ArticlePDF Available

Nos emaranhados da experiência: anotações, rascunhos e imaginação para compreender o ambiente Moisés dos Santos Viana * e Rosane Meire Vieira de Jesus

Authors:

Abstract

Neste ensaio falamos em ambientes e agências e como eles se encontram, adversamente, no esteio da ideia corrente de transdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transgressão em fazer universitário que tende a ser disciplinar, monocrático e conservador, pois, a rigor, o dito acadêmico exige uma conceitualização do saber, no simulacro de se ter um ‘objeto de pesquisa’. Assim, nós queremos destacar que o fazer epistêmico é colonizado e seu poder é dado a quem tem poder e, portanto, ousamos caminhar sob labirintos, nas frestas, entre borrões de coisas não estabelecidas, às vezes negadas, mas potentes em criatividade e também imaginativas. Partimos de uma perspectiva reflexiva própria e apropriada e tendemos a apresentar provocações que possam contribuir com a discussão já bem estabelecida do pensamento sobre as relações humanas e não-humanas. Para tanto, passamos em revista o pensamento de Tim Ingold, antropólogo britânico que tem contribuído de forma importante para essa discussão na contemporaneidade. Finalmente, destacamos a dinâmica ensaística para pensar uma relação entre a epistemologia e o conceito de agência, tomando como desafio refletir sobre como os ambientes estão continuamente em formação devido às atividades das criaturas humanas e não-humanas; a evolução da forma é uma atividade situada destes seres; e que é nos emaranhados da experiência, notas, rascunhos e imaginação que compreendemos o ambiente.
Acta Scientiarum
http://periodicos.uem.br/ojs/acta
ISSN on-line: 1807-8656
Doi: 10.4025/actascihumansoc.v46i1.69256
CIÊNCIAS SOCIAIS
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Nos emaranhados da experiência: anotações, rascunhos e
imaginação para compreender o ambiente
Moisés dos Santos Viana* e Rosane Meire Vieira de Jesus
Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Av. Luís Eduardo Magalhães, 988, 48730-000, Conceição do Coité, Bahia, Brasil. *Autor para
correspondência. E-mail: mviana@uneb.br .
RESUMO. Neste ensaio falamos em ambientes e agências e como eles se encontram, adversamente, no
esteio da ideia corrente de transdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transgressão em fazer
universitário que tende a ser disciplinar, monocrático e conservador, pois, a rigor, o dito acadêmico exige
uma conceitualização do saber, no simulacro de se ter um ‘objeto de pesquisa’. Assim, nós queremos
destacar que o fazer epistêmico é colonizado e seu poder é dado a quem tem poder e, portanto, ousamos
caminhar sob labirintos, nas frestas, entre borrões de coisas não estabelecidas, às vezes negadas, mas
potentes em criatividade e também imaginativas. Partimos de uma perspectiva reflexiva própria e
apropriada e tendemos a apresentar provocações que possam contribuir com a discussão bem
estabelecida do pensamento sobre as relações humanas e não-humanas. Para tanto, passamos em revista o
pensamento de Tim Ingold, antropólogo britânico que tem contribuído de forma importante para essa
discussão na contemporaneidade. Finalmente, destacamos a dinâmica ensaística para pensar uma relação
entre a epistemologia e o conceito de agência, tomando como desafio refletir sobre como os ambientes
estão continuamente em formação devido às atividades das criaturas humanas e não-humanas; a evolução
da forma é uma atividade situada destes seres; e que é nos emaranhados da experiência, notas, rascunhos e
imaginação que compreendemos o ambiente.
Palavras-chaves: agências; experiência; emaranhados; Tim Ingold.
In the tangles of experience: notes, sketches and imagination to understand the
environment
ABSTRACT. In this essay we talk about environments and agencies and how they are, adversely, in the
mainstay of the current idea of transdisciplinarity, multidisciplinarity and transgression in university doing
that tends to be disciplinary, monocratic and conservative, because, strictly speaking, the so-called
academic requires a conceptualization of knowledge in the simulacrum of having a ‘research object’. Thus,
we want to emphasize that epistemic practice is colonized and its power is given to those who have power
and therefore we dare to walk under labyrinths, in the cracks, between blurs of things not established,
sometimes denied but potent in creativity and also imaginative. We start from a proper and appropriate
reflexive perspective and tend to present provocations that can contribute to the already well-established
discussion of thinking about human and non-human relations. To this end, we review the thought of Tim Ingold,
a British anthropologist who has made an important contribution to this discussion in contemporary times.
Finally, we highlight essayistic dynamics to think about a relationship between epistemology and the concept of
agency, taking as a challenge to reflect on how environments are continually in formation due to the activities of
human and non-human creatures; the evolution of form is a situated activity of these beings; and that it is in the
entanglements of experience, notes, sketches and imagination that we understand the environment.
Keywords: agencies; experience; entanglements; Tim Ingold.
Received on August 10, 2023.
Accepted on Mach 4, 2024.
Introdução
No tratado de Starobinski este aspecto aparece no ponto em que recorda a concepcão de Giordano Bruno, para quem
o ‘spiritusphantasticus’ mundusquidemet sinus inexplebilis formarum et specierum’ [um mundo ou receptculo, jamais
saturado, de formas e de imagens]. Pois bem, creio ser indispensvel a toda forma de conhecimento atingir esse golfo
da multiplicidade potencial (Calvino, 2002, p. 86-87).
Page 2 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Nossas pesquisas no campo das humanidades e ciências sociais aplicadas, a partir de 2014, no Território
do Sisal, no nordeste da Bahia, Brasil, se depararam com as questões das agências de múltiplos seres no
exercício do cotidiano das pessoas, no semiárido. Nos deparamos com relações estabelecidas entre plantas,
animais, paisagem, clima e o próprio território que se estabelece como agente qualificado determinante das
relações humanas e não-humanas. A nossa presença neste arcabouço de povoamentos de seres diversificados
nos provocou a um novo roteiro de pensamento, seja no campo teórico-metodológico, seja na perspectiva
ontológica-epistemológica. Ficamos mais atentos aos seres. Nos posicionamos e fomos levados a uma crise
existencial e ao mesmo tempo inovadora de pensamento, pois nos tirou do lugar de conforto de campos de
conhecimento consolidados e intercampo
1
estabelecido e reconhecido.
Passamos assim a nos perguntar naquele momento, ‘o que podemos fazer para compreender os
emaranhados dos seres em nossas experiências?’. Esse olhar  uma atenção, um procedimento metodológico
para percepção de estudos de pensadores que antes eram desconhecidos e que posteriormente formaram um
constitutivo de experiências de conhecimento. O fazer dessa experiência acadêmica nos desafiou em criticar
aspectos de uma epistemologia hegemônica da própria academia e que teima em ser colonial, branca e
eurocêntrica, na medida em que se arroga uma universalidade dentro de um conceito determinado de
humanidade: o que é sujeito, o que é objeto, o que é método.
Entretanto, esse olhar trespassado da academia, no convívio com o território, não significou abandonar
estradas percorridas, mas percebemos que podemos trilhar caminhos diversos: ‘don`t throw the baby out with
the bath water’. Ele nos significou o desafio do diálogo e da pesquisa, do conhecimento próprio e apropriado,
diálogo e desafios constantes, e referendou de elementos múltiplos para compreender as agências humanas e
não-humanas no ambiente que vivemos e sobrevivemos, suas relações e ligações físicas, biológicas,
biocognitivas e imaginativas (Ingold, 2011).
Esses diálogos significaram revisitar a filosofia, a antropologia e transitar no intercampo, e conhecemos a
literatura antropológica de Tim Ingold
2
, em seus projetos em propor uma espécie de hermenêutica das
relações entre seres. Mais do que tudo, ele nos propõe uma episteme das relações e das sensações,
compreendendo as malhas e composição de uma ontogênese, inclusive imaginativa para descrever e
compreender as relações que podemos chamar de linhas e não ter os agentes como pontos fixos, mas como
fluídos em seus papéis como seres em flutuações ontológicas (Ingold, 2012). De fato, isso é evidenciado em
uma atualidade de datificação, digitalização e economia do capitalismo de vigilância (Zuboff, 2018) em que
as grandes corporações aliadas ao capital financeiro internacional condicionam uma tendência ao
esvaziamento das relações com o mundo material e destruição ambiental a despeito da ecologia proposta por
Guattari (1990).
Nesse ensaio falamos em ambientes e agências e como eles se encontram, adversamente, no esteio da ideia
corrente de transdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transgressão em fazer universitário que tende a ser
disciplinar, monocrático e conservador, pois, a rigor, o dito acadêmico exige uma conceitualização do saber,
no simulacro de se ter um ‘objeto de pesquisa’. Assim, nós queremos destacar que o fazer epistêmico
colonizado e seu poder é dado a quem tem poder, e, portanto, ousamos caminhar sob labirintos, nas frestas,
entre borrões de coisas não estabelecidas, às vezes negadas, mas potentes em criatividade e também
imaginativas.
Assim, passamos a imaginar como há a geração do conheciment o e como: I) O conceito de sociedade
tem um processo histórico desenvolvido a partir de um pensamento metafísico, mas que não tem uma
perspectiva da sua própria história, circunstâncias que recebeu do passado; II) A questão da sociabilidade
como realidade que abrange seres humanos e não-humanos no processo de que se faz em uma malha de
1
Não se trata de um neologismo, sendo discutido em diversos estudos interdisciplinares González de Gómez (2007); Marteleto (2007). Ao pensar intercampo, trazemos à tona o
conceito de campo de pesquisa ou de conhecimento na esteira dos estudos de Pierre Bourdieu em Montagner e Montagner (2011). Remetemos-nos ao intercampo como junção ou
espaços não delimitados que se relacionam em diversos níveis epistemológicos e científicos, como intercampo da comunicação, i ntercampo das ciências humanas, intercampo da
saúde. Nesse propósito, usamos isso para nos localizar em nossas pesquisas, pois não nos localizamos em um campo de conhecimento disciplinar.
2
Following 25 years at the University of Manchester, where I was appointed Max Gluckman Professor of SocialAnthropology in 1995, I moved in 1999 to Aberdeen, where I established
the UK’s newest Department of Anthropology, as well as directing the University’s strategic research theme on ‘The North’ (2011-17). I have carried out ethnographic fieldwork among
Saami and Finnish people in Lapland, and have written on comparative questions of environment, technology and social organisation in the circumpolar North, as well as on the role
of animals in human society, on issues in human ecology, and on evolutionary theory in anthropology, biology and history. From there, I went on to explore the links between
environmental perception and skilled practice, with a view to replacing traditional models of genetic and cultural transmission with a relational approach focusing on the growth of
embodied skills of perception and action within social and environmental contexts of development. In my more recent research, I have pursued three lines of inquiry that emerged from
my earlier work, concerning the dynamics of pedestrian movement, the creativity of practice, and the linearity of writing. These all came together in a project funded by the UK Economic
and Social Research Council (2005-08), entitled ‘Explorations in the comparative anthropology of the line’. I have subsequently taught and written on a series of issues on the interface
between anthropology, archaeology, art and architecture. From 2013 to 2018 I directed the project ‘Knowing From the Inside: Anthropology, Art, Architecture and Design’ (2013-18),
with funding from the European Research Council. I retired from the University in 2018, but continue to research and write as an independent scholar (Ingold, 2023)..
Nos emaranhados da experiência Page 3 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
vida que abrange princípios de relações que não se abarcam em um olhar disciplinar, mas em uma
sociabilidade; III) As relações estão nas agências, mas se ampliam a partir de um processo de
interrelacionamento dos seres. Partimos de uma perspectiva reflexiva própria e apropriada e tendemos a
apresentar provocações que possam contribuir com a discussão já bem estabelecida do pensamento sobre
as relações humanas e não-humanas.
Nesse processo, nossa crítica passa à visão de que o despertar e a reflexão, o exercício da filosofia, a
dialética é um contínuo da vida teorética (bios theoretikós) e que aponta à uma epistemologia-antropologia-
‘metafísica’ que tenta responder ao problema do uno e do múltiplo, uma busca imperativa da realidade do
mundo pelo objeto investigado. Assim a metafísica é o nascedouro da episteme ocidental, inspiração para as
questões empreendidas por Descartes (1596-1650) nas suas sombras inspirada no mito platônico. A base da
pesquisa disciplinar é dicotômica e se radicaliza na invenção cartesiana do pensar subjetivo, um artifício
humano para poder entender os fenômenos como extensão e matéria. Ou seja, a natureza é objeto da ciência
e a interpretação desta (epistemologia) é tida para subjugar a natureza, a exemplo do pensamento de Francis
Bacon (Leitão, 2001).
Nossa abordagem trata, neste caso, sobre a crise atual dos par adigmas do pensamento ocidental
quando observamos os modelos escolares: criação, desenvolvimento e transmissão desses saberes e nos
damos conta de uma estrutura modelar cognitiva datada e geopoliticamente marcada no eurocentrismo
cartesiano que busca o entendimento dos recortes dicotômicos. O pensamento cartesiano tenta sintetizar
essa descoberta na clebre frase: ‘penso, logo existo’, resume a capacidade do ser humano de, em sua
existência, poder reconhecer-se em seu âmago racional e autoconsciente. De acordo com Russel (2001),
essa filosofia deixou marcas considerveis no pensamento ocidental: “[...] influenciou a filosofia europia
desde então, tanto no campo racionalista como no espírito” (Russel, 2001, p. 281). Por isso, o pensamento
cartesiano, prosseguiu influenciando o materialismo dos séculos XVIII e XIX, apresentando uma visão de
mundo físico e biológico (Reale & Antiseri, 1990). Neste contexto, com a ampliação dos processos
científicos e sociais, surgem as primeiras reações ao dogmatismo científico e o desejo de ampliar a noção de certo,
verdadeiro e válido. Isso se faz em uma ruptura radical com os modelos anteriores. É feito principalmente pelo
avanço das ciências modernas cujos paradigmas experimental-técnico-matemático vão minando a resposta
metafísica sobre a realidade. Um grande expoente da época das luzes foi Descartes. Seu pensamento é o marco de
separação entre a forma eclesial (religiosa) de pensar e a ciência (razão).
Assim, é Descartes o principal nome da discussão acerca da racionalidade metodológica científica. Nesse
contexto, os estudiosos voltam-se aos gregos: “Com o Humanismo e o Renascimento rompe-se o vínculo com
o velho mundo feudal e cria-se novo método de investigação e conhecimento que se apoia unicamente na
razão e na experimentação científica” (Zilles, 2002, p. 22-23). Há daí uma volta à filosofia grega que perscruta
o mundo real à luz da razão, mas com uma peculiaridade, a subjetividade intelectual.
Segundo o racionalismo clássico, os verdadeiros fundamentos do conhecimento são acessíveis à mente pensante. As
proposições que constituem aqueles fundamentos são reveladas como sendo claras, distintas e indiscutivelmente
verdadeiras pela contemplação e raciocínio cuidadosos. A ilustração clássica da concepção racionalista do
conhecimento é a geometria euclidiana. Os fundamentos daquele corpo específico de conhecimentos são concebidos como
axiomas, afirmações tais como ‘apenas uma linha reta pode ser traçada juntando dois pontos (Chalmers, 1993, p.153).
A proposta cartesiana é demonstrar que a pura razão  fonte do saber: “Segundo ele, as características do
conhecimento humano são: intuitivos, inatos e independentes das coisas” (Zilles, 2002, p. 24). Em Descartes,
tudo pode ser testado, duvidado, inquirido. Porque tudo pode enganar. Aqui se incluem os dados dos sentidos,
a religião, a realidade, at deus: “Partindo da desconfiança universal, Descartes adota o procedimento
conhecido por dúvida metódica, ou seja, de não aceitar nada que não oferece garantia absoluta de verdade.
Procura um mtodo e um critrio da verdade absoluta” (Zilles, 2002, p. 25). Esse modo de proceder nas
pesquisas interessante, porque resguarda a ideia racional contra os erros e generalizações: “Com tais
objetivos, diante de problemas complexos como de fenômenos confusos, é preciso chegar aos elementos
simples, que não sejam mais decomponíveis para que possam ser totalmente invadidos pela luz da razão”
(Reale & Antiseri, 1990, p. 364). Em suma, o pensamento racional deveria rejeitar as formas gerais,
aproximativas, imperfeitas, fantásticas, inverossímeis, que muitas vezes eram usadas para o argumento
religioso, na explicação da realidade.
Page 4 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Com Descartes, a ciência, ou seja, o método científico se cristaliza como forma de apresentar o mundo e
sua realidade. A filosofia cartesiana é o novo modo de ver o mundo, propô-lo alternativa, colocando o ser
humano no centro do refletir filosófico. Uma revolução de Descartes que inaugura uma fórmula que tira o
teocentrismo do caráter principal de ver a realidade (Tabela 1). Tal posição racional é, para o Ocidente, uma
mudança considerável, porque o pensamento sofre, junto com a cultura, a crítica do saber científico aos outros
modos de pensar como a escolstica medieval e “[...] uma sria metodologia, capaz de instruir, controlar e
ordenar as ideias existentes” (Reale & Antiseri, 1990, p. 354). A primeira regra  muito simples, mas  ponto
determinante, esquivando-se dos juízos sobre o que se tem como verdade.
Tabela 1. Síntese da perspectiva cognitiva cartesiana e método científica.
1
A evidência enquanto critério
geral da verdade.
“Mais do que uma regra, trata-se de um princípio normativo fundamental, exatamente porque tudo deve
convergir para a clareza e a distinção, nas quais, precisamente, se forma a evidência. [...] ato que se
autofundamenta e se autojustifica, porque sua garantia não repousa sobre uma base qualquer de
argumentação, mas somente sobre a transparência mútua entre razão e conteúdo do ato intuitivo” (Reale &
Antiseri, 1990, p. 362).
2
Simplificação para alcançar a
evidência.
“[...] a evidência é necessária para certeza e a intuição é necessária para a evidência, já para a intuição é
necessária a simplicidade [...]” (Reale & Antiseri, 1990, p. 362).
3
Sintetizar o que se descobriu.
“[...] conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer,
para elevar-me, pouco a pouco […] até o conhecimento dos mais compostos” (Descartes, 2000, p. 49-50).
4
Verificar o todo e cada parte
[...] efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a
certeza de nada omitir” (Descartes, 2000, p. 50).
Fonte: Elaborada pelos autores.
O cartesianismo derruba a percepção da natureza que atribuía ao mundo sentido de valor moral e religioso-
espiritual, aplicando modos diferentes de se interpretar o real, a partir de pontos de vistas críticos e se possível
geométricos, mecânicos, matemáticos e científicos. A pretensão cartesiana de descrever o real através da
racionalidade científica resumida no adgio ‘penso, logo existo’ evoluiu e a fragmentação do mundo em
pensamento e extensão possibilitou o desenvolvimento de diversos ramos da ciência.
Neste contexto histórico da ciência moderna e brevemente apresentado
3
, podemos destacar que a ideia da
natureza sob o jugo humano é apresentada como elemento objetivo, mediado pela linguagem e pelo
conhecimento, ou seja, como discurso, em uma ordem desse discurso. Assim, ao entender as ciências
ocidentais como uma prática e discurso científico, podemos destacar que estas nascem sob as efervescências
racionais ocidentais, em específico as humanidades, ora para catalogar os diversos povos extra-ocidente
4
no
fim do século XVIII, ora como justificativa de domínio colonial, aproveitando as bases de conhecimentos
dados aos europeus, mediante as grandes navegações e colonizações desde o século XV (caso da antropologia,
por exemplo).
Assim, em Tim Ingold, britânico, de certa forma depara-se, em tempo e espaço, com objetivos e ideologias
diferentes do pensamento europeu vigente. Ele se destaca, dado as devidas proporções que caracteriza sua
forma de pensar europeia, suas singularidades e suas semelhanças, apontando em ensaios as condições de
possibilidade para um texto ao mesmo tempo ocidentalizado, mas com descontos às interpretações do mundo,
sua compreensão, suas lacunas e críticas, no intercampo das ciências humanas e ciências da vida.
Este ensaio
5
, observando o desafio de refletir sobre epistemologia, a partir de um olhar crítico ao processo
de desenvolvimento de uma escrita reflexiva, visa tomar emprestadas as dinâmicas ensaísticas para pensar
uma relação entre epistemologia e o conceito de ‘agências’, tomando como desafio de refletir sobre 1 - ‘Os
meios ambientes estão continuamente em formação devido às atividades das criaturas humanas e não-
humanas’; 2 – ‘A evolução da forma  uma atividade situada de seres humanos e não-humanos’; 3 ‘Nos
emaranhados da experiência, anotações, rascunhos e imaginação para compreender o ambiente’.
Nossa advertência é que essas partes também são reflexões que permeiam de uma forma introdutória a
nossa perspectiva de pensar o conhecimento como aspecto de ensaio e experiência que passa a compor nossos
estudos no campo da investigação, principalmente quando destacamos as complexidades desses
pensamentos, a partir de um olhar do sul global.
3
Para uma abordagem histórico-contextual do pensamento científico sugerimos mais leituras dos autores citados, pois eles têm nos orientado em nossas investigações e estudos de
filosofia e antropologia das ciências, tais como Russel e Latour, para ficar nos mais interessantes.
4
Fora do pensamento ocidental e de sua episteme, podemos pensar aqui em uma geopolítica do conhecimento e dizer dos povos e culturas não localizadas nos chamados países
do Norte, hegemônicos. Ainda se refere aos povos do Sul global, povos originais e assim por diante (Cassino, 2021).
5
Processo de criação livre e meio para construção de uma reflexão crítica (Meneghetti, 2011).
Nos emaranhados da experiência Page 5 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Os meios ambientes estão continuamente em formação devido às atividades das
criaturas humanas e não-humanas
Quando Ingold (2006, p. 34) destaca que "[...] os meios ambientes estão continuamente em formação
devido às atividades das criaturas humanas e não-humanas [...]” nós concordamos que h aí um dilogo, ao
mesmo tempo de perto e de longe, com a antropologia filosófica
6
sobre os conceitos de agências. Assim
tentamos discorrer sobre os textos de Tim Ingold e sua descoberta sobre esse tema, em especial nas relações
da antropologia que na década de 1980 se volta para uma virada ontológica importante em uma ramificação
crítica contemporânea a essa disciplina.
Ora, a disputa entre cultura-natureza que parecia respondida pela representação, entra em colapso e,
segundo Perdomo Marín (2020), traz questões pertinentes de ordem ontológica, ou seja, anteriores a formação
da antropologia, por exemplo, pois exige uma perspectiva de compreensão de elementos não-humanos e
questões que vai para além da representação.
Dessa forma, as questões em torno da análise dos limites entre natureza e cultura, e de como dar conta da experiência
de mundo do outro, convergiram diretamente na problematização ontológica e representacional do pesquisador e,
consequentemente, deram o selo disciplinar à antropologia como familiarização do estranho e estranheza do familiar
(Perdomo Marín, 2020, p. 3, tradução nossa)
7
.
Assim, a virada ontológica é uma abertura para novos processos metodológicos que destaca, nesse caso,
potências analíticas, a saber, a reflexividade, a conceituação e a experimentação, segundo Perdomo Marín
(2020). Assim, a contribuição de Ingold, nesse turno, é fazer a reflexão entre as relações ecológicas que o ser
humano faz em seu habitat sem se preocupar com as teorias culturalistas atuais que nortearam as ciências,
bem como faz uma crítica ao neo-darwinismo e sua tendência reducionista.
Mas para a ciencia, a forma de conhecer o mundo não abrir-se a ele, como você talvez se abrisse a outra pessoa,
mas, pelo contrrio, mante-lo distancia. Isto feito atravs de uma metodologia, que significa um conjunto de
protocolos expressamente concebidos para imunizar o investigador de qualquer infeccão resultante de um contacto
demasiado próximo com os fenômenos da sua investigacão (Ingold, 2023c, p. 299).
A perspectiva de Ingold sob a ideia de agência permite formar uma malha de entrelaçados, tendo o próprio
ambiente como agente qualificado nesta confecção. Neste caso, o ser humano está imerso em meio de fluxos
materiais que lhe permite significar-se, mediado pormbolos, por meio de prticas e atenção: “De este modo, sus
reflexiones enmarcan una crítica directa a los modelos representacionales del conocimiento para centrarse en los
procesos de exploración vital de los organismos-persona con el ambiente” (Perdomo Marín, 2020, p. 11).
O conceito de ambiente que Tim Ingold (2008) destaca é formado por agências. Para ele o óbvio é confuso
para os filósofos e as ações são processos de compreensão e apreensão da realidade: Como algo pode ser
traduzido do real para a mente no processo de experiência e percepção? As percepções têm variações de
acordo com som e imagem, os objetos e o ambiente destacam-se de acordo com o ambiente que interagimos
com uma malha de elementos que faz modular o processo onde estamos. Um exemplo disso é escrever sobre
a luz e o som sem examinar o processo das agências da visão ou da audição. A ambiência sensória se faz
mediante um conjunto de entrelaçamentos de experiências qualificáveis de coisas ambientais povoadas.
Se existe uma conclusão principal a ser extraída de minha crítica antropologia dos sentidos, que qualquer
tentativa em separar o discurso acerca da visão de sua prtica real de olhar, observar e ver insustentvel. O mesmo,
6
Em ‘Antropologia: para que serve?’ (Ingold, 2019) o antropólogo destaca a importância do campo de estudo em que a Antropologia e Filosofia se relacionam em qu estões amplas,
às vezes tidas como gerais, infinitas e aparentemente desconectadas, mas que os antropólogos também se interessam. Enquanto o filósofo se inclina para dentro, os antropólogos
praticam a filosofia no mundo, pois estudam, envolvem profundamente em suas observações, no diálogo, na prática, depe ndendo das experiências, com povos e lugares variados.
“Na minha definição, a antropologia é ‘a filosofia com as pessoas dentro’” (Ingold, 2019, p. 8, grifo do autor). Sob nosso olhar, além dessas afirmações pressupostas do autor, as
suas escritas se encontram no campo da Antropologia Filosófica sim, e mesmo que haja uma interpretação de que o autor não se sentiria confortável, ele o faz com muita propriedade,
pois propõem em seu conjunto uma série de reflexões pertinentes no campo ou intercampo da antropologia filosófica. Confortável ou não podemos, Tim Ingold nos parece compreender
o valor da antropologia em escalas amplas e ricas invocando tradições importantes tanto do campo nas suas áreas de origem (an tropologia, biologia e sociologia) como também da
filosofia. É muito importante criar uma possibilidade de diálogo entre antropologia, filosofia e ciências no que chamamos de antropologia filosófica e onde localizamos o pensamento
de Ingold. Neste ínterim, sim, ele faz uma abordagem rica para compreender o humano e sua natureza, entendendo esse termo no sentido grego do termo, physis, a origem e o
fundamento. “Tudo o que existe no mundo é feito de matéria física – diferentes combinações dos mesmos elementos químicos. Por que não seria assim conosco também?” (Nagel,
2001. p. 31). Desse modo, o que pensamos sobre a obra de Ingold é que devemos pensar no humano que está além do objeto científico, justificando assim uma antropologia filosófica.
Assim sendo, a antropologia filosófica, como intercâmbio de reflexão nasce da própria questão: quem é o ser humano (?), quando ele reflete sobre si mesmo. A tentativa de Ingold,
antropólogo, de refletir sobre o ser humano toca em temas já bem fundamentados nas tradições da filosofia, fundamentalmente além da competência científica ou mesmo do estatuto
da antropologia como ciência. Alguém pode até inferir o contrário, mas, sua escrita se aproxima sim da definição de antropologia filosófica inaugurada pelo filósofo brasileiro Henrique
Vaz (1991), por exemplo, pois se trata de investigações complexas para além do reducionismo: a) compreensão do ser humano biológico, somático natural e contingente [somatikós,
Referente ao corpo, opondo-se a alotípico]; b)concepção do ser humano reflexivo, mediante a construção cultural que transcende e dá sentido às coisas. Ou seja, a própria reflexão
da antropologia filosófica compreende o humano como ser ontológico, aberto, relacional e histórico. Reconhecendo no sentido mais eloqüente do termo. O humano vai além do limite
de sua própria definição.
7
De este modo, las preguntas en torno al anlisis de los lmites entre la naturaleza y la cultura, y por el cmo dar cuenta de la experiencia-de-mundo del Otro, han confluido directamente
en la problematizacin ontolgica y representacional por parte del investigador, y, en consecuencia, le han dado el sello disciplinar a la antropologa como la familiarizacin de lo
extrao y la extraeza de lo familiar.
Page 6 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
de fato, serve para qualquer outra modalidade sensorial. Pois, o que o discurso, senão uma narrativa entrelacada
de experiencia resultante da atividade prtica e da percepcão? Os significados que ele produz, como mostrei, não são
somados no ‘topo’ da experiencia vivida e corporal, mas reside nos modos pelos quais as tramas dessas experiencias
são tecidas juntas. Historiadores da filosofia estão enganando a si mesmos, certamente, ao imaginarem que o que
tem sido pensado e escrito em termos dos sentidos pode ser nitidamente separado do que tem sido vivido e sentido
atravs deles (Ingold, 2008, p. 48, grifo do autor).
A dimensão da experiência outrora desconsiderável pela razão ocidental se faz extremamente necessária
na concepção de um mundo povoado por elementos ontologicamente especificados no processo de percepção
do mundo
8
.
A antropologia contemporânea, por outro lado, tem se aberto com grande entusiasmo para uma revisão das bases
tradicionais da oposição entre ‘natureza’ e ‘cultura’, seguindo tendências antirrepresentacionalistas e
hiperempiristas, que se fundam em um conjunto complexo de argumentos filosóficos e éticos. A ênfase na
experiência vivencial e na condição incorporada do pensamento e dos valores tende a produzir um interesse
particular na corporalidade e na afetividade, podendo ser eventualmente considerada assim também próxima de uma
‘naturalização’ (Duarte, 2018, p. 2, grifo do autor).
Neste turno, os sentidos funcionam como um processo de produção da história que nos permite estudar o
mundo ao nosso redor que se faz a partir das inscrições do “[...] desenho cultural" (Ingold, 2006, p. 23). Esse
desenho se faz pela materialidade de elementos como edificações, utensílios, instrumentos, objetos e uma
cultura material que nos aproxima de uma natureza das coisas, de substâncias que nos envolvem em
ambientes em consonância com as atividades humanas. Estas atividades são marcadas pela história e suas
consequências e estas mesmas consequências definem atividades que marcam novas potencialidades
históricas. Seria um ouroboros, o dragão mítico que morde o próprio rabo. Não se faz o ser humano e sua ação
com outros agentes a partir de elementos naturais-culturais, mas nós fazemos constantemente, naturalmente
e culturalmente. Assim, essas flutuações da imaginação de coisas consistentes, materializadas na Cultura da
humanidade e nas culturas de todos os povos.
No que diz respeito à humanidade, talvez o aspecto mais importante dessa questão seja a ideia de que nossa
humanidade não é algo dado, mas algo que deve ser continuamente trabalhado, que é um processo, uma tarefa. Eu
acho que isso é realmente importante. Nesse sentido, é possível dizer, sim, que uma humanidade além do
humanismo, ou algo nesses termos. Isso significa que ser humano é uma realização, alguma coisa que tem que ser
produzida continuamente, feita e trabalhada coletivamente. Que tipo de seres nós somos? Este tipo de resposta não
nos é dada. E de alguma forma a história é a nossa tentativa de responder a esta pergunta. E é preciso lidar com isso
continuamente. (Mafra, Bonet, & Velho; Prado, 2014, p. 312-313).
um borrão entre as relões contínuas da cultura-natureza à medida que não se pode, na perspectiva de história
da cultura como âmbito das relações sociais, ignorar a presença e agências dos diversos seres, sejam animais, plantas,
fenômenos ou mesmo de utensílios utilizados a partida manipulão e transformação de outros seres ‘naturais’:
madeira, ferro, fogo, água, etc. Para Ingold (2023a), as relações da perspectiva das agências no mundo humano, ou
mesmo para am do mundo humano, se fazem na compreensão de cosmologias diversificadas
9
, que se distingue das
cosmologias que temos, atualmente, nos processos de construção de narrativas ocidentais.
Quando falamos em cultura, isto  o nome de uma pergunta, que : ‘Por que os humanos são diferentes uns dos
outros?’ O que tambm quer dizer que ‘cultura’ não pode ser a resposta a essa pergunta. Não podemos dizer que a
cultura se deve à cultura, este seria um debate circular (Mafra et al., 2014, p. 314-315, grifo do autor).
8
Então, o próprio Tim Ingold (2019, p. 15, grifo do autor) destaca o seguinte: “As questões em jogo, aqui, vão além daquelas a respeito de como podemos ‘conhecer’o mundo.
Fundamentalmente, elas são questões sobre como pode haver um mundo a ser conhecido. No vocabulário inescrutável da filosofia, questões do primeiro tipo, sobre o saber, são
‘epistemológicas’; as do segundo, relativas ao ser, são ontológicas. Embora a passagem da epistemologia à ontologia possa parecer enigmática, ela é de profunda importância”. Ao
nosso entender, na leitura de Ingold, nos parece artificiais as escalas entre epistemologia e ontologia: “Não podemos nunca falar com certeza sobre o mundo, como se já o
conhecêssemos, não porque nossas hipóteses sobre ele possam acabar sendo falsas ou as nossas previsões equivocadas, como diriam os cientistas, mas porque a estrutura e
composição do mundo nunca estão acabadas. Ao contrário, o mundo se constitui continuamente - assim como, de fato, nós mesmos, sendo parte dele. Precisamente por isso, esse
mundo em constante formação é uma fonte inesgotável de fascinação e assombro” (Ingold, 2019, p. 17). Esse autor é bem enfático no que tange a essa concepção epistêmica-
ontológica sem escala, pois não se trata de uma separação disciplinar, mas de um posicionamento em que “[...] experiência e imaginação se fundem e o mundo ganha vida” (Ingold,
2019, p. 18). Uma concepção de vida como potência na fluência dos seres em flutuações de matéria-energia, existência no tempo e espaço.
9
Ao apresentar a sua compreensão sobre o que é antropologia, Ingold (2019) destaca como as relações da vida no mundo se apresenta como uma experiência comunitária, um
modo de vida. Ele evoca a antropologia como campo de estudo com um grande número de abordagens possíveis: “[...] que buscaria apoia-se, diante da questão sobre como viver,
na sabedoria e na experiência de todos os habitantes do mundo, independentemente de suas origens, dos seus meios, de subsistência, das suas circunstâncias e de seus lugares
de residência. É este o campo que defendo nestas páginas. Devo chamá-lo de ‘antropologia’” (Ingold, 2019, p. 7, grifo do autor). Mais adiante, ao criticar o papel da epistemologia
científica ocidental moderna por fazer uma reivindicação do conhecimento especializado, Ingold (2019) apresenta um propósito para a antropologia, pois ele a define como um
compartilhar, um aprender com as experiências de vida e aplicar os conhecimentos compartilhados nas próprias concepções de “[...] como a vida poderia ser, das suas condições e
possibilidades futuras” (Ingold, 2019, p. 10). Assim, ele destaca a antropologia como engajamento de imaginação e de experiência, o mundo como meio de estudo, relações e
processos de relações para obtenção de ‘sabedoria’. “A tarefa da antropologia, creio eu, é res taurar o equilíbrio, moderar o conhecimento transmitido pela ciência com a sabedoria
da experiência e da imaginação” (Ingold, 2019, p.11). As relações das agências seriam processo de conhecimento não como suposto papel da antropologia, mas como relações e
generosidade, dado que “Estudamos‘com’ as pessoas, ao invés de fazer estudos ‘sobre’ elas" (Ingold, 2019, p. 12, grifo do autor). Mais adiante, Ingold destaca que a antropologia se
assemelha à educação, em processo de encontrar formas de vida, com compromisso de aprender fazendo (Ingold, 2019).
Nos emaranhados da experiência Page 7 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
As cosmovisões das culturas destacam a razão humana como dotada do protagonismo de ação. Seria ela,
no humano, a agência escritora de informação, de forma ao objeto e substância inerte da natureza. Isso se
radicalizou como concepção ocidental: “A ideia segundo a qual a produção consiste em uma ação sobre a
natureza, proveniente de uma fonte superior situada no domínio social, essencialmente uma ideia moderna”
(Ingold, 2006, p. 28). O papel das relações de produção entre cultura e natureza, e sociedade e história, como
uma crítica à epistemologia da Antropologia, o antropólogo Tim Ingold destaca, nos seus escritos, descreve e
caracteriza as agências, especificamente das relações que elas formam não como uma dicotomia entre
extensão em pensamento, mas como em malhas de relações especificadas, dentro de um ambiente que se
comporta ora como agente qualificado ora como cena de atuação das diversas agências humanas e não-humanas.
“O trabalho de Ingold hmuito tem expressado um desejo de ir alm das dicotomias; este é um dos temas principais
de The perception of the environment (2000), que propôs estudar os organismos sem desconectá-los abstratamente
de seus ambientes” (Pitrou, 2015, p. 183). Destacamos então as agências dos seres que vivem mutuamente.
Essa relação das agências que Ingold (2006) descreve como organismos em um ambiente em relações vai
além de uma passividade pré-programada. Ela é ativa, ou seja, aberta e não determinada, formando campo de
interrelações e singularidades. Assim, para Ingold (2006), as propriedades dos organismos e suas
características mudam à medida que se atribuem a eles o carter de emergência de ‘sistemas de
desenvolvimento’ ou ‘campo relacional total’.
E, nesse sentido, a construção nunca é acabada, pois, durante o tempo em que a casa existir, será inevitavelmente
implicada nas relações com seu entorno humano e não-humano. É interessante lembrar que toda casa humana
contém muito mais habitantes não-humanos do que se vêem comumente ou que nós não cuidamos de saber - e
que seu impacto sobre a evolução de sua forma não pode ser negligenciável (Ingold, 2006, p. 33).
Como destaca o antropólogo,  salutar fazer um exercício de perspectiva e compreender que: “[...] em vez
de pensar nas plantas e nos animais enquanto uma parte do ambiente natural dos seres humanos, devemos
pensar nos seres humanos e nas suas atividades como uma parte do meio ambiente das plantas e animais”
(Ingold, 2006, p. 31). Em outras palavras, uma estabilidade sistêmica dinâmica em que as agências se organizam
em um campo relacional de propriedades singulares. O pano de fundo das agências existe se elas se
relacionarem, sendo esse plano também parte do processo de tessitura das relações como crescimento contínuo.
Portanto, é no âmbito de uma paisagem de relações e continuidades que criamos um horizonte possível de
compreender e situar os seres-humanos e os não-humanos, nos entrelaces dessas contradições e interfaces
dos emaranhados. Nesta perspectiva compreendemos o lugar evolutivo dos ambientes e suas múltiplas
atividades como o ato da cognição humana e a respiração, por exemplo (Ingold, 2023b). A vida humana e não-
humana se entrelaça em um vórtice em evolução.
Assim, a evolução da forma é uma atividade situada de seres humano e não-humano como parte de integração e auto
transformação em relações que emergem do contínuo que é o viver e fazer crescer no mundo, nas formas das inter
relações apropriadas (Mafra et al., 2014, p. 307).
A evolução da forma é uma atividade situada de seres-humano e não-humano
Ao destacar ‘a forma’ como parte do processo da vida como relações e linhas, em um destaque para as
relações desenvolvidas, superamos a perspectiva que coloca a informação em contraponto com ‘a forma’. Não
podemos pensar nesse processo como meros coletores de dados informacionais do mundo em que nos
adaptamos por milhões de anos, no processo situado de existência e vivência contactados. Por isso, vale
ressaltar também que os processos metodológicos, por exemplo, são uma ligação com esse mundo que se
apresenta conectado a nós. Podemos pensar com as palavras do antropólogo sobre esse tema: “E daí pensei
que  exatamente isso, religião  mesmo uma questão de comprometimento ontológico” (Mafra et al., 2014,
p. 307). De qualquer modo, a forma de estar no mundo nos concede um comprometimento ontológico com os
seres que habitam neste mundo e nos incluímos nele.
Estive revisando o trabalho sobre dragões que apresentei em outubro de 2012 e ao fazer isso pensei novamente sobre
questões que têm a ver com o comprometimento ontológico, ou seja, sobre o que significa ver o processo de conhecer
como uma parte do processo de ser. Assim como o mundo deve alguma coisa a nós por sua existência, também nós
devemos alguma coisa ao mundo por nossa existência (Mafra et al., 2014, p. 307).
Sob essa abordagem metodológica, nos deslocamos para uma perspectiva de compreensão do fluxo da vida,
das continuidades, dos crescimentos e dos desenvolvimentos. Neste propósito, o próprio autor destaca as
Page 8 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
críticas ao seu modo de pensar a Antropologia, dado que a vida cotidiana se insere em constantes rupturas e
deslocamentos. “[...] por aquilo que  o contrrio mesmo do fluxo e da continuidade” (Mafra et al., 2014, p.
308). No entanto, concordamos que ao eleger uma nova forma para olhar as relações humanas e não-humanas
dessas relações tidas como de poder, evidenciamos uma nova ontologia ou mesmo uma cosmopolítica, plural
e necessria que mesclam essas contradições ao próprio pensamento evidenciado. “Uma resposta a isso est
em dizer que não se podem construir vidas a partir de rupturas e fraturas, da fragmentação, e que, de algum
modo, a continuidade e o fluxo têm que vir antes da descontinuidade e da ruptura” (Mafra et al., 2014, p. 308).
Deve-se pensar que a vida precede as consequências que ela gera, ou sua forma de vida, em suas alterações e
deslocamentos, mesmo suas rupturas especificadas como processo constante de um cotidiano de conflito e
de fragmentos. “Em vez de uma rede com atores que interagem, eu proponho uma malha de linhas que se
correspondem e movem” (Mafra et al., 2014, p. 319). Um engajamento que possa superar as expectativas
dualistas e separações de ‘nós’ estabelecidos.
10
“Desse modo, considerando o organismo/pessoa como ponto
de partida, é possível também dissolver a dicotomia entre evolução e história, pois essa passa a ser vista como
um exemplo específico de um processo que est prosseguindo no mundo orgânico” (Silva, 2011, p. 370).
Localizar, desse modo, metodologicamente as relações que se correspondem e possuem continuidade,
antes das rupturas e fragmentações, pois estas alteram a perspectiva de captação de dados informacionais. A
formação do que permanece supera as barreiras, deslocando o olhar para a existência de linhas que se
entrelaçam antes das rupturas e nas relações de poder existentes que causam fragmentação. “Se pensarmos,
porém, nas vidas humanas como movimentos, de alguma maneira o exercício comparativo não funciona do
mesmo modo” (Mafra et al, 2014, p. 314-315). Esse movimento nos permite buscar familiaridades, o em
comum’ ou medidas propostas que evidenciem essas semelhanças. “É preciso encontrar outra linguagem para
que a comparação e a comensurabilidade ainda façam sentido, sem termos que assumir que dependem de um
tipo de semelhança fundamental a partir da qual a diferença  sobreposta” (Mafra et al., 2014, p. 316). Desse
modo podemos reabilitar, aqui nesta reflexão, a ideia de ‘correspondência’, que para Ingold (2017) são postas
diante das diferenças como contraponto, ou seja, há correspondência nas relações que integram a vida.
H mais para observar, então, do que objetividade. Porque, para observar, não basta meramente olhar para as coisas. Temos
que nos juntar com elas, e segui-las. E precisamente medida que a observacão vai alm da objetividade, que a verdade
vai alm dos fatos. Este o momento, em nossas observacões, quando as coisas que estudamos comecam a nos dizer como
observar. Ao nos permitirmos participar em sua presenca, em vez de mante-las distancia - ao atende-las - descobrimos
que elas tambm estão guiando nossa atencão. Atendendo tais caminhos, tambm respondemos a eles, assim como eles
respondem a nós. O estudo, então, torna-se uma prtica de correspondencia, e de cuidado. É um trabalho de amor,
devolvendo o que devemos ao mundo por nossa própria existencia como seres em seu cerne (Ingold, 2023c, p. 285).
O mesmo é percebido e visto de forma diferente, mas continua o mesmo em agências diferentes e um fluxo
contínuo da experiência. Não há uma informação distinta para cada um, mas uma forma distinta de perceber,
atentando para múltiplas coisas, percebendo e notando coisas diferentes, percepções diversas, constituindo-
se uma pluralidade epistêmica de cada ser e como cada ser se posiciona em relação ao meio onde está, onde
vive e como vive:
Então, se formos para a floresta com um caçador indígena, ele vai perceber pegadas de animais que você não notaria por
falta de experiência, porque você não tem essas mesmas habilidades, ou porque você não está afinado, sintonizado para
perceber esse tipo de coisa no ambiente. Assim, o que nós pensamos corriqueiramente como diferenças culturais são, de
fato, diferenças de habilidades, de percepção, de ação, coisas que se desenvolvem em um corpo que cresce, através da nossa
experiência de crescimento em um determinado ambiente (Mafra et al., 2014, p. 323-324.).
Podemos determinar o ambiente onde estamos pelas maneiras diferentes postas, pela cultura em que
pertencemos e a maneira como ela nos formou, no lugar que estamos. Essa localização da cultura na vida dos
seres molda a maneira de percebermos o mundo. Diríamos que a cultura materializa as nossas concepções de
10
Tomamos a perspectiva de malhas como elementos das relações entre agências, a partir de Ingold. Não é que ignoramos as perspectivas dos debates anteriores na antropologia
inauguradas pelos autores como Gell, Latour, Law e Callon e as noções de redes e agência nesses autores tem um universo semântico próprio e pertinente quanto ao que é solicitado,
pois tal empreendimento perpassa um trabalho de revisão densa e extremamente fora do foco de nosso texto que fizemos um recorte necessário. Um exemplo é a noção de redes
complexas e sistemas empreendida nas ciências exatas (Barabási, 2003; Watts, 2009; Dimantas, 2010) e a teoria do ator-rede, a partir das reflexões de Latour(2012). Em Ingold
(2019), a ideia pertinente é de agências de organismos vivos em uma teia da vida, malhas de relações dinâmicas, expostas que não funcionam isoladamente. Agência emerge como
correção de outros conceitos como ‘Ato’, ‘Ação’ e ‘Agir’ entre seres animados (incluindo humanos e animais mais complexos) e inanimados (artefatos e seres vivos simples, incluindo
plantas). A agência define a característica do poder de agir: “[....] A noção de agir em alguma outra coisa pode ser construída de várias maneiras. No entanto, é claro que a agência
se manifesta no agir simpliciter, ou no agir sobre outra coisa (não importa quão ampla ou restritamente sejam construídas essas duas noções)” (Hacker, 2007, p. 134). Para nós,
interpretando esses pensamentos, agências em malhas formam um habitat, são processos de um ambiente que compreende seres humanos e não-humanos em uma geração
contínua e vidas que se conectam para se manter como vida: 1) as relações sociais a partir dos elementos em organizações e afetividade; 2) processual desenvolvimento relacional;
3) ontologia inter-agentes sociais entre seres humanos e não-humanos; 4) vida como centro desse processo de auto-organização, ontogenética, biossocial e que produzem outros
seres e corpos em uma malha viscosa em geração contínua; 5) pontas soltas sem limites conceptuais dos agências, sem pontos isolados ligados por filamentos casuais.
Nos emaranhados da experiência Page 9 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
mundo e nos dá um cosmos. Um mundo sobre o mundo. Ela nos orienta para pensarmos e investigarmos. A
cultura  algo investigativo, uma episteme: “Esta , sem dúvida, a questão fundamental da antropologia: por
que duas pessoas com trajetórias diferentes, postas no mesmo lugar, percebem as coisas diferentemente, por
que h tantas diferenças na percepção delas?” (Mafra et al., 2014, p. 323-324). Essa inventividade do mundo
pela cultura é desafiadora pois desemboca em conflitos e choques de cosmos. O que nos desafia, como
transitar sob estes cosmos interpostos e não nos machucarmos.
Daí trazermos à tona a ideia de mundo como experiência de mundos que se manifestam pelos sentidos e
afetos negligenciados pelo ocidente. O que Tim Ingold (2017) faz, quando propõe malhas e linhas que
entrelaçam experiências com os diversos seres, “[...] enfatizando as noções de processo, relacionalidade e
interação com o ambiente, contra a noção de evolução” (Duarte, 2018, p. 10). Essa concepção de ambiente se
torna capaz de nos fazer deslocar de nossa zona de conhecimento e mesmo de auto-imagem conceptual de
seres experientes no mundo.
Na passagem das gerações humanas, a contribuição de cada uma para a cognoscibilidade da seguinte não se dá pela
entrega de um corpo de informação desincorporada e contexto independente, mas pela criação, através de suas
atividades, de contextos ambientais dentro dos quais as sucessoras desenvolvem suas próprias habilidades
incorporadas de percepção e ação. Em vez de ter suas capacidades evolutivas recheadas de estruturas que
representam aspectos do mundo, os seres humanos emergem como um centro de atenção e agência cujos processos
ressoam com os de seu ambiente. O conhecer, então, não reside nas relações entre estruturas no mundo e estruturas
na mente, mas é imanente à vida e consciência do conhecedor, pois desabrocha dentro do campo de prática a
taskscape estabelecido através de sua presença enquanto ser-no-mundo (Ingold, 2010, p. 21).
Além disso, Tim Ingold (2023c) parece nos apontar para a singularidade da vida humana, das culturas e
das sociedades como dimensão tipificada de uma vida orgânica em emergência de relações, unidade vivida em
emaranhados e correspondência de muitas outras relações no ambiente: “A correspondencia não apenas um
cair para a frente; um sentir para a frente, uma improvisacão, que responde continuamente aos movimentos
dos outros. É uma responsividade que vai ao longo” (Ingold, 2023c, p. 302). Essa concepção de seres em
ambiente nos direciona para uma visão de natureza-complexidade, por não ser possível uma síntese
eminentemente redutível ao conhecimento ou ao viver humano. A nossa experiência humana nos limita, nos
condiciona a pensar as teias de vida como algo que não nos inclui, que não nos afeta e muito menos nos
configura (Ochoa-Manjarrés, 2019).
A unidade complexa e dinâmica entre natureza e cultura configura um espaço relacional que chamamos de meio
ambiente. A sua compreensão requer um raciocínio simbólico (razão-sentido) que integre a compreensão e o cuidado
da casa comum, da vida comum, da história comum. O meio ambiente como totalidade indeterminada envolve a
humanidade como espécie e como cultura na configuração de futuros possíveis que estão atrelados à pluralidade de
formas de interpretar e agir no mundo. Esta complexidade de relações em que a vida orgânica é vivida e reproduzida
é mais do que a vida biológica e não pode ser reduzida a cálculos matemáticos, embora estes sejam utilizados para
explicar algumas das suas dimensões; Também não pode limitar-se aos determinantes sociais associados à doença,
porque o conjunto de interações que o ser humano estabelece com a vida e a sua cultura se dá no espaço ou ambiente
relacional (Ochoa-Manjarrés, 2019, p. 125, tradução nossa)
11
.
As culturas
12
em suas diversidades
13
singularizam as formas de vidas humanas, suas agências em deriva,
com equívocos de interpretações de si neste mundo concebido e criado por humanidades. Como elementos
emergentes de uma forma que não se limita como um ‘nó’, mas relações fluidas e relacionais. Uma
11
La unidad compleja y dinámica entre naturaleza y cultura configura un espacio relacional que denominamos ambiente. Su comprensión requiere un razonamiento simbólico (razón-
sentido) que integre la comprensión y el cuidado de la casa común, la vida en común, la historia en común. El ambiente como totalidad indeterminada implica a la humanidad como
especie y como cultura en la configuración de futuros posibles que están atados a la pluralidad de formas de interpretar y actuar en el mundo. Esta complejidad de relaciones en la
que se vive y reproduce la vida orgánica es más que la vida biológica y no puede reducirse a cálculos matemáticos, aunque estos se utilicen para explicar algunas de sus dimensiones;
tampoco puede limitarse a los determinantes sociales asociados con la enfermedad, porque en el espacio relacional o ambiente se realiza el conjunto de interacciones que establece
el ser humano con la vida y su cultura.
12
As contradições no conceito de cultura tão bem refletidos por séculos leva-nos a pensá-la sob várias outras relações, inclusive por ser um campo vasto de investigação. Temos-na
ora como oposição à natureza ora como parte intrínseca desta. A reflexão sobre cultura, nos leva em Ingold concebê-la como uma crítica, ou método de uma crítica, pois parece
organizar os padrões de mente, fazendo distinção e criando particularidades, a cultura mesma distingue o particular (cultural) do universal (natural). Essa artificialidade da cultura nos
faz questionar as dicotomias natureza-cultura e suas possíveis derivações que torna o humano produto de duas relações distintas. O que Ingold nos parece criticar é justamente essa
dicotomia, porque percebe a emergência de uma ontogênese em circunstâncias moldadas cumulativamente por organismos em malhas seja por suas próprias ações e pelas ações
de outros no passado. Isso evidencia que o desenvolvimento humano não se isola lados opostos: cultura e natureza, mas se relacionam e amalgamam em um único processo
ontogenético-histórico-cultural.
13
Um dos grandes objetivos de Ingold é criticar o dualismo do pensamento ocidental, problema cuja solução ele encaminha, em um nível mais amplo, para a consideração da vida
como um processo de epigênese, que não é nem totalmente dependente dos genes, nem da cultura. Adotando uma concepção tanto anticognitivista quanto antirrepresentacionalista,
Ingold não utiliza a noção de ´cultura` e, num movimento de recuo (para tentar expressar o campo relacional no ambiente como uma expressão da vida social), constrói as noções de
´socialidade` e de ´envolvimento` como formas de entranhamento radical dos seres no mundo, modo pelo qual tenta demonstrar a pressuposição da con- tinuidade entre humano e
não humano pelo engajamento. A cultura, portanto, não seria condição da ação, e o que chamamos de variação cultural consiste, em primeiro lugar, de variações nas ´habilidades`
(Silva, 2011, p. 374, grifo do autor).
Page 10 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
interpenetração de seres que se singularizam nas suas perspectivas dinâmicas e continuidades. Desse modo,
podemos pensar em ambiente:
[....] as imbricações da vida são tanto verticais quanto horizontais e, além disso, tanto sociais quanto biológicas,
como quer que sejam definidos estes termos. À luz disto, a perspectiva dos devires biossociais parece ser um dos
caminhos mais promissores na agenda teórica (Pitrou, 2015, p. 184).
Nesse caso, pensamos na vida como algo irredutível e em processo indeterminado e à deriva na nossa
interpretação das contribuições ‘ingoldianas’.
Tim Ingold (2017), então, destaca que essas relações entrelaçadas partem por uma relação entre
agenciamentos, hábitos e traços que formam uma correspondência que desenvolve constantemente entre
seres que ligam, não como nós, mas como emaranhados entrelaçados entre diferenciados seres que se
correspondem como bolhas, ou mesmo como trama biosocial. Esse emaranhado se junta, se faz, se organiza
emergentemente de feixes em ambiente: “[...] a relação entre organismo e ambiente é uma propriedade
emergente do processo de desenvolvimento da evolução, de modo que o desenvolvimento do organismo é
tambm o desenvolvimento de um ambiente para o organismo” (Silva, 2011, p. 367).
Por conseguinte, após essa breve apresentação de um diálogo com esse autor, caminhamos para destacar
as relações entre nossas pesquisas e que nos levou a uma reflexão no fluido processo de compreensão dos
traços das malhas nas esferas das relações humanas e não-humanas no ambiente, tendo como local o
Território do Sisal que apresentaremos em seguida.
Nos emaranhados da experiência, anotações, rascunhos e imaginação para
compreender o ambiente
O Território do Sisal está inserido dentro do semiárido baiano, no nordeste do estado da Bahia, a 200 km
de Salvador. Abrangendo uma área de 21.256,50 Km² e subdividida nos municípios de Monte Santo,
Nordestina, Queimadas, Quijingue, Serrinha, Teofilândia, Valente, Barrocas, Biritinga, Conceição do Coité,
Ichu, Lamarão, Retirolândia, Santaluz, São Domingos, Tucano, Araci, Candeal, Cansanção e Itiúba, de uma
população de aproximadamente 570.720 habitantes (58.238 agricultores familiares, 2.482 famílias assentadas,
duas comunidades quilombolas e uma terra indígena). Historicamente marcante, temos aí o registro da guerra
de Canudos na cidade de Monte Santo, o movimento do cangaço e a cinematografia de Glauber Rocha como
‘Deus e o diabo na terra do sol’. Com mais ênfase ainda se destacam os movimentos sociais fundiários e
desenvolvimento da agricultura familiar.
Nesta localização geográfica (Figura 1) temos um vasto banco de dados de conhecimento, ora dentro de
uma dimensão ideográfica de abordagens de vivência sociais e relatos de experiências com atores sociais,
análise contextual, testemunhos e entrevistas; ora como nomotéticas em ações sistemáticas e técnicas com
testagens, rigor e padrões instrumentais quantitativas com análises de dados. Essas informações nos
permitiram acessar diversos conhecimentos locais e as produções empreendidas em convivência comunitária,
produção e desenvolvimento social que tentamos caracterizar como um sistema de conhecimento próprio e
apropriado entre agentes, organizações e unidades de comunidades.
A pesquisa realizada entre 2014 e 2022 relaciona a geração e difusão do conhecimento de agências em
relações construídas no Território do Sisal, tendo como local as Cooperativas de produção de agricultoras
familiares ‘Fibras do Sisal’ e ‘Sabores da Terra’, ‘Delícias da Mandioca’ (comunidade do Papagaio), em
Valente-BA. Tivemos ainda a perspectiva de relacionar diversas teorias no campo das ciências humanas, em
um diálogo importante que nos possibilitou compreender a dinâmica dessas gerações do conhecimento e sua
difusão em o que chamamos de redes cognitivas, em que tomamos como base as ideias de malhas (agências
humanos e agências não-humanas), entrelaçados e habitat (Ingold, 2019). E aspectos singulares a destacar:
a) relações de agências humanas e não-humanas;
b) convivência dessas formas de vida no semiárido;
c) malhas que emergem como habitat em ambiência de experiências e afetividades;
O avanço das pesquisas, no entanto, nos destinou à reflexão da complexidade e suas relações de
probabilidades, pensando conceitos, métodos e teorias. Aí tentamos estabelecer fluxos de pensamento que
pudessem nos orientar tais como ordem-desordem, vida-entropia, probabilidades-caos. Esses traços da
pesquisa apontaram uma tendência em nossas avaliações, que é notar o conhecimento como poder
transformador na esfera das relações de nós humanos com o mundo e o ambiente. Então, criamos um roteiro
Nos emaranhados da experiência Page 11 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
que usamos para nos relacionarmos com a emergência caótica do pensamento: A) passamos então aos
rascunhos; B) traçados e modelagens; C) aspectos imaginativos e complementares.
Figura 1. Território do Sisal n. 4 no mapa da Bahia.
Fonte: Superintendência de Estudos Sociais e Econômicos da Bahia [SEI] (2016).
Passamos então aos rascunhos
No processo de entendimento dessas relações, podemos então rascunhar coisas, desenhar e apresentar
descritivamente ações, modos, sensações, aspectos destacados por nós em momentos importantes.
Rascunhamos conceitos e métodos, criticamos modelos e paradigmas pois tudo parecia tão viscoso e escapulia
de nossas mãos e nossos dedos: o modelo, a norma, os protótipos e os padrões não respondiam ao que nos
interessava observar: o ontológico (natureza-cultura), o epistemológico (metodologia) se dissolvem em uma
grande sopa de vida, do que chamamos de ‘real’, na compreensão do mundo exterior da existência objetiva e
sua representação e das raízes pressupostas.
Page 12 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Essas elucubrações (Figura 2) para compreender a realidade se materializam em abordagens casuais com
aspectos da natureza humana e do não-humano e que implicava no caráter metodológico e obtenção de
conhecimento como prática de uma trilha percorrida.
Figura 2. Concepções em primeiro plano de relações (agências-experiências).
Fonte: Acervo da pesquisa.
O que nos chama a atenção, justamente, são as comparações (Figura 3) entre o campo-teoria e teorias-
metodologias, ontologias-epistemologias que no processo fazemos uso, emergindo o desafio de ler o ambiente
com o que temos, com o background que possuímos e que pode ser desenhado em um esboço primário de uma
experiência de conhecimento em sua representação. Seria um primeiro momento de uma crise, as comparações
com algo estabelecido e ao mesmo tempo em que é o que possuímos para a leitura das relações do ambiente.
Figura 3. Concepções em primeiro plano de relações e redes (comparações).
Fonte:Acervo da pesquisa.
Os aspectos de ensaio que as correspondências assumem no processo de compreender-mo-nos em uma
experiência de mundo entre agências humanas e não-humanas
14
. Na abordagem que realizamos entre 2019-
2022, tais elementos são desenhados em traços correspondentes, em anotações que fizemos em campo, dada
a quantidade de sensações que nos saltam aos olhos e à pele e aos muitos modos de nos representarmos neste
emaranhado de coisas e vidas.
Passamos, então, aos rascunhos. Ao rascunhar-se às margens, deixamos os trilhos e traços e ficamos à
deriva, e a compreendemos como elementos próprios e apropriados de uma experiência. Os nexos das teorias
14
Preciso traçar um nítido contraste, aqui, entre correspondência e interação. A interação vai e vem à medida que os agentes se confrontam, como por exemplo numa situação de
entrevista. Nos meus termos, entretanto, a correspondência não é cara-a-cara, mas lado-a-lado. uma questão de prosseguirmos ao longo juntos. Assim, onde a interação é
transversal, a correspondência é longitudinal. A primeira é delimitada por fins, definidos antecipadamente por cada parte. Estes fins são comummente conhecidos como ‘interesses’
do latim inter (entre) e esse (ser). A perseguição de interesses, na interação, é como uma oscilação entre dois pontos. Mas a correspondência não é uma conexão de pontos, mas
uma vinculação de linhas. Não é interativa, mas sim multilinear. E estas linhas juntam-se não nas extremidades, mas no meio. As extremidades não são dadas antecipadamente, mas
emergem na própria ação, e só são perceptíveis como tais no reconhecimento de novos começos. Aqui, os começos produzem finais, e são produzidos por eles. Cada fim não é um
terminal, mas um momento ao longo do caminho (Ingold, 2023c).
Nos emaranhados da experiência Page 13 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
que pareciam ‘claras e distintas’ passam para essa compreensão do campo, desencadeiam-se em processos de
esboços sem formas, viscosos em traços e linhas que sobressaem as partes fixas e determinadas, o que conta
é o movimento e traços incompletos, sem linearidades ou mesmo as formas perfeitas, em uma fruição dos
processos criativos para a pesquisa. Não há mais cuidado com a teoria porque ela se desfez, resta a dúvida e a
gana de buscar novos signos para aquilo que experimentamos no que o rascunho nos permite. Trata-se de um
artifício desse processo de experiência de concepções em primeiro plano, desfazendo-se ‘nós’ e arestas em
uma nova abordagem qualificável e não quantificável.
As escolhas, como destaca Ingold (2023c), nos permitem sair de uma esfera condicional de interação para
uma variação das correspondências e aspectos diversificadamente organizável das relações do ambiente e das
agências que o ambiente comporta (Figura 4).
Figura 4. Concepções em primeiro plano de relações (correspondências).
Fonte:Acervo da pesquisa.
Desses traços elencados em primeiro plano (Figura 5): agências-experiências, comparações, correspondências
e malhas, podemos passar para uma outra forma de representar a experiência de pesquisa em sopa de
características dessas relações emergentes compreensíveis em primeiro momento como insights. Essas relações já
existentes e percebidas e rascunhadas passam de um movimento de traços para uma modelagem.
Figura 5. Concepções em primeiro plano de relações (malhas).
Fonte: Acervo da pesquisa.
Dos traçados às modelagens
Chamamos então de modelagem um percurso já percorrido e retomado várias vezes, ensaiado e posto como
um roteiro capaz de ser comunicado, e talvez compreendido. Na emergência das relações postas pelas
agências humanas e não-humanas, a nossa incapacidade de percepções como seres humanos nos incapacita
de acessar mundos possíveis, nos restando a imaginação e a linguagem. As relações estabelecidas são parte
de um complexo bio-cognitivo de nossas itinerâncias humanas e nossa experiência possível. Essas condições
Page 14 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
de possibilidade formam então uma modelagem importante para estabelecimento de diálogos, construções e
nossos itinerários e uma experiência qualificável (passível de inserir-se como equipamento cultural de
determinado território).
Várias opções podem nos indicar o caminho percorrido e a ser refeito, fazendo essa mesma trilha de
correspondências na experiência de pesquisa. Reafirmamos traços organizados por computação gráfica e uma
linguagem dos sistemas de redes e teorias operacionais advindas das ciências duras, por exemplo, para
compreensão dos sistemas complexos (Figura 6) em que arestas e ‘nós’se ligam priorizando uma correspondência
específica para uma instrumentalização deste conhecimento levando em conta grau de proximidade,
probabilidades e expectativas de relações (Figura 7). Por tanto, um modelo racional computacional (Figuras 6 e 7).
Figura 6. Representação de uma rede colaborativa em modelagem gráfica.
Fonte:Acervo da pesquisa.
Figura 7. Representação de uma rede em modelagem gráfica.
Fonte:Acervo da pesquisa.
‘Ao sairmos dessa arapuca’
15
constitucional, podemos pensar que a representação de uma modelagem
passa por uma imagem de relações correspondentes bem mais próximo do que estabelecemos no plano do
rascunho, com uma itinerância de vislumbrar a concepção da viscosidade das malhas da vida. Essa perspectiva
assumida se torna uma forma de ensaio de imagem, ensaio gráfico, sem as certezas de relações calculáveis por
percentagens e gradientes, por exemplo.
15
Expressão do sudoeste baiano que significa, sair de uma armadilha. Arapuca é um artefato feito de madeira, de forma triangular para capturar pássaros e outros animais de pequeno porte.
Nos emaranhados da experiência Page 15 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Aspectos imaginativos e complementares
A imaginação se representa na forma e não na informação, sendo então uma imagem completa e não um
anexo do conhecimento. Imaginar é por em imagem algo intangível, uma ideia, uma experiência, ou seja,
concretizá-lo na medida em que se percebem as relações estabelecidas, também é formar, pois vai trazer à
baila a perspectiva da experiência como catalisador das malhas de vida. São correspondências elementares de
malhas interpostas que se fazem imagens sobrepostas e que nos auxiliam no conhecimento.
O conhecimento das malhas, as correspondências humanas e o-humanas, podem ser traduzidos como formas
de vidas variadas e amplamente conectadas pois não existem pontos fixos, mas linhas que convergem
constantemente. Por isso, nessa horizontalidade das coisas que se organizam ambientalmente, o ambiente de
vegetais é tipificado pela organização de vidas do semiárido, clima seco e ações do trabalho humano.
Assim, o trabalho humano tanto modifica como complementa essas relações de correspondências com os
não-humanos, intensificando e desorganizando as informações (Figura 8A e B). Não é possível catalogar,
compartimentar e desqualificar essas relações já postas como parte do ambiente e das ações de seus agentes.
Podemos informar e classificar, mas haverá falta e não complementaridade.
O processo de aprendizado por redescobrimento dirigido é transmitido mais corretamente pela noção de mostrar.
Mostrar alguma coisa a alguém é fazer esta coisa se tornar presente para esta pessoa, de modo que ela possa apreendê-la
diretamente, seja olhando, ouvindo ou sentindo (Ingold, 2010, p. 21).
B
Figura 8. A e B - A imaginação se apresenta na forma da imagem e não na informação.
Fonte:Acervo da pesquisa.
Por fim, destacamos que esse processo de compreensão das relações dos ambientes (Figura 9A e B), mesmo
no sentido de compreendê-los pelas representações do conhecimento, nos aponta o limite das informações,
sua transmissão e como processo de educação para a atenção. A informação não substitui o conhecimento e
a experiência nos processos biocognitivos, pois cozinhar é muito mais que ler uma receita. Cozinhar, por
exemplo, é uma atividade expressiva de um processo complexo que envolve inúmeras agências de corpos
entrelaçados em ambiente (Ingold, 2010).
B
Figura 9. A e B - As correspondências humanas e não-humanas traduzidas em formas.
Fonte: Acervo da pesquisa.
Page 16 of 17 Viana e Jesus
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Considerações finais
Tratamos então de uma forma de estar no mundo como um caminhante no semiárido, caminhamos e
experimentamos, deslumbramos e nos relacionamos. Talvez, essas representações do ambiente de
correspondências estabelecidas no âmbito da leitura de Tim Ingold sobre o ambiente e as agências possam ser
mais que fonte, mais inspiração para tentar formas de restabelecermos novas conexões epistêmicas. Não
apenas como uma desconstrução, descontinuidades ou mesmo anti-continuidade da epistemologia. Mas com
complementaridade.
A proposta é seguir-se no mundo transpassado de sensações, relações e malhas e que gera experiências
qualificáveis, desobstruindo os fluxos da vida ao nosso entorno. Isso nos permite substituir e ir contra-
tendência de busca de dados (informações), mas buscar formas, querer formar, descrever e compreender as
formas. Representá-las rotundas, cheias, viscosas e confusas. Como seixos de rolamentos no leito de um rio
temporal que seca no verão com sol do Território do Sisal. Ou como as tramas de uma bromélia, o caruá,
comumente tratada como erva daninha, mas que nas mãos das tecelãs vira bolsas, chapéus e roupas da alta
costura. Talvez o coco licuri, que é um alimento de um coqueiro pouco explorado e plantado naturalmente
nos quintais, se torne algo de alto valor comercial e nutritivo, somando sabor, saber e experiências
diversificadas. Assim, todas essas correspondências entre humanos e não-humanos podem ser qualificadas
como evento interessante a ser mostrado e caracterizado.
O que nos interessa é que essas gamas de organizações de vidas humanas e não-humanas não se conectam
ou se percebem como conexão se não houver uma tendência de organização e uma difusão de conhecimento.
Nessa abordagem o conhecimento não-hierarquizado pode ser organizado como elemento vivencial, um plus
de relações dos saberes próprios e apropriados.
Permitindo-nos a redundância, a comunicação entre seres só qualifica a qualificação do mundo como espaço
das experiências que nos permite ouvir, olhar, sentir, saborear. Não há dados que gravem uma informação que só
a forma nos pode comunicar. Falamos então disso, como uma organização das experiências da comunicação como
uma parte fundamental de nossas pesquisas. Ou seja, estar no mundo como um olhante, um transeunte que sente
o sol, sente a chuva, organiza pensamentos, representa formas, compreende-se no ambiente como tal.
Referências
Barabási, A. L. (2003). Linked: the new science of networks. New York, NY: Perseus Pub.
Calvino, I. (2002). Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo, SP: Editora Companhia
das Letras.
Cassino, J. F. (2021). O sul global e os desafios pós-coloniais na era digital. In J. F. Cassino, J. Souza, & S. A.
Silveira, Colonialismo de dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal (p. 13-31). São
Paulo, SP: Autonomia Literária.
Chalmers, A. F. (1993). O que é ciência afinal?. São Paulo, SP: Brasiliense.
Descartes, R. (2000). Discurso do método. In R. Descartes, Os pensadores: Descartes (33-100). São Paulo, SP:
Editora Nova Cultural.
Dimantas, H. (2010). Linkania: uma teoria de redes. São Paulo, SP: Editora Senac São Paulo.
Duarte, L. F. D. (2018). Ciências humanas e neurociências: um confronto crítico a partir de um contexto
educacional. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 33(97), 3-20. DOI: https://doi.org/10.1590/339702/2018
Guattari, F. (1990). Las tres ecologías. Campinas, SP: Papirus.
Hacker, P. M. (2007). Natureza humana. Porto Alegre, RS: Artmed Editora.
Ingold, T. (2006). Sobre a distincão entre evolucão e história. Antropoltica, 20(10), 17-36.
Ingold, T. (2008). ‘Pare, Olhe, Escute! Visão, Audição e Movimento Humano’. Ponto Urbe, 1(3), 1-53.
Ingold, T. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, 33(1), 6-25.
Ingold, T. (2011). ‘Gente como a gente’: o conceito de homem anatomicamente moderno, Ponto Urbe,1(9), 1-25.
Ingold, T. (2012). Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais.
Horizontes Antropológicos, 18(37), 25-44. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
Ingold, T. (2017). On human correspondence. Journal of the Royal Anthropological Institute, 23(1), 9-27. DOI:
https://doi.org/10.1111/1467-9655.12541
Nos emaranhados da experiência Page 17 of 17
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 46, e69256, 2024
Ingold, T. (2019). Antropologia: para que serve?. Petrópolis, RJ: Vozes.
Ingold, T. (2023). Tim Ingold. Recuperado de: https://www.timingold.com/
Ingold, T. (2023a). Domande dal fiume Yamuna. Animot, 1(13), 109-113.
Ingold, T. (2023b). A breath of fresh air: or, why the body is not embodied. SubStance, 52(1), 100-107.
DOI: https://doi:10.1353/sub.2023.a900536
Ingold, T. (2023c). Sobre não conhecer e prestar atenção: como caminhar em um mundo possível. Esferas,
1(26), 279-308. DOI: https://doi.org/10.31501/esf.v1i26.14466
Latour, B. (2012).Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede.Salvador, BA: Edufba.
Leitão, F. M. A. S. (2001). Francis Bacon e a interpretação da natureza: o caminho para o progresso das
ciências. In J. G. Vasconcelos, A. G. Magalhães Júnior, & J. M. Fonteles Filho (Orgs.), Ditos (mau)ditos (p.
23-32). Fortaleza, CE: Editora Gráfica LCR.
Mafra, C., Bonet, O., Velho, O., & Prado, R. (2014). A antropologia como participante de uma grande
conversa para moldar o mundo. entrevista com Tim Ingold. Sociologia & Antropologia, 4(2), 303-326.
DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752014v421
Marteleto, R. M. (2007). Informação, saúde, transdisciplinaridade e a construção de uma epistemologia
social. Ciência & Saúde Coletiva, 12(1), 576-579.
González de Gómez, M. N. (2007). As autoras respondem. Ciência & Saúde Coletiva, 12(1), 579-585.
Montagner, M. Â., & Montagner, M. I (2011). A teoria geral dos campos de Pierre Bourdieu: uma leitura.
Revista Tempus: Actas de Saúde Coletiva, 5(2), 255-273.
Meneghetti, F. K. (2011). O que um ensaio-teórico?. Revista de Administração Contempânea, 15(2), 320-332.
Nagel, T. (2001). Uma breve introdução à filosofia.São Paulo, SP: Martins Fontes.
Perdomo Marín, J. C. (2020). La ramificación ontológica: evaluación crítica de la antropología
contemporánea. Hallazgos, 17(34), 273-302. DOI: https://doi.org/10.15332/2422409X.5283
Pitrou, P. (2015). Uma antropologia além de natureza e cultura?. Mana,21(1), 181-194.
DOI: https://dx.doi.org/10.1590/0104-93132015v21n1p181
Ochoa-Manjarrés, M. T. (2019). El lenguaje ambiental: una cultura del cuidado de la salud. Revista
Colombiana de Sociología,42(1), 117-134. DOI: https://doi.org/10.15446/rcs.v42n1.72386
Reale, G., & Antiseri, D. (1990). História da filosofia: do humanismo a Kant (Vol. 2). São Paulo, SP: Paulus.
Russel, B. (2001). História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro.
Superintendência de Estudos Sociais e Econômicos da Bahia [SEI]. (2016). Perfil dos territórios de Identidade.
Salvador, BA: SEI.
Silva, R. C. M. (2011). A teoria da pessoa de Tim Ingold: mudança ou continuidade nas representações
ocidentais e nos conceitos antropológicos?. Horizontes Antropológicos, 17(35), 357-389.
DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-71832011000100012
Vaz, H. C. L. (1991). Antropologia filosófica I. São Paulo, SP: Ed. Loyola.
Zilles, U. (2002). Filosofia da religião.São Paulo, SP: Paulus.
Zuboff, S. (2018). Big other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. In
F. Bruno, B. Cardoso, M. Kanashiro, L. Guilhon, & L. Melgaço (Orgs.), Tecnopolíticas da vigilância:
perspectivas da margem (p. 17-68). São Paulo, SP: Boitempo.
Watts, D. J. (2009). Seis graus de separação: a evolução da ciência de redes em uma era conectada. São Paulo,
SP: Leopardo.
ResearchGate has not been able to resolve any citations for this publication.
Article
Full-text available
Conhecimento e sabedoria frequentemente operam com propósitos cruzados. Em particular, sabedoria significa virar-se em direção ao mundo, prestando atenção às coisas que encontramos lá, enquanto com o conhecimento nós viramos nossas costas para elas. Conhecimento floresce sobre a certeza e previsibilidade. Porém, em um certo mundo onde tudo é integrado [joined up], nada poderia viver ou crescer. Se um mundo de vida é necessariamente incerto, ele também se abre à pura possibilidade. Para chegar em tal possibilidade, contudo, nós temos que repensar a relação entre fazer e sofrer [undergoing], ou entre modelos intencionais e atencionais de ação. Eu mostro como a atenção corta uma estrada longitudinalmente através das conexões transversais entre intenções e seus objetos. Onde a intenção é preditiva, atenção é antecipatória. E se o outro lado da predição é a falha da ignorância, o outro lado da antecipação é a possibilidade de não saber. A ideia de que conhecimento preditivo demanda explicação perpetua a equação do não-saber com a ignorância. Educação, ciência e o Estado são poderosas máquinas para a perpetuação da ignorância. Eu argumento, entretanto, que ignorância e não-saber são coisas inteiramente diferentes. Em um mundo de vida, não-saber não denota ignorância, mas a sabedoria que reside em atentar para as coisas.
Article
Full-text available
Este artículo presenta una revisión de los debates ontológicos en la antropología contemporánea. Para esta tarea, primero, se identificarán las condiciones históricas y epistemológicas que posibilitaron y guiaron su surgimiento; segundo, se caracterizarán panorámicamente sus ramificaciones teóricas, haciendo hincapié en los elementos comunes que las agrupan, junto con las particularidades y los desencuentros que las diferencian; por último, se realizará una evaluación crítica de sus principales ponentes, con el fin de develar posibles falencias y potencialidades. Este ejercicio, en suma, permitirá comprender lo que puede significar hacer antropología en el presente y hacia a dónde tiende a apuntar su futuro.
Article
Full-text available
La relación entre salud y ambiente ha sido explorada desde antiguas y nuevas tradiciones de conocimiento. De manera particular, este artículo explora las formas de pensamiento subyacentes a la relación entre salud y ambiente característica del mundo moderno, mediante el uso de la hermenéutica como método para indagar la concepción de la realidad, propia de la razón moderna occidental, que impregna las teorías y los conceptos expresados en las prácticas dentro de los ecosistemas y en la salud humana.A partir de fuentes empíricas y conceptuales, seleccionadas dentro del amplio espectro de publicaciones científicas y de otros saberes, se configuró el escenario más apropiado que evidencia los cambios en la relación entre cultura y naturaleza. Esta selección se orientó por criterios históricos y de diversidad de perspectivas disciplinares que abarcan los dos polos de la relación.La hermenéutica ontológica reintroduce al ser humano en la naturaleza y permite reinterpretar la relación entre salud y ambiente como indivisible, para contrastarla con las categorías del entendimiento fragmentado propio de la razón occidental. Esta comprensión alternativa y relacional identifica en la salud el simbolismo que crea y alimenta relaciones de reciprocidad y solidaridad, teniendo en cuenta lo afectivo en la vida cotidiana y la configuración del ambiente como una realidad privilegiada dentro de un conjunto de posibilidades que celebran la vida y el cuidado.El lenguaje constituye lo que somos y crea relaciones que conectan nuestro interior con otras personas y con los ecosistemas, para superar el dualismo heredado de dos grandes órdenes en oposición: cultura y naturaleza. De esta manera, una razón simbólica o relacional nos aproxima a comprensiones de complejidad y hace posible trasladar al futuro nuestra propia interpretación de la relación entre salud y ambiente, para resolver la crisis ambiental y evitar que se repita.
Article
Full-text available
A antropologia contemporânea tem se aberto com grande entusiasmo para uma revisão das bases tradicionais da oposição entre “natureza” e “cultura”, seguindo tendências antirrepresentacionalistas e hiperempiristas que se fundam em um conjunto complexo de argumentos filosóficos e éticos. Ao mesmo tempo, novas configurações das ciências naturais retomam os postulados mecanicistas originais dessa área. O vasto campo contemporâneo das neurociências tem sido pródigo em propostas materialistas deterministas, ao explorar a conexão cerebral da experiência humana com potentes recursos e ambições de grande envergadura. A coetaneidade desses movimentos sugere que se resuma em que se aproximam e se distinguem esses “naturalismos” biomédicos e antropológicos. Mas se trata aqui sobretudo de resumir os principais fios do diálogo tenso que se vai desenhando entre as posições características dos dois grandes campos, com importantes desafios para o empreendimento antropológico; tal como expresso nas exposições do recente Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
Article
Full-text available
O trabalho apresenta as ideias elaboradas pelo autor Alan Chalmers na obra intitulada “O que é ciências afinal?”, considerada uma das melhores introduções à filosofia da ciência na atualidade. O autor explica de forma didática os métodos e conceitos que caracterizam a ciência, questionando inicialmente o status atribuído à atividade científica no contexto social e a visão simplificada sobre o verdadeiro objetivo dos domínios da ciência. Na obra o autor procura esmiuçar, a velha ortodoxia da filosofia da ciência pré-popperiana, seguindo da apresentação da concepção de renomados filósofos da ciência e os diversos debates que se desdobraram sobre o estatuto da verdade. Com estilo bastante amigável na arguição dos fatos históricos e atuais da ciência, o autor objetiva combater a chamada “ideologia da ciência”, mesmo reconhecendo que seu questionamento sobre “o que é ciência, afinal?”, foi presunçoso e que as generalizações universais em torno desta indagação não a explicam.
Article
Full-text available
Como a Antropologia pode desenvolver suas próprias investigações além de natureza e de cultura? Junto com Latour ou Descola, Tim Ingold e Gisli Palsson lidam com esta questão, propondo quadros teóricos e metodologias específicos. O objetivo da revisão do livro editado por estes dois autores é mostrar que é possível fazer o estudo da vida, do ponto de vista antropológico, partindo de, pelo menos, duas premissas: a integração de dados biológicos na pesquisa etnográfica e a restituição de concepções de vida das sociedades não ocidentais. Exponho também alguns dos problemas epistemológicos que essas abordagens vêm levantando.
Article
In this article I offer an overture to social life, starting from the premise that every living being should be envisaged not as a blob but as a bundle of lines. I show that in joining with one another, these lines comprise a meshwork, in which every node is a knot. And in answering to one another, lifelines co-respond. I propose the term 'correspondence' to connote their affiliation, and go on to show that correspondence rests on three essential principles: of habit (rather than volition), 'agencing' (rather than agency), and attentionality (rather than intentionality). I explain habit as 'doing undergoing', agencing as a process in which the 'I' emerges as a question, and attention as a resonant coupling of concurrent movements. I discuss the ethical and imaginative dimensions of correspondence under the respective rubrics of care and longing. Finally, I spell out the implications of a theory of correspondence for the way we approach classic themes of anthropological inquiry, including kinship and affinity, ecology and economy, ritual and religion, and politics and law. In a coda, I suggest that anthropology, too, must be a discipline of correspondence.