prossional ajudam os professores iniciantes com o “choque com a realidade”, pois os preparam com
estratégias e assim podem reconduzir a situação (MARCELO GARCÍA, 2010).
Para Veenman (1984) a fase inicial da carreira pode durar até 5 (cinco) anos. Ressalta “o choque
de realidade” não é algo rápido e passageiro, mas um processo complexo de assimilação de uma nova
realidade que se impõe no codiano do professor iniciante; neste sendo, arma a importância da ajuda,
apoio, colaboração e treinamento dos professores iniciantes pelos mais experientes, pois em pouco tempo
assume a mesma responsabilidade de um professor com muitos anos de carreira.
A “descoberta” é um aspecto importante dessa fase inicial, quando o professor entusiasmado
já se sente parte do grupo de professores, está feliz por sua responsabilidade à frente de uma turma,
pois já venceu vários desaos. Estas fases podem ser vividas simultaneamente, ou com aspecto sendo
preponderante sobre o outro. Huberman (1995) ressalta que a “descoberta” ajuda o professor a aguentar
os desaos da “sobrevivência”.
Pode ocorrer ainda, conforme o autor, a indiferença daqueles que escolhem a prossão por
precisarem trabalhar, encaram como algo provisório, ou necessário para o sustento nanceiro e outros
movos, não gostando do que fazem. Os professores entrevistados nesta pesquisa não relataram a escolha
da prossão apenas como um trabalho, ao contrário, demonstram amorosidade pelo ato educavo, como
preconizado por Freire (1991).
Pode ocorrer também no ingresso na carreira docente, a serenidade em executar as prácas
pedagógicas, pelos que já iniciam com alguma bagagem de experiência, ainda pode ocorrer a frustração
com a carreira diante dos desaos enfrentados.
A “exploração” ou “tateamento” no início da carreira, de acordo com padrões denidos pela
instuição, perpassa os diferentes pers apresentados por Huberman (1995, p. 39): “esta pode ser
sistemáca ou aleatória, fácil ou problemáca, concludente ou enganadora”.
A professora entrevistada, Helena, vivencia neste momento essa fase de entrada na carreira, atuando
em seu primeiro ano na escola com dois níveis de ensino, os Anos Finais do Ensino Fundamental e o Ensino
Médio, curso de Formação de Professores. Relata que ao ter contato com as turmas que iria lecionar,
senu-se desesperada, quesonando a si mesma o que iria fazer, como iria connuar. A turma que deu sua
primeira aula nha um grande quantavo de alunos, mais de 40, se assustava ao ver “meninos gigantes”,
comparando a sua estatura que era menor. Chegou em casa, após o primeiro dia de trabalho, com dor de
cabeça, e falou à mãe, não vou conseguir. Quesonava-se sobre o que fazer, que não poderia desisr, que
precisava tentar, anal estava só no começo.
Com o passar dos dias, Helena senu-se acolhida pelos alunos, as aulas caram diferentes. Relata que
encontrava na fé, a força que precisava “rezava antes de dormir, meu Deus, me ajuda, me ilumina, Espírito
Santo, para eu conseguir dar minha aula.” Helena foi apoiada por prossionais da escola, já conhecia
muitos deles, e já havia sido aluna de quase todos, foi fazendo amizade com os alunos, conversando e
cando mais à vontade, e isso facilitou muito seu trabalho, ao nal do ano levo sena seu trabalho mais
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Considerando essa experiência, enfaza-se a importância do apoio de outros prossionais na iniciação
à docência, o senmento de incapacidade é algo que pode ocorrer, e somado a outros fatores como a
ausência de apoio, pode levar ao mal-estar docente, como aponta Nóvoa (1995). Neste caso, o apoio
recebido de outros prossionais e dos próprios alunos, foi essencial para que a professora conseguisse
superar os desaos iniciais.
O professor Hércules e a professora Maria, já vivenciaram há algum tempo essa fase de “professor
iniciante” e nas suas narravas sobre o início da carreira docente, relataram ter experiências parecidas de
inúmeras diculdades, porém as singularidades também se revelaram.
Hércules começou a lecionar nos anos nais do Ensino Fundamental, depois passou a atuar em
cursos de pré-vesbular e no Ensino Médio. Senu-se totalmente despreparado,em seu primeiro dia de
aula, assim como a Helena e muitos outros professores. Ele percebeu a sala de aula como uma caixa
de surpresa, o planejamento que trouxe consigo não deu certo, e foi percebendo que diversas vezes o
planejamento não vai dar certo, embora seja muito importante ao trabalho do professor.
Relata que seus primeiros 5 (cinco) anos de docência foram diceis. Sena-se “em choque”, nha um
projeto, uma expectava e começou a perceber que os anos iam passando e a expectava não ia sendo
alcançada. Descreve essa situação como sendo “um pouco frustrante”.
Ao falar sobre seu primeiro dia de aula, a professora Maria rememora: “eu quase enfartei”, tremia,
sena-se muito nervosa, “ve que tomar vários cafés para poder entrar.” Maria teve o apoio de duas
professoras que ela descreve como “essas duas professoras que eu tenho paixão” que a acolheram ao
lado de fora da sala. Lamenta que demonstrou à turma seu medo, sua insegurança, a turma era composta
por adolescentes, senu-se “testada o tempo” todo por eles. Maria arma que é importante dominar o
conteúdo, assim o professor sente-se mais seguro e passa aos alunos essa segurança.
Maria, como os demais professores entrevistados, não se senu preparada para aquele momento
ao chegar à sala de aula.
Porque, olha bem, a gente não se prepara para nada. Essa é a verdade. Porque cada
momento na sala te surpreende. Você acha que você está preparado para entrar, mas
quando você bate, é diferente. Então você fala assim, gente, eu não sei mais nada. Gente,
o que eu z não está legal. Gente, o que eu vou fazer?
Quando você gosta, quando você conhece o conteúdo. Eu acho que vem uma força de
Deus, eu acho que é isso. Que você, oh, então você muda. (Maria)
As maiores diculdades de Maria foram no primeiro ano de docência, mas com o apoio de amigos
e colegas de trabalho, professores experientes, ela foi conseguindo superar as diculdades, hoje após
muitos anos de trabalho sente-se segura.
As vivências dos docentes como iniciantes, reiteram a concepção de Huberman (1995) e demais
teóricos citados anteriormente, acerca da entrada na carreira docente. A insegurança no ingresso da
carreira foi relatada por todos os professores, o “choque com a realidade”, assim como a sensação de falta
de preparo para vivência da prossão. Huberman (1995) aponta que o distanciamento entre a teoria e a
práca, se revela quando o prossional não sente segurança diante da realidade da sala de aula e reete
sobre sua escolha e as possibilidades de aguentar determinadas situações.
Na fase inicial da docência, é o momento de mudança do papel de aluno, para professor responsável
pela turma, aumento de responsabilidades, prazos, relatórios, dar conta do currículo, novas demandas até
então desconhecidas. A forma como ocorre esse início inuencia toda a trajetória docente, contribuindo
para a saída ou permanência na prossão, a construção da idendade docente e o desenvolvimento
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prossional.
As narravas dos professores entrevistados revelam que os cursos de formação de professores,
mesmo com os estágios, não supriram a necessidade formava de preparar completamente para
a docência e para os desaos com o pé no chão da escola. Os professores formaram-se em cursos e
universidades diferentes, parculares e públicas, e nenhum deles senu-se preparado para a docência
no início de sua carreira, enfrentando diversas diculdades. Observamos também nas narravas dos
professores, conforme Tardif (2014) já indicou, uma tentava de reajuste a nova realidade, agora como
docente responsável pela turma.
A segunda etapa do ciclo, a fase da estabilização ocorre entre os quatro a seis anos de carreira, como
uma “tomada de responsabilidades” e compromemento pelo docente e assunção de consequências,
um momento de armação do eu, da idendade prossional. Esse período coincide com nal do estágio
probatório e ganho de estabilidade para os servidores públicos previsto na Constuição Federal de 1988, no
Art. 41 “São estáveis após três anos de efevo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento
efevo em virtude de concurso público.” (BRASIL, 1988).
Os professores, Hércules e Helena, demonstram em suas narravas já terem passado por esta fase,
ambos são concursados e efevos na carreira docente, sentem-se seguros no exercício de sua prossão,
superando a experiência desaadora do início da carreira docente.
A prossão é armada para si, perante os demais colegas e autoridades, compromete-se a exercer a
prossão dali em diante, uma escolha que implica abrir mão de outras idendades prossionais. Essa fase
pode também signicar fazer parte de um grupo prossional, emancipar-se, ter um pouco de liberdade no
planejamento e execução de suas aulas (HUBERMAN, 1995).
Percebemos na fala de Hércules, que ele passou por esse ciclo, ao armar que com o passar dos
anos começou a entender “a dinâmica real da sala de aula”, a entender o perl dos alunos, o contexto
que a escola está inserida, e para ele as coisas começaram a mudar. Professor Hércules sente que é um
bom prossional, que consegue atuar em contextos diferentes, entende que este é o papel de um bom
professor, estar preparado para atuar em contextos diferentes.
Como pontua Huberman (1995, p. 40), “a estabilização precede ligeiramente ou acompanha um
senmento de “competência” pedagógica crescente.” O professor sente mais conança, preocupa-se
mais com a execução de suas prácas pedagógicas do que consigo mesmo, pois não há tantas angúsas,
ele sente-se mais confortável diante de situações complexas ou imprevistas. Seu desejo é alcançar uma
melhor atuação a cada dia, ampliando seu nível de conhecimento, o prossional vai moldando um eslo
próprio de trabalhar, consegue fazer uma melhor gestão da turma, tem mais exibilidade, lida com mais
facilidade com os malogros que ocorrem.
Vêm à supercie, nesta fase, alguns temas colaterais. Em primeiro lugar, os termos como
exibilidade, “prazer”, “humor” emergem como leitmove. Com o domínio da situação,
no plano pedagógico, vem uma sensação de libertação ou, como explica uma professora
entrevistada por Lighooot (1985), o facto de estar a vontade no plano pedagógico traz
consigo um senmento geral de segurança e descontração: “eu já não nha que esconder
as minhas fraquezas, nem minhas peculiaridades... deixava-me conduzir, explorava as
situações imediatas, escutava as crianças com mais atenção... ria-me muito mais” (p. 255).
Em consonância a isso, a autoridade torna-se mais “natural”; as pessoas situam melhor os
limites do que é de tolerar e fazem respeitar melhor esses limites, com mais segurança e
espontaneidade. (HUBERMAN, 1995, p. 41).
Huberman (1995) arma que nesta fase de estabilização o professor consolida sua práca pedagógica,
sendo momentos posivos aos que a vivenciam. O professor não se cobra tanto, entende suas diculdades
e habilidades.
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Maria sente mais conança, arma que precisa estar sempre se atualizando, reconhecendo que a
docência ocorre em um ambiente de muitas mudanças e precisa estar se atualizando para acompanhar
os estudantes.
(...) a gente está sempre aprendendo a cada dia, mas o pouco que eu tenho, que eu sempre
sei pouco, porque a gente tem muito que aprender, me dá uma segurança, uma estabilidade,
uma segurança, para que eu possa buscar mais, porque o mundo está assim. (Maria).
Maria percebe mudanças ocorrendo no comportamento dos alunos a cada ano, pertencentes a
diferentes gerações e com conhecimentos e expectavas diferentes, seja nos conteúdos que precisam ser
atualizados diante as mudanças que ocorrem na sociedade e novas descobertas, e nas prácas pedagógicas
que não podem ser sempre as mesmas, pois precisam acompanhar toda essa mudança.
Outro aspecto importante a se considerar é que conforme Lanu e Bapsta (2021), a formação
inicial não capacita o professor de forma suciente para realizar o trabalho pedagógico para um ambiente
inclusivo. Ao iniciar o trabalho, mais um desao surge, exigindo do professor mais estudos, para que possa
em suas aulas promover a interação, construção de conhecimentos e superação de diversas barreiras, que
podem obstruir a parcipação plena e efeva de todos os alunos em condição de igualdade.
A formação connuada direcionada também para a Educação Inclusiva, contribui no desenvolvimento
do trabalho do professor em uma práca inclusiva “pautada no reconhecimento das necessidades de
cada estudante, nas adaptações necessárias do currículo e nos materiais didácos que favoreçam a
aprendizagem.” (TOLEDO, 2020, p.128).
Consoante Nóvoa (2017), nesta fase deve haver um constante esforço de atualização permanente
pelo professor, ressaltando a necessidade de programas de formação connuada, para suprir lacunas da
formação inicial e promover especializações em áreas diversas. Propõe que “[...] a formação connuada
desenvolve-se no espaço da prossão, resultando de uma reexão parlhada entre os professores, com o
obcjevo de compreender e melhorar o trabalho docente.” (NÓVOA, 2017, p. 1125).
A Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC/RJ), onde os professores entrevistados estão vinculados,
oferece cursos de formação connuada em diversos níveis como capacitação, atualização, extensão e pós-
graduação, online e presencial, em parceria com diversos instutos e universidades.
Helena, ainda não teve a oportunidade de fazer estes cursos oferecidos pela SEEDUC/RJ, mas arma
que gostaria de fazer.
A professora Maria, já fez diversos cursos por conta própria após o ingresso na prossão e também
cursos oferecidos pela SEEDUC/RJ, entre eles destacou o de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), Educação
de Jovens e Adultos e o de Políca Educacional. Maria arma estar sempre fazendo curso de capacitação
porque considera importante, gosta de estudar e como uma forma de atualizar-se e rememorar os
conteúdos. Conforme Maria, “a gente está na sala de aula, a gente precisa estar com novidades. Então,
estou sempre assisndo”, referindo-se a cursos e vídeos. Como critérios para escolha dos temas dos
cursos que irá fazer, destaca que seleciona conforme a disciplina que leciona, “Então, eu vou lá. Eu amo
Psicologia. Então, eu vou lá hoje, eu quero trabalhar Freud. Eu vou lá, pego tudo sobre psicanálise. Eu me
inscrevo, faço cursinho. Ou então, assisto várias aulas, de vários psicólogos. Eu gosto, porque eu tenho que
aprender.”
A postura de Maria demonstra sua preocupação com uma formação constante, além dos saberes
experienciais, denidos por Tardif (2014) como aqueles construídos na práca e na experiência formado de
todos os demais, há uma clara preocupação com a aquisição de novos saberes formais. Maria materializa
o que Freire (2001) preconiza, ensinar exige pesquisa e consciência do inacabamento, predisposição a
mudanças, conhecer aquilo que não se conhece e anunciar novidades.
Hércules, da mesma forma, procura sempre estar estudando, ao ingressar na carreira docente nha
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apenas a Licenciatura, depois cursou diversas pós-graduações lato sensu em diferentes áreas e Mestrado
na área da educação, também procura fazer os cursos oferecidos pela SEEDUC/RJ, arma que com a oferta
de cursos na modalidade a distância, facilitou muito e com isso, consegue fazer mais cursos. Considera a
qualidade dos cursos bons, mas faz algumas crícas:
Eles são muito bons. Eles só têm um problema. Eles são desconectados com a realidade da
escola. Pode ser que o docente esteja fazendo aquele curso ali e a realidade da escola dele
promova que ele aplique aquelas situações que ele viu durante o curso. Mas existem cursos
que são muito desconectados do contexto escolar. (Hércules).
O estado do Rio de Janeiro tem 92 (noventa e dois) municípios com realidades sociais e econômicas
bem disntas, com cidades com milhões de habitantes e outras com menos de 10 (dez) mil habitantes
(IBGE, 2022). Dessa forma, há de se pensar as parcularidades de cada região na oferta de cursos de
formação connuada pela SEEDUC/RJ. Fazendo crícas, o professor Hércules destaca que, além disso,
muitas vezes os cursos são montados por prossionais que não atuam em sala de aula na Educação Básica.
Conforme Freire (2001), a educação não pode ser neutra, compreendemos também que a mesma não
pode ser desconectada da realidade de cada escola.
Consciente desta situação, na escolha dos cursos Hércules tem como critérios observar o contexto
que atua e onde precisa aprender mais:
Eu observo muito o contexto. Então, às vezes, agora com a pandemia, por exemplo, a
gente nha... Já nhamos recursos tecnológicos, né? Mas a gente não usava. Então, com
a necessidade de usar, eu comecei a observar o que era importante conhecer, né? Por
exemplo, a gente... Até recursos didácos mesmo, estratégias de sala de aula, sala de aula
inverda. Era uma coisa que eu não sabia. E é uma coisa legal, funciona. Então, a gente tá
sempre observando o contexto para poder tentar selecionar os cursos que podem ajudar a
gente a atuar. (Hércules).
A fase da experimentação e diversicação, é o meio da carreira que ocorre entre os 7 (sete) a 25
(vinte e cinco) anos de carreira, tem muitas facetas, sendo marcada por tentavas de tornar as aulas mais
dinâmicas, fazer uso de novas metodologias e recursos na sala de aulas, o professor aqui já tem segurança
na sua atuação. Porém, se a instuição não lhe permite inovar, por ter regras rígidas, o professor que está
movado, encara novos desaos e se torna mais “avista” tentando mudar a situação, se comprometendo
assim com avidades colevas, aqui podemos exemplicar os sindicatos, grupos, comunidades em redes
sociais e outras associações, projetos signicavos que buscam por reformas (HUBERMAN, 1995).
A escola onde atuam os professores entrevistados apoia a inovação, aulas dinâmicas, projetos, uso
de material didáco diversicado, porém existem regras impostas pela Secretaria Estadual de Educação
que precisam ser respeitadas.
Maria gosta de estar sempre levando coisas novas à escola, diversicando suas aulas, integrando a
comunidades com projetos e campanhas, arma que os benecios são extensivos a todos da comunidade
escolar.
O professor Hércules, em busca de desenvolver melhor o seu trabalho e a atuar com mais segurança,
busca estudar connuamente e estar atento aos seus alunos, entender qual a demanda dos mesmos, o
que gostam, qual didáca funciona para eles, fazendo uso de novas didácas e novas tecnologias, mas
sem depender exclusivamente delas, compreende que o foco no aluno que é o fundamental.
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Tem turma que adora copiar, tem turma que não gosta. Tem turma que gosta de texto,
tem turma que não gosta. Tem turma que gosta de ler um livro, tem turma que gosta de
fazer avidade. Então, o que vai fazer esse engajamento dos seus alunos? Eu acho que é
fundamental isso. E segundo, estudar. Estudar. Estudar didáca, estudar o que de novo vai
aparecer, novas tecnologias. Porque a tecnologia pode ser um quadro, ela pode ser um
Power Point, ela pode ser a sua narrava. Eu já dei aulas maravilhosas só falando. E já dei
aulas péssimas usando várias tecnologias. Então, não é a tecnologia que vai denir. Então,
eu acho que estar atento aos alunos é fundamental. (Hércules).
Na fase da experimentação e diversicação, há também uma busca por autoridade, novas
responsabilidades e desejo por cargos administravos, como por exemplo, Coordenação Pedagógica,
Diretoria, Supervisão Escolar, por visualizar presgio nestes. Interessante observar que, como pontua
Marcelo García (2010), a ascensão prossional aqui se desenvolve fora da sala de aula, desvinculado da
avidade docente, consequência do despresgio prossional e más condições de trabalho.
A professora entrevistada Maria relatou já ter assumido cargos fora da sala de aula, na Coordenação
Pedagógica, através de contrato na rede municipal, relata que foi uma experiência boa.
Outra caracterísca marcante e complexa deste período da experimentação e diversicação é que
os prossionais “põem-se em questão”, ou seja, quesonam-se, reetem sobre suas vidas e carreiras,
se connuam, ainda dá tempo de fazer coisas diferentes, seguir outras carreiras, há um desencanto,
sentem-se mais acomodados a fazer estritamente que é pedido no trabalho diante da monotonia escolar,
Huberman (1995, p. 47) destaca que “os sintomas de tal atude podem ir desde uma ligeira sensação de
rona até uma ‘crise’ existencial efeva face à prossecução da carreira.”
É evidenciado por Huberman (1995) que todas essas experiências são determinadas por diversos
fatores como questões polícas, sociais, econômicas, vida familiar e são sendos de forma diferente entre
homens e mulheres.
Professor Hércules ao ser indagado se mudaria de prossão atualmente respondeu:
Não mudaria de prossão. Talvez... Essa pergunta é interessante, porque esses dias eu
estava conversando com os amigos, que são professores também. E tem um grupo de
amigos realizados e um grupo de amigos que não estão realizados. E esses acabaram tendo
uma prossão em paralelo, acabaram mudando e tal. E se eu vesse mudado, eu teria me
arrependido. Então hoje eu me sinto realizado na prossão. (Hércules).
Maria arma que não errou na escolha da prossão e não sente vontade de mudar, foi incenvada
pela mãe, e que conseguiu buscar em si a essência de educadora e sente que vale a pena.
A fase que ocorre entre os 25 (vinte e cinco) a 35 (trinta e cinco) anos de experiência, Huberman
(1995) compara a um “estado de alma” pode se materializar em atudes de serenidade, distanciamento
afevo ou de conservansmo.
A serenidade em sala de aula geralmente emerge de muitas reexões, e nem todos os professores
conseguem chegar a ela, por já ter vivenciado muitas situações, o professor consegue saber como lidar
bem com o que acontece, se aceita e não se importa tanto com as opiniões dos outros. Não há tanto
entusiasmo ou ambição, mas uma grande sensação de conança.
A professora Maria e o professor Hércules demonstram certa serenidade em relação à docência. O
professor Hércules sente-se um bom prossional que consegue atuar em contextos diferentes.
Maria sente prazer em dar aulas, ama o “olhar brilhoso e sincero de cada um”.
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Eu amo ver aquela coisa, quando você dá aquela aula, que eles cam assim, parcipando,
isso para mim é a coisa mais gracante. Eu chego aqui e falo, com minha amiga, estou
amando. Hoje minha aula foi assim… hoje minha aula foi assim… Porque a sinceridade do
aluno, do olhar desse aluno é muito gracante para você ser professor. (Maria).
Há casos onde ocorre também um distanciamento afevo dos alunos, age com mais rigor em relação
a sua posição prossional, não busca ter uma relação de proximidade e amizade com os alunos. Aqui o
professor não está tão jovem, então os próprios alunos também se distanciam por não ter tanta anidade,
não comparlhando os mesmos interesses, pertencendo a gerações diferentes (HUBERMAN, 1995).
Sobre a diferença de idade e falta de anidade com os alunos, Maria arma que trabalhar com “os
jovens de hoje” é um desao, por causa da rebeldia, por estarem agressivos, vocabulários muito chulos,
mas que vai aprendendo a lidar com essa situação.
Huberman (1995) arma que boa parte dos professores pesquisados por ele, faziam muitas
lamentações em relação aos alunos, aos outros colegas de prossão mais jovens, às polícas educacionais,
tornaram-se mais ranzinzas e demonstravam um senmento de nostalgia pelo passado, idealizando-o.
A fase nal do desinvesmento é descrita por Huberman (1995) como o momento de preparação
para a aposentadoria, entre 35 (trinta e cinco) e 40 (quarenta) anos de trabalho. Hoje em nosso país, nas
regras de aposentadoria, conforme a Constuição Federal de 1988 e a Emenda Constucional Nº 103 de
12 de Novembro de 2019, há uma redução no tempo mínimo de trabalho do professor para 30 (trinta)
anos e a professora para 25 (vinte cinco) anos de serviço efevo de docência. Mas vale lembrar que, os
anos de experiência exatos não são determinantes para as fases de Huberman (1995), sendo um processo
vivenciado pelo prossional em seu próprio ritmo.
Neste momento o professor, vai se acostumando com o m de sua carreira prossional, como
Huberman (1995, p. 46) sublinha “as pessoas libertam-se, progressivamente, sem o lamentar, do
invesmento no trabalho, para consagrar mais tempo a si próprias, aos interesses exteriores à escola e
a uma vida social de maior reexão [...].” Desse modo, ocorre de forma serena, o prossional olha sua
trajetória e aprecia o caminho percorrido.
Huberman (1995) pontua que o desinvesmento pode ocorrer também no meio da carreira, quando
os professores se frustram, estando desiludidos com os resultados do seu trabalho, assim a saída é amarga.
Neste sendo, Cardoso (2017) analisa que no Brasil, o desinvesmento tem ocorrido bem mais cedo do
que no tempo previsto por Huberman (1995):
As más condições de trabalho como, por exemplo, os baixos salários, a dupla e até tripla
jornada de trabalho, a falta de recursos materiais nas escolas, infra estrutura precária,
número alto de alunos por turma, são alguns dos elementos que contribuem para que os
professores não invistam na carreira. Além disso, muitos professores, por não encontrarem
nessa prossão o retorno que almejavam, desistem logo no início da carreira. (CARDOSO,
2017, p. 4290).
Os professores entrevistados, apesar das diculdades enfrentadas no codiano, não expressaram em
seus relatos o desejo de saída da carreira docente, em um movimento de desinvesmento neste momento
em meio a trajetória prossional, desejando seguir um percurso “ideal” e aposentar-se. Este percurso
“ideal” para Huberman (1995) seria a entrada na carreira, a estabilização, diversicação, serenidade e
desinvesmento de forma serena, porém cada prossional traça seu próprio caminho e é inuenciado
pelo contexto social.
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Considerações nais
Depreendemos que na trajetória da vida prossional do professor, o estabelecer-se é perpassado
por inúmeros acontecimentos, os contextos nas quais estão inseridos são diversos, assim como suas
movações, perspecvas, comportamento e necessidades. Há um diálogo connuo entre o sujeito e o
meio a qual está inserido.
A análise das narravas demonstrou o docente, como indivíduo histórico, construído e reconstruído
em diálogo consigo mesmo e com os outros. Neste sendo, percebemos a importância dos professores
conhecerem-se melhor e projetar cada fase de sua carreira, compreendendo que a prossão é permeada
de desaos, dilemas e conquistas, e que a carreira não é uma trajetória linear e simples, mas há ciclos
exíveis, e nem todos vivenciarão da mesma forma. Assim é importante estar em constante formação
e interação, em um recomeçar sempre, a cada novo desao que surge. Portanto, não há sendo uma
autocobrança excessiva e não se deve desisr diante dos primeiros desaos, compreendendo que os
momentos diceis podem ser superados.
As narravas demonstraram também, o quanto o apoio e diálogo são fundamentais aos professores
para o melhor desenvolvimento de seu trabalho, não só aos iniciantes, mas também aqueles que estão a
mais tempo na carreira. Porém não podemos deixar de destacar que o apoio aos iniciantes em parcular,
mostra-se fundamental, pois são os anos mais desaadores da carreira e podem denir o permanecer ou
não na prossão.
Considerando também os ciclos, ao elaborar propostas de formação connuada dos professores é
importante ponderar também sobre suas necessidades e sua trajetória prossional, analisando em que
momento da carreira os mesmos se encontram.
De acordo com as análises efetuadas e com base nas narravas, podemos concluir que é de suma
importância pensar a formação de forma ampla desde o ingresso nos cursos e durante toda a carreira
prossional, enquanto construção de conhecimentos sobre a prossão e de si mesmo. Fomentar prácas
dialógicas e de acolhimento pode contribuir na construção da idendade prossional de um educador
seguro e consciente no exercício de sua prossão, compromedo com uma ação transformadora da
realidade onde se insere.
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