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Jornal de Psicanálise, 55(103), 159-168. 2022
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Os cubos brancos somos nós
Racismo estrutural e branquitude
na prática da psicanálise1
Thiago Amparo,2 São Paulo
Resumo: Sabendo que o racismo nos atravessa institucionalmente enquanto
sociedade, e cria diálogos interpessoais no cotidiano de pessoas negras, como
podemos pensar a relação entre a formação psicanalítica e a questão racial?
Quais são os pontos de atenção ao falarmos sobre uma formação psicanalítica
antirracista? Neste breve artigo, usando a tipologia de Silvio Almeida, o autor
tece algumas considerações sobre o conceito de racismo enquanto (i) experiência
individual e interpessoal, (ii) política institucionalizada; e (iii) estrutura. A
partir de pensadoras como a psicóloga, escritora e artista Grada Kilomba e da
pensadora Robin D’Angelo, o autor também correlaciona o conceito de racismo
e suas diferentes facetas e formas de manifestações na sociedade brasileira – e
mostra como, apesar de já termos todo o conhecimento dessa problemática
situação, é tempo de revertermos este conteúdo muitas vezes esquecidos (e,
porque não, através também da psicanálise).
Palavras-chave: questão racial, psicanálise, negritude, branquitude, racismo
O tema não poderia começar melhor do que como Tiago3 formulou,
e eu queria começar nessa perspectiva, ou seja, de que essa discussão e esse
dia de hoje têm vocês também como foco, e não somente nós. Eu queria
começar um pouco lembrando uma metáfora da escritora e artista Grada
Kilomba, em sua exposição Desobediências poéticas (2019).
É uma metáfora muito interessante: Kilomba introduz sua obra com-
partilhando conosco a história de Eco e Narciso – uma história tão univer-
sal, e, simultaneamente, tão particularmente doída ao percebermos como a
autora a articula com a sua própria vivência e experiência enquanto negra.
1 Palestra proferida no evento “Questões raciais e formação psicanalítica: é tudo para
ontem”, realizado na no dia 22/3/2022.
2 Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (- e -). Coordenador do
Núcleo de Justiça Racial & Direito. Colunista da Folha de São Paulo.
3 Tiago da Silva Porto, coordenador da mesa no evento.
DOI: 10.5935/0103-5835.v55n103.12
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Assim como a ninfa Eco, fadada a uma vida sem voz e a apenas repetir as
últimas palavras que escutava, e Narciso, destinado a uma vida apaixonado
por si mesmo, por uma imagem refletida de si, que o levou à morte em um
lago, Kilomba compara Eco e Narciso a “um cubo branco”. Ela comparti-
lha com seu interlocutor como tudo ao seu redor é, na verdade, a imagem
refletida da branquitude: “tanta brancura, que me queima” (ela cita Fanon).
Kilomba diz:
eu vivo num espaço
De intemporalidade.
Num espaço vazio.
Num espaço branco.
Numa infinidade branca.
Num “cubo branco”
Num “cubo branco” que se apresenta
Ausente de cor
E de significado
Mas branco
Não é a ausência de cor,
Mas a acumulação
De todas as cores.
É a acumulação
De todas as cores possíveis
De facto, negro
É a ausência de cor.
Ela quer dizer que a negritude, que é sempre vista, é ausente nos
espaços; e a branquitude quase nunca se vê, mas está sempre presente nos
espaços de poder. Então, o que estamos tentando fazer aqui é quebrar com
esse cubo branco que não permite à gente ver as relações de poder, a bran-
quitude nos diferentes espaços; e muitas vezes não nos permite ver nossos
próprios privilégios nos diferentes espaços.
É interessante que ela vai afirmar justamente que a ignorância é um
certo privilégio, a dupla ignorância de não saber e não ter que saber. Hoje,
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nossa ideia é desconstruir essa ignorância e quebrar esse cubo branco onde
muitas vezes nós habitamos.
Para falarmos um pouco sobre a questão racial, incumbiram-me de
refletir sobre o que entendemos por racismo ou sobre diferentes acepções de
racismo, para que possamos desenvolver um pouquinho mais conceitual-
mente o debate.
Eu acho que, em primeiro lugar, podemos tentar propor a discussão
em pelo menos três frentes (e, obviamente, poderemos tornar isso mais com-
plexo no debate), para que comecemos a pensar sobre a questão racial.
A primeira frente é a seguinte: o que em geral associamos com o
racismo? É um racismo individualizado ou interpessoal, como aquele
insulto racista que vemos uma pessoa fazer contra outra, ou aquela prática
de racismo evidente e muito explícita entre duas pessoas ou duas ou mais
pessoas? Estamos falando aqui de uma espécie de manifestação de uma dis-
criminação racial – por exemplo, quando alguém é insultado de uma forma
animalesca ou quando observamos uma discriminação muito evidente, como
uma violência policial contra uma pessoa real e específica. Estamos falando,
então, sobre uma esfera individual ou, no máximo, interpessoal do racismo.
E em geral, nessa primeira esfera, qualificamos a questão racial como algo
excepcional ou como algo que “quase nunca acontece esse insulto”, “quase
nunca acontece esse tipo de racismo”, “eu não sou esse tipo de pessoa, então
isso não tem a ver comigo”.
Em geral, esse deslocamento do agente em relação a sua conduta
evidencia um mecanismo de defesa humano. Em uma sala cheia de psica-
nalistas, é evidente que uso esse termo com cautela. Mas a verdade é que,
enquanto humanos, temos vários mecanismos de defesa para poder pensar
– e, mais interessante e curioso ainda, para não pensar – sobre essa questão
racial com base na perspectiva individual. Primeiro falamos: “não, eu não
sou racista”. E, ao falar isso, em geral, pensamos em alusão a esses tipos de
episódios que são episódios obviamente racistas de um insulto, por exemplo.
Ou então pensamos: “ah não, , já entendi sobre o tema ou se eu alguma
vez já expressei o racismo dessa forma eu nunca mais serei assim, vamos
para o próximo tema”. Uma pressa, novamente, em se deslocar do objeto
de análise. Falar de racismo, seja na esfera individual ou coletiva-social, é
também falar sobre a existência de uma certa expiação da culpa coletiva
com relação a isso.
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Nessa perspectiva de diálogo pessoal ou interpessoal sobre racismo,
é possível identificar ainda uma outra forma de lidar com a discussão: en-
quanto pessoa branca, buscar centralizar em si o debate racial, voltando
a questão sobre si mesmo. Vejam: o cubo branco, num espaço branco,
numa infinidade branca – relembrando aqui as palavras de Grada Kilomba.
Uma anedota pessoal: eu já vi, por exemplo, em debates sobre a questão
racial, uma pessoa na plateia que levantou e começou a falar sobre como
era difícil ser uma pessoa branca nessas discussões. Essa pessoa, até mesmo,
chorou, exaustivamente, e tomou para si o palco que, possivelmente, nunca
questionou que talvez não fosse de sua posse – sobretudo na discussão de
um assunto de que não tinha vivência. Robin DiAngelo, por exemplo, fala
sobre o choro de mulheres brancas quando são confrontadas com o racismo.
Então, há vários mecanismos de defesa para não lidarmos com esses episó-
dios, e um deles, o principal, é pensar que eles são excepcionais, episódicos,
e não, de fato, corriqueiros; e outro mecanismo é recentralizar o debate em
si mesmo, na figura de quem perpetua o racismo.
Sabemos que a maior parte das pessoas negras no dia a dia sente e
sofre com esse racismo cotidiano – Grada Kilomba chama a atenção para
isso em seu livro –, essas são “memórias da plantação”, que ocorrem cor-
riqueiramente na vida de uma pessoa negra. E essas memórias cotidianas
são frequentes. Por exemplo, ontem mesmo Nina da Hora, que é uma das
principais cientistas de computação e tem várias notícias sobre isso, foi a
uma livraria e estava simplesmente folheando alguns livros, mas um guarda
ficou em cima dela perguntando: “onde você mora?”. E ela estava ali sim-
plesmente num espaço público lendo um livro.
Então, temos essa esfera individual, que é o exercício desse poder
interpessoal e aqui temos várias questões importantes, como a questão da
microagressão, a questão sobre psicologia do preconceito e várias questões
que são importantes para podermos ter consciência delas. E diversificar
espaços como esse, da psicanálise, é importante justamente para que fique-
mos atentos sobre essas nuances que importam muito para uma parcela
considerável da população, que não é minoria, aliás.
Outro ponto importante, que é a segunda esfera que podemos ar-
ticular nessa conversa sobre racismo, é pensar o racismo não somente no
nível do indivíduo, mas também o racismo institucional. E aqui chegamos
a uma outra esfera, que é aquela das regras e práticas institucionais que são
excludentes e que muitas vezes normalizamos. Por exemplo, o quanto custa
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para ser um psicanalista; se seu curso tem a ver mais com mérito ou recur-
sos para pagar esse ensino; quais são as leituras que estamos acostumado a
fazer, será que lemos Lélia Gonzalez com base na perspectiva da psicaná-
lise, sabendo que ela era versada em psicanálise, ou não? Será que lemos
psicologia social do preconceito, e tantas outras formas de pensar sobre a
questão racial? E aqui chegamos a um outro ponto, diferente do primeiro
ponto que eu falei, do racismo interpessoal e individualizado. Nesse segundo
ponto, que é o racismo institucional, percebemos que diferentemente desse
racismo individual, interpessoal, que pusemos naquela categoria de excep-
cional, que pusemos na capa do jornal, o racismo institucional é algo que é
normalizado; a gente normaliza, vivemos nesses cubos brancos e seguimos
normalizando as práticas excludentes e precisamos descortinar quais são
as regras e práticas – que nos levam a ter, por exemplo, 99% desta sala de
pessoas brancas. O que podemos pensar sobre isso? Como chegamos a isso,
e não chegamos como um fato da natureza? Isso é resultado de processos
institucionais e regras institucionais formais ou informais que precisamos
repensar e sermos conscientes em relação a isso.
É fácil? Não é fácil, mas, por outro lado, pensar em diversificar espaços
não é benéfico só para quem aproveita diretamente essas diversificações, mas
também é benéfico para todos nós, é vantajoso para pensarmos com base em
outros olhares a questão racial.
Chegamos ao terceiro aspecto que trazemos aqui, falei do racismo
interpessoal e individual, do racismo institucional, e chegamos a um outro,
o mais comentado ultimamente, que é o racismo estrutural. Essas três
formas de racismo foram apresentadas por Silvio Almeida no livro Racismo
estrutural (2019). E aqui entramos no terreno máximo dessa normalização,
ou seja, no terreno máximo dessa ideia de reiteração do racismo como se
fosse algo normal. A Dora estava falando sobre viver entre a grandeza e a
barbárie. Como nós podemos, enquanto sociedade, qual a culpa coletiva que
precisamos processar para conseguir dormir num país que mata pela polícia
três vezes mais do que os Estados Unidos inteiros, que já matam muita gente?
Ou seja, como conseguimos processar essa barbárie coletiva, e processamos
muitas vezes normalizando tudo isso, como nós normalizamos essa barbárie?
Começamos a falar do racismo estrutural nesse terceiro aspecto
como uma pilastra numa coluna estrutural de um prédio. Eu sempre faço
essa analogia. Quando falamos de racismo estrutural, falamos que existem
várias colunas que sustentam esse prédio do racismo, permitindo que haja o
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racismo interpessoal; que haja um racismo institucional e que essas expres-
sões de racismo sejam normalizadas.
Várias são as colunas estruturais que sustentam esse prédio, sem as
quais ele não existiria, desde a ausência de pessoas negras em situação de
poder político, econômico, até a ausência de diversidade nos espaços em que
estamos, a ausência de pessoas negras nos espaços de comunicação, a sua
quase ausência nas universidades. Então, essas desigualdades econômicas,
jurídicas, políticas, comunicacionais, culturais, educacionais, todas históri-
cas, todas elas são colunas que sustentam esse racismo.
O racismo é estrutural, na medida em que ele é dificilmente modifi-
cado, porque está fincado nessas desigualdades; e ele é estrutural também,
porque é normalizado, é dado como se fosse um fato da natureza, e não o é.
Temos 99% de pessoas brancas neste espaço, e vejamos: isso não é um fato
da natureza, num país que tem 56% de pessoas negras, segundo o último
censo do . Como podemos, então, normalizar espaços brancos? Para
isso, precisamos começar a quebrar a lógica de que muitas vezes nós nos
acostumamos a ocupar espaços como se aquilo fosse nossa propriedade. E
aí eu explico: há uma literatura sobre branquitude como propriedade e a
ideia, que normalizamos, de que esses espaços de poder são espaços nossos;
nossos, digo, estou assumindo aqui a persona pessoa branca que eu não sou;
mas nossos, então, nesse sentido de que, eu lembro muito, numa entrevista
há um tempo, quando se discutiam ações afirmativas, eu lembro que uma
pessoa, uma entrevistada, disse o seguinte, perguntaram para ela na rua,
uma senhora na rua, perguntaram para ela assim: “o que você acha das
ações afirmativas nas universidades?”. E a resposta dela foi: “vão roubar…”.
Eu nunca esqueci isso, “vão roubar o lugar do meu filho na universi-
dade”. Aí eu pensei: “espera aí, ou o seu filho já está na universidade ou ele
está tentando entrar na universidade. Se ele já está, ninguém vai roubar esse
lugar; se ele não está, por que você pressupõe que é dele?”. E aí começamos a
perceber que muitas vezes falar sobre diversidade incomoda, mesmo porque
se pressupõe que os lugares onde nós estamos são nossos e que nós merece-
mos estar ali. Assimilamos e tomamos aquilo como uma propriedade (“esse
lugar é meu”), e, na verdade, precisamos entender quais são os critérios de
exclusão e de inclusão que fizeram com que as pessoas pudessem estar nos
diferentes lugares e como podemos mudar esses critérios.
Gostaria que questionássemos um pouco quem é universal e quem é
o específico – ou seja, no ambiente em que nós estamos, qual é a norma e
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quem não está ali como norma? Então, muitas vezes nesse debate, muitos de
vocês chegaram aqui pensando: “tudo bem, nós vamos falar sobre pessoas
negras, pessoas indígenas, e também vamos falar sobre nós”, e por quê?
Porque assumimos que somos a norma e os outros são específicos, são
exceção. Precisamos desconstruir isso. Precisamos pensar a respeito de por
que estamos nos espaços em que nos puseram como norma e como conse-
guiremos desconstruir isso.
A segunda questão é, quando trabalhamos com a diferença, quando
falamos de racismo, estamos falando sobre construções de diferença, mas não
é qualquer diferença, não é alguém mais alto, mais baixo ou alguma outra
diferença que seja socialmente irrelevante. Na verdade, estamos falando de
diferenças que são historicamente importantes, porque elas foram postas
para discriminar, para inferiorizar, para diminuir. Então, precisamos pensar
em como essas diferenças, muitas vezes, pressupõem poder.
Falar sobre a questão racial num espaço em que há pouca diversidade
é mexer com essas estruturas, porque começamos a falar de diferenças que
importam, começamos a falar sobre diferenças que historicamente impor-
tam e que nesse espaço muitas vezes estão ausentes; e importam porque a
ausência dessas diferenças é resultado de regras e práticas institucionais que
precisamos rever. E aí para revermos isso, eu concordo totalmente com a
Dora quando ela já conta que coisas estão sendo feitas, porque é preciso
continuar fazendo e acelerar esses processos justamente para questionarmos
não só as ausências porque não há pessoas aqui, mas também pensar: quais
são os critérios de exclusão? E reverter, como revertemos esses critérios de
exclusão? É a renda? Ou só a renda? Ou é a literatura que lemos? Ou a
forma com que pensamos o mundo? Ou são os espaços onde nós estamos?
Ou é a sociabilidade dos lugares em que nós estamos?
Fizemos uma pesquisa com importantes escritórios de advocacia em
que perguntamos aos funcionários como eles chegaram até ali; os funcionários
brancos, uma parte considerável deles, quase 40%, disseram que já conheciam
parentes ou amigos que ou trabalhavam ou trabalharam naquele local, en-
quanto os funcionários negros disseram, na mesma proporção, que souberam
da vaga por meio da Internet. Então, precisamos questionar também as bolhas
em que estamos em termos de sociabilidade, num país profundamente segrega-
do, como o Brasil. Então, para começarmos a descortinar essas estruturas, pre-
cisamos entender pelo menos duas coisas: uma delas é que o racismo não é só
aquele explícito, interpessoal, que vemos naquela agressão, naquele insulto; ele
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também está escondido nas regras e práticas institucionais; e também que
ele está escondido nessas colunas que estruturam nossa sociedade. Tem uma
metáfora da Sueli Carneiro em que ela diz que o racismo é como um animal
noturno, que só percebemos que passou pela casa no dia seguinte, quando
podemos ver os vestígios dele; um urso, que só percebemos no dia seguinte,
depois de ver que o lixo está todo revirado. Então, precisamos descortinar
esses vestígios para verificar onde está o nosso racismo.
Eu falei desse aspecto do racismo e outro desejo que eu gostaria de
deixar aqui para termos em mente, além dessa percepção sobre o racismo se
esconder na estrutura e nas instituições, é que acho que a segunda lição que
eu queria que a gente compartilhasse e discutisse criticamente é justamente
esse aspecto dos critérios de exclusão, ou seja, uma vez que os vestígios
do racismo foram expostos, desse animal noturno, como vamos conseguir
revertê-lo e, aí, quais são os critérios que precisamos desnormalizar. As au-
sências não são fatos da natureza, são resultados de processos históricos,
institucionais, estruturais, e precisamos repensar esses processos e os crité-
rios de exclusão e inclusão, e como podemos trabalhar com eles. É possível?
A boa notícia é que é possível, sim. É possível porque, se foi possível
a gente excluir, e a exclusão é um fato humano, é possível a gente incluir
também como um fato humano, porque não é um fato da natureza, então
conseguimos reverter isso.
Comecei com a Grada Kilomba e gostaria de terminar com ela, porque
além de Desobediências poéticas, ela também escreveu o livro Memórias
da plantação (2008), em que aborda alguns mitos importantes, como o de
Narciso, e os recontextualiza de forma muito interessante, para falar da
questão racial com base em uma perspectiva da psicologia e da psicanálise,
que é superinteressante. Ela começa a discussão sobre Narciso falando o
seguinte – e eu termino com isso: “fui convidada para vir aqui, mas sinto que
não há nada de novo que eu possa dizer. Muitas vezes sinto que tudo já foi
dito, sinto que já sabemos tudo, mas tendemos a esquecer o que sabemos”.
Para dizer o seguinte: tudo o que falei nós já sabemos e, provavel-
mente, tudo o que a Lia aqui vai falar (outras questões importantes), mas,
se pensarmos criticamente sobre as nossas posições, nós já sabíamos. Nós já
sabemos dos critérios de exclusão, das ausências, já sabemos sobre o racismo
institucional, estrutural, individual. A questão é que vivemos numa socieda-
de e num cubo branco que faz com que tenhamos a tendência de constante-
mente esquecer, esquecer para normalizar as ausências em que vivemos. E
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o evento de hoje, a discussão de hoje, é justamente sobre revertermos esses
esquecimentos, muitas vezes conscientes.
Los cubos blancos somos nosotros: racismo estructural y blanquitud en la
práctica del psicoanálisis
Resumen: Sabiendo que el racismo nos atraviesa institucionalmente
como sociedad, y genera diálogos interpersonales en el cotidiano de los
negros, ¿cómo pensar la relación entre la formación psicoanalítica y la
cuestión racial? ¿Cuáles son los puntos de atención cuando se habla de una
formación psicoanalítica antirracista? En este breve artículo, utilizando la
tipología de Silvio Almeida, el autor hace algunas consideraciones sobre
el concepto de racismo como (i) experiencia individual e interpersonal, (ii)
política institucionalizada; y (iii) estructura. A partir de pensadores como la
psicóloga, escritora y artista Grada Kilomba y el pensador Robin D’Angelo,
el autor también correlaciona el concepto de racismo y sus diferentes facetas
y formas de manifestación en la sociedad brasileña – y muestra cómo, aunque
ya tenemos conocimiento de esta situación problemática, es hora de revertir
este contenido muchas veces olvidado (y, por qué no, también a través del
psicoanálisis).
Palabras clave: cuestión racial, psicoanálisis, negritud, blanquitud, racismo
The white cubes are us: structural racism and whiteness in the practice of
psychoanalysis
Abstract: Knowing that racism crosses us institutionally as a society, and
creates interpersonal dialogues in the daily lives of black people, how can we
think about the relationship between psychoanalytic training and the racial
issue? What are the points of attention when talking about an anti-racist
psychoanalytic training? In this brief article, using Silvio Almeida’s typology,
the author makes some considerations about the concept of racism as (i)
individual and interpersonal experience, (ii) institutionalized politics; and
(iii) structure. Based on thinkers such as the psychologist, writer and artist
Grada Kilomba and the thinker Robin D’Angelo, the author also correlates
the concept of racism and its dierent facets and forms of manifestation in
Brazilian society – and shows how, although we already have knowledge of
this problematic situation, it is time to reverse this often forgotten content
(and, why not, also through psychoanalysis).
Keywords: racial issue, psychoanalysis, blackness, whiteness, racism
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Les cubes blancs c’est nous : racisme structurel et blancheur dans la pratique
de la psychanalyse
Résumé : Sachant que le racisme nous traverse institutionnellement en tant que
société, et crée des dialogues interpersonnels dans le quotidien des personnes
noires, comment penser le rapport entre la formation psychanalytique et la
question raciale ? Quels sont les points d’attention quand on parle d’une
formation psychanalytique antiraciste ? Dans ce bref article, utilisant la
typologie de Silvio Almeida, l’auteur fait quelques considérations sur le
concept de racisme en tant que (i) expérience individuelle et interpersonnelle,
(ii) politique institutionnalisée ; et (iii) la structure. S’appuyant sur des
penseurs tels que la psychologue, écrivaine et artiste Grada Kilomba et le
penseur Robin D’Angelo, l’auteur met également en corrélation le concept de
racisme et ses diérentes facettes et formes de manifestation dans la société
brésilienne – et montre comment, bien que nous ayons déjà des connaissances
de cette situation problématique, il est temps de renverser ce contenu souvent
oublié (et, pourquoi pas, aussi par la psychanalyse).
Mots-clés : question raciale, psychanalyse, noirceur, blancheur, racisme
Referências
Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. Pólen.
Kilomba, G. (2008). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogo.
Kilomba, G. (2019). Desobediências poéticas. Disponível no acervo da Pinacoteca
de São Paulo: <http://pinacoteca.org.br/wp-content/uploads/2019/07/AF06_
gradakilomba_miolo_ baixa.pdf>. Acesso em: 14/6/2022.
Thiago Amparo
thiago.amparo@fgv.br