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TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: REFLEXÃO SOBRE OS DESAFIOS COLOCADOS À FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Authors:

Abstract

O presente artigo aborda uma reflexão sobre a formação de professores, com foco na construção do conhecimento, na dimensão pedagógica e na utilização didática de recursos tecnológicos. A corrente concepção de técnica, de viés positivista, aparece curiosamente casada com o tendencial relativismo teórico da chamada “pós-modernidade”. Tal relação tende, na prática, a colocar essa concepção da técnica no posto de comando do processo de ensino e de aprendizagem, velando a dimensão política do processo educativo. Nos cursos na modalidade a distância, essa tendência pode se agravar em razão da maior participação dos recursos tecnológicos voltados para a educação. Como possibilidade de enfrentamento dessas contradições, o artigo encoraja à necessidade de retomada de uma reflexão mais ampla sobre a escola e a educação formal, incluído aí o papel docente.
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Form. Doc., v. 16, n. 35, e759, 2024
Disponível em https://www.revformacaodocente.com.br
ARTIGOS
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: REFLEXÃO SOBRE
OS DESAFIOS COLOCADOS À FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Cesar Mangolin de BARROS
UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
cesar.barros@unimes.br
https://orcid.org/0000-0002-7504-1339
Elisabeth dos Santos TAVARES
PUC, São Paulo, SP, Brasil
elisabeth_t@uol.com.br
https://orcid.org/0000-0002-6277-5691
Carlos Vieira BORBA
USP, São Paulo, Brasil
carlos.borba@unimes.br
https://orcid.org/0000-0002-3619-3882
RESUMO: O presente artigo aborda uma reflexão sobre a formação de professores, com foco na construção
do conhecimento, na dimensão pedagógica e na utilização didática de recursos tecnológicos. A corrente
concepção de técnica, de viés positivista, aparece curiosamente casada com o tendencial relativismo
teórico da chamada “pós-modernidade”. Tal relação tende, na prática, a colocar essa concepção da
técnica no posto de comando do processo de ensino e de aprendizagem, velando a dimensão política
do processo educativo. Nos cursos na modalidade a distância, essa tendência pode se agravar em
razão da maior participação dos recursos tecnológicos voltados para a educação. Como possibilidade de
enfrentamento dessas contradições, o artigo encoraja à necessidade de retomada de uma reflexão mais
ampla sobre a escola e a educação formal, incluído aí o papel docente.
PALAVRAS-CHAVE: EAD. Escola. Formação de professores. Política. Tecnologia.
BARROS, C. M.; TAVARES, E. S, BORBA, C.V.. Tecnologia e educação: reflexão sobre os desafios
colocados à formação de professores
DOI https://doi.org/10.31639/rbpfp.v16.i35.e759
Recebimento em: 03/02/2024 | Aceite em: 25/02/2024
2Form. Doc., v. 16, n. 35, e759, 2024
Disponível em https://www.revformacaodocente.com.br
DOI https://doi.org/10.31639/rbpfp.v16.i35.e759
TECHNOLOGY AND EDUCATION: REFLECTION
ON THE CHALLENGES TO TEACHER TRAINING
ABSTRACT: This article addresses a reflection on teacher training, focusing on the construction of knowledge,
the pedagogical dimension and the didactic use of technological resources. The current conception of
technique, with a positivist bias, appears curiously married to the theoretical relativism tendency of the
so-called “post-modernity”. Such a relationship tends, in practice, to place this conception of technique at
the helm of the teaching and learning process, veiling the political dimension of the educational process. In
distance learning courses, this trend may worsen due to the greater participation of technological resources
aimed at education. As a possibility of facing these contradictions, the article encourages the need to
resume a broader reflection on school and formal education, including the teaching role.
KEYWORDS: EAD. School. Teacher training. Policy. Technology.
TECNOLOGÍA Y EDUCACIÓN: REFLEXIÓN
ACERCA DE LOS DESAFÍOS DE LA FORMACIÓN
DOCENTE
RESUMEN: Este artículo aborda una reflexión sobre la formación docente, centrándose en la construcción
del conocimiento, la dimensión pedagógica y el uso didáctico de los recursos tecnológicos. La concepción
actual de la técnica, con un sesgo positivista, parece curiosamente casada con la tendencia al relativismo
teórico de la llamada “posmodernidad”. Tal relación tiende, en la práctica, a colocar esta concepción de
la técnica al frente del proceso de enseñanza y aprendizaje, velando la dimensión política del proceso
educativo. En los cursos a distancia, esta tendencia puede agravarse debido a la mayor participación de
recursos tecnológicos destinados a la educación. Como posibilidad de enfrentar estas contradicciones, el
artículo alienta la necesidad de retomar una reflexión más amplia sobre la escuela y la educación formal,
incluido el rol docente.
PALABRAS-CLAVE: EAD. Escuela. Formación de profesores. Política. Tecnología.
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INTRODUÇÃO
A formação de professores nos cursos de licenciatura exige mais que a habilidade de transmitir conhecimentos
básicos sobre uma área específica, como se possível, e as noções didático-pedagógicas que orientam a prática
docente. A possibilidade da formação de professores reflexivos exige desses cursos a capacidade, por sua
vez, de também refletir e debater com os estudantes e futuros docentes alguns elementos essenciais que
possibilitem o amadurecimento das práticas, teórica e docente, necessariamente conectadas para que a ação
possa ser constantemente alvo da crítica e da autocrítica teórica, de acordo com objetivos pré-estabelecidos,
orientando novamente a ação. Em cursos de licenciatura oferecidos na modalidade a distância (doravante EAD),
as dificuldades parecem ser ampliadas, visto que atendem estudantes que vivem em regiões e realidades
distintas, tornando a reflexão sobre as condições locais e sua conexão com problemas mais gerais bastante
genérica ou simplesmente ausente.
A resolução desse problema pode passar pela ênfase em um de aspectos fundamentais, que subsidiam a
reflexão e ação e são elementos chave para que as condições essenciais que caracterizam um professor
reflexivo sejam desenvolvidas. Nessa perspectiva, o desenvolvimento da capacidade de pensar objetivamente a
relação entre escola e sociedade, educação e política, objetivando assim escapar das armadilhas do tecnicismo
e das mistificações que envolvem o trabalho docente e a escola. Isso significa refletir sobre as contradições
da realidade atual, o que a escola é e não partir para a escola idealizada. Em poucas palavras e, no sentido
amplo do termo, é politizar a prática teórica e a prática docente de maneira consciente.
Acredita-se que há, por detrás dos problemas mais aparentes, questões importantíssimas que precisam
ser refletidas no nosso tempo, inclusive resgatando algumas teorias críticas da educação. Elas refletem a
divisão dos temas do presente estudo. A primeira parte pretende apresentar sinteticamente o problema
sobre o qual se reflete, que abre a necessidade, na segunda parte, de se esclarecer o que se chama de
mistificação da escola e do trabalho docente, que obstaculiza a análise objetiva e concreta da realidade. Em
seguida, se discute brevemente o papel atribuído à técnica e aos recursos tecnológicos e como atualmente
é reforçada no espaço acadêmico a concepção da técnica como neutra e imparcial. Por fim, na quarta parte
e como considerações finais, se reflete sobre a necessidade da retomada da dimensão política e crítica da
educação, como possibilidade para eliminar as mistificações e a ênfase à técnica e a tecnologia.
1. A SÍNTESE DO PROBLEMA
Os desafios enfrentados pelos professores nas suas práticas são dos mais diversos. Destacam-se três
dimensões desses desafios, que estão obviamente conectadas. A primeira delas, mais aparente, é a tarefa
de conciliar os recursos didático-pedagógicos à disposição com os programas e objetivos das disciplinas e
cursos, nem sempre bem sintonizados. Na sequência, se identifica a necessidade de conhecer e organizar
a prática docente de acordo com o público, ou seja, isso demanda a capacidade de analisar a comunidade
local e estabelecer conexões mais gerais com a conjuntura atual, o que também deveria estar previsto nos
projetos dos cursos. Por fim, a terceira dimensão, sempre presente, mas raramente aparente, demanda dos
profissionais da educação uma compreensão clara das contradições presentes na educação formal, como a
que existe entre os objetivos definidos e o significado concreto da escola em formações sociais capitalistas.
O fato concreto e objetivo é que esta última dimensão, que se insiste, está sempre presente e permeia as
demais, costuma ser colocada de lado, por razões diversas. Podemos destacar, dentre essas razões, duas
que nos parecem fundamentais: a primeira, a mistificação da escola e do trabalho docente; a segunda, a
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redução da reflexão sobre a educação para dentro dos muros da escola, que leva a um tratamento “técnico
dos problemas pedagógicos e à acentuada ênfase nos aspectos psicopedagógicos. Nesses dois casos, a
consequência mais geral é uma tácita compreensão da escola como algo necessário e essencial e a busca
por soluções técnicas nas pedagogias de todo tipo, tomadas como manuais a serem aplicados à espera dos
resultados que não aparecem ou nem sempre aparecem como eram esperados. Professores e gestores
da educação se esforçam e se desgastam buscando os caminhos para fazer “dar certo, ou buscando quais
seriam os defeitos de uma máquina que, possivelmente, funciona perfeitamente.
Embora faça parte dos discursos docentes e esteja presente nos projetos pedagógicos dos cursos, é necessário
retomar de maneira sistemática a relação entre educação e política. Isso nos obriga a aprofundar os estudos
e possibilidades dessa relação na prática teórica (portanto, na produção de conhecimento) e enfrentar suas
consequências e os embates inevitáveis na prática docente.
Os cursos voltados para a formação de professores, embora participem do discurso mais geral sobre as
relações políticas da educação, têm contribuído largamente para encaminhar os futuros docentes às mesmas
práticas associadas à mistificação do trabalho docente e à sua perspectiva técnica, exacerbada pela entrada
em larga escala da utilização de novas tecnologias no processo educacional e pela (justa, mas com efeitos
também contraditórios) preocupação com os instrumentos tecnológicos da EAD.
A tese que se apresenta é de que esses cursos deveriam cumprir um importante papel: o de subsidiar
teoricamente a necessária politização (aberta, clara e amplamente) da educação e da prática docente,
desvelando suas contradições e expondo o sentido político objetivo oculto nas mistificações próprias do
campo educacional e numa dada compreensão da técnica presente no trabalho docente.
2. ESCOLA E PROFESSORES: A MISTIFICAÇÃO
O que se entende por mistificação docente implica em dois aspectos: o primeiro, uma concepção da educação
e da escola construída idealmente e, o segundo, o modo como as representações deformadas da realidade
próprias das formações sociais capitalistas adentram o espaço escolar com ideologias específicas. No primeiro
caso temos uma questão filosófica e metodológica, que gera mistificações e ocupa as representações e
discursos, inclusive do senso comum. No segundo, adentramos no terreno da ideologia.
O primeiro aspecto reflete uma disposição teórica, presente na tradição filosófica, em contraposição às
correntes materialistas e, em particular, à produção filosófica que, ao lado da ciência, postula a objetividade.
Essa característica, presente em versões diversas do idealismo filosófico, opera de maneira propositiva ou
normativa a construção ideal de algo, para depois estabelecer o confronto com a realidade. A outra opção
trata de apreender objetivamente como algo é em si mesmo ou uma aproximação máxima desse objetivo
e, a partir disso, pode também ser propositivo.
Interessa nesse primeiro aspecto tanto a formulação teórica em si, como também a maneira como são
apreendidas pelo senso comum as noções idealizadas de escola, professor e tudo que envolve a educação.
Como pano de fundo geral, temos uma associação entre conhecimento e escola, que aparecem quase que
como sinônimos ou, pelo menos, a ideia de que a escola é o espaço por excelência para a obtenção de
conhecimento. Na formulação teórica, a construção idealizada do que seria a educação leva a considerar
a escola como um instrumento imprescindível e inquestionável e o trabalho docente pensado quase que
religiosamente, como um sacerdócio. A filosofia idealista que está na base dessa concepção leva a crer que a
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transformação social e a construção de relações sociais justas passam pela transformação das consciências,
que seriam determinantes para a mudança do meio, tanto individual quanto coletivamente. É, sem dúvida,
uma herança da razão iluminista, mas que encontra na tradição filosófica exemplos diversos, como aquele
que busca numa concepção da “natureza humana” o conjunto de atributos ideais de toda a espécie e, quando
confrontado com a realidade, apenas encontra desvios, como criticava Espinosa,1973:
Julgam [os filósofos] assim agir divinamente e elevar-se ao pedestal da sabedoria, prodigalizando
toda espécie de louvores a uma natureza humana que em parte alguma existe. Concebem os
homens, efetivamente, não tais como são, mas como eles próprios gostariam que fossem. Daí,
por consequência, que quase todos, em vez de uma ética, hajam escrito uma sátira e não tinham
sobre política vistas que possam ser postas em prática, devendo a política, tal como a concebem,
ser tomada por quimera, ou como respeitando ao domínio da utopia ou da idade de ouro, isto é, a
um tempo em que nenhuma instituição era necessária. (Espinosa, 1973, p.313):
A relação entre o presente argumento e o de Espinosa pode ficar mais clara caso substituamos a as palavras
“homens” e “natureza humana” pela palavra escola. Como ponto de partida não deve ser a escola idealizada,
que não existe na realidade, assim como o humano definido por essas versões da tradição filosófica. Partir
da ideia construída ou atribuída à escola leva a análise a encontrar apenas desvios na realidade e não a uma
análise concreta e objetiva, o que contribui com as mistificações e com a busca pela solução de possíveis
erros” do processo. O mesmo sucede para os demais termos: educação, professor, estudante, cujas
concepções idealizadas são também absorvidos pelo senso comum. A idealização do professor é também auto
idealização, que aparece no discurso docente como a reunião dos méritos pessoais e do carisma, típicos da
ideologia docente, como escreveram Bourdieu e Passeron (1982). Além disso, é comum verificar no discurso
docente um viés heroico autoatribuído, beirando a sua opção pela carreira a quase um sacrifício pessoal.
Tais aspectos lembram, sem dúvida, valores e discursos próprios do universo mítico-religioso: a educação
como salvadora, a escola como necessária, positiva e inquestionável, o professor como o mediador entre a
perdição e a salvação. Louis Althusser (1983) dizia que a escola ocupa nas sociedades capitalistas espaço
similar àquele ocupado pela Igreja na Idade Média. Com relação aos professores, o autor reconhece que
existem alguns “heróis” que tentam combater a função reprodutora da escola, mas que a maioria acaba por
entregar-se, de bom grado, e com “devotamento” à sua atividade, auxiliando na representação ideológica da
escola como “natural”, indispensável e “benfazeja”, assim como a “Igreja era ‘natural’, indispensável e generosa
para nossos ancestrais de alguns séculos” (Althusser,1983). Não surpreende que a Igreja seja considerada
lá, assim como a escola aqui, um aparelho ideológico fundamental, o que nos remete ao segundo aspecto.
Compreende-se por ideologia o conjunto de representações deformadas da realidade que dá sentido para o
vivido, como definiu sinteticamente Nicos Poulantzas (1968):
A ideologia tem precisamente por função, ao contrário da ciência, ocultar as contradições reais,
reconstituir, num plano imaginário, um discurso relativamente coerente que serve de horizonte ao
‘vivido’ dos agentes, moldando as suas representações nas relações reais e inserindo-as na unidade
das relações de uma formação. (Poulantzas, 1968, p.224):
Ainda, como apontou Friedrich Engels (1974), a ideologia é, necessariamente, inconsciente, visto que
oculta aos sujeitos as forças propulsoras reais de qualquer processo. Isso significa que o que chamamos
de consciência, produto das relações sociais nas quais vivemos, opera a partir das aparências da realidade,
deformada pelo efeito próprio da ideologia.
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Nas formações sociais capitalistas temos uma fonte fundamental das ideologias específicas: a realidade vai
se apresentar como um conjunto de relações similares às relações mercantis. Nessas relações, portanto,
aparecem como elementos fundamentais e valorizados a concepção ideológica da pessoa singular como
indivíduo, o contrato, a propriedade privada e as noções de produtividade, rentabilidade, lucratividade etc.
A partir dessa representação geral, temos o surgimento das ideologias específicas, ou seja, versões ou
adaptações dessas representações gerais a espaços e discursos específicos, que auxiliam em todos os
campos a legitimar a ordem burguesa e a reproduzir o modo de produção capitalista. Diversas instituições
participam, portanto, assimilando e traduzindo para um discurso próprio a ideologia dominante. A família,
a religião, o Estado, os sindicatos e partidos da ordem, os meios de comunicação de massa e, também e
muito importante, a escola (Althusser, 1983).
A escola não apenas inculca ideologia, como compreendiam Bourdieu e Passeron, mas também auxilia a
distribuição da população na divisão social do trabalho, por sua própria forma de organização (cf. Althusser,
1983; Baudelot e Establet, 1971).
O grande papel que cumpre é o de se apresentar como o meio para a equalização das oportunidades e, ao
mesmo tempo, omitir seu papel objetivo de respaldar e reproduzir as desigualdades sociais, que passam
a ser compreendidas não como resultado de um modo de produção baseado na exploração do humano
sobre o humano, portanto, uma forma de organização social dividida em classes, mas como a somatória de
indivíduos, livres e iguais juridicamente, distribuídos no corpo social em razão dos seus méritos pessoais
e que disputam “oportunidades”.
A persistência da mistificação dos objetivos construídos e atribuídos idealmente e do papel dos agentes do
processo educativo leva ainda à tentativa de solucionar os problemas ligados à educação com uma cada vez
mais acentuada concepção técnica do processo, o que nos leva à reflexão seguinte.
3. A TÉCNICA
A importância atribuída ao uso da técnica e das novas tecnologias na Educação a Distância (EAD) como
instrumentos que por si só possibilitam o desenvolvimento das potencialidades dos estudantes e,
consequentemente, elevam a qualidade da educação, repousa na concepção burguesa de que o progresso
tecnológico é resultado de uma evolução natural da sociedade humana para um estágio de apogeu civilizacional,
no qual as nações e povos desenvolvidos têm como missão disseminar a sociedade moderna e a economia de
mercado globalizada aos povos atrasados e arcaicos, que não alcançaram ainda esse esplendor civilizacional.
Tal visão se apresenta de forma elaborada nas principais teorias que legitimaram o modo capitalista de
produção, como é o caso do pensamento iluminista, seja na sua vertente inglesa, francesa ou alemã, e
nas principais filosofias da história que compreendem que o sentido da história e da realização da missão
designada à espécie humana é a constituição da sociedade capitalista. É assim com Kant, que vê no plano
da natureza o princípio único que move todo o mundo natural e humano em direção à sociedade moderna,
regida pela lei moral burguesa; com Hegel, que compreende que a marcha racional do espírito tem como
fim a constituição do Estado burguês como materialização da razão universal; e com Comte e o positivismo
– versão conversadora do iluminismo –, que determina que o estágio positivo é o fim do desenvolvimento
social e histórico.
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A associação da técnica e da tecnologia à noção de progresso e como sinônimos da sociedade capitalista
legitimam a visão de mundo burguesa, despolitizando e desfigurando a compreensão da dinâmica contraditória
do desenvolvimento das forças produtivas no modo de produção capitalista.
De maneira simples e direta para a finalidade desta reflexão, não se trata aqui de uma crítica que tenha como
proposta alguma versão idílica de sociedade, que considera as tecnologias como naturalmente nocivas para
a vida social, que seria uma versão oposta e equivocada tanto quanto a concepção positiva de progresso
tendo como base a tecnologia, como se fosse “natural” e “bom”. O foco está em problematizar seu uso,
compreender as contradições presentes no processo de desenvolvimento das forças produtivas e como
isso afeta as relações sociais e como está presente na educação formal.
Para entender o papel da técnica e da tecnologia no sistema capitalista e identificar as contradições e os
limites do uso das novas tecnologias na EAD, é necessário analisar seu desenvolvimento histórico como
resultado de múltiplas determinações.
3.1. TÉCNICA, TECNOLOGIA, CIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA
A completa liberação das mãos e o trabalho demarcam a distinção entre a espécie humana e as demais
espécies animais. O desenvolvimento das potencialidades racionais permitiu o aperfeiçoamento da intervenção
humana na natureza, de maneira planejada, teleológica. As técnicas não são “naturais”: aparecem como
produto da interação dos grupos humanos e suas necessidades com o meio. A divisão cooperativa das
tarefas, a produção de ferramentas que potencializam a força e a extensão do corpo humano ou que permitem
a execução de trabalhos que exigem detalhes minuciosos, desde os mais simples aos mais sofisticados
ocorreram para a solução de problemas práticos, para a sobrevivência do humano, ou são a expressão de
como a espécie encontra os meios para a produção e reprodução da vida material.
O conhecimento técnico que permitiu a criação dos primeiros instrumentos usados pelos humanos fora
obtido pela observação empírica e pelas práticas. Ortega Y Gasset definiu esse estágio primitivo da técnica
como técnica do acaso. (VARGAS, 1994). Nela o conhecimento técnico era possuído por toda a comunidade,
pois ele não dependia do conhecimento teórico e sistematizado para descobrir, fabricar ou inventar qualquer
ferramenta.
No entanto, se a descoberta desses instrumentos, como a pedra lascada, por exemplo, derivava do acaso, seu
aperfeiçoamento, o ato de polir a pedra para melhorar o corte, provinha de um processo de desenvolvimento
técnico restrito a certos indivíduos da sociedade, portadores de saberes e habilidades necessários para a
aplicação e transmissão dessas técnicas. Ortega Y Gasset denominou o segundo estágio de técnica do
artesanato. Nela
[...] os atos técnicos são ensinados de geração a geração, incluindo a invenção e aperfeiçoamento
dos instrumentos. É nesse estágio que aparecem certos homens dotados de maior habilidade e
que se encarregam das funções técnicas, dedicando a eles a sua vida. São os artesãos, com seus
mestres e aprendizes (Vargas, 1994, p. 179).
Nesses primeiros estágios a técnica assumia um caráter de magia e de religião, já que eram praticadas com
base em sistema de crenças e de ritos. O conhecimento técnico era tido inicialmente como algo revelado
por deuses a homens responsáveis por mediarem a relação entre a sociedade e o sagrado:
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A transmissão dos conhecimentos técnicos de geração a geração foi também inicialmente feita
como segredos revelados pelos deuses e, portanto, a uma corporação. De uma forma positiva,
entretanto, pode-se pensar que a invenção das técnicas e a sua transmissão de geração a geração
como baseado num instinto esclarecedor inato ao homem – a partir, talvez, do inconsciente (Vargas
apud Oliveira, 1994, p. 3).
A superação do estágio mágico e religioso da técnica para um conhecimento técnico sistematizado e racional,
veio com a techné grega. O notável desenvolvimento cultural e intelectual na Grécia Clássica, sobretudo
durante a democracia ateniense, possibilitou a evolução significativa da técnica como conhecimento transmitido
de geração em geração em manuais, compêndios e na escola. O conhecimento sobre a técnica dessas
civilizações era muito próximo ao aspecto lógico e estrutura racional que fundamenta a ciência moderna.
Por essa razão a techné grega e seu prolongamento, a ars romana, caracterizam-se por terem suprimido o
aspecto mágico das técnicas (Vargas, 1994).
Contudo, os progressos no campo do conhecimento técnico, com o advento da Idade Média e da compreensão
dos fenômenos históricos e sociais como desígnios de Deus, não foram tão notáveis como na civilização greco-
romana. A revolução na técnica, dando origem a uma nova etapa de seu desenvolvimento, só ocorreria com
a ação da burguesia no final da Idade Média e início da Idade Moderna, quando recorrem ao conhecimento
técnico para aprimorar sua ascensão econômica e conquistar o poder político. A crescente importância das
atividades práticas provindas de conhecimentos técnicos levou à valorização dessas atividades pela burguesia,
em detrimento das atividades bélicas e clericais da nobreza durante a Idade Média.
O uso da ciência associado às necessidades do capital inaugurou outro estágio da técnica, denominado
por Ortega y Gasset como “a técnica dos técnicos” (VARGAS,1994). Nele, a técnica deixa de se restringir a
ferramentas para auxiliar o trabalho e a sobrevivência do homem, dado que a máquina assumirá a condição
de várias ferramentas e da figura humana, atuando por si mesma, tornando-se o homem apenas seu auxiliar
(Vargas, 1994).
Os engenheiros que projetavam, construíam e conservavam máquinas aplicavam métodos próximos aos dos
cientistas para solucionar problemas técnicos. Da mesma forma, os conhecimentos científicos eram usados
na arquitetura, agropecuária e em outros campos das ciências aplicadas, para alcançar avanços técnicos em
prol do desenvolvimento econômico. Entretanto, a técnica, nessa nova fase de seu desenvolvimento, não
se resumia a revolver problemas técnicos, mas revolvê-los de forma generalizada, como a ciência faz através
de suas teorias. Vargas explica a diferença entre ciência básica e ciência aplicada e o desenvolvimento da
tecnologia:
[...] a ciência básica tem como objetivo o puro conhecimento de um determinado assunto seja ele qual
for. A ciência aplicada surge quando aparece a oportunidade de, com os conhecimentos científicos
adquiridos, resolver um problema prático sem cogitar das implicações socioeconômicas de sua
solução. Quando tais implicações são levadas em conta é que surge a tecnologia, como utilização,
e não simples aplicação, de conhecimentos científicos de problema técnico (Vargas 1994, p. 181).
Segundo Vargas, Ortega y Gasset não percebeu que além da “técnica dos técnicos”, havia “uma nova etapa
do desenvolvimento técnico, a Tecnologia” (Vargas, 1994) que se caracteriza pelo uso da ciência para resolver
problemas técnicos em grande escala.
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As tecnologias possuem certas propriedades que as tornam uma mercadoria cujo investimento visa à
valorização do capital e ampliação das margens de lucro com o aperfeiçoamento dos mecanismos de produção
de mercadorias, exploração da força de trabalho e dos meios de circulação de mercadorias, dinheiro e crédito.
Isso implica dizer que o desenvolvimento da técnica com o surgimento da tecnologia atende a necessidade
de eficácia e racionalidade do funcionamento do Estado Moderno e da organização da produção capitalista.
Os investimentos em pesquisas para o aperfeiçoamento técnico para atender as exigências de acumulação
capitalista justificam porque, direta ou indiretamente, os governos nacionais são responsáveis por esses
investimentos em parceria com o capital monopolista.
3.2. UMA DADA CONCEPÇÃO DE TÉCNICA NA PRÁTICA DOCENTE.
As últimas décadas permitiram a diversificação dos recursos didáticos com a entrada da tecnologia na sala
de aula, que passou a contar não mais apenas com a lousa e o giz, mas com quadros interativos e digitais,
computadores, celulares e com a internet. Ainda que com algumas resistências, o universo tecnológico, do
qual participa em alguma medida a maioria dos estudantes, aparece como instrumento fundamental para
a educação no século XXI, inclusive possibilitando a expansão da EAD por meio de ambientes virtuais de
aprendizagem que possibilitam interatividade, comunicação direta síncrona e assíncrona e acesso a materiais
digitalizados nos formatos de texto, áudio e vídeo, além de diversificadas bibliotecas virtuais.
A tecnologia aparece, portanto, como parte necessária e fundamental no processo educativo em qualquer
nível, por ampliar as possibilidades e caminhos para o conhecimento, embora seu uso não permita, por si,
que o processo educativo ocorra: ainda resta, como determinantes, a necessidade do conhecimento docente
na sua área específica e sua capacidade de conectá-lo aos problemas enfrentados no nosso tempo.
Mas, como efeito derivado e contraditório, a técnica e a tecnologia parecem suplantar ou diminuir as
preocupações com os demais vieses necessários para a prática docente. É como se o universo aberto pela
internet e o acesso a um conjunto gigantesco de informações dessem conta do caminho da aprendizagem
sem a mediação necessária do professor. Este, por sua vez, parece também contentar-se largamente com
aulas performáticas nas quais aparece como apêndice da máquina e não como elemento fundamental no
processo de ensino e aprendizagem.
Compreende-se essa contradição como o resultado da junção de uma determinada concepção de técnica
com as mudanças no terreno da epistemologia que demarcam o advento do que ficou chamado de pós-
modernidade e seus efeitos mais danosos.
Nas décadas de 1990 e 2000 percebemos a entrada de novos temas nas pesquisas em educação e nas
ciências sociais de um modo geral. Esses novos temas ou enfoques passaram a dar ênfase ao fragmentário,
aos estudos de caso, deixando muitas vezes de lado a possibilidade ou a necessidade da análise processual
e estrutural e mesmo o estabelecimento de relações mais abrangentes entre os espaços específicos e a
conjuntura mais ampla, com dados históricos, econômicos e sociais que poderiam servir de suporte para a
pesquisa e suas conclusões.
Isso decorreu da anunciada crise de paradigmas que, iniciada nas ciências naturais, levava as ciências sociais
para o caminho da negação das análises macroestruturais (Santos, 1996; Evangelista, 2002).
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As mudanças sempre ocorrem permeadas de contradições. Pode-se observar nesse processo uma acomodação
e certo consenso em torno da impossibilidade ou negação de análises históricas e estruturais, mas também se
observa a negação da objetividade científica, que apareceu na forma do subjetivismo e do relativismo teórico.
A tese que se apresenta é que esse movimento forjou uma curiosa interação entre o passado e o presente
dos modismos acadêmicos: de um lado, em nome de uma “pós-modernidade” e da “crise de paradigmas”,
ocorreu a adesão em massa à ideia do relativismo teórico, do subjetivismo e do abandono do que chamamos
de verdade científica; de outro, esse abandono ou relativização da verdade conduziu à acentuação de práticas
cada vez mais centradas em técnicas (seja nas ferramentas oferecidas pelo desenvolvimento tecnológico –
as TIC - , seja na centralidade de teorias educacionais tomadas quase que como manuais a serem aplicados
seguindo passos precisos e predeterminados). Esse movimento conseguiu colocar o supostamente novo
e pós-moderno ao lado de uma concepção neutra e imparcial da técnica, de viés positivista, própria da
modernidade que pretendia rejeitar.
Na EAD isso tende a se exacerbar, visto que há maior e justa preocupação com o uso de tecnologias aplicadas
à educação, por razões bastante óbvias. Os ambientes virtuais de aprendizagem, dos mais complexos aos
mais interativos, tendem a submeter a dimensão política e humana da educação à mediação da máquina,
reproduzindo ainda um perfil “conteudista” e poucas oportunidades de interação que não girem em torno
de avaliações tradicionais e dúvidas sobre os temas dos programas das disciplinas. Podemos acrescentar
ainda dois aspectos agravantes que afetam e estão mais presentes na EAD e menos em cursos presenciais
(o que não dá maior ou menor importância a um e outro de maneira simples assim): no primeiro, há um
contingente de estudantes na EAD que confunde ausência total de tempo e necessidade de planejamento
dos estudos. Há, sem dúvida, maior autonomia do estudante na EAD e, portanto, a necessidade de uma
organização e disciplina diferente dos cursos presenciais. Mas são recorrentes mensagens de estudantes
afirmando que somente escolheram a EAD porque “não têm tempo, demonstrando entender por isso que
cursos nessa modalidade da educação não deveriam exigir tarefas mais demoradas e que demandassem
tempo, como a leitura e a produção de certo volume de textos; o segundo aspecto se refere a uma visão de
“facilitação” que permeia o ideário sobre a EAD e que é assumido por algumas instituições e cursos. Desde
valores mais acessíveis nas instituições e até facilitações nas atividades e processos avaliativos. A busca
pela certificação, único objetivo de grande parte dos estudantes que acessam a graduação como condição
para adentrarem no chamado “mercado de trabalho, pode buscar também o caminho da facilitação.
Em cursos de licenciatura, a busca pela segunda certificação costuma ser majoritariamente de professores
da educação básica em busca de ampliação das suas possibilidades quanto ao mercado de trabalho e
participação em concursos públicos. O prazo reduzidíssimo nesses casos é um atrativo (muitos cursos dão
o segundo diploma em dois semestres).
Com isso, o conhecimento, fragmentado em áreas que perderam continuamente a capacidade de diálogo,
seguiu o mesmo caminho: se tornou cada vez mais especializado e ligado às necessidades reprodutivas
das relações sociais capitalistas, se distanciando do seu sentido ético e político: a associação direta entre
conhecer como condição para melhor viver. A noção que temos em nosso tempo do que se chama “técnica”
é, sem dúvida, reflexo dessa situação: parece que o “técnico” está desvinculado de fundamentos e de
intenções, como se se justificasse por si só e não correspondesse a interesses sociais conforme crítica de
Adorno e Horkheimer, 1999.
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A associação direta entre escolarização e certificação, ou seja, a exigência de certificação oficial para justificar o
acesso aos postos de trabalho, potencializa os efeitos danosos dessa concepção. O conhecimento é colocado
numa condição cada vez mais residual e dependente de critérios de produtividade e lucratividade, típicas
das nossas relações. O para que serve? é a expressão da maneira utilitária como se percebe a educação em
nosso tempo e a avaliação positiva ou negativa passa, necessariamente, por critérios externos à construção
de conhecimento, como as demandas da indústria e das grandes corporações, o índice de aprovação em
processos seletivos, a empregabilidade dos egressos etc. A ligação direta entre escolarização, certificação
e emprego impõe à educação do nosso tempo grandes desafios.
Obrigados a anos de escolarização, muitas vezes desconectada da realidade objetiva, o conhecimento não
pode passar de um amontoado de condicionamentos e operações básicas exigidas para a execução de
algum tipo de trabalho remunerado, mesmo quando aparecem com um rótulo de especialização nos cursos
técnicos. As instituições e os profissionais envolvidos também entram na mesma lógica da produtividade, que
fica mais patente na medida em que os níveis se elevam: no ensino superior, a necessidade de convencer
possíveis candidatos de que a instituição possui uma ligação direta com as possibilidades de emprego e
altos índices de produtividade (medidos por questionáveis indicadores gerados pelo ministério da educação)
é a peça fundamental da propaganda.
A reflexão sobre para que, para quem e para onde a educação deve orientar seu trabalho fica de fora, salvo
quando aparece, como mera formalidade, nos projetos das instituições e cursos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se fala em política, seja no sentido amplo ou no mais restrito, não se está à procura de um consenso
geral, ou se cairia novamente no campo das mistificações. A política exige a tomada de posição que, por
sua vez, exige princípios e valores como base de referência e também objetivos definidos. Em sociedades
cindidas em classes sociais, frações de classe, estratos sociais, grupos de interesses diversos, temos mais
choques de interesses e objetivos que a possibilidade de consenso. Resgatar a dimensão política da educação
significa, necessariamente, tomar a escola como espaço de contradições e de luta por interesses diversos.
Ainda que a formulação incomode um tanto, o fato concreto é que a escola, os educadores, os estudantes
e todos envolvidos tomam posição política o tempo todo, seja ela consciente ou não. A ênfase na técnica
compreendida como imparcial, a insistência na formação para o “mercado, o cálculo da produtividade e
lucratividade, a negação da objetividade científica são todas tomadas de posição que revelam uma opção
política em favor da ordem em que vivemos e, portanto, total ou parcialmente de acordo com nossas mazelas,
mesmo que essa opção não apareça claramente assumida e formulada por um discurso.
De maneira clara e consciente, a tomada de posição política exige uma definição de para que, para quem
e para onde educamos. A resposta a essas questões coloca de maneira aberta a luta de ideias e a disputa
entre projetos distintos para a educação. Abre a luta de ideias porque, ao desvelar as mistificações e revelar
a reais intenções dos agentes, possibilita a reflexão e o debate. A luta de ideias é parte essencial da luta
para a implementação de projetos concernentes com os objetivos postos, portanto, da disputa por distintas
concepções da educação, que envolvem concepções também distintas das relações em que vivemos e das
relações que julgamos deverem ser construídas.
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É necessário resgatar a reflexão crítica sobre a educação, desmistificar o papel do professor e da educação
formal e dar justo tratamento aos desafios que enfrentamos nessa quadra da história. A educação como ato
político deve deixar o campo da retórica e se tornar prática teórica e prática docente, comprometidas com
uma ética e com as relações sociais. Essa ética deve colocar como valores fundamentais a defesa da vida
(da integridade física, da liberdade, do acesso aos bens materiais que garantem uma vida digna), do meio
ambiente, do interesse coletivo sobre o individual. Tais valores geram o compromisso com a construção de
relações sociais que deixem de privilegiar as noções burguesas de lucratividade, produtividade e busca do
“sucesso” individual. Em poucas palavras, a eliminação da exploração do humano sobre o humano é o que
está em questão.
As contradições existentes, de maneira geral, na sociedade em que vivemos estão presentes também no espaço
escolar, inclusive nesse que se opera a distância. Esses espaços e lugares sociais estão continuamente em
disputa entre projetos os mais díspares, muitos deles pouco interessados na autonomia ou no conhecimento,
o que não deve jamais fazer esquecer que a educação é, essencialmente, um ato político ou de tomada de
posição.
Pensados assim e com compromissos e objetivos corajosamente assumidos, não temos dúvida de que
professores e estudantes podem construir o conhecimento de maneira autônoma e libertadora.
O professor reflexivo precisa, obrigatoriamente, perceber a escola para além dos seus muros e compreender
as contradições e tensões presentes na educação, sempre relacionadas aos objetivos e contradições
próprios das formações sociais capitalistas do nosso tempo. Resgatar a educação como um ato político é
imprescindível na vida profissional e para os cursos voltados à formação de professores. Um desafio que se
torna mais complexo na formação de professores nas licenciaturas oferecidas pela EAD e que merece maior
atenção e proposições mais concretas.
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... As Almeida e Silva (2023) argues, it is necessary for the government to invest in technological infrastructure, ensuring that all schools, regardless of their geographic location or socioeconomic condition, have access to the tools necessary to incorporate AI into the teaching-learning process. In addition, public policies should promote teacher training so that teachers are able to use these technologies effectively and ethically (Barros et al., 2024). ...
Article
Full-text available
Objective: Considering the use of Artificial Intelligence (AI) by teachers in public high schools in Barão de Cocais faces challenges, such as the lack of specific training and inadequate infrastructure, along with concerns about pedagogical autonomy, the objective is to investigate the impacts of these technological tools on the teaching-learning process. Theoretical Framework: This research presents the main concepts and theories that underlie the work. The use of artificial intelligence in public education, the ethical and pedagogical challenges of using artificial intelligence in teaching and the infrastructure and public policies for artificial intelligence in education stand out, providing a solid basis for understanding the context of the investigation. Method: A qualitative methodology is applied, based on semi-structured interviews with teachers, aiming to capture their experiences and perceptions regarding the use of AI in their pedagogical practices. Results and Discussion: The results obtained revealed that it is essential to incorporate digital skills development into teacher training curricula, in addition to promoting public policies that encourage the conscious and appropriate use of AI in the educational context. Research Implications: Content analysis allows the identification of patterns and recurring themes, providing a broad understanding of the implications of this technology in education. It is observed that AI is seen by teachers as a promising tool, particularly for automating tasks and personalizing learning. However, there is a significant gap in teacher training and in the schools’ infrastructure, hindering more efficient adoption. Originality/Value: This study contributes to the emerging literature on the implementation of AI in Brazilian public education, offering valuable insights into the challenges and opportunities surrounding the adoption of these technologies in educational institutions in specific regions, such as Barão de Cocais.
Article
Full-text available
An analysis of the official discourse in defense of distance learning in higher education identifies the silences that structure it. On the one hand, such discourse ignores the ideological dimension of science and technique; on the other, it disregards the complexity of the pedagogical relation. The absence of such fundamental themes makes it possible to defend the application of communication and information technologies in the education process without investigating the deleterious consequences of such procedure upon the formation of those being educated. The present text emphasizes education as formation, and contrasts it with semi- or pseudo-formation as described by the philosophers of the Frankfurt School. Based on an examination of the nature of the activities included in distance courses, we question the very existence of a teacher and of a pupil under such modality of teaching, as well as of a relationship between them that would contribute to the ethical-political formation of a student aware of the power relations present in social institutions, in scientific knowledge and in professional practice. Such state of affairs demands research on the results achieved by distance courses, particularly by those that aim at the formation of teachers.
Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes
  • Louis Althusser
ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008.
Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno. 3ed. São Paulo: Cortez
  • João Evangelista
EVANGELISTA, João. Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno. 3ed. São Paulo: Cortez, 2002.
Para uma filosofia da Tecnologia, Editora Alfa Omega
  • Milton Vargas
Aparelhos ideológicos do Estado
  • Louis Althusser
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
Um discurso sobre as ciências. 8ed. Porto: Edições Afrontamento
  • Boaventura Santos
  • De Sousa
História da Tecnica e da Tecnologia no Brasil
  • Milton Vargas
  • Karl Marx
  • Escogidas
MARX, Karl. Obras Escogidas. Moscou: Progresso, vol III, 1974.