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Desafios da Inserção de Gênero na Formação Inicial a Partir das Experiências de Professoras Acadêmicas Feministas

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Abstract

Este texto aborda os desafios da inserção de gênero na formação inicial docente, diante do preocupante cenário social e político, no qual movimentos antigênero questionam a pertinência da discussão de gênero no âmbito educacional. Analisa os relatórios da UNESCO sobre “Educação em Sexualidade e Relações de Gênero na Formação Inicial Docente no Ensino Superior", de 2014 e 2017. Para isso, o texto apresenta as experiências de quatro professoras universitárias feministas da região sul e sudeste do Brasil, bem como seus esforços e negociações para a promoção de mudanças relacionadas à temática, revelando o currículo como um campo de disputas, com tensos processos que permeiam a institucionalização da temática de gênero. O artigo provoca-nos a pensar como a violência de gênero na universidade assume também um caráter denunciatório da discriminação estrutural de gênero, que inclusive afeta a ocupação dos espaços de tomada de decisão. Por fim, o texto aponta para a importância da construção de um projeto político pedagógico comprometido com a eliminação das desigualdades, que possa servir de instrumento de resistência para o campo educativo.
ARTIGOS
E-ISSN: 2176-6665
1 MEDIAÇÕES, Londrina, v. 29, n. 2, p. 1-20, mai.-ago. 2024 |e48937.
DOI: 10.5433/2176-6665.2024v29n2e48937
Recebido em 14/09/2023;
aprovado em 20/01/2024;
publicado em 15/05/2024.
Desafios da Inserção de Gênero na Formação Inicial a Partir das
Experiências de Professoras Acadêmicas Feministas
Challenges of Gender Inclusion in Basic Education Based on the Experiences of
Feminist Academic Professors
*Amanda Rodrigues Duarte
1
*Daniela Finco
2
Resumo
Este texto aborda os desafios da inserção de gênero na formação inicial
docente, diante do preocupante cenário social e político, no qual movimentos
antigênero questionam a pertinência da discussão de gênero no âmbito
educacional. Analisa os relatórios da UNESCO sobre “Educação em
Sexualidade e Relações de Gênero na Formação Inicial Docente no Ensino
Superior", de 2014 e 2017. Para isso, o texto apresenta as experiências de quatro
professoras universitárias feministas da região sul e sudeste do Brasil, bem
como seus esforços e negociações para a promoção de mudanças relacionadas
à temática, revelando o currículo como um campo de disputas, com tensos
processos que permeiam a institucionalização da temática de gênero. O artigo
provoca-nos a pensar como a violência de nero na universidade assume
também um caráter denunciatório da discriminação estrutural de gênero, que
inclusive afeta a ocupação dos espaços de tomada de decisão. Por fim, o texto
aponta para a importância da construção de um projeto político pedagógico
comprometido com a eliminação das desigualdades, que possa servir de
instrumento de resistência para o campo educativo.
Palavras-chave: gênero; feminismo; formação docente inicial; pedagogia;
ideologia de gênero.
Abstract
This text addresses the challenges of including gender in initial teacher
training, given the worrying social and political scenario, in which anti-
gender movements question the relevance of discussing gender in the
educational context. We analyse the UNESCO reports on “Education in
Sexuality and Gender Relations in Initial Teacher Training in Higher
Education from 2014 and 2017. It presents the experiences of four feminist
university professors from the south and southeast region of Brazil, as well as
their efforts and negotiations to promote changes related to the theme. It
provokes us to think about how gender-based violence at universities also
1
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, (SEDUC-SP, São Paulo, SP, Brasil). ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-3247-2160.
2
Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de
Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UNIFESP, Guarulhos, SP, Brasil).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5731-1091.
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assumes a denunciatory nature of structural gender discrimination, which
even affects the occupation of decision-making spaces. It points to the
importance of building a political pedagogical project committed to
eliminating inequalities, which can serve as an instrument of resistance for the
educational field.
Keywords: gender; feminism; initial teacher training; pedagogy; gender
ideology.
Introdução
Este artigo tem como base os resultados de uma pesquisa de mestrado que
investiga os desafios da inserção das discussões sobre gênero na formação docente
inicial, a partir das experiências de professoras universitárias feministas que atuam em
cursos de Pedagogia da região sul e sudeste do Brasil (Duarte, 2021). Para tanto,
apresentamos as narrativas dessas mulheres, a fim de pensar as negociações realizadas
dentro do espaço acadêmico, com o intuito de incorporar o debate sobre gênero à
formação docente inicial, diante da necessidade da eliminação dos preconceitos,
discriminações e do aumento das violências de gênero nos últimos anos.
Assim como em outros países, vivemos hoje um processo transnacional de
generalização da violência de gênero (Prado; Correa, 2018). Nosso país vem sofrendo
uma onda autoritária fascista que causa retrocessos no campo dos direitos humanos
e, em particular, no campo dos direitos das mulheres e do direito à diversidade de
gênero e sexual. Com a pressão de grupos religiosos fundamentalistas, as questões de
gênero têm sido objeto de controvérsia na construção de políticas públicas para a
educação.
Vivemos, desse modo, uma forte onda conservadora que se instalou nas
agendas que interessam aos direitos humanos, marcada por um cenário político que
fortaleceu um projeto político da extrema-direita. Podemos perceber o esfacelamento
da nossa jovem democracia e a pulverização da conquista de direitos, e após mais de
20 anos de ditadura militar nos deparamos com a fragilidade do Estado de Direito, em
sua mais perversa expressão, com retrocessos no campo dos direitos humanos (Silva;
Faria; Finco, 2019).
Tornou-se legítimo, principalmente com a anuência de grupos
fundamentalistas e conservadores, retratar a ditadura militar procurando tornar oficial
a história de ordem e progresso que deve ser resgatada e novamente implementada,
através da qual se negou a participação social, desagravando as violências efetivadas
nesse período. O Brasil é “herdeiro de uma tradição histórica que omite a participação
popular, que sistematicamente tem preferido narrar uma história ‘oficial’, em que os
poderosos ‘concedem’ ao povo as conquistas pelas quais o povo batalhou duramente
ao longo do tempo (Aquino, 2014, p. 198). A reformulação da noção de direitos
humanos anda na contramão dos anos 80, 90 e 2000, que podem ser entendidos como
momentos em que os direitos humanos e o enfrentamento das desigualdades eram
responsabilidades do Estado (Leite, 2019).
A fundamentação do movimento Escola sem Partido e os ataques às “ideologias
de gênero”, que propuseram garantir neutralidade na educação brasileira, manifestam
uma clara intenção de repressão e perseguição contra os ideais mais progressistas e
críticos (Vianna, 2020; Yannoulas; Afonso; Pinelli, 2021). Os grupos de interesse
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conservadores buscam apartar os movimentos feministas e LGBT das definições de
políticas públicas e tomar o controle sobre elas, delimitando o Estado como espaço
masculino e heterossexual, resistente às demandas femininas, de expansão de direitos
àquele/as que consideram ameaçar a concepção de mundo tradicional (Miskolci;
Campana, 2017).
Os movimentos antigênero, com suas ideias conservadoras e sexistas, tentam
desse modo atrasar o debate sobre as pautas feministas e dificultar uma agenda política
de gênero, ocupando um espaço estratégico na educação. Em um cenário político
tensionado pela crise política e econômica que marcou o Brasil a partir de 2013, grupos
conservadores defensores de soluções violentas para questões sociais, ruralistas,
religiosos católicos, evangélicos e, em menor escala, kardecistas e judeus, organizações
seculares e movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Escola sem Partido
atuaram de forma coordenada durante a tramitação do Plano Nacional de Educação
no Congresso; sua ação culminou na retirada das menções às questões de gênero
(Vianna; Bortolini, 2020). O trabalho em conjunto dos conservadores resultou na
retirada do termo gênero dos documentos governamentais, alvos de um tratamento
distorcido e politicamente nefasto com relação às questões de gênero e diversidade na
educação. (Vianna; Unbehaum, 2016).
A educação, desse modo, é o centro das atenções e cenário de disputa baseada
no discurso da “ideologia de gênero”. Tal discurso foi retomado pelos fundamentalistas
conservadores, os quais advogam que a educação é doutrinária e os educadores/as, por
consequência, os doutrinadores. Setores fundamentalistas reacionários obtiveram
sucesso na cruzada para proibir a inclusão do debate sobre as desigualdades e
violências de gênero na escola (Viégas; Goldstein, 2017). Diante deste cenário, o
contexto político atual enseja urgência para o debate sobre gênero na educação, uma
vez que os princípios democráticos se apresentam em risco, dificultando o avanço de
uma agenda comprometida com os direitos humanos.
A “ideologia de gênero” popularizou-se, acompanhando um fenômeno global,
em que os espaços políticos são tomados por figuras políticas com discursos
abertamente homofóbicos, racistas, antiaborto, que procuram tipificar o debate de
gênero como mera “ideologia” numa tentativa de questionar o status científico dos
Estudos de Gênero (Yannoulas; Afonso; Pinelli, 2021). Essa rede discursiva e
politicamente legitimada reclama uma teologia política, o que significa dizer que a
dignidade humana está atrelada à vontade de Deus. O movimento antigênero traz a
defesa da retomada da biologização da diferença sexual, bem como a renaturalização
das arbitrariedades sociais de hierarquização das diferenças, por meio de discursos
envolventes sobre a promoção da igualdade e o questionamento dos estereótipos, além
de promover a disseminação e imposição ideológica de um termo novo, perigoso e
impreciso: gênero (Junqueira, 2018).
Os ideais conservadores antigênero espalham-se em setores poticos,
institucionalizando a moral conservadora, que tem impactado a educação, o ensino e as
políticas públicas educacionais. Ao mesmo tempo que afirmam uma moral particular e
denunciam a ideologização das universidades públicas e da produção científica, o
Estado se exime da responsabilidade sobre os direitos e as políticas públicas que
assegurem o funcionamento das universidades, das pesquisas, da educação, resistindo
ao reconhecimento das desigualdades com ações que inibem tais políticas e abrem
caminhos de submissão ao capital.
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Os atuais impasses da implementação de políticas públicas no campo da
educação e da diversidade no Brasil passam por um processo de elaboração tenso e
negociado entre grupos que reivindicam interesses concretos do Estado (Vianna,
2020). As expressões de gênero têm ocupado um papel fundamental no confronto de
concepções e valores, e a escola e as políticas de educação têm sido lócus permanente
de conflito entre ideários (Leite, 2019, p. 122). Os conservadores estiveram presentes
na sociedade brasileira, de diferentes maneiras, ao longo da história, mas atualmente
valores conservadores com o intuito de constituir o conservadorismo como uma
identidade política (Ciências [...], 2019).
A pesquisadora Barbara Poggio (2015) identifica como a compreensão da
ideologia de gênero afeta diretamente a educação e o papel da escola. Identifica que
o perigo está em compreender gênero e sexualidade como dimensões próprias da esfera
privada e que, portanto, deveriam ser objeto exclusivo da educação familiar. Esta
perspectiva implica uma visão redutora do papel da escola, que não é mais entendida
como uma instituição social que desempenha um papel importante em termos de
formação para os direitos e a cidadania, mas como mero instrumento educacional
voltado para a transmissão de conteúdos estritamente técnicos e que, portanto, deve
abster-se de lidar com aspectos relacionados à identidade e aos relacionamentos.
Destaca, assim, um importante argumento para a inclusão do debate de gênero na
formação docente; a prevenção da violência de gênero é uma das principais razões para
se apoiar a implementação de iniciativas educacionais relacionadas ao tema gênero, de
modo a impedir que a gravidade do fenômeno seja reduzida ou negada.
Diante deste cenário, este artigo tem como objetivo analisar a inserção do debate
de gênero na formação inicial docente, a partir das experiências de quatro professoras
acadêmicas feministas que atuam em universidades públicas brasileiras, abordando a
violência de gênero, fortemente presente em suas narrativas. O texto é um convite à
reflexão, considerando que trata de uma temática sobre a qual não existem muitos
estudos, e destaca a importância do gênero como conteúdo na formação inicial docente,
ou seja, no currículo do ensino superior, em especial, nas licenciaturas e na Pedagogia.
O texto faz um alerta também para o status secundário que gênero possui nos
cursos de formação docente no ensino superior, revelando como o cenário acadêmico
ainda enfrenta desafios importantes para a institucionalização da temática de gênero no
currículo, e aponta como o feminismo acadêmico no Brasil envolve não só um trabalho
de sensibilização, articulação e cooperação com diferentes grupos de mulheres, sociedade
civil e órgãos governamentais, mas revela também lutas constantes para garantir sua
legitimidade (Sardenberg, 2020). Ele está organizado em três partes. No primeiro tópico
apresentamos os caminhos da pesquisa, a caracterização das participantes da pesquisa
e os movimentos de coleta e análise dos dados, trazendo como base o conceito de
experiência (Scott, 1998), que nos possibilitou explorar as narrativas e a construção de
significados, para compreender os processos das lutas e desafios dessas mulheres para
a inserção de gênero na formação docente nos cursos de Pedagogia.
No segundo tópico apresentamos alguns dados dos relatórios produzidos a
partir dos Seminários “Educação em Sexualidade e Relações de Gênero na Formação
Inicial Docente no Ensino Superior” da UNESCO (2014, 2017) sobre as políticas para a
inclusão do debate de gênero na formação inicial. Apontamos, assim, a questão da
formação inicial docente como central na promoção de mudanças relacionadas às
temáticas de gênero e sexualidade. Para além disso, problematizamos como este debate
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sobre a formação inicial docente vem sendo foco de iniciativas de parceria com
instituições internacionais, que buscam aprofundar a discussão sobre a inserção da
temática nos currículos de formação docente no ensino superior.
Por fim, no terceiro tópico, apresentamos as experiências e narrativas de quatro
professoras universitárias feministas que atuam nos cursos de Pedagogia, as quais são
pesquisadoras envolvidas no campo de estudos de gênero, para pensar as negociações
realizadas para a incorporação dessas questões de gênero no contexto da formação
docente inicial. Diante disso, as análises revelam o currículo como um campo de
disputas e apresentam as estratégias de inclusão dessas questões nas diferentes
disciplinas e os tensos processos que permeiam a institucionalização da temática de
gênero. Apresentamos as abordagens utilizadas pelas professoras para provocar o
debate do tema e o processo de desnaturalização de gênero junto a seus/suas
estudantes, bem como indicamos os desafios diante do contexto político atual,
considerando o campo da educação e gênero permeado de entraves, processos de
elaboração tensos e negociados. Assim, problematizamos os preconceitos e as violências
de gênero vivenciados no ambiente universitário, bem como a necessidade de
questionar os constrangimentos baseados nos valores misóginos, sexistas e hetero-
normativos de nossa sociedade. Destacamos, desse modo, a atuação dessas mulheres
dentro do próprio contexto universitário no enfrentamento das desigualdades e
violências de gênero, ressaltando a urgência da institucionalização de medidas de
reversão deste quadro e o papel social da universidade diante do cenário político
educacional atual.
Caminhos da Pesquisa
Pesquisas realizadas recentemente alertam para a ausência das temáticas
gênero e sexualidade nos debates na formação docente inicial. Os estudos apontam
para tensas negociações e embates sobre as discussões de gênero na formação docente
(Soares, 2018; Vianna, 2020), trazendo-nos muitos entraves e desafios atuais. O debate
sobre as temáticas das relações de gênero na formação inicial docente vem sendo foco
de iniciativas de parceria com instituições internacionais, que buscam aprofundar a
discussão sobre a inserção das temáticas nos currículos de formação docente no ensino
superior. E vale destacar que os Seminários “Educação em Sexualidade e Relações de
Gênero na Formação Inicial Docente no Ensino Superior realizados em 2013 e 2015
3
reuniram pesquisadores, gestores e representantes da sociedade civil, com o objetivo
comum de subsidiar as instituições de ensino superior com informações para a
inclusão das temáticas na formação integral dos professores.
Os procedimentos metodológicos da pesquisa contaram com a análise dos
Relatórios produzidos a partir desses Seminários (UNESCO, 2014, 2017) sobre
experiências acadêmicas voltadas às temáticas de gênero e educação em sexualidade
nos cursos de formação inicial de professores. Os relatórios revelaram que, apesar dos
marcos normativos possibilitarem a inserção da discussão de tais temáticas na
educação, a realidade social não tem sido favorável, e salientaram também como
3
Em 2013 e 2015 foram realizados seminários, organizados pela UNESCO no Brasil em parceria com a
Fundação Carlos Chagas (FCC/SP) e a Rede de Gênero e Sexualidade (REGES), que abordaram o
tema Educação em Sexualidade e Relações de Gênero na Formação Inicial Docente. Disponível em:
Unesco (2017).
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aspectos religiosos têm influenciado sobremaneira a inclusão de tais temáticas, assim
como o desenho de políticas públicas. Por outro lado, os resultados revelaram como
os grupos e os núcleos de pesquisa têm sido grandes aliados nessa discussão no
âmbito das universidades.
A partir desse contexto questionamos: quais os desafios da inserção de gênero
a partir da experiência de professoras universitárias feministas que atuam nos cursos
de formação inicial de Pedagogia? Quais o os desafios enfrentados por essas
mulheres e como elas têm lidado com a inclusão dessa temática nos espaços em que
atuam? Para responder tais questões, buscamos identificar os desafios da inserção de
gênero na formação docente a partir da experiência formativa, acadêmica e docente
de pesquisadoras que atuam na área dos Estudos de nero e Educação em cursos
de Pedagogia.
Os procedimentos da pesquisa contaram também com a realização de
entrevistas semiestruturadas com quatro professoras feministas nomeadas pelos
pseudônimos Patrícia Galvão, Leila Diniz, Virginia Woolf e Frida Kahlo, que lecionam
em cursos de Pedagogia, são líderes de grupos de pesquisas sobre gênero na educação,
localizadas através do Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPq, e
mostraram interesse de participar da pesquisa, conforme apresenta o Quadro 1.
Quadro 1 Caracterização das participantes da pesquisa
Tabela 1.
Pseudônimos
Região do
Brasil
Curso em que
Leciona
Idade
Tempo de
Docência
Nível de
Formação
Patrícia
Galvão
Sul
Pedagogia e
Licenciaturas
60
34 anos
Doutorado
em Educação
Leila Diniz
Sul
Pedagogia e
Licenciaturas
60
39 anos
Doutorado
em Educação
Virginia
Woolf
Sudeste
Pedagogia
47
22 anos
Doutorado
em Educação
Frida Kahlo
Sul
Pedagogia
50
23 anos
Doutorado
em Educação
Fonte: Elaborado pelas autoras.
A pesquisa apresenta um recorte regional, pois todas as entrevistadas atuam
em IES do Sul e Sudeste, regiões nas quais se concentra a maior parte das IES brasileiras,
considerando ainda que a região Sul tem despontado como reduto político conservador.
Cada uma das professoras recebeu um nome fictício, escolhido para preservar suas
identidades e evitar qualquer associação que pudesse dar indícios de quem são as
participantes. Os nomes escolhidos representam mulheres escritoras, ativistas,
intelectuais e feministas empenhadas na transformação da sociedade. A escolha dos
nomes fictícios (Frida Kahlo, Patrícia Galvão, Leila Diniz e Virginia Woolf) não tem
nenhuma relação direta com as participantes da pesquisa, mas objetivou homenagear a
diversidade de mulheres que nos impactaram com as suas ideias emancipadoras
feministas, ocupando espaços e marcando posições de ativismo na sociedade.
Através de entrevistas semiestruturadas com essas quatro professoras, foi
possível captar experiências, valores, opiniões, aspirações e motivações das
entrevistadas, segundo os critérios e interesses do tema investigado. As entrevistas
semiestruturadas permitiram respostas mais abrangentes e espontâneas, que
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possibilitaram uma abertura e uma proximidade maior entre entrevistadora e
entrevistadas ao tocar em assuntos complexos e delicados. As informações de
caracterização das entrevistadas foram coletadas inicialmente através da Plataforma
Lattes e, posteriormente, por meio de entrevistas, como uma forma de compreender
quem são essas participantes da pesquisa e quais foram seus percursos formativos,
acadêmicos e docentes. Diante deste contexto, a pesquisa traz as experiências dessas
mulheres pesquisadoras, líderes de grupos de pesquisas, buscando conhecer suas
narrativas e vivências, bem como tentando desocultar suas vozes e conhecer os
desafios de seus fazeres docentes no contexto universitário.
Apesar dos estudos de gênero na educação terem ganhado força desde os anos
1980 e se consolidarem em diversas instituições de ensino superior, por meio de
centenas de grupos de pesquisa, temos ainda muitos desafios para incorporar ao projeto
político pedagógico das licenciaturas, em especial à Pedagogia, tal debate, como
revelam as narrativas de quatro professoras universitárias.
Com o preocupante cenário cultural e político que vivemos hoje, com as
diversas influências que procuram impedir o uso do gênero e assumem a forma de uma
verdadeira cruzada antigênero (Vianna, 2020), em que questionam a pertinência da
discussão de gênero no âmbito educacional, se faz relevante trazer as reflexões sobre
formação docente e a inserção de gênero nos cursos de Pedagogia a partir das vozes
potentes dessas mulheres.
Políticas para Inclusão do Debate de Gênero na Formação Inicial
Trazemos para esta reflexão dois importantes relatórios da UNESCO que foram
produzidos no contexto do “Seminário Educação em Sexualidade e Relações de Gênero
na Formação Inicial Docente no Ensino Superior” (2014, 2017). As discussões realizadas
apontaram dados relevantes ao apresentar um mapeamento que traz os entraves e os
avanços da discussão de gênero na educação, bem como apontam a carência desse
debate formativo e detectam que somente tentativas isoladas de discussão na
formação docente inicial.
O primeiro relatório (2014) é resultado do seminário realizado em 9 de outubro
de 2013, na Fundação Carlos Chagas, que contou com ocupantes de cátedras da
UNESCO, pesquisadores/as de ensino superior e membros da organização ECOS
(Comunicação em Sexualidade). O encontro foi concebido em virtude da obra
Orientação técnica internacional de educação em sexualidade
4
, adaptada para o contexto
brasileiro e voltada para a preocupação com a formação inicial docente em relação às
temáticas de gênero e sexualidade e a eliminação das violências; o trabalho afirma o
papel do/a professor/a como central na promoção de mudanças sobre essas questões,
alertando para a necessidade dessas discussões na formação inicial.
O relatório já observava que as discussões com relação a tais temáticas tinham
sofrido retrocessos, principalmente no tocante às políticas públicas. Mas mesmo que
não houvesse uma política de Estado, ainda havia naquele momento certa “liberdade”
para discutir essas questões. Porém, o relatório já alertava para o crescente poder de
4
Orientação técnica internacional sobre educação em sexualidade, UNESCO (2010).
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grupos religiosos e conservadores na sociedade e, em especial, frente às instituições
públicas educacionais e aos poderes legislativos em todas as esferas (municipal,
estadual e federal). O documento mostrava ainda como as agendas de gênero,
sexualidade e diversidade tinham sido utilizadas como moeda de troca em negociações
políticas, provocando muitos retrocessos, considerando a proximidade dos momentos
eleitorais, como o ocorrido em relação ao Kit Escola Sem Homofobia
5
.
O relatório alertava para o pequeno número de pesquisas na área de formação
de professores/as ligadas ao gênero, para a dependência de iniciativas individuais com
relação à inserção dessas temáticas na formação docente inicial, para a ausência de
gênero em um currículo integrado de forma permanente e independente de se ter
um/uma especialista na temática no corpo docente da universidade. Ele apontava que
era necessária uma maior articulação entre as várias áreas disciplinares que pesquisam
gênero e sexualidade dentro da universidade, indicando a necessidade de
institucionalizar tal debate nesses espaços.
O relatório também chamava atenção para uma desarticulação com o suposto
campo macro de educação: a falta de debates com aqueles que formulam as políticas
públicas de educação das áreas de currículo, avaliação e orçamento, nas quais essas
temáticas eram contempladas; a falta de se pensar a prática docente com relação ao
gênero e à sexualidade, pois as discussões eram realizadas e concentradas nas
disciplinas sobre os fundamentos; a dificuldade de se levar o debate apresentado no
seminário para os pares nas instituições de ensino superior (IES); a dificuldade de fazer
o assunto chegar à reestruturação dos currículos dos cursos de Pedagogia. A temática
adentrava a educação muito tardiamente. O documento destacava inclusive a
necessidade de mostrar nas pesquisas os impactos dessas discussões que têm sido
realizadas para medir os resultados em avaliações externas e internacionais.
A tentativa de inserção dessa discussão na formação docente inicial
tem sido realizada de forma isolada, por iniciativas individuais de
professores e pesquisadores das universidades públicas e de algumas
particulares. A grande aliada dessa inserção tem sido a criação por
docentes das universidades de grupos e núcleos de pesquisas que
discutam as temáticas de gênero, sexualidade, diversidade sexual e
raça/etnia. Ainda assim, as disciplinas que têm sido oferecidas em
sua maioria não fazem parte integrante dos currículos formais dos
cursos de formação docente. Portanto, é necessária uma discussão
sobre a reestruturação desses currículos de modo que os temas
apresentados nesse seminário passem a ser obrigatórios na formação
de profissionais da educação no Brasil (UNESCO, 2014, p. 14).
O relatório salientou que, apesar dos impasses e retrocessos nessa discussão,
houve também avanços destacados como a Conferência Nacional de Educação
(CONAE); a Conferência das Mulheres; o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres;
os Programas e Projetos e a Formação Continuada da Secretaria de Educação,
5
O Projeto Escola Sem Homofobia articulado ao programa Brasil sem Homofobia foi desenvolvido por
importantes ONGs com a supervisão do Ministério da Educação. Trata-se de um material educativo
que aborda de modo sistemático a homofobia. Foi vetado em 2011 após pressão dos religiosos no
Congresso Nacional (Vianna; Unbehaum, 2016).
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Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI)
6
; os grupos de pesquisas nas
universidades; a ampliação do número de disciplinas ofertadas que contemplem a
temática, ainda que na sua maioria eletivas e optativas. Apesar de as políticas públicas
de educação e dos marcos normativos possibilitarem a inserção da discussão de tais
temáticas no âmbito da educação, a conjuntura não parecia mais ser favorável a isso, e
as/os profissionais da educação tinham pouca ou nenhuma formação necessária para
debater os temas.
Desse modo, ele já alertava para a necessidade de se refletir sobre o cenário de
retrocesso, uma vez que as discussões sobre gênero e sexualidade estão diretamente
ligadas aos indicadores de qualidade da educação e da saúde. O documento apontava
que era necessário reagir, somar forças em defesa da laicidade e não recuar com relação
às conquistas das últimas décadas, e destacava ainda a necessidade de as temáticas
serem incluídas no currículo da formação inicial e continuada de docentes. Ele
salientava também a importância das articulações de entidades, pessoas e movimentos
da sociedade civil, que buscam incidir politicamente para que a educação em
sexualidade seja reconhecida como parte dos direitos humanos. E, principalmente,
ressaltava a necessidade de sensibilizar universidades, sociedade civil e órgãos
governamentais sobre a importância da inclusão do debate de gênero e da educação em
sexualidade na formação inicial de professores/as, por meio da oferta de disciplinas nos
currículos (UNESCO, 2014).
o segundo relatório (UNESCO, 2017), concernente ao segundo “Seminário
Educação em Sexualidade e Relações de Gênero na Formação Inicial Docente no Ensino
Superior”, realizado no ano de 2015, retomou as discussões realizadas no primeiro
seminário, apontando para os desafios persistentes no campo e para a existência de
preconceitos em relação às temáticas de gênero e sexualidade nas IES bem como para
questões ideológicas de natureza religiosa que limitam a inclusão dos temas. Os debates
trouxeram diferentes destaques e importantes contribuições para pensar gênero e
sexualidade nos currículos, nos planos e programas de educação, bem como revelaram
a importância de revisar os projetos políticos pedagógicos das licenciaturas, da
realização de fóruns de sensibilização para o tema nas IES, com a parceria entre
academia e gestores (proponentes de políticas públicas) e com outros setores como meio
de fortalecer a regulação da temática nas Diretrizes Curriculares Nacionais e buscar
promover a avaliação institucional nos cursos de graduação. O documento também
aponta para a importância da atuação de coletivos universitários, com foco no debate
sobre violências, assédios e abusos, por meio de uma linguagem escrita e imagética não
discriminatória, alertando para a necessidade da institucionalização por meio de
disciplina específica obrigatória (UNESCO, 2017).
O documento recomenda ainda fortalecer grupos na universidade para a
legitimidade do tema, inclusão das temáticas de gênero e sexualidade nas diretrizes
das licenciaturas, apoiar grupos de assistência estudantil que discutem gênero e
sexualidade, manter e ampliar fomento à pesquisa, levar em consideração as
especificidades regionais de cada IES, reforçar a importância de educação em
sexualidade a partir de marcos legais e acordos internacionais de que o Brasil é
signatário e, por fim, efetivar as propostas nos Planos Nacionais de Educação em
Direitos Humanos (2007).
6
Secretaria extinta no dia 02 de janeiro de 2019, um dia após a posse do presidente Jair Messias Bolsonaro,
com o decreto n.º 9.465, de 2 de janeiro de 2019 (Brasil, 2019).
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Reafirmando as considerações do primeiro seminário, este segundo relatório
continua destacando a formação docente como um dos campos mais importantes para
se trabalhar as relações de gênero e a educação em sexualidade e direitos humanos,
associadas às questões sociais gerais, e aponta para as Diretrizes Nacionais da Formação
de Professores, bem como para a importância de se garantir conteúdos específicos da
área ou interdisciplinares de modo a contemplar temas como diversidades de gênero,
étnico-raciais, religiosas, etc. As conclusões do relatório entendem que os docentes são
atores essenciais para uma resposta eficaz no combate às desigualdades, discriminações
e violências que vivemos no presente, e que desenvolver uma ação crítica sobre o
conteúdo dos materiais pedagógicos e mensagens que reforçam preconceitos e
estereótipos é uma exigência precisa ser incorporada na formação de docentes da
educação básica. Elas apontam para a necessidade de fomentar os aspectos político e
social de tais debates nos espaços acadêmicos, inclusive na perspectiva das
discriminações e violências.
Tais relatórios (UNESCO, 2014, 2017) são materiais importantes para pensar as
experiências das professoras pesquisadoras entrevistadas, pois valorizam as trocas de
diferentes experiências formativas e acadêmicas, elementos que potencializam o diálogo
em busca de práticas que possam consolidar a discussão de gênero na formação docente
inicial e representam, dessa forma, uma porta de entrada para abordar temáticas
vinculadas a discriminações, desigualdades e violências presentes no espaço educativo.
Experiências Docentes: Gênero para Combater as Desigualdades e
Violências
Com o propósito de conhecer mais e melhor as professoras participantes da
pesquisa, nos aproximamos das experiências vivenciadas e das lutas travadas para a
inserção de gênero no processo formativo docente. Nesse sentido, a pesquisa conta com
as contribuições dos estudos feministas e de gênero, para pensar as experiências
docentes. Gênero coloca-se como categoria útil de análise para pensar as relações de
gênero na universidade, porque se refere a um elemento constitutivo das relações
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, sendo a forma primária de significar
relações de poder. Portanto, é relacional, porque marca a experiência humana e as
relações sociais (Vianna, 2017).
O gênero informa sobre a vida social, e a distinção sexual é a forma principal
de diferenciação; a legitimação do gênero funciona de várias maneiras. Gênero, desse
modo, é um meio de decodificar o sentido e compreender as relações complexas entre
diversas formas de interação humana (Scott, 1998). Ele exige a análise não da relação
entre experiências masculinas e femininas no passado, mas também a ligação entre a
história do passado e as práticas históricas atuais” (Scott, 1998, p. 52). Trata-se de um
alerta para a necessidade de atenção aos sistemas de significados para ver como as
sociedades representam o gênero e o utilizam para articular regras de relações sociais
ou para construir o sentido da experiência (Scott, 1998).
Assim, a autora sinaliza que temos de tratar tanto do sujeito individual como
da organização social e articular suas inter-relações para compreender como funciona
o gênero. Por isso, importam as relações entre as experiências individuais, nesse caso,
das professoras pesquisadoras, e as do conjunto da organização social, a universidade,
para entender, através das lutas travadas para a legitimação de gênero no currículo, as
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negociações e as contribuições para pensar projetos políticos de curso, que abarquem
gênero como uma categoria a ser considerada, como compromisso e reconhecimento
das desigualdades sociais. Podemos apreender a experiência como processos pelos
quais sujeitos são criados, e as situações e posições que são conferidas aos sujeitos ao
longo de sua história. A experiência
[...] é uma parte tão integrante da linguagem cotidiana, tão imbricada
em nossas narrativas que parece fútil argumentar em favor de sua
expulsão. Ela serve como uma forma de falar sobre o acontecido, de
estabelecer diferença e similaridade, de postular o conhecimento que
é inatacável (Scott, 1998, p. 324).
Ao longo desta pesquisa foi possível ouvir as experiências e as histórias das
professoras, a partir de memórias construídas na vida pessoal e coletiva. Nesse sentido,
podemos compreender a experiência como
[...] matéria-prima da vida coletiva e da vida pessoal, que se
produz a partir de lembranças, muitas vezes não conscientes, que
aparecem na memória. Esta experiência, pessoal e coletiva,
constituída por essa rememoração tem a potência de movimentar a
vida e o mundo a história (Mendonça, 2020, p. 21).
Para além disso, ela pode ser uma importante ferramenta para pesquisa, pois,
segundo a autora, carrega em si a potência de transformar o mundo, de desalienar a
consciência e de sair da servidão voluntária.
A estratégia metodológica da pesquisa, que focou nas experiências e nas
narrativas das professoras pesquisadoras participantes, trouxe importantes possibilidades
de análise e compreensão sobre os processos e os desafios de inserção de gênero na
formação docente inicial nos cursos de Pedagogia. O ato de poder falar de si, de narrar
seus percursos, assim como rever os processos vivenciados, possibilitou às professoras
feministas pesquisadoras atribuírem, e compartilharem, significados à pesquisa. Suas
narrativas mostram que gênero é um campo que ainda se consolida e busca
legitimidade na formação docente. Trata-se de um espaço de disputa, no qual estas
professoras vão provocando, questionando, incomodando e dando visibilidade, a fim
de promover práticas educativas emancipadoras de gênero.
As análises revelam como a inserção da temática tem sido realizada com muitos
esforços, por estratégias e iniciativas individuais, considerando que os cursos em que
essas professoras atuam ainda não abarcam gênero como obrigatório no currículo. Elas
encontraram brechas institucionais que permitem oferecer os estudos de gênero por
meio de disciplinas optativas e eletivas, ou transversalizando os debates nos conteúdos
de disciplinas obrigatórias que ministram:
Essa disciplina não poderia ser oferecida esporadicamente, de modo opcional
como eletiva, deveria fazer parte do projeto político pedagógico do curso e ser
obrigatória. Deveria ser oferecida como uma carta de intenções da nossa
universidade à sociedade, de comprometimento com a igualdade de gênero,
com o término da violência contra a mulher e com a igualdade com todas as
pessoas e, portanto, com a democracia (Entrevista com a professora
Virginia Woolf).
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Na medida que tenho horário disponível que eu oferto. Então essa é a questão,
ela não é uma disciplina obrigatória. Temos a perda de não ter uma disciplina
obrigatória. Isso não garante que todos que saem do curso, passaram por essa
disciplina. Por mais que a gente lute e se esforce ofertar sempre que possível,
para mais pessoas poderem usufruir das discussões, isso não garante
(Entrevista com a professora Frida Kahlo).
Na formação inicial, não ocorre a implementação devida e há descontinuidades
nas políticas, como destacam as professoras ao ressaltar que os regimentos, as leis e as
políticas públicas são marcos importantes na efetivação de gênero no currículo. Elas
alertam ainda para o perigo de soluções paliativas, como as propostas de abordar a
temática por meio de seminários ou outros formatos esporádicos, medidas que tentam
sanar esta lacuna, mas revelam o status ainda secundário da temática e a falta de
obrigatoriedade do debate:
Ninguém vai defender que curso de Pedagogia, não tem que estudar
metodologia de ciências [], mas, quando se trata da discussão de gênero,
ouvimos “não pode ser um tópico na ementa?”, não pode ser discutido na
forma de seminários?” Então é uma questão supérflua? Gênero ainda
enfrenta muitas disputas (Entrevista com a professora Leila Diniz).
Quando eu coordenei o curso de Pedagogia e insisti em colocar uma
disciplina gênero na educação, aí me jogaram para uma eletiva, optativa, por
conta da falta de espaço no currículo, enfim, eu fiquei muito irritada
(Entrevista com a professora Patrícia Galvão).
A insistência pela criação de espaços de inserção do debate de gênero na
educação, e gênero enquanto um campo de disputa, revela as desigualdades presentes
no currículo, que ainda não deu conta de incorporar em seu escopo uma discussão que
atravesse a formação docente inicial. As professoras pesquisadoras apontam para os
argumentos que tentam impedir a inclusão de gênero como uma disciplina presente no
Projeto Pedagógico do Curso, ou tentam colocar o debate em outros formatos esporádicos,
supérfluos, com a sugestão de seminários. As experiências revelam uma grande resistência
por parte da equipe docente de se comprometer com a importância da temática,
utilizando diferentes argumentos para não incluir gênero, preocupação que parece ter
centralidade para as professoras pesquisadoras e não no projeto político da instituição:
Eu que dei o nome da disciplina, criei a disciplina como optativa, depois eu
fiquei insistindo em reunião de departamento colocando como ponto de
pauta para ela virar uma disciplina eletiva e entrar no Projeto Pedagógico
do curso. Teve um professor que me disse: “você vai embora e o que
acontece?” (Entrevista com a professora Virginia Woolf).
Tem gênero porque eu estou lá. Vejo que é assim, quando tem alguém que
está atuando nesse campo temático, consegue provocar essa discussão. Se
não tem alguém nesse campo temático a discussão desaparece. Não há uma
preocupação teórica dos cursos de Pedagogia, não essa preocupação
teórica colocada. Ela é assumida, ela é problematizada, ela é considerada,
quando alguém que venha deste campo e movimenta (Entrevista com a
professora Leila Diniz).
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A defesa da temática por parte das professoras pesquisadoras as coloca em um
contexto de disputas para garantir essa discussão no currículo, exigindo a construção
de muitos e bons contra-argumentos para garantir a inserção da temática. A prevenção
da violência de nero é um dos argumentos para apoiar a implementação de
iniciativas educacionais relacionadas às diferenças de gênero. Incluir gênero na
formação docente inicial envolve questionar também as marcas de violência, da
reprodução de preconceitos e discriminações no contexto das relações na universidade.
Este não seria realmente um objetivo tão importante se a gravidade do fenômeno não
fosse reduzida e negada pela onda de conservadorismos que vivemos, por exemplo,
ao julgarem os dados sobre feminicídios não confiáveis ou argumentarem que os
termos da questão foram agora invertidos e que são os homens o objeto de violência
de gênero (Poggio, 2015).
Olhar para os constrangimentos, discriminações e violências de gênero no
contexto universitário, ao longo do processo formativo, também se mostrou relevante
quando tratamos das experiências e narrativas das professoras pesquisadoras sobre
gênero. As várias formas de violência, física, verbal, sexual, psicológica, não ocorrem
isoladamente e podem estar presentes na experiência formativa no contexto da
universidade. As professoras pesquisadoras revelam a necessidade de combater as
diferentes situações de enfrentamento, como, por exemplo, as negociações para a
inserção de nero no currículo, com argumentos, estratégias, planejamento e lutas
contra a invisibilização do campo em que atuam, contra a segregação, o sexismo, o
machismo e o patriarcalismo.
As experiências e narrativas das professoras pesquisadoras descortinam
também os estereótipos e preconceitos reproduzidos dentro do espaço da universidade.
Diante das violências no contexto universitário, trotes, homofobia, lesbofobia e
discriminação de gênero e até abusos sexuais e estupros dentro desse espaço, as
professoras pesquisadoras trazem relatos muito importantes, que mostram o perigo de
a violência estar sendo silenciada não somente no âmbito privado, mas também em
nível institucionalizado no contexto universitário:
Na universidade no ano passado teve o estupro de uma jovem. O trote também é
extremamente violento, sexista, homofóbico, e a universidade não quer olhar, ela faz um
silêncio para aquilo que está berrando o tempo todo. Hoje, eu coordeno uma pesquisa
quantitativa na universidade sobre violência de gênero no ambiente universitário. Fiz
em parceria com uma outra professora, daqui do estado, tem dados que a gente não
supõe, como a violência, onde ela acontece, a sutilidade. É bem interessante. Então como
eles gostam de dados quantitativos, mando dados quantitativos, vão entender e vão
interpretar esses dados (Entrevista com a professora Leila Diniz).
Teve um trote aqui chamado “Caloura cara de sapatão” e como resposta eu fiz a reitoria
se retratar, fazendo uma campanha de visibilidade lésbica, eu fiz a campanha e a reitoria
assumiu [seu erro] (Entrevista com a professora Virginia Woolf).
A questão da violência precisa ser problematizada, a fim de se construir
estratégias e meios para interromper essas práticas discriminatórias e violentas.
Percebemos a carência de debates que tratem dessa questão, acendendo um alerta para
que a violência na universidade seja observada com mais atenção. Ana Buquet Corleto
(2020) traz contribuições importantes para pensar a universidade, com iniciativas contra
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as violências de gênero nesse contexto, e propõe institucionalizar e transversalizar a
perspectiva de gênero em três eixos: regulações, estruturas e políticas públicas no
ensino superior. Ela também sugere que as instituições educacionais teriam de elaborar
suas normativas com base nos padrões nacionais e internacionais de direitos humanos
e igualdade de gênero, além da criação de regulamentos específicos para promover a
igualdade de gênero nas comunidades e outros espaços, para abordar, investigar, punir
e erradicar a violência de gênero. Estas são ações que extrapolam o debate da inclusão
de gênero na constituição das matrizes curriculares, mas estão no campo das relações e
ações tão relevantes para este debate que trata da formação docente.
As experiências das participantes também apontam algumas direções
possíveis para o debate sobre a violência de gênero nas universidades, revelando que
o espaço da docência não pode invisibilizar situações de abuso ou constrangimento
de gênero. Isto é, falar sobre gênero no processo formativo docente configura-se como
um desafio bastante inquietante diante desse momento de despolitização da educação,
de conflito em torno dos direitos, entendidos como uma ameaça, e de reformas
educacionais sob tensão.
As narrativas das professoras pesquisadoras trazem suas respostas diante do
atual contexto político, que exige enfrentamento. Os resultados revelaram como seus
grupos e os núcleos de pesquisa têm sido aliados nesse processo, com atividades de
pesquisa e de extensão, que se refletem em proposições e organizações de comissões e
grupos de enfrentamento às violências, em campanhas e redes, que ajudam a retirar da
invisibilidade tais problemas e buscam a criação de medidas institucionais de
eliminação das desigualdades:
O campus recebeu denúncias aqui na região meu professor assediador, citaram a
unidade daqui do campus. Ao vir de fora para dentro, a questão sensibilizou o diretor
do campus, que me chamou e falou a gente tem que fazer alguma coisa e falei então
vamos pensar no observatório de violência de gênero, vamos fazer uma comissão com
estudantes, professoras. Olha, para você ver a importância, são duas professoras
colaboradoras que estão indo pra comissão, professora efetiva não vai para comissão,
ah, discutir isso []’ (Entrevista com a professora Leila Diniz).
Tem que ter procedimentos internos e regulamentos. Eu não fico só com a punição, eu
acho que tem que ter ação educativa, mas a punição é importante. Nossos assediadores
têm que ser punidos, porque senão eles vão fortalecer a violência. Então a universidade
institucionalmente, só se preocupa quando algum caso grave se torna público, o que eu
lamento. A gente devia olhar internamente para isso que está acontecendo, e todo
mundo finge que não vê, finge que não ouve, porque a violência tende a se agravar
(Entrevista com a professora Leila Diniz).
Diferentes ações vão sendo construídas diante da possibilidade de se tirar da
invisibilidade, desconstruir e problematizar os contextos de violências, como uma
violação dos direitos de estudantes ou docentes, que impeçam a capacidade coletiva de
alcançar uma educação de qualidade. As professoras deixam um alerta para que a
violência na universidade seja observada e problematizada com mais atenção:
As relações de gênero vividas dentro da universidade são extremamente conservadoras.
Nós tivemos dentro da universidade, um grupo que estudava a violência de gênero,
elaborava cartazes e outras ações. Os alunos até tiravam sarro, mas nós não deixamos,
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não desistimos, aos poucos conseguimos visualizar mudanças. Normalmente as
meninas são as primeiras a tentar questionar. O gênero briga o tempo todo ali dentro
(Entrevista com a professora Patrícia Galvão).
Então, a gente tem que ter campanha. Se a gente não mudar e não expuser as figuras a
violência vai se perpetuando. Começamos a expor as pessoas que eram contra a campanha,
que debochavam da campanha lésbica, que eram misóginas. Aquele professor lá? Que
fica assediando as alunas dentro do gabinete? [...] Meses depois o professor foi mandado
embora, porque assediava alunas (Entrevista com a professora Virginia Woolf).
As falas também apontam algumas direções possíveis para o debate sobre a
violência de gênero nas universidades, revelando que o espaço da formação docente na
universidade não pode invisibilizar situações de violência de gênero. Diante das
violências vivenciadas no contexto universitário, as professoras pesquisadoras revelam
também suas estratégias, perspectivas e formas de intervenção, a partir de pesquisas e
campanhas de conscientização. Trata-se, portanto, de engajamentos e ações políticas
importantes que contribuem de forma significativa para o combate a várias formas de
violência praticadas nas universidades. Nesse sentido, as professoras pesquisadoras
também procuram manter a função social da universidade, uma vez que estão
comprometidas em salvaguardar os direitos humanos, negligenciados pela universidade,
que silencia ou não trata como demandas a discussão e resolução das violências.
Suas experiências revelam a necessidade de um projeto de educação que
conecte teoria e prática, fundamental para desconstruir os discursos de misoginia,
atento a supostas subversões de valores, de conceitos, envolvendo um complexo
processo formativo subjetivo e profissional. Suas experiências nos mostram ainda que
é preciso pensar uma pedagogia crítica, que desafie as relações hierárquicas de gênero
dominantes, isto é, uma pedagogia com caráter político de emancipação, que questione
a construção de um conhecimento supostamente neutro e natural (Brunila, 2019), que
possa, assim, transformar as relações sociais desiguais e servir de instrumento de
resistência para o campo educativo.
A cultura institucional das universidades tem significados tradicionais
profundamente ancorados, em que o masculino e o feminino se opõem através das
disciplinas do conhecimento, hierarquias, espaços, etc. Corleto et al. (2013)
compreendem que um cenário de muita desigualdade na universidade, em que
homens e mulheres desenvolvem papéis diferenciados, e, nesse sentido, as instituições
de ensino superior são reprodutoras de uma organização hierárquica em que os homens
estão “acima” das mulheres e isso se sustenta com a divisão sexual do trabalho, com a
avaliação diferenciada das disciplinas, que se refletem também na pesquisa, como nos
indica a professora Patrícia Galvão ao compartilhar conosco o questionamento
recebido: “Você pesquisa mulheres?”
Ana Buquet Corleto (2020) defende os estudos de gênero como uma
contribuição inovadora para as instituições de ensino superior. Além disso, destaca que
uma das contribuições do feminismo se concentra na potencialidade do conceito de
gênero para analisar e compreender as desigualdades entre homens e mulheres,
servindo como fonte fundamental para a implementação de políticas públicas. A autora
sugere ainda que as universidades deveriam ter entidades acadêmicas especializadas
em estudos de gênero para pensar os problemas sociais que requerem atenção das
políticas públicas, entre outras dimensões.
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Assim, a promoção da igualdade de gênero, bem como a eliminação das
violências, requer estruturas especiais: para que as universidades possam promover a
igualdade de gênero e erradicar a violência, precisam contar com instrumentos
específicos para prevenir, atender, punir e erradicar a violência de gênero, que devem
ser autônomos para que se tenha possibilidade de operacionalizar a política
institucional de gênero em sua comunidade.
Considerações Finais
Os movimentos antigênero no Brasil geraram impactos significativos na
educação, mobilizaram discursos antifeministas e cis-heteronormativos que se refletem
no processo de formação docente. Se, por um lado, foi possível observar tentativas de
silenciamento e um clima de tensão e indignação envolvendo o debate de gênero, por
outro, o debate aparece ainda como mais profícuo, porque as relações e conflitos de
gênero estão recebendo atenção, de modo a suscitar questionamentos de certezas e
promover debate, desvendando gênero como elemento fundante nos processos
formativos docentes. As vozes das professoras pesquisadoras destacam a potência de
uma Pedagogia Crítica Feminista, que tem um papel central na construção de formas
de contrapolítica. As reflexões podem nos apontar a importância do feminismo
universitário para a construção de uma universidade responsável, comprometida com
a democratização, equidade, justiça social, que desenvolva pesquisas analisando a
persistência da discriminação de gênero e sexual, promovendo redes, estratégias e
diretrizes para combatê-la.
As experiências e narrativas docentes nos ajudaram a construir um olhar
analítico para enxergar as diferenças sociais e também o processo histórico de
construção e reprodução das desigualdades de gênero, o que pressupõe questionar as
hierarquias e os valores de superioridade e inferioridade, ainda presentes em espaços
educacionais e políticos como a universidade. Assim, “A diferença protege nossas
características identitárias, enquanto que o direito à igualdade protege os indivíduos,
cujas características são motivos para exclusão e discriminação” (Unbehaum, 2014, p. 16).
As temáticas de gênero ocupam espaço na universidade em virtude de
professoras pesquisadoras feministas provocarem os deslocamentos nas instituições,
contrapondo-se a paradigmas tradicionais nesses espaços, que muitas vezes são
reprodutores de estereótipos, perseguindo estratégias de implementação de gênero e o
compreendendo como algo imprescindível na formação do/a futura/o formador/a,
como um modo de abalar os pilares do androcentrismo, para uma educação crítica e
igualitária. Suas vozes ecoam ao falar sobre as contradições e tensões existentes nas
sociedades e, consequentemente, nos cursos em que estão envolvidas, potencializando
transformações nos espaços que ocupam dentro da universidade.
As possibilidades para pensar-se diante de gênero, como uma orientação e
estratégia para a educação, a partir das experiências e narrativas destas professoras
pesquisadoras, ajudam a problematizar as desigualdades e valorizar as diferenças dentro
do contexto formativo docente, pensando também em diálogos entre as pesquisas de
educação e o campo de gênero no âmbito acadêmico. Os debates de gênero atrelados às
desigualdades, às violências contra a mulher e contra pessoas LGTBQIA+ revelam
problemas ainda não internalizados pela conscientização social e educacional, havendo,
com isso, uma tentativa de anulação desses debates nas instituições de educação.
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Os espaços formativos podem ser lugares importantes para que a educação
possa reagir, com o objetivo de alertar para a responsabilidade e para o compromisso
da construção de processos educativos livres de estereótipos de gênero. “O ato de
educar não é desprovido de intencionalidade política, seja para a submissão ou para
emancipação humana” (Silva; Faria; Finco, 2019, p. 66). Portanto, a questão da educação
e do posicionamento político torna-se mais complexa e urgente. Neste sentido, pautar
a conquista de direitos a partir dos direitos humanos é uma das questões centrais com
vistas à proteção do direito à vida, dados os altos índices de feminicídio e violência de
gênero, que trazem a urgência da perspectiva feminista para a formação docente.
As experiências dessas mulheres convidam-nos a refletir sobre as disputas no
contexto universitário, no espaço do currículo e na institucionalização de gênero, que
se mostraram acirradas, envolvendo múltiplos sujeitos e narrativas. Elas nos fazem
enxergar os desafios ainda imensos que estão pela frente quanto à institucionalização
do campo, pois é de extrema relevância legitimar o debate de gênero no interior da
academia, não no campo específico feminista, privado, mas no contexto geral do
ensino superior, como uma forma de não negligenciar as opressões e violências
estruturais contra as mulheres e outros grupos marginalizados, e como forma de
compromisso com a democracia, contribuindo assim para o debate teórico na
construção de alternativas no espaço da universidade.
Diante desta complexidade, essas mulheres colocam-se em meio à disputa, não
só no âmbito do currículo, mas como uma forma de institucionalizar gênero, como uma
política institucional, que lança mão do compromisso com o reconhecimento e a
eliminação das desigualdades na nossa sociedade, através de uma construção a partir
da epistemologia feminista e de gênero para os cursos de formação docente. A discussão
sobre formação inicial não é simples, ainda mais quando envolve pensar um currículo
para profissionalizar com autonomia e capacidade crítica (Unbehaum, 2014).
As contribuições dos Estudos Feministas e Estudos de Gênero revelam-se como
poderosas ferramentas teóricas, políticas e educacionais para auxiliar no reconhecimento
das desigualdades sociais e no combate às violências, para subsidiar os debates
necessários e urgentes na formação docente. Pensar na perspectiva histórica feminista
e na inclusão de gênero na formação docente inicial coloca-nos muitos desafios diante
do questionamento sobre a construção do conhecimento tomado como neutro e natural
na sociedade, uma vez que a naturalidade pode esconder processos históricos e sociais
que demandam problematizações, deslocamentos e rupturas para transformar a realidade.
Educar para a igualdade de gênero e o combate à violência exige ações
articuladas de comunicação didática, educação e formação, ações de conscientização,
através da concretização de um projeto educativo que possa representar a base para a
construção de relações não discriminatórias entre homens e mulheres, a partir do
envolvimento das universidades nos cursos de formação voltados à sensibilização,
informação, prevenção e desenvolvimento do pensamento crítico.
Para finalizar, destacamos a relevância das instituições de ensino superior e o
processo de formação docente inicial como espaços potentes para as possibilidades de
rompimento de paradigmas ainda presentes em nossa cultura e sociedade. Abordar as
perspectivas críticas que incluam as lentes de gênero feministas na formação docente
significa refletir sobre as relações de poder em nossa sociedade, questionando o papel
social e político das universidades, problematizando e construindo estratégias
pedagógicas para combater as desigualdades e as violências de gênero.
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MEDIAÇÕES, Londrina, v. 29, n. 2, p. 1-20, mai.-ago. 2024 | e48937 18
Referências
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Acesso em: 15 abr. 2023.
*Minicurrículo das Autoras:
Amanda Rodrigues Duarte. Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Paulo
(2021). Professora de História na Rede Municipal de Educação de São Paulo. E-mail:
amandarduarte@prof.educacao.sp.gov.br.
Daniela Finco. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2010). Docente junto
ao Departamento e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
São Paulo. E-mail: dfinco@unifesp.br.
Editoras de Seção: Daniela Tonelli Manica, Orcid;
Martha Celia Ramirez Gálvez, Orcid.
Declaração de Coautoria: Amanda Rodrigues Duarte e Daniela Finco declaram que
a concepção da pesquisa é resultado do trabalho conjunto. Amanda Rodrigues
Duarte declara ter sido responsável pela coleta de dados, realização das entrevistas
e processamento do material”. As autoras declaram ainda que as análises e
interpretação dos dados bem como “a redação das seções internas ao texto” foram
levadas a cabo conjuntamente.
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Neste dossiê, reunimos estudos teóricos e empíricos sobre racionalidade neoliberal e processos de subjetivação atuais. Para apresentá-lo, discorremos inicialmente a respeito da ascensão do termo “neoliberalismo” e destacamos as formas predominantes de sua análise crítica (abordagens economicistas, neomarxistas, bourdieusianas e os chamados estudos da governamentalidade). Em seguida, lançando mão especialmente dos estudos da governamentalidade, apresentamos a origem intelectual do neoliberalismo e sua concretização histórica, para então evidenciar como ele se tornou uma racionalidade que institui processos de subjetivação específicos. Nesse sentido, destacamos a tese de que a competição e o desempenho, próprios da subjetivação contemporânea baseada no modelo empresarial, atuam como norma global desde Estados até subjetividades. Por fim, apresentamos as contribuições selecionadas para o dossiê.
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O neoliberalismo é um espaço de produção de subjetividade cujo eixo é a noção de capital humano. Considerando-se que, para o discurso neoliberal, a construção desse capital humano deve ter início na primeira infância, mostramos que, nesse contexto, a educação é entendida como um investimento destinado a hierarquizar e valorizar esse capital. Partindo dos trabalhos de Dardot e Laval, propomos estudar o impacto efetivo que esse modo neoliberal de entender educação tem no âmbito escolar, sublinhando seu vínculo com a proliferação de diagnósticos psiquiátricos na infância. Finalmente, analisamos de que modo esse processo de psiquiatrização dos sofrimentos psíquicos, e de apagamento de fatores e conflitos sociais, impacta na saúde mental das crianças quando elas fracassam no processo educativo.
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Esse trabalho pretende oferecer uma contribuição para a avaliação dos resultados da aposta feita por parcelas dos feminismos brasileiros em repertórios de participação mais próximos ao Estado e voltados à institucionalização de demandas. Para tanto, analisa: i) a criação e a expansão das instâncias governamentais e participativas responsáveis pela elaboração, coordenação e execução das políticas públicas especializadas para mulheres nos municípios brasileiros; ii) a relação entre a presença dessas instâncias no território e a oferta de políticas para mulheres e, finalmente iii) o tipo de associativismo que se engajou nas instâncias participativas dessa área de política. Os dados que embasam o trabalho são provenientes da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC/IBGE) e de informações coletadas junto às capitais sobre as composições dos conselhos municipais.
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Resumo O artigo é fruto de pesquisas realizadas entre os anos de 2010 e 2018 sobre os argumentos acionados em controvérsias públicas que vêm permeando o cenário político brasileiro, suscitadas por parlamentares ligados às bancadas religiosas. A reflexão volta seu olhar para o pânico moral criado em torno do Projeto Escola sem Homofobia, chamado de “kit gay” por seus detratores, a partir de 2011. Em seguida, acompanha os intensos debates desde 2013 - com o acionamento da terminologia “ideologia de gênero” - em torno dos planos de educação no país. Mais recentemente, acompanha o processo eleitoral para a Presidência da República, no qual o “kit gay” foi um dos principais artefatos da campanha do presidente eleito. Essas controvérsias se articulam em um cenário de fortalecimento de conservadorismos, cujos pontos de interseção são o confronto de moralidades em relação ao gênero e à sexualidade e a mobilização do discurso de defesa das crianças e dos adolescentes. A hipótese, assim, é que a infância e a adolescência se tornam pontos estratégicos para refletir sobre os processos de transformação por que passa a política sexual brasileira.
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Resumo Nos últimos anos, em diversos contextos nacionais, emergiram debates sobre o que grupos - religiosos e laicos - denominam de “ideologia de gênero”. Este artigo busca retraçar a genealogia desse termo para compreender a gramática política em que se insere. Com este objetivo, retoma textos que o definem já há 20 anos, mapeia onde ele emerge na América Latina e quando passa a ser acionado contra avanços nos direitos sexuais e reprodutivos. Demandas de direitos humanos têm sido interpretadas por empreendedores morais como ameaças à sociedade, engendrando, ao mesmo tempo, um pânico moral e um campo discursivo de ação.
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Resumo O presente artigo trata da memória construída acerca do Estado Autoritário brasileiro pós-1964. Há uma memória que se pretende oficial e que prima por não considerar a presença do povo brasileiro nos eventos, em oposição a outra leitura que considera a participação popular e o perverso trabalho dos que querem escamotear nossas lutas ao longo do tempo. Assim, este trabalho pretende assinar essa segunda memória com a possibilidade de uma “comemoração” nestes 50 anos de golpe de Estado, considerando os eventos que contribuem para virar a página destes tempos sombrios. A pesquisa refere-se, ainda, a encaminhamentos como o do Ministério Público Federal que, por meio da releitura da Lei de Anistia, aponta para a probabilidade de uma condenação dos torturadores em casos de sequestro forçado, mortes e desaparecimentos, durante o regime civil-militar vigente no Brasil entre 1964 e 1985. Abstract This article deals with the memory built on the Brazilian State Authoritarian post-1964. There is a memory that you want and press officer for not considering the presence of the Brazilian people in the events, as opposed to other reading that considers public participation and the wicked work of those who want to conceal our struggles over time. So sign it with the possibility of a "celebration" over 50 years of coup, considering the events that contribute to turning the page of these dark times. Refers to referrals as federal prosecutors who, through rereading of the Amnesty Law, points to the likelihood of a conviction of perpetrators in cases of forced abduction, killings, disappearances during the civil-military regime prevailing in Brazil between 1964 and 1985. Keywords: Celebration, Memory; continued Crime, Federal Public Ministry; prior censorship.
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
  • Comitê Nacional De Educação Em Direitos Humanos
COMITÊ NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: SEDH, ME, MJ, UNESCO, 2007.
A invenção da "ideologia de gênero": a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero
  • Rogério Junqueira
  • Diniz
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da "ideologia de gênero": a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista Psicologia Política, São Paulo, v. 18, n. 43, p. 449-502, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v18n43/v18n43a04.pdf. Acesso em: 15 ago. 2023.
História e memória do feminismo acadêmico no Brasil: o núcleo de estudos interdisciplinares sobre a mulher NEIM/UFBA (1983-2020)
  • Cecília M B Sardenberg
SARDENBERG, Cecília M. B. História e memória do feminismo acadêmico no Brasil: o núcleo de estudos interdisciplinares sobre a mulher NEIM/UFBA (1983-2020). Revista Feminismos, Salvador, v. 8, n. 3, p. 82-121, set./dez. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/42032/23894. Acesso em: 8 abr. 2023.