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ARTIGO-PARECER: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE ASPECTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA CIÊNCIA

Authors:
https://creativecomm ons.org/licenses/by/4.0/
ENSA IO
Pesquisa e m Educação e m Ciências | 2024 | 26:e52025
DOI | http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172022240178
PERSPECTIVA
Ensaio
Pesquisa em Educação e Ciências | Belo Horizonte | 2024 | Volume 26 | e52025 1
Marcos Moraes CalazansI
https://orcid.org/0000-0002-5516-8471
I Universidade Federal de Ouro Preto, Instituto de Ciências Exatas e Biológica, Departamento de Física, Ouro Preto, MG, Brasil.
ARTIGO-PARECER:
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE ASPECTOS
ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA CIÊNCIA
RESUMO:
Este artigo-parecer origina-se dos comentários críticos feitos ao artigo original de autoria
de Carlos Sérgio Leonardo Junior, publicado no volume 25 de 2023 da revista Ensaio. É
proposta uma discussão crítica de aspectos das reexões ontológicas e epistemológicas da
ciência discutidos pelo autor em sua revisão bibliográca. É aprofundado o debate críti-
co iniciado no parecer sobre a aproximação feita pelo autor entre o materialismo dialético
e concepções intituladas de realismo e concepções do chamado marxismo ocidental. São
feitos apontamentos que contribuem para melhor denição das concepções do materia-
lismo dialético visando desenvolver seu uso na Educação em Ciências. Demonstra-se que
a concepção do realismo transcendental de Bhaskar, cuja revisão sugere aproximações ao
materialismo dialético, guarda mais anidades com o dualismo metafísico neokantiano.
As reexões contribuem para elevar a compreensão sobre o uso do materialismo dialético
como referencial na Educação em Ciências.
INFORME DE ARBITRAJE: UNA REVISIÓN BIBLIOGRÁFICA SOBRE
ASPECTOS ONTOLÓGICOS Y EPISTEMOLÓGICOS DE LA CIENCIA
RESUMEN:
Este artículo de opinión tiene origen en los comentarios críticos realizados al artículo ori-
ginal de Carlos Sérgio Leonardo Junior, publicado en el volumen 25 de 2023 de la revista
Ensaio. Se propone una discusión crítica de aspectos de las reexiones ontológicas y episte-
mológicas sobre la ciencia discutidos por el autor en su revisión bibliográca. Se profundiza
el debate crítico iniciado en el dictamen sobre el acercamiento realizado por el autor entre
el materialismo dialéctico y las concepciones denominadas realismo y las concepciones del
llamado marxismo occidental. Se realizan apuntes que contribuyen a una mejor denición
de los conceptos de materialismo dialéctico con miras a desarrollar su uso en la Educación
Cientíca. Se demuestra que la concepción del realismo trascendental de Bhaskar, cuya
revisión sugiere aproximaciones al materialismo dialéctico, tiene más anidades con el dua-
lismo metafísico neokantiano. Las reexiones contribuyen a aumentar la comprensión del
uso del materialismo dialéctico como referencia en la Educación Cientíca.
Palavras-chave:
Marxismo; Realismo;
Educação em Ciências;
Realismo Crítico.
Palabras clave:
Marxismo; Realismo;
Enseñanza de las ciencias;
Realismo crítico.
Ensaio
Pesquisa em Educação e Ciências | Belo Horizonte | 2024 | Volume 26 | e52025 2
ARTICLE-OPINION: A BIBLIOGRAPHIC REVIEW ON ONTOLOGICAL AND
EPISTEMOLOGICAL ASPECTS OF SCIENCE
ABSTRACT:
This opinion article originates from the critical comments made to the original article au-
thored by Carlos Sérgio Leonardo Junior, published in volume 25 of 2023 of Ensaio jour-
nal. A critical discussion of aspects of ontological and epistemological reections on science
discussed by the author in his bibliographic review is proposed. The critical debate initiated
in the peer review on the rapprochement made by the author between dialectical materia-
lism and conceptions called realism and conceptions of so-called Western Marxism is dee-
pened. Notes are made that contribute to a better denition of the concepts of dialectical
materialism with a view to developing its use in Science Education. It is demonstrated that
Bhaskar’s conception of transcendental realism, whose review suggests approximations to
dialectical materialism, has more anities with neo-Kantian metaphysical dualism. The
reections contribute to increasing understanding of the use of dialectical materialism as a
theoretical reference in Science Education.
INTRODUÇÃO
O debate sobre questões ontológicas e epistemológicas na Educação em Ciências é fundamental para
elevar a compreensão de pesquisadores e professores sobre os fundamentos teórico-losócos de suas pes-
quisas, e, em particular, de seus referenciais teórico-metodológicos. A não tomada de consciência sobre tais
fundamentos combinada com uma postura pragmática na investigação leva muitos pesquisadores da Edu-
cação em Ciências e de outras áreas a unirem por simples justaposição, de forma eclética e acrítica, distintas
teorias e métodos sem se aperceberem dos conitos e problemas ontológicos e epistemológicos que resultam.
No caso da Educação em Ciências este problema se torna ainda mais grave na medida em que estamos quase
sempre trabalhando com concepções losócas, historiográcas, pedagógicas e psicológicas combinadas, em
que todas envolvem compromissos ontológicas e epistemológicos.
A questão do realismo versus idealismo é um dos aspectos candentes que mobiliza professores e pes-
quisadores na Educação em Ciências e que envolve polêmicas questões ontológicas e epistemológicas. O
foco deste artigo-parecer é o de aprofundar as discussões acerca do uso do referencial marxista na Educação
em Ciências iniciado no parecer dado ao artigo publicado em 2023 na revista Ensaio Pesquisa em Educação
em Ciências de autoria de Leonardo Junior. O autor (Leonardo Junior, 2023) fez uma revisão bibliográca
de aspectos ontológicos e epistemológicos presentes em trabalhos publicados em periódicos e eventos im-
portantes da área de Educação em Ciências a partir da perspectiva do marxismo. A revisão crítica proposta
levantou os principais temas discutidos na literatura e trouxe reexões importantes desde o materialismo
dialético sobre aspectos ontológicos e epistemológicos nos 11 artigos elegidos. A análise crítica extrapolou
os limites da lógica formal fazendo importantes aclarações sobre a posição realista na ciência, a concepção de
mundo do marxismo e de seu uso na Educação em Ciências. Contudo, a análise da revisão sugere algumas
aproximações do materialismo dialético com posições ecléticas denominadas arbitrariamente de realistas por
alguns artigos de autores da Educação em Ciências presentes no corpus da revisão. Em particular, na primei-
ra seção, pretendeu-se ampliar e/ou confrontar a análise feita na revisão quanto às delimitações da concepção
marxista em relação a posições positivistas e pós-modernistas.
Keywords:
Marxism; Realism;
Science Education;
Critical Realism;
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Na segunda seção foram feitos apontamentos que buscam precisar os pressupostos teóricos do mar-
xismo em relação a concepções ecléticas dando ênfase ao problema da prática como fundamento da teoria
do conhecimento marxista. Estes apontamentos críticos contribuem para a tomada de consciência de pes-
quisadores da área da Educação em Ciências acerca da controvérsia sobre a relação entre teoria e prática no
marxismo e suas implicações pedagógicas. Debate este que ocorre já há mais de 40 anos entre pesquisadores
do campo da Educação. Nas últimas duas seções são discutidas a aproximação sugerida na revisão entre
marxismo e o realismo transcendental de Bhaskar. O realismo transcendental é uma losoa da ciência que
se propõe a superar as visões positivistas e pós-modernas e que tem seu mérito justamente em fomentar o
debate sobre uma concepção realista de ciência. Demonstro que o realismo transcendental, por preservar em
sua ontologia o dualismo kantiano desemboca necessariamente numa epistemologia idealista, de modo que
seu realismo contém o germe destas concepções que irão se manifestar em sua obra tardia.
APROFUNDANDO ASPECTOS SOBRE A CRÍTICA DO PARECER
A questão da crítica ontológica é introduzida principalmente nos 5 trabalhos classicados pelo autor
como “Concepção de mundo e de ciência” (Leonardo Junior, 2023). A polêmica realismo versus antirrea-
lismo aparece inicialmente a partir da discussão de três trabalhos: Bencze & Elshof (2004); Kang & Wallace,
(2005); Lin & Tsai (2017). Nesta seção discutimos os aspectos da crítica ao primeiro dos três trabalhos. A
motivação para esta escolha deve-se ao fato de que a análise crítica feita pelo autor da revisão sobre este tra-
balho em especíco apresenta problemas de ecletismo e de concepção no uso do referencial do marxismo.
Também queremos demonstrar o quanto uma revisão bibliográca crítica com base no materialismo dialéti-
co pode e deve ser profunda em discernir as concepções ontológicas e epistemológicas e criticá-las desde seu
ponto de vista. Neste sentido queremos demonstrar o equívoco cometido pelo autor da revisão em associar,
ainda que com algumas reservas, o realismo caracterizado por Bencze & Elshof com o materialismo dialético.
O trabalho de Bencze & Elshof (2004), apresenta um estudo de caso em que três professores de dife-
rentes áreas da educação básica são convidados a participar de uma imersão em um campo de pesquisa ecoló-
gica com o intuito de desenvolver concepções mais realistas sobre ciências. As posições dos professores antes
e depois da imersão são classicadas em termos de dois eixos (x e y) que representam contínuos ontológico
(realista e antirrealista) e epistemológico (racionalista e naturalista). Os resultados apontam que através da
imersão no trabalho de um grupo de cientistas e da subsequente reexão sobre as experiências os professores
participantes da pesquisa mudaram suas visões sobre a ciência e o ensino de ciências migrando de uma po-
sição racionalista-realista para uma posição naturalista-antirrealista. A primeira classicada pelos autores de
modernista e esta última de pós-modernista.
Conforme comentado no artigo de revisão bibliográca em tela os autores (Bencze & Elshof, 2004), não
denem ou discutem o que classicam como realismo e antirrealismo. As classicações presentes no contínuo
ontológico, de realismo e antirrealismo, e no contínuo epistemológico, de racionalismo e naturalismo são to-
madas de Loving (1991). Porém, este último também não apresenta em seu artigo reexões claras sobre estas
denições. Em que pese sua posição crítica em relação aos resultados da pesquisa de Bencze & Elshof (2004), a
análise de Leonardo Junior (2023), revela imprecisões quanto ao uso da concepção do materialismo dialético.
Sua crítica ao trabalho de Bencze & Elshof (2004) se limitou, grosso modo, a armar que neles “as crenças
ontológicas e epistemológicas são trabalhadas a partir da perspectiva do sujeito (abordagem epistemológica)”,
(Leonardo Junior, 2023, p. 9). O autor toma a caracterização de Tonet (2013) de abordagem ou ponto de vista
epistemológico/gnosiológico para tratar da problemática do conhecimento. Segundo Tonet (2013) as questões
relativas ao conhecimento do homem sobre o mundo são tratadas tendo o sujeito como seu polo regente.
Ainda que tomássemos por correta a classicação feita por Tonet (2013), ou, indo ainda mais longe,
que admitíssemos ontologia e epistemologia como dimensões rigidamente separadas como no pensamento
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metafísico,1 teríamos que admitir que a crítica não captura o erro fundamental do trabalho de Bencze & El-
shof (2004). Nos objetivos da pesquisa se propunha uma metodologia (imersão em comunidade de prática,
etc.) que buscava desenvolver visões mais realistas sobre ciência e, no entanto, nos resultados da pesquisa
arma-se que os professores assumiram visões supostamente antirrealistas. Como uma visão antirrealista
pode ser classicada de realista?
Não se trata, porém, de uma mera contradição em termos. Pressupõe-se que se a ontologia realista
for verdadeira uma imersão em um campo de pesquisa deveria desenvolver nos participantes uma concepção
realista e não antirrealista. A contradição é, portanto, essencial e fundamental e sua solução coloca a pes-
quisa dos autores contra a parede. A crítica de fundo que deve ser feita aos autores, desde o ponto de vista
do marxismo, é ao fato de haver no conteúdo de sua pesquisa uma defesa implícita da concepção idealista
(pós-modernista) que rebaixa a racionalidade humana (irracionalismo) substituindo-a pelo senso comum
(defesa da intuição frente a razão).
Cabe indagar se pode-se realmente inferir os resultados que os autores anunciaram (de que os profes-
sores assumiram posições antirrealistas) a partir dos dados coletados? Como parte da elaboração teórica do
trabalho são apresentadas uma série de características para denir as categorias modernista e pós-modernista.
Sem nos ater aqui aos problemas que decorrem da atribuição de determinações dicotômicas e generalizações
tão amplas nas classicações de modernistas e pós-modernistas, as falas e interações dos professores apre-
sentadas não parecem reforçar qualquer padrão pós-moderno e antirrealista. A amostragem de proposições
apoiadas por um dos professores (Colleen) após a experiência de imersão no campo de pesquisa é apresenta-
da como evidência de sua adesão a este ideário. Contudo, a armação, por exemplo, de que “o conhecimento
cientíco é nossa compreensão da realidade, não a realidade como ela é” (Bencze & Elshof, 2004, p. 1519) é
demasiado genérica e ambígua. Mesmo o realista mais ingênuo tem a trivial intuição de que nosso conheci-
mento não é idêntico à realidade.
Se analisarmos uma a uma as proposições apoiadas por Colleen vericamos que nenhuma caracteriza
uma defesa da intuição frente à razão ou uma defesa clara da ideia de que o conhecimento seja uma constru-
ção social no sentido que o pós-modernismo advoga. Ao contrário, o que indica é que há uma rejeição a uma
posição positivista da ciência que busca uma distinção rígida para diferenciar o que é ciência e o que não é.
A esta posição estaria associada à ideia de um método único, universal e absolutamente restritivo, condição
única e exclusiva para o conhecimento. Portanto, os resultados da pesquisa parecem indicar a rejeição pelos
professores de posições positivistas, e não modernistas em geral.
O outro questionamento que apenas levantamos como forma de chamar a atenção para os problemas
metodológicos que resultam do ideário pós-modernista é o de que as concepções dos autores e pesquisadores
do campo parecem enviesar os resultados da pesquisa. Os autores não delimitam se os resultados anunciados
foram produzidos pela imersão concreta na atividade de pesquisa ou pela inuência de posições teórico--
losócas de outros agentes como os pesquisadores do campo ou os próprios autores. Ao mesmo tempo eles
admitem a interferência dos pesquisadores do campo e a de si mesmos nos resultados da pesquisa.
Como mencionado anteriormente, nem Bencze & Elshof (2004), nem Loving (1991), de onde os
primeiros tiram as categorias usadas, discutem a fundo o conceito de realismo. Neste último, realismo e antir-
realismo são apresentados erroneamente como categorias ontológicas quando, a despeito dessa classicação,
são descritas como características puramente epistemológicas. Não há na denição dada por Loving (1991)
do eixo do contínuo ontológico qualquer enunciado de caráter realmente ontológico.
Para Loving, o contínuo realismo-antirrealismo está associado à noção de verdade. Vejamos como o
autor dene o contínuo, erroneamente nomeado de ontológico: “se as teorias reinantes representam a verda-
de e realidade (realista), meros modelos do que funciona melhor (antirrealista), ou algum lugar entre eles (no
eixo y)” (Loving, 1991, p. 827, tradução livre).
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Assim, o que gura como contínuo ontológico na abordagem de Loving é, na verdade, uma oposição
entre o conhecimento tomado como busca pela verdade e a concepção convencionalista de modelos apresen-
tados como polos de um contínuo. Há uma nítida confusão sobre ontologia e epistemologia aqui. O pro-
blema da verdade, ou seja, aquele que centra nos critérios que nos permitem distinguir uma proposição ou
enunciado como verdadeiro, é, precipuamente, o problema epistemológico mais fundamental para muitas
tradições losócas, especialmente as que tem origem no kantismo.
Se levado ao extremo, como problema da demarcação ou delimitação (do que é ciência e o que não é
ciência) o problema da verdade deriva no pensamento do empirismo lógico ou neopositivismo do Círculo
de Viena. Pensamento este que rejeita todo tipo de ontologia. Não é aleatória a classicação que faz Loving
(1991), atribuindo como um dos exemplos de uma posição supostamente racionalista-realista o lósofo neo-
positivista, reconhecido membro do Círculo de Viena Carl Hempel. A maioria dos lósofos ou cientistas
membros do círculo de Viena não aceitaria o atributo de realista no sentido plenamente ontológico do ter-
mo, já que para eles falar em uma realidade para além do mundo empírico, além da experiência imediata, seria
um grotesco preconceito metafísico.
Portanto, o erro cometido por Bencze & Elshof (2004) não se trata de assumir uma abordagem ou
ponto de vista epistemológico no tratamento de questões ontológicas, tal como apontado pela revisão crítica
aqui discutida. Trata-se antes, de um erro ainda mais fundamental, qual seja, o de classicar (do ponto de
vista formal) como ontológicos enunciados de natureza puramente epistemológica. Se entendemos enun-
ciados ontológicos como aqueles que versam sobre o próprio ser e não sobre o conhecer então, não há, na
descrição do contínuo ontológico feita pelos autores, nenhum enunciado do tipo que possa ser abordado
sob qualquer ponto de vista.
Evidentemente que, extrapolando-se o nível da análise formal, se pode falar em uma epistemologia
realista como aquela que pressupõe que nosso conhecimento sobre o mundo parte da apreensão do objeto
tal como ele é. Ou seja, que as percepções que temos dos objetos do mundo correspondem aos objetos reais
e independentes de nossa consciência. Neste sentido, ela seria indubitavelmente uma epistemologia que se
assenta em uma ontologia realista. Do mesmo modo, no outro extremo deste contínuo, que é formalmente
epistemológico e não ontológico, teríamos uma epistemologia idealista, (assentada em ontologia idealista)
denominada aqui de antirrealista.
Assim notamos que ao tomar ontologia e epistemologia como uma unidade dialética o erro dos auto-
res se desfaz. Epistemologia, na medida em que devém de uma ontologia e é condicionada por ela, é ao mes-
mo tempo ontologia. Contudo, do ponto de vista formal, ou seja, ao tomarmos epistemologia e ontologia
não em sua interrelação, mas isoladamente, temos um equívoco em classicar este contínuo de ontológico.
A ABORDAGEM ONTOLÓGICA E A NEGAÇÃO DA PRÁTICA COMO
FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Não é objeto deste trabalho discutir a fundo o erro da visão de Tonet (2013) e outros leitores contem-
porâneos do chamado marxismo ocidental. Contudo, com o objetivo de aprofundar o debate iniciado no
parecer, problematizamos o modo como as referências teóricas são conjugadas de modo eclético pelo autor
da revisão em sua fundamentação do marxismo. Como este é colocado indistintamente ao lado do marxis-
mo ocidental, e como isso o conduz a este e outros erros apontados neste trabalho. Com este propósito, me
preocupei em discutir, ainda que de modo introdutório, as categorias da prioridade do ontológico (Lukács,
2012), e a do “ponto de vista ontológico” de Tonet (2013). Antes, porém faço uma breve contextualização
do debate sobre o tema iniciado com o parecer.
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No parecer ressaltei que, embora a opção do autor por diluir a exposição dos fundamentos e catego-
rias teóricos ao longo da análise crítica dos 11 trabalhos elegidos ao invés de concentrá-la em uma seção não
fosse em si uma escolha errada, ela tornara a explicitação de algumas categorias teóricas de difícil compreen-
são para o público de leitores da Educação em Ciências que não domina o referencial. Em especial, destaquei
que uma das críticas de maior peso no trabalho, trata-se das considerações lukacsianas sobre a primazia gno-
siológica nas teorias modernas, junto da abordagem desde o ponto de vista do sujeito no trato das questões
epistemológicas (TONET, 2013), categorias que não apareciam anteriormente na exposição e fundamenta-
ção teórico-metodológica do trabalho (salvo em um breve comentário no segundo parágrafo da introdução).
Argumentando estar de acordo com os pressupostos do materialismo histórico e dialético, o autor
defende que as categorias que utiliza são tanto apresentadas como explicadas na própria análise, de forma
sucinta, dentro dos limites do trabalho. Este modo de proceder estaria, supostamente, em conformidade
com a premissa marxista de que é a partir de seu objeto que o investigador identica categorias que podem
ser mobilizadas na análise/discussão, não podendo estas serem denidas a priori.
Aqui há uma nítida confusão entre método de investigação e método de exposição. O fato de o mar-
xismo rejeitar qualquer noção de categorias apriorísticas (como em Kant) no processo investigativo não im-
pede, ou melhor, não exime este investigador de, após concluída a análise (método de investigação), descrever
as categorias teóricas com a máxima clareza e profundidade ao comunicar os resultados de sua pesquisa
(método de exposição), para que o público consiga compreender a análise e seus resultados. A questão em
discussão no parecer é que a opção de fazer a exposição das categorias junto da própria análise, como uma es-
colha metodológica que visa manter uma certa coerência entre a investigação e a exposição, não pode ser um
impeditivo para a máxima clareza, riqueza de detalhes e profundidade. Ao contrário esta opção é conveniente
sempre que isto tornar a exposição mais clara e profunda. Este é o caso de alguns momentos importantes dos
alfarrábios do marxismo, como em O Capital onde a exposição de Marx de categorias fundamentais na obra
como as de mercadoria e valor lhe custou alguns capítulos, mas, como nestes casos, quase sempre o autor o
faz descrevendo o próprio objeto, mas nunca prescindindo de analogias e relações que o extrapolam indo do
geral ao particular e do abstrato ao concreto.
Em comentários anexos ao parecer eu localizei a falta de clareza apontando para a crítica feita ao traba-
lho de Bencze & Elshof (2004), da necessidade de explicitar melhor o que signica tratar as visões e perspec-
tivas a partir de uma abordagem epistemológica. Ocorre que o ato de explicitar uma categoria demonstrando
em detalhe suas relações com o objeto é parte fundamental da análise (aqui ca expressa a unidade de inves-
tigação e exposição) e pode revelar possíveis erros conceituais importantes ou até mesmo a inadequação da
categoria, como é o caso em tela. Por outro lado, em razão de a categoria em questão (ponto de vista ontoló-
gico), não ser de autoria própria, mas elaborada por Ivo Tonet (2013), recomendou-se uma exposição prévia
diferindo dos casos mencionados acima em que uma categoria é formulada, ou suprassumida, no processo
de análise. Evidentemente, isso não suprime a necessidade de um retorno à categoria no processo de análise,
agora, unida ao objeto, o que tornaria a análise mais profunda e a exposição mais completa.
A teoria sobre o ponto de vista ou abordagem ontológica de Tonet é desenvolvida a partir de leitores
lukacsianos2 e do próprio Lukács com a teoria da prioridade do ontológico. Esta, por sua vez, se assenta na
teoria marxiana (distinta, segundo os próprios autores lukacsianos, da marxista)3 da ontologia do ser social
(Lukács, 2018). Tonet (2013) arma que as questões relativas ao conhecimento podem ser tratadas sob um
ponto de vista ontológico ou sob um ponto de vista epistemológico. Ele resume assim sua ideia:
A problemática do conhecimento se resume, em seus termos mais essenciais, à relação entre um sujeito e
um objeto. Simplicando, ainda, podemos dizer que, nessa relação, o peso maior (prioridade) pode estar do
lado do sujeito ou do objeto. No primeiro caso teremos um ponto de vista gnosiológico. No segundo caso,
um ponto de vista ontológico. Trata-se, portanto, aqui, da resposta à pergunta: quem é o polo regente do
processo de conhecimento? (Tonet, 2013, p. 13).
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Considero que esta teoria constitui um centro de gravidade no artigo de revisão crítica aqui discutido.
Logo na introdução do trabalho o autor cita a crítica de Lukács ao neopositivismo apontando como este “des-
terrou nominalmente a ontologia”, etc. (Leonardo Junior, 2023, p. 2). No m da introdução o autor destaca,
antecipando suas considerações nais, que: “é necessário não apenas resgatar a discussão losóca na pesquisa
e na educação, mas também resgatar a prioridade da dimensão ontológica” (Leonardo Junior, 2023, p. 2).
O erro da visão dos leitores contemporâneos de Lukács como Tonet (2013), consiste, primeiramente,
em sua rejeição implícita à prática. Dela segue-se o estabelecimento de uma separação rígida (própria do
pensamento metafísico) entre ontologia e epistemologia. Embora os autores lukacsianos armem a unidade
entre ontologia e epistemologia como o “ontoepistemológico” (Leonardo Junior, 2023, p. 13), ao substituir
a crítica materialista dialética por uma “crítica ontológica” pendem para um método especulativo que ao
rejeitar a prática como mediação entre o ser e o conhecer rompem a unidade proferida.
Trata-se de uma substituição da teoria do materialismo dialético pela teoria da ontologia do ser social
de Lukács (2018). Enfatizamos que não são equivalentes. Esses autores se distanciam do materialismo dialé-
tico ao denir como um critério geral suposto ponto de vista ontológico em substituição da visão corrente
do marxismo, cuja crítica está fundada na distinção fundamental entre materialismo e idealismo conforme
Lenin enfatiza retomando Engels:
Engels declara no seu Ludwig Feuerbach que o materialismo e o idealismo são as correntes losócas fun-
damentais. O materialismo toma a natureza como o primário e o espírito como o secundário, coloca em
primeiro lugar o ser e em segundo o pensamento. O idealismo faz o contrário. Engels põe em relevo a impor-
tância desta distinção fundamental dos «dois grandes campos» em que se dividem os lósofos das «diferen-
tes escolas» do idealismo e do materialismo, acusando diretamente de ‘Confusionismo’ os que empregam
noutro sentido os termos idealismo e materialismo. (Lenin, 1982, p. 75)
Quando Engels arma que materialismo e idealismo são as correntes losócas fundamentais ele es-
tabelece um corte para toda crítica losóca. Todo posicionamento teórico-losóco deve ser feito con-
siderando-se este critério fundamental, sob pena de se cair na completa inaptidão em resolver problemas
teórico-práticos importantes.
Nos contentamos aqui em alertar para o equívoco de substituir este corte fundamental, critério de toda
crítica marxista, pela ideia genérica da prioridade do ontológico em relação ao epistemológico. A rigor, dizer
sobre a prioridade da ontologia não diz nada sobre que tipo de ontologia se está considerando como predomi-
nante? Aristotélica, heideggeriana, hegeliana ou marxista? É uma ontologia idealista ou materialista? O fun-
damento do marxismo é a concepção de mundo do materialismo dialético e não a prioridade do ontológico.4
Este problema ca evidente quando o autor da revisão que aqui analisamos argumenta em favor da
aproximação da teoria do realismo crítico/transcendental de Roy Bhaskar com o marxismo armando que
aquela reivindica a “prioridade da ontologia na produção de conhecimento cientíco sem que ela seja relati-
vizada” (Wagner & Silveira, 2019; Yucel, 2018, citados por Leonardo Junior, 2023, p. 10). Aproximação esta
que discutiremos mais a fundo na parte nal deste trabalho. De momento, queremos apenas salientar o modo
como a substituição aparentemente despretensiosa das categorias fundamentais do marxismo (materialismo
dialético e histórico, contradição, exploração, imperialismo, etc.), contribui para tornar mais palatável sua mis-
tura eclética com outras tradições metafísicas e/ou idealistas transformando sutilmente seu conteúdo.
Do ponto de vista do marxismo a questão da prática se coloca na ordem do dia como fundamento do
conhecimento, de modo que, compreende-se que é precisamente ao intervir na realidade transformando-a
que se criam as condições para o conhecimento das determinações mais essenciais. Para o pensamento mar-
xiano, ao contrário, o que se coloca na ordem do dia é uma espécie de dissecação interna do pensamento e
obra dos autores da tradição, da de Marx em especial, visando a referida reconstrução da doutrina que julgam
necessária. A questão da prática sempre aparece para os autores lukacsianos como uma nota de rodapé, como
forma de se repetir formalmente sua importância ao lado e em unidade dialética com a teoria.
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Só se pode alcançar toda a amplitude do sentido que a dimensão da prática toma na concepção dialética
do conhecimento se se extrapolam os limites do academicismo em voga, em que o fazer teórico é tomado como
um labor ensimesmado e auto justicado. Para exemplicar essa problemática recorro a citações que colocam a
questão da relação teoria e prática no próprio desenvolvimento da doutrina do marxismo e suas implicações para
o campo da educação em ciências. Tonet (2007, p. 10), tratando das perspectivas do campo denominado por ele
de intelectuais de esquerda, apresenta de modo claro, como a suposta demanda de uma refundação puramente
escolástica do marxismo coloca a questão da prática, como prática política revolucionária, em segundo plano:
Neste contexto, os intelectuais verdadeiramente de esquerda – aqueles que defendem – não apenas procla-
mam, mas sustentam de modo articulado e sólido – a superação radical do capital como conditio sine qua
non para a enticação da humanidade numa forma superior são uma ínma minoria. E é inevitável e justa
a pergunta: o que fazer? (...) De modo que é nesta situação adversa que cabe à intelectualidade de esquerda
uma tarefa extremamente importante e complexa: reconstruir a teoria revolucionária. Daí, pois, a impor-
tância da ideia de refundação [do marxismo] que não deve ser entendida em sentido nem meramente nem
principalmente político, mas no sentido de reconstruir, a partir da própria base o conjunto da teoria revolu-
cionária. Aliás, seja dito de passagem, tomar esta ideia pelo lado político, ou seja, como organização de um
novo (?) partido, ainda que armado de novas (?) ideias, é índice de que não se entendeu, em profundidade,
a natureza da crise da perspectiva do trabalho.
A ideia de uma reconstrução do marxismo desvinculada da prática política educativa e revolucionária
conduz à perda de seu núcleo ativo e crítico, transformando-o numa doutrina petricada como um conjun-
to de dogmas. Um exemplo concreto das implicações deste afastamento da prática como fundamento da
doutrina, trata-se da seguinte polêmica que se desenrola no campo da educação há pelo menos três décadas5
e que Duarte et al. (2011) sintetizam do seguinte modo: pode o marxismo fundamentar uma pedagogia que
oriente a elaboração e realização de uma proposta pedagógica orientada pela perspectiva da superação do
capitalismo, ou seja, pela perspectiva socialista?
A resposta dada pelas diferentes correntes de interpretação do marxismo a esta questão, coloca de
modo essencial o sentido da relação entre teoria e prática na concepção marxista. Ela expressa a divergência
entre aquela posição especulativa que se põe a teorizar sobre uma póstera e genérica educação anticapitalista
que promova a emancipação humana em um futuro distante sem se atrever a pisar o espinhoso terreno da
prática educativa no chão da escola e aquela que, sem perder de vista o horizonte da emancipação do homem,
se coloca hoje no chão da sala de aula a construir prática e teoricamente uma proposta pedagógica concreta.
Vejamos a resposta de Tonet a esta indagação:
Dissemos, acima, que a educação é uma mediação para a reprodução social. E que, numa sociedade de clas-
ses, ela, necessariamente, contribuirá predominantemente para a reprodução dos interesses das classes do-
minantes. Daí a impossibilidade de estruturar a educação, no seu conjunto, de modo a estar voltada para
a emancipação humana. É por isso que entendemos não ser possível “uma educação emancipadora”, mas
apenas a realização de “atividades educativas emancipadoras”. A nosso ver, é perda de tempo querer pensar
uma educação emancipadora (conteúdos, métodos, técnicas, currículos, programas, formas de avaliação, etc.)
como um conjunto sistematizado que possa se transformar em uma política educacional (Tonet, 2007, p. 38).
Nesta polêmica com Ivo Tonet e outros lukacsianos, Saviani (2013), discorre sobre a postura do inves-
tigador demonstrando qual o papel da elaboração teórica e o erro de tal método especulativo:
Não sou dado a exegese ou hermenêutica de textos. Por isso sempre me recusei a tomar um autor por ele
mesmo e me debruçar sobre seus escritos tentando decifrá-los para expor o núcleo de seu conteúdo. (...)
Em suma, recorro aos autores não para chegar à interpretação supostamente correta de seus textos na linha
lológica ou hermenêutica. Nunca estudei os autores pelos autores. Recorro a eles para poder compreender
melhor a realidade e responder aos problemas enfrentados [na prática]. (...) O problema é que, em geral, as
cobranças que me são feitas justicadas pela exigência de uma leitura el de Marx, nuns casos, e de Gramsci,
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em outros, via de regra decorrem de leituras de gabinete, que se comprazem em confrontar textos (os meus)
com textos (os dos autores de referência) quando o que importa, conforme a tese 2 de Marx sobre Feuerba-
ch, é confrontar os textos com a realidade (p. 188-189).
Na citação de Marx mencionada por Saviani se encontra exposta a determinação mais fundamental
de uma epistemologia de orientação marxista em que o problema de fundo é o de conceber teoria e prática
como uma unidade de modo a confrontar a todo momento a teoria com a prática.
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas
prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno
de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da práxis – é uma
questão puramente escolástica. (Marx & Engels, 2007, p. 533).
Este é o erro fundamental da visão marxiana/Lukacsiana e de outros autores do “marxismo” acadê-
mico. Trata-se de uma contradição que opõe de modo claro e decisivo duas posturas metodológicas distintas,
a marxista e a marxiana. Nesta última a elaboração teórica está voltada à análise introspectiva das categorias,
enquanto na primeira as categorias teóricas emergem da reexão das determinações do mundo real e estão,
no processo de seu desenvolvimento, sempre em unidade com estas. Deste modo, não se encontram nos al-
farrábios do marxismo qualquer problema teórico que não seja considerado apenas em sua interação com as
questões candentes e práticas das necessidades humanas de transformação da realidade existente. Esta é uma
condição de salubridade do método. A razão entregue à pura hermenêutica das categorias perde sua conexão
com o real, dado ao pensamento por intermédio da prática social, e pende de modo inevitável para o idealis-
mo com suas formulações hipostasiantes do pensamento introvertido.
SOBRE O REALISMO CRÍTICO DE BHASKAR: O QUE É
TRANSCENDENTAL PODE SER REALISTA?
Nesta seção discuto as aproximações feitas pelo autor da revisão (Leonardo Junior, 2023) entre mar-
xismo e realismo crítico (2008). O realismo crítico ou realismo transcendental é uma corrente de pensamen-
to em losoa que se originou com as ideias do britânico Roy Bhaskar em 1975 com a publicação de sua obra
A realist theory of Science (Bhaskar, 2008a). Se propõe a oferecer uma losoa da ciência realista alternativa
às tradições positivistas e pós-modernistas da ciência.
Partindo do método transcendental kantiano o autor se propõe a construir uma ontologia realista que
descreve o mundo a partir de categorias ontológicas determinadas, através de argumentos transcendentais em
relação às condições de possibilidade da ciência (Bhaskar, 2008a). Deste modo, a pergunta que fundamenta o
método transcendental kantiano, quais as condições a priori que tornam nossa experiência inteligível, é substi-
tuída pela seguinte: dado que possuímos teorias cientícas que funcionam bastante bem como explicações do
mundo, como deve ser o mundo para que a ciência seja possível? Como resposta a esta pergunta fundante o au-
tor propõe, então, uma ontologia com base em um mundo estruturado e diferenciado. Assim, um aspecto fun-
damental de sua ontologia é a consideração de duas dimensões distintas, a transitiva e a intransitiva. A primeira
é composta pelo conhecimento previamente estabelecido, tal como teorias cientícas, tecnologias, os fatos ob-
servacionais e as ferramentas para a investigação cientíca, tais como métodos e modelos, etc. Sua caracterização
da dimensão transitiva diz respeito, conforme argumenta o autor, ao caráter transitório e relativo das teorias.
A dimensão intransitiva, por sua vez, numa analogia com o sentido gramatical de não depender de
complementos para assegurar uma existência em si (Rodriguez, 2020), é a do mundo objetivo em que ope-
ram uma série de mecanismos reais. Portanto, a categoria ontológica da dimensão intransitiva está assentada
na concepção da necessidade natural em que o real é constituído por mecanismos geradores que existem e
atuam de forma bastante independente do homem.
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Há, segundo Bhaskar (2008a) uma distinção ontológica entre uma conjunção constante de eventos
e as leis causais. Ou seja, deve haver, segundo o autor, uma independência entre os mecanismos geradores
e uma sequência causal de eventos por eles produzidos. Mais ainda, o autor distingue entre mecanismos,
eventos e experiências, de modo que o objetivo nal da atividade cientíca seja o do conhecimento dos me-
canismos que geram os eventos e as experiências. Analogamente, os eventos ocorrem de modo independente
das experiências em que eles são apreendidos pelos homens.
Das distinções acima descritas decorre que a realidade é considerada estraticada em três domínios: real,
factual e empírico. No empírico estão contidos todos os entes apreendidos pela experiência do homem consti-
tuindo o conhecimento sensível. O domínio factual abrange os entes e processos que não necessariamente são
percebidos, mas que estão disponíveis à percepção do homem. Constitui aquilo que potencialmente pode se
tornar conhecimento sensível. Já o domínio do real é constituído pelos mecanismos geradores, duradouros e
independentes do homem. Estes não podem ser imediatamente percebidos pela mente do homem, sendo per-
cebidos apenas pela mediação dos resultados que seus poderes causais provocam sobre os eventos e experiências.
A obra de Bhaskar, segundo Mervyn Hartwig, que escreve a introdução do livro Dialectic the pul-
se of freedom (Bhaskar, 2008b), passou por uma evolução que tem seis diferentes momentos: 1) realismo
transcendental; 2) naturalismo crítico; 3) críticas explicativas; 4) realismo crítico dialético; 5) realismo crítico
dialético transcendental; e 6) losoa da meta-realidade. Um erro muito comum que se apresenta em vários
trabalhos que discutem a losoa da ciência de Bhaskar é a de tomar a primeira parte de sua obra (realismo
transcendental) de forma isolada do conjunto.
Embora existam diversos autores que façam críticas às tentativas de aproximação entre a losoa de
Bhaskar e o Marxismo (Almeida & Vaz, 2011; Della Fonte, 2005; Duayer, 2001, 2010; José et al., 2012; Pra-
do, 2009; Rodriguez, 2020), as dissonâncias são mais signicativas e profundas que as congruências consi-
deradas pelos referidos autores. Como arma Prado (2009, p. 19) há “certa convergência entre Hegel e Marx
na compreensão do método da ciência e que, justamente em virtude dela, existe uma distância considerável
entre as teses desses dois autores clássicos e as teses de Bhaskar”. Callinicos (Bhaskar & Callinicos, 2003),
pretende discutir a obra de Bhaskar desde o ponto de vista marxista. Contudo, o autor sugere uma adesão
crítica ao realismo crítico de Bhaskar mesmo apontando incoerências no método transcendental deste e no
uso da categoria liberdade como fundamento de sua ontologia.
Na obra Critical realism and marxism (Brown et al., 2005) os autores tentam sumarizar argumentos
do debate entre favoráveis e contrários à conciliação entre marxismo e realismo crítico. No entanto, nesta
obra a maior parte dos argumentos são em favor da aproximação de ambos e os argumentos contrários são
rasos. Rodriguez (2020), em uma tese de doutorado nacional, arma que a ontologia proposta por Bhaskar
está baseada na de Marx e tenta associar o método transcendental de Bhaskar ao método de Marx em O capi-
tal. De outro lado, Prado (2009, p. 21) argumenta que enquanto o método de Marx “concebe a investigação
como momento da compreensão da totalidade social que vai do concreto aparente às determinações abstra-
tas da realidade social, Bhaskar não escapa da perspectiva fragmentada da ciência positiva”.
É imperioso ressaltar que a crítica à identicação entre marxismo e realismo crítico e outras críticas cri-
teriosas ao realismo crítico de Bhaskar já foram realizadas (Creaven, 2014; Gunn, 1989; Magill, 1994; Prado,
2009), ainda que, algumas das quais feitas a partir do marxismo ocidental e outras, estas menos criteriosas,
feitas a partir de pontos de vistas relativistas e idealistas (Zhang, 2023).
Mesmo que o autor da revisão não argumente explicitamente em favor da referida identicação,
ademais de estar implícito em suas análises um suposto ideário compartilhado, são citadas, sem qualquer
menção crítica, pesquisas que, efetivamente, perseguem essa aproximação. Um dos 11 artigos elegidos para
a análise utiliza o realismo crítico de Bhaskar como uma espécie de referencial teórico-metodológico. Este
artigo não faz qualquer referência ao marxismo. Contudo, percebe-se que além de lançar mão de referências
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e categorias consideradas pelo autor como marxistas, este cita o trabalho de Wagner & Silveira (2019), que
também sugerem a referida aproximação.
Em outro trabalho (Valero et al., 2022) produzido pelo autor da revisão aqui discutida em conjunto
com outros autores da educação em ciências, estes propõem uma análise marxista das concepções ontológi-
cas e epistemológicas da ciência nos principais lósofos abordados na educação em ciências. Nele, os autores
armam concordar com as concepções do realismo ontológico e com a estrutura da realidade apresentada na
primeira fase da obra de Bhaskar.
Em um trabalho intitulado “Contra o ceticismo epistemológico: a contribuição de Lukács e Bhaskar”
(Della Fonte, 2005), de mesma autoria de dois outros trabalhos citados na revisão (2007, 2011), a aproxima-
ção entre o marxismo e o realismo transcendental ganha o tom de uma pura identidade, na medida em que
os autores parecem sugerir que Bhaskar é parte da tradição marxista:
Meu objetivo é contribuir para a crítica dessa perspectiva. Para tanto, recorro a al guns intelectuais da
tradição marxista que refutaram, do ponto de vista onto-gnosiológico, os ceticismos de sua época. Desta-
co, assim, o debate empreendido por Lukács contra o neopositivismo e por R. Bhaskar contra a ontologia
empiricista (Della Fonte, 2005, p. 2, grifo nosso).
Magill (1994, p. 130, tradução do autor) alertou sobre como o realismo crítico se apresentara de modo
atraente para os marxistas e outros que pretendem ansiosamente defender conceitos caros como o de ideolo-
gia ou o do caráter ilusório das manifestações fenomênicas diante dos ataques de pós-modernistas e similares;
“Felizmente podemos reter tais conceitos sem a ajuda do realismo crítico”.
Não nos ateremos aqui aos posteriores desenvolvimentos da obra de Bhaskar que enveredaram pelo
caminho da negação explícita do realismo. Nele, o autor se propõe a realizar uma síntese entre losoa e teo-
logia6 (Creaven, 2014), passando pela defesa de deus como estrutura categorial última do mundo (Bhaskar,
2002), e chegando em uma suposta meta-realidade, losoa abertamente idealista carregada de esoterismos e
misticismos. Contudo, cabe apenas ressaltar que sua virada espiritual, iniciada com From east to West: Odys-
sey of a soul,7 como o próprio autor declara, não se trata de uma negação completa do realismo transcendental
presente na primeira fase de sua obra. Assim explica o autor: “Pelo contrário, constitui um desenvolvimento
(...) do realismo crítico dialético, envolvendo uma maior radicalização transcendental do mesmo, implicando
inter alia um novo realismo sobre a transcendência e Deus (Bhaskar, 2002, p. ix-x).
Neste sentido, e conforme pretende-se demonstrar na próxima seção deste trabalho, no essencial, o
idealismo contido no desenvolvimento ulterior de sua obra já estava presente (enquanto germe) em sua for-
mulação teórica transcendental, em especial, em sua ontologia estraticada. É precisamente esta ontologia e,
portanto, também a natureza transcendental de seu método, a fonte do idealismo. Neste sentido é que ar-
mo, correndo o risco de cometer algum excesso, por antecipar-me à apresentação dos argumentos que serão
expostos na próxima seção, que o realismo transcendental não é realista, mas idealista.
REALIDADE ESTRATIFICADA VERSUS UNITÁRIA: O QUE É
TRANSCENDENTAL PODE SER DIALÉTICO?
No artigo de revisão aqui discutido o autor defende a concepção de uma realidade estraticada su-
gerindo ser esta uma concepção compartilhada pelo marxismo e pelo realismo crítico de Bhaskar. Ao fazer
referência às dimensões do ser inorgânico, orgânico e o ser social, para explicar a concepção da estraticação o
autor argumenta que “considerar diferentes níveis de realidade não implica que cada nível seja uma realidade
única e independente; ambos pertencem a uma unidade indissolúvel histórica e natural da única realidade
material e objetiva” (Leonardo Junior, 2023, p. 9). Em que pese esta ressalva feita pelo autor é necessário pon-
tuar que, tomando-se o contexto geral da referida aproximação entre marxismo e realismo crítico presente no
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trabalho, a não explicitação das profundas diferenças entre a concepção materialista e dialética de uma reali-
dade material unitária que se especica como unidade do diverso e a concepção de realidade estraticada de-
fendida por Bhaskar contribui para tornar impreciso o uso do referencial marxista na Educação em Ciências.
Neste sentido, argumento que a ontologia estraticada nos domínios do real, factual e empírico, dita
não-antropocêntrica, por promover uma disjunção radical entre um mundo (intransitivo) de estruturas e
mecanismos geradores independentes dos homens e, de outro lado, um mundo (transitivo) do conhecimen-
to xado pelo homem, constitui um tipo particular de neokantismo metafísico irreconciliável com o mate-
rialismo dialético. Deste modo, considero que a única aproximação possível é de crítica e oposição.
O sintoma mais claro desta posição losóca é dado pela maneira como aborda o problema da causa-
lidade. Bhaskar denomina por conjunção constante de eventos uma sequência ou cadeia causal de aconteci-
mentos perceptíveis aos sentidos humanos e de onde os empiristas positivistas alegam poder inferir a existên-
cia de leis causais. No entanto, uma das teses basilares de sua losoa, declarando ir além da crítica usual às
teses positivistas, arma que conjunções constantes de eventos não são uma condição sequer necessária para
a atribuição de leis causais. Os críticos do empirismo radical haviam até então, argumentado que uma con-
junção constante de eventos não era suciente para inferir-se uma lei causal ou lei cientíca. O positivismo
em sua fé cega e unilateral na indução como processo do conhecer, inferia as leis da natureza e da sociedade a
partir da mera apreensão de regularidades imediatamente observadas.
Bhaskar (2008a) justica a negativa de se tomar as cadeias de eventos causais como necessárias à deni-
ção de leis com o argumento de que estas juntamente com as estruturas e mecanismos são independentes do
homem, ao passo que conjunções constantes de eventos não são. Disto decorreria que existe uma distinção
ontológica entre eles. O autor admite a existência de problemas decorrente desta canonização de tal distinção:
Obviamente isto cria um problema prima facie para qualquer teoria da ciência. Penso que isso pode ser
resolvido da seguinte forma: Para atribuir uma lei é necessária uma teoria. Pois só se for apoiada por uma
teoria, contendo um modelo ou concepção de uma suposta “ligação” causal ou explicativa, é que uma lei
pode ser distinguida de uma concordância puramente acidental (Bhaskar, 2008a, p. 12).
Ocorre que o ato de tomar uma sequência de eventos necessária por acidental ou vice-versa é um ato
de falseamento do real pelo pensamento. O pensamento que, em razão de tendências intrínsecas ou alheias é
momentaneamente incapaz de distinguir entre o necessário e o acidental não pode, de modo algum, superar
tal condição se apoiando em teorias como pressupõe o autor. Supor que o pensamento deva se apoiar funda-
mentalmente em teorias para distinguir entre verdadeiro e falso conhecimento é idealismo epistemológico e
não realismo. “Ideias nunca podem levar além de um antigo estado de coisas. Apenas podem levar além das
ideias do antigo estado de coisas. De resto, ideias nada podem realizar. Para a realização das ideias são neces-
sários homens que ponham em jogo uma força prática”. (Marx & Engels, 1987, p. 118).
A losoa da ciência de Bhaskar, ademais, distingue eventos das experiências, criando assim a dis-
junção ontológica entre o domínio factual e o empírico, além daquela entre estes e o domínio do real. O
estabelecimento de três domínios (real, factual e empírico) ao invés de dois (fenomênico e noumênico) não
altera a natureza da disjunção essencial entre ser e conhecer posta como fundamento da ontologia transcen-
dental kantiana. Ademais, mesmo em Kant é possível identicar coisa muito semelhante à distinção feita por
Bhaskar entre os domínios factual e o empírico nas sutis diferenciações metafísicas que o ilustrado pensador
de Königsberg faz entre aparecimento e fenômeno8 (Calabria, 2006; Miranda, 2014).
Armar a distinção entre leis causais e conjunções de eventos de um lado e entre eventos e experiência
de outro não habilita o autor a tirar as conclusões que sua teoria sustenta, em particular, a de que a existência
de conjunções constantes de eventos não são condição necessária para a denição de leis causais. As leis cau-
sais são, de fato e em certa medida, distintas da regularidade ou conjunção constante de eventos. Contudo,
não relativizar esta distinção é tornar absoluta a separação entre a essência de uma coisa e sua manifestação.
Cadeias de eventos causais são a forma como a causalidade essencial aparece.
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O problema que emerge aqui é que a concepção supostamente realista de Bhaskar de armar que os
objetos e processos no mundo existem independentemente de nossa percepção sobre eles é estendida o su-
ciente para se transformar em uma oposição rígida própria das ontologias metafísicas, em que os objetos do
mundo pertenceriam a uma dimensão ontológica absolutamente distinta daquela em que estão os eventos
percebidos por nossa consciência. Deste modo, um dos aspectos mais fundamentais do idealismo transcen-
dental kantiano, sua oposição metafísica entre um mundo da coisa em si (noumênico) e um mundo da coisa
para nós (fenomênico), é essencialmente mantido como uma oposição rígida entre ser e conhecer (intransiti-
vo e transitivo). A armação de que no realismo transcendental as estruturas e mecanismo geradores são pos-
síveis de serem conhecidas está em contradição com a disjunção proposta entre os domínios de sua ontologia
estraticada. Toda a argumentação do realismo transcendental de Bhaskar em defesa de uma suposta posição
realista na ciência não passa de retórica, já que o dualismo ontológico é mantido no essencial.
Bem antes de Marx o impulso da dialética dado com Hegel confere ao problema do conhecimento
um conteúdo relativamente objetivo que arremetia contra os dualismos metafísicos. Em sua crítica à losoa
transcendental Hegel via o modo como em Kant a verdade é condicionada ao plano fenomênico, ou seja,
perdia todo o vínculo relacional com o objeto em si, onde estava, em última instância localizada para Hegel.
Posta desta maneira, sobre o domínio do plano fenomênico ensimesmado “a razão ca restrita a co-
nhecer somente a verdade subjetiva, apenas o fenômeno [Erscheinung], apenas aquilo a que não correspon-
de à natureza da própria coisa, o saber recaiu à opinião” (Hegel, 2016, p. 49). Tal cristalização dos domínios
do ser e do conhecer impossibilitam o conhecimento efetivo deixando o pensamento imobilizado nos polos
dessa dicotomia. A solução dada por ele, bem como pelo materialismo dialético de Marx, ao problema epis-
temológico assim exposto, é o de suprassumir as oposições polares tomando como uma unidade os domínios
fenomênico e essencial. Logo que apreendida uma determinação essencial ela se converte em aparência que
revela e oculta uma outra essência ainda mais profunda.
Portanto, a verdade objetiva, como pensamento que coincide com o objeto, não é dada a este como
uma propriedade externa (transcendental), como incondicional e imutável. É processo do movimento do
pensamento que vai de encontro ao ser em si das coisas convertendo-o em ser para nós. Vai do subjetivo ao
objetivo, e deste, novamente àquele. Do concreto empírico ao abstrato e deste ao concreto pensado como
síntese de múltiplas determinações (Marx, 2011). A dialética consiste, portanto, na superação deste dualis-
mo, diluindo a coisa como fenômeno para alcançar a coisa em sua essência.
É fundamental aqui a consideração de que o processo do conhecimento deve partir da aparência. “O
saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser nenhum outro senão o saber que é tam-
bém imediato” (Hegel, 1992, p. 74). Contudo, o saber não deve estacionar aí, deve logo negá-la. As expres-
sões empíricas imediatamente capturadas, a diversidade de suas manifestações fenomênicas, convertem-se
em conceito, logo, as regularidades apreendidas em leis e, ambas, pelo ininterrupto processo da atividade
humana, convertem-se em totalidade.
O cerne da problemática está na rejeição de Bhaskar ao conceito de unidade de contrários, que cará
mais bem expressa em sua obra Dialectic the pulse of the freedom. Nesta obra o autor vai exprimir uma crítica
a Marx e Hegel negando a lei da unidade dos contrários como lei fundamental da dialética, assumindo como
sua única lei a negação da negação (Bhaskar, 2008b). De fato, quando Bhaskar fala em dialética ele pensa
outra coisa inteiramente distinta da que compreende o marxismo, algo que compreende a justaposição de
contrários como junção puramente mecânica (relações puramente externas) entre teoria e prática, essência
e aparência, etc. A negação da lei da contradição resulta em uma apreciação incorreta sobre o problema do
conhecimento: a unidade dialética entre ser e conhecer.
Uma cadeia causal de eventos em interação com a atividade de indivíduos singulares, pressupõe sem-
pre uma relação complexa em que se conjugam o auto movimento dos eventos da cadeia gerado pelos poderes
causais em jogo nela com os resultados das ações dos indivíduos sobre ela. Em uma atividade experimental,
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portanto, a ação humana pode agir tanto para desencadear um processo causal dando início a uma cadeia de
interações e eventos, e neste caso o sujeito que o desencadeou não tem quaisquer poderes sobre seu ulterior
auto movimento, quanto para atuar sobre uma determinada sequência causal cujo encadeamento já estaria
em curso antes e independentemente da ação humana.
A ação humana neste último caso apenas modica o curso natural do encadeamento como o ato
de aproveitar o curso do rio ou do vento para produzir energia elétrica. Ela não é capaz de modicar suas
propriedades senão que apenas torná-las mais ou menos manifestas. O fator decisivo na reexão sobre as
relações complexas que concatenam movimentos da consciência e o auto movimento da matéria (teleologia
e causalidade), é o de considera-los como uma unidade.
Ademais, o fato de a atividade social modicar as condições desta manifestação não signica que o
encadeamento de eventos que ocorre sob condições controladas não tenha qualquer outra manifestação em
condições não controladas. A essência deve aparecer (Hegel, 2016).
Tomemos o exemplo das leis do movimento uniforme. Um encadeamento natural de eventos como o
de sucessivas posições assumidas e intervalos de distância percorridos por um corpo quando não submetido
a forças externas (a invariância da velocidade de um corpo) é a manifestação de uma relação de causalidade,
mais precisamente, aquela relação causal que gura na lei do movimento. É notório como, embora, de modo
geral, obnubilado em decorrência das resistências proporcionadas pelo contato imediato com outros corpos
materiais adjacentes (atrito, resistência do ar, etc.), não se manifeste de modo imediato nos eventos da vida
cotidiana, a percepção humana é, todavia, capaz de captar suas manifestações difusas e em camadas.
Percebe-as cada vez mais e com maior profundidade, na diversidade de suas manifestações. Ora o mo-
vimento uniforme aparece como seu contrário, o repouso, neste caso a aparência está invertida, negando sua
essência. Ora a veremos expressando determinados aspectos da essência e ocultando outros e, por vezes, sua
manifestação pode revelar toda a essência, numa identidade dos contrários. Este é o caso quando vemos um
astronauta lançar um objeto no espaço (nos limites de distâncias curtas em que a trajetória é retilínea), ali o
movimento uniforme aparece em sua plenitude.
É natural, todavia, que a ação planicada do cientista no laboratório visa sempre minimizar o efeito
das interações produzidas pela ação mútua de processos e coisas alheios àquele que se deseja investigar. Crian-
do-se assim as condições para a manifestação mais clara e limpa possível das regularidades objetivamente
presentes na coisa ou processo investigado, sem as difusas imagens criadas por aquelas interações indesejadas.
“O físico observa processos naturais, em que eles aparecem mais nitidamente e menos obscurecidos por in-
uências perturbadoras ou, quando possível, realiza experimentos em condições que asseguram o transcurso
puro do processo” (Marx, 2013, p. 113).
O erro de Bhaskar nessa questão é o de conceber a atividade humana cristalizada no domínio da sub-
jetividade (transitivo) e rigidamente apartada do domínio que denomina de intransitivo. O problema da
prática emerge aqui, novamente, como decisivo para contrastar com o idealismo subjacente do realismo
transcendental. Engels (2013, p. 7-8) apresenta de modo claro a importância losóca da prática social como
capaz de dissolver a dualidade entre ser e conhecer:
A refutação mais contundente dessas manias, como de todas as outras manias losócas, é a prática, principal-
mente a experimentação e a indústria. Se podemos demonstrar a exatidão de nossa maneira de conceber um
processo natural, reproduzindo-o nós mesmos, criando-o a partir de suas condições próprias; e se, além disso,
o colocamos a serviço de nossos próprios objetivos, então acabamos com a «coisa em si» inacessível de Kant.
O trabalho enquanto prática social tira a consciência humana de seu estado de contemplação carac-
terizado pela passividade do sujeito frente ao objeto. A atividade social converte constantemente sujeito em
objeto e vice-versa. Ao negligenciar a importância da prática no processo do conhecimento Bhakar ca preso
às dualidades que susteve de Kant. Não consegue ver que a prática humana cria novas objetividades. Contra
esse tipo de realismo mecanicista protestou Marx & Engels, 2007, p. 533):
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O principal defeito de todo o materialismo existente até agora – o de Feuerbach incluído – é que o objeto
[Gegenstand], a realidade, o sensível só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplação;
mas não como atividade humana sensível, como prática, não subjetivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo-parecer traz apontamentos críticos desenvolvendo o debate iniciado no parecer dado ao
artigo de revisão bibliográca de Leonardo Junior (Leonardo Junior, 2023) publicado nesta revista. O artigo
original fazia uma revisão bibliográca sobre aspectos ontológicos e epistemológicos presentes na literatura
da área de Educação em Ciências a partir do materialismo dialético. Um mapeamento das principais ques-
tões losócas discutidas na área e uma crítica com base na concepção de mundo do materialismo dialético,
extrapolaram o nível da análise formal e trouxeram contribuições importantes para a área demonstrando o
potencial do uso deste referencial teórico para a educação em ciências.
As reexões feitas aqui objetivaram elevar a compreensão sobre o uso do referencial marxista na edu-
cação em ciências buscando maior clareza e denição dos pressupostos teóricos e metodológicos que ele
proporciona. Com o objetivo de reforçar a necessidade de discutir aspectos ontológicos e epistemológicos
desde o ponto de vista do marxismo fez-se apontamentos críticos à aproximação feita no artigo de revisão
entre o materialismo dialético e concepções denominadas por autores da educação em ciência de realistas.
Demonstrou-se nas primeiras seções que tais concepções são mais próximas das concepções positivistas.
Foram discutidos aspectos metodológicos e teóricos referentes ao uso eclético e indiferenciado de dis-
tintas correntes teóricas que reivindicam o uso do materialismo dialético. Por m é feita uma reexão sobre
o realismo crítico de Bhaskar mostrando-se que este não supera as dualidades que preserva da losoa trans-
cendental kantiana, o que se traduz em elementos de idealismo epistemológico em sua losoa da ciência. Os
apontamentos feitos contribuem para elevar a consciência de pesquisadores e professores de ciência sobre o
uso da dialética marxista nos contextos da pesquisa e da própria Educação em Ciências.
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NOTAS
1 As questões ontológicas e epistemológicas não são tratadas separadamente no marxismo, ou seja, sem considerar
que uma determinada ontologia se traduz em uma epistemologia e esta última, como termo mais geral do ato humano
de conhecer o mundo, transforma-o. Ver por exemplo Lenin (1982) e Engels (2015).
2 Utilizo a expressão lukacsianos para me referir a um conjunto de autores nacionais como Carlos Nelson Coutinho,
José Paulo Neto, José Chasin, Sergio Lessa, Ivo Tonet, etc, e internacionais como István Mészáros que propõem uma
“renovação do marxismo” (Braz, 2012), a partir da obra do lósofo húngaro György Lukács.
3 Por exemplo, Tonet estende a crítica lukacsiana às tradições losócas modernas que colocam a prioridade no
epistemológico ao próprio marxismo distinguindo de sua variante que denomina de perspectiva marxiana: “A esta
centralidade e hipercentralidade da subjetividade também não escapou o marxismo. Como resultado da conjugação de
diversos fatores objetivos e subjetivos, a que, por brevidade, não podemos nos referir aqui, a elaboração marxiana não
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foi compreendida como tendo um caráter ontológico. O que predominou como marxismo foi uma versão de caráter
positivista e/ou idealista, o chamado marxismo do movimento operário, do qual alguns elementos já se encontram
em Engels e que foi plenamente desenvolvida por Kautski, Bernstein e inúmeros outros seguidores. (...) Neste passo,
o marxismo foi se empobrecendo e perdendo a sua marca distintiva, que era o seu caráter radicalmente crítico e
revolucionário. (...) Em consequência, foi se aproximando cada vez mais da perspectiva da cienticidade burguesa que,
como vimos, está marcada pela centralidade da subjetividade”. (Tonet, 2013, p. 62).
4 A substituição de categorias fundamentais do marxismo (materialismo dialético, contradição, luta de classes,
imperialismo, etc.) por outras, as do ideário marxiano (prioridade do ontológico; ontologia do ser social; pôr teleológico;
estranhamento e alienação; mediação; ontométodo; metapolítica; ontonegatividade da política; etc), resulta em uma crítica
escolástica. Crítica esta que renuncia à experiência histórica, como o fazem com a experiência do socialismo no século XX
e junto com ela renunciam a todo o desenvolvimento da doutrina do marxismo (Lenin, Mao Tsetung, etc) proclamando
que todos, com exceção de Marx, desviaram-se do ideário “marxiano” incluindo o próprio Engels. É proposta então, uma
renovação da doutrina do marxismo (Chasin, 1987; Del Roio, 1997; Moraes, 1998; Netto, 1994), de dentro dos gabinetes
da academia e exógena à luta de classes. Não se trata, portanto, de uma oposição declarada à concepção marxista. Ao
contrário, estes autores mesclam longas citações de clássicos do marxismo com trechos de Lukács, Lefebvre, Mészáros,
Kosik, etc, e autores nacionais como José Paulo Neto, José Chasin, Sergio Lessa, Carlos Nelson Coutinho.
5 Ver por exemplo Saviani & Duarte (2012), Lazarini (2010), Frigotto (2009) e Tumolo (Tumolo, 2003).
6 Cabe ressaltar, como arma Creaven (2014), que o objetivo de Bhaskar em seu Realismo Crítico Dialético
Transcendental foi o de realizar uma síntese de tradições losócas e teístas absolutamente diferentes e, acrescentamos,
incompatíveis entre si, como materialismo dialético, idealismo transcendental kantiano, budismo, hinduísmo, o
espiritualismo da Nova Era, entre outros.
7 Segundo Hartwig escreve na introdução de From east to West, alguns detalhes da narrativa, na segunda metade do
livro, que “narra quinze vidas da alma Bhaskariana em sua jornada para a iluminação, foram fornecidos por charlatões,
como o próprio Bhaskar veio a admitir, com quem ele se envolveu durante a fase investigativa de sua virada espiritual”
(Bhaskar, 2002, p. 3).
8 Em Kant, aparecimento tem o sentido de um objeto indeterminado que provém de uma intuição e que ainda não foi
submetido às faculdades do entendimento, ou seja, é a pura manifestação sensível do real que ainda não foi apreendida
pela razão mais que pelas intuições empíricas e puras. Já o fenômeno, constitui o objeto que já foi confrontado com
o entendimento, ou seja, as manifestações sensíveis pensadas como objetos a partir das categorias do entendimento
(Calabria, 2006).
Marcos Moraes Calazans
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG;
Professor no Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP.
E-mail: calazans@ufop.edu.br
Endereço Institucional:
Marcos Moraes Calazans
Departamento de Física - Instituto de Ciências Exatas e Biológica | ICEB
Universidade Federal de Ouro Preto | UFOP
Rua quatro, Campus Morro do Cruzeiro
Ouro Preto, MG | Brasil
CEP 35402-136
Contato: (31)3559-1687
Editora responsável:
Luciana Massi
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Contato:
Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais – CECIMIG
Faculdade de Educação – Universidade Federal de Minas Gerais
revistaepec@gmail.com
O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco) e à FAPEMIG (Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.
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As expectativas do Manifesto Comunista sobre o curso provável da revolução proletária internacional não se confirmaram. É imperativo, para quantos se empenham ou vierem a se empenhar no esforço de refundar o programa comunista internacional para o século XXI, não tergiversar sobre esta constatação que nos salta aos olhos e nos inunda os ouvidos.
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RESUMO: O ensino de ciências não costuma tratar da dimensão filosófica da ciência, que envolve aspectos ontológicos e epistemológicos relacionados a uma concepção de mundo. Apresento uma revisão bibliográfica que é parte de uma pesquisa de mestrado e que tem por objetivo identificar os focos temáticos mobilizados por autores nacionais e estrangeiros da Educação em Ciências sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência. Nos 144 artigos selecionados, é recorrente a discussão sobre a natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la, além de uma valorização da abordagem epistemológica. Desse corpus, 11 trabalhos foram analisados com base no materialismo histórico e dialético, apresentando novos olhares da discussão filosófica sobre a realidade para a Educação em Ciências.
Article
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O presente artigo, de natureza teórico-conceitual, busca interpretar elementos da concepção de ciência nos principais filósofos da ciência adotados por nossa área de pesquisa em disciplinas, eventos e debates sobre história e filosofia da ciência. São eles: Comte, Popper, Lakatos, Kuhn, Bachelard e Latour. Nossa análise tem esteio em categorias do materialismo histórico-dialético. Elegemos um acervo composto pelas principais obras dos filósofos, artigos de pesquisadores da área de Educação em Ciências que os apresentam e sintetizam suas ideias e trabalhos críticos de marxistas sobre os filósofos. Expomos nossas análises em duas partes: a primeira, de natureza ontológica, traz discussões sobre concepções de realidade; a segunda, de natureza epistemológica, aborda questões sobre o modo como se conhece a realidade. Quanto ao aspecto ontológico, as ideias são marcadas por diferentes tipos de idealismo, que são resultado da primazia da lógica formal. Nas discussões epistemológicas, identificamos a supervalo-rização do sujeito no reflexo científico, em que o universal é entendido como produto da consciência cognoscente e não uma categoria objetiva do real. Pautados no materialismo histórico-dialético, defendemos que a realidade existe apesar de nossa consciência, que é possível conhecê-la, que a ciência configura-se como uma conquista do gênero humano e que isso corrobora sua presença na educação escolar.
Article
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Critical realism, championed by its proponents as the most promising post-positivist social science paradigm, has gained significant influence in the last few decades. This paper provides a critical evaluation of the critical realism movement in the hope of facilitating more fruitful dialogues between its proponents and rivalling schools of sociologists. Two concerns are raised about contemporary critical realism. First, critical realism is not the only philosophical school against positivism and not necessarily the best. Second, critical realists exaggerate the importance of critical realism to social science and conflate philosophy of science with sociological theories.
Thesis
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Esta tese tem como objetivo uma análise da ontologia do realismo crítico que recorre à obra de Karl Marx e às intervenções de György Lukács. A análise se divide em quatro momentos: (i) a exposição dos princípios fundamentais do realismo crítico; (ii) os vínculos entre os princípios ontológicos do realismo crítico com o pensamento de Marx; (iii) a contribuição de Lukács para o estudo da ontologia (iv) as bases ontológicas do método de Marx. O argumento defendido afirma o papel decisivo da ontologia apreendida na obra de Marx para a atividade científica e para a crítica social.
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Delimitemos um pouco o tema. Sucessivas derrotas, ao longo desses cento e cinquenta anos, levaram a perspectiva do trabalho a uma situação extremamente difícil.
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The present article seeks to elucidate the points of critical Realism in relation to the understandings of scientific truth and progress of science, explaining key concepts such as stratification and emergence of reality, epistemological relativism, ontology and rational judgment. In order to reach such objectives, a study was made of the first phase of the work of Roy Bhaskar, founder of the philosophical current, where it is perceived that such metateoria has great potentialities for the educational field of sciences and mathematics since its unifying character. From these potentialities is the Marxist-Lukácsian referential, and its ontological-genetic method, as one that makes possible an important methodological approach in the research in Philosophy of Mathematical Education, being in agreement with the meta-theoretical criteria determined by Critical Realism.
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Texto clássico do debate marxista sobre a teoria do conhecimento e a história da ciência. Contribui para a exposição do socialismo científico e para a explicação do marxismo como teoria científica mais avançada.
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O texto tem como finalidade analisar criticamente a concepção do trabalho como princípio educativo, que tem sido utilizada para fundamentar propostas de educação dos mais importantes movimentos sociais brasileiros, tais como o MST e a CUT. À luz da contribuição teórica oferecida por Marx, sobretudo em O Capital, discute o significado das três categorias fundantes de trabalho - trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo -, bem como a relação de contradição que ocorre entre elas, e demonstra que, se o trabalho, numa forma social genérica, é o elemento determinante na constituição da própria natureza humana, no capitalismo a construção do gênero humano, por intermédio do trabalho, se dá pela sua destruição, sua emancipação se efetiva pela sua degradação, a afirmação de sua condição de sujeito se realiza pela negação desta mesma condição, sua hominização ocorre pela produção de sua reificação. No limite, trata-se da constituição do fetiche do capital - o capital que se subjetiviza ou se hominiza reificando as relações sociais e o ser social. Dado o conjunto de argumentos apresentados, o texto questiona o trabalho como princípio educativo como proposta de uma estratégia político-educativa que tenha uma perspectiva emancipadora