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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE DESENHO INDUSTRIAL
CURSO DE BACHARELADO EM DESIGN
JOÃO CONRADO SANTANA DE LIMA DEMBISKI
JOÃO VICTOR TARRAN ARAÚJO
SURU’BA: Sistema Utilitário Recombinante Utópico-Universal Baseado na
Autonomia
CURITIBA
2022
JOÃO CONRADO SANTANA DE LIMA DEMBISKI
JOÃO VICTOR TARRAN ARAÚJO
SURU’BA: Sistema Utilitário Recombinante Utópico-Universal Baseado na
Autonomia
SURU’BA: Utilitarian, Recombinatory & Utopic-Universal System based on
Autonomy
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel do
Curso de Bacharelado em Design da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Orientador: Frederick M. C. Van Amstel
Coorientador: Renato Bordenousky Filho
4.0 Internacional
Esta licença permite remixe, adaptação e criação a partir do trabalho, para
fins não comerciais, desde que sejam atribuídos créditos ao(s) autor(es) e
que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Conteúdos
elaborados por terceiros, citados e referenciados nesta obra não são
cobertos pela licença.
CURITIBA
2022
4.0 Internacional
Esta licença permite remixe, adaptação e criação a partir do trabalho, para
fins não comerciais, desde que sejam atribuídos créditos ao(s) autor(es) e
que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Conteúdos
elaborados por terceiros, citados e referenciados nesta obra não são
cobertos pela licença.
2022
JOÃO CONRADO SANTANA DE LIMA DEMBISKI
JOÃO VICTOR TARRAN ARAÚJO
SURU’BA: Sistema Utilitário Recombinante Utópico-Universal Baseado na
Autonomia
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel do
Curso de Bacharelado em Design da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Data de aprovação: 22 de junho de 2022
___________________________________________________________________________
Dr. Frederick Marinus Constant Van Amstel, Professor Orientador do DADIN,
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
___________________________________________________________________________
Dra. Fernanda Botter, Professora Convidada do DADIN,
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
___________________________________________________________________________
Dr. Alexandre Vieira Pelegrini, Professor Indicado do DADIN,
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todas que nos trouxeram até aqui e aos que caminham conosco,
direta e indiretamente, principalmente às nossas famílias e amigos.
EPÍGRAFE
“O caos é concreto. Tão concreto quanto a catástrofe, tal qual uma
inesperada tempestade que pode transbordar o rio, ou deslizar o
morro, ou vomitar granizo, ou matar com raio, ou todos, ou nenhum.
Muito infrequentemente nenhum.
O caos é tão concreto quanto a distribuição estatística da natureza,
com sua aleatoriedade controlada e sua matematicamente calculável
incerteza. É como a sorte que vira azar, que vira sorte, que vira azar,
que vira sorte, que vira azar, que vira sorte, que vira azar, que vira
sorte de novo.
O Caos foi o Primeiro Deus Primordial da Realidade como relatado
por Hesíodo — e portanto, a mais velha Consciência Divina, assim
como a primeira forma do Universo. Seu nome deriva do grego antigo
χάος (kháos), que significa “abismo”, “vazio” ou “imensidão de
espaço”, referindo-se ao nada primordial que existia — se é que fazia
sentido um “existir” — antes que houvesse uma realidade.
E também noutras mitologias, doutras cosmovisões, a realidade se
fez tangível emergindo do caos. Ele é o abismo de não existência por
onde propaga-se o espírito de Yaveh, fazendo surgir o Universo. É o
substrato das palavras de Nhandevoruçu, cuja fala dá formato ao
mundo. E é também o fim inevitável de todas as coisas, o nada no
qual dissipa-se o tudo sistematicamente corroído.
O caos é a antítese da ordem e o contrário da estrutura. Mas
precisamos de estrutura e ordem para falar sobre o mundo — afinal,
nomear algo é apontar a forma de uma regularidade que repete; e
como o caos não tem forma nem repete, faz de si um conceito fugidio,
muito difícil de se pensar sobre.
Mesmo assim, somos determinados.
A humanidade ri do difícil, e diverte-se desafiando o impossível.”
Yuri Bilk Matos, Curitiba, 2022
RESUMO
Propõe-se neste TCC a criação de uma tecnologia aberta de sistema-produto,
meta-produto e infra-produto chamada SURU. Trata-se de um diálogo projetual e um
esfumaçamento dos limites entre usuários e projetistas que estimula uma lógica de
consumo alternativa, autopoiética, antropofágica, simbiótica e parasita através do
upcycling, design aberto e livre e produção descentralizada. SURU é constituído de
uma coletânea de peças-móveis, que abrangem desde peças universais de suporte,
peças universais de junção, peças especializadas de apoio e perfil até grandes
superfícies de apoio como tampos e encostos. Em poucas palavras, trata-se de uma
variedade de peças que podem ser encaixadas para gerar objetos complexos, tais
como móveis. Além do sistema de móveis modulares, propõe-se uma máquina
fresadora CNC também modular e aberta para a produção de módulos SURU em
ambientes pequenos visando a infraestruturação inicial de um sistema
produto-serviço de fabricação descentralizada. Para demonstrar a viabilidade deste
projeto, foram produzidas 35 Surus, 63 Sururus, 1 Surubona, 6 Suruletas e a
máquina SURUMAC. O objetivo primário deste projeto foi explorar alternativas ao
papel que designers podem desempenhar na sociedade brasileira subdesenvolvida
para superar as contradições do colonialismo, consumismo e usuarismo.
Palavras-chave: Sustentabilidade, Cultura Material, Processos de Fabricação,
Decolonização, Sistemas Descentralizados, Design Livre, Metadesign, Infradesign.
ABSTRACT
We propose in this term paper the creation of an open technology of
product-system named SURU, which is based on the concepts of product-systems,
meta-products and infra-products. This document is a projectual dialogue and a
blurring between the limits of consumers and projectors and aims to stimulate an
alternate consuming logic: autopoetic, antropofagic, symbiotic and parasite, through
the means of upcycling, open design, decentralized production and modularity. The
principal components of the product-system are a collection of mobile-parts
(modules) - covering universal-parts, junction-parts, and specialized-parts - like chair
and table legs and and large support surfaces such as tops and backrests. In a few
words, it’s a multitude of varied parts that can be assembled to become more
complex objects. In conjunction with this furniture system, a CNC milling machine is
proposed, also modular and of open design. It can produce SURU modules in small
spaces and has the possibility of being extended. In its most reduced form it can
create basic parts and proportionate the infrastructuring of a decentralized fabrication
system. To demonstrate the viability of this idea we have successfully developed the
SURU technology and fabricated 35 Surus, 63 Sururus, 1 Surubona, 6 Suruletas in
parallel to the fabrication of the SURUMAC (CNC) prototype.The primary objective of
this project is to explore the alternate roles that designers can assume in the
under-developed brazilian society, to overcome colonialist, consumerist and
user-centered contradictions.
Keywords: Sustainability, Material Culture, Fabrication Processes,
Decolonization, Decentralized Systems, Free Design, Metadesign, Infradesign
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapeamento inicial do espaço de possibilidades do SURU (modelo digital) 15
Figura 2 - Máquina CNC Fresadora Modular SURUMAC (modelo digital) 16
Figura 3 - Processo da Pesquisa de Design Construtiva 17
Figura 4 - Percurso Projetual 20
Figura 5 - Níveis de Complexidade de um Sistema Modular 30
Figura 6 - Diferentes tipos de Pesquisa no Campo do Design e do Uso 36
Figura 7 - Expansão do conhecimento por diferentes usos
sendo exercidos em conjunto 37
Figura 8 - Cadeira Surubona com intervenções modular 38
Figura 9 - Ação de pesquisa através do uso compartilhado
dos objetos SURU em uma peça de teatro de improvisação 39
Figura 10 - Esboços do conceito de móveis modulares 41
Figura 11 - Protótipos em escala real da Primeira Geração de SURUs 42
Figura 12 - Algumas das Peças do SURU, Prototipadas para Testes 43
Figura 13 - As medidas de uma peça universal SURU 47
Figura 14 - Sistema básico de encaixe entre SURUs e SURURUs 48
Figura 15 - Peças conectoras SURURU e SURU Estrutural Pequena 48
Figura 16 - Peças Fracionadas e Estendidas 49
Figura 17 - Tampos SURU 49
Figura 18 - Perfis de Cadeira 50
Figura 19 - Peças de Perfil Orgânico e Artístico 50
Figura 20 - Interações inesperadas e não projetadas entre peças emergindo
através do uso. 51
Figura 21 - Painéis de MDF 53
Figura 22 - Painéis de Compensado 54
Figura 23 - Painel de OSB 55
Figura 24 - Painéis de Plástico Reciclado 56
Figura 25 - Fresa de topo reto dupla-hélice de 5mm 58
Figura 26 - Recortes para encaixe em forma de “Dogbone” 58
Figura 27 - Desenho técnico dos protótipos de peças para a máquina CNC em DXF 59
Figura 28 - Desenho técnico de peças para a máquina no artCAM 60
Figura 29 - Página Inicial do protótipo da plataforma Estruturas Livres. 61
Figura 30 - Mapa interativo acerca dos tipos de atores relacionados ao SURU 62
Figura 31 - Mapa de grafos representando as relações sociotécnicas entre atores 63
Figura 32 - Cadeira Chairfix 67
Figura 33 - Perfis Modulares de Cadeira Ebba 68
Figura 34 - Mesa e Cadeira Desmontável e Modular feita de plástico reciclado 68
Figura 35 - Cadeiras KUKA, Modulares feitas de Valchromat 68
Figura 36 - Móveis de fabricação por CNC 69
Figura 37 - Sistema Modular de Prateleiras 69
Figura 38 - Escrivaninha, Estante, Mesa e um Armário de Nicho modulares 70
Figura 39 - Poltrona Modulê 70
Figura 40 - Coletânea de Esboços de Ideação 1 71
Figura 41 - Coletânea de Esboços de Ideação 2 72
Figura 42 - Coletânea de Esboços de Ideação 3 72
Figura 43 - Coletânea de Esboços de Ideação 4 72
Figura 44 - Coletânea de estudos de encaixe com modelos digitais 1 73
Figura 45 - Coletânea de estudos de encaixe com modelos digitais 2 73
Figura 46 - Estudos de variação de materiais com modelos digitais 74
Figura 47 - Renderização digital de uma mesa de MDF 74
Figura 48 - Renderização digital de uma mesa de plástico reciclado 74
Figura 49 - Coletânea de estruturas geradas pelas análises
combinatórias em escala reduzida 75
Figura 50 - Modelo em escala reduzida feito à partir de plástico reciclado 76
Figura 51 - Modelos em escala real montados como uma estante
para livros e toca discos 77
Figura 52 - Modelos da peça conectora SURURU em escala real 78
Figura 53 - Modelos em escala real usados para compor diferentes objeto 79
Figura 54 - Cenas de Transporte das Peças 80
Figura 55 - Meta-Espaço de Possibilidade, um modelo digital pode gerar várias peças 81
Figura 56 - Processo de criação de uma peça a partir do meta módulo 82
Figura 57 - SURUMAC 84
Figura 58 - Componente Cabeça 85
Figura 59 - Sub-Componentes da Cabeça 86
Figura 60 - Módulo de Trabalho para Fresa 86
Figura 61 - Componente Braço 87
Figura 62 - Sub-Componentes do Braço 88
Figura 63 - Peças de Suporte para o Motor 89
Figura 64 - Componente Tronco 89
Figura 65 - Peça Lateral e Sub-Componente Laterais 90
Figura 66 - Sub-Componente Base 91
Figura 67 - Detalhe do Sub-Componente Base 91
Figura 68 - Sub-Componente Gaveta 92
Figura 69 - Sub-Componente Base de Corte 93
Figura 70 - Peças da Área de Aspiração 93
Figura 71 - Sub-Componente Fixação Estrutural 94
Figura 72 - Desenho Técnico do Motor Nema 23 95
Figura 73 - Detalhamento Driver TB6600 96
Figura 74 - Placa Controladora se ligando a fonte e aos drivers 96
Figura 75 - Fonte de Energia 97
Figura 76 - Cremalheira e Engrenagem Helicoidais 97
Figura 77 - Engrenagens de 20 e 30 dentes 98
Figura 78 - Alumínio Estrutural V-Slot 98
Figura 79 - Detalhamento Sistema de Patins e Trilhos 99
Figura 80 - Parafusos, Porcas e Roscas 99
Figura 81 - Roldana em V com Rolamento 100
Figura 82 - Tela da máquina CNC da UTFPR enquanto peças da
SURUMAC são fabricadas 100
Figura 83 - SURUMAC sendo fabricada e montada na marcenaria da UTFPR 101
Figura 84 - SURUMAC sendo montada no apartamento dos autores 102
Figura 85 - SURURUS Estruturais 116
Figura 86 - SURUS Fracionados 117
Figura 87 - SURUS Universais e Estendidos 118
Figura 88 - SURUS Tampos Diversos 119
Figura 89 - SURULETAS 120
Figura 90 - Mesa Suruleta 122
Figura 91 - Surubona (Poltrona) 122
Figura 92 - Surubeira (Cadeira) 123
Figura 93 - Surack (Rack) 123
Figura 94 - Estante 124
Figura 95 - Mesinha/Banquinho 124
Figura 96 - Mesa de Centro 125
Figura 97 - Suruninha (Escrivaninha) 125
Figura 98 - Surustand 126
.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
UTFPR
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
CNC
Corte Numérico Computadorizado
SURU
Sistema Utilitário Recombinante Utópico-Universal
CAD
Computer Assisted Drawing / Desenho Assistido por Computador
SUMÁRIO
1 Introdução 13
2 Metodologia 17
2.1 Hipótese Projetual 21
2.2 Pergunta Suleadora 22
2.3 Objetivos 22
3 Problemáticas Abordadas 24
3.1 Contexto Histórico Atual e O Fim do Antropoceno 24
3.2 Produção, Consumo e Sustentabilidade Agora 26
3.2.1 Modularidade, Desmontagem e Sustentabilidade 27
3.2.2 Ergonomia e Sustentabilidade 30
3.2.3 Por um Design Ético, Disruptivo e de Transição 31
3.2.4 Design, Uso e Gambiarra 36
4 SURU: Proposta de Design Transicional 41
4.1 Origens, Propósitos 41
4.2 Possibilidades de Utilização do Suru 42
4.2.1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná 44
4.2.2 Ambientes Internos Residenciais 45
4.2.3 Ambientes Internos Comerciais 45
4.2.4 Ambientes Externos 46
4.2.5 Ambientes Temporários 46
4.3 A Modularidade e Recombinância do Suru 46
4.4 Os Materiais Possíveis para o Suru 51
4.4.1 Painéis de Madeira 52
4.4.1.1 MDF 52
4.4.1.2 Compensado Naval Calibrado 54
4.4.1.3 OSB 55
4.4.2 Painéis de Plástico Reciclado 56
4.5 Processos de Fabricação Digital 57
4.6 Plataformas para o Design Participativo e Livre 60
4.6.1 Locais de Fabricação Possíveis: 63
4.6.1.1 Universidades 64
4.6.1.2 Fablabs 64
4.6.1.3 Indústria Local 64
4.6.1.4 Zonas Autônomas de Fabricação 65
5 Exploração, Metaestruturação e Infraestruturação 67
5.1 Pesquisa e Análise de Projetos Similares 67
5.2 Rascunhos e Especulações 71
5.3 Modelos Digitais 73
5.4 Modelos em Escala Reduzida 75
5.5 Modelos em Escala Real 77
5.6 Meta-Design e Meta-Suru 82
5.7 Infra-Design e SURU CNC 84
5.7.1 Componentes da SURUMAC 86
5.7.1.1 Cabeça 86
5.7.1.2 Braço 88
5.7.1.4 Outras Peças 96
5.7.1.5 Motores 96
5.7.1.6 Drivers 97
5.7.1.7 Placa Controladora 97
5.7.1.8 Fonte de Energia 98
5.7.1.9 Cremalheiras 98
5.7.1.10 Pinhões ou Engrenagens 99
5.7.1.11 Alumínio Estrutural V-Slot 99
5.7.1.12 Patins e Trilho 100
5.7.1.13 Parafusos, Barras Roscadas e Porcas 100
5.7.1.14 Roldanas e Rolamentos 101
5.7.2 Processo de Montagem SURUMAC 101
6 Conclusão 104
6.1 Próximos Passos 106
6.2 Licença de Uso e Copyfight 107
6.3 Menções Honrosas e Referências Lendárias 108
REFERÊNCIAS 114
APÊNDICE A - Catálogo de Peças SURU 120
APÊNDICE B - Catálogo de Móveis SURU 126
13
1 Introdução
Segundo Victor Papanek (1971), poucas profissões têm maior potencial de
prejudicar o planeta do que a de designer industrial, portanto, o designer deve ser
responsável no sentido ambiental, ético, social e cultural. Uma pequena
inobservância ou irresponsabilidade projetual no desenvolvimento de um produto
pode acarretar problemas complexos, gerando resultados inesperados,
potencialmente prejudiciais às pessoas que poderão vir a consumi-lo e produzi-lo,
assim como ao meio ambiente. Este mesmo mecanismo de influência de um
designer na cultura material, através da proposição e lançamentos de produtos e
serviços, também oferece o potencial de acarretar resultados que possam contribuir
para a manutenção ou mudança de padrões de consumo.
Para isso, designers devem dar atenção à resolução de problemas reais em
contramão ao desenvolvimento de produtos efêmeros. Por isso, faz-se necessário
reinventar a forma como produzimos e interagimos com produtos, ou continuaremos
a perpetuar um sistema que claramente já não é mais sustentável a longo prazo.
Apesar do aumento do bem-estar e qualidade de vida de algumas camadas
sociais do globo, o modelo de desenvolvimento industrial atual provoca problemas
ambientais e sociais significativos. Para Bauman (2007), quando a produção de
artefatos e materialidades deixa de estar ligada à sua necessidade, passamos a
incorporar a ideia de excesso e lucro, passando de uma sociedade de produtores
para uma sociedade consumista, e junto à industrialização, chegamos ao mesmo
tempo no consumo e desperdício em massa.
Como exemplo de uma prática prejudicial no processo de produção e
comercialização de produtos temos a difundida estratégia de obsolescência
programada, comumente utilizada por grandes corporações, como a Apple, Amazon
ou Meta, que buscam gerar um consumo repetitivo e em larga escala de seus
produtos, através da redução intencional da sua vida útil, desconsiderando quase
sempre o seu ciclo de vida e impacto sócio-ambiental.
14
Trata-se de uma das muitas estratégias neoliberais de escravização material por
meio da geração artificial de desejo através de propagandas para aumentar o
consumo de um produto que possui graves falhas projetuais e éticas.
Trazendo esta problemática para um contexto mais local e específico do
subdesenvolvimento, notamos que a maioria dos móveis populares disponíveis do
mercado brasileiro é desprovida de uma capacidade de readaptação para novos
cenários, possuem baixa durabilidade e apresentam limitações no processo de
reparo. Quando um destes móveis perde sua função, a usabilidade e ciclo de vida
limitados destes produtos implicam no descarte de material em boas condições de
uso, e no consumo de mais móveis para atender a mesma necessidade. Dessa
maneira, alimenta-se um ciclo de consumo, que em larga escala e constância,
caracteriza-se como consumismo, insustentável a longo prazo.
Na contramão desse processo de sabotagem dos produtos por seus próprios
criadores, Santos e colegas (2008) recomendam que um produto possua
mutabilidade de aspectos funcionais, estéticos e simbólicos durante todo seu ciclo
de vida, pois, assim as necessidades, desejos e ocupações dos seres humanos
mudarão com o passar do tempo, diante da sua natural evolução.
Portanto, como alternativa à forma como nós produzimos e consumimos objetos
global e nacionalmente – especialmente móveis – e como um manifesto a favor de
um design mutante – propõe-se neste projeto a criação de uma tecnologia aberta de
sistema-produto, meta-produto e infra-produto.
Trata-se de um diálogo projetual e um esfumaçamento dos limites entre usuários
e projetistas que estimula uma lógica de consumo alternativa, autopoiética,
antropofágica, simbiótica e parasita, através do upcycling, do design aberto, da
produção descentralizada e da modularidade. Os conceitos fundamentais do projeto
serão explicados no terceiro capítulo. A seguir será descrito o escopo do projeto.
15
Para delimitá-lo, procurou-se focar no desenvolvimento de:
1. Uma tecnologia de encaixe para móveis modulares;
2. Uma série de mobiliário modular de uso cotidiano e comercial, composta por
itens necessários para constituir parte de uma sala, de um quarto ou
dormitório, tais como mesas, cadeiras, armários e estantes;
3. Um protótipo de uma máquina CNC para produção de módulos;
O resultado deste projeto é o desenvolvimento da tecnologia-sistema-produto
SURU (Figura 1), palavra do tronco linguístico Macro-Tupi relacionada ao conceito
de encaixe e paralelamente batizado de Sistema Utilitário Recombinante
Universal-Utópico Baseado na Autonomia (SURU'BA). O sistema tem como
principais componentes uma coletânea de peças-móveis, abrangendo peças
universais de suporte, peças universais de junção, além de peças especializadas,
tais como pés e perfil de mesas e cadeiras e grandes superfícies de apoio como
tampos e encostos. Em poucas palavras, trata-se de uma variedade de peças que
podem ser encaixadas para virar objetos mais complexos.
Figura 1 - Mapeamento inicial do espaço de possibilidades do SURU (modelo digital).
Fonte: Os Autores (2022)
O propósito mais básico do SURU é o de poder abraçar o maior número possível
de funções através da sua mutabilidade, qualidade adquirida a partir da peça e seus
encaixes servindo como blocos de construção para as ideias de quem o está
montando no momento.
16
A intenção é contrapor a obsolescência programada como é hoje, estimulando a
subjetividade do uso, a fabricação sob demanda, a reparabilidade e a troca de
peças. Além de torná-lo acessível abertamente, o projeto oferece a possibilidade de
fabricação e adaptação por outros interessados, visando a criação de novas
gerações de produtos por desenvolvedores autônomos.
Em conjunto com o sistema de moveis, propõe-se uma máquina fresadora CNC
(Controle Numérico Computadorizado) também modular e de design aberto para a
produção de módulos SURU em ambientes pequenos, com possibilidades de poder
ser ampliada para a fabricação de peças maiores (Figura 2). Ela permite em sua
forma mais reduzida a criação de peças básicas com a tecnologia SURU e
proporciona a infraestruturação de um sistema de fabricação descentralizado
(explicada nos capítulos finais).
Figura 2 - Máquina CNC Fresadora Modular SURUMAC (modelo digital).
Fonte: Os Autores (2022)
17
2 Metodologia
Este trabalho configura-se como uma pesquisa Teórico-Prática derivada de uma
práxis pois se trata do desenvolvimento e teste de uma série de produtos
embasados em pesquisas bibliográficas e experimentações derivadas de hipóteses
levantadas durante a pesquisa que, por sua vez, surge na sequência de tentativas
dos autores de mudar o mundo. A associação do design à fabricação digital desde
os primeiros estágios, introduzindo não somente teorias, mas também
procedimentos, conhecimentos e ferramentas estimula o ato reflexivo durante o ato
de se fazer, promovendo, então, a integração entre teorias e técnicas. (FROGHERI,
2016).
A abordagem metodológica integradora de teoria e prática empregada aqui é a
chamada Constructive Design Research, ou Pesquisa de Design Construtiva, tal
como proposta por Bang e colegas (2012), adequada a projetos centrados na
experimentação (Figura 3). Dentro dessa abordagem, apresenta-se a possibilidade
de se realizar pesquisas através da prática do design, ou seja, conhecer
artisticamente e criativamente objetos de pesquisa com o intuito de obter-se
conhecimento útil para outras pessoas.
Figura 3 - Processo da Pesquisa de Design Construtiva
Fonte: Bang e Colegas (2012)
18
Este método abre a possibilidade para Designers gerarem novos conhecimentos
baseados nos conhecimentos, capacidades e práticas do campo do Design através
dele mesmo.
O desenvolvimento deste trabalho se inicia na pré-produção, onde foram definidos
os objetivos do estudo, interesses de pesquisa, justificativas projetuais, públicos
alvos, suas necessidades e por fim o desenvolvimento de hipóteses e perguntas
suleadoras, seguindo a abordagem de Bang e colegas (2012). Após o pré-projeto, o
desenvolvimento do projeto se iniciou através da fase de pesquisa: com a revisão de
literatura, abrangendo referenciais teóricos relativos às propriedades de
modularização e encaixes, sustentabilidade, materiais e métodos de fabricação em
CNC, proporções ergonômicas, definições e aplicações do design aberto, do design
livre e da filosofia da técnica e tecnologia. Siqueira e colegas(2014) apresentam uma
coletânea ordenada de atividades recomendadas durante o desenvolvimento de
projetos de design que requerem uma base ergonômica. Estes estudos foram
simplificados e adequados para o caso de uso deste projeto para que exista
paralelamente um caminho metodológico linear a ser acompanhado (Figura 4).
O processo de revisão de literatura foi seguido então, por uma etapa de
identificação de problemas e oportunidades e, ideação e Proposição de Soluções -
com o intuito de combinar os conhecimentos adquiridos e chegar ao desenho de
peças capazes de compor o sistema de móveis objetivados e resolver as demandas
identificadas.
Os projetos mais adequados foram selecionados, e seus modelos digitais foram
produzidos. A criação de modelos em escala reduzida foi realizada pela usinagem
CNC, com o intuito de explorar suas volumetrias e estruturas.Terminada essa parte,
protótipos em escala real utilizando técnicas de usinagem computadorizada nos
materiais escolhidos, foram desenvolvidos para que análises de resistência física,
ergonomia e experiência de uso fossem realizadas. Os projetos de fabricação foram
então adaptados e melhorados, tendo os dados e resultados das análises
mencionadas acima como referenciais.
19
Durante o processo de fabricação, foram cotados os custos de produção,
considerando os valores da matéria prima, de produção e de transporte. O
mapeamento de um possível ecossistema de fabricação descentralizada em Curitiba
foi levantado, constando atores possuidores da capacidade para fabricar o sistema
de móveis modular.
A partir da conclusão do desenvolvimento do sistema de móveis, a fase de
desenvolvimento de um protótipo de uma máquina CNC se iniciou. Seus desenhos e
modelos digitais foram gerados e sua prototipação foi realizada. Ao fim deste
projeto, os arquivos digitais de fabricação das peças do SURU foram
disponibilizados abertamente no site “Estruturas Livres”.
Todas as etapas de desenvolvimento do produto foram fotografadas para que a
evolução do projeto seja registrada em um repositório aberto e nas redes sociais,
para que o projeto possa ser divulgado e a comunidade criativa possa interagir
conosco durante todas as fases do mesmo.
20
Figura 4 - Percurso Projetual
Fonte: Os Autores (2022)
21
Para refletir o tema escolhido, utilizamos além dos caminhos acima, lentes
metodológicas, com as quais pudemos observar o tipo de problema com o qual
estamos envolvidos. Diferente de problemas simples ou “tamed problems”, os
Problemas Complexos para Buchanan (1992) e para Van Amstel Problemas
Capciosos (2021), estes representam um tipo de problema que ainda não possui
resposta mapeada, ou que é mutável, diferindo de solução diante de diferentes
contextos. Para Van Amstel, problemas capciosos são caracterizados por
envolverem em várias dimensões em conflito que se influenciam, ciclicamente, como
um problema seriado. Quando o projetista tenta resolver um problema, a ação de
solucionar ou a própria solução geram novos problemas ou apontam para problemas
mais profundos, estruturais ou infra-estruturais.
Na contramão do solucionismo tecnológico apresentado por empresas que
escondem problemas capciosos atrás de redesigns e demonstrações de poder
tecnológico, Van Amstel sugere um design problematizador, que identifique o
problema complexo por trás dos problemas que se aparentam simples, e que crie
uma ponte (ou meta-espaço), para a deliberação política entre todos os interessados
no projeto:
"A resposta do design a um problema capcioso não é uma solução definitiva e
completa, mas sim um projeto de transição com algumas etapas esperadas e outras
etapas deliberadamente desconhecidas e abertas à emergência. A transição busca
reconfigurar a contradição que dá origem ao problema capcioso, sem no entanto,
esperar que este seja resolvido." (VAN AMSTEL, 2021)
Sendo assim, esse projeto busca desenvolver um design transicional que não
solucione o problema da insustentabilidade do produto moveleiro, mas que
reconfigure totalmente o seu sistema de produção, distribuição e consumo.
2.1 Hipótese Projetual
Móveis baseados em um sistema modular de peças, fabricados de maneira digital
e descentralizada por meio de máquinas CNCs podem reduzir a demanda pela
venda de produtos inteiros e combater a obsolescência programada, incentivando a
troca e a ressignificação, evitando assim o desperdício desenfreado e possivelmente
reduzindo os custos de fabricação.
22
Acreditamos que esses móveis sirvam como exemplo para uma alternativa
economicamente viável e de maior relevância cultural ao contexto subdesenvolvido
em relação aos modelos centralizados e fechados de produção e consumo.
Espera-se que essa tecnologia de base aberta possibilite melhorar a qualidade de
vida de indivíduos com menor poder financeiro através de um produto aberto com
alta flexibilidade de uso e economia de materiais. Uma indústria local
descentralizada evita com que os meios de produção se tornem monopólios —
empoderando pequenos espaços de manufatura, garantindo acesso a valores mais
justos e criando um ambiente frutífero para uma variabilidade maior de produtos. A
tecnologia de fabricação digital pode até atuar como uma ferramenta de transição
para diversas marcenarias, que poderão automatizar o corte de móveis e empregar
seu pessoal para a realização de tarefas mais seguras, ou realizar projetos mais
complexos.
2.2 Pergunta Suleadora1
Para verificar esta hipótese, foi realizada uma pesquisa-projeto suleada (ou
desnorteada) pela seguinte pergunta:
Como desenvolver um sistema produto-serviço de móveis modulares sustentável,
de fácil fabricação baseado na infraestrutura de máquinas CNC de pequeno porte?
2.3 Objetivos
O objetivo geral desta pesquisa é projetar uma tecnologia para o desenvolvimento
e fabricação de produtos modulares capazes de serem produzidos de maneira
descentralizada e contribuir para o processo de decolonização do design
Sul-Americano, propondo uma relação alternativa à cultura material vigente
exportada de regiões como a Europa ou Estados Unidos.
1Com o objetivo de enfatizar que este é um projeto decolonizador que contesta a hegemonia
das civilizações do hemisfério norte e afirma o subdesenvolvimento, nossa bússola projetual irá
sempre apontar em direção ao Sul do mundo. Portanto, toda noção norteadora será ressignificada
como suleadora ou desnorteadora. .
23
Tecnologicamente e Projetualmente, busca-se criar uma base técnica e teórica
para o desenvolvimento de produtos flexíveis com alta capacidade de recombinação
para a solução de diferentes demandas de uso cotidiano, com desenhos
simplificados, padronizados e livres para download, provendo assim uma inovação
tecnológica e social de base aberta e livre.
Experimentalmente, busca-se incluir o usuário como participante do processo de
projetação, montagem, configuração e reconfiguração do produto, para que ele
adeque-o especificamente às suas necessidades individuais, contribuindo para a
sua qualidade de vida com maior flexibilidade de uso. Por uma perspectiva
econômica, o projeto estimula a percepção da abundância através da troca material
de peças, mas também através da troca conceitual de desenhos e possibilidades de
construção com o sistema SURU.
Os objetivos específicos da pesquisa são:
1. Realizar um levantamento bibliográfico acerca da concepção e produção de
produtos, em específico sobre móveis, modulares; normas e melhores
proporções ergonômicas;
2. Realizar sessões de ideação e geração de alternativas para os protótipos.
3. Produzir modelos em escala, protótipos e produtos finais;
4. Realizar um mapeamento de FabLabs na cidade de Curitiba com capacidade
para produzir este móvel localmente;
5. Desenvolver um protótipo de uma plataforma digital aberta para registro do
desenvolvimento do projeto e para interagir com o público interessado;
6. Distribuir alguns projetos de fabricação como peças de Design Aberto;
7. Desenvolver o protótipo de uma máquina CNC modular capaz de fabricar
parte do sistema de móveis.
24
3 Problemáticas Abordadas
3.1 Contexto Histórico Atual e O Fim do Antropoceno
Desde os anos 1980, cientistas citam o Antropoceno como uma época em que os
efeitos da humanidade estariam afetando globalmente nosso planeta. O principal
defensor e prêmio Nobel de Química (1995) Paul Crutzen, foi quem auxiliou na
popularização do termo nos anos 2000, através de publicações discutindo essa nova
era geológica da Terra (Crutzen, 2002) na qual a influência humana adquire
dimensão das eras geológicas na transformação de nosso planeta. A humanidade
emerge como uma força significante, capaz de interferir em processos críticos na
existência da espécie humana, tal como a composição da atmosfera e sua
temperatura.
Para Yuk Hui, em seu livro intitulado Tecnodiversidade, o Antropoceno é uma
crise em que a Terra e o cosmos foram transformados em um sistema tecnológico de
proporções globalizantes, o ápice da ruptura epistemológica e metodológica a que
convenhamos chamar de Modernidade. Essa crise representa também a perda da
metafísica do cosmos que não se encaixa na perfeição da ciência e da tecnologia
moderna. Ainda nesse sentido, sua antítese tecnológica versa que “a tecnologia não
é antropologicamente universal, pois, seu funcionamento é assegurado e limitado
por cosmologias particulares que vão além da mera funcionalidade e da utilidade -
Assim, não há uma tecnologia única, mas uma multiplicidade de cosmotécnicas.”
A constatação do Antropoceno levou à reflexões nos mais variados campos do
saber. Dentre eles, destaca-se a virada ontológica da Antropologia, associada a
antropólogos como Phillipe Descola, Eduardo Viveiros de Castro, Bruno Latour e Tim
Ingold. Essa virada pode ser sintetizada pelo nome do livro que Viveiros de Castro
(2009) especula a respeito: O Anti-Narciso. Trata-se de uma busca contínua, no
limite do possível, de uma “alteridade radical” (Hage, 2012). Essa virada seria,
portanto, uma jornada sem retorno na abertura ao alter, ao estranho e ao diferente.
Este movimento é uma tentativa de levar diferentes ontologias em diferentes
culturas a sério e para Descola, existem quatro ontologias principais a serem
25
analisadas: o naturalismo, o animismo, o totemismo e o analogismo. A modernidade
é caracterizada pelo naturalismo, que traz como significado a oposição e dominância
da cultura sobre a natureza; “ou colocando de outra maneira: a natureza é
considerada a fonte de contingência devido a sua fragilidade conceitual, e por isso,
precisa ser subjugada pela lógica.” (DESCOLA, 2005) Para o autor, o
reconhecimento das diferenças entre as ontologias pode servir como contra-projeto
das formas modernas de controle do saber.
Pensando a partir do mundo subdesenvolvido, Álvaro Vieira Pinto (2005)
desenvolve uma ontologia crítica a partir do conceito de tecnologia. Para o filósofo
brasileiro, a Tecnologia é o logos da técnica, ou seja, o saber estruturado da técnica,
um conjunto sistematizado que se refere à técnica pensada, um conjunto
sistematizado de saberes que se referem à técnica pensada como um conjunto de
mediações, e não de dominação entre homem e a natureza. Assim, ela não pode ser
usada como bode expiatório das contradições geradas pela modernidade.
A técnica é consubstancial ao processo de hominização que já existia muito antes
da modernidade, pois não há “humanidade” sem a instituição de um conjunto de
mediações técnicas ou operatórias que permite ao “humano” superar “contradições”
com a natureza no processo contínuo de produção de sua existência (Vieira Pinto,
2005).
Porém, a técnica só existe devido à capacidade de projetar novas condições de
existência da consciência humana. Essa capacidade é função diferencial e
intrínseca do sistema nervoso do homem, o que implica a presença de um caráter
técnico em toda ação humana (Vieira Pinto, 2005). Sendo assim, o homem é um
animal técnico e se tornou um ser social para poder produzir aquilo que projeta.
A técnica, portanto, relaciona-se imediatamente a um processo produtivo e,
assim, o conceito de tecnologia deve estar incluído em uma teoria da produção ou
do trabalho, já que o modo como produzimos a vida determinaria o conjunto de
técnicas e tecnologias que serão construídas (Carvalho, 2017).
26
Refletindo sobre o que diz Vieira Pinto e Carvalho, é urgente que transformemos
também nossos meios de produção de realidade para que essa virada ontológica se
torne acessível também fora da Antropologia. O fim do capitalismo e do consumismo
está anunciando o fim do mundo tal como conhecemos, entretanto, existem outros
mundos possíveis, outras Tecnodiversidades e Cosmotécnicas a serem
compartilhadas e talvez uma boa saída seja uma na qual não somos
necessariamente antagônicos à natureza, mas apenas uma de suas mil faces (Em
referência Aos Mil Nomes de Gaia).
Concluímos esta problemática com a reflexão de Hakim Bey (2003): “não há
humanidade sem téchne - mas não há téchne mais valiosa do que minha
humanidade portanto “se uma dada tecnologia, não importa o quão admirável em
termos de potencial (no futuro), é usada para oprimir-me aqui & agora, então eu
devo ou empunhar a arma de sabotagem, ou dominar os meios de produção”.
3.2 Produção, Consumo e Sustentabilidade Agora
Elaborado pela WCE (Word Commision on Environment), o Relatório “Our
Common Future”, conhecido também como relatório de Brundtland, apresenta a
definição de desenvolvimento sustentável como "aquele que atende às gerações
presentes sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas
próprias necessidades” (WCED, 1987 apud BELLEN, 2005). Fassi Jr. (2014) e
Ferreira (2010) complementam que, além de respeitar as diversidades culturais e
potencializar as características regionais, o desenvolvimento sustentável deve
resultar na diminuição do impacto ambiental que a indústria ocasiona tanto local,
quanto regional e globalmente.
Apesar de hoje compreendermos o significado do termo desenvolvimento
sustentável, a degradação ambiental desenfreada que teve início com a revolução
industrial dura até hoje. Com a globalização e avanço tecnológico recente, a
humanidade enfrenta uma nova relação referente às ações de desenvolver e
conservar: a importância de “avaliar a capacidade ecológica necessária para
sustentar o consumo de produtos e estilos de vida” (FASSI JR, 2014), pois o
processo contínuo de globalização, que expande o estilo de vida capitalista através
27
das internet e das relações comerciais, acelerou também o aumento da pobreza
mundial, desigualdade social e todas as suas consequências.
Diante dessa realidade, Vicente (2012) reforça que, concretamente o design pode
contribuir para o desenvolvimento sustentável, melhorando o desempenho ambiental
dos produtos e processos de fabricação, incentivando a aceitação de produtos mais
sustentáveis por empresas e consumidores. Também pode manter o
desenvolvimento social e econômico de nossas comunidades dentro da capacidade
de carga dos ecossistemas que nos cercam, dissociando o crescimento econômico
da degradação ambiental, escolhendo materiais e processos capazes de conservar
os recursos naturais em vez de esgotá-los (VICENTE, 2012).
Apesar de todo conhecimento acumulado e tentativas de remediação dos reflexos
do capitalismo e neoliberalismo desenfreados, as respostas à crise ambiental, como
o Protocolo de Quioto de 1997, o Regime de Comércio de Licenças de Emissão da
UE de 2005, e o Acordo de Paris de 2015, não tem sido respeitadas e surtido efeito
global. Torna-se urgente e evidente a necessidade de transformação dos meios de
produção, consumo e distribuição. Trazemos abaixo, então, algumas análises que
consideramos importantes dentro do campo do Design que podem contribuir para
essa transformação.
3.2.1 Modularidade, Desmontagem e Sustentabilidade
Papanek (2014) nos EUA, assim como Michel Arnoult aqui no Brasil, propunham
já na década de 1970 produtos para a desmontagem. Essa estratégia implica
mudanças no desenho inicial e na maneira como é fabricado o produto, pois, para
que isso aconteça, peças devem ser encaixadas, justapostas e/ou parafusadas, em
vez de soldadas ou fundidas juntas. (VICENTE, 2012)
Para Papanek ainda, são muitas as vantagens de produtos desenvolvidos com
essa premissa. Em primeiro lugar, elimina a linha de montagem do processo
produtivo e reduz custos. Em segundo lugar, a participação do usuário na montagem
do equipamento o torna mais consciente do processo construtivo, possibilitando seu
conserto e fazendo também com que "se torne mais crítico na distinção entre o que
é necessário e o que superficial" (PAPANEK, 2014, p. 226); (VICENTE, 2012)
28
A modularidade é um conceito complementar à desmontagem. Greven e Baldauf
(2007) remontam à origem do termo “módulo”, como proveniente do latim, e
corresponde a uma medida reguladora das proporções de uma obra (arquitetônica),
assim como à quantidade que se toma como unidade de qualquer medida. No caso
de design de produtos, um módulo é uma peça que segue um conjunto de regras
para ser utilizada de maneira repetitiva e/ou combinatória.
Segundo Miller e Elgård (1998), o uso de módulos se originou a partir na prática
arquitetônica de diferentes culturas, sob características e expressões diferentes. Na
interpretação grega, têm caráter estético, na sua interpretação romana,
estético-funcional, e no Japão, apenas caráter funcional. Os mesmos autores
colocam que Walter Gropius foi o primeiro a combinar padronização, funcionalidade
e produção industrial, através do uso do conceito de blocos construtivos
(Baukasten), originado pela escola Bauhaus.
Miller e Elgard (1998) apontam que:
”Um módulo é uma unidade funcional bem definida com relação ao produto do qual faz
parte. Com relação à definição de um sistema, o módulo possui interfaces padronizadas e
interações pré-determinadas que possibilitam a composição de produtos distintos através de
operações de combinação.”
Logo, a modularização é uma estratégia que implica em impactos em todo ciclo
de existência de um produto, facilitando a desmontagem. Um sistema de objetos
modular ideal possui fácil intercambialidade entre as peças que os compõem,
permitindo um número X de reconfigurações diferentes que podem alterar o papel
que cada objeto e o sistema como um todo, exerce no ambiente.
Em seu artigo Santos, e colegas (2008), do Núcleo de Design e Sustentabilidade
da UFPR, apresentam conceitos que embasam uma metodologia de projeto de
produto modular, e dividem o ciclo de vida do produto em 4 fases:
1. Pré-Produção
2. Produção
3. Uso
4. Reuso (ou Descarte)
29
Similar ao ciclo proposto por Manzini e Vezzoli (2002), que utilizam a metodologia
“Life Cycle Design”,“entende-se, de fato, como uma maneira de conceber o
desenvolvimento de novos produtos tendo como objetivo que, durante todas as suas
fases de projeto, sejam consideradas as possíveis implicações ambientais ligadas às
fases do próprio ciclo de vida do produto (pré-produção, produção, distribuição, uso
e descarte) buscando, assim, minimizar todos os efeitos negativos possíveis.”
A modularização pode ampliar o ciclo de vida de um produto pois possibilita que
partes específicas de um produto possam ser trocadas sem que haja dano ou
alteração a outras peças. Isso permite com que o objeto, composto pelo conjunto de
peças, continue tendo funcionalidade e tenha seu ciclo de vida aumentado, com um
processo de manutenção e atualização simplificado e de custo reduzido.
O processo de troca de peças de um objeto pode ser simplificado pelo uso de
encaixes geométricos entre elas. A união entre duas ou mais peças é denominada
de interface. Para Mikkola (2000), as interfaces podem ser entendidas como os
“meios de contato” comuns entre componentes, módulos e subsistemas de uma
dada arquitetura de produto. Quando diversas interfaces são interconectadas, surge
uma plataforma.
Ainda, segundo Pelegrini (2005), este conceito decorre da ideia de que um
produto pode ser configurado com a combinação de módulos de um sistema. E pode
ser visto como um espaço de configuração (Meta-Espaço), a partir do qual se pode
trabalhar a variedade e a customização em massa do produto (VASSÃO, 2007).
Para Pelegrini (2005), a vantagem do emprego do conceito de plataformas está
na otimização de tempo e recursos no desenvolvimento e lançamento de novos
produtos. A partir de uma plataforma de produtos modulares (Figura 5), as empresas
podem oferecer aos consumidores sistemas e famílias de produtos. Isto pode
auxiliar no atendimento a nichos de mercado, tanto do ponto de vista funcional
quanto do ponto de vista dos estilos de vida dos consumidores (SOARES, 2012).
30
Figura 5 - Níveis de Complexidade de um Sistema Modular
Fonte: Adaptado de PELEGRINI (2005)
Através do potencial recombinatório do sistema de mobiliário, busca-se abordar a
redução da necessidade de produção de mais móveis inteiros, e sim de peças para
a resolução de necessidades de uso sobre objetos. Ao utilizar poucos, ou apenas
um material e fixações estruturais (interfaces), através de encaixes, busca-se criar
um produto acessível, ambientalmente menos nocivo e de baixa complexidade de
fabricação para uso residencial e comercial, resultando em menor consumo de
energia, material e tempo para a sua produção.
3.2.2 Ergonomia e Sustentabilidade
A ergonomia é a disciplina científica relacionada ao entendimento das interações
entre seres humanos e outros elementos de um sistema. Moraes & Mont`alvão
(2009) definem a ergonomia como: “Teoria tecnológica operativa, que objetiva,
através da ação, resolver os problemas da relação entre homem, máquina,
equipamentos, ferramentas, instruções e informações, solucionando os conflitos
entre o humano e o tecnológico.”
Os aspectos ergonômicos e de usabilidade abrangem a utilização de artefatos do
cotidiano como móveis, computadores, telefones celulares, automóveis, aparelhos
31
de som e TV, eletrodomésticos, etc. São estudados aspectos como capacidade
física e cognitiva do usuário, conforto, facilidade de visualização, percepção e
processamento de mensagens, campos visuais, entre outros (AMORIM e colegas,
2014); e têm função de proteger o ser humano.Conforme Dul & Weerdmeester
(2004), em projetos de trabalho e em situações cotidianas, a ergonomia enfoca o ser
humano, na busca da adaptação de suas capacidades e limitações físicas e
psicológicas em relação à eliminação das condições de insegurança, desconforto,
ineficiência e insalubridade.
Nesta pesquisa busca-se desenvolver um sistema mobiliário capaz de suprir as
emergentes e constantemente mutáveis necessidades e desejos de uso cotidiano
que seus usuários podem ter, baseando-se nas normativas ergonômicas mais
atualizadas. Acreditamos que a ergonomia possa influenciar muito na
sustentabilidade de um produto, pois quanto melhor é o projeto ergonômico,
atendendo às necessidades e casos de uso, mais sustentável ele é, pois garante um
ciclo de uso mais duradouro causado pela utilidade, conforto e boa sensação.
Amorim e colegas (2014), buscam paralelizar os processos de desenvolvimento
“clássicos” do design com os processos de desenvolvimento ergonômicos propostos
por Anamaria de Moraes (2009). Estes servirão de guia para sulear o
desenvolvimento e aperfeiçoamento ergonômico durante o projeto de
desenvolvimento do produto.
3.2.3 Por um Design Ético, Disruptivo e de Transição
“Quais condições de existência estão sendo melhoradas com este projeto?
Do Designer ou do Usuário? do Povo ou da Elite? Do Brasileiro ou do Estrangeiro?”
Essas são perguntas centrais no trabalho do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto
e também podem ser direcionamentos para projetos de design.
A partir da concepção de design como articulação simbólica segundo Beccari
(2016), ao se aproximar de outras áreas do conhecimento que operam expressões,
mediações e traduções como a Arte, o cinema, a Filosofia, a Literatura, o design
pode ser encarado como operante constante de mediação, criação e recriação de
significados, narrativas e possíveis realidades. Para rumar a novos mundos,
32
precisamos transicionar até eles (ABDALA e SIQUEIRA, 2019) Para que um
designer desempenhe então, um papel ético nessa transição, precisa pensar
criticamente sobre o impacto que a sua atuação tem sobre as outras pessoas,
animais, plantas e ecossistemas ao seu redor.
Compreendendo a ideia de que o designer transforma e cria possíveis futuros
(PAPANEK, 1971), cada condição ecossistêmica, territorial, pressupõe demandas e
possibilidades específicas, que são acionadas por comunidades humanas no
desenvolvimento de artefatos, meios e processos. Por isso, pode-se considerar que
“todos os humanos são designers”, pois assim, todos nós somos responsáveis pelo
futuro que estamos construindo.
Van Amstel (2021), em seu ensaio sobre a ética na produção de Design,
apresenta questionamentos pertinentes ao apontar que Designers (enquanto
profissionais reconhecidos) costumam ter uma posição privilegiada dentro da
sociedade, ao mesmo tempo que “os outros”, “os usuários”, as pessoas excluídas
socialmente, como negros, indígenas, pobres, mulheres e demais, são tratados
como, no máximo, consumidores dentro do esquema de divisão do trabalho na
indústria de produção de produtos.
A projetação é relegada apenas aos privilegiados, enquanto o consumo é o único
destino que um pobre, um discriminado ou desfavorecido terá. Logo o autor aponta:
[…] É importante colocar-se na posição de reconhecer que você possui privilégios
quando você é designer, ao mesmo tempo em que existem outras pessoas que
possuem menos privilégios. O que você faz quando se conscientiza de seus
privilégios? Você compartilha seu poder para que haja uma equalização gradual
dessa relação para que, no futuro, exista uma outra relação de produção digital em
que todo mundo seja designer de seus próprios sistemas. Quando a experiência do
usuário é projetada como ideal, acredita-se, então, que sempre é possível fazer
melhor para o Outro do que a solução atual.Van Amstel (2021)
O projeto de Design engloba desenvolvimento de novas tecnologias, entendendo
o designer nessa situação, como um futurologista, especulador de devires e até
simplificadamente como concept designer. Para Hakim Bey (2003) certas doutrinas
da Futurologia, ainda continuam problemáticas.
33
Por exemplo, mesmo que aceitemos o potencial libertador das novas tecnologias
como a TV, os computadores, a robótica, a exploração espacial, etc., ainda
percebemos uma grande distância entre potencial e a militarização do espaço
sugerem que essas tecnologias, por si só, não oferecem nenhuma garantia
“específica” para seu uso libertário.
Para o autor, em sua ontologia anarquista, empoderado como criador (designer
no sentido mais profundo) e também como usuário, que somos todos de uma ou
outra tecnologia, expressa:
Rejeitamos também o conceito de uma Solução Tecnológica. Para nós, todas as
formas de determinismo são igualmente insípidas - não somos escravos nem de
nossos genes nem de nossas máquinas. O que é “natural” é aquilo que imaginamos
e criamos. “A Natureza não tem leis - apenas hábitos.
Na direção ontológica de Bey, os hackers, com suas atitudes inovadoras,
criativas, disposição para a troca e afinidade com ideias progressistas ajudaram
fundamentar o funcionamento da Internet e configuraram a cultura de abertura e
liberdade no ciberespaço tal como a conhecemos hoje (Raymond, 1998).
Os hackers remontam à exploração dos primeiros sistemas computadorizados de
cartões de crédito e linhas telefônicas por pessoas socialmente excluídas e/ou que
viam oportunidades de ganho pessoal ou social nas brechas desses sistemas.
O decorrer do desenvolvimento e interação destas técnicas por parte de seus
praticantes culminou hoje em movimentos e comunidades organizadas de
compartilhamento e ativismo, compostas de programadores, experts e gurus.
O termo hacker não está confinado somente à cultura do software, ele aplica-se
também em outros campos, como na arte, no design e na ciência. É aceito como
hacker todo aquele que sinta emoção para resolver problemas e acrescentar suas
habilidades para exercitar a inteligência ou resolver as contradições impostas pela
realidade, além disso, e para que seja aceito de forma ampla na comunidade - Ele
deve atuar de acordo com os fundamentos éticos da cultura hacker, não importando
seu campo de atuação. A cultura hacker se fundamenta na cooperação, na ajuda
mútua voluntária, no compartilhamento e na liberdade. Os hackers se opõem ao
autoritarismo, à censura, ao segredo, ao controle e ao uso da força (CABEZA e
colegas, 2020).
34
No seu capítulo da ética hacker, Levy (1994) fala sobre as principais
características éticas que os hackers tinham nos princípio, entre elas cabe destacar
a busca pela liberdade de acesso a toda informação relacionada com os
computadores sem barreiras físicas ou legais; deve-se aprender a não julgar por
falsos critérios como diplomas, idade, raça ou posição; Explorando todas as
possibilidades libertadoras que oferecem as tecnologias digitais, pois onde é
possível criar arte e mudar a vida para melhor deve-se fazê-lo (CABEZA e colegas,
2020).
Para Cabeza e colegas, (2020) o movimento hacker é:
Um exemplo da contemporaneidade da inteligência coletiva, que potencializa a
inovação e gera mudanças radicais na sociedade, promovendo democracia em
tempo real, revalorizando a cultura da liberdade, a participação, a colaboração e
oposição às sociedades hierarquizadas e verticais.
Tais valores deram origem à versão contemporânea da cultura livre, que tem sua
máxima expressão na cultura do software livre e no código aberto, que a partir de
sua prática e teoria inspirou outras esferas como a do Design Aberto e Design Livre.
Entretanto, se o poder hegemônico impera sobre as transações materiais e
simbólicas, sobre o saber e a visão de cosmos, nossa capacidade de percepção e
de criar por nós mesmos a partir de referências exógenas a esse sistema, ou que
valorizam a subjetividade, são atrofiadas (ABDALA e SIQUEIRA, 2019).
A consolidação industrial como lugar hegemônico de produção só foi possível
através do desmantelamento de outros meios de produção de realidade, ou seja,
outras ordens de organização do trabalho, da vida e do cotidiano (Cardoso, 2000),
distanciando-nos de ideias como, por exemplo, a da capacidade pessoal, individual
e coletiva de sermos projetistas de nosso mundo (PACEY, 1992).
Conseguinte, Bonsiepe (1997) caracteriza que o design se configura como uma
ferramenta de articulação e interlocução para a transformação da realidade nos dias
atuais. A inovação social deve ser central na busca de novos modos de se fazer,
redes devem ser desenvolvidas e as pessoas devem ser protagonizadas,
considerando as suas experiências e referências próprias.
35
Partindo do preceito de “ciclo hermenêutico” e da capacidade do design de
representar o mundo que o cerca, no pensamento de Beccari (2016), pressupondo
uma relação de que tanto pessoas quanto os artefatos que as pessoas projetam
fazem design:
O que criamos nos cria de volta; e o que criamos reflete o mundo que vivemos e
quando inserimos nossa criação na realidade ela reflete e reforça os discursos e
preceitos segundo as quais foi criada. Ou seja, se compomos projetos a partir de
premissas ontológicas e epistemológicas, esses projetos refletem e reproduzem os
discursos que os fizeram nascer (ABDALA e SIQUEIRA, 2019).
A transição, segundo Arturo Escobar (2014), prima o argumento de que
precisamos ir um pouco além dos limites institucionais e epistêmicos existentes se
queremos vislumbrar e exercitar práticas que podem dar lugar a transformações
tanto significativas quanto aderentes (ABDALA e SIQUEIRA, 2019).
Abaixo são relacionados os oito ponto da ecologia profunda, teoria de Arne Naess
que nasce nos anos 70 e faz parte da base filosófica de grande parte da cultura
eco-ativista, e, que podem ser usados tanto como condições de contorno para
qualquer projeto de design, tanto como diretrizes para pensar o fazer do design na
busca de uma transição do mundo em que nos encontramos hoje para um futuro
possível e mais positivo, diferente do apocalipse que nos assombra.
"Arne Ness e os Oito Pontos da Ecologia Profunda:
1 - O florescimento dos seres vivos humanos e não humanos têm valor intrínseco. O
valor dos seres não humanos é independente de sua utilidade para propósitos
humanos.
2 - A riqueza e a diversidade de formas de vida na Terra, incluindo formas de culturas
humanas, têm valor intrínseco.
3 - Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade, exceto
para satisfazer necessidades vitais.
4 - O florescimento da vida e culturas humanas é compatível com uma população
humana substancialmente menor.
5 - A presente interferência humana com o mundo não humano é excessiva e a
situação está piorando.
36
6 - Os pontos acima mencionados indicam que mudanças são necessárias na forma
dominante com que os humanos até agora têm se comportado em sua relação com a
Terra e como um todo. Estas mudanças irão, de uma maneira fundamental, afetar
estruturas políticas, sociais, tecnológicas, econômicas, e ideológicas.
7 - A mudança ideológica em países “ricos” será principalmente a de aumentar o
apreço por qualidade de vida, do que a busca de um alto padrão material, desta
forma preparando um estado global para um desenvolvimento ecologicamente
sustentável.
8 - Aqueles que subscrevem os pontos mencionados têm uma obrigação direta ou
indireta de tentar implementar as mudanças necessárias por meios não violentos.”
(ROTHENBERG, 1993, p.127).
3.2.4 Design, Uso e Gambiarra
Para Van Amstel (2022), todo objeto de design possui embutido em si um
conhecimento sobre ele mesmo e sobre o próprio mundo onde foi criado. Entretanto,
para que um conhecimento possa ser embutido e trabalhado em cima de um objeto
ele primeiro precisa existir entre as pessoas e ser denominado. Portanto, é no
processo de tradução do objeto conceitual e o objeto tangível, real, funcional e
resiliente que ocorre o processo experimental de design nesta pesquisa (Figura 6).
Figura 6 - Diferentes tipos de Pesquisa no Campo do Design e do Uso
Fonte: adaptado por VAN AMSTEL (2021)
37
Por meio do uso, é possível averiguar empiricamente o resultado do projeto de
design e compará-lo com as hipóteses geradas, respondendo perguntas e
possivelmente gerando novas perguntas. Logo esta pesquisa se caracteriza como
uma pesquisa através do design e através do uso, pois estes dois processos operam
em alternância. Quando várias pessoas começam a utilizar um produto elas
naturalmente vão adquirindo conhecimento sobre as melhores formas de interagir
com ele. Ao trocarem informações sobre o uso destes produtos, conhecimentos
antes desconhecidos podem ser trocados e novas ideias de uso podem surgir
(Figura 7).
Figura 7 - Expansão do conhecimento por diferentes usos sendo exercidos em conjunto.
Fonte: VAN AMSTEL (2015).
Ademais, quando várias pessoas começam a discutir, projetar, alterar e trocar os
arquivos digitais das peças, gerando e fabricando novas peças, conectores e casos
de uso, é aberta a possibilidade de evolução descentralizada e orgânica do sistema
SURU.O SURU é uma tecnologia projetada para uso participativo e livre. Em
diversos níveis, ela pode ser articulada socialmente pelas pessoas envolvidas. E o
uso e alteração desta tecnologia pelos próprios “usuários” lhes garante o papel de
usigners (user-designers). O próprio ato de interação e uso com o sistema SURU é
um ato de pesquisa sobre como ele é e poderia ser.
38
No design de produto contemporâneo, isso raramente acontece. Quando um
projeto é desenvolvido através de uma ótica “usuáriocentrista”, as pessoas que irão
interagir com seu produto acabam sendo objetificadas, e por consequência -
tomadas de seus poderes de decisão e alteração acima do que é desenvolvido
especialmente para elas (VAN AMSTEL e GONZATTO, 2022). Isto ocorre pelo fato
que o designer acaba por se julgar diferente e superior em suas análises e
competências de projetação, ou por impulsos de perfeccionismo. Designers que
seguem esta linha projetual tendem a querer fechar todos os nós abertos que podem
existir dentro da experiência de interação com um produto.
Em contraste com a ideologia projetual acima, temos os Projetos Participativos,
que buscam ressignificar o papel dos “usuários”, lhes recuperando o poder de
decisão e alteração do projeto. Projetos deste cunho tendem a desenvolver suas
soluções de uma maneira que seus produtos possam ser experimentados,
manuseados e alterados pelas pessoas que irão usá-las regularmente, deixando que
as pessoas encontrem as suas próprias formas de fechar os nós abertos da
experiência de uso (Figura 8).
Figura 8 - Cadeira Surubona com intervenções modulares
Fonte: Os Autores (2022)
39
Durante a pesquisa, foram realizadas sessões de ideação e uso coletivo com
peças prototipadas. Uma dessas sessões foi realizada na Laje do Design da
UTFPR, onde alunos que não tinham contato com o projeto interagiram com ele
livremente. Outra foi realizada durante uma dinâmica de teatro improvisado, em que
os objetos foram usados pelos atores para compor cenas e articulados como objetos
simbólicos (Figura 9). Estas dinâmicas interativas geraram novas relações entre as
peças inimaginadas até então.
Figura 9 - Ação de pesquisa através do
uso compartilhado dos objetos SURU em uma peça de teatro de improvisação.
Fonte: Os Autores (2022)
O SURU é uma tecnologia de base aberta para a fabricação e utilização de
móveis e, para que tenha sucesso em seu propósito, deve ser apropriada pelas
pessoas. Assim que elas usem as peças, as testem e proponham novos usos, com o
decorrer desse processo, a criatividade coletiva aliada a liberdade projetual irão
definir boa parte do seu rumo.
Segundo Van Amstel (2014), o conceito fundamental do design participativo é a
apropriação tecnológica. "Apropriar-se significa manter o domínio sobre a tecnologia,
compreender como ela foi desenvolvida e ter a capacidade de modificá-la quando
necessário.” (VAN AMSTEL, 2014). O pesquisador aponta para o trabalho de Bar e
colegas (2007) que identificaram na cultura latino-americanas três modos de
apropriação tecnológicas: “infiltração barroca”, “creolização” e “canibalismo”.
Destes, a “creolização” e “canibalismo”, são apontados por Boufleur (2006) como
o processo popular chamado “gambiarra”, ou “o procedimento necessário para a
configuração de um artefato improvisado.”
40
A partir desses pontos de vista, é perceptível que nós brasileiros somos um grupo
cultural de exímios gambiarreiros, em suma, designers oprimidos pela natureza das
necessidades impostas pela desigualdade de nossa sociedade. É a partir desta
caraterística intrínseca do nosso povo que o projeto SURU floresce, sendo a
gambiarra seu motor criativo e a sua maneira de se auto-explorar e produzir
conhecimento para si.
41
4 SURU: Proposta de Design Transicional
4.1 Origens, Propósitos
A ideia para o desenvolvimento de um sistema de móveis modulares surgiu na
matéria de Projeto de Sistema de Produto, do Bacharelado em Design da UTFPR,
cursado pelos autores no ano de 2017 (Figura 10). A proposta da mesma era o
desenvolvimento de um móvel de encaixe, que pudesse ter mais de uma função e
fosse facilmente mutável, a fim de servir como infraestrutura básica para pessoas
que se mudam constantemente, tendo foco em alunos da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná que vêm de outras cidades para estudar.
Figura 10 - Esboços do conceito de móveis modulares
Fonte: Os Autores (2017)
O desenvolvimento inicial desta tecnologia de encaixes serviu de inspiração aos
autores para a projetação de um espaço colaborativo de coworking que pudesse
mudar de configuração de acordo com as necessidades dos ocupantes. Ideações
foram geradas para o espaço mas nunca saíram do papel, entretanto a ideia
permaneceu viva.
42
Em 2017, alguns protótipos iniciais foram criados (Figura 11). Posteriormente,
esses protótipos serviram como ponto de partida para este TCC, que visa ampliar
este projeto, expandindo a maneira como as pessoas podem interagir com ele,
desenvolvendo um sistema de encaixes mais eficiente, atualizando o projeto para
medidas mais ergonômicas, mapeando locais de fabricação, métodos e os materiais
que podem ser utilizados.
Figura 11 - Protótipos em escala real da Primeira Geração de SURUs
Fonte: Os Autores (2017)
4.2 Possibilidades de Utilização do Suru
Segundo Van Amstel e Garde, 2016, serviços (e produtos) possuem aspectos
tangíveis e intangíveis , que são organizados através de um sistema conceitual de
idéias que representam um “espaço de possibilidades” de natureza abstrata, porém,
essas possibilidades só podem ser acionadas através de arranjos físicos (concretos
e tangíveis) e sociais, representando o inverso de natureza concreta, as
“possibilidades do espaço”.
43
Para que cumpra o seu papel, o SURU deve oferecer extensos "espaços de
possibilidades". Sendo assim, realizamos um levantamento acerca da produção de
peças e coleções de peças (Figura 12). Essas foram conceitualizadas, testadas e
avaliadas a partir de necessidades e problemas identificados em locais que foram
considerados de grande potencial.
Figura 12 - Algumas das Peças do SURU, Prototipadas para Testes.
Fonte: Os Autores (2022)
Ao produzir este "espaço de possibilidades", percebemos que o SURU é o que ele
pode ser. Seu projeto lhe permite tomar formas pequenas, altas, largas, baixas,
retas, tortas, ambíguas, funcionais e anti-funcionais. Para cumprir um mesmo papel,
existem vários objetos. - O SURU abre a possibilidade de que um mesmo objeto
cumpra vários papéis. E caso nenhuma combinação das peças existentes possa
solucionar o problema, uma nova peça sempre pode ser criada, testada e recriada,
se necessário. Após considerar as possibilidades de maneira abstrata, era preciso
também verificar a viabilidade de produção destes objetos. Sendo assim, passamos
a explorar as "possibilidades de espaço" que nos estavam à mão.
44
4.2.1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná
O SURU pode atuar possibilitando autonomia na produção de móveis para a
instituição, e para a rede de instituições e podendo trazer a universidade como um
ambiente de prototipação e experimentação ativo.
É um fato conhecido de que existem galpões imensos da UTFPR atolados de
carteiras, cadeiras, bancos, mesas e estantes - dentre diversos outros artefatos -
que não “funcionam” mais e foram descartados, constituindo um resíduo que não
deveria existir. Claramente, há maneiras de aproveitar estes materiais e o SURU
poderia se apresentar como uma maneira destes galpões não serem mais
alimentados e chegarem ao ponto de não mais existirem.
Feiras, Exposições e Semanas Acadêmicas já populam os espaços da
universidade durante o ano todo e, apesar disso, poucas são as infra-estruturas
específicas para acomodar a realização destes eventos.
Outro fenômeno identificado em torno da universidade é o de novos Alunos que
chegam de outras cidades para estudar na UTFPR e não possuem móveis. Muitas
vezes o período inicial de residência é constituído de várias mudanças em curtos
períodos, levantando a necessidade de mudanças rápidas e de móveis que possam
se adaptar. A universidade poderia oferecer um serviço de empréstimo, aluguel e
venda de móveis modulares inicialmente para a comunidade de alunos, servidores,
professores e depois para a população em geral.
O SURU também pode ser usado para infraestrutura um laboratório de design
experimental que pode ser desenvolvido, usando tal ambiente e para atuar como
uma ferramenta de ideação e teste.
Nesse espaço, os seguintes produtos são possíveis: Mobiliário Modular para
Eventos e Exposições, Mobiliário para Salas de Aula e Laboratórios, Laboratório
Experimental de Design Modular e Usabilidade, Móveis para o Aquário, Móveis
casuais de espaços de convívio, Mesa de Ping Pong.
45
4.2.2 Ambientes Internos Residenciais
Propor uma série de produtos acessíveis que compõem o necessário para se ter
um quarto é uma maneira de garantir conforto e dignidade a mais pessoas.
O mercado de móveis residenciais é vasto e apresenta uma oportunidade de
inserção para o SURU e se popularizar, pois quando uma pessoa quer um espaço
maior em sua cama, ela geralmente compra uma cama nova. Se a cama pudesse
ser expandida e diminuída, por exemplo, um móvel inteiro novo seria dispensável,
com apenas poucas novas peças necessárias para resolver a mesma necessidade.
O mesmo processo pode ocorrer quando um armário precisa conter mais ou
menos objetos. É muito mais fácil e barato expandi-lo ou reduzi-lo do que comprar
um novo. Além de abrir a possibilidade futura de transformação de qualquer móvel
em qualquer outro móvel necessário, dependendo de seu contexto e necessidade.
Nesse espaço, os seguintes produtos são possíveis: Mesa de Canto, Armário de
Canto para Roupas, Sapatos e Edredons, Cadeira de Trabalho, Cadeira de
Descanso, Estante para Livros e Discos, Cama Expansível, Sofá de sala e Mesinhas
de Cabeceira.
4.2.3 Ambientes Internos Comerciais
Lojas, Cafés, Bares e Galerias podem desfrutar da tecnologia, podendo fabricar
seus ambientes internos com baixo custo ou alugar móveis para eventos
específicos. A desmontagem dos móveis permite que os estabelecimentos possam
guardar diversas cadeiras, mesas e outros objetos em um espaço compacto.
A modularidade também permite a personalização de peças específicas em
objetos, isto possibilita acrescentar a identidade/branding específica do espaço para
o projeto. Ou seja, cadeiras podem ter peças que portam a logo ou grafismos
específicos do local.
Produtos possíveis neste espaço:Estrutura para vitrines, Expositores, Araras,
Gaveteiros, Bancadas, Balcões, Cadeiras, Bancos, Mesas, Estantes, Prateleiras e
Biombos.
46
4.2.4 Ambientes Externos
Uma série de produtos Modulares que aguentem as intempéries climáticas podem
se provar de bom uso em áreas externas de casas, bares, hotéis e restaurantes, nas
suas varandas, terraços e quintais. Este tipo de ambiente requer ênfase no uso de
materiais revestidos ou tratados, como chapas de plástico reciclado, pois a umidade
e sujeira estarão afetando diariamente as peças.
Produtos possíveis neste espaço:Bancos, Mesas para guarda Sol, Cadeiras e
Espreguiçadeiras.
4.2.5 Ambientes Temporários
Eventos como Feiras, Festas, Exposições e Peças de Teatro podem se beneficiar
através da tecnologia, por meio da compra ou aluguel de móveis que constituirão
parcialmente ou totalmente a infraestrutura de seus ambientes.
Produtos possíveis neste espaço:Expositores, Araras, Estantes, Mesas,
Cadeiras, Bancos, Espreguiçadeiras e Mesas para guarda Sol.
Através deste levantamento foi possível perceber que alguns tipos de móveis se
repetiam em diferentes categorias, sendo estes: Cadeiras, Mesas e Estantes. Logo
nossos esforços de projetação foram focados no desenvolvimento de módulos que
pudessem auxiliar primariamente na criação de objetos que cumpram os papéis dos
móveis citados acima.
4.3 A Modularidade e Recombinância do Suru
O sistema modular do SURU se baseia primariamente em encaixes simples e
padronizados feitos entre as peças.A espessura do material é o primeiro fator a ser
considerado na projetação do sistema modular proposto, é a partir dela que a os
buracos e pinos de encaixe (ou interface) do sistema são definidos. A espessura
padrão definida para o SURU foi de 15mm.
O módulo básico do SURU possui 360mm de largura e 375mm de comprimento,
ou seja 24x25 unidades modulares de 15mm (Figura 13).
47
Estas medidas foram escolhidas com o intuito de criar pequenos objetos que
progressivamente podem ser expandidos vertical e horizontalmente seguindo boas
medidas antropométricas em conjunto com bons volumes de armazenamento e
superfícies de apoio.
Figura 13 - As medidas de uma peça universal SURU
Fonte: Os Autores (2021)
A partir da definição das dimensões da peça universal - a peça SURU - todas as
outras peças são derivadas. O sistema modular mais básico pode ser desenvolvido
através do uso repetido de peças universais. Estas peças permitem conexões em
sentido vertical e horizontal (Figura 14).
48
Figura 14 - Sistema básico de encaixe entre SURUs e SURURUs
Fonte: Os Autores (2021)
O próximo nível básico de complexidade é atingido através da inclusão e uso de
peças conectoras no sistema, como o SURURU e o SURU Estrutural (Figura 15).
Figura 15 - Peças conectoras SURURU e SURU Estrutural Pequena
Fonte: Os Autores (2022)
49
Avançando progressivamente na complexificação do sistema, temos peças
fracionadas e estendidas (Figura 16):
Figura 16 - Peças Fracionadas e Estendidas
Fonte: Os Autores (2022)
Tampos (Figura 17):
Figura 17 - Tampos SURU
Fonte: Os Autores (2022)
50
Perfis de Cadeiras (Figura 18):
Figura 18 - Perfis de Cadeira
Fonte: Os Autores (2022)
Peças com perfil orgânico, abstrato e artistico (Figura 19):
Figura 19 - Peças de Perfil Orgânico e Artístico
Fonte: Os Autores (2022)
51
Apesar do SURU ser projetado por meta-designers para que seus encaixes
funcionem de maneira planejada, suas interfaces e proporções acabam por permitir
que as pessoas realizem mais combinações do que se foi inicialmente projetado e
esperado. Não há nada de errado em não seguir as limitações impostas pelos
meta-designers, pois pelo contrário a intenção deste projeto é que estas limitações
devem sempre estar em constante questionamento. Entretanto deve-se atentar que
algumas dessas ligações não-projetadas podem não oferecer sustentação suficiente
para a tarefa pensada ou podem avariar as peças (Figura 20).
Figura 20 - Interações inesperadas e não projetadas entre peças emergindo através do uso.
Fonte: Os Autores (2022)
4.4 Os Materiais Possíveis para o Suru
Prosseguindo na exploração das "possibilidades do espaço", nesta seção são
exploradas as possibilidades relativas aos meios materiais pelos quais os objetos do
SURU podem se manifestar. Os materiais requeridos para a fabricação do SURU
devem encontrar-se em formato de painel, devem possuir baixa variabilidade de
espessura e baixo empenamento/abaulamento e devem propiciar uma resistência
estrutural adequada.
Quatro tipos de materiais acessíveis e abundantes no local de produção, cidade
de Curitiba, foram inicialmente escolhidos para a fase de análise e passíveis para a
fase de prototipação, caso suas viabilidades fossem confirmadas: o MDF, o
Compensado Naval e o OSB e Chapa de Plástico Reciclado.
52
Nos próximos tópicos, eles serão comparados para estabelecer parâmetros de
sustentabilidade ambiental e utilidade para este projeto, buscando responder às
seguintes perguntas:
1. Quais são as dimensões/tamanhos possíveis do material?
2. De quais matérias-primas ele é feito?
3. A origem dessas matérias-primas pode ser determinada?
4. Quais técnicas de usinagem podem ser utilizadas no material?
5. Este material é renovável ou biodegradável?
4.4.1 Painéis de Madeira
O setor de produtos florestais compreende, genericamente, os segmentos
de madeira em tora, madeira serrada, painéis de madeira, pasta de madeira e
papel. A partir desses insumos, formam-se várias cadeias produtivas, destacando-se
que, no caso dos setores de construção civil e moveleiro, os produtos de madeira
serrada e os diversos painéis de madeira são bens substituíveis entre si (REMADE,
2006).
Segundo Torquato (2008), os painéis surgiram, principalmente, para atender a
uma necessidade gerada pela escassez e pelo encarecimento da madeira maciça. A
origem dos painéis retrata a necessidade de inovar na utilização, aproveitamento e
reaproveitamento da madeira, explorando ao máximo o potencial da matéria-prima.
4.4.1.1 MDF
A sigla MDF corresponde à “Medium Density Fiberboard” ou “Placa-de-Fibras de
Média Densidade” (Figura 21). A sua produção usa como matéria-prima principal a
madeira de eucalipto, pínus aglutinados com resina sintética. O MDF possui
consistência que se aproxima à da madeira maciça. A maioria dos seus parâmetros
físicos de resistência são superiores aos da madeira aglomerada, caracterizando-se
também por possuir boa estabilidade dimensional e grande capacidade de usinagem
(REMADE, 2007).
53
Figura 21 - Painéis de MDF
Fonte: Google Imagens (2022)
Placas de MDF são encontradas principalmente nas dimensões de
2750x1850mm. Este material é ideal para ser usinado em máquinas de corte e fresa
pela sua densidade cortado a laser, colado, lixado e furado, e pode possuir
acabamentos com laminação e pintura.
Em relação a sua biodegradabilidade, estudos apontam que as resinas presentes
no MDF, como a de ureia-formaldeído (UF), são tóxicas para os humanos e para o
meio ambiente. Por conta deste fato a agência de Proteção Ambiental
norte-americana (EPA, 2011) aponta que painéis de MDF são inaceitáveis para
reciclagem ou reutilização em áreas agrícolas devido à falta de completo
entendimento quanto aos impactos das emissões de formaldeído. (PIEKARSKI,
2013)
Resíduos de MDF podem ser reciclados, através da sua adição na manufatura de
novos painéis sem grandes efeitos prejudiciais à qualidade do produto final,
entretanto esta tecnologia ainda não se encontra disponível no Brasil. Além disso,
em contato com a água o MDF pode estufar, se deformando e se desfazendo.
Apesar de suas limitações, o MDF foi utilizado na prototipação das peças do SURU,
porém, considerou-se outros materiais para futuras prototipações.
54
4.4.1.2 Compensado Naval Calibrado
De uma forma geral, o compensado (Figura 22) é produzido por um número ímpar
de lâminas de madeira mediante adição de uma resina adequada ao seu uso final,
de maneira que a compensação de forças é realizada por meio da disposição
perpendicular das fibras das lâminas, colados sob pressão e temperatura (Kollamnn
e colegas, 1975; Rowell, 2005).
Figura 22 - Painéis de Compensado
Fonte: Google Imagens (2022)
O Brasil está posicionado entre os principais produtores mundiais de
compensado. Sua ampla utilização justifica-se por suas características mecânicas e
adaptabilidade a diversos usos. Entretanto, o segmento é bastante fragmentado.
Entre os fatores limitadores, observam-se algumas barreiras tecnológicas e custos
elevados da matéria-prima. Placas de Compensado são encontradas principalmente
nas dimensões de 2200x1600mm.
O painel compensado é um produto de alto valor agregado e de qualidade,
porém é de elevado custo quando comparado aos seus concorrentes. (EISFELD e
BERGER 2011). Ele ode ser usinado em uma máquina CNC, furado, lixado, colado,
cortado à laser, revestido e envernizado. Entretanto, o material está sujeito a um
abaulamento natural, pois não é tão reto quanto uma chapa de MDF. Também
possui uma variação na espessura um pouco alta, em torno de 2mm.
Esse material foi utilizado na fabricação do protótipo da máquina SURUMAC.
55
4.4.1.3 OSB
A sigla OSB corresponde à “Oriented Strand Board” ou Painel de Tiras de Madeira
Orientadas (Figura 23).
Figura 23 - Painel de OSB
Fonte: Google Imagens (2022)
O OSB é um painel de madeira estrutural formado geralmente por partículas
longas de formato retangular, encoladas com resinas fenol-formaldeído ou
isocianato, orientadas na mesma direção e consolidado através de prensagem a
quente (IWAKIRI, 2005).A resistência desse painel é alta, embora não tanto quanto a
da madeira sólida original. O OSB tem a elasticidade da madeira convencional, mas
é mais resistente mecanicamente. O seu custo é mais baixo, devido ao emprego de
madeira de pequena dimensão, proveniente de florestas geridas de forma mais
sustentável.
Durante o processo de produção de placas de OSB, é possível o melhor
aproveitamento das toras de madeira. (EISFELD e BERGER 2011). O OSB utiliza
96% da madeira contra 56% do compensado, o que permite otimizar o custo do
produto, tornando-o ecologicamente mais eficiente. Dentre os usos do OSB,
destacam-se pisos, divisórias, coberturas e obras temporárias, como, por exemplo,
tapumes e alojamentos (REMADE, 2007).Placas de OSB são encontradas
principalmente nas dimensões de 2400x1200mm.
56
Este material não foi empregado durante a prototipação deste projeto por conta
de sua fragilidade perante o restante dos materiais selecionados, mas oferece uma
boa possibilidade de uso em tampos e peças que não necessitem do uso de muitos
encaixes.
4.4.2 Painéis de Plástico Reciclado
A empresa Rewave, desenvolvedora de tecnologias para materiais plásticos,
incubada na UTFPR Ecoville, se propôs a desenvolver em conjunto com os
pesquisadores deste trabalho, alguns protótipos em escala reduzida de peças do
sistema SURU utilizando suas chapas de material plástico reciclado (Figura 24).
Figura 24 - Painéis de Plástico Reciclado
Fonte: Rewave Plastic Studio (2021)
Leve, de matéria-prima abundante, resistente à água e ao tempo, fácil de limpar,
este material pode ser reciclado novamente além de possuir diversas possibilidades
de customização de cor e padrão. Materiais coletados em regiões urbanas e
processados por centros de reciclagem são usados como matéria prima no processo
de fabricação das placas. Todo material polímero termoplástico pode ser utilizado no
processo de fabricação de placas independente da sua origem, a restrição é que ele
seja lavado, aglutinado e extrusado, procedimento comum na produção de
matérias-primas recicladas. Devido à abundância de ABS, PEAD, PEBD e PP, a
Rewave também utiliza esses materiais em seu processo produtivo.
Atualmente, a Rewave não possui um fornecedor exclusivo, com isso há uma
variabilidade nas ofertas de certificações dos fornecedores quanto a comprovação
57
da origem de utilização de materiais descartados na fabricação da matéria-prima.
Porém, a Rewave exige que o fornecedor garanta formalmente ou informalmente
que o material é reciclado, o risco da informalidade na garantia da origem reciclável
do material no momento da aquisição se dá pela falta de estrutura dos fornecedores
e a falta de oferta de matéria-prima.
A Rewave produz placas nas dimensões de 298x298mm e oferece duas
variações de espessuras, 7,9mm e 12,7mm. Porém, desde o início de 2021 a
empresa está desenvolvendo um maquinário para produção de placas com
dimensões de 1400x1400mm para aumentar a sua capacidade de variação de
produtos.
O material pode ser usinado em uma máquina de corte CNC (desde que em baixa
velocidade de rotação da fresa ou com resfriamento), furado, lixado. Todos os
procedimentos de usinagem aplicados a polímeros virgens podem ser aplicados aos
materiais de origem reciclada.
Este material tem o potencial de envolver uma cadeia social de coletores e
recicladores marginalizados que poderiam se beneficiar através da valorização da
matéria prima que coletam e tratam. Também tem o potencial de envolver uma
cadeira de indústrias que buscam resolver o problema de seus resíduos
plásticos.Este é o material que, segundo nossa visão, possui a maior potencialidade
de inovação tecnológica e social, em conjunto com uma menor potencialidade de
dano ambiental se utilizado corretamente. Entretanto, o material foi utilizado apenas
para modelos em escala reduzida devido ao seu alto custo e placas de tamanho
pequeno.
4.5 Processos de Fabricação Digital
O SURU parte do princípio de que todos os materiais que serão utilizados para
fabricar suas peças estejam no formato de uma placa plana (sem deformidades
direcionais), que esta placa possua uma variação de espessura baixa e que a
mesma possa ser usinada em uma máquina CNC, sigla para Comando Numérico
Computadorizado e se refere a um sistema que permite o controle de máquinas de
maneira digital, sendo utilizado principalmente em tornos e centros de usinagem.
58
Se um material possui uma espessura de 15mm, a espessura padrão do SURU, o
tamanho do seus encaixes será de 15mm + uma pequena folga de 0,5 à 2 mm, esta
folga depende da variabilidade da espessura do material aliada à precisão da
máquina de usinagem. Caso a variação de espessura da placa do material seja
muito alta os encaixes não funcionarão de maneira correta.
Outro fator crucial para que os encaixes funcionem é a adição de recortes em
forma de “ossos de cachorro”/”dogbones” nos cantos internos do desenho dos
encaixes. Estes recortes devem ter o seu tamanho superior ao tamanho da fresa
que será utilizada para a usinagem da peça e são necessários pois é impossível se
fazer um canto de encaixe reto com uma fresa cilíndrica. No caso da usinagem do
SURU, foram usadas fresas de topo reto de 5mm, com forma dupla-hélice (Figuras
25 e 26).
Figura 25 - Fresa de topo reto dupla-hélice de 5mm
Fonte: Google Imagens (2022)
Figura 26 - Recortes para encaixe em forma de “Dogbone”
Fonte: Os Autores (2022)
59
Em seu artigo sobre fabricação digital em CNC, Matos e colegas (2015), definem
usinagem como:
“Um processo que consiste na remoção de material dando forma, dimensão e acabamento ao
projeto, através de ferramentas de corte, em sua maioria das vezes uma fresa, onde o material
cortante é mais duro que o material a ser usinado. Atualmente existe uma variedade de operações de
usinagem e uma grande gama de tecnologias para tal procedimento.’
Para que estes cortes sejam feitos são necessários desenhos técnicos digitais em
formato de vetor DXF ou DWG (Figura 27), que podem ser feitos através de
programas como o FREECAD, AutoCAD ou Fusion360. Recomenda-se cuidado na
hora da realização deste desenhos para que os vetores não possuam sobreposições
ou quebras.
Figura 27 - Desenho técnico dos protótipos de peças para a máquina CNC em DXF.
Fonte: Os Autores (2022)
Estes arquivos de vetores devem então ser traduzidos para um outro tipo de
arquivo, específico para a máquina de usinagem CNC, este tipo de arquivo se
chama G-Code - Ele define fatores como posição, profundidade, direção do bico da
fresadora assim como estima o tempo necessário para a usinagem. Como
recomendação de programas para criar o G-Code citamos os programas Fusion360
ou o artCAM (Figura 28).
60
Figura 28 - Desenho técnico de peças para a máquina no artCAM.
Fonte: Os Autores (2022)
4.6 Plataformas para o Design Participativo e Livre
Uma possibilidade de veiculação do sistema SURU é através de uma plataforma
digital que disponibiliza abertamente os manuais, esquemáticas e arquivos para a
fabricação, alteração e divulgação de novas peças. Citamos como exemplos desse
tipo de plataforma a designoteca, que distribui projetos de maneira paga e gratuita e
a plataforma corais, que propicia projetos colaborativos.
O termo open-source (fonte-aberta/código-aberto) pode ser definido como a
ideologia e a tecnologia que permite acesso livre aos seus arquivos de produtos
digitais. Tais arquivos podem ser reconfiguráveis e alterados para atender às
principais necessidades individuais de cada consumidor/usuário/criador.
O modelo do open-design altera o paradigma da relação linear entre:
Desenvolvedor → Fabricante → Distribuidor → Consumidor
Criando uma relação direta e uma mescla dos papéis entre:
Desenvolvedores ← e → Consumidores (AVITAL, 2011).
Ao criar uma comunidade aberta de desenvolvedores e consumidores de objetos
estaremos dando vida e continuidade ao projeto SURU de maneira descentralizada.
61
Essa abordagem remonta ao conceito de metadesign ou metaprojeto. Para DE
MORAES (2010), o conceito de “Metaprojeto” nasce da necessidade de uma
plataforma de conhecimentos que sustente e oriente a atividade de design em um
cenário fluido e em constante mutação.
Visando o metadesign, a plataforma Estruturas Livres foi prototipada com o intuito
de servir como o conceito de uma base de conhecimento metaprojetual e ponto de
acesso a informações relacionadas a este TCC, que inclusive encontra-se lá
disponibilizado abertamente, o link para acesso ao site encontra-se nas referências
(Figura 29).
Figura 29 - Página Inicial do protótipo da plataforma Estruturas Livres.
Fonte: Os Autores (2022) ( O link para acesso está nas referências )
Além do metadesign, este projeto contempla também o infradesign. Pelanda e
Van Amstel, 2020, no artigo: “Do metaobjeto ao infraobjeto: analisando traços
deixados por coletivos autogestionários em uma plataforma digital” apresentam o
seguinte direcionamento para o infradesign:
“O processo de design de plataformas digitais que atendem a demandas
organizacionais de projetos geo-distribuídos e colaborativos, envolve diversos atores,
artefatos e interações em uma ecologia de relações sociotécnicas construídas ao
longo do tempo (ver STAR e RUHLEDER, 1994; 1996). Várias dessas relações
costumam ser invisíveis, dependendo do tipo de organização dos atores. Para
compreender e projetar tais plataformas, é preciso, portanto, tornar visível o processo
organizacional.”
62
Apresentada a importância de tornar visíveis as relações sociotécnicas, um mapa
interativo foi elaborado e publicado na plataforma. Ele apresenta os principais atores
que podem influenciar e participar do processo de desenvolvimento de uma rede de
desenvolvimento e fabricação distribuída do SURU (Figura 30).
Estes atores são:
● Fornecedores de Material
● Fornecedores de Usinagem
● Laboratórios Criativos e de Design
● Universidades com Fablabs
● Coworkings, Fablabs e Makerspaces
● Centros de Reciclagem
Figura 30 - Mapa interativo acerca dos tipos de atores relacionados ao SURU.
Fonte: Os Autores (2022)
Um mapa de grafos também foi desenvolvido com o objetivo de realizar um
mapeamento mais detalhado das relações entre os atores, os serviços e bens que
poderiam hipoteticamente entregar (Figura 31).
63
Figura 31 - Mapa de grafos representando as relações sociotécnicas entre atores.
Fonte: Os Autores (2022)
Uma análise de potenciais locais com capacidade de fabricação do sistema
SURU foi realizada e suas principais sínteses encontram-se nos próximos tópicos
abaixo.
4.6.1 Locais de Fabricação Possíveis:
As pessoas, tecnologias e máquinas necessárias para realizar o processo de
fabricação de um sistema de encaixe precisam encontram-se disponíveis na UTFPR
e em universidades do mesmo porte, Fábricas, Marcenarias e Locais Especializados
- denominados de FabLabs ou MakerSpaces. O principal tipo de máquina que
possibilita a realização da fabricação destes móveis é uma máquina CNC. Existem
projetos abertos na internet que possibilitam a sua fabricação.
64
Todos os locais citados abaixo podem constituir uma rede de fabricação
distribuída, e possuem um leque de possibilidades de interação, de troca de
informação e projetos.
4.6.1.1 Universidades
Diversas universidades do Brasil possuem máquinas que possibilitam a
fabricação deste sistema de móveis, elas constituem uma rede de capacidade de
fabricação considerável e descentralizada. Um projeto que possa facilmente ser
replicado entre elas possui um fator de impacto maior. A Universidade também
abriga FabLabs.
Indagamos o leitor a refletir sobre o efeito que um sistema de móveis
disponibilizado abertamente pelas universidades brasileiras poderia ter.
4.6.1.2 Fablabs
São espaços físicos que contém máquinas de fabricação digital, computadores e
softwares, têm o objetivo de viabilizar e auxiliar na construção de objetos, desde a
modelagem digital até a materialização. Esses locais demonstram competência para
capacitar indivíduos, até criar dispositivos para si mesmos (ORCIUOLI, 2012).
Estudos de diversas áreas indicam que a próxima revolução digital será no âmbito
da fabricação digital pessoal, do fabrico de bens físicos (GERSHENFELD, 2005), por
isso os FabLabs ganham cada vez mais destaque.
Neste contexto, o conceito de FabLab se pauta na disponibilização de
ferramentas tecnológicas para o efeito na lógica “do it yourself" (MIKHAK e colegas,
2002).Os mesmos autores acreditam que as tecnologias de computação que melhor
desenvolvem são aquelas que permitem que as pessoas aprendam não apenas a
desenhar e a manipular as suas criações nos computadores, mas, sim, a utilizar
ferramentas de manufatura controladas por computadores para desenvolver e
realizar os seus projetos.
4.6.1.3 Indústria Local
Outra maneira de descentralizar a produção é considerar locais de fabricação já
existentes para a criação da infraestrutura básica para obter a autonomia dos seus
65
meios de produção, junto a percepção de potenciais fornecedores de matéria prima
viável que existam localmente.
Eisfeld e Berger (2011) em seu estudo acerca da indústria de painéis de madeira
no Paraná, afirmam que o painel de Fibras de Média Densidade (MDF) começou a
ser produzido no Brasil em 1997, pela fábrica da Duratex, em Agudos (SP). Em
seguida, começaram a operar as unidades da Tafisa (final de 1998), localizada
em Piên, da Masisa (início de 2001), situada em Ponta Grossa e a da Arauco (final
de 2001), localizada em Jaguariaíva, todas no estado do Paraná.
Eisfeld e Berger (2011) apontam que o mercado brasileiro de compensados era
composto por aproximadamente 300 empresas na época, as quais, na sua maioria,
estavam concentradas na região Sul do país. No estado do Paraná, no ano de
2007, estavam localizadas 118 empresas, cerca de 40% das indústrias de
painéis de compensado do Brasil.
Tendo essas informações acima, nos perguntamos: por conta de estarmos situados
próximos a produtores de compensado, um material valioso, não poderíamos ter
acesso a ele por um custo significativamente reduzido? E com isto obter um produto
de alto valor agregado. Seria este produto mais acessível? Entretanto quais danos
ambientais o incentivo do uso destes materiais pode ocasionar?
4.6.1.4 Zonas Autônomas de Fabricação
O conceito de zonas autónomas de fabricação é apresentado no artigo “Sagui
Lab: um experimento educacional híbrido” e foi inspirado no conceito de TAZ (do
inglês Temporary Autonomous Zone) zona autônoma temporária, termo introduzido
por Hakim Bey, “uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente,
uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação)
e se dissolve para se refazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado
possa esmagá-la. Uma vez que o Estado se preocupa primordialmente com a
Simulação, e não com a substância, a TAZ pode, em relativa paz e por um bom
tempo, “ocupar” clandestinamente essas áreas e realizar seus propósitos “festivos”
ou nesse caso, propósitos de fabricação.
66
Segundo Cabeza e colegas, “uma zona autônoma de fabricação é criada para
designar espaços abertos de fabricação analógica e/o digital e busca fugir dos
controles rígidos burocráticos, ou puramente lucrativos para poder fabricar com
independência, liberdade e autonomia, pois partir do momento que um espaço é
absorvido por burocracia ou fins puramente lucrativos, ele deve ser dissolvido e
re-estabelecido em outro lugar. O espaço pode ser um Makerspace, Fab Lab,
Hackerspace, oficina, laboratório de garagem, fundo de quintal, faculdade,
universidade, escola, local privado ou público voltado para qualquer tipo de
fabricação.”
67
5 Exploração, Metaestruturação e Infraestruturação
5.1 Pesquisa e Análise de Projetos Similares
Para orientar a identificação e desenvolvimento de soluções nesta pesquisa,
foram realizadas buscas em artigos e websites para encontrar projetos de móveis
modulares que dão atenção à sustentabilidade, recombinância e ergonomia -
apresentados nas próximas figuras, ressaltando as principais características
observadas:
- Simplicidade de montagem e de produção da Cadeira Chairfix (Figura 32)
- A modularidade de perfis da cadeira Ebba (Figura 33)
- A modularidade e o material sustentável dos móveis da Paola Calzada
Architects (Figura 34)
- O refinamento estético e material diferencial das cadeiras Kuka, feitas de
Valchromat (Figura 35).
- O projeto de design aberto e por encaixe da OpenDesk (Figura 36)
- A padronização do sistema modular de armários e prateleiras da empresa
Frisk (Figura 37).
- A ambiguidade de uso dos produtos da Furf Design (Figura 38)
- O sistema de encaixe, medidas e angulações do projeto de Michel Arnoult
(Figura 39)
Figura 32 - Cadeira Chairfix
Fonte: Ben Wilson 2008.
68
Figura 33 - Perfis Modulares de Cadeira Ebba.
Fonte: KAOI e THINKK Studio, 2019.
Figura 34 - Mesa e Cadeira Desmontável e Modular feita de plástico reciclado
Fonte: Paola Calzada Arquitects, 2018.
Figura 35 - Cadeiras KUKA, Modulares feitas de Valchromat
Fonte: Studio dLux.
69
Figura 36 - Móveis de fabricação por CNC
Fonte: OpenDesk
Figura 37 - Sistema Modular de Prateleiras
Fonte: Frisk
70
Figura 38 - Escrivaninha, Estante, Mesa e um Armário de Nicho modulares
Fonte: Furf Design, 2021
Figura 39 - Poltrona Modulê
Fonte: Michel Arnoult, 1997.
71
5.2 Rascunhos e Especulações
Diversos rascunhos em papel e desenhos digitais, foram elaborados com o
objetivo de especular potenciais formas de peças, formas de encaixes, construções
de objetos e recombinações de peças. A técnica de esboço se apresenta como uma
maneira rápida e dinâmica de se obter reflexões sobre um potencial
objeto(possivelmente um meta-espaço), sendo um fator importante para a
delimitação do que seria possível e interessante de se projetar (Figura 40 à 43).
(guarde seus desenhos!)
Figura 40 - Coletânea de Esboços de Ideação 1
Fonte: Os Autores (2021)
72
Figura 41 - Coletânea de Esboços de Ideação 2
Fonte: Os Autores (2021)
Figura 42 - Coletânea de Esboços de Ideação 3
Fonte: Os Autores (2021)
Figura 43 - Coletânea de Esboços de Ideação 4
Fonte: Os Autores (2021)
73
5.3 Modelos Digitais
Modelos digitais foram desenvolvidos a partir dos conhecimentos adquiridos na
fase de especulação e rascunho. Nesta nova etapa os projetos de peças e encaixes
começaram a tomar uma forma mais técnica e concreta. Através das ferramentas
CAD/CAM, prototipamos e experimentamos diferentes padrões de encaixe e
furação, e através da pesquisa para design, encontramos o que hoje é a tecnologia
SURU (Figuras 44 à 48).
Figura 44 - Coletânea de estudos de encaixe com modelos digitais 1
Fonte: Os Autores (2021)
Figura 45 - Coletânea de estudos de encaixe com modelos digitais 2
Fonte: Os Autores (2021)
74
Figura 46 - Estudos de variação de materiais com modelos digitais
Fonte: Os Autores (2021)
Figura 47 - Renderização digital de uma mesa de MDF
Fonte: Os Autores (2021)
Figura 48 - Renderização digital de uma mesa de plástico reciclado
Fonte: Os Autores (2021)
75
5.4 Modelos em Escala Reduzida
Após o desenvolvimento e estudo sobre os modelos digitais, chegamos à etapa
de tangibilizar alguns dos objetos. Para isso, modelos em escala reduzida (3mm)
foram fabricados através do uso de uma máquina CNC (Figura 49). A realização de
análises combinatórias entre as peças (meta-objeto) já havia começado durante a
fase de modelagem digital (meta-espaço), entretanto o manuseio de objetos físicos
(meta-infra-espaço) se provou muito mais fácil e intuitivo, gerando possibilidades
além ao processo virtual.
Figura 49 - Coletânea de estruturas geradas pelas análises combinatórias em escala
reduzida
Fonte: Os Autores (2021)
76
Adiante projetamos e fabricamos modelos em escala 2x maior que a inicial,
utilizando placas de 6mm de espessura feitas de plástico reciclável Rewave como
matéria prima (Figura 50).
Figura 50 - Modelo em escala reduzida feito à partir de plástico reciclado
Fonte: Os Autores (2021)
77
5.5 Modelos em Escala Real
Os modelos em escala reduzida se provaram resistentes e de fácil manufatura,
validando assim a fabricação de peças em tamanho natural (Figura 51). Estas peças
foram fabricadas com placas de MDF de 15mm cedidas à nós pelo departamento.
Ao final deste TCC essas peças serão retornadas à universidade para uso coletivo
em diferentes espaços, tendo como exemplo os experimentos registrados abaixo
(Figura 52 e 53).
Figura 51 - Modelos em escala real montados como uma estante para livros e toca discos
Fonte: Os Autores (2022)
78
Figura 52 - Modelos da peça conectora SURURU em escala real
Fonte: Os Autores (2022)
79
Figura 53 - Modelos em escala real usados para compor diferentes objeto
Fonte: Os Autores (2022)
80
Além da facilidade de fabricação e versatilidade de uso por sua modularidade, o
SURU provou-se bastante útil até mesmo no seu próprio transporte, servindo para a
construção improvisada (gambiarra), de uma espécie de
cesta-caixa, em duas diferentes ocasiões, e que nos permitiu o transporte
cicloviário de novas peças (Figura 54), que foram fabricadas na universidade, até
nosso apartamento, onde testamos e analisamos os resultados desta etapa do
projeto.
Figura 54 - Cenas de Transporte das Peças
Fonte: Os Autores (2022)
81
5.6 Meta-Design e Meta-Suru
O Metadesign é um conceito abordado há quase 40 anos e está ligado ao uso de
tecnologias de informação, teorias culturais, da arte e práticas do design, e
representa uma mudança cultural, através da multidisciplinaridade do conceito, e
pode ser utilizado como estratégia cultural de integração de diferentes domínios,
promovendo práticas de transformação que suportam novas “usabilidades”, podendo
ser considerado uma expansão do processo criativo (COUTO, 2011).
Caio Vassão (2008), em sua tese de Doutorado sobre metadesign, apresenta o
conceito de “projeto que considera a existência de Meta-Espaços e Metas-Objetos”,
no qual o meta-espaço é o lugar abstrato onde os choques sócio-culturais,
tecnológicos, conceituais, políticos, que articulam o projeto se desenrolam, enquanto
o meta-objeto compreenderia um objeto que reflete as possibilidades que ele poderá
exercer a partir da sua existência. Para o autor ainda, embora o meta-espaço e o
meta-objeto tendam a se misturar no processo de criação, é possível encarar o
meta-espaço como a criação das condições de projeto e o meta-objeto como o
movimento ou ação, de criação das entidades que venham a existir.
Podemos identificar na abordagem para a modularidade de Pelegrini (2005), o
surgimento de um meta-espaço, que permite o desenvolvimento de uma variedade e
customização de massa do produto. No caso deste projeto, o desenvolvimento ágil
de uma diversidade de peças a partir do meta-SURU é tanto um meta-objeto em si,
quanto um meta-espaço para diversas finalidades (Figuras 55 e 56)
Figura 55 - Meta-Espaço de Possibilidade, um modelo digital pode gerar várias peças
Fonte: Os Autores (2021)
82
No metadesign, o papel do designer muda para o papel do metadesigner, ou seja,
o de profissional que constrói a ponte técnica ou tecnológica para a apropriação
tecnológica de outros, permitindo e facilitando a possibilidade do design participativo,
mesmo que quem se aproprie não possua larga experiência de design.
Figura 56 - Processo de criação de uma peça a partir do meta módulo
Fonte: Os Autores (2022)
83
5.7 Infra-Design e SURU CNC
Além do metaespaço, que corresponde ao que Van Amstel e Garde (2016)
chamam de "espaço de possibilidades", este projeto considera também o que os
autores chamam de "possibilidades de espaço". O equivalente ao metadesign neste
caso é o design de infraestruturas ou infradesign (PELANDA, 2019).
Pelanda (2019) define o metadesign a partir do conceito de “Ação
Infraestruturante”, cunhado pelos trabalhos de Karasti e Syrjänen (2004) e Baker e
Karasti (2004) e definido por Bjorgvinsson e colegas (2010) como “o processo
contínuo e não delimitado a uma fase do projeto, que desenvolve um sistema
independente ou ação individual que visa a apropriação e criação de novas
infraestruturas públicas, a fim de prover novas interações e autonomia de uma
determinada comunidade”.
Segundo Star e Bowker (2002), infraestrutura é a tecnologia material e social que
mantém um sistema sociotécnico complexo funcionando. Toda nova infraestrutura,
portanto, precisa ser instalada sobre infraestruturas velhas através de uma ação
infraestruturante.Na visão de Pelanda e Van Amstel (2019), a ação infraestruturante
transforma espaços culturais e sociais, ao dar suporte ao desenvolvimento de
práticas coletivas e também está ligada à apropriação tecnológica e adoção de
outras infraestruturas (LE DANTEC e DISALVO, 2013), ampliando a sua robustez,
na construção de futuros possíveis (PELANDA e VAN AMSTEL, 2019). O design
participativo se adapta a novos sistemas, através de práticas de trabalho,
improvisações e inovações contínuas (PIPEK e WULF, 2009).
Pelanda ainda ressalta que a ação infraestruturante “enfatiza a característica de
se projetar ativamente, tornar visível a utilização de um sistema para que exista a
possibilidade de se criar novas infraestruturas (CLEMENT e colegas., 2012)”. Por
outro lado, ela visa “ modificar e tornar visível as estruturas de base para a
construção de projetos de longo prazo, agregando diferentes infraestruturas de
maneira intencional, participativa e contínua.” (PELANDA, 2019)
Analisando as características delineadas pelo trabalho de Pelanda, observamos
que o projeto SURU, agregado ao desenvolvimento de uma CNC modular para a
reprodução do projeto, pode ser considerada uma ação infraestruturante e talvez até
84
um exemplo de infradesign. A partir da apropriação da infraestrutura de uma
universidade pública, projetamos uma CNC modular (com base no meta-SURU),
tendo como objetivo acessibilizar a mesma tecnologia que os produziram (objeto e
máquina) para que outras pessoas também possam projetar com qualidade
computadorizada, sendo a mesma uma ressignificação de uma rede sociotécnica,
quase que exclusiva aos países considerados de primeiro mundo, que permitirá o
desenvolvimento de infraestruturas mais básicas e peças para a própria máquina.
A SURUMAC é um infra-objeto aberto (Figura 57), ou seja, se presta à adaptação
a novos sistemas, através da experiência e gambiarras, e de início, posiciona-se de
maneira intencional como ferramenta em desenvolvimento contínuo, tendo como
objetivo a longo prazo, a descentralização da produção e desenvolvimento
experimental de objetos inesperados.
Figura 57 - SURUMAC
Fonte: Os Autores (2022)
85
Para que fosse possível o desenvolvimento modular do projeto da SURUMAC, foi
feita uma pesquisa de similares e à campo, não expostas neste trabalho, mas que
nos levaram à fragmentação da máquina em três componentes distintos, e para
facilitação, nomeadas como partes do corpo, sendo estas: Cabeça, Tronco e Braço.
Todas as peças projetadas na SURUMAC são originais, foram desenvolvidas para
a usinagem também em uma CNC, e para a fabricação esse projeto foram utilizadas
placas de compensado naval calibrado, devido a sua resistência, qualidade de
usinagem e qualidade de fabricação (regularidade da espessura do material) na
espessura de 15mm conseguinte à modularidade de seu meta-objeto, SURU.
5.7.1 Componentes da SURUMAC
5.7.1.1 Cabeça
Figura 58 - Componente Cabeça
Fonte: Os Autores (2022)
86
Neste componente (Figuras 58 e 59), estão dispostos dois motores de passo
Nema 23 junto a duas engrenagens, de 20 e 30 dentes, parafusos, arruelas, porcas
e rolamentos, que têm como função o deslocamento dos eixos X e Z. Além dos
trilhos para patim na parte frontal, há a parte inferior frontal da peça o limitador de
patim, que não existe na parte superior, para que não impeça a troca de módulos de
trabalho.
Figura 59 - Sub-Componentes da Cabeça
Fonte: Os Autores (2022)
O componente cabeça ainda é composto por outro dois módulos de trabalho,
módulo para fresa e módulo aberto, podendo ser substituídos por outros módulos
que podem ser desenvolvidos, através apenas, do desenvolvimento de peças de
suporte à ferramentas, que podem ser diversas.
Abaixo o módulo de trabalho para fresa (Figura 60) composto por uma peça base
e duas peças específicas desenvolvidas segundo projeto da Tupia Bosch GKF 550,
e em sua parte traseira, um par de patins para fixação e uma cremalheira para correr
o motor no eixo Z.
Figura 60 - Módulo de Trabalho para Fresa
Fonte: Os Autores (2022)
87
O módulo aberto também existe em sua versão fixa, com interfaces abertas
visando o desenvolvimento de novas peças para o suporte de outras ferramentas,
como por exemplo, módulo laser já que não se desloca no eixo Z.
5.7.1.2 Braço
Figura 61 - Componente Braço
Fonte: Os Autores (2022)
O componente braço (Figuras 61 e 62) tem como função mover o componente
cabeça, é composto por 6 guias lineares em alumínio v-slot 20x20mm, uma
cremalheira entre as guia do topo, 4 carrinhos, duas peças laterais, duas peças de
topo e base e uma peça de fixação do motor.
As guias laterais têm como função firmar o eixo Z entre a base e o topo do braço,
para que o movimento seja transferido com eficiência de baixo para cima, e evitar o
empenamento do mesmo eixo, sendo necessária além da peça em madeira. As
88
guias da parte superior também servem de trilho para os carrinhos do componente
cabeça, já a guia inferior tem como função distribuir o peso na dimensão da peça
base, além evitar o empenamento do eixo Y da base, pelo peso do motor.
Figura 62 - Sub-Componentes do Braço
Fonte: Os Autores (2022)
Ligados às peças base e topo do braço, estão os carrinhos, dois acima e dois
abaixo, que têm como função fazer deslizar o braço no componente corpo. Em
versão atualizada, esses mesmos carrinhos foram desenvolvidos com duas
camadas de madeira, proporcionando maior firmeza e transferência do movimento
do braço, diminuindo em apenas 15 mm da área de trabalho da máquina.
Além disso, foram atualizadas algumas dimensões das peças base e topo do
braço, conseguintes às modificações dos carrinhos, e desenvolvida uma peça de
suporte para o motor (Figura 63).
89
Figura 63 - Peças de Suporte para o Motor
Fonte: Os Autores (2022)
5.7.1.3 Tronco
Figura 64 - Componente Tronco
Fonte: Os Autores (2022)
90
O componente tronco (Figura 64) é composto por 5 subcomponentes diferentes que
serão abordadas separadamente para facilitar a compreensão, sendo essas: Base,
Gavetas, Laterais, Base de Corte e Fixação Estrutural.
O subcomponente Laterais (Figura 65) é composto por duas peças laterais da
máquina, e mais 4 guias lineares, também em alumínio estrutural v-slot 20x20mm.
Figura 65 - Peça Lateral e Sub-Componente Laterais
Fonte: Os Autores (2022)
Como pode ser observado, as interfaces de encaixe das peças laterais seguem
as mesmas proporções de encaixe do SURU, pois foram desenvolvidas a partir do
mesmo meta-objeto e permitem encaixe com diversas peças da tecnologia.
O sub-componente base (Figuras 66 e 67) é o que segura a máquina, nele estão
dispostas duas gavetas, uma para ferramentas e outra para o hardware da máquina.
Fazem parte desse subcomponente três peças base corpo (que encaixam nas peças
laterais) e duas peças de fundo para cada andar de gavetas, uma delas com furação
para entrada dos cabos do hardware.
91
Figura 66 - Sub-Componente Base
Fonte: Os Autores (2022)
Figura 67 - Detalhe do Sub-Componente Base
Fonte: Os Autores (2022)
O sub-componente gaveta (Figura 68) é composto por duas peças laterais, um
peça frontal, uma peça puxadora e duas bases, e tem como função suportar
ferramentas e o hardware da máquina. As gavetas não têm fundo, para facilitar a
administração dos cabos do hardware.
92
Figura 68 - Sub-Componente Gaveta
Fonte: Os Autores (2022)
O subcomponente base de corte (Figuras 69 e 70) é composto por duas peças
de proteção de corte, uma peça de topo de aspiração (que fica embaixo da chapa de
sacrifício), uma peça base aspiração, uma peça traseira de aspiração, uma peça de
tampa de aspiração e uma peça base de sacrifício.
Para a base de corte foram pensadas soluções em relação à sujeira que este
processo de fabricação pode gerar e, como testamos a máquina pela primeira vez
em um apartamento residencial, desenvolvemos uma área de aspiração logo abaixo
da base de sacrifício.
93
Figura 69 - Sub-Componente Base de Corte
Fonte: Os Autores (2022)
Portanto, quando estiver usinando algum material, você pode encaixar um
aspirador na parte traseira da máquina e os furos na base e na peça topo de
aspiração vão garantir a distribuição da aspiração na área de corte, pois o material
cortado oferece resistência tapando alguns buracos, aumentando a potência de
sucção dos outros.
Figura 70 - Peças da Área de Aspiração
Fonte: Os Autores (2022)
94
Ao fim da usinagem, é possível desencaixar uma peça de fixação estrutural, que
limita a posição das peças de proteção de corte, retira-lá, levantar a base de
sacrifício, e varrer os resíduos para o fundo da máquina e por isso, a peça topo de
aspiração possui em seu fundo um buraco maior.
Figura 71 - Sub-Componente Fixação Estrutural
Fonte: Os Autores (2022)
O subcomponente fixação estrutural (Figura 71) é composto por 12 peças
estruturais, também desenvolvidas a partir da tecnologia SURU, e têm como função
firmar o corpo da máquina, evitando oscilações laterais, dessa forma aumentando a
precisão e estabilidade da usinagem e outros projetos.
95
5.7.1.4 Outras Peças
No processo de desenvolvimento da SURUMAC, nos deparamos com diversos
modelos de máquinas, nacionais e internacionais, de nível industrial aos projetos
mais baratos da internet, e os fundamentos utilizados na escolha das peças e
materiais utilizados no desenvolvimento desse projeto foram a resistência, facilidade
de montagem e desmontagem, disponibilidade no mercado nacional e regional, além
da possibilidade futura de expansão da máquina com a reutilização dos mesmo
materiais.
Como nosso conhecimento da área de hardware é limitado (por enquanto),
decidimos por resolver a parte eletrônica adquirindo um kit composto por 3 motores
de passo, 3 drivers e 1 interface controladora; que foram adquiridos pela plataforma
de compra e venda latino-americana MercadoLivre.
5.7.1.5 Motores
Os motores adquiridos no kit correspondem a 3 motores de passo NEMA 23 com
potência de 30 Kgf (Figura 72), como apresentado abaixo em seu desenho técnico,
compartilhado pelo fornecedor.
Figura 72 - Desenho Técnico do Motor Nema 23
Fonte: Website Tecmaf
96
5.7.1.6 Drivers
Os 3 drivers que acompanham o mesmo kit são do modelo TB6600 (Figura 73), e
têm como função controlar a potência elétrica dos motores de passo, convertendo o
sinal de comando da interface em movimento.
Figura 73 - Detalhamento Driver TB6600
Fonte: Página Mercado Livre
5.7.1.7 Placa Controladora
A interface da placa controladora (Figura 74) serve essencialmente em um projeto
de máquina CNC, para ser a ponte entre o computador e a máquina. Através dela,
podemos converter os dados dos desenhos construídos via CAD/CAM, e
transformá-los em uma série de movimentos organizados, entre os 3 drivers, para
que qualquer projeto seja realizado.
Figura 74 - Placa Controladora se ligando a fonte e aos drivers
Fonte: Página Mercado Livre
97
5.7.1.8 Fonte de Energia
A fonte escolhida possui as especificações de: 24 V 360 W 15 AMPERES
110/220V e serve para alimentar energeticamente toda a máquina (Figura 75).
Figura 75 - Fonte de Energia
Fonte: Google Imagens
5.7.1.9 Cremalheiras
Neste projeto, escolhemos cremalheiras helicoidais (Figura 76) como
direcionamento do movimento do motor, pois essa, diferente da cremalheira reta,
está sempre tensionada, sem folga, devido ao ângulo de seus dentes, aumentando
assim a precisão da máquina.
Figura 76 - Cremalheira e Engrenagem Helicoidais
Fonte: Google Imagens
98
5.7.1.10 Pinhões ou Engrenagens
Os pinhões são as peças que ligam o motor à cremalheira, e nesse projeto foram
utilizados dois tipos de pinhões, de módulo 1, medida padrão para pinhões e
cremalheiras, contendo 20 e 30 dentes (Figura 77); Sendo o pinhões de 30 dentes
aplicados ao motor da base e, os pinhões utilizados para o movimento do eixo Z da
cabeça e para o topo do braço foi o de 20 dentes, pelo espaço reduzido do
posicionamento da cremalheira entre os patins, e as guias do topo do braço.
Figura 77 - Engrenagens de 20 e 30 dentes
Fonte: Enviada pela Garbetech
5.7.1.11 Alumínio Estrutural V-Slot
Neste projeto foram usadas como guias lineares, perfis de alumínio estrutural
v-slot 20x20mm (Figura 78), pela sua resistência elevada, custo reduzido,
acessibilidade nacional e ainda, a possibilidade de usá-lo como trilho, para os
carrinhos que desenvolvemos.
Figura 78 - Alumínio Estrutural V-Slot
Fonte: Google Imagens
99
5.7.1.12 Patins e Trilho
O sistema patim/trilho (Figura 79) foi escolhido para o movimento do eixo Z da
cabeça pela sua precisão de movimento, aumentando a precisão de corte da própria
máquina. Os patins foram escolhidos com aba, pela melhor posição de fixação.
Figura 79 - Detalhamento Sistema de Patins e Trilhos
Fonte: Página do Mercado Livre
5.7.1.13 Parafusos, Barras Roscadas e Porcas
Para realizar algumas fixações estruturais foram utilizados parafusos Chipboard
para madeira, com dimensões de 3,5x30mm. Um pré furo de 2,5mm foi realizado em
todas as áreas que receberam os parafusos para que estes não espanassem.
Outras fixações foram realizadas através do uso de barras roscadas e porcas
travantes e não-travantes, todas no padrão M5, ou seja, com 5mm de diâmetro
(Figura 80).
Figura 80 - Parafusos, Porcas e Roscas
Fonte: Google Imagens
100
5.7.1.14 Roldanas e Rolamentos
Para o desenvolvimento dos carrinhos foram usadas Roldanas em “V” feitas de
Nylon que possuem dois rolamentos 625ZZ dentro (Figura 81). Estas roldanas são
projetadas para serem compatíveis e deslizarem bem em cima de um perfil de
alumínio estrutural V-Slot.
Figura 81 - Roldana em V com Rolamento
Fonte: Google Imagens
5.7.2 Processo de Montagem SURUMACw
Figura 82 - Tela da máquina CNC da UTFPR enquanto peças da SURUMAC são fabricadas
Fonte: Os Autores (2022)
101
Figura 83 - SURUMAC sendo fabricada e montada na marcenaria da UTFPR
Fonte: Os Autores (2022)
102
Figura 84 - SURUMAC sendo montada no apartamento dos autores
Fonte: Os Autores (2022)
103
6 Conclusão
Durante o desenvolvimento desta experiência pela universidade, trilhamos
diversos caminhos, estudamos e aprofundamos conhecimentos e técnicas, mas para
quê? Qual era mesmo nosso propósito? Este capítulo final apresenta nossas
reflexões teórico-práticas.
Acreditamos que os objetos e máquina devem ser apropriados pelo povo
brasileiro subdesenvolvido e colonizado. O objetivo definido foi de apresentar uma
possibilidade alternativa ao papel que podemos desempenhar nesta sociedade,
primeiramente como cidadãos, segundo como designers formados por uma
universidade pública, para que mais pessoas possam ter a oportunidade ou a
escolha de agir como criadores, e não como consumidores.
A autonomia criativa para projetar os espaços em que vivemos nos dá liberdade
para realmente experienciar o ambiente, a partir de seus materiais e suas formas.
Para exercer esta liberdade, precisamos compreender o metadesign, a ferramenta
cognitiva que expande nossas possibilidades de projeto. Isso nos levou aos
seguintes questionamentos – Quais são os meta-espaços, meta-sociedades,
meta-realidades, meta-mundos, meta-utopias; meta-algures que estamos
construindo individual e coletivamente nesta sociedade?
Por outro lado, ao tentar viabilizar o meta-espaço, nos deparamos com uma série
de problemas concretos pertencentes ao infradesign. Além do questionamento sobre
metadesign, acreditamos que este projeto pode contribuir no processo decolonial,
dependendo apenas do empoderamento desta ferramenta, na direção da autonomia
não somente individual, mas também coletiva, e não somente material, mas também
do pensamento.
Para que a descentralização da fabricação não se torne a descentralização da
destruição ambiental, é necessário que o infradesign seja ético e realista, utilizando
matéria-prima abundante e reutilizável. Biomateriais e plástico reciclado são apenas
dois materiais que podem representar uma transformação global.
104
Outros materiais e tecnologias podem surgir e, talvez até mesmo você que está
lendo este texto descubra um deles um dia.
Ao fim deste projeto, conseguimos com sucesso desenvolver a tecnologia SURU
e fabricar 35 Surus, 63 Sururus, 1 Surubona, 6 Suruletas, em paralelo ao sistema de
peças da SURUMAC, parcialmente fabricada e montada com sucesso, restando
apenas a instalação elétrica.
Esperamos que a coletânea de informações e questionamentos levantada neste
TCC seja útil e compreensível para toda e qualquer pessoa que possua interesse
em começar a produzir seus próprios artefatos através destas técnicas de fabricação
digital. Enquanto não podemos melhorar o todo o mundo de maneira instantânea,
podemos mudar coisas progressivamente através de tecnologias de transição.
Portanto, essa é apenas uma pequena colaboração derivada do questionamento
de dois estudantes brasileiros, latinoamericanos, do sul do mundo, em direção a
autonomia e liberdade criativa através de uma tecnologia aberta e decolonial
chamada SURU.
1. O SURU é o garfo e a faca da antropofagia projetual.
2. O SURU é uma tecnologia social, entidade coletiva que se auto reproduz
através da necessidade.
3. O SURU é a possibilidade do devir, em simbiose com o que está acessível.
4. O SURU é um convite progressivo à gambiarra.
5. O SURU é exemplo de uma cosmotécnica ou tecnodiversidade na direção da
virada ontológica.
6. O SURU é o que ele pode ser.
105
6.1 Próximos Passos
Apesar dos esforços, nem sempre alcançamos todos os objetivos, entretanto
mapear o que ficou para trás, seja lá qual for, seu método criativo é importante e
pode mostrar novos caminhos no presente, pois como diria Foucault, o
conhecimento nem sempre é linear.
Abaixo uma lista de objetivos para o futuro.
● Criar novas peças;
● Desenvolver pontes com outras tecnologias;
● Atualização do site estruturas livres com o projeto na íntegra;
● Esboço de um potencial ecossistema de produtos e serviços descentralizados
na cidade de Curitiba foi traçado;
● Desenvolvimento de um catálogo de peças e manual para o SURU e a
SURUMAC;
● Desenvolvimento de um manual audiovisual para o SURU e a SURUMAC;
● Desenvolvimento de um documento relacionado à capacidade produtiva,
tempo e custos de fabricação da SURUMAC e peças SURU;
● Lançamento de um projeto de financiamento coletivo e abriremos uma loja
virtual para sustentar a continuação deste projeto;
● Desenvolvimento de pesquisa nos campos de fornecimento e
desenvolvimento de materiais, processos de fabricação e distribuição estão
sendo estudadas para que um experimento inicial de fabricação
descentralizada possa ser efetuado;
● Chamada aberta a todos que desejam participar da continuação do projeto.
106
6.2 Licença de Uso e Copyfight
Levando em consideração o conceito de design aberto, será permitida a
reprodução não-comercial e acesso livre às esquemáticas de produção de peças da
tecnologia SURU, seguindo as diretrizes da licença LATA que desenvolvemos como
parte do projeto inspirada na licença LATA de Adriano Belisário (2014):
LATA - Liberdade Ainda que à Tardinha
Versão 0.5 SURU
1 - Esta é uma licença de uso de obras, processos e ideias.
2 - Tudo o que for licenciado pela LATA, poderá ser: - usado, estudado, modificado,
amassado, distribuído e o que mais você quiser fazer. Você é livre para usar do jeito que
você quiser. Contanto que faça o mesmo com o resultado desse processo e:
2.1 - em relação ao uso comercial, se este uso for incentivar uma economia local e/ ou se
você estiver na pindaíba e/ou para fins de balbúrdia, ele é permitido. Agora, caso você
queira ganhar e acumular muito dinheiro com o objeto aqui licenciado, caso você pertença a
algum meio de comunicação corporativo ou qualquer empresa em que os donos e
executivos ganhem muito mais dinheiro que os faxineiros, você não poderá fazer uso
comercial.
2.2 - O mesmo se aplica às instituições estrangeiras de pesquisa biogenética e
farmacêutica, ONGs que fazem projetos a esmo só para arrecadar mais recursos, bancos,
empresas de especulação financeiras, fabricantes de armas, empresas de ônibus,
madeireiras, toda a espécie de agronegócio e monopólios de qualquer espécie.
Cláusula Decolonial - O uso comercial nos Estados Unidos, Europa Ocidental e outros
países ditos desenvolvidos só é incentivado para todas as minorias, imigrantes, moradores
de ocupações, assentamentos e desenvolvedores de software livre. Se você não se encaixa
nesses termos, mas simpatiza com essa distinção, fique à vontade também.
3 - todo o uso e/ou modificação e/ou resultado decorrido da obra/processo/ideia/ trecho
licenciado sob a LATA deverá ser compartilhado da mesma maneira, sem exceções, com a
mesma licença e sob os mesmos termos.
4 - Quem violar os termos desta licença, será punido pelo juiz supremo, criador do universo
e fonte de toda a vida deus-Sol. Não legará seus bens a seus filhos, seu coração não terá
prazer em viver; ele não receberá água para seu espírito beber na tumba e sua alma será
destruída para sempre.
“Sejam mais criativos. Façam seu próprio direito. Obra licenciada sobre a licença a Lata“
107
6.3 Menções Honrosas e Referências Lendárias
Abaixo algumas menções honrosas aos trabalhos de pessoas que nos
encaminharam direta ou indiretamente ao desenvolvimento deste TCC.
Augusto do Carmo, Marcos Beccari e Matheus Mantovani -
Manifesto Algures da Semana Acadêmica de Design da UTFPR
"Em algum lugar, de repente, descobrimos o design. Embora invisível de tão
impregnado em nosso cotidiano, está diante de nós, embaixo de nosso nariz. Em
algures de nossa sociedade moderna, há um nômade perambulando as diversas
áreas do conhecimento. Mendigo... talvez. Um que sabe de tudo um pouco, mas
que, de muito, nada sabe. Muito além da miopia degenerativa do mercado de
trabalho, encontram-se nesses profissionais utópicos, que, por culpa do
conservadorismo capitalista, limitam-se à falta da personalidade exigida e muitas
vezes se confundem: são engenheiros para artistas e artistas para engenheiros,
talvez loucos para todos os outros.
A reputação de nossa casta tem sido inferior à de um verme, equivalente à de um
gado. Obrigados a trilhar um caminho que não escolhemos, contados e conduzidos
a porteiras e passagens, que nos direcionam ao abate chamado mercado ou à
engorda tida como globalização, cujo caminho leva ao matadouro. Permanecemos
há séculos em uma mesma condição: silenciosos e resignados.
Algures é um lugar indefinido, mas que tem o papel de tornar este fato visível, como
uma peste em uma sociedade sonolenta e imutável. Sua política é a polêmica, uma
demagogia repugnante que contribui em nosso senso crítico, aguçando nossa
percepção de como o mundo e a vida se organizam. Resignado a esta filosofia,
encontra-se o ser designer, inquieto não somente por denunciar a situação vigente,
como também por analisar e propor novas alternativas para a sociedade.
Não somos especialistas, apenas colecionamos conhecimentos. Embora não tão
aprofundados, são distintos e vistos de modo periférico e sistemático. Isso exige
talento, prática e muito estudo. A falta de reconhecimento, porém, é o que nos
instiga a romper as cercas e catracas que nos confinam em Algures, perdido no
meio das diversas áreas do conhecimento. Seguiremos por caminhos alternativos,
guiados somente por um sonho e não por obrigações mercadológicas. Aos gritos,
aboliremos o vazio estagnado em nosso espaço. Desnecessário dizer que não
temos a menor pretensão de desafiar o sistema, apenas de questionar.2Desta
maneira realizaremos um sonho. Daria-nos grande satisfação compartilhar esse
sonho com você.
11 de novembro de 2006”
2Nós discordamos apenas desta parte, pois temos toda a pretensão de desafiar o sistema!
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EPÍLOGO
“...That the tool never possess the man. That the enslavement of man by man
cease forever. That is, of one by another. That it be possible for me to discover and
to love man, wherever he may be.”
Frantz Fanon
“Que a ferramenta nunca possua o homem. Que a escravização do homem pelo
homem cesse para sempre. Ou seja, de um pelo outro. Que nos seja possível
descobrir e amar a humanidade, onde quer que ela seja.”
Tradução livre, Os Autores
110
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