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CAPÍTULO 8
CRIAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE COLÔNIAS DA ABELHA JANDAÍRA (Melipona
subnitida) PARA USO NA POLINIZAÇÃO AGRÍCOLA E OUTROS FINS
Operária de jandaíra (Melipona subnitida)
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CRIAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE COLÔNIAS DA ABELHA JANDAÍRA (Melipona
subnitida) PARA USO NA POLINIZAÇÃO AGRÍCOLA E OUTROS FINS
Paloma Eleutério, Epiânia Emanuela de Macêdo Rocha, Dejaime Teóflo, Janaely
Silva Pereira, Arianne Moreira Cavalcante, Breno Magalhães Freitas
Resumo
Melipona subnitida é uma abelha nativa do Nordeste do Brasil e de suma importância ecológica e
econômica para essa região por gerar produtos utilizados e comercializados pelas populações locais,
além de ser responsável pela polinização de plantas do bioma Caatinga e várias espécies cultivadas,
especialmente em ambiente protegido. Porém, a baixa disponibilidade de colônias constitui o principal
entrave para o uso em larga escala dessas abelhas sem errão em programas de polinização agrícola.
Os métodos convencionais de multiplicação produzem poucas colônias por ano e não atendem a
demanda potencial. Aqui, apresentamos um método de multiplicação de colônias adequado quando se
precisa produzir grande número de colônias, seja com a nalidade da expansão de criatórios visando
a obtenção de maior renda com os produtos, venda de colônias, produção massal para o uso em
programas de polinização agrícola, ou reintrodução da espécie em áreas de conservação. Embora
o método tenha sido desenvolvido e testado apenas com M. subnitida, ele pode potencialmente ser
utilizado para qualquer outra espécie do gênero Melipona.
Palavras-chaves: criação de abelhas, manejo de abelhas, Melipona sp., meliponicultura, rainhas
virgens, manejo reprodutivo, potencial polinizador.
Introdução
Os meliponíneos ou abelhas sem errão constituem o único grupo de abelhas verdadeiramente
sociais do mundo, além das abelhas do gênero Apis. Elas ocorrem em regiões tropicais da Oceania,
Ásia, Árica e Américas divididas em 45 gêneros e 605 espécies (Engel et al., 2023). Dentre esses, o
gênero Melipona compreende em torno de 70 espécies, distribuídas na região Neotropical do planeta
(Figura 1). São abelhas pequenas, dóceis e bastante diversas, comumente criadas de orma racional,
pois produzem mel, pólen, resina, cerúmen e outros produtos de importância econômica.
O Brasil é detentor de aproximadamente 40 das espécies de Melipona, sendo, portanto, o país
que possui a maior diversidade de abelhas desse gênero, com destaque para a região Amazônica.
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Dentre as espécies que ocupam o território brasileiro, a jandaíra (Melipona subnitida Ducke, 1911)
ocorre naturalmente em grande parte do Nordeste do país sendo um dos poucos meliponíneos de áreas
semiáridas do mundo (Figura 1). Ela é uma das espécies mais criadas por meliponicultores dessa
região e essa popularidade se deve principalmente ao seu ácil manejo, boa produtividade, mel com
alto valor nutricional e comercial, com propriedades medicinais relatadas por povos tradicionais e
apoiada por estudos cientícos recentes (Bezerra et al., 2018; Felix; Freitas, 2021; Costa et al., 2023).
Figura 1 - Distribuição do gênero Melipona na Terra, compreendendo a região Neotropical do planeta, e a distribuição da
espécie Melipona subnitida, que ocorre naturalmente em parte do Nordeste brasileiro.
Além do valor dos produtos de suas colônias, a jandaíra é polinizadora de inúmeras plantas
nativas da sua região de origem, sendo agente importante para a manutenção da diversidade vegetal de
um bioma complexo como a Caatinga, único exclusivamente brasileiro e que cobre mais de 844.000
km2, equivalente a 11% do território nacional (BRASIL, 2024). Nessa ormação vegetal, a jandaíra
contribui com a polinização para a perpetuação de plantas com potencial econômico e toterápico, a
exemplo do angico (Anadenanthera colubrina Brenan), aroeira (Myracroduon urundeuva Allemão) e
guardião ou taiuiá (Cayaponia sp.) (Câmara et al., 2004). Por ser uma espécie com hábito de orrageio
generalista, essa abelha também visita e poliniza uma série de plantas silvestres de valor ornamental
ou importantes para manutenção do equilíbrio ecológico (Figura 2).
Na agricultura, a jandaíra mostrou-se uma eciente polinizadora de várias espécies cultivadas,
como pimentão (Capsicum annuum L.), berinjela (Solanum melongena L.), urucum (Bixa orellana
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L.), pepino (Cucumis sativus L.), goiaba (Psidium guajava L.), mirtilo (Vaccinum myrtillus L.), sális
(Physalis angulata L.) e girassol (Helianthus annuus L.), dentre outras (Alves; Freitas, 2006; Cruz et
al., 2005; Cruz; Freitas, 2013) (Figura 3). A espécie também demonstrou boa adaptação e eciência
quando utilizada como agente polinizador em cultivos protegidos, fato bastante positivo para o uso
de M. subnitida na polinização assistida (Cruz et al. 2004; Silva et al., 2005).
Figura 2 – Algumas espécies silvestres da Caatinga visitadas e polinizadas pela abelha jandaíra (Melipona subnitida
Ducke): a - guardião (Cayaponia sp.); b – salsa (Ipomoea asarifolia R. et Schult.); c – malva branca (Sida cordifolia L.);
d – jurema preta (Mimosa tenuiora (Wild.) Poir.).
O uso da jandaíra na polinização agrícola, no entanto, enrenta como principal obstáculo a baixa
disponibilidade de colônias para essa atividade. Embora essa abelha seja bastante criada no Nordeste
do Brasil, suas colônias são pequenas, com cerca de 700 (200 a 1200) indivíduos (Koedam; Contrera;
Imperatriz-Fonseca, 1999; Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade, 2021), e há a
necessidade de várias colônias por hectare para obter a quantidade de campeiras necessárias para a
polinização. Além disso, a criação de jandaíra normalmente é eita com o objetivo de produzir mel e
outros produtos da colônia. Mesmo quando a intenção é dividir as colônias para a venda, os métodos
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existentes não são ecientes e geram poucas colônias por ano, impedindo o desenvolvimento de um
mercado de aluguel ou venda de colônias para a polinização dirigida na agricultura. Sendo assim, o
presente capítulo se propõe a apresentar um método inovador de multiplicação de colônias, capaz de
permitir a produção de dezenas de novas colônias anualmente a partir de cada matriz, contribuindo
dessa orma para suprir o décit de colônias de M. subnitida, e potencialmente outras espécies de
Melipona, tanto para a polinização agrícola quanto para a expansão dos criatórios dessa abelha e
programas de conservação e reintrodução na natureza.
Figura 3 – Algumas espécies cultivadas polinizadas pela abelha jandaíra (Melipona subnitida Ducke): a – girassol
((Helianthus annuus L.); b – mirtilo (Vaccinum myrtillus L.); c – sális (Physalis angulata L.); d – urucum (Bixa orellana
L.).
Criação tradicional e manejo racional de Melipona subnitida
A exploração dos produtos de M. subnitida vem sendo realizada a muitos séculos, a princípio,
por etnias dos povos originários que habitavam a região Nordeste do Brasil, e posteriormente pelos
povos sertanejos ormados a partir da colonização do país. Essas populações coletavam apenas
o necessário atender as demandas alimentares de suas comunidades, e somente quando havia
necessidade, praticando um extrativismo sustentável (Imperatriz-Fonseca; Koedam; Hrncir, 2017).
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No entanto, com o decorrer dos anos, os produtos dessas abelhas despertaram interesse e
passaram a ser coletados das colônias naturais por sertanejos conhecidos como “meleiros”. Esses
coletores abrem os ninhos, retiram seus produtos, principalmente o mel e o cerúmen, e as deixam
expostas e vulneráveis à inúmeras ameaças que invariavelmente destroem essas colônias (Nogueira
-Neto, 1997; Cortopassi-Laurino et al., 2006; Imperatriz-Fonseca; Koedam; Hrncir, 2017). Além
disso, eles também danicam de orma irreversível as árvores que abrigam as colônias ou, na maioria
das vezes, as derrubam eliminando os locais necessários para a nidicação dessa abelha. Assim,
essa prática predatória, associada aos desmatamentos promovidos por uma série de razões (obtenção
de madeira, agricultura, pecuária, urbanização etc.), tem contribuído para o desaparecimento de M.
subnitida na maior parte do seu território de ocorrência natural. Porém, é importante ressaltar que
além de um contexto de educação ambiental insuciente, o extrativismo realizado pelos meleiros,
ocorreu e ainda ocorre, em meio à insegurança alimentar dado aos períodos prolongados de seca do
domínio da Caatinga. Apesar de um costume nocivo para o bem-estar das abelhas, se congura como
uma onte rápida de obtenção de produtos de qualidade como o mel, que pode ter uso na alimentação
da família ou servir como um item de troca ou venda, garantindo uma renda extra para os moradores
da região (Imperatriz-Fonseca; Koedam; Hrncir, 2017).
No entanto, nem todos os sertanejos que apreciam os produtos da jandaíra se tornaram meleiros.
Alguns passaram a ser criadores, retirando os troncos de madeira onde as abelhas nidicavam na
mata e levando-os para suas casas uma vez que facilitava o acesso aos ninhos quando fosse mais
conveniente e assegurava a posse das colônias. Esses troncos contendo os ninhos são chamados de
cortiço e não permitem manejar as colônias, sendo basicamente pendurados no alpendre das casas ou
abrigos próximos a estas e abertos para a coleta de mel quando se acredita que as abelhas armazenaram
certa quantidade desse produto (Figura 4a).
À medida que os anos se passaram, a criação de jandaíra oi se modernizando e ocupando
dierentes espaços, mudando dos cortiços para caixas rústicas estreitas chamadas de “nordestinas”
ou “caboclas” (Figura 4b), para nalmente, chegar às colmeias racionais como os modelos PNN e
INPA, propostos por Paulo Nogueira Neto (Nogueira-Neto, 1997) (Figura 4c) e o Instituto Nacional
de Pesquisa da Amazônia (Carvalho-Zilse et al., 2012) (Figura 4d), respectivamente. No entanto, a
meliponicultora nacional ainda preservava muitas tradições, a exemplo das que promovem ações
extrativistas danosas (Cortopassi-Laurino et al., 2006; Imperatriz-Fonseca; Koedam; Hrncir, 2017).
Dessa forma, a retirada predatória de colônias das matas ainda persistia como a principal maneira
para adquirir novas colônias de M. subnitida e de outras espécies de abelhas.
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Visando reduzir os danos causados ao longo dos anos, além de preservar as abelhas em seus
ecossistemas de origem, em 2004 surgiu a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente -
Conama Nº 346, que exige que as colônias mantidas e utilizadas para ns comerciais sejam obtidas
por meio da iscagem, utilizando ninhos-isca de orma adequada, ou através da multiplicação ou
propagação articial (Brasil, 2004). O surgimento dessa lei, somado ao maior acesso às inormações
do manejo dessas abelhas, oi capaz de reorçar a inserção de outros tipos de práticas, além das
extrativistas, no dia a dia dos meliponicultores. No entanto, a crescente demanda por novas colônias
associada à baixa taxa reprodutiva dos meliponíneos e pouca eciência dos métodos de multiplicação
articial, azem com que a extração clandestina de colônias silvestres continue sendo uma ameaça às
populações naturais dessas abelhas.
Figura 4 – Dierentes tipos de criatórios da abelha jandaíra (Melipona subnitida Ducke): a – cortiços rústicos em abrigo
de madeira e telha de barro; b – colmeias nordestinas em abrigo de alvenaria e telhas de barro; c – colmeias modelo PNN
em abrigo de alvenaria e telha ecológica; d – colmeias modelo INPA em galpão de madeira e telha biodegradável.
Métodos de multiplicação convencionais de colônias de jandaíra
A multiplicação de colônias de abelhas sociais ocorre naturalmente por meio da enxameação.
Esse processo reprodutivo costuma ser lento nas abelhas sem errão, e ocorre quando a população
cresce muito devido a um contexto favorável de disponibilidade de alimento no campo. Assim, a
rainha não consegue mais dominar toda a colônia. Então, parte da população sai em busca de um novo
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local de nidicação e ao encontrá-lo, o prepara com um pequeno estoque de recursos, como potes de
mel e pólen (Grüter, 2020). Em meio a esse processo, uma rainha virgem será escolhida para liderar
a nova colônia.
Na maioria das espécies das abelhas sem errão, essas êmeas reprodutivas (rainhas) são
geradas em realeiras, células bem maiores que as dos demais indivíduos, pois precisam comportar
mais alimento larval, necessário para produzir as novas rainhas. Assim, elas só são ormadas quando
há abundância de alimento e a intenção de enxamear ou substituir a rainha. Entretanto, em espécies
do gênero Melipona, como a jandaíra, a produção de rainhas virgens é constante e ocorre ao longo
do ano todo, porque o processo que determina a dierenciação das larvas em operárias e rainhas é
essencialmente genético (Grüter, 2020).
Observando esse comportamento natural dos meliponíneos, criadores e estudiosos
desenvolveram métodos de multiplicação articial visando obter novas colônias de abelhas sem
errão, sem retirá-las da natureza. Esses métodos, no entanto, geralmente usam bastantes recursos
(abelhas, avos, alimento etc.) da colônia-mãe, azendo com que a mesma só possa ser dividida uma,
no máximo duas vezes por ano, e não haja produção de mel a ser colhido. Em espécies cujas colônias
são naturalmente pouco populosas e vivem em ambientes com vários meses de escassez de alimento
no campo, como é o caso da jandaíra, a multiplicação das colônias por esses métodos é lenta e
pouco produtiva, podendo inclusive levar ambas à morte se não houver auxílio alimentar por parte
do meliponicultor.
Os métodos convencionais se baseiam basicamente na coleta de dois, três ou mais avos de
cria maduros de uma, ou várias colônias para minimizar o impacto da retirada sobre uma só colônia,
e colocá-los no ninho de uma colmeia vazia, adicionando ou não potes com alimento retirado de
outras colônias. Em seguida, essa colmeia é colocada no lugar da doadora dos avos de cria para
receber as abelhas campeiras e a colônia que estava naquele local transferida para longe (Bruening,
1990; Kerr; Zilse; Nascimento, 1996; Oliveira; Kerr, 2000). Uma variação na maneira convencional
de multiplicar colônias é a utilização de uma rainha já ecundada na montagem de um novo ninho.
Para realizá-la, é necessário que uma matriz orneça a rainha sogástrica mais algumas operárias
campeiras, e outra matriz seja responsável por doar discos maduros e recursos alimentares, como
potes de mel (Bruening,1990; Kerr; Petrere; Diniz Filho, 2001).
Outro método bastante utilizado pelos meliponicultores que utilizam as colmeias modulares
tipo INPA, conhecido como Método de Perturbação Mínima, consiste na divisão da colônia meio-
a-meio. Para dividir a colônia, basta trocar o módulo-ninho vazio da nova colmeia, com o mesmo
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módulo da colônia matriz, contanto que contenha discos com crias emergentes, e colocar a nova
colônia no local da matriz que é deslocada para um local aastado. No entanto, é necessário que a
matriz doadora esteja em ponto produtivo adequado, com o módulo a ser posicionado preenchido por
discos maduros (Kerr; Petrere; Diniz Filho, 2001; Villas-Bôas, 2012).
Todos esses métodos são baseados no ato de que a nova colônia ormada, apesar de não
ter uma rainha, possui avos de cria madura de onde em breve nascerão “princesas”, e uma delas
se tornará rainha e assumirá a liderança da colônia. Porém, toda nova colônia de abelhas do gênero
Melipona produzida através dos métodos convencionais, antes de se estabelecer e ter sua rainha
sogástrica, necessariamente passará por um processo que pode ser demorado: a eleição de uma nova
rainha virgem dominante. Isso ocorre porque o surgimento de várias “princesas” naturalmente gera
uma competição entre os indivíduos (Grüter, 2020). Dessa orma, à medida que vão emergindo, elas
disputam a atenção das operárias e apenas a rainha virgem considerada mais apta é escolhida, sendo
as demais normalmente mortas pelas operárias. Somente após eleita, a rainha virgem faz seu voo
nupcial e, se bem-sucedida, volta para iniciar sua liderança da colônia. No entanto, as rainhas virgens
que conseguem resistir a agressividade das operárias dentro da colônia, e fazer o voo nupcial, ainda
enrentam inúmeros desaos no ambiente, como encontrar machos sexualmente ativos, se orientar
corretamente para conseguir voltar para sua colmeia e, principalmente, evitar a predação por outros
invertebrados, como aranhas, ou ainda, aves e pequenos répteis (Figura 5). Várias não conseguem
retornar e as novas colônias não se estabelecem.
Figura 5 – Ameaça às rainhas virgens em voo nupcial: a – aracnídeo próximo à entrada de uma colônia de jandaíra
(Melipona subnitida) em espera por possíveis presas; b – indivíduos de M. subnitida, incluindo três rainhas virgens,
encontrados presos em teias de aranhas durante manejo cotidiado em meliponário.
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Embora todos os métodos citados sejam reproduzidos com requência entre os
meliponicultores mais experientes, dada a praticidade e eciência razoável, eles ainda esbarram em
limitações que precisam ser resolvidas quando se pensa em produção massal de colônias para uso
na polinização agrícola ou mesmo para o comércio dessas abelhas ou sua reintrodução em áreas de
conservação ou em processo de recuperação. Isso porque os métodos tradicionais produzem poucas
novas colônias, envolvem um alto uso de material biológico das matrizes doadoras, não garantem o
estabelecimento da colônia-lha, e ainda podem enraquecer a matriz caso não seja eito da maneira
correta. Havia, portanto, a necessidade de um método que contornasse esses problemas e que osse
capaz de produzir grande número de colônias por ano sem comprometer o bem-estar das colônias
do meliponário ou a produção de mel e demais produtos das abelhas. Assim, visando multiplicar M.
subnitida de forma racional, em tempo hábil e com menor uso de recursos biológicos, desenvolvemos
um método de multiplicação de colônias que se baseia no aproveitamento desse excesso de rainhas
virgens (Eleutério; Rocha; Freitas, 2022), e que apresentamos em maiores detalhes a seguir.
Método do aproveitamento do excesso de rainhas virgens em Melipona subnitida
O método de aproveitamento do excesso de rainhas virgens, como o próprio nome diz, se
baseia em azer uso das rainhas oriundas da produção contínua desses indivíduos nas colônias de
abelhas do gênero Melipona para obter novas colônias, ao invés de deixá-las serem eliminadas pelas
operárias. Em jandaíra, a produção das rainhas virgens representa 7 a 8% do total de êmeas geradas
a qualquer momento na colônia (Koedam; Contrera; Imperatriz-Fonseca, 1999). Isso signica que
pelos métodos de divisão convencionais, para cada cem células doadas para ormar uma nova colônia,
haverá a perda de 6 a 7 rainhas que poderiam ser aproveitadas na produção do mesmo número de
novas colônias.
Apesar da ideia de aproveitar essas rainhas virgens possa parecer até óbvia, ela não era ácil
de ser eita na prática pelo ato de que em toda colônia com uma rainha sogástrica exercendo suas
unções normalmente e sem a intenção de enxamear, as operárias prontamente tentarão eliminar
qualquer rainha virgem que venha a emergir. Sendo assim, toda vez que se tentava aproveitar mesmo
apenas uma ou outra dessas rainhas virgens, o resultado quase sempre era a sua morte. Nossos estudos
mostraram que o segredo está em dar chance para que cada nova rainha possa ‘quebrar’ essa vontade
das operárias de matá-la, permitindo que ela possa expressar o típico comportamento de dominância
sobre as operárias antes de ser morta.
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O método de aproveitamento do excesso de rainhas virgens (Eleutério; Rocha; Freitas, 2022)
pode ser reproduzido seguindo os passos abaixo:
1. Coleta-se discos emergentes (favos com abelhas próximas a emergirem), parte deles,
ou ainda rainhas virgens que emergem nas colônias e podem ser observadas durante os
manejos de rotina antes de serem mortas pelas operárias, e um grupo de operárias jovens
que contribuirão no cuidado com os indivíduos. A quantidade varia em unção do número
de novas colônias que se pretende fazer;
2. Divide-se esses favos ou rainhas virgens e operárias em pequenas quantidades (10 a
15 indivíduos) e acondiciona-se cada pequeno grupo em placas de Petri ou recipientes
de tamanho adequado ao tamanho das abelhas, que permitam a troca de oxigênio com
o ambiente. Esses recipientes devem estar orrados com papel toalha e uma porção
deste levemente umedecido com água limpa para que as abelhas lá depositem seu lixo.
Alimento energético e proteico (mel e pólen) deve ser oerecido à vontade. Recomenda-se
acondicionar os recipientes com as abelhas em estufa ou isopor, em local limpo, protegido
da luz e de inimigos naturais, mantendo-as em temperatura de 28 a 32ºC e umidade entre
70 e 80%;
Em caso de coleta de discos, aguarda-se a emergência de rainhas virgens (veja vídeo de
duas rainhas virgens recém nascidas em: https://abre.ai/jandairav1), marcando-as a seguir
no tórax com tinta atóxica e separando-as individualmente a m de evitar a competição
ou a escolha de uma rainha virgem pelas operárias e eliminação das demais (veja vídeo
desse comportamento, onde a rainha marcada de branco foi escolhida e anda livremente
na placa de Petri enquanto a rainha marcada de amarelo é atacada pelas operárias, em:
https://abre.ai/jandairav2). Cada rainha virgem é colocada em uma placa de Petri (90 x 15
mm) e provida de alimento conforme o item anterior, juntamente com um grupo de 10 a 30
operárias jovens ou recém emergidas, que serão responsáveis pelos cuidados e arão parte
da nova colônia (Figura 6).
As rainhas devem ser observadas quanto à expressão dos comportamentos normais, tais
como dilatar o abdome, correr ao redor e bater asas, girar sobre o próprio eixo e interagir
com as operárias por meio de trofalaxia (troca de alimentos e feromônios boca a boca),
ormação de corte e passar por sobre as operárias. Isso az parte do processo de dominação
das operárias e de deesa de possíveis ataques, e por isso o pequeno número de operárias
é muito importante para que a rainha virgem possa controlá-las. Caso ela seja exposta a
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muitas operárias de uma só vez, certamente não terá como se deender e será morta. Essa
ase de aceitação da rainha virgem pelas operárias é essencial para o estabelecimento da
utura colônia e garante o uso de êmeas reprodutivas saudáveis, porém é importante o
meliponicultor usar rainhas virgens de colônias ortes e bem adaptadas à região porque
as operárias são expostas a apenas uma rainha virgem, não podendo escolher a mais apta
entre várias, como ocorre na natureza;
Figura 6 – Arena de aceitação da rainha pelas operárias: uma rainha virgem (marcada em vermelho), 10 a 30 operárias
jovens ou recém emergidas, alimento (pólen e mel hidratado) e um pedaço de papel toalha umedecido com água para
servir de lixeira.
3. Quando a rainha virgem é aceita, ela passa a ser tratada com reverência pelas operárias,
aumentam as interações de troalaxia, as operárias passam a ormar corte com requência e
desparecem ou diminuem signicativamente as atitudes agressivas contra ela (Figura 7a,b;
vídeo em; https://abre.ai/jandairav3). Nesse momento, elas estão prontas para dar início a
uma protocolônia, isto é, uma unidade com um mínimo de recursos alimentares, cera, potes,
operárias e uma rainha virgem aceita que pode potencialmente se tornar uma colônia. Para isso
todo o grupo é transerido da placa de Petri para o ninho de uma colmeia racional. É importante
utilizar uma caixa limpa, e disponibilizar pequenas quantidades de recursos como cera, mel e
pólen, que podem ser oertados em potes naturais ou em alimentadores articiais. Nessa ase
é crucial atentar-se à quantidade dos alimentos evitando a exposição e consequentemente a
atração de inimigos naturais como orídeos. Deve-se dar preerência à escolha de colmeias do
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modelo INPA (15 x 15 x 7 cm), pois permitem maior acilidade de manejo e ornecem espaço
mais adequado ao pequeno núcleo de abelhas.
4. Para a ormação da protocolônia se deve transerir para o ninho da colmeia as operárias e
a rainha virgem aceita que estão na placa de Petri, e acrescentar mais operárias jovens ou
recém emergidas que ainda não voam, realizam atividades internas na colônia, e possuam
comportamento pouco defensivo, coletadas em colônias do meliponário, para totalizar uma
população inicial entre 50 e 60 operárias (Figura 8). Essa adição gradual de poucas operárias
a cada vez garante a segurança da rainha virgem pois ela já subjugou as que estavam com ela
anteriormente. A colmeia é mantida echada enquanto as abelhas se adaptam ao seu interior.
Figura 8 – Protocolônia de Melipona subnitida com operárias, rainha virgem aceita, e montada com baixo uso de recursos
das colônias do meliponário. Note alguns potes naturais de alimento e outros eitos a mão com cera de Apis mellifera. A
estrutura escura ao centro é cera de M. subnitida moldada em formato de disco como forma de oferecer esse recurso para
as abelhas ao mesmo tempo que estimula a construção das primeiras células de cria neste local.
Figura 7 – Comportamentos indicativos da aceitação da rainha virgem por parte das operárias: a – troalaxia, operária
alimentando a rainha virgem; b – operárias azendo corte à rainha virgem.
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5. Após a constatação da adaptação dos indivíduos na colmeia montada, com o uso dos
recursos oertados, construção de potes de cera e a rainha azendo sua dominação das
operárias (ver vídeo desse comportamento em: https://abre.ai/jandairav4), realiza-se a
liberação da protocolônia no meliponário para que a rainha possa eetuar o seu voo nupcial
(voo de cópula) (Figura 9a). Recomenda-se o uso de um pedaço de cera echando a entrada
da caixa, para que as operárias controlem o momento mais adequado para liberar a saída
da rainha virgem para o seu voo nupcial (Figura 9b). Sendo esse voo bem-sucedido e a
rainha voltando ao ninho acasalada, a protocolônia deve ser monitorada com frequência
buscando constatar o crescimento abdominal da rainha (sogastria) (Figura 9c), início da
postura da rainha (Figura 9d) e o pleno estabelecimento da pequena colônia. Se desejável,
nesse momento pode-se realizar a troca da colmeia de lugar com uma matriz populosa
para acelerar o seu desenvolvimento, embora isso não seja necessário. Caso não haja a
troca, a caixa deve ser mantida echada, com o auxílio de uma tela de proteção na entrada,
deixando a protocolônia sem contato com o meio externo até que o processo de sogastria
da nova rainha possa ser nalizado, pois nesse momento de estabelecimento, a pequena
população está muito vulnerável ao ambiente e à invasão de possíveis inimigos naturais.
Figura 9 – Liberação das protocolônias de Melipona subnitida no meliponário para a rainha realizar o voo nupcial: a –
colmeias contendo as protocolônias colocadas no meliponário com a entrada fechada com cera; b – operárias removendo
a cera da entrada da colmeia para permitir o voo nupcial da rainha; c – rainha recém acasalada já apresentando início da
distensão dos urômeros (segmentos abdominais); d – Início da construção e aprovisionamento das duas primeiras células
de uma protocolônia.
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Nesse início do desenvolvimento das protocolônias é necessário atentar-se bem aos cuidados
de revisão e manutenção, especialmente em determinadas épocas do ano quando a atenção na
requência desses manejos deve ser redobrada. Os períodos úmidos e quentes são avoráveis a ataques
de inimigos naturais tentando invadir as colônias que ainda não possuem uma barreira de proteção
orte. Os orídeos, pequenas e ágeis moscas da amília Phoridae, especialmente aqueles da espécie
Pseudohypocera kerteszi (Enderlein, 1912), podem invadir a colmeia e depositar centenas de ovos
nos potes de alimento, parasitando e até destruindo as pequenas colônias (Figura 10a). Outro inimigo
bastante comum são as ormigas, que podem invadir e dizimar a população de uma protocolônia em
apenas uma noite, incluindo sua rainha sogástrica (Figura 10b). Cupins, traças, e outras abelhas
também podem aproveitar a ragilidade deensiva inicial das protocolônias para saqueá-las. Também
evitar calor excessivo (veja vídeo das abelhas ventilando em: https://abre.ai/jandairav5). Mas, se bem
cuidadas, as protocolônias rapidamente se desenvolvem, podem ser abertas e se tornam pequenas
colônias autônomas e prontas para serem comercializadas ou incorporadas ao plantel do criador
(Figura 11a,b).
Figura 10 – Inimigos naturais podem comprometer o desenvolvimento ou eliminar as protocolônias de Melipona subnitida:
a – centenas de ovos de forídeo (Pseudohypocera sp.) depositados em pote de mel; b – rainha sogástrica morta em um
ataque de ormigas saraça ou sarará (Camponotus sp.).
Quando a intenção é aumentar o número de colônias da criação, um cuidado essencial ao utilizar
esse método é evitar aproveitar várias rainhas virgens de uma mesma matriz, sempre priorizando usar
rainhas virgens de dierentes colônias para assegurar uma maior variabilidade genética e prevenindo,
portanto, problemas com consanguinidade no plantel. Caso o objetivo seja a venda de colônias, é
possível aproveitar muitas rainhas virgens de cada colônia, desde que haja controle da liação e não
se venda colônias com rainhas-irmãs para o mesmo criador. Recomenda-se que as multiplicações
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sejam realizadas no período reprodutivo da espécie, de preerência naquela época do ano com maior
produção de machos, e que normalmente coincide com a maior disponibilidade de alimento.
Figura 11 – Desenvolvimento das protocolônias em colônias de Melipona subnitida: a – protocolônia em fase inicial de
desenvolvimento com potes de alimento e primeiro avo de cria ao centro; b – colônia estabelecida produzida pelo método
de aproveitamento do excesso de rainhas virgens.
A produção de novas colônias pelo método do aproveitamento do excesso de rainhas virgens
apresenta 36,7% de sucesso aos 54 dias após o início do processo (Eleutério; Rocha; Freitas, 2022),
ou seja, mais de um terço das rainhas aproveitadas são bem-sucedidas em estabelecer novas colônias
(Figura 12). Em números, isso signica que para cada 100 células de crias, das quais emergem sete ou
oito rainhas virgens, se consegue produzir três novas colônias, uma quantidade bem superior à obtida
pelos métodos convencionais.
Embora as colônias produzidas pelo nosso método tenham apenas 100 a 200 operárias após
as oito semanas necessárias para se tornarem independentes em comparação com as cerca de 200 a
250 da divisão de uma colônia orte usando métodos convencionais (Koedam; Contrera; Imperatriz-
Fonseca, 1999; Villas-Bôas, 2012), ele tem a grande vantagem de permitir que uma colônia matriz
possa produzir muitas novas colônias por ano. Além disso, ao contrário dos métodos tradicionais
que utilizam cerca de 30 a 50% de material biológico das colônias-mãe (Kwapong et al., 2010;
Villas-Bôas, 2018) e demoram mais para obtenção das novas colônias dado o tempo levado para
a emergência de rainhas virgens e posterior seleção pelas operárias (Wenseleers; Ratnieks, 2004),
nosso método proporciona a otimização do processo de obtenção de novas colônias aproveitando
rainhas virgens que normalmente seriam eliminadas, usa um mínimo de recursos e número gradual de
221
operárias das colônias-mãe sem comprometer seus potenciais produtivos e produz um maior número
de novas colônias em menos tempo.
Figura 12– Produção de colônia de Melipona subnitida pelo método de aproveitamento do excesso de rainhas virgens:
a – rainha virgem apresentada a um pequeno grupo de operárias em placa de Petri e induzindo a corte; b – dia 0: rainha
virgem aceita e operárias colocadas em um ninho com alimento e um favo falso de cera (protocolônia); c - dia 5 – rainha
acasalada inspecionando as duas primeiras células de cria sendo construídas (colônia inicial); d – dia 7 – seis células de
cria construídas; e – dia 14 – um pequeno avo de cria construído e iniciando um segunda avo em cima do primeiro; – dia
19 – um segundo avo de cria construído e vários potes de alimento; g – dia 19 – visão lateral dos dois avos construídos;
h – dia 24 – aumento dos avos e construção de mais potes de alimento; i - dia 31 – pequena colônia começando a crescer
mais rápido; j - dia 40 – mais avos e potes de alimento construídos; k – dia 46 – a colônia começa a construir o invólucro
de proteção do ninho; l – dia 54 – a colônia está estabelecida e pronta para viver de orma autônoma. Fonte: Eleutério;
Rocha; Freitas (2022).
222
No entanto, os resultados poderiam ser bem melhores, uma vez que a taxa de sucesso na
ase de aceitação da rainha pelas operárias e estabelecimento das protocolônias é superior a 80%.
Essa dierença considerável entre a taxa de rainhas aceitas e o número de colônias obtidas se dá
devido à grande perda de rainhas durante o voo nupcial, um problema conhecido da meliponicultura
e ainda não resolvido (Camargo, 1972; Menezes; Vollet-Neto; Imperatriz-Fonseca, 2013). A maioria
das rainhas ao saírem para seus voos nupciais são vítimas de ataque de predadores, não encontram
machos maduros sexualmente, perdem a orientação para voltar para suas colônias ou mesmo entram
em colônias diferentes das suas sendo mortas ou substituindo a rainha original daquela colônia em
um processo conhecido como parasitismo social (Wenseleers et al., 2011; Eleutério; Rocha; Freitas,
2022). Como resultado, a maioria das protocolônias é perdida devido ao não retorno da sua rainha
acasalada.
Uma alternativa foi investigar como realizar o acasalamento de forma controlado, permitindo
ao criador garantir a segurança da rainha e o seu retorno acasalada e sã para a sua protocolônia. Assim,
as protocolônias são produzidas conorme descrito anteriormente, mas após a rainha ser aceita, ao
invés dela ser liberada para realizar o voo nupcial no ambiente do meliponário sem qualquer controle
por parte do meliponicultor, ela é conduzida para um ambiente controlado, exposta a machos maduros
sexualmente e levada de volta em segurança para a sua protocolônia. Dessa orma, todas as perdas
devido ao acasalamento ao ar livre são evitadas e as taxas de sucesso sobem para mais de 80%.
Acasalamento controlado em Melipona subnitida
O acasalamento controlado em abelhas normalmente é utilizado como um recurso para
promover o melhoramento genético das colônias e na promoção da saúde e produtividade. Sua
importância reside na capacidade de selecionar características desejáveis para a criação de colônias
mais resistentes, produtivas e adaptadas ao ambiente circundante (Bueno et al., 2023).
No caso de abelha sem errão, o estudo pioneiro oi conduzido com a mandaçaia (Melipona
quadrifasciata) em pequenos núcleos de 10 x 10 x 7 cm, com uma rainha e um macho de 8 a 12 dias de
idade por vez. O acasalamento entre os indivíduos ocorreu em dois segundos, e o método oi utilizado
com sucesso chegando a produzir 20 colônias saudáveis (Camargo, 1972). Entretanto, após o relato
de Camargo (1972), poucos estudos publicados tiveram por objetivo investigar ormas de controle de
acasalamento adequadas a outras espécies de meliponíneos, ou validar o procedimento descrito para
M. quadrifasciata, provavelmente desestimulados pelo baixo sucesso. Um estudo recente utilizou a
abelha sem errão australiana Tetragonula carbonaria em dois tipos de métodos controlados para o
223
acasalamento, um deles utilizando a narcose por dióxido de carbono (CO2) sem qualquer resultado
positivo, e o outro, sem narcose, contendo a rainha virgem em uma pipeta cortada e expondo-a a
machos maduros, com aproximadamente 30% de sucesso na ecundação da rainha (Bueno et al.,
2023). Portanto, o acasalamento controlado em abelhas sem errão parece ser inuenciado por uma
série de atores que variam inclusive entre as espécies.
No caso da jandaíra, não há na literatura relatos de acasalamentos controlados. Após uma
série de experimentos, apresentamos a seguir um método bem-sucedido que consegue elevar a taxa
de sucesso do aproveitamento do excesso de rainhas virgens para mais de 80% (Eleutério et al., em
preparação).
O primeiro passo consiste no uso de indivíduos reprodutivos saudáveis e com a idade adequada.
A rainha virgem costuma estar apta para a cópula do 4º ao 16º dia após a sua emergência, no entanto
devido a particularidades de cada indivíduo, o mais recomendado é colocá-la para acasalar entre o 7º e
o 9º dia pós-emergência. Quanto aos machos, indica-se usar aqueles que estão em agregações naturais,
geralmente desidratando néctar (veja vídeo desse comportamento em: https://abre.ai/jandairav6), pois
há maior garantia em selecionar indivíduos maduros sexualmente (Figura 13). Em caso de ausência
dessas aglomerações, se deve selecionar machos emergidos do maior número possível de colônias
para assegurar uma boa diversidade genética e mantê-los connados até aproximadamente 20 dias
após a emergência, antes de colocá-los para copular.
A manutenção dos indivíduos deve ser em um ambiente limpo, longe de ormigas, ou outros
inimigos naturais e sob condições adequadas de temperatura, umidade e incidência solar, evitando
possíveis estresses que levem os animais ao óbito ou à não realização dos seus comportamentos
naturais. Como os machos são mais agitados, para evitar estresse no connamento eles necessitam de
espaços maiores que as placas de Petri usadas para as rainhas virgens. Portanto, devem ser mantidos
em potes plásticos de 250 ml preparados da mesma orma que as placas de Petri, inclusive com as
operárias de apoio como descrito anteriormente e ilustrado na gura 6. Porém, dierente das rainhas
virgens, vários machos podem ser connados em cada pote plástico.
As rainhas virgens a serem usadas, por sua vez, são aquelas mantidas nas placas de Petri e
já aceitas pelas operárias. Dierente de quando são deixadas para acasalar ao ar livre que a liberação
para o voo nupcial ocorre após a transferência de todos os indivíduos para a colmeia, no acasalamento
controlado as rainhas virgens são colocadas para copular antes dessa etapa, sendo levadas para a
colmeia juntamente com suas operárias somente após a conrmação da cópula bem-sucedida.
224
Figura 13 – Aglomeração de machos de Melipona subnitida: a – grande quantidade de machos sexualmente maduros
aglomerados em coluna do meliponários; b – detalhe de uma aglomeração de machos em um tronco de madeira; c –
machos de M. subnitida desidratando néctar, uma cena comum em aglomerações de machos dessa espécie.
Observamos que a jandaíra não acasala em pequenos recipientes como caixas, núcleos ou
potes plásticos, como observado por Camargo (1972) para M. quadrifasciata. Na verdade, o seu
acasalamento em ambiente connado só acontece em gaiolas redondas teladas de dimensões que
permitam o voo (diâmetro: 32 cm, altura da tela; 30 cm) e a expressão dos comportamentos sexuais
dos indivíduos reprodutivos, evitando estresses durante as tentativas e permitindo que o acasalamento
ocorra de orma o mais semelhante ao ambiente natural. É importante que a tela da gaiola seja de
malha pequena, impedindo a saída das abelhas durante o evento e, gerando, portanto, um ambiente
controlado.
Para a cópula, a gaiola deve ser colocada em ambiente semiaberto, ou seja, protegida do calor
direto do sol, mas com iluminação indireta importante para simular as condições naturais de campo
e permitir que as abelhas se orientem e se sintam estimuladas a acasalar. A rainha virgem deve ser
colocada com cerca de 10 machos (7 a 15) oriundos de dierentes colônias. Não se deve colocar só
um ou poucos machos, porque a interação e competição entre eles é importante para estimulá-los a
procurar copular com a rainha virgem. Por outro lado, também não se deve colocar muitos machos
porque vira conusão e o grande número de machos disputando a rainha virgem pode machucá-la
seriamente.
Tendo sido tomado os cuidados com o local da gaiola e a escolha de indivíduos maduros
sexualmente, um macho de M. subnitida começa a perseguir a rainha virgem, que por sua vez, exala
eromônios que comunicam a sua presença e o atraem (Figura 14a). O objetivo do macho é dominar
a rainha virgem, através da monta (Figura 14b), apertando seu corpo com as pernas dianteiras, e
utilizando as pernas traseiras para se posicionar sobre ela (Figura 14c). Quando o macho consegue
estabelecer o domínio sobre a rainha virgem, para que a cópula ocorra, ela precisa aceitá-lo (Figura
14d). A rainha virgem indica a aceitação do macho levantando o abdômen e colocando-o em posição
para que ele consiga se colocar da orma correta sobre ela, permitindo o encaixe dos órgãos sexuais
225
de ambos (Figura 14e). A cópula então ocorre de orma muito rápida, um a dois segundos, e o par
se desaz imediatamente com o macho e a rainha se aastando bastante um do outro (Figura 14,
veja vídeo da cópula em: https://abre.ai/jandairav7). Portanto, é necessário estar atento quanto às
observações, pois apesar do processo de dominação da rainha pelo macho demorar um pouco mais, o
momento da cópula pode passar despercebido.
Figura 14 – Acasalamento controlado em Melipona subnitida: a – macho persegue rainha virgem em gaiola de cópula;
b – ao alcançar a rainha virgem, o macho a monta com a intenção de dominá-la; c – macho usando suas pernas dianteiras
para apertar o corpo da rainha virgem contra a tela da gaiola e as pernas traseiras para se posicionar sobre ela; d – macho
posicionado corretamente sobre a rainha virgem, mas ela precisa aceitá-lo para que a cópula ocorra; e – rainha virgem
no piso da gaiola levantando o abdome em sinal de aceitação, o que permite o encaixe dos órgãos sexuais de ambos; –
momento da rápida cópula que dura apenas um ou dois segundos.
226
Caso a cópula não seja observada, ela pode ser conrmada vericando-se uma parte do
aparelho reprodutor do macho que ca acoplado na êmea, impedindo-a de acasalar de orma eetiva
com outros machos. Esse “plugue” deixado pelo macho na vagina da rainha após o acasalamento
costuma estar associado ao sucesso da tentativa (Veiga et al., 2022; Eleutério et al., em preparação).
Uma erramenta essencial para constatar o acasalamento é uma lupa de bolso com um bom aumento
que permita observar o “plugue” na parte posterior do abdome da rainha agora acasalada (Figura 15;
veja vídeo da rainha tentando tirar o ‘plugue” em: https://abre.ai/jandairav8).
Por esse método, a cópula é bem-sucedida em 59% das vezes que se coloca uma rainha
virgem de idade adequada, com a segurança de que tanto ela quanto as não acasaladas retornarão
para suas placas de Petri, e essas últimas poderão ser submetidas a novas tentativas posteriores.
Além de contornar o problema da grande perda de rainhas durante o voo nupcial a céu aberto, o
acasalamento controlado em connamento também permite a produção de novas colônias durante
todo o ano, mesmo quando há apenas alguns machos disponíveis, não dependendo mais da ormação
de agregações com grandes números deles, e a seleção de machos e rainhas virgens de colônias
geneticamente distantes para evitar problemas de endogamia.
Figura 15 – Rainha de jandaíra (Melipona subnitida) recém acasalada com destaque para o “plugue” (dentro do círculo
branco) deixado pelo macho após a cópula.
227
Após a observação do acasalamento, a rainha deve ser transerida para o ninho da colmeia
INPA (15 x 15 x 7 cm) para iniciar sua protocolônia. No ninho, além da rainha recém acasalada, deve
conter alimento (proteico e energético); suas operárias da placa de Petri, podendo ser adicionadas
mais algumas para ajudar na manutenção da protocolônia e nos cuidados com a nova rainha; e cera
para as operárias trabalharem na produção de estruturas essenciais à colônia. As operárias começarão
a fazer a corte para a rainha já acasalada (Figura 16a) e preparar o ninho da nova colônia, construindo
potes de alimento etc. É importante ressaltar que nessa ase a colmeia deve ser mantida echada por
uma tela sem contato com o meio externo até que o processo de sogastria da nova rainha possa ser
nalizado, porque a protocolônia ainda é muito vulnerável. A partir desse ponto, a rainha começa
a pôr ovos nas células construídas e aprovisionadas com alimento pelas operárias (Figura 16b), e a
protocolônia começa a construir seu primeiro avo (disco) de cria, que cresce rapidamente (Figura
16c,d,e). O meliponicultor então segue o procedimento já descrito anteriormente para o método do
aproveitamento do excesso de rainhas virgens e em poucos dias tem novas e fortes colônias (Figura
16f).
Figura 16 – Colônias de jandaíra (Melipona subnitida) produzidas pelo método do aproveitamento do excesso de rainhas
virgens e acasalamento controlado: a – corte de operárias à rainha recém ecundada; b – ovo posto pela rainha sobre
o alimento larval; c, d, e – crescimento inicial da protocolônia com a construção do primeiro avo de cria; – rainha
sogástrica sobre avo de cria nova em colônia plenamente desenvolvida.
228
Considerações nais
Os métodos convencionais de multiplicação articial das colônias de meliponíneos
representam a alternativa mais prática para a obtenção de novas colônias respeitando a lei brasileira
sobre o assunto, mas esbarram em limitações diversas, como o pequeno número de colônias produzidas,
a demora no processo e o comprometimento da produção de mel e outros produtos devido ao uso de
muitos recursos das colônias matrizes. Por outro lado, o método de aproveitamento do excesso de
rainhas virgens de forma isolada ou associada ao controle do acasalamento, apesar de exigir maior
cuidado inicial com as colônias produzidas tornando o processo menos prático do que as divisões
convencionais para criadores de poucas colônias, apresenta uma série de vantagens, além de utilizar
uma menor quantidade de recursos biológicos e favorecer maior gerenciamento dos indivíduos.
O método de aproveitamento do excesso de rainhas virgens é mais adequado quando se
precisa produzir grande número de colônias, seja com a nalidade da expansão de criatórios visando
a obtenção de maior renda com os seus produtos, multiplicação de colônias para venda, produção
massal para o uso em programas de polinização agrícola, ou reintrodução de espécie ameaçada em
áreas de conservação. É importante lembrar que nesse momento de mudanças climáticas que se
inicia, são esperados aumentos de temperaturas e das áreas semiáridas no Brasil, especialmente nas
regiões Norte e Nordeste, e as espécies já adaptadas à tais condições serão as que terão mais chances
de sobreviver e serem produtivas sob essas circunstâncias. Embora o método tenha sido desenvolvido
e testado com M. subnitida, ele pode potencialmente ser utilizado para qualquer espécie do gênero
Melipona.
A limitação do número de colônias de jandaíra, em particular, e outras espécies de Melipona
em geral, é hoje o principal entrave para o uso em larga escala dessas abelhas sem errão em
programas de polinização agrícola, sejam esses a céu aberto ou mesmo em ambientes protegidos.
Apenas métodos como o do aproveitamento do excesso de rainhas virgens e sua associação com
o acasalamento controlado, que possam produzir grandes números de colônias por ano, poderão
viabilizar operacional e economicamente a polinização assistida por M. subnitida e ouras espécies
deste gênero.
Agradecimento
Este capítulo é derivado em parte de um artigo publicado no The Journal oApicultural Research em
06 de setembro de 2022, copyright de The International Bee Research Association (IBRA), disponível
online em: http://www.tandonline.com/10.1080/00218839.2022.2110800
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