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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais no Brasil, Estados Unidos e Alemanha

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Abstract

Resumo Aborda-se, pelo método histórico-comparativo, impactos, nos Estados dos EUA, Alemanha e Brasil, das quatro crises econômicas internacionais ocorridas até 2019, focando-se, principalmente, em seus efeitos no regime político e no pós-2008. Os países selecionados tiveram distintas experiências autoritárias, remotas ou atuais. Conceituo o Estado tridimensionalmente: regime político, aparato decisor e estrutura de dominação política escorada em coalizões. Argumento que as respectivas conjunturas críticas internacionais tendem a impactar nesta sua tridimensionalidade, facilitando a observação de suas variações e continuidades. Formulo e corroboro três hipóteses sobre essas crises: elas tendem a aumentar ou diminuir os níveis de democracia ou autocracia dos regimes ou a mudá-los; a resposta autocratizante depende de uma relação de forças pró-empresarial, que subordine os trabalhadores; o compromisso democrático dos atores opera contra a autocratização. A contribuição com a literatura está no modo de abordagem dos processos de autocratização e democratização, aqui investigados pelos impactos das crises econômicas internacionais nos Estados. As conjunturas críticas iluminam componentes-chave da mutabilidade do Leviatã. Investiga-se o regime político pela economia política das relações entre Estado, mercados e classes sociais, e não exclusivamente pelas variáveis político-institucionais. Analisam-se mecanismos de intersecção da esfera e dos atores político-institucionais com as estruturas e atores econômicos e sociais, que, impactando na tridimensionalidade do Estado, ensejam mudanças de regime ou no regime.
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[Artigos Originais]
Três por Quatro: Impactos
Políticos das Crises
Econômicas Internacionais
no Brasil, Estados Unidos e
Alemanha*1
Marcus Ianoni1
1Professor do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói, RJ. Brasil.
E-mail: marcusianoni@id.u.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6072-0518
DOI: https://doi.org/10.1590/dados.2025.68.1.343
*Uma versão preliminar deste artigo foi publicada nos Anais do 13º Encontro da ABCP (Ianoni,
2022). Agradeço aos pareceristas anônimos pelas observações críticas e à Proppi-UFF e ao PPG-
CP-UFF pelo apoio.
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
Resumo
Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas
Internacionais no Brasil, Estados Unidos e Alemanha
Aborda-se, pelo método histórico-comparativo, impactos, nos Estados dos EUA, Ale-
manha e Brasil, das quatro crises econômicas internacionais ocorridas até 2019, focan
-
do-se, principalmente, em seus efeitos no regime político e no pós-2008. Os países
selecionados tiveram distintas experiências autoritárias, remotas ou atuais. Conceituo
o Estado tridimensionalmente: regime político, aparato decisor e estrutura de domi-
nação política escorada em coalizões. Argumento que as respectivas conjunturas
críticas internacionais tendem a impactar nesta sua tridimensionalidade, facilitando
a observação de suas variações e continuidades. Formulo e corroboro três hipóteses
sobre essas crises: elas tendem a aumentar ou diminuir os níveis de democracia ou
autocracia dos regimes ou a mudá-los; a resposta autocratizante depende de uma
relação de forças pró-empresarial, que subordine os trabalhadores; o compromisso
democrático dos atores opera contra a autocratização. A contribuição com a litera
-
tura está no modo de abordagem dos processos de autocratização e democratização,
aqui investigados pelos impactos das crises econômicas internacionais nos Estados.
As conjunturas críticas iluminam componentes-chave da mutabilidade do Leviatã.
Investiga-se o regime político pela economia política das relações entre Estado, mer-
cados e classes sociais, e não exclusivamente pelas variáveis político-institucionais.
Analisam-se mecanismos de intersecção da esfera e dos atores político-institucionais
com as estruturas e atores econômicos e sociais, que, impactando na tridimensiona-
lidade do Estado, ensejam mudanças de regime ou no regime.
Palavras-chave: crises do capitalismo, Estado, regimes políticos, autocratização,
coalizões
Abstract
Three by Four: Political Impacts of International Economic
Crises in Brazil, the United States and Germany
This study uses a historical-comparative method to examine the impacts of the
four international economic crises that occurred until 2019 on the United States,
Germany, and Brazil, focusing primarily on their eects on the political regime and
the post-2008 period. The selected countries had dierent authoritarian experien-
ces, either in the distant past or more recently. The State is conceptualized along
three dimensions: political regime, decision-making apparatus, and the structure
of political domination supported by coalitions. The argument is that the respective
international critical junctures tend to impact this three-dimensionality, making it
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easier to observe their variations and continuities. Three hypotheses are formulated
and corroborated regarding these crises: they tend to increase or decrease the levels
of democracy or autocracy in regimes or change them; autocratization depends
on a pro-business power balance that subordinates workers; the democratic com-
mitment of actors operates against autocratization. This study’s contribution to the
literature lies in the approach to processes of autocratization and democratization,
which are investigated here through the impacts of international economic crises
on States. Critical junctures shed light on key components of the mutability of the
Leviathan. It investigates the political regime through the political economy of
the relationships between the State, markets, and social classes, not exclusively
through political-institutional variables. Mechanisms of intersection between the
political-institutional sphere and economic and social structures and actors are
analyzed. These mechanisms impact the three-dimensionality of the State, leading
to changes in the regime or within the regime.
Keywords: capitalism crises; State; political regimes; autocratization; coalitions
Résumé
Trois sur quatre : L'Impact Politique des Crises Économiques
Internationales au Brésil, aux États-Unis et en Allemagne
Par la méthode historique-comparative, cet article aborde les impacts, sur les États-
Unis, l’Allemagne et le Brésil, des quatre crises économiques internationales survenues
jusqu’en 2019, en se concentrant principalement sur leurs eets sur le régime politique
et le post-2008. Les pays sélectionnés ont eu des expériences autoritaires distinctes,
anciennes ou actuelles. Je conceptualise l’État de manière tridimensionnelle : régime
politique, appareil décisionnel et structure de domination politique appuyée sur des
coalitions. J’argumente que les conjonctures internationales critiques ont tendance à
avoir un impact sur cette tridimensionalité, facilitant l’observation de ses variations et
continuités. Je formule et corrobore trois hypothèses sur ces crises : elles ont tendance
à augmenter ou diminuer les niveaux de démocratie ou d’autocratie des régimes ou à
les changer ; la réponse autocratisante dépend d’une relation de forces pro-entreprises,
subordonnant les travailleurs ; l’engagement démocratique des acteurs s’oppose à
l’autocratisation. La contribution à la littérature réside dans la manière d’aborder les
processus d’autocratisation et de démocratisation, ici étudiés à travers les impacts des
crises économiques internationales sur les États. Les conjonctures critiques éclairent
les composants clés de la mutabilité du Léviathan. On examine le régime politique par
la politique économique des relations entre l’État, les marchés et les classes sociales,
et non exclusivement par les variables politico-institutionnelles. On analyse les méca-
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nismes d’intersection de la sphère et des acteurs politico-institutionnels avec les struc-
tures et acteurs économiques et sociaux, qui, impactant la tridimensionalité de l’État,
entraînent des changements de régime ou dans le régime.
Mots-clés : crises du capitalisme, État, régimes politiques, autocratisation, coalitions
Resumen
Tres por cuatro: El Impacto Político de las Crisis Económicas
Internacionales en Brasil, Estados Unidos y Alemania
Por medio del método histórico comparativo, se abordan los impactos en los
Estados de Estados Unidos, Alemania y Brasil, de las cuatro crisis económicas
internacionales que han ocurrido hasta 2019, enfocándose, principalmente, en
sus efectos en el régimen político y en el periodo posterior a 2008. Los países
seleccionados tuvieron distintas experiencias autoritarias, antiguas o actuales.
Deno al Estado de una forma tridimensional: régimen político, aparato decisor
y estructura de dominación política respaldada en coaliciones. Argumento que
las respectivas coyunturas críticas internacionales tienden a impactar esta tridi-
mensionalidad, facilitando la observación de sus variaciones y continuidades. Así,
formulo y corroboro tres hipótesis sobre esas crisis: tienden a aumentar o dismi-
nuir los niveles de democracia o autocracia de los regímenes o a cambiarlos; la
respuesta autocratizante depende de una relación de fuerzas proempresarial que
subordina a los trabajadores; y el compromiso democrático de los actores opera
contra la autocratización. La contribución a la literatura se relaciona con el modo
de abordar los procesos de autocratización y democratización aquí investigados
por los impactos de las crisis económicas internacionales en los Estados. Las
coyunturas críticas vislumbran componentes clave de la mutabilidad del Leviatán.
Se investiga el régimen político a partir de la economía política de las relaciones
entre Estado, mercados y clases sociales, y no exclusivamente por las variables
político-institucionales. Se analizan mecanismos de intersección de la esfera y
de los actores político-institucionales con las estructuras y actores económicos y
sociales, que, impactando en la tridimensionalidad del Estado, implican cambios
de régimen o en el régimen.
Palabras clave: crisis del capitalismo, Estado, regímenes políticos, autocratización,
coaliciones
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Introdução
Este trabalho investiga, pelo método histórico-comparativo (Lijphart,
1971), impactos das quatro grandes crises internacionais do capitalismo
ocorridas até 2019 – Longa Depressão, Grande Depressão, Crise de Estaga-
ção e Grande Recessão – nos Estados de três países, Estados Unidos (EUA),
Alemanha e Brasil.1 Dada a autocratização pós-2008, foca-se mais na
dimensão do regime político do Estado e na Grande Recessão, que alavancou
desdemocratizações. Mas articulo o regime com outras duas dimensões
do Estado: associação política alavancada em coalizões e decision-maker
(Weber, 2004). Autocratização refere-se à tendência autoritária, em um
período temporal, que, inuenciando várias nações, diminui o número
de países em democratização (Lührmann, Lindberg, 2019).
Analiso o Estado tridimensionalmente. Regime é a institucionalidade regu-
ladora do processo de governo (formação, mudança, direito à oposição
etc.) e das relações entre o Estado e a sociedade. Ademais, o Estado é
uma organização de dominação política que toma decisões, destacando-se
as relacionadas à sua forma institucional e à economia –objeto-chave da
luta política.2 Sua função decisória ambienta-se em um quadro estrutural
complexo, sobressaindo-se a sociedade civil, as classes sociais, os merca-
dos interno e externo, o sistema internacional. Neste cenário, os atores
associam-se e demandam, segundo suas preferências, decisões sobre
políticas públicas e regras institucionais. Como no capitalismo a produção
dos bens e serviços é privada, as decisões do Estado, em qualquer regime,
têm a acumulação como estrutura de referência (Oe, 1984; Przeworski,
1995) e dependem de e expressam alianças de apoio, de natureza político-
-institucional e sociopolítica. A dinâmica das alianças gera relações de
cooperação, competição e conito.
O artigo inspira-se em Gourevitch (1986), que, para compreender as causas
políticas das escolhas das políticas econômicas, comparou os impactos
das três primeiras crises da economia internacional em cinco países desen-
volvidos (Alemanha, EUA, França, Reino Unido [RU] e Suécia). Ele obser-
vou como as crises induziram mudanças em duas variáveis do Estado: as
políticas econômicas e as coalizões que as alavancaram. A comparação
aqui é ainda maior, pois acrescento uma terceira variável, o regime polí-
tico, e a quarta crise, a Grande Recessão. Assim, este trabalho enfrenta o
dilema da comparação nas ciências sociais: muitas variáveis, poucos casos
(Lijphart, 1971). Cada uma das quatro crises internacionais são as variáveis
independentes; as três variáveis dependentes compõem o conceito de Estado:
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as coalizões, as decisões sobre políticas públicas e regras institucionais e o eixo
autocratização-democratização dos regimes. Argumenta-se que as distin-
tas respostas nacionais às crises internacionais resultam das interações
entre esses estímulos externos comuns e fatores internos especícos,
que tendem a redenir o Estado tridimensionalmente, como regime,
decision-maker e associação de dominação política coalizada. O processo
de resposta às crises tende a recongurar as alianças e preferências dos
atores-chave relacionadas às decisões do Estado, sobretudo na política
econômica, tendência que, frequentemente, também incide no regime,
mudando-o ou fortalecendo ou enfraquecendo cursos de democratização
ou autocratização. Como as três variáveis dependentes convergem no
Estado, ele as sintetiza. As crises internacionais são conjunturas críticas,
que, em relação aos atores, balizam suas preferências, assim como as
coalizões e oposições políticas e a correlação de forças. Contextualizando
singularmente a ação política (institucional e social), as crises são fontes
empíricas privilegiadas para analisar alterações no arranjo tridimensional
do Estado. Nas crises internacionais, os distintos deslocamentos dos paí-
ses no espectro dos regimes políticos, iluminam encontros e desencontros
entre capitalismo, autoritarismo e democracia.
Selecionei Alemanha, Brasil e EUA, para o propósito histórico-compa-
rativo, pelo seguinte: nas quatro crises internacionais aqui examinadas,
eles apresentaram uma inserção tal na economia mundial que essas con-
junturas críticas necessariamente os alcançaram, impactando na tridi-
mensionalidade conceitual de seus Estados, apesar de suas diferenças
em estrutura produtiva, transações externas e renda (alta ou média); são
atores importantes na economia mundial ou regional; experimentaram
alguma autocratização (remota ou atual) domesticamente produzida. Eles
possuem semelhanças e diferenças nos deslocamentos no eixo autocra-
tização-democratização. Brasil e Alemanha experimentaram regimes
autoritários, mas o primeiro nunca passou pelo fascismo, caracterizado,
sobretudo, por apresentar uma liderança ditatorial mobilizadora das
massas, visando legitimação popular para controlar completamente a
vida das pessoas e aniquilar qualquer oposição política (Stanley, 2018).
Porém, há tendências neofascistas no bolsonarismo (Boito, 2020). Desde
1945, a Alemanha percorre uma trajetória democrática, embora, no pós-
2008, a extrema-direita ressurgiu. Os EUA, costumeiramente considera-
dos uma democracia plena, perderam qualidade democrática no pós-
2008, passando pelo governo Trump, líder qualicado por alguns como
neofascista (DiMaggio, 2021). A análise mobiliza sincronia e diacronia,
semelhança e diferença, comparações intranacionais e internacionais.
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Como as crises econômicas internacionais impactam nas três variáveis
do Estado, ensejando, em alguns contextos nacionais, deslocamentos
nos regimes políticos?
Formulo três hipóteses correlacionando crises econômicas internacio-
nais e regimes políticos. A primeira refere-se à chance de elas mudarem
os regimes ou de induzirem ao aumento ou redução dos seus níveis de
democracia ou autocracia. Tais efeitos correspondem a pressões estru-
turais e de agência favoráveis ou prejudiciais à ampliação ou à restrição
das igualdades socioeconômica e política, dependendo das preferências
dos atores relevantes e da relação de forças entre as alianças em ação.
As pressões acirram o conito distributivo, podendo ensejar tanto res-
postas mais universais e igualitárias – que desenvolvem a cidadania e os
grupos sociais que o Estado visa beneciar com suas ações –, como mais
restritivas, combinando a exclusão pelo mercado (desemprego etc) com
a redução de direitos (civis, políticos, sociais). A segunda hipótese é que,
nas crises internacionais, a autocratização (em vários graus) pressupõe
gerar-se uma relação de forças pró-empresariado e de subordinação dos
trabalhadores. Nesse sentido, destaco três situações: a) predominância
de uma liderança autoritário-mobilizadora aliada aos conservadores e aos
empresários, em contexto de ingovernabilidade (Hitler); b) uma aliança
autoritário-mobilizadora entre o conjunto ou parte do grande empresa-
riado e segmentos conservadores do eleitorado, em contexto de crise de
legitimidade democrática (Bolsonaro e Trump); c) quando, em contextos
de crise de hegemonia ou de equilíbrio de classes, emerge uma liderança
militarmente respaldada, que impulsiona, antidemocraticamente, a auto-
nomia relativa do Estado (Alemanha de Otto von Bismarck e o Estado Novo,
no Brasil). A terceira hipótese é que o compromisso democrático dos atores
é uma barreira contra a autocratização.
Desancorado do exclusivismo institucionalista, hegemônico na ciência
política (e. g. Levitsky, Ziblatt, 2018; Lührmann, Lindberg, 2019), examino
regimes políticos e a atual onda autoritária domesticamente produzida.
Apoio-me em visões (neo)marxistas do Estado (Przeworski, 1995) e da eco-
nomia política, nesse caso, a régulation theory (Boyer, Saillard [ed.], 2002),
útil para iluminar as distintas fases do capitalismo vigentes nas quatro
crises examinadas. Viso contribuir empiricamente para compreender,
interdisciplinarmente, autocratização e democratização nacionalmente
geradas (exceptuando o pós-1945 alemão), induzidas pelas crises interna-
cionais, como processos assentados nas esferas econômica, social, política
e ideológica, que evocam a referida concepção tridimensional do Estado.
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Crises do Capitalismo e
Transformações no Estado
O debate sobre a crise do capitalismo reemergiu com a Grande Recessão
(2007-2008). Desde então, fala-se em estagnação secular, reinvenção do
capitalismo, indaga-se sobre seu m etc (Streeck, 2016).
3
Adoto como
denição de crise econômica “a sharp deterioration in aggregate econo-
mic performance, indicated by slow growth and accelerating ination”,
ou deação, que não se autocorrige (Haggard, Kaufman, 1995, p. 8). No
pós-2008, aoraram debates sobre a crise da democracia e a onda autoritá-
ria. A atual coexistência das crises do capitalismo neoliberal e da democracia
enseja examinar, em perspectiva histórica e comparada mais amplas,
como as três crises econômicas internacionais passadas, além da atual,
impactaram nos Estados de alguns países.
Nas crises econômicas, processos estruturais (produção, empregos, mer-
cados, moedas) e de agência (decisões, coalizões) combinam-se. A agenda
pública e as alianças entre os atores tendem a mudar. Por vezes, as mudan-
ças vêm por eleições, quando se trocam governos. Noutros casos, governan-
tes reformulam suas políticas, renunciam ao cargo, há golpes de Estado,
revoluções. Alterações em políticas públicas, alianças e na relação de forças
tendem a encadear-se seja com mudanças quantitativas nos regimes polí-
ticos – que aumentam ou diminuem seus graus de autoritarismo e demo-
cracia – ou qualitativas, gerando sua substituição. Abordarei efeitos das
quatro crises internacionais mencionadas nos três Estados selecionados.
Longa Depressão (1873-1896)
A Longa Depressão, primeira crise econômica internacional, ocorreu no
m do século XIX, em contexto de liberalismo econômico, Segunda Revo-
lução Industrial, substituição do bimetalismo pelo padrão-ouro e primeira
onda democrática (Huntington, 1991). Quanto ao padrão-ouro, Polanyi
(2001) atentou para os riscos da uniformização de políticas econômicas
visando congurar mercados mundiais autorregulados. Um dos principais
sintomas desta crise foi a ampla e duradoura deação. O debate político
centrou-se no posicionamento dos países sobre o comércio internacional
(Gourevitch, 1986). Livre-comércio ou protecionismo?
Nos EUA, o m da Guerra Civil ensejou prosperidade nos negócios urba-
nos, indústria e nanças. Aberta após uma década de prosperidade, a
crise teve duas ondas, os pânicos de 1873 e 1893. Em 1896, na segunda
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onda, houve uma eleição de realinhamento, “an election type in which the
depth and intensity of electoral involvement are high, in which more
or less profound readjustments occur in the relations of power within
the community, and in which new and durable electoral groupings are
formed” (V. O. Key Jr., 1955, p. 4). Essa eleição presidencial delimitou os
principais conitos de interesse e alianças, opondo duas coalizões entre
partidos políticos e atores sociais. A vencedora, que enfatizou a produção
e os empregos na indústria pesada, reuniu o grande empresariado urbano
e trabalhadores mais qualicados no apoio ao Republicano William McKin-
ley, defendendo o protecionismo industrial e o livre-comércio agrícola; a
derrotada, qualicada como populista e progressiva, resultante da fusão
entre o People’s Party e os Democratas, concebia os cidadãos como consu-
midores e demandou a generalização do free trade. Esse resultado eleitoral
impactou no sistema político: encerrou o bipartidarismo equilibrado do
Terceiro Sistema Partidário e inaugurou o Quarto Sistema Partidário (Her-
shey, 2014), caracterizado por quatro décadas de dominância do Partido
Republicano (doravante PR ou Republicanos).
Na Alemanha de Bismarck, o livre-comércio, ancorado nos junkers, deu
vez ao protecionismo, amparado na iron and rye coalition, um bloco de
apoio entre a indústria pesada e a agricultura, mediado pela aliança entre
os partidos Liberal Nacional e Conservador. O resultado político e ideológico
reforçou, até 1918, o nacionalismo, o militarismo imperialista, o antisso-
cialismo, a seguridade social e um sistema político autoritário-competitivo
(Gerschenkron, 1943).
Há pouca informação especíca sobre impactos da Longa Depressão
no Brasil. Após o Pânico de 1873, a crise chegou ao país pela deação,
que durou dez anos. Nos EUA e Europa, ela causou a queda dos preços
na agricultura, mas, no Brasil, também na indústria (Roberts, 2009 e
2016). Analisando a crise nanceira da abolição, no nal do século XIX,
Schulz (1996) avaliou que 1875 foi um ano-chave para estudá-la, sendo
sua causa externa a Longa Depressão e a interna, a moratória do Banco
Mauá. Ao investigar as raízes da industrialização no Brasil, Luz (1961)
observou que a queda contínua dos preços do café, no período 1880-1886,
favoreceu a execução de uma política industrial. Porém, dada a força
dos interesses livre-cambistas dos agroexportadores e a fraqueza dos
industriais, não se introduziu uma efetiva tarifa protecionista, apenas
aoraram os primeiros argumentos industrializantes, intervencionistas
e nacionalistas.
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Importa aqui o reposicionamento político dos cafeicultores em relação ao
Segundo Reinado, tanto pelo impacto de uma década de depressão nos preços
internacionais do café, como por não terem sido indenizados pela abolição.
Esses fatores concorreram para o golpe da Proclamação da República, em 1889,
mudança de regime alavancada pela aliança entre republicanos fazendeiros
não radicais, por seu abolicionismo ser fraco ou moderado), e agricultores
até então monarquistas descontentes com a situação econômica e com a
monarquia. Coalizaram-se defendendo o federalismo, a imigração – que tem
relação com os impactos da Longa Depressão na Europa e no Brasil. Adveio
a República Oligárquica, que manteve o autoritarismo competitivo, a con-
centração da terra e o poder dos cafeicultores. Após algumas diculdades,
desde 1898 Campos Sales estabilizou política e nanceiramente o regime da
Constituição de 1891 (Franco, s/data; Bello, 1983; Carvalho, 2011).
Grande Depressão (1929-1939)
Na irrupção da Grande Depressão, em 1929, a economia política internacio-
nal era similar à de 1873: livre-comércio e padrão-ouro. Naquela década,
os mercados creditício e acionário dos EUA estavam tão desregulados e
atrativos para o investimento especulativo que a euforia levou ao pânico
e à explosão da bolha nanceira.
Até então, sequer os partidos socialistas ou social-democratas incorpo-
ravam aos seus ideários econômicos uma abordagem alternativa à orto-
doxia neoclássica, a não ser o socialismo. Quanto ao regime político, o
contexto era de primeira onda reversa da democracia, aberta pela ascensão
do fascismo na Itália, em 1922. As respostas nacionais à crise, iniciadas no
pré-guerra e prosseguidas após seu m, inovaram em termos de coalizões
de classe, política econômica, ideologia e regimes políticos.
Emergem, simultaneamente e sintetizando variáveis internacionais e
nacionais, três processos de mudanças na tridimensionalidade do con-
ceito de Estado. Primeiramente, surgem novos arranjos de políticas
econômicas intervencionistas, mais amplos que o mero protecionismo,
congurando o que no pós-guerra denominou-se economia mista, ou,
também, keynesianismo, destacando-se as políticas de estímulo da demanda
(Shoneld, 1965). Estado e mercado passam a estabelecer uma relação
distinta do liberalismo econômico até então predominante. Diante da
crise, governos nas Américas, Europa e Ásia executaram, intuitivamente,
medidas contracíclicas e intervencionistas, depois teorizadas por aborda-
gens econômicas alternativas à ortodoxia neoclássica, que, em quaisquer
contextos, preconiza a primazia dos mercados.
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Em segundo lugar, as políticas intervencionistas associaram-se, entre
1930 e 1970, a cinco novas vias de regime político: nos países desenvolvidos,
a democracia-social e o fascismo; na América Latina, por um lado, os dois
tipos de populismo (autoritário e democrático), ancorados na política de
massas; por outro lado, as ditaduras militares não populistas. A depressão
internacional e o pós-guerra ensejaram o surgimento de regimes demo-
cráticos e autoritários incorporadores das massas, mas, obviamente, com
objetivos e meios distintos. As sociedades de massas transformavam os
regimes, que, distintamente, promoviam nacionalismo na economia ou
na política externa, intervencionismo industrializante e políticas sociais.
O terceiro processo diz respeito às coalizões, que abordarei a seguir nos
três países investigados.
Nos EUA, um realinhamento eleitoral dos Democratas com blocos de elei-
tores assalariados estruturou a New Deal Coalition, que abriu o Quinto
Sistema Partidário, afastando bastante os Republicanos da presidência,
e reforçou a democracia. De 1933 a 1968, essa estrutura de coalização
só perdeu para o PR as eleições de 1952 e 1956 (Hershey, 2014). A New
Deal Coalition foi a versão norte-americana do compromisso histórico entre
capital e trabalho, mais claramente congurado no pós-guerra europeu,
combinando, sobretudo nos governos social-democratas, a democracia
com políticas de estabilização, regulação dos mercados e bem-estar social
(Przeworski, 1989).
Já na instável República de Weimar, a depressão contribuiu para alavancar,
nas eleições de 1930 e 1932, o Partido Nazista, liderado por Hitler. Sua
ascensão a chanceler, em 1933, a partir de uma aliança com o Partido
Nacional Popular Alemão, causou uma guinada ideológica à extrema-
-direita no fragmentado sistema partidário do Reichstag, que alavancou
mudanças institucionais radicais no equilíbrio de forças, nas coalizões,
no regime político, na política econômica, enm, no Estado.
A derrota do Império Alemão na Primeira Guerra, cuja pacicação foi con-
cluída no Tratado de Versalhes, desdobrou-se numa crise multidimensio-
nal, inclusive de conteúdo socialista-revolucionário. Diante da pressão
popular liderada pelo Partido Social-Democrata (SPD), o Kaiser renun-
ciou. Proclamou-se a república, a República de Weimar, que logo precisou
arcar com um imenso passivo do militarismo imperial. A Alemanha foi
punida com um duríssimo plano de pagamento de reparação dos danos
bélicos causados aos países da Tríplice Entente. A pacicação foi humi-
lhante e realimentou o nacionalismo dos conservadores. Um pacto entre
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
os moderados da social-democracia e o general-chefe das Forças Armadas
implicou na Weimar Coalition (1918-1929), entre o SPD (centro-esquerda)
e os partidos Democrático e Católico do Centro, ambos de centro-direita
(Gerschenkron, 1943). Sociopoliticamente, trabalhadores e empresários
da indústria de alta-tecnologia aproximaram-se. O fortalecimento da posi-
ção exportadora das corporações alemãs na competição internacional
requeria qualicação da mão-de-obra.
Na Revolução de Novembro, aberta em 1918, instituiu-se o Zentralarbeitsge-
meinscha, acordo pelo qual trabalhadores e empregadores formalizavam
barganhas salariais. Os sindicatos operários conquistaram a jornada de
trabalho de oito horas diárias (Feuchtwanger, 1993). Os antigos parceiros
na iron and rye coalition perderam importância nesse novo arranjo da eco-
nomia política, que não era protecionista, tampouco nacionalista ou hostil
à esquerda moderada. Mas a maioria parlamentar da Weimar Coalition
perdurou pouco tempo, constrangida pela crise nanceira e hiperina-
cionária dos anos 1920 e pela ingovernabilidade da república. Então, a
extrema-direita ascendeu. Uma de suas principais bases de apoio foram
os junkers, cujo poder econômico e político, aparentemente enfraquecido
no início do novo regime, mantinha-se, na verdade, quase intacto, pela
não realização da reforma agrária.
Em 1931, uma grave crise bancária fez o país regredir da recessão para
a Grande Depressão, que perdurou até 1933 (Doerr et. al., 2019). Nas elei-
ções de novembro de 1932, os nazistas tornaram-se o maior partido no
Reichstag, mas com apenas 33% dos votos. Socialistas e comunistas soma-
ram 37%. Porém, apesar de virtualmente majoritária no parlamento, a
esquerda estava dividida. A Internacional Comunista, já stalinizada, prio-
rizou a oposição ao SPD, e não o antinazismo. Após as eleições, 19 líderes
da indústria, nanças e agricultura peticionaram ao presidente Paul Von
Hinderburg, de origem junker, demandando a nomeação de Hitler como
chanceler, ocorrida dois meses após.
Mobilizando o apoio direto das massas, o Führer desconstruiu, na
depressão, a Weimar Coalition. Costurou uma coalizão fascista das
frações de classe da burguesia, disposta a destruir as organizações da
esquerda: o SPD, o partido comunista e os sindicatos. A depressão forta-
leceu o peso relativo da indústria pesada nas associações empresariais.
Com a perda de mercado externo pela indústria exportadora de bens
acabados, as preferências mudaram, os industriais dos principais setores
unicaram-se e realinharam-se aos agricultores. Formou-se uma frente
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única do empresariado urbano e rural, contrária ao compromisso social e
às organizações dos trabalhadores, que apoiou a política de intenso estí-
mulo à demanda, à qual, até então, o SPD era ferrenhamente refratário,
por não vislumbrar alternativa à ortodoxia neoclássica. Inicialmente, o
governo nazista implementou um keynesianismo intuitivo, com gastos
governamentais decitários, destinados a obras públicas. Em seguida,
os estímulos econômicos alavancaram o militarismo, devido aos ns
expansionistas. No conjunto, o programa de Hitler foi fascista, inter-
vencionista, nacionalista e imperialista, desdobrando-se na Segunda
Guerra. O Terceiro Reich ofertou aos empresários volumosos gastos
públicos, bélicos e com obras, controle salarial e repressão aos traba-
lhadores organizados. Mas, comparativamente, logrou a maior redução
internacional do desemprego, e não alterou signicativamente a segu-
ridade social herdada de Bismarck (Gourevitch, 1986).
Obviamente, a onda da Grande Depressão também inundou o Brasil, cau-
sando profundo impacto econômico e político. Ela inuenciou a conjun-
tura da Revolução de 1930, golpe de Estado contra a República Oligárquica,
liderado pelas oligarquias dissidentes e respaldado por atores sociais
urbanos – trabalhadores e camadas médias (Bello, 1940) –, que encerrou
a hegemonia da burguesia cafeeira. Skidmore (1975, pp. 27-31) identica
dois grupos na coalizão revolucionária: os revolucionários – constitucio-
nalistas liberais, lastreados na classe média e no Partido Democrático
de São Paulo, e os nacionalistas semiautoritários (tenentes); e os não-
-revolucionários – militares superiores, cafeicultores insatisfeitos com
as políticas de resposta à crise executadas por Washington Luís e a elite
política dissidente.
Ao caírem as exportações e os preços do café, as divisas minguaram,
explicitando a restrição estrutural, cuja superação dependia de moder-
nização econômica. O agente modernizador foi um Estado que se trans-
formou, adquirindo caráter nacional e desenvolvimentista, que impôs
o corporativismo e, ditatorialmente, entre 1937 e 1945, aboliu o federa
-
lismo. Fortaleceram-se os atores e interesses urbanos dos trabalhadores
e classes médias. Emergiram valores nacionalistas. A industrialização
mudou a matriz produtiva, desenvolveu-se o mercado interno, superou-se
o exclusivismo liberal, rural e agroexportador. Mas persistiu a concentra-
ção fundiária. Em síntese, arcaico e moderno rearticularam-se. No novo
padrão de acumulação, ou o setor interno, que era subdesenvolvido no
modelo agroexportador, modernizou conservadoramente o arcaico ou
manteve-o instrumentalizando-o (Oliveira, 1972).
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Em termos gerais, o pós-guerra abriu a segunda onda democrática (Hun
-
tington, 1991). Sobretudo na Europa – mas também nos EUA, que saiu
fortalecido do conito bélico –, keynesianismo e democracia combina-
ram-se, sob diferentes modalidades nacionais, congurando uma fase
mais bem-sucedida do capitalismo desenvolvido, que equacionou cresci-
mento, pleno emprego, controle da inação, políticas de bem-estar social,
queda da desigualdade e regimes políticos que expandiram as liberdades
e a cidadania (Boyer, Saillard [ed.], 2002). As ideias econômicas e políticas
públicas desse casamento foram chamadas de consenso keynesiano e seu
desdobramento nas relações entre capital e trabalho, de compromisso
histórico ou de classe (Gourevitch, 1986; Skidelsky, 2009).
Nos EUA, o reformismo do pós-guerra foi mais fraco, freado pela oposição
conservadora. Porém, um arranjo político entre Democratas e Republicanos
moderados impediu que os retrocessos desejados pela direita, como nos
direitos sindicais dos trabalhadores, avançassem além de certo limite. No
contexto estrutural de reconguração conjunta do Estado e da economia,
ensejado durante a Grande Depressão e alavancado politicamente pela New
Deal Coalition, Lindon Johnson executou, em 1964-1965, o programa Great
Society, com políticas sociais e antirraciais, embora a forte presença da
classe média na coalizão implicou em um welfare state liberal (Esping-
Andersen, 1990).
Entre os três países analisados, o compromisso histórico do pós-guerra
expressou-se, sobretudo, na social market economy (doravante SME) alemã,
combinando, pela liderança da Democracia Cristã (CDU/CSU), libera-
lismo, generosas políticas sociais, regulação do trabalho e participação
dos trabalhadores na gestão das empresas. Principalmente desde 1966,
quando Willy Brandt (SPD) tornou-se vice-chanceler, o keynesianismo
entrou em cena (Streeck, 1996; Van Hook, 2004; Dauderstädt, 2013). Uma
coalizão reformista, à la Weimar, entre a indústria exportadora de pro-
dutos de ponta e seus trabalhadores alavancou este modelo alemão de
capitalismo. O desaparecimento dos junkers na guerra, a retomada da
organização sindical e a prioridade conferida ao mercado internacional,
em contexto de reconstrução alemã e europeia, estimularam o abandono
da aliança protecionista (Gourevitch, 1986). Desde a divisão do país em
dois Estados distintos, em 1949, ergueu-se uma democracia estável na
Alemanha Ocidental, impulsionada pelas forças de ocupação aliadas, a
nova Constituição, a reconguração da relação de forças e a reforma parti-
dária. A Democracia Cristã, de centro-direita, e o SPD, de centro-esquerda,
tornaram-se os dois principais partidos, ideologicamente posicionados
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ao redor do centro. Em 1952, a Corte Constitucional Federal baniu o Partido
Comunista da Alemanha, fundado em 1918. Alegou-se que ele visaria ns
antidemocráticos. Mas, na reunicação da Alemanha, em 1990, surgiu um
partido homônimo em Berlim, reivindicando seu legado. Há também o
DIE LINKE, enraizado no antigo Partido Comunista da Alemanha Oriental.
No Brasil, encerrada a guerra, houve mudança de regime. O Exército
depôs a ditadura de Getúlio Vargas, respaldado nos liberais e democra-
tas. Novas eleições e a Constituição de 1946 inauguraram a democracia
populista, que, ancorada na aliança desenvolvimentista (Cardoso, 1993, pp.
51-78) – com um teor nacionalista moderado, coexistindo com o capital
estrangeiro em vários mercados internos –, incorporou as massas urba-
nas ao desenvolvimento. Na esfera político-institucional, essa aliança
expressava-se pela coalizão entre o PSD e o PTB.
Crise de Estagação (1973-1982)
A crise de estagação conduziu ao encerramento do capitalismo do pós
-
-guerra e ocorreu simultaneamente ao início da terceira onda democrática,
em 1974. Ela manifestou-se em duas recessões internacionais, em 1973-
1975 e 1980-1983, ambas ligadas a choques do petróleo. O primeiro deles,
que quadruplicou os preços do barril, foi a principal causa da surpreen-
dente coexistência de desemprego, inação alta e crise do crescimento,
ou seja, estagação, recessão que, nos EUA, durou 16 meses.4
Dois anos antes, em 1971, ocorrera o Nixon shock, uma resposta à especulação
contra o dólar, ao desemprego e à inação. O presidente Nixon rompeu uni-
lateralmente com a conversibilidade internacional estabelecida em Bretton
Woods, o que demarcou uma mudança estrutural, que induziu ao regime de
câmbio utuante, padronizado no capitalismo neoliberal.5 O m do padrão
dólar-ouro foi uma vitória dos bancos privados sobre os governos quanto
ao controle do sistema nanceiro internacional, que passou a ser market-o-
riented. O desarranjo na economia mundial agravou-se com o embargo do
petróleo por parte da OPEP, durante a guerra do Yom Kippur. O índice Dow
Jones da bolsa de valores de Nova York caiu 50%, entre o pico, no nal de
1972, ao vale, em 1974, sendo, então, o maior crash desde a Grande Depressão.
Ademais, em 1979, a Revolução Iraniana causou outro choque do petróleo,
que resultou na duplicação do preço do barril. Combinada com o choque
monetarista do Federal Reserve (FED, Banco Central dos EUA), visando comba-
ter a inação, o impacto dessa segunda crise do ouro negro foi pior que o da
anterior, desencadeando, entre 1980 e 1983, a maior recessão internacional
do pós-guerra (Mott, 1984; Davis, 2003; Kindleberger, Aliber, 2005).6
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Assim, deterioraram-se, nos países desenvolvidos, as condições econô-
micas e políticas de sustentação da Golden Age, cuja economia política
expressava dois equilíbrios, um entre capital e trabalho, outro entre as
potências do sistema internacional, EUA e URSS, que determinavam a
bipolaridade da Guerra Fria.
A crise de estagação ampliou as divergências dos economistas e atores
políticos sobre como superar uma recessão. Ela ensejou, por processos
econômico-estruturais e eleitorais, o neoliberalismo, onda conservadora
internacional, ideologia cujas policies, ao abandonarem o sistema de taxa
de câmbio xa, a perspectiva do pleno emprego e o controle de capitais,
desconstruiu as bases da economia mundial vigente por três décadas
(Skidelsky, 2009). Devido a mudanças estruturais – internacionalização
das manufaturas, aumento da competição das corporações no mercado
mundial e o intenso crescimento das nanças –, os oligopólios de vários
setores de atividade aderiram a esse novo ideário, que mirava contra o
trabalho, os sindicatos e o Estado (salários, impostos, políticas sociais e
regulação dos mercados), visando diminuir custos, restaurar as taxas de
lucro e os ganhos dos acionistas e gestores. Essa economia política opera
uma tendência de coalização do capital em geral oposta ao trabalho e aos
papeis social, regulador e empresarial do Estado (Gourevitch, 1986). Ela
alavancou uma mudança estrutural no regime de acumulação, em dire-
ção a um capitalismo dirigido pelas nanças, desenhado nas políticas do
Consenso de Washington, baseadas na teoria dos mercados desregulados
(Skidelsky, 2009; Guttman, 2016), que se tornaram hegemônicas desde a
queda do Muro de Berlim, em 1989 (Duménil, Lévy, 2011).
Na economia, o neoliberalismo tem gerado maior instabilidade, taxas de
crescimento menores e o aumento tanto da participação do setor nan-
ceiro no PIB como da desigualdade. Na política, as decisões governamen-
tais tendem a reproduzir policies padronizadas, enraizadas na economia
ortodoxa, mesmo quando o partido mandatário é de esquerda; os políticos
conservadores, os investidores nanceiros e as corporações empresariais
demandam a moderação dos direitos democráticos, visando não prejudi-
car a disciplina de mercado, em função de seus custos (Godechot, 2016).7
Nos EUA, a acachapante vitória eleitoral do Republicano Ronald Reagan
sobre o Democrata Jimmy Carter abriu as portas do Estado para essa
referida ideologia econômica e social conservadora, da nova direita, o
neoliberalismo, que, em 1979, havia entrado rmemente no Reino Unido
pelas mãos da Dama de Ferro, Margareth Thatcher.8 As políticas enraizadas
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na ortodoxia neoclássica ressurgiram com a reagonomics: redução de
impostos para os ricos, cortes nos gastos sociais, desregulamentação dos
mercados e intolerância com as greves e os sindicatos (Farber, Western,
2002).
9
Essa abrangente mudança ideológica congurou o Sexto Sistema
Partidário, que sucedeu a New Deal Coalition, marcado pela ascensão dos
conservadores no PR e dos liberais moderados no PD, desbancando os
mais progressistas (Brewer, Maise, 2021). Reagan também venceu o pleito
à reeleição e governou até 1989.
Thatcher, no RU, e Reagan, nos EUA, induziram à mudança na correlação
de forças entre capital e trabalho em seus países, em prol dos empre-
gadores. Dada sua importância na economia internacional, o impacto
extrapolou as fronteiras anglo-saxônicas. Ambos restringiram o direito
de greve e a prerrogativa dos sindicatos garantirem que as empresas con-
tratassem apenas os trabalhadores sindicalizados. O monetarismo, a des-
regulamentação dos mercados e as privatizações também foram medidas
pró-capital. Apesar das políticas neoliberais não superarem os conitos
de interesse interempresariais, elas consolidaram um ambiente estrutural
que reforça, por um lado, o compromisso decisório market-oriented do
Estado, no sentido de eliminar custos e regulações, e, por outro, a con
-
formação da unidade ideológica do capital contra o trabalho, em todos
os setores econômicos, dicultando a formação de coalizões políticas
com projetos nacionais desenvolvimentistas e/ou social-democratas. Os
países-chave da Ásia são exceções.
Os impactos políticos do m do sistema de Bretton Woods e da crise de esta-
gação foram mais fortes nos EUA que na Alemanha, onde a SME, com
seu compromisso estrutural entre capital e trabalho, moderou o neolibe-
ralismo. Ademais, ideologicamente, os dois principais partidos alemães
orbitam no centro político (Gourecitvh, 1986). Na política partidária, o
principal desdobramento da crise foi a ruptura da coalizão social-liberal
entre o SPD e o Partido Democrático Livre (FDP), instituída em 1969, no
gabinete de Willy Brandt, e mantida, desde 1974, nos três governos de
seu correligionário Helmut Schmidt. Nas eleições de 1982, o FPD aliou-se
à CDU/CSU, liderada por Helmut Khol, que, mais próximo da ortodoxia
neoclássica, governou por 16 anos, até 1998, metade sob a Alemanha
reunicada. A coalizão social-liberal rompeu-se por divergências do FDP
com o aumento do décit público e por ele compartilhar a oposição da
indústria aos custos trabalhistas, que, com o aumento da competição
externa, estariam prejudicando as exportações. Assim, a princípio, a
Alemanha ajustou-se ao neoliberalismo comedidamente. Entre outras
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variáveis, o propósito nacional de exportar produtos de ponta, contra
-
tando mão de obra qualicada, e a correlação de forças entre capital e
trabalho, institucionalmente assentada, entrou outros, na codetermination,
promoveram um path dependence. A supply-side economics e as reformas
market-oriented não desmontaram a social market economy, os sindicatos
e o welfare state, mesmo após a reunicação. Mas reduziu-se o efeito das
políticas redistributivas para os desempregados, sobretudo os imigrantes,
menos qualicados. Remonta daí o crescimento da participação dos 10%
mais ricos na renda nacional e a correlata queda desse indicador entre
os 50% que compõem a metade inferior (Dauderstädt, 2013; Chancel,
2021). Ademais, esse ajuste ocorreu sem descontinuidade democrática.
Mas cabe mencionar que, no início deste século, enfrentando estagnação
econômica, desemprego e enfraquecimento scal, o então chanceler
Gerhard Schröder, apoiado na coalizão SPD/Green, implementou as refor-
mas da Agenda 2010, que avançaram na liberalização da SME, exibili-
zando os mercados de trabalho e de capitais e restringindo a seguridade
social. A relação bancos-empresa sofreu mudanças: abriu-se mais espaço
para investimentos globais. Essa liberalização gerou conitos no SPD. Há
controvérsias sobre o quanto restou da SME. Quanto aos indicadores,
as medidas melhoraram as exportações, crescimento e emprego, mas
caíram investimentos, produtividade, participação dos salários na renda
e a desigualdade aumentou.
No Brasil, a crise de estagação implicou em mudanças econômicas e
políticas na estratégia do governo militar e no destino do regime. Em
pouco tempo, o intervencionismo do Estado desenvolvimentista então
existente e o autoritarismo em que se escorou desde 1964 foram colocados
em questão. O primeiro choque do petróleo encerrou o milagre econômico,
cujo nanciamento dependeu muito de endividamento externo, facili-
tado pela abundância de crédito no mercado internacional. Até então, o
saldo comercial positivo controlava o décit externo. O país importava
petróleo e bens de produção e os direcionava, sobretudo, à indústria de
bens de consumo duráveis, liderada pelo setor automotivo. A crise do
petróleo recolocou o problema estrutural do estrangulamento externo, ou
seja, a capacidade de importação. Empossado em 1974, Geisel descartou
um ajuste recessivo. Reformulou o desenvolvimentismo, por meio do II
Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), visando superar gargalos na
oferta de insumos básicos e de bens de produção. Mas o nanciamento
continuou dependente de endividamento externo. Segundo alguns econo-
mistas, o plano contribuiu para alavancar, na virada da década, um salto
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nas exportações (Castro, Souza, 1987; Mantega, 1997). Polêmicas à parte
sobre o II PND, a partir de 1977, o empresariado reagiu contra a estatiza-
ção e o autoritarismo, o que tensionou a sustentação da industrialização
pela aliança entre os capitais estatal, estrangeiro e nacional (Evans, 1979).
Na virada da década, a segunda crise do petróleo e o Volcker shock agrava-
ram o quadro, conformando um duplo choque de preços internacionais
(da energia e do crédito), que desestruturou as contas externas do Estado.
Temendo que os bancos estrangeiros parassem de rolar a dívida externa,
o governo executou um ajuste externo ortodoxo, que causou recessão. O
auge da crise ocorreu em 1982, com a moratória mexicana, quando o
FMI aumentou as exigências para socorrer os países latino-americanos
endividados externamente. A resposta ortodoxa à crise do endividamento
encerrou o ciclo de crescimento dos anos 1970 e desestruturou a tríplice
aliança. Este processo econômico articulou-se à transição democrática
negociada entre militares e oposição, que encerrou o autoritarismo e
deixou em aberto o desao da retomada do desenvolvimento, mas, desta
vez, com democracia e justiça social (Bresser-Pereira, Ianoni, 2017).
Grande Recessão e Desdobramentos (2007-2013)
A crise nanceira internacional de 2007-2008 eclodiu nos EUA. Imediata-
mente, ela colapsou o sistema bancário islandês. Desde 2009, seu epicen-
tro deslocou-se para a Eurozona, causando efeitos econômicos e políticos
até 2013. Em seguida, desencadeou-se um terceiro problema: a desacelera-
ção estrutural das economias emergentes, puxada por países que haviam sido
mais resilientes nos primeiros anos (Wolf, 2014). Essa sucessão de crises
impactou a democracia, institucional e ideologicamente, sobretudo, para
este trabalho, nos EUA e no Brasil e, em menor medida, na Alemanha.
Logo após eclodir nos EUA, essa crise foi chamada de Grande Recessão e
vista como a mais grave desde a Grande Depressão. Muitos a apreendem
como crise do capitalismo neoliberal (Roberts, 2016; Keeley; Love, 2010).
Nos EUA, a recessão durou até junho de 2009. O auge deu-se no estouro
da bolha especulativa, em setembro de 2008, no mercado imobiliário mal
regulado das hipotecas subprime, para clientes de alto risco, que levou à
falência o Lehman Brothers, então o quarto maior banco de investimen-
tos do país e intensamente envolvido no referido mercado. O sistema
nanceiro norte-americano entrou em colapso (Council of Economic
Advisers, 2010; Wolf, 2014). Dado o caráter internacional e concentrado
das nanças, a crise alastrou-se rapidamente para outras regiões e países,
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causando acentuada queda no crescimento da economia mundial. Entre
meados de 2008 e fevereiro de 2009, dez países europeus resgataram mais
de vinte bancos.
A bolha estourou no governo George Bush, durante a campanha eleitoral
presidencial, vencida pelo Democrata Barack Obama. Bush executou as
primeiras medidas de enfrentamento da crise nanceira, adquirindo a
Fannie Mae e a Freddie Mac, decretando a falência do Lehman Brothers e
nacionalizando a American International Group (AIG), maior seguradora
do mundo, cujo controle foi assumido pelo FED.
Em outubro, o Congresso aprovou, respaldado pelas duas candidatu-
ras presidenciais e pela maioria dos parlamentares de seus respectivos
partidos, o Emergency Economic Stabilization Act of 2008, que instituiu
o Troubled Assets Relief Program (TARP), um conjunto de programas de
US$ 700 bilhões. Entre outras medidas, o TARP autorizou a compra de
ativos tóxicos, sobretudo do mercado secundário de hipotecas, absor-
vendo parcialmente perdas, e injetou capital em instituições nanceiras,
comprando ações de oito grandes bancos e seguradoras, entre os quais
a AIG, para evitar o efeito dominó que sua falência causaria (Council of
Economic Advisers, 2010).10
Entre setembro de 2007 e dezembro de 2008, visando estimular a ativi-
dade econômica pela oferta de crédito, o FED reduziu a taxa de juros
dos títulos federais para quase zero. Mas, como a economia não reagia,
recorreu-se a uma política não convencional, o quantitative easing: ao
invés de focar apenas na venda de títulos a juros baixíssimos, o Banco
Central estimulou a demanda agregada, comprando, em grande escala,
ativos de longo prazo em mãos das instituições nanceiras. Essa política
perdurou até outubro de 2014 e a injeção de liquidez chegou a US$ 4,48
trilhões (Bernanke, 2012).11
Obama tomou posse em janeiro de 2009, tendo maioria nas duas casas par-
lamentares, que conseguiu manter só até o início de 2011. Imediatamente,
ele aprovou na câmara baixa, sem nenhum apoio do PR, e com apenas
três votos da oposição no Senado, o American Recovery and Reinvestment
Act (ARRA), um amplo e inédito plano de recuperação econômica, via estí-
mulo scal, orçado em US$ 787 bilhões.
12
O maior objetivo era combater o
desemprego, cuja taxa, em dezembro de 2007, era 4.9%, mas, com a crise,
subiu para 7.2% um ano após, às vésperas de sua posse. Em dezembro
de 2016, ao nal de seu segundo mandato, havia caído para 4.7%, nível
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inferior ao de 2007.13 Porém, os 12 milhões de empregos gerados e o baixo
desemprego não causaram aumento da renda salarial, pois cresceram
os postos de trabalho em tempo parcial e/ou com baixa remuneração.
O ARRA acirrou a oposição Republicana, defendendo a redução da carga
tributária, dos gastos públicos e da dívida pública. Há uma sinergia entre
o acirramento da divergência sobre a política scal, as tensões na demo-
cracia e as coalizões entre os partidos, grupos de pressão e segmentos do
eleitorado. A rejeição ao keynesianismo é inerente ao neoliberalismo, mas
a radicalização desta ideologia tem alimentado uma oposição extremada,
que descarta até uma limitada política scal anticíclica. Neste contexto,
emergiu, entre 2009 e 2010, o paradigma da austeridade, veementemente
contrário ao momento keynesiano de Obama, presidente que acabou
cedendo, desde meados de 2010, à política de cortes orçamentários para
reduzir o décit público.14Assim, em 2011, aprovou-se o Budget Control
Act, que encerrou o disputado debate sobre o teto da dívida pública, cuja
expansão, supostamente, estaria bloqueando o crescimento. Negociada
entre oposição e governo, a lei acirrou divergências entre os partidos
Democrata e Republicano e dentro deles.15
A aquisição da casa própria era central do American Dream, erguido na
crença de que a liberdade garante a oportunidade de prosperar e ser
bem-sucedido. Aproveitando-se deste sonho, o lobby imobiliário, desde
o pós-guerra, logrou que o Estado não privilegiasse a habitação popular
– restringindo-a apenas aos muito pobres –, mas ao setor privado, pelo
mercado hipotecário de longo prazo. Os credores recebiam garantias
governamentais contra perdas, e os mutuários, subsídios. Este suposto
livre-mercado evoluiu no sentido do setor privado avançar no que restava
da política de moradia popular. Com a emergência e desenvolvimento do
neoliberalismo, a desregulamentação nanceira, apoiada por Republica-
nos e Democratas, retirou a proteção dos mutuários contra a exploração
dos bancos. Ao nal, o subsídio governamental beneciou, basicamente,
o oneroso sonho dos mutuários de classe média e ricos. Deagrada a
Grande Recessão pelo estouro da bolha nanceira no mercado hipotecário
subprime, hipotecas de mais que 10 milhões de casas foram executa
-
das. Contudo, mesmo as tímidas medidas de Obama para defender os
mutuários, pelo Home Aordable Modication Program, que não impe-
diram milhões de perderem suas moradias, receberam duras críticas
dos Republicanos, dada a imensa resistência do radicalismo neoliberal
contra qualquer desfecho que não fosse a execução dos inadimplentes.
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
O socorro a alguns causou ressentimento em outros. Há evidências de
que os não socorridos e ressentidos apoiaram Trump em 2016 (Dayen,
2015; Fernholz, 2016; Chappell, 2017).
Em 2010, Obama implementou dois programas de saúde: o Aordable Care
Act (ACA) popularizado como Obamacare, e o Health Care and Education
Reconciliation Act. O segundo foi uma emenda ao primeiro, para contornar
a oposição Republicana unânime às mudanças, mas também de uma mino-
ria Democrata. A reforma da saúde foi um dos principais compromissos
eleitorais de Obama. Visava tornar o seguro saúde mais barato e acessível,
expandindo sua cobertura. Em 2009, 49 milhões de residentes não tinham
seguro saúde. Com a nova legislação, mais 20 milhões tiveram acesso. O
décit caiu para 29 milhões em 2015 (Obama, 2016). Contudo, estados
com governadores Republicanos resistiram a expandir seus programas
de saúde e a aderirem ao Obamacare, limitando o cumprimento da meta
do ACA de redução da desigualdade no atendimento à saúde (McCarty,
Poole, Rosenthal, 2016).16
Ainda em 2010, o Executivo aprovou o Dodd-Frank Wall Street Reform and
Consumer Protection Act, visando reconstruir a supervisão e regulação
nanceira das rmas e mercados, proteger consumidores e investidores
contra abusos, propiciar ferramentas para o governo gerenciar crises nas
nanças e, em nível internacional, elevar os padrões regulatórios e melho-
rar a cooperação. Críticos avaliam que, embora bem-intencionadas, as
medidas propiciaram tímidos avanços, por não enfrentarem o problema
de moral hazard dos too big to fail banks, ou seja, o salvamento dos bancos
que se arriscam demasiadamente; ademais, em 2014, fontes do próprio
governo alegavam que as decisões estavam sendo frustradas por reações
dos Republicanos, dicultando sua implementação (Miller, 2019).17
Nas eleições congressuais de 2010, os Democratas perderam a maioria
na Câmara dos Representantes e diminuíram-na no Senado, resultado
repetido em 2012, na reeleição de Obama. Nas eleições de 2014, os Repu-
blicanos mantiveram a maioria na câmara baixa e fortaleceram-se no
Senado. Essas derrotas eleitorais Democratas enfraqueceram a agenda
legislativa de Obama.
Por exibir tendências claras de mudança, a eleição presidencial de 2016
demarcou a política dos EUA. Além da escolha de Donald Trump, até
então um outsider no PR, como candidato do partido, houve a presença
signicativa, nas primárias Democratas, de outro nome surpreendente,
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Bernie Sanders, político da esquerda socialista. Ele perdeu a nomeação
para Hillary Clinton, apoiada pelo establishment partidário, mas numa
disputa acirrada e relativamente equilibrada. Esses dois fatos expressa-
ram processos de mudança nos dois principais partidos e no eleitorado.
Trump venceu no Colégio Eleitoral por 304 votos contra 227 de Clinton.
Os Republicanos saíram das urnas amplamente vencedores, sobretudo os
trumpistas, que se tornaram sua facção dominante.
No início do governo Trump, o PR aprovou no Congresso o Tax Cuts and
Jobs Act, uma enorme e importante revisão do código tributário federal,
que cortou US$ 1,5 trilhão da receita prevista com impostos, sobretudo
favorecendo as corporações e os ricos. Para a maioria dos cidadãos as
reduções foram moderadas. Por ser um estímulo scal mediante renún-
cia de impostos, os Republicanos apoiaram-na.18 Em 2017, Trump tentou
aprovar o American Health Care Act, que visava esvaziar o Obamacare, mas
a medida só passou na Câmara, não no Senado. Ademais, em 2018, na
contracorrente do Dodd–Frank, os Republicanos aprovaram o Economic
Growth, Regulatory Relief and Consumer Protection Act, amenizando as
exigências da reforma nanceira de Obama.
A oposição da coalizão neoliberal às políticas intervencionistas, mesmo
as mais tímidas, nas áreas scal, nanceira, redistributiva e social,
evoluiu no sentido da radicalização da tradicional polarização política
nos EUA, sobretudo pelo fortalecimento da extrema-direita no PR. Até
1977, a polarização política nos Republicanos era baixa, mas, desde
então, segue trajetória ascendente, o que tem prejudicado a democracia
e o combate à desigualdade, problema com o qual ela se correlaciona
(McCarty et. al., 2016).
Escrevendo logo após a eleição de Trump, Nancy Fraser (2017a; 2017b) iden-
ticou, apoiada nas variáveis distribuição e reconhecimento, três tipos do
neoliberalismo nos EUA: o progressivo, o reacionário e o hiper-reacionário.
O neoliberalismo progressivo surgiu e evoluiu na era Bill Clinton e foi hege-
mônico até Trump destroná-lo. Na verdade, qualicar o neoliberalismo
dos Democratas de progressivo é quase um oxímoro, pois sua economia
política é socialmente regressiva; suas políticas pró-mercado pressionam
contra o princípio democrático da igualdade, por se oporem ao contrapeso
do Estado às injustiças do mercado e restringirem os recursos scais para
políticas públicas de promoção da igualdade de oportunidades. Enm,
Clinton formulou e defendeu o ideário dos New Democrats, primo do New
Labour, de Tony Blair. A coalizão novo-democrática reunia os setores de
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serviço com alto poder simbólico e cognitivo – Wall Street, Vale do Silício
e Hollywood – empresários, classe média suburbana, novos movimentos
sociais (feminismo, antirracismo, multiculturalismo, direitos identitários
e sexuais, juventude). Era distinta da New Deal Coalition, que agregava sin-
dicalizados, afro-americanos, classes médias urbanas e alguns segmentos
do grande capital industrial. O ideário do neoliberalismo progressivo desejava
equacionar a nanceirização e a emancipação, as agendas de Wall Street e
da diversidade, multiculturalismo e feminismo. Embutia uma concepção
meritocrática de combate à desigualdade. Dada a herança política dos direi-
tos, oriunda do New Deal, esta aliança garantiu a hegemonia neoliberal.
O neoliberalismo reacionário, representado por Reagan e os dois Bush (pai
e lho), ancorava-se nas nanças e nas indústrias bélica e de energia
extrativa e visava ao 1% mais rico. Reunia as grandes corporações (bancos,
especuladores nanceiros, rmas dos setores imobiliário e energético)
e grupos conservadores (evangélicos, brancos [sulistas e trabalhadores]
e habitantes do campo). A divergência com os progressistas não estava
na distribuição, mas na demanda do reconhecimento, em relação à qual
adotavam um padrão de conservadorismo tradicionalista, por assim dizer,
que o neoliberalismo hiper-reacionário de Trump substituirá por um
conservadorismo ampliado, antagonista e explicitamente autoritário. Além
de armar a etnia nacional, o nacionalismo econômico, o unilateralismo
do America First, a anti-imigração e a religião cristã, Trump levantou
bandeiras opostas às do progressismo neoliberal: racismo, misoginia,
homofobia, xenofobia e islamofobia.19 Na economia, inovou ao adotar
o protecionismo, sobretudo na guerra tarifária com a China.20 Entre as
novidades político-ideológicas do neoliberalismo trumpista destacam-se o
nacionalismo e a tendência neofascista, ausentes nas versões reacionária,
dos Republicanos, e progressiva, dos Democratas.
O neoliberalismo-nacionalista exibiu forte retórica antiglobalização,
armou a supremacia branca e defendeu uma concepção xenófoba de
soberania nacional: o território do país é só para os norte-americanos. Na
política econômica, apesar de algum protecionismo, o nacionalismo foi
moderado pelo ideário neoliberal de desregulamentação dos mercados.
Houve também redução dos gastos com programas sociais para os mais
pobres, enquanto os ricos ganharam corte de impostos.
21
Ao reduzir a
margem decisória da política de direitos democráticos e ao alavancar sua
liderança com um discurso autocrático e mobilizador, opondo amigos a
inimigos (os imigrantes e a esquerda), esse novo neoliberalismo é não só
antidemocrático, como possui tendências neofascistas.
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Fraser e outros avaliam que a desindustrialização e a deterioração das
condições de vida dos trabalhadores e da classe média têm estreita rela-
ção com a vitória de Trump, que signicaria não só uma revolta contra as
nanças globais, mas também contra o neoliberalismo progressivo, cuja
política econômica foi plutocrática, enfraqueceu os sindicatos, precarizou
o trabalho, enquanto sua política distributiva revelou-se irrisória. A renda
da metade mais pobre caiu de 19% em 1980, na virada neoliberal, para
13% em 2021, mas a dos 10% mais ricos subiu de 34% para 45% (Chancel
et. al., 2021). A adesão ao neoliberalismo hiper-reacionário de Trump foi
a válvula de escape dos quase 63 milhões de eleitores que votaram em
seu programa, insatisfeitos com a falta de alternativa. Derrotada a via
populista progressista, de Bernie Sanders, os Democratas ofereceram ao
eleitorado mais do mesmo, ou seja, Hillary Clinton.
Para Fraser, a vitória do até então outsider no PR, Trump, evoca, a princí-
pio, uma crise política nos EUA. Mas como seus sintomas também apa-
recem em vários outros países europeus e latino-americanos, tratar-se-ia
de uma crise política global. Porém, ela apreende a crise política como
expressão, na esfera política, de uma crise mais ampla, multidimensio-
nal – também econômica, social, ambiental –, uma crise geral, global,
uma crise de hegemonia. A ascensão de Trump representaria uma ofensiva
política para preencher essa lacuna hegemônica, uma fratura estrutural.
Na Alemanha, principal potência industrial e exportadora da Europa, a
crise chegou durante o governo de Grande Coalizão entre os partidos CDU/
CSU e SPD, encabeçado pela chanceler Angela Merkel.22 Em 2007, o PIB
do país foi 3%; em 2008, desacelerou para 1%. Em 2009, caiu muito, nega-
tivando em 5,7%, resultado pior que os -4.3% da Europa. Esse péssimo
desempenho deveu-se, sobretudo, ao colapso do comércio internacional.
Mas o país recuperou-se bem em 2010 (4.2%) e 2011 (3.9%). A seguir, seu
crescimento novamente desacelerou, tendo sido de apenas 0.4% no biênio
2012-2013, em meio à crise da dívida na Europa.23
Apesar da forte queda do PIB na aurora da recessão, houve pouco desem-
prego, inclusive ele caiu continuamente entre 2009 e 2014. Esse fato foi
uma das principais conquistas dos dois primeiros gabinetes de Merkel.24
Tal desempenho positivo explica-se pela insuciente contratação na
expansão anterior à crise, pela moderação salarial e pela ampla adoção,
na recessão, da política de exibilidade das horas de trabalho, que permite
reduzi-las, com reduções proporcionais dos salários e das contribuições
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
à seguridade social (Burda, Hunt, 2011). Enm, este desempenho tem
relação com as políticas da SME e com as reformas da Agenda 2010 (Dau-
derstädt, 2013).
Os primeiros sinais de transmissão da crise surgiram em julho de 2007,
quando o IKB Deutsche Industriebank, exposto às hipotecas do subprime,
anunciou queda volumosa de lucros, indicando necessidade de resgate, com
injeção de capital, para não falir. O salvamento veio logo, por um fundo
de € 3.5 bilhões, reunido pelo banco público KfW e bancos privados (Sch-
neider, 2014).25 Em fevereiro de 2008, o IKB obteve outro grande pacote de
resgate, de € 1,5 bilhão, dois terços com recursos do governo federal, que
ainda concedeu, em agosto, um último socorro, de € 1.05 bilhão. Por m,
a investidora americana Lone Star comprou o IKB.
26
Em outubro de 2008,
o Bundestag aprovou, em votação incomumente rápida e com o apoio de
82.6% dos votantes, um impactante pacote de resgate do sistema nanceiro,
de € 500 bilhões, para restaurar a conança e estabilizá-lo.
27
Mas note-se
que, tal qual nos EUA e noutros países, Merkel, em 2010, implementou um
plano de austeridade para controlar o décit público.28
Quanto à competição política e às alianças, na Grande Recessão, houve
dois fortalecimentos relevantes, o do bloco de centro e o da extrema-direita.
Nas eleições de 2009, Merkel garantiu maioria parlamentar sem o SPD,
com a coalizão de centro-direita entre a CDU e seu velho aliado, o FDP.
Este gabinete enfrentou a crise da dívida europeia, um desdobramento da
Grande Recessão. Merkel compôs a liderança do acordo que instituiu o
Mecanismo Europeu de Estabilidade, fundo que, mediante metas de austeri-
dade scal, concedeu empréstimos aos Estados-membros da Eurozona em
diculdade. Esta atuação externa da chanceler estimulou a organização da
oposição eurocéptica alemã. Uma segunda Grande Coalizão foi formada a
partir do resultado das eleições de 2013, mas desta vez entre CDU/CSU e
SPD, pois o FDP não superou a barreira dos 5% de votos para ter assento
no Bundestag. Em 2015, este novo gabinete centrista deparou-se com a
crise humanitária da migração europeia. Merkel surpreendeu: liberalizou
as restrições legais para abrir as fronteiras a imigrantes e refugiados. A
terceira e a quarta Grande Coalizão da era Merkel decorreram, respectiva-
mente, das eleições de 2017 e 2021, que consolidaram o centrismo CDU/
SPD como ador da governabilidade democrática, mantendo, assim, sob
relativo controle a outra mudança, o fortalecimento da extrema-direita.
Em 2013, foi criado o partido neonazista Alternativa para a Alemanha (AfD).
Nas eleições de então, ele quase superou a barreira de votos, com 4.7%
do sufrágio, feito que logrou alcançar em 2017, quando foi sufragado por
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12.6% dos eleitores, tornando-se o terceiro maior partido do Bundestag
(Klikauer, 2019).
29
Em 2014, recebera 7.1% dos votos nacionais nas eleições
para o Parlamento Europeu, elegendo sete membros, inclusive com o
apoio do movimento extremista Europeus patrióticos contra a islamização
do Ocidente (PEGIDA), surgido então. Sua ideologia é eurocéptica, nacio-
nalista, anti-imigração e anti-islâmica (Mushaben, 2017).
Mesmo na maior economia europeia, a desigualdade de renda cresceu nas
duas crises correlatas. Em 2005, 2010, 2015 e 2018, a renda nacional pós-
-imposto nas mãos dos 10% mais ricos foi, respectivamente, 25.1%, 28.5%,
30.3% e 29.6%, enquanto nos 50% que compõem a metade inferior esses
resultados foram 26.9%, 26.6%, 25.3% e 25.8%.30 Segundo a OCDE, entre 1995
e 2018, a percentagem de alemães na classe média caiu de 70% para 64%. A
satisfação desse segmento social é importante tanto para o fortalecimento
como para o enfraquecimento da democracia (Germani, 1978).31 Contudo,
apesar da maior desigualdade e do ressurgimento da extrema-direita, as
agências internacionais que medem a qualidade da democracia incluem a
Alemanha, de 2006 até hoje, na 13ª ou 14ª posição do seleto grupo de cerca de
20-25 países qualicados como democracias plenas. Não tenho aqui o objetivo
de questionar os pressupostos e a metodologia dessa avaliação.32
Por m, a Grande Recessão e a crise da dívida europeia impactaram a política
brasileira, que também foi inuenciada por um outro processo no mercado
internacional, o m do boom das commodities. Tais eventos externos não
são causas exclusivas dos rumos do país desde então, pois seus impactos
interagiram com variáveis econômicas e políticas internas. Ademais, a
inuência externa não foi somente de ordem econômica, mas também polí-
tica, destacando-se a autocratização extremada, observada no trumpismo e
em suas expressões europeias e latino-americanas. A interação das variáveis
internacionais e nacionais resultou no m do ciclo de quatro governos
federais consecutivos do Partido dos Trabalhadores (PT), mediante uma
deposição presidencial polêmica, apoiada numa ampla coalizão ultraliberal,
liderada, inicialmente, pela direita e, logo após, pela extrema-direita. Foi um
processo conituoso, que implicou em autocratização crescente, devido à
emergência de uma liderança política de perl neofascista, portanto, com
respaldo de massa, inspirada no trumpismo e a ele articulada.33
Ao assumir a Presidência da República, em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva
propôs-se a implementar um programa e uma coalizão social-desenvolvi-
mentista (CSD) entre capital e trabalho. A coalizão partidária governista
era heterogênea, abarcando desde a esquerda moderada até a direita
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
tradicional. A partir de 2006, com a posse de Guido Mantega no Ministério
da Fazenda, a política econômica foi mudando (Barbosa, Souza, 2010).
Com o tempo, as tensões entre as tendências social-desenvolvimentistas
e neoliberais dentro e fora do governo aumentaram e desmontaram a
coexistência pacíca inicialmente observada. Seguiu-se a competição
política e logo depois, o conito, sobretudo desde 2013, já no governo de
Dilma Rousse.
Diante da Grande Recessão, Lula adotou medidas, gerais e especícas, para
estimular a economia e manter os investimentos.
34
As medidas gerais
foram, sobretudo, nas áreas scal, monetária, creditícia e cambial e con-
guraram uma exibilização do tripé macroeconômico, visando compa-
tibilizar estabilidade e crescimento, pelo estímulo à demanda (Oreiro,
2016). As especícas focaram em setores mais prejudicados, como cons-
trução civil, indústria automotiva, agricultura e venda no varejo, que
foram contemplados, por exemplo, com redução de tarifas de importação
e de impostos (TCU, 2009). Na área scal, após um resultado primário
recorde, em 2008, de 4.07% do PIB, o Congresso Nacional reduziu a meta
de 3.8%, em 2009, para 2.5%. Autorizou-se que a Petrobras aumentasse
seus investimentos.35 Na área monetária, o governo estimulou a política
creditícia, inclusive ampliando o poder do Banco Central comprar car-
teiras de crédito de bancos em diculdade, devido à crise, conforme ze-
ram os demais países aqui investigados.36 Na área cambial, combateu-se
a volatilidade do preço do dólar. Embora o crescimento em 2009 tenha
sido negativo, houve uma excelente recuperação em 2010. A variação do
PIB no período foi a seguinte: 5.2% em 2008, -0,2% em 2009 e 7.5% em
2010. Considerando seis metas – pleno emprego, distribuição de renda,
crescimento, estabilidade de preços e os equilíbrios scal e de transa-
ções correntes, o desempenho de Lula na crise internacional foi bom
nas três primeiras e na quinta, regular na quarta e ruim na sexta. Ele
saiu do segundo mandato com aprovação recorde, de 87%, e elegeu sua
sucessora, Dilma Rousse.37
Nos governos de Rousse, as tensões políticas aumentaram por vários
fatores, desde dois impactos negativos da economia internacional – a crise
da dívida na Europa e o m do boom das commodities – até causas inter-
nas: oposição do mercado à política econômica, competição partidária
nas eleições de 2014 e o escândalo de corrupção decorrente da Operação
Lava Jato. Com o tempo, romperam-se, nos governos Rousse, as ten-
dências de conciliação, observadas nas gestões de Lula, entre as forças
social-desenvolvimentistas e neoliberais, quando distintas preferências
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de política macroeconômica se acomodaram e exibilizaram-se, dentro
da disciplina de mercado, ensejando a implementação de várias políticas
sociais e novos direitos de cidadania.
No início do primeiro mandato de Rousse, em 2011, o governo pros-
seguiu com as restrições scais e monetárias iniciadas no m de 2010.
Optou por reduzir a inação e o ritmo de crescimento. Nos dois anos
anteriores, os estímulos à economia provocaram aumento da inação
e do décit nominal, indicador que, em 2008, fora de apenas 1.53% do
PIB, passando para 3.34% em 2009 e recuando para 2.56% em 2010. O
mercado criticou esse desempenho, devido ao aumento da dívida líquida
do setor público, que subiu, no período, de 38.5% do PIB para 42.1%.
38
De janeiro a julho de 2011, a taxa básica de juros, em elevação desde
meados de 2010, passou de 10.75% para 12.5%. Ademais, o novo governo
anunciou um contingenciamento scal de 1.2% do PIB. Porém, esse freio
coincidiu com a crise europeia, que então enfraquecia o mercado mun-
dial. Os governos europeus enfrentaram-na com austeridade e estímulos
monetários, que desvalorizaram o euro e valorizaram moedas de países
emergentes com juros atrativos, como era o caso do Brasil. Por isto, ape-
sar das medidas restritivas terem gerado a desaceleração almejada, ela
extrapolou o esperado pelo governo. O PIB de 2011 cresceu apenas 2.7%,
abaixo dos 5% previstos.
Desde agosto de 2011, em resposta à piora na economia mundial, o
governo executou medidas para expandir a atividade econômica e pro-
mover crescimento. A estratégia adotada foi mudar os preços macroeco-
nômicos e outros preços relativos para estimular o investimento privado,
sobretudo na indústria. Na política monetária, iniciou-se um ciclo de
redução da taxa básica de juros, que, em outubro de 2012, desceu para o
nível mais baixo, até então, do regime de metas de inação: 7.25% ao ano.
Em 2013, os juros reais caíram para 2%. Reduziram-se impostos sobre o
crédito pessoal e amenizaram-se exigências de depósito compulsório dos
bancos. Denominou-se esse conjunto de medidas de Nova Matriz Econô-
mica (NME). Elas geraram conitos com as instituições nanceiras, que,
em pouco tempo, extrapolaram a esfera das divergências sobre política
econômica e evoluíram para um veto político das nanças à presidente,
cuja candidatura à reeleição, em 2014, o mercado rejeitou.
Ademais, encerrou-se o boom das commodities. Embora esse fato eco-
nômico não tenha relação direta com as crises de 2008 e na Europa, a
valorização das commodities vinha sendo importante na sustentação
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
da Onda Rosa na América Latina, região especializada na exportação
de produtos primários e da indústria extrativa. O All Commodity Price
Index, do FMI, cresceu ininterruptamente de 2003 a 2008, passando de
65.70 para 163.13; caiu até 2009, na Grande Recessão; recuperou-se até
2011, chegando a ultrapassar o nível de 2008, mas caiu até 2014 (159.12)
e despencou para 108.28, em 2015, tendo prosseguido em queda até 100
em 2016 (ano-base do cálculo).39
Na eleição presidencial de 2014, Rousse, o PT e demais aliados enfrenta-
ram a oposição à NME e a queda dos preços das commodities (que induzia à
recessão). Ademais, emergiu o mencionado escândalo de corrupção, cujo
impacto midiático alimentou a insatisfação com os partidos e com a demo-
cracia, descontentamento evidenciado desde as Jornadas de Junho, em
2013, uma espécie de Primavera Árabe Brasileira. A princípio, o escândalo
envolvia a Petrobras, companhia mista e principal empresa latino-ameri-
cana. Apesar de tudo, Rousse reelegeu-se, mas numa disputa apertada
contra o principal partido de oposição até então, o PSDB. Encerradas as
eleições, os derrotados pediram a recontagem dos votos. Àquela altura,
mesmo com a vitória de Rousse, a coalizão social-desenvolvimentista
estava volátil, enquanto a coalizão neoliberal se fortalecia, indisposta a
tolerar qualquer exibilização na política econômica.
Em 2015, à medida que as revelações do escândalo da Lava Jato chegavam
ao público, as pressões sociais oposicionistas aumentavam, repercutindo
no Congresso recém-empossado. Embora o presidente da Câmara dos
Deputados compusesse a coalizão governista, elegera-se para esta função
disputando contra o candidato do PT. Nos meses seguintes, ele rompeu
com o governo, que, com uma base partidária frágil e em trânsito para a
oposição, deparou-se com uma crise de ingovernabilidade. A guinada na
política econômica do novo governo foi importante. Muito pressionada,
Rousse aderiu ao ajuste scal, enquanto a maioria conservadora do
Congresso opunha-se, junto com a esquerda, à aprovação das medidas
presidenciais. Fragilizado, o governo perdia apoio dos eleitores e, simul-
taneamente, era encurralado pela oposição, que acabou encontrando
nas contas governamentais motivos scais para propor o impeachment
presidencial. Embora os motivos levantados para a deposição de Rous-
se fossem bastante duvidosos, por terem sido praticados pelos presi-
dentes anteriores, sem que tivesse havido questionamento de sua lega-
lidade, eles ensejaram que, em abril de 2016, a Câmara dos Deputados
autorizasse a instauração do processo de impeachment. Consumada
sua deposição, com amplo apoio do empresariado, o vice-presidente
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Michel Temer tomou posse, estando completamente rompido com o
social-desenvolvimentismo. Executou políticas ultraliberais. Estes fatos
alteraram a relação de forças, que cou desfavorável para a heterodoxia
desenvolvimentista e, sobretudo, para a esquerda, mesmo a moderada.
Enfraqueceram-se também o Estado da Lei e a democracia, inclusive
devido à emergência inédita de novas forças de direita, inclinadas ao
extremismo, que passaram a mobilizar-se nas ruas, espaço político até
então associado aos democratas e à esquerda. A rivalidade contra o PT
tornou-se o centro de gravidade da luta política. A bandeira antipetista
acabou sendo liderada pela extrema-direita, precisamente pelo deputado
federal Jair Bolsonaro, que acabou se candidatando à presidência da
República e vencendo as eleições de 2018, num contexto de mudança
no sistema partidário nacional.
Enm, interessa destacar que, embora, inicialmente, o governo Lula con-
tornou a crise de 2008, seus desdobramentos na Europa desaaram os
dois primeiros anos do primeiro mandato de Rousse, que, após tentativas
heterodoxas malsucedidas, prejudicada pelo m do boom das commodities
e pressionada pelo business, cedeu à austeridade no início do segundo
mandato, em meio à crise dos principais partidos, ao rearranjo das coa-
lizões e à disputa pelo comando do governo. No Brasil, a retomada do
neoliberalismo foi politicamente radical, por apoiar-se num conteúdo
ultraliberal e por ocorrer em contexto de forte guinada desdemocrati-
zante, primeiro à direita, em seguida, à extrema-direita, força política
que venceu as eleições de 2018 e fortaleceu a autocratização, embora sob
vigência formal da democracia.
Conclusão
tomando quatro crises econômicas internacionais como variáveis inde-
pendentes, analisei, pelo método histórico-comparativo, seus impactos nos
Estados de três países, EUA, Alemanha e Brasil. Concebi o conceito de
Estado como síntese de três variáveis dependentes: decisões (de política
econômica e regras institucionais), coalizões de sustentação e regime
político. Essa concepção do Estado norteou a comparação.
Na Longa Depressão, Alemanha e Brasil implementaram regimes autori-
tário-competitivos, decorrentes, entre outros, das respostas (decisões)
dos atores político-institucionais e sociais (coalizões) aos efeitos internos
desta crise internacional. Nos EUA, ela impactou no sistema político
mas não exatamente no eixo autocratização-democratização do regime
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Três por Quatro: Impactos Políticos das Crises Econômicas Internacionais
–, abrindo o Quarto Sistema Partidário, caracterizado pela supremacia dos
Republicanos sobre os Democratas e da indústria (que conquistou proteção
tarifária) sobre a agricultura (exposta ao livre-comércio).
Na Grande Depressão, a economia mista emergiu como paradigma, desban-
cando a ortodoxia. Houve também inovação nas coalizões e nos regimes.
Esta crise, que emergiu na primeira onda reversa da democracia, iniciada em
1922 pelo fascismo italiano, contextualizou três décadas de autoritarismo.
Em 1933, o nazismo fascistizou o regime político alemão (tendência obser-
vada também em Portugal, Espanha, Japão etc). Uma ampla coalizão do
big business contra as organizações proletárias apoiou o keynesianismo mili-
tar do Führer. No Brasil da Revolução de 1930, uma coalizão de oligarquias
dissidentes, políticos da oposição, camadas médias urbanas e ociais
militares derrubou a República Oligárquica. O novo regime modernizou o
Estado e a economia, mas mediante conitos, como a Revolução Consti-
tucionalista de 1932, a insurreição de 1935 e o Integralismo, desaguando,
em 1937, numa ditadura desenvolvimentista, que perdurou até acabar
a Segunda Guerra. Nos EUA, a mudança foi democratizante, amparada
na New Deal Coalition, uma versão yankee do compromisso histórico, que
promoveu interesses empresariais urbanos e rurais e incorporou direitos
trabalhistas, sindicais e sociais.
Após a guerra – desdobramento da Grande Depressão e do imperialismo
econômico-militar – emergiu a segunda onda democrática, que banhou os
três países investigados. Na Alemanha (por intervenção externa) e no Bra-
sil (por golpe militar), as ditaduras caíram. A nação alemã direcionou-se
para o desenvolvimento democrático, amparada na social market economy.
O Brasil ingressou na democracia populista, escorado na aliança desenvolvi-
mentista PSD-PTB, aproximando políticos progressistas e conservadores,
grupos industriais e trabalhadores. Nos EUA, apesar da Guerra Fria e do
conservadorismo, o capitalismo democrático prosseguiu, sustentado
institucionalmente, sobretudo, pelos Democratas.
A Crise de Estagação descortinou a reviravolta neoliberal, que, desde 1979-
1980 foi se hegemonizando. No Reino Unido, Thatcher rompeu o consenso
keynesiano, liderando a adesão radical dos Conservadores à restauração da
autoridade do mercado.40 Em seguida, acentuou-se, nos EUA de Reagan, o
conservadorismo e a polarização à direita dos Republicanos. O sexto sistema
partidário desbancou a New Deal Coalition e, desde então, as clivagens
partidárias aprofundam-se.
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Na Alemanha, a coalizão de centro-direita CDU/CSU desbancou eleitoral-
mente o SPD durante16 anos. Manteve-se a economia social de mercado, mas
a desigualdade de renda e riqueza entre os 10% do topo e os 50% inferiores
vem aumentando, tendência observada também nos EUA. Emergiram
pressões contra o welfare state e contra a intervenção estatal na economia.
Esta forte tendência market oriented desenvolveu-se concomitantemente
à terceira onde democrática, congurando uma contradição entre os pro-
cessos econômicos e políticos. Hoje, após quarenta anos, ao invés do livre
mercado desenvolver a democracia, evidencia-se uma terceira onda reversa
(Lührmann, Lindberg, 2019).
No Brasil, o contexto da Crise de Estagação ensejou a liberalização da dita-
dura militar e ações estatais industrializantes, em resposta ao choque do
petróleo, que foram criticadas pelos industriais. Ademais, a crise da dívida
externa – um desdobramento da resposta ortodoxa dos EUA à estagação
– e o ajuste recessivo do governo Figueiredo desestruturaram a aliança
desenvolvimentista-autoritária entre os capitais privados (estrangeiro e
nacional) e o capital estatal. Os conitos e acordos ocorridos neste pro-
cesso político colocaram o país na transição democrática, que encerrou a
ditadura, mas preservando variáveis institucionais autoritárias.41
Por m, a Grande Recessão delimita a história do capitalismo neoliberal,
sendo a base estrutural do debate hodierno sobre a crise da democracia e a
autocratização. Nos três países estudados, a resposta a ela ensejou inova-
ção, pela retomada de um keynesianismo moderado, com estímulo scal
e expansão monetária. Apesar da moderação, sua adoção gerou reação.
Desde 2010, economistas ortodoxos, respaldados pela comunidade das
nanças, defenderam, enfaticamente, a contração scal expansionista, a
austeridade, perspectiva à qual vários governos aderiram, convictos ou
pressionados, como Obama, Merkel e Rousse, nesse caso, em 2015.42
Quanto ao regime político, a Grande Recessão e sua correlata crise na
Europa impactaram os três países. No Brasil, o m do boom das com-
modities foi outro elemento de pressão conjuntural. Com intensidades
variadas, ou houve autocratização (EUA e Brasil) ou fortaleceram-se for-
ças político-ideológicas de extrema-direita (Alemanha). Um ano-chave
foi 2016: em maio, oposicionistas afastaram Rousse do cargo, visando
seu impeachment; em junho, o Brexit venceu o referendum no RU e, em
novembro, Trump ganhou as eleições presidenciais nos EUA, país que,
desde então, para mencionar um dado, a Economist Intelligence Unit carac-
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teriza como democracia falha, e não mais como democracia plena.
43
Embora
esta agência qualique a Alemanha como democracia plena, lá a extre-
ma-direita cresceu. Nos três países, a desigualdade tem aumentado. No
Brasil, medida pelo Índice de Gini, vinha caindo até 2015, quando passou
a crescer ininterruptamente (Neri, 2019).
Restam as hipóteses. A primeira supõe que as crises do capitalismo reforçam
a chance dos regimes mudarem ou de aumentarem ou diminuírem seus níveis
de democracia ou autocracia. Há quinze resultados possíveis, pois são cinco
situações de crise em três países – examinei a Grande Depressão antes e
após a guerra, conito que ela ajudou a causar, além de descortinar a
estruturação da economia mista.
Houve mudança de regime em seis casos, três autoritários e três demo-
cráticos: Brasil (Longa Depressão); Alemanha e Brasil (Grande Depressão
e pós-guerra); e nos desdobramentos da Crise de Estagação no Brasil.
Quanto aos processos de aumento ou diminuição da quantidade de auto-
ritarismo ou democracia nos regimes, sem haver mudança qualitativa,
houve autocratização em três casos: na Alemanha (Longa Depressão) e nos
desdobramentos da Grande Recessão nos EUA e no Brasil, desde 2016,
respectivamente, com Trump, Temer e, sobretudo, Bolsonaro. Houve tam-
bém um caso polêmico de autocratização, os EUA na Crise de Estagação,
pois alguns viram Reagan como expoente do neoliberalismo reacionário; tal
como Thatcher no RU, ele posicionou-se duramente contra os sindicatos;
ao menos, suponho que não houve democratização da democracia em
seus governos, fenômeno que, no entanto, ocorreu em dois casos, ambos
neste mesmo país, na Grande Depressão e no pós-guerra.
Por m, há três situações em que houve mudanças no sistema político,
mas não exatamente no regime político. Na Longa Depressão, o sistema
partidário nos EUA passou à dominância dos Republicanos. Na Crise de
Estagação, a centro-direita alemã desbancou a centro-esquerda do
governo durante 16 anos. Na Alemanha, o contexto da Grande Recessão
ensejou quatro situações de Grande Coalizão, afora a já existente no pri-
meiro gabinete de Merkel (2005-2009); tal dado é relevante, pois, apesar
do fortalecimento da extrema-direita (AfD), a consolidação do centrismo
CDU-SPD tem garantido a governabilidade democrática.
Nos casos acima, as mudanças processadas nas crises do capitalismo,
impactaram uma das três variáveis do conceito de Estado, o regime, sendo
as outras duas as coalizões e as decisões sobre políticas públicas, direitos
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e regras institucionais. Estas três variáveis combinam-se, resultando em
diferentes sínteses ou equações do Estado, todas elas associadas às relações
mutantes dos atores sociais e políticos com o Leviatã nas diversas conjun-
turas críticas de distintas fases do capitalismo. Tais dados corroboram a
primeira hipótese. A austeridade, por exemplo, mostrou-se uma resposta
à Grande Recessão tendencialmente autocratizante, por ser anti-igualitária,
ao restringir a oferta dos recursos materiais necessários para a efetividade
mínima do princípio democrático da igualdade política.
Segunda hipótese: a autocratização, induzida nas crises internacionais,
requer uma relação de forças pró-empresarial, que garante a subordinação
dos trabalhadores. Essas condições gerais ocorreram nas autocratizações
aqui examinadas (desconsiderando o governo Reagan). Identiquei três
situações desse tipo:
a)
no fascismo de Hitler (Grande Depressão), líder que forjou – mobili-
zando as massas, no caos da depressão, hiperinação e ingoverna-
bilidade da Weimar Republic, e beneciado pela divisão da esquerda
– uma unicação empresarial em apoio ao totalitarismo;
b)
nos governos de Trump e Bolsonaro (Grande Recessão), líderes que,
diante da crise de legitimidade democrática e de corrupção (Brasil),
mobilizando as massas e cerceando politicamente atores identica-
dos como inimigos, unicaram o empresariado (ou parte dele) e os
conservadores numa agenda ultraliberal e de corrosão democrática;
c)
na Alemanha da Longa Depressão, diante do equilíbrio de classes,
Bismarck arbitrou um acordo e articulou uma coalizão protecionista
entre indústria e agricultura, com inclinação nacionalista-militar e
imperialista e de restrição à ação da social-democracia; no Brasil
da Grande Depressão, Vargas, diante da desagregação da aliança de
suporte à Revolução de 1930, conquistou apoio militar para o golpe
ditatorial do Estado Novo, que resultou em aumento da autonomia
do Estado.
A terceira hipótese argumenta que o compromisso democrático dos atores é
uma barreira contra a autocratização. Conrmo-a nos seguintes casos em
que as extremas-direitas foram contidas: nos EUA, na Grande Depressão
e no pós-guerra; no Brasil, na Crise de Estagação; e na Alemanha, na
Grande Recessão.
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Examinadas interdisciplinarmente e histórico-comparativamente, as
crises econômicas internacionais permitem compreender o desloca-
mento dos regimes no eixo autocratização-democratização como res-
postas nacionais nelas processadas, circunscritas na economia política
das relações cambiantes entre Estado e sociedade, e não como processos
exclusivamente político-institucionais. Tais deslocamentos mobilizam
estruturas e ações. Sem ignorar as suas especicidades, as tendências
autocráticas de Trump e Bolsonaro enraízam-se no aumento da desigual-
dade, no acirramento do conito distributivo e na emergência de líderes
de extrema-direita, que, coalizados com políticos, empresários e eleito-
res conservadores, denem seus inimigos e dirigem-se às massas, para
construir um padrão protofascista de legitimação, alternativo à crise de
legitimidade da democracia, regime representativo enfraquecido pelas
insatisfações dos cidadãos com sua atual balança entre benefícios e cus-
tos. A autocratização corrente emana das contradições entre o capitalismo
neoliberal, em crise, e o Estado democrático, que têm desaado internacio-
nalmente os partidos políticos de todo o espectro político-ideológico.
(Recebido para publicação em 15 de setembro de 2022)
(Reapresentado em 21 de janeiro de 2023)
(Aprovado para publicação 6 de fevereiro de 2023)
Notas
1. A identificação das quatro crises está em Gourevitch (1986), Stiglitz (2009) e Roberts (2009).
Os dois últimos denominam a crise de 2007-2008 de Grande Recessão.
2. O Estado também toma decisões judiciais, administrativas e exerce função ideológica.
3. Reportagens sobre a recessão estão em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/
risco-de-recessao-resgata-debate-sobre-estagnacao-secular-nos-paises-ricos.shtml, https://
www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/bc-europeu-corta-taxas-de-juros-e-diz-a-governos-
-que-ajam-para-reanimar-economia.shtml e https://aboutus..com/press_release/-sets-the-
-agenda-with-new-brand-platform. Acessos: 10/09/2019.
4. Segundo o Banco Mundial [BIRD], o PIB mundial assim variou: 1973 (6.5%), 1974 (1.9%) e 1975
(0.6%). A inflação foi, respectivamente, 11.7%, 16.3% e 11.7%; ver https://data.worldbank.org/
indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG. Acesso:15/08/2020.
5. Até 2009, 79 países adotavam o câmbio flutuante. Em 2013, eram 65, cf. https://asia.nikkei.com/
Business/Markets/Forex/IMF-finds-more-countries-adopting-managed-floating-exchange-rate-
-system#:~:text=China%20has%20adopted%20the%20managed,representing%2034%25%20
of%20the%20total. Acesso: 10/08/2020.
6. Ver reportagem do FED em https://www.federalreservehistory.org/essays/oil-shock-of-1978-79.
Acesso: 28/08/2020.
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11. Quantitative easing (flexibilização quantitativa) é uma política monetária de compra, pelo
banco central, de certos montantes de títulos públicos ou outros ativos financeiros visando
estimular a economia. Ver reportagens sobre o quantitative easing em https://www.bbc.com/
news/business-29227597 e https://www.nytimes.com/2014/10/30/upshot/quantitative-easing-
-is-about-to-end-heres-what-it-did-in-seven-charts.html. Acessos: 12/06/2021.
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Article
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Original fascism arose in the twentieth century in the central countries. It was a mass reactionary movement of the petty-bourgeois against the socialist and communist workers’ movement that mobilized a conservative criticism, typical of the small owner, of capitalist economy and of parliamentary politics and came to the government co-opted by monopolist capital. Neo-fascism emerged in the 21st century and, in the Brazilian case, in the semi-periphery of the imperialist system. It is a reactionary mass movement of the upper middle class against a popular- -based bourgeois reformism; it mobilizes a conservative middle-class critique of corruption and democratic politics, and has come to the government co-opted by international capital and the fraction of Brazilian bourgeoisie integrated into this capital. Both movements serve fractions of the bourgeoisie, but they are not reduced to passive instruments that these fractions would manipulate at their own pleasure.
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What Merkel's critics underestimate is the extent to which her proactive policies of the past decade encouraging integration and ‘intercultural opening’ have produced an even bigger paradigm shift…
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Less than 30 years after Fukuyama and others declared liberal democracy’s eternal dominance, a third wave of autocratization is manifest. Gradual declines of democratic regime attributes characterize contemporary autocratization. Yet, we lack the appropriate conceptual and empirical tools to diagnose and compare such elusive processes. Addressing that gap, this article provides the first comprehensive empirical overview of all autocratization episodes from 1900 to today based on data from the Varieties of Democracy Project (V-Dem). We demonstrate that a third wave of autocratization is indeed unfolding. It mainly affects democracies with gradual setbacks under a legal façade. While this is a cause for concern, the historical perspective presented in this article shows that panic is not warranted: the current declines are relatively mild and the global share of democratic countries remains close to its all-time high. As it was premature to announce the “end of history” in 1992, it is premature to proclaim the “end of democracy” now.
Article
(Abstracted from JAMA 2016;316(5):525–532) The economy, federal budgets, and the financial well-being of American families are all impacted by health care costs. To combat the issues of the rapid rise in health care costs as well as to address the issue of a significant proportion of the population being uninsured, the Affordable Care Act (ACA) was the most important health care legislation enacted in the United States since the creation of Medicare and Medicaid in 1965.
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Do financial crises radicalize voters? We analyze a canonical case - Germany during the Great Depression. After a severe banking crisis in 1931, caused by foreign shocks and political inaction, radical voting increased sharply in the following year. Democracy collapsed six months later. We collect new data on pre-crisis bank-firm connections and show that banking distress led to markedly more radical voting, both through economic and non-economic channels. Firms linked to two large banks that failed experienced a bank-driven fall in lending, which caused reductions in their wage bill and a fall in city-level incomes. This in turn increased Nazi Party support between 1930 and 1932/33, especially in cities with a history of anti-Semitism. While both failing banks had a large negative economic impact, only exposure to the bank led by a Jewish chairman strongly predicts Nazi voting. Local exposure to the banking crisis simultaneously led to a decline in Jewish-gentile marriages and is associated with more deportations and attacks on synagogues after 1933.