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DESENVOLVIMENTO
REGIONAL NO BRASIL
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
Organizadores
Aristides Monteiro Neto
Lucileia Aparecida Colombo
João Mendes da Rocha Neto
Missão do Ipea
Aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro
por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria
ao Estado nas suas decisões estratégicas.
3
Políticas, estratégias e perspectivas
3
Adriana Melo Alves
Ariana Souza Lobo
Aristides Monteiro Neto
Clélio Campolina Diniz
Danilo Jorge Vieira
Danilo Severian
Fernando Cézar de Macedo
Gislaine de Miranda Quaglio
Guilherme Lopes
João Mendes da Rocha Neto
Leonardo Rodrigues Porto
Luciléia Aparecida Colombo
Murilo José de Souza Pires
Philipe Scherrer Mendes
Raphael de Oliveira Silva
Rodrigo Portugal
Ronaldo Ramos Vasconcelos
Ulisses dos Santos
Vitarque Lucas Paes Coêlho
Autores
DESENVOLVIMENTO
REGIONAL NO BRASIL
Organizadores
Aristides Monteiro Neto
Lucileia Aparecida Colombo
João Mendes da Rocha Neto
3
Políticas, estratégias e perspectivas
Governo Federal
Ministério do Planejamento e Orçamento
Ministra Simone Nassar Tebet
Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento
e Orçamento, o Ipea fornece suporte técnico e institucional
às ações governamentais– possibilitando a formulação de
inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento
brasileiros– e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e
estudos realizados por seustécnicos.
Presidenta
Luciana Mendes Santos Servo
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Fernando Gaiger Silveira
Diretora de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia
Luseni Maria Cordeiro de Aquino
Diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas
Cláudio Roberto Amitrano
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Aristides Monteiro Neto
Diretora de Estudos e Políticas Setoriais,
de Inovação, Regulação e Infraestrutura
Fernanda De Negri
Diretor de Estudos e Políticas Sociais
Carlos Henrique Leite Corseuil
Diretor de Estudos Internacionais
Fábio Véras Soares
Chefe de Gabinete
Alexandre dos Santos Cunha
Coordenador-Geral de Imprensa e Comunicação Social
Antonio Lassance
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
DESENVOLVIMENTO
REGIONAL NO BRASIL
Organizadores
Aristides Monteiro Neto
Lucileia Aparecida Colombo
João Mendes da Rocha Neto
3
Políticas, estratégias e perspectivas
Rio de Janeiro, 2023
Desenvolvimento regional no Brasil : políticas, estratégias e perspectivas, 3 /
Organizadores: Aristides Monteiro Neto, Lucileia Aparecida Colombo e
João Mendes da Rocha Neto – Rio de Janeiro : IPEA, 2023.
404 p. : il., gráfs., mapas color.
Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-65-5635-051-6
1. Desenvolvimento Regional. 2. Política de Desenvolvimento.
3. Planejamento Regional. 4. Brasil. I. Monteiro Neto, Aristides. II. Colombo,
Lucileia Aparecida. III. Rocha Neto, João Mendes da. IV. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada.
CDD 338.981
Ficha catalográfica elaborada por Elizabeth Ferreira da Silva CRB-7/6844.
DOI: http://dx.doi.org/10.38116/978-65-5635-051-6
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2023
As publicações do Ipea estão disponíveis para download gratuito nos formatos PDF (todas)
e EPUB (livros e periódicos). Acesse: http://www.ipea.gov.br/portal/publicacoes
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos au-
tores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional ou do Ministério do
Planejamento e Orçamento.
É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 9
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 11
PARTE 1 – A PNDR NO PERÍODO RECENTE: IMPLEMENTAÇÃO,
INSTRUMENTOS, RECURSOS E PERSPECTIVAS
CAPÍTULO 1
POLÍTICAS TERRITORIAIS EM TEMPOS DE MÚLTIPLAS CRISES:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O BRASIL NA DÉCADA DE 2020 ..............23
Aristides Monteiro Neto
Lucileia Aparecida Colombo
João Mendes da Rocha Neto
CAPÍTULO 2
A PNDR E SEU MOMENTO ATUAL: AGENDAS ESTRATÉGICAS,
PLANOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO E ROTAS DE
INTEGRAÇÃO NACIONAL .......................................................................... 71
Adriana Melo Alves
Vitarque Lucas Paes Coêlho
CAPÍTULO 3
A AGENDA INSTITUCIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A
CAPACIDADE INSTITUCIONAL DAS SUPERINTENDÊNCIAS
REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL ..................................... 119
Lucileia Aparecida Colombo
CAPÍTULO 4
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS REGIONAIS: ANÁLISE DE MUDANÇAS E DE
PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NOS FUNDOS
CONSTITUCIONAIS DE FINANCIAMENTO DAS REGIÕES
NORTE, NORDESTE E CENTRO-OESTE ..................................................... 141
Guilherme Lopes
Fernando Cézar de Macedo
CAPÍTULO 5
ALCANCES, LIMITES E AVANÇOS DO FUNDO CONSTITUCIONAL
DE FINANCIAMENTO DO CENTRO-OESTE (FCO): UMA SÍNTESE
DAS ANÁLISES ESPAÇO-ESTRUTURAISDAS REGIÕES IMEDIATAS
DOS ESTADOS QUE CONSTITUEM A REGIÃO CENTRO-OESTE ................. 175
Murilo José de Souza Pires
Gislaine de Miranda Quaglio
Rodrigo Portugal
Ronaldo Ramos Vasconcelos
PARTE 2 – A INTERIORIZAÇÃO DA DINÂMICA PRODUTIVA E DA BASE DO
ENSINO SUPERIOR: ATUALIZANDO OS HORIZONTES PARA A PNDR
CAPÍTULO 6
TENDÊNCIAS REGIONAIS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
NO SÉCULO XXI....................................................................................... 217
Clélio Campolina Diniz
Philipe Scherrer Mendes
CAPÍTULO 7
A INDÚSTRIA NA RECONFIGURAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA:
NOVAS EXPRESSÕES DOS DILEMAS NACIONAIS NO SÉCULO XXI ............. 253
Aristides Monteiro Neto
Raphael de Oliveira Silva
Danilo Severian
CAPÍTULO 8
ASPECTOS DA EVOLUÇÃO REGIONAL DO MERCADO
DE TRABALHO FORMAL NO BRASIL (2002-2018) .................................... 279
Fernando Cézar de Macedo
Leonardo Rodrigues Porto
CAPÍTULO 9
TRANSFORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS NA REGIÃO
DO MATOPIBA: REFLEXÕES A PARTIR DA TEORIA DA
BASE DE EXPORTAÇÃO ............................................................................ 303
Ariana Souza Lobo
CAPÍTULO 10
ENSINO SUPERIOR E EXPANSÃO REGIONAL DO EMPREGO
INDUSTRIAL NO BRASIL (2006-2018) ..................................................... 343
Philipe Scherrer Mendes
Ulisses dos Santos
Clélio Campolina Diniz
CAPÍTULO 11
A UNIVERSIDADE VAI À PERIFERIA: ANÁLISE DA EVOLUÇÃO
DO ENSINO SUPERIOR NA ÁREA DE AÇÃO PRIORITÁRIA DA PNDR ........ 371
Danilo Jorge Vieira
APRESENTAÇÃO
O debate sobre as territorialidades do desenvolvimento voltou ao centro das preo-
cupações do governo na atual administração federal. Uma guinada republicana se
inicia com o propósito de alterar a trajetória de descaso, desmonte e fragmentação
das políticas vigentes no trágico período anterior do governo federal (2019-2022).
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), como tem feito há quase
sessenta anos, se esforça – às vezes na contramão das orientações governamentais
prevalecentes – para manter sua missão e planos de trabalho devotados à investigação
e à formulação de desenhos, formas e meios para a implementação e avaliação de
políticas públicas, os quais são ferramentas fundamentais a uma agenda nacional
de desenvolvimento.
Este livro se coloca, portanto, nesta posição de atuar na contracorrente e
resistir a orientações antirrepublicanas e ao enfraquecimento institucional pre-
sente no panorama das políticas públicas nacionais nos últimos quatro anos. Esta
publicação corresponde ao terceiro volume da série Desenvolvimento Regional
no Brasil: políticas, estratégicas e perspectivas, cujo objetivo primordial tem sido
gerar elementos abalizados para o fortalecimento e a consolidação das políticas
regionais brasileiras. Os estudos que o consubstanciam foram realizados no âmbito
dos esforços de pesquisadores da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais (Dirur), beneciando-se, neste e nos volumes anteriores,
de estudos, pesquisas e debates de especialistas do próprio Ipea, mas nutrindo-se
fundamentalmente da cooperação em rede com diversas instituições acadêmicas e
de planejamento nacionais.
Neste volume, as contribuições se organizam num arco temático que vão
desde um conjunto de capítulos dedicados à avaliação de políticas regionais, seus
instrumentos e sua governança até aqueles que realizam rigorosos diagnósticos
investigativos de aspectos da dinâmica territorial brasileira atual. A sua principal
mensagem é que as visões diagnósticas devem ser orientadas para a formulação
de estratégias de políticas que visam romper a inércia acomodatícia de processos
cristalizados e a dependência de trajetória estabelecida. Por esta razão, os organi-
zadores, logo no capítulo de abertura, sugerem a necessidade de alteração da atual
estratégia de desenvolvimento conduzida pela política regional para outra, nomeada
como estratégia de mudança estrutural ambientalmente sustentada e lastreada no
componente da inovação e do conhecimento.
Neste sentido, os autores são impelidos a reconhecer as limitações da
estratégia atual e a sugerir um novo caminho consentâneo com o debate sobre
a mudança climática e a transição energética, além, é claro, de reconhecer a
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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necessidade de conduzir a Política Nacional de Desenvolvimento Regional
(PNDR) para a busca de uma mudança estrutural nos complexos produtivos
regionais. Conforme sugerem os autores, escapar da trajetória consolidada de
perda de valor adicionado e de baixa complexidade econômica nas diversas regiões
deveria ser um elemento central da política regional a partir de então.
Entendemos que o presente momento de abertura política e democrática é
muito propício para a renovação das discussões que orientam e informam o debate
sobre as políticas nacionais de cunho territorial. Este livro surge voltado acerta-
damente para este propósito, em hora mais que adequada – nos meses iniciais da
formação do governo, após o ciclo eleitoral – à fertilização de ideias e proposições
entre os analistas e os realizadores de políticas regionais.
Esperamos que os leitores apreciem esta obra e tenham profícuas reexões!
Luciana Mendes Servo
Presidenta do Ipea
INTRODUÇÃO
Com esta publicação, celebramos em sentimento de enorme satisfação o terceiro
volume da série Desenvolvimento regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas.
O intuito desta série, desde o primeiro volume, em 2017, é realizar, prospectar e
divulgar pesquisas aplicadas à formulação e avaliação de políticas regionais bra-
sileiras. Para tal, foram reunidos estudos e pesquisas desenvolvidos sob patrocínio
direto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pesquisas externas con-
sideradas relevantes para o projeto. Nesse sentido, a experiência se repetiu em 2020,
com a publicação do segundo volume da obra vindo a registrar investigações sobre
padrões populacionais regionais e estaduais consolidados, avaliação de impacto
de crédito público sobre as economias regionais, assim como o uso de tipologias
territoriais especícas associadas a aglomerações industriais relevantes para dimen-
sionar reestruturações produtivas em curso.
Neste terceiro número, o foco, em parte, continua a se deter na observação de
padrões territoriais em transformação, e vai ainda além: traz reexões sobre a neces-
sidade de internalização de novos objetivos estratégicos (inovação e sustentabilidade
ambiental), bem como uma avaliação detida das graves e recorrentes limitações
presentes na estrutura de governança da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional (PNDR). São estudos elaborados por uma equipe diversa de pesquisadores
nacionais, os quais têm se dedicado a investigar dinâmicas socioeconômicas regionais
e avaliações de políticas, seus objetivos e seus instrumentos. Estudiosos que têm se
envolvido também na prospecção de problemas, temas e abordagens emergentes
para o entendimento das forças e vetores que potencializam ou limitam o desenvol-
vimento territorial no país.
Para esta publicação reunimos onze trabalhos realizados nos últimos três anos
por dezenove pesquisadores acadêmicos e gestores públicos, os quais estão associados
a esforços de investigação incentivados e/ou nanciados pelo Ipea. Como sempre,
essa instituição tem a preocupação e o interesse na diversidade institucional e temá-
tica de suas equipes de pesquisa. Neste volume, os trabalhos conguram produção
intelectual proveniente de pesquisadores de distintas universidades brasileiras, indo
desde a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), passando pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Univer-
sidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), até a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), incluindo também a participação
de experimentados gestores federais especialistas em políticas públicas lotados em
órgãos federais, como o atual Ministério da Integração e do Desenvolvimento
Regional (MIDR), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), assim como vários
pesquisadores da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais
(Dirur) do próprio Ipea.
De maneira a contribuir para uma leitura orientada por temas ans, os capítulos
estão organizados em duas partes analiticamente distintas: numa estão reunidas
as reexões sobre políticas regionais, seus objetivos, estrutura de governança e
instrumentos de nanciamento; e na outra se agrupam aqueles estudos que pro-
blematizam recongurações territoriais recentes da produção, do emprego formal
e da capacidade instalada de formação de pessoas no ensino superior. Nesse sentido,
na primeira parte, A PNDR no período recente: implementação, instrumentos,
recursos e perspectivas, constam cinco estudos problematizadores de aspectos que
caracterizam a política regional brasileira quanto à sua concepção, seus propósitos,
sua governança e gestão e seus instrumentos. No conjunto, eles aprofundam
avaliações de desenho e implementação da PNDR, questionam a sua governança
e investigam interesses políticos na apropriação de suas fontes de recursos.
O capítulo de abertura, intitulado de Políticas territoriais em tempos de
múltiplas crises: desaos e perspectivas para o Brasil na década de 2020, corresponde
a uma reexão dos organizadores desta coletânea acerca de uma leitura própria sobre
o conturbado e desaador momento das últimas duas décadas, esquadrinhado
por crises de múltiplas dimensões. Desde a eclosão da grande crise nanceira
global de 2007/2008 – passando por sucessivas tensões e rupturas no ambiente
das democracias liberais e sociais-liberais e em regimes não muito democráticos
do Oriente Médio, chegando até a mais recente crise sanitária global da covid-19
e, por m, considerando que os efeitos da mudança climática se tornam cada vez
mais presentes, e mais dramáticos, em nossas vidas –, o ambiente para a atuação de
políticas públicas no país tem sido crescentemente limitado. As políticas territoriais,
entre elas a regional, também têm sido negativamente afetadas. Os autores, frente
aos desaos interpostos, reconhecem as mudanças no ambiente provocadas por
uma sucessão de crises globais e reetem sobre novos e inadiáveis desaos, entre
os quais o imperativo da mudança climática e a necessidade de renovação tecnológica
da estrutura produtiva nacional, que ainda não foram adequadamente interna-
lizados pela política regional brasileira. Da reexão, os autores apontam para a
oportunidade gerada por esse momentum de turbulências para repensar a orien-
tação geral da política regional em direção a uma política promotora de mudança
estrutural de duplo propósito – que seja lastreada no conhecimento e inovação e ao
mesmo tempo ambientalmente sustentada.
No capítulo 2, A PNDR e seu momento atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional, Adriana Melo Alves e
Vitarque Lucas Paes Coêlho, ambos especialistas em política regional da carreira
Introdução
|
13
federal de gestão governamental, elaboram um minucioso memorial dos esforços
internos ao antigo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) ao longo de
alguns anos, desde 2007 até a aprovação da PNDR II, em 2019. Além disso, os
autores mostram como, no ano recente de 2018, a proposição e a elaboração de
agendas estratégicas regionais para as três superintendências de desenvolvimento
regional – Sudam, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)
e Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) – contribuíram
para a reformulação da política e sua aprovação pela Presidência da República no
ano subsequente. Os autores registram ademais o esforço de articulação institu-
cional realizado pelo MDR para aproximar as superintendências das instâncias
ministeriais setoriais e facilitar a denição dos objetivos estratégicos e das metas
orçamentárias desejadas. Uma avaliação realista e crítica dos parcos avanços e das
numerosas limitações enfrentadas durante o governo Bolsonaro é esboçada neste
trabalho. Sugere-se que alterações de orientação e gestão estratégica em objetivos
e programas da PNDR delineadas entre 2018 e início de 2019 indicavam avanços
para a efetividade da política; contudo, mudanças de prioridade emanadas da
base político-partidária do governo levaram ao desvirtuamento de instrumentos e
recursos, assim como ao esvaziamento institucional. Segundo os autores,
constata-se que, apesar das proposições tecnicamente consistentes em termos
de desenho de política pública (policy), a PNDR precisa avançar na sua
institucionalização para a materialização de suas estratégias, adquirindo visibilidade
e agenda nos centros de decisão política (politics), sob pena de seu esvaziamento, tal
como ocorrido em sua primeira versão.
O capítulo 3, A agenda institucional de políticas públicas e a capacidade
institucional das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil, da
cientista política Lucileia Aparecida Colombo, da Ufal, organiza sua investigação
sobre o processo de realização das agendas estratégicas das superintendências regionais
de desenvolvimento (Sudene, Sudam e Sudeco) em 2018 e sua transformação
posterior em planos regionais de desenvolvimento (PRDs). A autora se interroga,
ao ler os documentos dos PRDs encaminhados ao Congresso Nacional em meados
de 2019, se as proposições neles contidas expressam proximidade ou convergência
com a totalidade dos objetivos fundamentais da PNDR, ou pelo menos com
parte deles. Ademais, Colombo questiona se tais instituições regionais, ao elaborar
seus PRDs, se mostram atentas à necessidade de mais ampla articulação com
instâncias ministeriais federais para coordenar ações ou se, pelo contrário, os obje-
tivos propostos em cada PRD tendem ao insulamento institucional. São questões
fundamentais para o repensar dos modelos institucionais estabelecidos e visam
congregar elementos para a revisão e melhoria de padrões e práticas institucionais
enrijecidas no âmbito da política regional brasileira.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
14
|
No capítulo 4, Guilherme Lopes e Fernando Cézar de Macedo, pesquisadores
da Unicamp, apresentam um estudo que pode ser entendido como uma economia
política do uso dos recursos da PNDR. Em Uma contribuição para a avaliação de
políticas públicas regionais: análise de mudanças e de propostas de alteração legislativa
nos fundos constitucionais de nanciamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
os autores investigaram propostas, em tramitação no Congresso Nacional, de alte-
ração no uso e na repartição dos fundos constitucionais de nanciamento (FCFs)
da política regional. O objetivo foi mapear os interesses político-econômicos
revestidos na forma de demandas por alteração legal dos recursos e, desse modo,
prover evidências para que a PNDR seja capaz ora de se antecipar a movimentos
de atores interessados pela apresentação de propostas, ora de reagir a propostas que,
porventura, tentem desgurar objetivos fundamentais e constitucionais delegados
à política regional. Os autores conseguiram identicar a existência do expressivo
número de 160 alterações nos FCFs por meio de dezessete leis complementares,
medidas provisórias, inclusões e revogações realizadas sobre a Lei no 7.827/1989,
desde, por exemplo, a expansão da abrangência territorial para inclusão de novos
beneciários até a inclusão de novas rubricas de gasto e de concessão de dívidas a
empreendedores. No geral, o capítulo alerta para o progressivo desvirtuamento em
curso entre a destinação dos recursos e os objetivos estratégicos da PNDR, algo que
deveria ser rmemente evitado.
Por m, no capítulo 5, Alcances, limites e avanços do Fundo Constitucional de
Financiamento do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturais das
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste, elaborado pelo grupo
de pesquisadores da Dirur/Ipea, Murilo José de Souza Pires, Gislaine de Miranda
Quaglio, Rodrigo Portugal e Ronaldo Ramos Vasconcelos, é apresentada uma
avaliação de impacto do FCO em Unidades da Federação da região Centro-Oeste.
O esforço analítico, com dados para o período 2002-2018, está na busca de
associações estatísticas espaciais entre os valores contratados do FCO e o produto
interno bruto (PIB) per capita de municípios da região: no que e em qual medida
o esforço da política regional por meio de empréstimos a empreendimentos produ-
tivos contribui para a expansão econômica das regiões beneciárias. O que parece
car evidente é que os recursos do FCO se distribuem irregularmente nos territórios
estaduais e tendem a revelar concentrações em áreas de forte dinamismo econô-
mico. Mais do que atuar como instrumentos de desconcentração regional e de
diversicação produtiva, no Centro-Oeste, o FCO mostra-se capturado por poucos
atores e territórios de alta especialização em commodities agropecuárias exportáveis.
Os resultados obtidos tornam-se úteis para os gestores federais que monitoram a
aplicação dos recursos do FCO na região ao apontar para a necessidade de, sempre
que possível, conter os efeitos concentradores do crédito público no território.
Introdução
|
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Inicia-se na segunda parte do livro a reexão sobre padrões de reconguração
territorial da atividade econômica de interesse de monitoramento pela política
regional. Sob o título de A interiorização da dinâmica produtiva e da base do ensino
superior: atualizando os horizontes para a PNDR, foram reunidos seis capítulos
dedicados ao debate das formas sob as quais se denem e se transformam no
território as atividades produtivas e a base institucional do ensino superior. Os
capítulos 6 a 9 estão dedicados a apontar caminhos especícos percorridos por
vetores econômicos observados (PIB, emprego formal, exportações, indicadores
de bem-estar, atividade industrial etc.), suas dinâmicas e limitações mais visíveis no
período 2000-2020. A identicação dos territórios da dinâmica espacial torna-se
elemento crucial para sinalizar à política regional mudanças de rota e reavaliação
de objetivos, ao tempo que produz elementos concretos de um balanço de acertos
e desacertos obtidos. Por m, os capítulos 10 e 11 reúnem estudos cujo propósito é
problematizar e trazer evidências empíricas recentes sobre o papel das estruturas
de ensino superior, as chamadas instituições de ensino superior (IES) para o desen-
volvimento regional e sugerir as maneiras como a PNDR pode se apropriar da
expansão e descentralização territorial do parque instalado de formação de recursos
humanos qualicados.
Iniciando pelas transformações territoriais, os capítulos 6 e 7 têm a indústria
como objeto predominante. Ambos avaliam como aglomerações industriais rele-
vantes se distribuem nas últimas duas décadas no território nacional; apontam as
principais tendências do emprego formal industrial; e, cada qual ao seu modo,
expressam territórios perdedores e ganhadores desse processo em curso. São estudos
que contribuem com seus resultados analíticos para alertar a política pública para
a necessidade e urgência de se pensar novos elementos para uma mudança estrutural
que combine o estímulo à modernização setorial por meio de atividades de maior
valor agregado a uma trajetória de endogeneização de uma agenda de conhecimento
e inovação (Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I) em territórios escolhidos da
política regional.
No capítulo 6, Tendências regionais da indústria brasileira no século XXI, dos
professores Clélio Campolina Diniz e Philipe Scherrer Mendes, do Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), os autores revisitaram
a hipótese do “polígono da desconcentração concentrada” e as recentes trans-
formações nas aglomerações industriais brasileiras. Destacam-se três argumentos
conclusivos do estudo, com grande interesse para a política regional: i) contínuo
declínio industrial das regiões metropolitanas (RMs) do Rio de Janeiro e de São
Paulo; ii) o território chamado de polígono industrial, formado por aglomerações
industriais das regiões Sudeste e Sul, continua em consolidação e alargamento; e
iii) a despeito do fortalecimento do campo aglomerativo do emprego industrial no
eixo Sudeste-Sul, revela-se a signicativa expansão e diversicação industrial na região
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Nordeste do país. A tradução dessas conclusões para efeito da política regional é
que, pelo menos, até 2018, o território da atividade industrial havia se ampliado
ora no interior da área mais desenvolvida e industrializada do país, ora também
em direção a novos territórios, com menor força, mas com presença marcante,
como no Nordeste. Nos novos territórios onde a atividade industrial se instalou,
os autores sugeriram a relevância e o acerto de medidas acumuladas de política
regional para atrair novas atividades para esses lugares.
Ainda no tema da atividade industrial em aglomerações relevantes, o
capítulo 7, A indústria na reconguração territorial brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI, de Aristides Monteiro Neto, Raphael de Oliveira
Silva e Danilo Severian, trouxe novidades empíricas para o período 1995-2018, as
quais apontaram para signicativos movimentos no território. A partir dos anos
1990, a desconcentração regional da atividade industrial se consolida em ritmo
lento e associado a persistente declínio do produto industrial na economia nacional,
em contexto de uma expressiva redução da sua diversicação intrassetorial. Os
autores enfatizam o cenário desfavorável para uma trajetória benéca de desenvol-
vimento nacional, pois, no presente, de um lado se assiste ao enfraquecimento da
capacidade industrial, a qual toma a forma de diminuição da participação dos ramos
promotores de encadeamentos interindustriais e inter-regionais – as indústrias
intensivas em escala de produção e escalas tecnológicas diferenciadas e avançadas –
no total da indústria; e de outro lado, verica-se a trajetória ascendente de expansão
dos ramos industriais ligados à base de recursos naturais e atividades extrativas, que,
por sua vez, apresentam efeitos de irradiação interindustrial muito mais limitados.
Preocupante no período foi a tendência de estagnação da produtividade média seto-
rial (valor da transformação industrial por pessoa ocupada), observada na indústria
manufatureira, mas não na extrativa, num contexto de disponibilidade de recursos
públicos alocados. Pelas razões citadas, os autores realizaram uma reexão crítica sobre
o problemático perl de alocação de recursos na indústria brasileira entre diversas
tipologias de fontes em regiões alvo da política regional, com vistas a orientá-la na
direção da obtenção de multiplicadores de renda mais elevados regionalmente.
No capítulo 8, Aspectos da evolução regional do mercado de trabalho formal no
Brasil (2002-2018), Fernando Cézar de Macedo e Leonardo Rodrigues Porto, da
Unicamp, trazem contribuições para o aclaramento da dinâmica econômica sob
o prisma da hierarquia da rede urbana brasileira, investigando o PIB, o emprego
formal e o valor das exportações por município nos períodos 2002-2014 (expansão) e
2015-2018 (recessão). Inicialmente, na fase expansiva, os autores mostram como
a base da rede urbana composta por municípios de pequeno tamanho popu-
lacional apresentou signicativo crescimento das variáveis citadas. A indicação,
portanto, é que os grupos de municípios que formam a base da estrutura
urbana nacional ganharam maior proeminência no contexto econômico recente.
Introdução
|
17
Em particular, o estudo evidenciou que a fração mais relevante das exportações
nacionais e do emprego formal tem se deslocado para esses municípios da base da
pirâmide, o que tem implicações substantivas sobre a formação da renda interna
e para o perl emergente da demanda sobre infraestruturas socioeconômicas em
geral. Na fase recessiva, entretanto, o mercado de trabalho em todas as regiões
e setores recuou dramaticamente tanto no nível de emprego quanto no das
remunerações, gerando alertas para uma possível e desejável atuação anticíclica
da política regional.
A pesquisadora Ariana Souza Lobo traz uma oportuna reexão sobre a perfor-
mance de uma sub-região especíca do território nacional, a região de Barreiras, no
estado da Bahia, sob intensa pressão das transformações econômicas lastreadas nas
atividades agrícolas exportáveis. Seu estudo alerta para a situação observada numa
relevante região de expansão de lavouras de soja, algodão e milho para exportação
na qual a PNDR tem operado com farta distribuição de crédito, mas que, entre-
tanto, não tem gerado benefícios signicativos no bem-estar da população. O
título do capítulo é Transformações socioeconômicas na região do Matopiba: reexões
a partir da teoria da base de exportação. O texto fornece meios apropriados para a
política regional avaliar a excessiva ênfase em disponibilização de crédito para tais
tipos de atividades. A região analisada é a que corresponde à nova fronteira agrícola
nomeada pelo acrônimo Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que nas
últimas duas décadas, período da análise, vem experimentando forte expansão de
seu potencial econômico, ligada mais diretamente aos ganhos de importância da
atividade agrícola para exportação (soja, algodão e milho). Daí a investigação sobre
a relação existente entre a distribuição espacial da produção agrícola ligada às
commodities exportáveis e a evolução dos indicadores sociais nos municípios que
compõem o território do Matopiba. Utilizando a abordagem da teoria da base
exportadora, o estudo avalia se a forma de desenvolvimento econômico em curso
naquela região se caracteriza como um modelo concentrador de recursos e repro-
dutor de desigualdade ou se, pelo contrário, conrma a predição da teoria, a qual
sugere que a expansão de sua base de exportação – que lhe garante o crescimento
atual – deveria resultar na ampla diversicação do mercado interno regional.
Com uso de métodos de estatística espacial, observou-se a existência de poucos
clusters espaciais, com, simultaneamente, ocorrência de altos valores adicionados
brutos da base exportadora (atividade econômica) e diversicação da estrutura
produtiva e do bem-estar. Ou seja, a atividade agrícola em expansão não se dissemina
no território nem contribui para a melhoria de indicadores sociais. Seu efeito
multiplicador sobre a estrutura produtiva regional tem se mostrado baixo, o que
faz com que a autora conclua que “o modelo de desenvolvimento econômico em
curso na região do Matopiba se caracteriza como um modelo concentrador de
recursos e reprodutor de desigualdade”.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
18
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No capítulo 10, Ensino superior e expansão regional do emprego industrial
no Brasil (2006-2018), Philipe Scherrer Mendes, Ulisses dos Santos e Clélio
Campolina Diniz avaliam, utilizando a análise conhecida como shift-share, que
mensura componentes parciais de uma totalidade, se os níveis de emprego formal
na indústria por microrregião geográca do Instituto Brasileiro de Geograa e
Estatística (IBGE) estão associados ao nível observado de escolaridade no ensino
superior. Desse modo, o trabalho identica a existência de padrões territoriais entre
escolarização superior e emprego industrial, visando esclarecer certas hipóteses
correntes de que, nas áreas mais industrializadas e desenvolvidas, as duas variáveis
deveriam caminhar juntas (relação direta) em trajetória crescente. Os resultados
para o período 2006-2018, entretanto, não contribuíram para conrmar a hipótese
esperada. Segundo os autores, a expansão da oferta de ensino superior no país não
tem reverberado, como esperado, na ampliação de vagas de trabalhos formais para
os setores no entorno das IES.
Com propósitos ainda de análise do papel das IES como vetor de desen-
volvimento territorial, Danilo Jorge Vieira, autor do capítulo 11, A universidade
vai à periferia: análise da evolução do ensino superior na área de ação prioritária
da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), assume uma inter-
pretação diversa dos fenômenos ocorridos. Para o autor,
no ciclo expansivo recente da educação terciária do país, as atividades de graduação
presencial e de pós-graduação tiveram expressivo crescimento na área geográca de
ação prioritária da PNDR, logrando mesmo alterar o contexto do ensino superior
nesse espaço caracterizado por debilidades sociais e econômicas estruturais. Basta
vericar que, em 2000, a rede de IES instalada na área de ação da PNDR atingia
341 municípios por meio de cursos presenciais de graduação. Em 2019, essa
abrangência havia sido alargada, envolvendo 567 municípios.
Na verdade, no seu estudo, Vieira investiga a expansão recente e o percurso
da descentralização das IES no território de interesse da PNDR. O texto gera
pontes analíticas diretas com os objetivos da atual política regional brasileira e
constrói, desse modo, instrumentos para sua avaliação e reorientação. O autor
propôs a utilização do conceito de agregado territorial da PNDR a partir das indi-
cações da sua tipologia ocial como área de interesse para a observação em curso.
Essa área abrange 3.363 municípios, distribuídos por 368 microrregiões (MRGs)
de 26 estados do país, onde se incluem todas as MRGs das regiões de alvo explícito
das políticas (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), inclusive as de baixa renda e
estagnadas das regiões Sudeste e Sul. Ao observar as transformações institucionais
nesse agregado, Vieira conclui que
Introdução
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19
nos anos recentes nessa grande área geográca periférica [as transformações]
caram incompletas, não conseguindo gerar encadeamentos potentes e virtuosos
que proporcionassem a emergência de um ciclo duradouro e sustentável de
transformações de ordem estrutural.
No conjunto, esses dois últimos capítulos consolidam um material inovador
para instigar a reformulação da política regional brasileira. Sabe-se que ela tem sido
orientada, em grande parte de sua inspiração teórica e de propósitos, à realização
da mudança estrutural nas regiões-alvo por meio da industrialização ou agroindus-
trialização regional. O apoio, na forma de nanciamento subsidiado, de isenções
tributárias e de facilitações de toda ordem, tem se concentrado em promover a
redução de custo e o estímulo para que o empreendimento produtivo se realize.
Contudo, a dimensão do desenvolvimento, associada a um ambiente de trocas de
ideias, conhecimentos e processos inovativos, tem sido negligenciada. O debate
estimulado para trazer à tona a, frequentemente negligenciada, relevância das IES
no desenvolvimento regional se propõe a reduzir essa lacuna e sugerir veios analíticos a
serem discutidos e possivelmente incorporados à PNDR. Sem dúvida, esses estudos
não esgotam o tema. Na verdade, servem como um estímulo para que a perspectiva
da endogeneização do conhecimento e da inovação como realidade das ações gover-
namentais nos territórios se inltre e se consolide na área regional.
Com esses onze capítulos, a grande maioria deles inéditos, imaginamos poder
oferecer uma contribuição mais uma vez atualizada e instigante para o campo dos
estudos do desenvolvimento e da política regional no Brasil. O material foi disposto
em dois terrenos analíticos distintos – aquele que expressa propósitos e intenções
da política regional e o que trata de interpretações sobre a reconguração territorial
observada na estrutura produtiva, bem como no perl observado nas capacidades
institucionais dadas pelas IES. É claro que as conexões entre eles, como o leitor
poderá notar, são fartas e intuitivas. A separação utilizada é meramente visando
organizar um o condutor facilitador da leitura dos capítulos. Ainda assim, o leitor
poderá dispor dos capítulos na ordem que mais lhe aprouver.
A realização de uma obra como esta conta necessariamente com a colaboração,
conança e apreço de muitas pessoas. Somos imensamente gratos a todos as autoras
e autores, já mencionados, que se disponibilizaram a participar desse projeto.
Muitos colegas do ambiente acadêmico tiveram atuação destacada como leitores e
debatedores de versões iniciais de alguns dos capítulos aqui presentes: Ana Cristina
Fernandes (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE), Carlos Antonio Brandão
(Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), Antonio Carlos Galvão (consultor
independente), Lucas Linhares (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES) e José Raimundo Vergolino (UFPE). No Ipea, o apoio institucional
para que cada etapa dos estudos se viabilizasse (contratação de pesquisadores, acesso a
dados, realização de seminários internos e o processo de revisão e publicação editorial)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
20
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dado por Bolívar Pêgo Filho e Márcio Bruno Ribeiro, à época, respectivamente,
coordenador-geral e coordenador de estudos regionais na Dirur, foi determinante
para o êxito e a concretização do projeto.
O MDR, atual MIDR, tem sido um parceiro de longa data da Dirur/Ipea,
patrocinando ou incentivando pela parceria institucional alguns dos nossos estudos.
Por esta razão, agradecemos imensamente os apoios de Adriana Melo Alves, João
Mendes da Rocha Neto e Vitarque Lucas Paes Coêlho, servidores federais da carreira
de gestão e planejamento governamental, que têm atuado nesta difícil tarefa de
consolidação da PNDR no planejamento brasileiro. Todos eles autores de artigos
nesta coletânea.
Por m, agradeço imensamente o apoio dos meus colegas especialistas em
políticas públicas, a professora doutora em ciência política, Lucileia Colombo
(Ufal) e, novamente, o professor doutor em administração pública, João Mendes da
Rocha Neto (MIDR), por aceitarem dividir comigo a tarefa de organização e edição
deste livro. Nossa parceria em torno de reexões sobre o rico material elaborado
pelos vários autores nos instou a escrever coletivamente o capítulo de abertura do
livro, o que nos deu grande satisfação.
Boa leitura a todas e todos!
Os organizadores.
Parte 1
A PNDR no período recente:
implementação, instrumentos,
recursos e perspectivas
CAPÍTULO 1
POLÍTICAS TERRITORIAIS EM TEMPOS DE MÚLTIPLAS CRISES:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O BRASIL NA DÉCADA DE 2020
Aristides Monteiro Neto1
Lucileia Aparecida Colombo2
João Mendes da Rocha Neto3
1 INTRODUÇÃO
Políticas públicas são frequentemente desaadas por alterações nas condições de
sustentação e nos regramentos para sua operacionalidade. Quando crises irrompem,
as políticas são imediatamente afetadas e muitas delas perdem sua validade operativa.
Neste capítulo, discutimos como a conuência de crises econômicas, políticas, sani-
tárias e o imperativo ambiental da mudança climática nas últimas duas décadas
têm desorganizado o plano político-institucional em que se assentam as políticas
públicas. Nesses momentos de ruptura de padrões, surgem, entretanto, ideias,
projetos e esforços para reavaliação e retomada das políticas em novos termos.
A política regional brasileira não foge à regra, podendo ser repensada para oferecer
saídas adequadas para as transformações em curso.
Este trabalho está estruturado em três seções, além das considerações nais
e desta introdução. Na seção 2, reconhecemos e apresentamos um panorama das
múltiplas crises globais que têm impactado e desvirtuado trajetórias previamente
delimitadas para as políticas nacionais. Na dimensão política das nações con-
temporâneas, o enfraquecimento do ideal democrático nas sociedades tem sido
característica frequente e indesejável. Instituições, normas e valores democráticos
são desaados em tempos de complexas e difusas redes sociais, ao mesmo tempo
em que conitos e rupturas se exacerbam sem que respostas aos problemas
tenham tempo de ser adequadamente formuladas e atendidas. Reforça-se, assim,
um contexto no qual políticas públicas perdem sustentação política, capacidade
operativa e de entrega de soluções. Sua credibilidade e representatividade têm
crescentemente sido abaladas.
1. Diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Dirur/Ipea); e professor do Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Desenvolvimento do Ipea.
E-mail: <aristides.monteiro@ipea.gov.br>.
2. Pesquisadora do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Dirur/Ipea; professora
adjunta do Instituto de Ciências Sociais e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
ambos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal); e doutora em ciência política pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). E-mail: <leia.colombo@gmail.com>.
3. Especialista em políticas e gestão governamental do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR); e
professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: <jmdrn@uol.com.br>.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
24
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Na dimensão das estruturas econômicas, as crises frequentemente resultam,
na perspectiva dos atores privados, em maiores riscos de operação e menores
lucros, cenário que contribui para a postergação de investimentos e até mesmo
a desmobilização de recursos produtivos em atividade. Na esfera governamental,
crises econômicas tendem a gerar efeitos contraditórios: de um lado, forçam os
governos a atuar para reduzir danos e prejuízos sofridos por grupos de pressão
por meio da realização de gastos compensatórios ou de investimentos anticíclicos;
de outro lado, tendem a reduzir a capacidade de gastos públicos por meio da
queda na arrecadação tributária geral, aprofundando ainda mais os efeitos nega-
tivos da recessão inicial.
Como desao permanente no horizonte de atuação dos governos do mundo
inteiro está a questão da mudança climática e de seus impactos para a sobrevivência
humana no planeta. Cresce o consenso global pela implementação de incisivas
agendas de políticas governamentais visando responder aos desaos impostos
pela crise. Na política regional, cabe o cumprimento desta nova missão como
contributiva para o esforço global no tema da mudança climática. Repensar a
Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) para que ela inclua em
seus objetivos a transição energética, entre outras tarefas, em alinhamento com as
agendas do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (Intergovernmental
Panel on Climate Change – IPCC) e dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio, pode signicar um passo importante para a mudança estrutural da matriz
econômica regional a partir de atividades baseadas em conhecimento e em
energias limpas.
Na seção 3, discutem-se os caminhos especícos pelos quais as crises globais
impactam diretamente o território do país e como desarticulam todo o aparato
de políticas públicas, desde as de caráter social e voltadas a pessoas até aquelas
mais referenciadas às especicidades territoriais de um país, como a regional e
a urbana. Aqui a discussão traz à tona a relevância da compreensão do papel
retroalimentador que decorre da coordenação de políticas regionais explícitas com
as políticas chamadas implícitas com relevantes impactos territoriais – social, de
ciência, tecnologia e inovação (CT&I), de infraestrutura etc.
Na seção 4, é feita uma reexão sobre os desaos externos e internos asso-
ciados à atual PNDR. São apresentadas evidências dos problemas de repre-
sentatividade e legitimidade, de gestão e governança; aponta-se a recorrência
de desarticulação das instituições existentes para a implementação da política;
mobilizam-se conceitos inerentes a problemas complexos, como os wicked problems
para reetir sobre a multiescalaridade própria da política regional; e, por m,
analisam-se possíveis rumos e missões para a renovação dos objetivos e propósitos
fundamentais da PNDR.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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25
Além disso, entende-se que o debate em torno da questão regional no Brasil
requer acionar outros campos do conhecimento quando a discussão gira em torno
das políticas públicas, com a nalidade de alargar os horizontes analíticos que
possibilitam aprimorar as avaliações e oferecer alternativas ao enfrentamento do
problema, dentro de uma agenda governamental.
Nas considerações nais, levando em conta as reexões realizadas, indica-se
um conjunto de referências programáticas para fortalecimento da PNDR ante
as demais políticas públicas nacionais com base numa reorientação de objetivos
em direção a uma estratégia de mudança estrutural ambientalmente sustentada
e lastreada no componente da inovação e do conhecimento. O ambiente de múl-
tiplas crises, em vez de desmobilizar, pelo contrário, impele toda a sociedade a
reconhecer a necessidade e a oportunidade para que se elaborem saídas, estratégias
e instrumentos para sua superação.
2 A ECONOMIA GLOBAL, CRISES E TRANSFORMAÇÕES: NOVO CONTEXTO
PARA POLÍTICAS TERRITORIAIS NACIONAIS
A convivência com sucessivas crises e altercações econômicas e/ou políticas tem
sido cada vez mais presente nas sociedades. As crises se tornaram parte integrante
da paisagem socioeconômica, seja como motor de transformações e rupturas ou
como elemento de destruição e desmonte. Nas últimas duas décadas, em particular,
temos vivido em um ambiente global diferenciado onde se conjugam múltiplas
crises, exigindo da academia, dos órgãos de pesquisa e de instâncias governamentais
reexões mais apuradas tanto sobre as possibilidades de implementação de polí-
ticas públicas como, principalmente, sobre as limitações e restrições estruturais
impostas a elas e, em especial, às políticas espaciais ou territoriais.
Na segunda metade dos anos 2000, exatamente no período 2007-2008, a
ocorrência da crise nanceira global, iniciada no sistema nanceiro dos Estados
Unidos, se espalhou imediatamente com efeitos sistêmicos sobre as economias
europeias, asiáticas e dos países em desenvolvimento. Nesse contexto, grande
parte dos governos foi levada a ampliar de maneira generalizada o nível de endi-
vidamento público para garantir a liquidez das economias nacionais, conter a
desestruturação de amplos setores empresariais e evitar um aumento do nível de
desemprego do capital e da força de trabalho.
Essa crise nanceira é considerada uma das maiores do capitalismo contem-
porâneo, sendo até mesmo vista como tão grave quanto a Grande Depressão de
1929 em termos de difusão entre países e de impactos negativos gerados. Seus
efeitos foram muito intensos e duradouros, causando abrupta retração do nível de
atividade nos negócios nanceiros privados e comprometendo fortemente a econo-
mia real. A grande maioria das economias europeias, por exemplo, até a segunda
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
26
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metade da década de 2010, ainda não havia conseguido restabelecer o nível de
emprego e de atividades atingido no pré-crise. Nesse continente, as desigualdades
intrarregionais têm aumentado, uma vez que a longa recessão impacta negativamente
regiões que são desindustrializadas ou as pouco complexas e especializadas em
agricultura (Brakman, Garretsen e Marrewijk, 2015; European Commission,
2013; Beer, 2012; Groot et al., 2011). Fora da Europa, até mesmo a economia
chinesa, que havia crescido a taxas anuais próximas a 10% ao ano até o irromper
da crise de 2007, passou a conduzir estratégias de moderação do crescimento, o
que resultou em taxas mais baixas, em torno de 6% ao ano, na década subsequente.
Como resultado do turbilhão nanceiro instalado, ocorreu ao longo da
década de 2010 a mudança de patamar das taxas de desemprego, o recrudescimento
das desigualdades de renda (entre países e dentro deles) e desarranjos políticos em
vários países, que se originaram, em grande parte, das restrições impostas por políticas
de ajustes macroeconômicos para fazer frente aos efeitos da crise nanceira e pelo
comportamento defensivo dos proprietários de ativos nanceiros e reais para
proteger e aumentar suas posições.
Recessões econômicas muito fortes tendem a esgarçar as condições políticas
para a boa provisão de políticas públicas, e por essa razão crises políticas diversas
passaram a irromper em vários lugares do mundo – a chamada primavera árabe,
que teve início em 2011, caracterizada por irrupções de manifestações políticas
contra governos incumbentes, atingindo países como Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen,
Síria, Marrocos, Jordânia, Argélia e Arábia Saudita. Na América do Sul, a crise
nanceira veio para frear o período de bonança dos preços das commodities agrícolas
e minerais com resultados negativos sobre a entrada de capitais, gerando queda
de investimentos, crescentes restrições scais e contestações políticas em governos
na Venezuela, Equador, Argentina, Brasil e Bolívia.
Convulsões e estremecimentos políticos se manifestaram também no con-
tinente europeu, em particular na Grécia, em Portugal e na Espanha, desde então
testando a solidez do projeto da União Europeia. Movimentos separatistas e
nacionalistas se fortaleceram num contexto de crise econômica e de ausência de
perspectivas de estabilidade do corpo político. Exemplos disso foram a campanha
de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), inicialmente conitiva e
ruidosa em 2017 e por m exitosa em 2020, e mesmo a tentativa, embora frustrada,
de separação da região da Catalunha da Espanha, também em 2017, quando o
governo regional declarou a independência do país, decisão que foi politicamente
revogada e militarmente sufocada pelo governo central espanhol.
Mais recentemente, o acontecimento da pandemia do vírus da covid-19 nos
meses iniciais de 2020 e seus efeitos igualmente danosos sobre as economias globais
vieram a reforçar danos e problemas nas economias que buscavam a recuperação
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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da crise nanceira anterior (Martin, 2021; Rose-Redwood et al., 2020).
A pandemia gerou uma crise sanitária em escala global por efeito da contaminação
de um vírus de rápida disseminação por meios aéreos. Em poucas semanas, o
vírus, inicialmente detectado na China, havia se espalhado rapidamente entre popu-
lações da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia e da América Latina. O período
exigiu medidas drásticas de controle de movimento da população e a adoção de
lockdowns cada vez mais frequentes e prolongados, levando, por sua vez, à interrupção
da movimentação de pessoas nos setores de transportes (aviação, marítimo e trans-
portes urbanos) e nos setores relacionados com proximidade (turismo, hotelaria,
restaurantes, museus etc.) e quebra da produção com danos relevantes sobre
cadeias globais de valor.4
No Brasil, os efeitos da recessão global de 2007-2008 podem ser compreen-
didos inicialmente pela alteração na trajetória de crescimento acelerado observado
na segunda metade dos anos 2000 com recuo no PIB a partir de 2011. Ainda
que o governo federal na fase inicial da crise tenha tentado manter o nível de
investimento público a m de garantir a continuidade de projetos relevantes em
andamento, a crise scal, no contexto de retração da atividade empresarial e de
redução da liquidez do sistema nanceiro privado, se impôs pela retração no inves-
timento e no consumo privados e pelo resultante comprometimento das receitas
governamentais e da capacidade de nanciamento do setor público (Carvalho, 2018).
Em 2015-2016, instalou-se por m a crise política que provocou o en-
fraquecimento da legitimidade do governo federal incumbente (governo Dilma
Rousse), o que desencadeou impeachment da presidenta em agosto de 2016.
Desde então, o desfecho observável para a situação convulsiva resultante do duplo
desarranjo econômico e político tem sido o seu próprio recrudescimento. Alterações
abruptas implementadas por meio de reformas constitucionais de alto impacto e
escassa discussão política e democrática tiveram o efeito de aprofundar ainda mais
as condições recessivas vigentes na economia brasileira: o PIB, conforme dados das
contas nacionais do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE), sofreu
redução em 2015 (-3,6%) e em 2016 (-3,3%) e passou a crescer fracamente em 2017
(1,3%), 2018 (1,8%) e 2019 (1,2%); nalmente, com o surgimento da pandemia da
covid-19, o PIB desabou em 2020 (-4,1%), apresentando recuperação apenas em
2021 (4,6%) em função das medidas excepcionais tomadas para combater o agra-
vamento da situação sanitária e evitar o colapso econômico – o Congresso Nacional
autorizou o governo federal a realizar créditos extraordinários no montante total de
4. O produto interno bruto (PIB), na comparação do segundo trimestre de 2020 vis-à-vis o mesmo em 2019, sofreu uma
queda abrupta de 12,4% na Eurozona, de 10,4% nos países do Grupo dos Sete (G7) e de 10,5% no conjunto dos países
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Martin, 2021). Nos Estados Unidos, o quadro
observado também foi de alto desemprego. Como resposta da pandemia, a taxa de desemprego da força de trabalho
atingiu o patamar de 14,8% em abril de 2020 quando em fevereiro de 2020 era de apenas 3,5%. Durante esses poucos
meses, houve uma perda geral na economia norte-americana de 22,1 milhões de empregos (Falk et al., 2021).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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R$ 520,6 bilhões ou 7,0% do PIB em 2020, segundo Orair (2021). O saldo geral
do período de sete anos de reformas liberais se mostra claramente negativo para o
PIB total do país, sem que se vislumbre ainda a existência de horizonte favorável
para a tomada de decisões visando à recuperação do investimento e do nível de
atividade em trajetória sustentada.
A implementação de uma agenda de reformas ultraliberais (Monteiro Neto
e Vieira, 2022), consubstanciada na implementação do teto de gastos públicos5 e
das reformas previdenciária e trabalhista, aprofundou, contrariamente ao esperado
pelos agentes reformistas, o nível de incerteza sobre a rentabilidade dos negócios
empresariais, levando a uma queda do nível geral de investimento: a Formação
Bruta de Capital Fixo (FBCF) do país observou uma média de 15,7% do PIB no
conjunto do subperíodo 2015-2019, contra o patamar médio de 20,5% vericado
no período anterior de 2010-2014. Ou seja, no último quinquênio da década
passada, a FCBF se estabeleceu no patamar de 76%, ou dois terços, do nível
observado no quinquênio anterior, comprometendo a trajetória de longo prazo para
o crescimento econômico e o emprego.6
A partir de 2019, quando se iniciou nova gestão do governo federal, a orien-
tação geral para a retração das políticas públicas e redução do tamanho do Estado
passou a resultar em desestruturação ora das políticas produtivas para estímulo
da atividade econômica ora das políticas sociais de bem-estar. No primeiro caso,
houve a extinção do Ministério do Planejamento, que passou a ser uma secretaria
esvaziada de conteúdo político-institucional dentro do Ministério da Economia (ME),
de ministérios afeitos ao setor produtivo, como o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (MDIC), e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI), resultando na redução do nanciamento para produção, infraestru-
tura e inovação. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), principal instrumento de nanciamento de políticas produtivas, passou
a se orientar por uma política estratégica de redução de empréstimos (Silva e
Marques, 2021) de caráter pró-cíclico em meio a uma grave crise econômica,
quando o sistema nanceiro privado também havia recuado sua capacidade
de nanciamento.
No segundo caso, houve a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) – depois de quase oitenta anos de sua criação, no governo Vargas – , o que
comprometeu a gestão das relações trabalhistas no país, e o desmantelamento de
políticas e dos recursos atrelados à educação fundamental, média e superior e à
saúde e assistência social. Trata-se de políticas cujos arranjos de coordenação têm
5. Conforme Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 95/2016.
6. Informações da série de dados para FBCF no período 1995-2019 do Sistema de Contas Nacionais. Disponível em: <https://
www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?edicao=32075&t
=resultados>. Acesso em: 5 set. 2022.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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29
na relação entre governos da União, estados e municípios o elemento central de
sua implementação universalizada no território, como são os casos da educação,
da saúde e da assistência social. Esses arranjos de políticas foram afetados desde
2016, na gestão Temer, por ausência de planejamento de médio e longo prazos e
desarticulação premeditada de instrumentos e parcerias federativas.
Quando a crise sanitária global da covid-19 se instalou no Brasil, em 2020,
a capacidade governamental para enfrentamento da pandemia havia sido dra-
maticamente danicada. A princípio, houve a interpretação de que a crise de
contaminação viral seria passageira e seus efeitos, pouco graves na população.
As autoridades gastaram mais de seis meses para reavaliar suas posições e começar a
atuar de maneira adequada. Conitos federativos se tornaram frequentes na
etapa inicial de disseminação do vírus: o governo federal tinha o desejo de manter
as atividades econômicas funcionando, com as pessoas nas ruas, e os governos
estaduais, por conta própria, passaram a estabelecer períodos de lockdown nos
seus territórios e enfrentar o aumento abrupto na demanda por atendimento das
unidades hospitalares.7
Concomitantemente a todas essas crises anteriormente mencionadas, está
em curso a ameaça planetária da mudança climática. De natureza diferente das
crises econômica, política e sanitária, esta signica um risco para a própria sobre-
vivência humana na Terra. A expansão paulatina do aquecimento global provo-
cado pela atividade humana ao causar desequilíbrios climáticos incontroláveis
e cada vez mais frequentes vem gerando severas limitações para o funcionamento
de sistemas econômicos e políticos globais, nacionais e locais. O debate sobre as
alterações do clima como resultado da atividade humana geradora das emissões
de gases de efeito estufa já se alonga por mais de três décadas.
O IPCC da Organização das Nações Unidas (ONU) vem fazendo alertas
contínuos sobre a relação entre emissão desenfreada de gases de efeito estufa e o
aumento da temperatura global do planeta. Em seu relatório sumarizado, Summary
for Policymakers, de 2021, os cientistas do IPCC apresentam dados de pesquisa
sobre a elevação da temperatura do planeta: “cada uma das últimas quatro décadas
tem sido sucessivamente mais quente que qualquer década anterior desde 1850.
A temperatura da superfície do planeta nas duas primeiras décadas do século XXI
(2001-2009) foi 0,99 [0,84 a 1,10] graus celsius mais alta que no período 1850-1900”
(IPCC, 2021, p. 5, tradução nossa).8 Efeitos mais comuns já percebidos do aumento
da temperatura são o aumento do nível do mar, a morte de corais e de animais
sensíveis e a ocorrência de eventos radicais como em períodos de estiagem ou de
7. Conferir Siqueira e Brandão (2022) sobre a agudização de questões federativas durante o enfrentamento e gestão
da pandemia da covid-19 no Brasil.
8. “Each of the last four decades has been successively warmer than any decade that preceded it since 1850. Global surface
temperature in the first two decades of the 21st century (2001-2020) was 0.99 [0.84 to 1.10] °C higher than 1850-1900.”
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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chuvas muito intensas em diversas áreas do planeta. Impactos sobre a agricultura
e a pesca já começam a ser sentidos com muita frequência em muitos países,
tornando o tema insegurança alimentar um dos mais preocupantes nas agendas
governamentais contemporâneas.
A despeito das inúmeras advertências da comunidade cientíca sobre a gra-
vidade do estágio atual da mudança climática, pouco tem sido feito para deter suas
manifestações mais visíveis. Na verdade, as catástrofes naturais têm se intensicado
em diversos pontos do planeta pelo surgimento de fenômenos extremos, como
chuvas torrenciais e inundações em diversas regiões do mundo, a exemplo das
vericadas em 2021 na Alemanha (165 mortos) e na Bélgica (31 mortos). Também
em países da Ásia, no Paquistão e no Timor Leste, aconteceram chuvas torrenciais
no primeiro semestre de 2021, resultando em milhares de pessoas desabrigadas.
No verão de 2022, o continente europeu experimentou intensas ondas de
calor e secas severas. Segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), neste ano ocorreu
a pior seca dos últimos quinhentos anos. Entre as regiões mais afetadas estão
partes de Portugal, toda a Espanha, o sul da França, o centro da Itália, o sul da
Alemanha, a Grécia (com incêndios devastadores em várias regiões) e uma grande
área que inclui Eslováquia, Hungria e Romênia. Outros países afetados foram
Holanda, Bélgica e Luxemburgo. As temperaturas médias têm chegado a 40ºC ou
mais, incomuns para países europeus. Rios importantes da Alemanha, da França e
da Espanha caram secos ou quase secos, prejudicando a navegação e o transporte
de mercadorias e pessoas. Plantações de uva, girassol, milho e soja foram compro-
metidas pela falta de chuvas e pelo calor abrasador.
No Brasil, os eventos dramáticos também têm feito parte da paisagem recente.
Em meados de 2021, estados da região Sudeste passaram por uma das secas mais
severas da última década. O estado de São Paulo, por exemplo, segundo a Agência
Nacional de Águas (ANA), registrou 21% do território com seca excepcional
e severa em maio daquele ano, o grau mais alto na escala utilizada pela agência.
A seca também teve efeitos em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Em dezembro de 2021, chuvas intensas ocorreram na porção sul da Bahia
e no norte de Minas Gerais. No primeiro estado, a quantidade de desabrigados
chegou a 470 mil pessoas em 116 municípios afetados. Em janeiro de 2022, as
chuvas continuaram a cair com força sobre os dois estados. Em Minas Gerais,
a região central, a do Vale do Rio Doce e Zona da Mata foram atingidas por um
volume próximo a 1 mil milímetros em vários pontos, inclusive a região metro-
politana de Belo Horizonte.
Ao lado da ocorrência de eventos extremos, preocupa no Brasil o desmata-
mento da oresta Amazônica e a ocupação desenfreada dos cerrados. Em ambos os
ecossistemas, a ação humana tem ameaçado de maneira acelerada e irreversível a
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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diversidade vegetal e animal preexistente. Para todos esses casos, políticas ambientais,
instituições e capacidades governamentais relacionadas têm sido destruídas ou
desarticuladas nos últimos cinco anos.
No âmbito da política regional, incrustada no Ministério do Desenvolvi-
mento Regional (MDR), existe uma secretaria nacional de defesa civil para atuar
reativamente na ocorrência de eventos extremos, como secas ou chuvas intensas.
Contudo, esta é uma forma de atuação que precisa ser reconsiderada em tempos
de reiterado e contínuo aparecimento de eventos extremos. A PNDR poderia vir
a atuar de maneira diferente e considerar os possíveis efeitos sobre o aquecimento
climático de suas ações de estímulo ao empreendimento privado que potencializam
o efeito estufa ou o desmatamento.
Agendas de investimento público e privado visando ao enfrentamento da
mudança climática estão em amplo desenvolvimento em instituições públicas
(governamentais ou não) internacionais e no ambiente acadêmico. A unidade
da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) no Brasil,
por exemplo, vem desenvolvendo a abordagem de políticas de investimento
para o desenvolvimento sustentado, chamada Big Push Ambiental, que mapeia
e incentiva carteiras de projetos de investimento voltadas para produção de energia
limpa, mobilidade urbana sustentável, alimentos agroecológicos, entre outros
(Gramkov, 2019).
A transição energética em direção a uma matriz limpa se torna um dos compo-
nentes estratégicos para uma nova missão a ser explicitamente conduzida pela
política regional (Coenen et al., 2021). Esforços signicativos têm sido realizados
nesse sentido, em particular no caso da região Nordeste, pelo principal agente
nanceiro da política – o Banco do Nordeste –, que tem atuado proativamente
no nanciamento de empreendimentos para produção de energia eólica e solar
em toda a região por meio de linhas de crédito desenhadas para este propósito.
O conhecimento cientíco sobre aplicabilidade da energia solar, por exemplo,
numa região de elevada exposição à luz solar, como é o caso da região Nordeste,
que durante séculos foi vista como uma região problema, aponta para uma visão
positiva, uma vez que essa localidade passa a ser encarada agora como uma fonte
abundante de energia para todo o sistema energético nacional (Nobre et al., 2019).
Em outra linha de esforços, parte da agenda urbana, que hoje se encontra no
MDR, poderia se voltar com mais atenção para os impactos da mudança climática
na infraestrutura socioeconômica das cidades. Questões sanitárias como trata-
mento do lixo residencial e o proveniente das atividades econômicas, deslocamento
populacional em cidades costeiras por efeito de variações no nível do mar e/ou de
enchentes, proteção e restauração de mananciais hídricos garantidores de oferta
de água potável para populações urbanas, entre outros, são problemas cada vez
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
32
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mais frequentes e causadores de grande estresse na qualidade de vida de grandes
e médios centros urbanos nacionais. Todas essas iniciativas que sinalizam para a
consolidação de um modelo ou trajetória de desenvolvimento ambientalmente
sustentado podem ser objeto de atenção e incorporação numa agenda renovada
de desenvolvimento territorial do atual MDR.
Considerando seu contexto geral, as sucessivas crises econômica, política,
sanitária e ambiental se acomodaram no país numa espécie de espiral de aprofun-
damento de suas manifestações mais danosas. De um lado, o interesse e a dispo-
nibilidade de crédito e de recursos nanceiros privados para o investimento e a
retomada do crescimento do país apresentam recuos desde 2008 numa trajetória
de altas e baixas pronunciadas. De outro lado, a resposta governamental a partir de
2016 por meio de desestruturação de políticas públicas associada à realização
de profundos cortes em gastos públicos (sobretudo os de investimento) e redução
da carga tributária aprofundou ainda mais o cenário recessivo. As medidas adotadas
pelas autoridades governamentais têm alimentado a expansão dos níveis de desem-
prego, de pobreza e de desigualdade de renda e ademais conduzem, o que é mais
grave, no longo prazo, ao progressivo enfraquecimento da capacidade governa-
mental para lidar com os grandes desaos estratégicos nacionais.
Apresentado este quadro geral de contextualização de transformações em
curso, se buscará nas seções seguintes discutir as suas repercussões mais prováveis
nas políticas de reconguração do território nacional, trazendo assim elementos
de uma visão prospectiva para que o planejamento e a orientação das políticas
territoriais sejam condizentes com os grandes problemas e desaos do país e do
mundo de hoje.
3 EFEITOS ESPACIAIS NO BRASIL DE MÚLTIPLAS CRISES: MODELO DE
OCUPAÇÃO COM BAIXO POTENCIAL DINÂMICO
Sucessivas e coincidentes crises têm produzido efeitos desorganizadores nas refe-
rências sociais, políticas e institucionais preexistentes e no plano das preocupações
territoriais, que são concomitantes à trajetória em curso desde a década de 1990,
de ampliação da heterogeneidade na ocupação territorial delineada pela inexão
em curso na estrutura produtiva.
Depois de quase meio século de predomínio de urbanização e industrialização
em espaços metropolitanos no Brasil, grosso modo, entre 1930 e 1980, esses proces-
sos de transformação estrutural passaram a arrefecer. A longa etapa de modernização
das bases materiais da sociedade brasileira, de um lado, impulsionada por elevado
crescimento da estrutura industrial, foi capaz de integrar as outrora autônomas
economias regionais em um potente mercado nacional interligado, mas, de outro
lado, foi também responsável pelo aparecimento de pronunciadas disparidades
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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33
inter-regionais (Furtado, 1959; Cano, 1998). Esse período de transformações
estruturais e institucionais teve sua dinâmica alterada na década de 1990 quando
um novo contexto se estabeleceu.
Iniciou-se nessa década o paulatino enfraquecimento da estrutura industrial
brasileira, que foi resultante da acirrada concorrência global de bens estandardi-
zados de baixo custo, nos quais o país não se mostrava competitivo, e também
do parque industrial nacional remanescente, que não foi capaz de realizar sua
reestruturação em direção ao novo paradigma tecnológico informacional que se
consolidava. Atividades e plantas industriais antes estabelecidas num mercado
interno protegido perderam capacidade competitiva e foram levadas ao encera-
mento quando colocadas em ambiente de forte abertura comercial.
Não apenas a centralidade das atividades industriais como geradoras de
valor no conjunto da economia brasileira tem se reduzido ano após ano desde
então, como a indústria remanescente se orientou para uma resposta competitiva
acomodatícia e regressiva, tornando-se cada vez mais especializada na produção
de bens intensivos em recursos naturais e mão de obra e menos intensiva
em economias de escala e conhecimento. No valor agregado bruto (VAB) total
da economia brasileira, a indústria de transformação passou de 18,6% em 1995
para apenas 11,8% em 2020.9 Ao observar a indústria considerando os fatores
competitivos, os grupos de atividade baseados em recursos naturais e mão de
obra somados ganharam maior relevância no conjunto das atividades passando
de 48,6% em 1996 para 60,9% em 2015, enquanto que os ramos de atividade
que expressam processos tecnológicos mais robustos como os intensivos em escala,
os de tecnologia diferenciada e os baseados em ciência perderam posição relativa
de 51,4% para 39,1% em 2015 (Monteiro Neto, Silva e Severian, 2021a).
A perda de relevância relativa da indústria como motor da economia brasi-
leira não foi, entretanto, seguida por uma redução do nível geral de empregos nas
atividades industriais nem se tornou impeditiva para que se instalasse um vetor
de desconcentração regional do setor. No período que vai, grosso modo, de 1995 a
2018, as transformações técnicas na indústria que contribuíram para que ela deixasse
de ser o motor da economia brasileira foram acompanhadas de maior dispersão
territorial em direção a regiões do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste.
O movimento de espalhamento das atividades industriais se deu na esteira
da colagem da economia brasileira à crescente demanda mundial por commodities
agropecuárias e minerais. Macedo e Porto (2021), em estudo que faz parte desta
coletânea,10 mostraram que foi na base da hierarquia urbana brasileira – nas
9. Conforme série de dados para FBCP no período 1995-2019 do Sistema de Contas Nacionais. Disponível em: <https://
www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?edicao=32075&t
=resultados>. Acesso em: 5 set. 2022.
10. Para mais informações, conferir capítulo 8 deste livro.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
34
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localidades de menor população – que o PIB, os empregos e as exportações
apresentaram maior expansão, contribuindo para que os municípios da base da
rede urbana tivessem maior presença na economia brasileira. Em movimento
inverso, o topo da hierarquia urbana, formado pelas metrópoles nacionais e
regionais e pelas capitais dos estados, perdeu participação no contexto nacional
dos indicadores comentados.
Monteiro Neto, Silva e Severian (2021a), ao investigar a territorialidade das
chamadas aglomerações industriais relevantes (AIRs) e aglomerações industriais
potenciais (AIPs), mostraram como a atividade industrial tem se encaminhado
para regiões do interior onde as forças de aglomeração assumem relevância menor
que nas antigas áreas metropolitanas do país. O recorte de aglomeração industrial
corresponde conceitualmente a uma microrregião geográca do IBGE medida
pelo nível de emprego industrial (indústria extrativa e de transformação), sendo,
de um lado, denida como AIR aquela que tem quantidade igual ou maior a 10 mil
empregos industriais e, de outro, a AIP aquela abaixo de 10 mil empregos e de-
nida em dois níveis adicionais: a AIP do tipo I, com nível de emprego superior a
5 mil e até 9.999 unidades; e a AIP do tipo II, com nível de emprego entre 1 mil
e até 4.999 unidades (mapa 1).
O estudo organizou evidências de que entre 1995 e 2018 houve signi-
cativo espraiamento de atividades industriais em direção a regiões do interior e
a oeste dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, nas áreas da franja
litorânea nordestina, reforçando o campo aglomerativo das metrópoles regionais
e capitais estaduais, mas indo além, para aglomerações do interior do Nordeste,
em áreas do agreste e sertão. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, o impulso também
se deu em direção à maior interiorização das atividades industriais.
Esse quadro de desconcentração das atividades industriais é caracterizado
por certos elementos de continuidade, que se mostram muito presentes e rela-
cionados à manutenção da força do campo aglomerativo historicamente conso-
lidado nas regiões Sudeste e Sul e formado pelo território das mais importantes
AIRs brasileiras, cujos pontos de vértice estão dados por, ao norte, a AIR de Belo
Horizonte, descendo até a AIR de São Paulo, passando pelas AIRs de Curitiba,
Florianópolis e até, ao sul, a AIR de Porto Alegre (Diniz, 1993).
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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MAPA 1
Brasil: AIRs e AIPs (2015)
Tipos de aglomerações industriais (425)
AIRs: 10.000 ou mais empregos industriais (160)
AIPs de primeira ordem: 5.000 a 9.999 empregos industriais (85)
AIPs de segunda ordem: 1.000 a 4.999 empregos industriais (180)
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais (Rais)/ME e Monteiro Neto, Silva e Severian (2021a).
Nesse potente território de AIRs, Monteiro Neto, Silva e Severian (2021a)
identicaram também a presença de um elevado número de AIPs de tipo I (de
5 mil a 9.999 empregos industriais), comprovando que ainda permanece nas
regiões Sudeste e Sul do país o campo de força mais relevante para a atividade
industrial. Apenas se descentralizam ou se dispersam em direção a outras regiões
do país as atividades industriais que não rivalizam com o território original
mais industrializado.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
36
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A benéca desconcentração regional observada nas regiões alvo de políticas
regionais explícitas (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) tem como impulso predo-
minante a busca de localização em aglomerações de importância inferior (AIP do
tipo I em menor escala e do tipo II com maior intensidade, em verde no mapa
1) no entorno das AIRs consolidadas das capitais, no semiárido nordestino e
em direção a novas frentes de produção agrícola do Matopiba (acrônimo para a
região formada por municípios de expansão da fronteira agrícola nos estados do
Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia) e da região Centro-Oeste.
A desconcentração em curso é, sob o ponto de vista desta tipologia mais
desagregada de aglomerações industriais, claramente hierarquizada, privilegiando
as áreas onde a indústria tem maior densidade produtiva em direção paulatina
para regiões onde essa densidade diminui. Esse processo aponta ainda para uma
necessidade de atenção à trajetória de dependência (path dependence) estabelecida
pela estrutura industrial pré-existente e pela infraestrutura a ela associada, que
se mostra um campo de força de atração para novos investimentos produtivos.
Contudo, o processo evidencia também que novos territórios da atividade industrial
puderam surgir em regiões de pouca tradição industrial em resposta a estímulos
de políticas produtivas nacionais ou regionais bem como a estímulos da demanda
mundial pelas commodities agrominerais nas regiões de maior disponibilidade de
terras e recursos naturais.
Posto que este é o padrão observável para a reconguração atual do território
brasileiro, quais as limitações e desaos que ele impõe para estratégias desejáveis
de desenvolvimento territorial? Algumas hipóteses podem ser levantadas para
efeito desta discussão.
Em primeiro lugar, os esforços de descentralizar atividades industriais para
novas áreas do território brasileiro têm se mostrado signicativos quanto ao nível
de emprego gerado. Monteiro Neto, Silva e Severian (2021b) identicaram para
as regiões alvo da política regional (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) que o nível
de emprego gerado no conjunto das novas aglomerações industriais (AIRs) que
surgiram depois de 1995 até 2015 foi superior ao emprego gerado nas AIRs já
existentes até 1995. Como a maior parte dessas novas aglomerações está em cidades
médias do interior das regiões, a implicação do novo emprego foi a de criar bases
para o fortalecimento dos seus mercados internos pela ampliação do assalaria-
mento ou pelo aumento da arrecadação local de impostos.
Em segundo lugar, deve-se destacar que o modelo vigente de crescimento
lastreado em commodities agrominerais e na industrialização de recursos naturais
tem apresentado baixos efeitos sinérgicos e multiplicadores sobre o mercado interno.
A expansão do VAB dos ramos da indústria intensivos em recursos naturais e
mão de obra não tem impulsionado, via demanda de insumos ou equipamentos,
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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as demais atividades industriais mais complexas e mesmo as relacionadas a serviços
complexos geralmente ofertados nas áreas urbanas mais desenvolvidas. Em momentos
de forte crescimento da produção dos primeiros grupos de atividades industriais
(baseados em recursos naturais e em mão de obra abundante), observam-se simul-
taneamente quedas no nível de atividade em ramos intensivos em escala ou de
tecnologia diferenciada (Monteiro Neto, Silva e Severian, 2021b).
Por m, em terceiro lugar, o modelo de crescimento prevalecente tem baixa
capacidade de resistência a crises econômicas. As novas aglomerações industriais
com expansão recente (pós-1995) nas áreas de fronteira de recursos naturais
foram afetadas pelo ambiente recessivo do período 2015-2018 (e acredita-se que
esse quadro perdurou nos anos seguintes). Ao analisarem o emprego e o nível
da massa salarial nas AIRs brasileiras, Monteiro Neto, Silva e Severian (2021a)
mostraram que houve queda generalizada em ambas as variáveis de medição
da atividade industrial. Houve perdas totais líquidas de 452 mil empregos
formais, de 18,9 mil estabelecimentos industriais e de R$ 43,2 bilhões na massa
salarial total da indústria entre 2015 e 2018 – em particular, a massa salarial de
160 AIRs no valor estimado de R$ 209,8 bilhões em 2015 sofreu redução para
R$ 166,6 bilhões em 2018, em valores constantes de 2015.
As aglomerações industriais percebidas como resistentes aos efeitos da crise
interna do período foram em número reduzido no conjunto das 160 AIRs bra-
sileiras em 2015. As que mais sofreram na recessão com perdas de emprego e
salários foram as AIRs do estado de São Paulo (o epicentro da estrutura industrial
nacional) e as das demais capitais dos estados, portanto, aquelas longamente
consolidadas no período anterior da industrialização do país.
Em outro percurso, as aglomerações que mostraram alguma resistência às
manifestações da recessão, predominantemente localizadas nos estados de Santa
Catarina e Paraná, correspondem a aglomerações ligadas à produção de carnes e
ao processamento de soja para exportação, e apresentaram limitado acréscimo no
nível de emprego industrial – sendo a AIR de Joaçaba (Santa Catarina) aquela
com maior nível de expansão do emprego, atingindo um saldo líquido positivo
de apenas 4 mil novos empregos entre 2015 e 2018 –, incapaz de compensar as
perdas observadas nas demais. Para efeito de comparação, a AIR com maior nível
de perda de empregos formais na indústria do país foi aquela correspondente à
região metropolitana de São Paulo, com variação negativa de 103 mil unidades
no mesmo período.
Diferentemente do passado, quando a urbanização e a industrialização se
concentraram nas grandes metrópoles e capitais litorâneas dos estados, o momento
atual da ocupação do território aponta para a expansão das cidades médias ou até
da capital do estado localizada no interior do país. Atividades industriais ligadas
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
38
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ao processamento de recursos naturais e exportações de commodities agrominerais
e demandantes de mão de obra de baixo custo unitário se fortalecem neste novo
ciclo. Essa nova conguração territorial aponta para novas questões a serem equa-
cionadas pela política regional e urbana. Centros urbanos em ascensão passam
a demandar projetos de investimento em infraestrutura logística, sanitária e de
comunicações, ao mesmo tempo em que os centros urbanos de baixo crescimento ou
decadentes (relacionados ao ciclo anterior) veem suas infraestruturas se deteriorarem.
Tais limitações explícitas de um modelo de atividade produtiva de baixo
potencial multiplicador intersetorial e inter-regional e, adicionalmente, pouco
resiliente a impactos de recessões sobre o mercado interno levam à reexão dos
imensos desaos presentes neste início de década para as políticas territoriais em
geral e para a PNDR, em particular no horizonte do planejamento de médio e
longo prazos que deve orientar estratégias nacionais.
4 REPENSANDO A PNDR: OBJETIVOS, GOVERNANÇA E
OPORTUNIDADES POLÍTICAS
As capacidades institucionais que garantem a implementação e o êxito da PNDR
têm estado sob escrutínio na última década. Avaliações de governança, objetivos e
instrumentos da política realizadas por instâncias governamentais e pela academia
geraram um acervo de conhecimentos úteis para sua melhoria. Contudo, como
qualquer política, a PNDR sofre de altos e baixos de credibilidade, a depender de
sua conjuntural relevância e posição no centro decisório das prioridades políticas.
Nas subseções a seguir, elementos da PNDR representativos da fragilidade
da governança estratégica, da perda de potência operativa e da limitada credibi-
lidade dentro do núcleo das políticas de governo são apresentados e discutidos
visando à proposição de possíveis saídas para os impasses atuais.
4.1 Crises de representação e os insucessos da implementação da política
Além de alterações econômicas signicativas ao longo dos anos, pode-se também
apontar que a própria condução do ambiente político e das instituições demo-
cráticas tem se alterado sensivelmente, não somente no Brasil, mas ao redor do
mundo. Essa mudança dene diretamente o contexto em que as políticas públicas
estão imersas, exigindo esforços cada vez maiores para a superação dos desaos
impostos por tais alterações no modus operandi das relações políticas estabelecidas.
Tem sido observado esforço constante de governantes na implementação de agendas
populistas em resposta às demandas urgentes de uma população cuja conança
depositada em tais representantes tem cada vez mais oscilado e enfraquecido.
A política como via de resolução dos conitos e problemas comuns a todas
as sociedades se vê, atualmente, em uma encruzilhada: por um lado, convivendo
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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com demandas crescentes, recebidas de sociedades de interesses plurais, e, por
outro, enfrentando crises de representatividade sem precedentes, a nível mundial.
Alguns autores, preocupados com as crises da democracia contemporânea,
estão se debruçando sobre suas formas, características e dinâmicas especícas e,
em particular, sobre a crescente descrença dos eleitores nos processos de escolha
de seus candidatos, como Przeworski (2020), Mounk (2019) e Levitsky e Ziblatt
(2018). Todos estão empenhados em compreender como essa crise adota contornos
internacionais, atingindo diretamente a maneira como diferentes povos lidam
com ameaças ao sistema democrático. Ainda mais problemática é a relativa ausência
de atitudes consistentes que possam questionar e punir as arbitrariedades e excessos
cometidos pelos governantes.
Para Przeworski (2020), as experiências recentes ao redor do mundo, de trans-
formações na democracia, se devem ao fato de que as instituições estão com di-
culdade para oferecer garantias que sejam capazes de barrar atitudes autointeres-
sadas dos governantes eleitos pelas vias legais, por meio das regras constitucionais
vigentes. Os ataques à democracia não envolvem, necessariamente, violações constitu-
cionais, e os governos reacionários se apoiam no clamor do povo que os favorece nas
urnas. Se antes havia a ideia de que os cidadãos unidos podiam barrar governos que
ameaçam o sistema democrático neutralizando os seus efeitos por meio de protestos e
de uma aclamação popular, de acordo com o autor, hoje se sabe que essa é uma visão
romantizada. Muitas vezes o povo não reage a essas violações porque não percebe a
sutileza delas ou porque subestima os seus efeitos perversos e nocivos à democracia
como um todo. A apatia ou ingenuidade dos cidadãos ante a ação corrosiva de alguns
governantes pode levar ao fortalecimento de regimes autoritários.
Nesse sentido, a clássica ideia dos golpes democráticos não faz mais parte
do repertório das crises observadas na atualidade, as quais adotam contornos
bem mais difíceis de serem analisados e interpretados. O autor ainda ressalta que
a crise política atual tem como peculiaridades o “sentimento anti-establishment,
antissistema, e antielite” e uma corrosão gradual dos partidos políticos como ins-
tituições tradicionais para aglutinar as demandas populares. As crenças nas instituições
políticas se esfacelam, concomitantemente ao surgimento de líderes populistas,
que possuem agendas de políticas públicas com contornos mais liberais, as quais
têm persistentemente reduzido o protagonismo de sistemas de welfare state com
propósitos universalizantes.
O diálogo estabelecido entre estado e sociedade nesse contexto turbulento
está mais precarizado, exigindo textos constitucionais reformados e atualizados
com as constantes alterações sociais. Przeworski (2020) ressalta que os tempos
são assombrosos, se pensarmos em suas consequências imediatas, envolvendo a
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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deterioração das instituições e das normas democráticas e o uso de instrumentos
legais para a operacionalização de atitudes autoritárias.
Essa atitude discreta do esfacelamento dos regimes democráticos impede
que o ataque seja velado, sendo rotulado muitas vezes como autoritarismo eleitoral,
competitivo, de democracia iliberal ou de hibridismo dos regimes: “Retrocesso,
desconsolidação e retrogressão não precisam acarretar violações de constituciona-
lidade e mesmo assim destroem instituições” (Przeworski, 2020, p. 29).
Assim como Przeworski (2020), também Mounk (2019) ressalta a ascensão
recente de líderes populistas, impulsionados, principalmente, pela rearmação de
um discurso de extrema direita ao redor do mundo. Para o autor, nas democra-
cias liberais, existe uma série de instrumentos para barrar possíveis excessos que
venham a ser cometidos pelos partidos, especialmente para que não acumulem
muito poder e para que sejam capazes de absorver e conciliar interesses diversos
da sociedade. Entretanto, para os líderes populistas, a vontade do povo não
precisa ser mediada, e as demandas da minoria podem ser deixadas às margens
de uma agenda governamental maior. Mounk (2019) ressalta que os populistas
não deixam de exercer as regras legais e constitucionais, mas são menos apaixo-
nados do que os políticos tradicionais e são também iliberais, pois se aproveitam
do apoio do povo para defender a máxima de que os direitos das minorias, bem
como os interesses das instituições independentes, não devem ser levados em
total consideração.
O autor trabalha com o argumento de que as sociedades caminham para
uma desconsolidação dos regimes democráticos, por meio do binômio “democracia
sem direitos versus direitos sem democracia”, que se caracteriza pelo enfraquecimento
das instâncias públicas da representatividade e pela diculdade de proposição de
agendas de políticas públicas que tanto atendam às demandas especícas da
sociedade como também fortaleçam os elos que unem o Estado e a sociedade.
Por m, Levitsky e Ziblatt (2018) defendem a tese de que as democracias
morrem, mas não pelas formas tradicionais do fascismo, dos golpes militares ou
do comunismo, porque as tomadas de poder de maneira violenta não fazem mais
parte da estratégia e do repertório dos governantes usurpadores. Elas morrem
pela ação dos próprios governantes, eleitos democraticamente e praticando todos
os atos previstos na Constituição. Como salientam os autores: “Como Chávez
na Venezuela, líderes eleitos subverteram as instituições democráticas em países
como Geórgia, Hungria, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Sri Lanka,
Turquia e Ucrânia. O retrocesso democrático hoje começa nas urnas” (Levitsky e
Ziblatt, 2018, p. 17).
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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41
A análise desses autores corrobora os resultados de pesquisas de opinião
apresentados pelo instituto Latinobarômetro,11 referentes a 2020, sobre o grau de
satisfação dos países da América Latina com a democracia. Foram dezessete países
estudados, para os quais foi atribuído grau de satisfação do cidadão com relação à
democracia, ao interesse na política e à conança no Congresso. Em geral, todos
os países apresentaram respostas como “não muito satisfeito” ou “nada satisfeito”
quando questionados, conforme apontam os grácos 1, 2 e 3. Não apenas se veri-
ca um grau elevado de insatisfação com relação à ideia de democracia (gráco 1)
como o referido instituto de pesquisas apontou que o interesse da população em
geral na política está em patamares muito baixos na quase totalidade dos países
da América Latina (gráco 2). Esses dados são sugestivos por indicar a corrosão
sofrida pela política, crescentemente descredibilizada enquanto mecanismo legal
de superação dos problemas de um país.
O comportamento se repete quando se observa a percepção dos respondentes
de diversos países sobre o grau de conança nas casas legislativas ou congressos
nacionais. Na maioria dos países, a população consultada armou que tem pouca
ou nenhuma conança nessa instituição, conforme se pode observar no gráco 3.
GRÁFICO 1
Países da América Latina: grau de satisfação com a democracia (2020)
(Em %)
0 10 30 50 60
Total
Uruguai
Peru
Paraguai
Panamá
Nicarágua
México
Honduras
Guatemala
El Salvador
Equador
República Dominicana
Costa Rica
Colômbia
Chile
Brasil
Bolívia
Argentina
Venezuela
Nada satisfeito
20
Não muito satisfeito
40
Bem satisfeito Muito satisfeito
Fonte: Latinobarômetro, 2022.
11. Instituto de pesquisas públicas sem fins lucrativos, sediado em Santiago, no Chile, que realiza pesquisas de opinião
sobre a percepção da população acerca do funcionamento dos regimes democráticos na América Latina. Disponível
em: <https://www.latinobarometro.org/>.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
42
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GRÁFICO 2
Países da América Latina: interesse na política (2020)
(Em %)
0 20 60 100 120
Total
Uruguai
Peru
Paraguai
Panamá
Nicarágua
México
Honduras
Guatemala
El Salvador
Equador
República Dominicana
Costa Rica
Colômbia
Chile
Brasil
Bolívia
Argentina
Venezuela
Muito interessado
40
Algo interessado
80
Pouco interessado Nada interessado
Fonte: Latinobarômetro, 2022.
GRÁFICO 3
Países da América Latina: confiança no Congresso (2020)
(Em %)
0
20
40
60
80
100
120
Muita Alguma Pouca Nenhuma
Total
Uruguai
Peru
Paraguai
Panamá
Nicarágua
México
Honduras
Guatemala
El Salvador
Equador
República Dominicana
Costa Rica
Colômbia
Chile
Brasil
Bolívia
Argentina
Venezuela
Fonte: Latinobarômetro, 2020.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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Observa-se, portanto, que há uma mudança signicativa do sentimento de
conança na democracia e nos poderes constituídos, tanto na Europa e América
do Norte como na América Latina e no Brasil, especicamente. O contexto é pre-
ocupante, pois a crise da democracia e da representatividade afeta diretamente o
arranjo das políticas públicas produzidas, especialmente porque afasta a população
de um dos princípios básicos consagrados, no caso brasileiro, na Constituição
Federal de 1988 (CF/1988), que é a participação social como mecanismo de
controle democrático das políticas produzidas pelo governo.
Recentemente, o Brasil foi palco de diversas reformas de alto impacto,
como a trabalhista e a previdenciária, que alteraram profundamente o formato dos
direitos sociais, além de promover alteração no legado social para as próximas
gerações, em especial com a precarização do trabalho e com políticas públicas
cada vez mais contributivas e menos universalizantes. A PEC no 95/2016, conhe-
cida como a PEC do Teto dos Gastos, promoveu diculdades orçamentárias
para a implementação de políticas públicas importantes. Reformas iniciadas
ainda no governo Temer (2016-2018), de cunho liberalizante, foram retomadas
e/ou aprofundadas no governo Bolsonaro (2019-2022) e são limitantes para o
desenvolvimento e a ampliação do papel do Estado como formulador e imple-
mentador de políticas públicas.
Quando se consideram as alterações recentes na agenda da política regional,
é possível vericar que predominam na orientação governamental a dispersão de
objetivos e a perda de articulação estratégica entre o ministério, as superinten-
dências de desenvolvimento e os bancos regionais. Elementos da governança da
PNDR que já haviam sido diagnosticados como frágeis perderam ainda mais sua
relevância no contexto atual.
Nesse aspecto, também cabe menção à reordenação das pastas ministeriais
realizada em janeiro de 2019, especialmente do Ministério da Integração
Nacional (MI), o qual foi incorporado ao Ministério das Cidades (MinCidades);
e as políticas regional e urbana estão atualmente sob atuação do novo MDR. O
ministério passou a contar com pautas bem diversicadas, tais como a condução
de: PNDR; Política Nacional de Desenvolvimento Urbano; Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil; Política Nacional de Recursos Hídricos; Política Nacional
de Segurança Hídrica; Política Nacional de Irrigação, envolvendo o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Política Nacional de Habitação; Política
Nacional de Saneamento; Política Nacional de Mobilidade Urbana; política de
subsídio à habitação popular, ao saneamento e à mobilidade urbana; e Política Nacional
de Ordenamento Territorial. Além disso, manteve suas competências quanto à
gestão do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), Fundo Constitucional
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), Fundo de Desenvolvimento da
Amazônia (FDA), Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), Fundo de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO) e do Fundo Nacional de Habitação
de Interesse Social (FNHIS).12
Considerando que a pauta de atuação do MDR foi ampliada sobretudo
para não somente atender a demandas regionais, mas fundamentalmente para
responder às necessidades urbanas e metropolitanas, a implementação dos planos
regionais de desenvolvimento, a cargo das três superintendências regionais, perdeu
momentum de prioridade política e orçamentária. Desde 2019, os “planos” se
arrastam no Congresso Nacional sem aprovação formal.
Em 2019, novidades foram produzidas no que tange à política regional, es-
pecialmente com a nalização e a entrega dos planos regionais de desenvolvimento
pelas superintendências competentes – a Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene), a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e
a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) – e pela Câmara
de Políticas Regionais, formada pela Casa Civil, ME e MDR.
No processo de elaboração, ainda em 2018, houve envolvimento e participação
de governos estaduais e municipais, bem como de especialistas das instituições
governamentais concernentes na sua elaboração. A Casa Civil da Presidência da
República, ainda no governo Temer, constituiu grupos de trabalho (GTs) para a
confecção de normativas e diagnósticos que deveriam estar presentes nesses docu-
mentos. Monteiro Neto e Pêgo (2019) comentam que, em 2018, a referida Casa
Civil promoveu a criação de três GTs para pensar as questões colocadas pelo Tribunal
de Contas da União (TCU) em ações do governo federal relativas às políticas
regionais desenvolvidas e que demandam uma ação mais efetiva do Executivo.
O esforço institucional para a realização dos trabalhos nos três GTs contri-
buiu para posterior elaboração de agendas regionais de desenvolvimento, as quais
seriam tomadas como base conceitual e programática para os planos regionais de
desenvolvimento. Os GTs criados tiveram os seguintes objetivos: o primeiro, a
avaliação da política regional, a PNDR; o segundo, a avaliação dos instrumentos da
política, o FCO, o FNE e o FNO; e, por m, o terceiro, a avaliação de instrumentos
de repartição federativa, o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal
(FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Esse momento de discussões e alinhamento de propósitos pode ser considerado,
dentro do ciclo de implementação de políticas públicas, a etapa de elaboração da
pré-agenda, essencial para estabelecer parâmetros norteadores dos planos regio-
nais. A princípio, a opção da pré-agenda foi por uma dimensão multiescalar do
12. Disponível em: <https://www.gov.br/mdr/pt-br>.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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desenvolvimento e a priorização de uma distribuição equânime dos investimentos
públicos, especialmente para a valorização do dinamismo econômico presente
nos territórios selecionados, bem como sobre as faixas de atuação prioritárias da
política, isto é, os territórios intermediários do Semiárido nordestino, as regiões
das faixas de fronteira nas regiões da Amazônia, Centro-Oeste e Sul do país e as
chamadas Regiões Integradas de Desenvolvimento (Rides) – as Rides de Brasília,
de Juazeiro-Petrolina e Teresina-Timão.
Uma das principais preocupações observadas na elaboração dos planos regio-
nais foi a de garantir a necessária articulação entre objetivos de cada plano regional
com pressupostos e orientações da PNDR. Um desses pressupostos é o da dire-
triz para desenvolver esforços de articulação federativa, envolvendo os três entes
federados, União, estados e municípios, para a implementação coordenada das
políticas regionais.
No decorrer de 2018, foram realizadas dezessete reuniões de trabalho, com
a nalidade de promover a revisão da PNDR, bem como organizar a criação
dos planos de desenvolvimento regional. Monteiro Neto e Pêgo (2019) ressaltam
alguns pressupostos norteadores desses encontros, especialmente no que tange às
indicações dos órgãos de controle como o TCU e da Casa Civil, para a realização
de atualizações e de modicações no texto da PNDR, com o intuito de adequação
aos pressupostos gerais da política.
O processo de construção da agenda regional atual visou atender a diversas ins-
tâncias governamentais, como as recomendações e sugestões do TCU; o alinha-
mento com as estratégias contidas no Plano Plurianual (PPA), referente ao período
2020-2023; a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Endes);
a Agenda dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU; e
ouvidorias abertas na sociedade civil de cada região.
Como resultado, foi produzido o documento Agendas para o Desenvolvimento
das Macrorregiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: subsídios para a elaboração do PPA
2020-2023 (Sudam, 2018), o qual foi fruto dos esforços do GT constituído com a
nalidade de discutir os rumos e as propostas do desenvolvimento. Este GT possuía
duas frentes de diagnósticos para as superintendências: a primeira delas era a sugestão
de uma agenda estratégica de desenvolvimento produtivo, objetivando a imple-
mentação de políticas públicas para um período de quatro anos, além de promover
uma estratégia de desenvolvimento para cada região brasileira; a segunda vertente
propunha uma agenda de convergência, focada nas políticas públicas e na redução
das desigualdades regionais, de forma intersetorial, inter e intrarregiões. A partir
desse desenho, seriam elaboradas as três agendas regionais: do Nordeste, do
Centro-Oeste e da Amazônia.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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A agenda do Nordeste, alicerçada nos pressupostos da Sudene, apresentou
como vertente primordial uma proposta baseada no fortalecimento das cidades
intermediárias, as quais funcionariam como um lócus privilegiado do desenvolvi-
mento e na estratégia de inovação no setor produtivo; a agenda do Centro-Oeste,
por sua vez, também escolheu dar atenção às cidades médias como objetivo da
desconcentração produtiva e da diversicação econômica sustentável. Por m,
a agenda da Amazônia teve como ideia motriz a integração e a diversicação
da biodiversidade do bioma amazônico, para que este, devidamente explorado
por uma estratégia de conhecimento e inovação, seja capaz de conduzir a região para
uma trajetória ambientalmente sustentada e com elevada rentabilidade econômica
(Monteiro Neto e Pêgo, 2019).
Os trabalhos desenvolvidos por esse GT foram essenciais para que os planos
regionais fossem elaborados pelas superintendências, adquirindo sistematização,
organização e convergência com a agenda nacional, ou seja, com a PNDR. Assim,
houve uma articulação das agendas nacional e regional, denominada então de
pré-agenda, ou seja, a agenda que antecedeu a apresentação dos planos das três
regiões aqui salientadas.
Para validação das agendas regionais, foi realizado o seminário Desenvolvi-
mento Regional no Planejamento Governamental, em dezembro de 2018, para
apresentação e apreciação dos trabalhos dos GTs, com a participação dos ministérios
do Planejamento, da Integração Nacional, da Educação, da Ciência e Tecnologia,
da Agricultura, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD)/CEPAL, do Ipea, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap)
e de membros do TCU. Naquela ocasião, as superintendências apresentaram
seus planos regionais e suas agendas estratégicas que foram articuladas ao PPA
2020-2023, formando, assim, um pré-ambiente das agendas governamentais.
A programação desse seminário priorizou os debates sobre o processo de
regionalização dos PPAs e da Endes, desenvolvida pelo Ministério do Planejamento,
além de ressaltar a importância da PNDR, junto ao MI. A agenda estratégica
do Nordeste foi apresentada pela Sudene, com moderação do Ipea; a do Norte
foi apresentada pela Sudam, com moderação da Enap; e a agenda estratégica do
Centro-Oeste foi apresentada pela Sudeco, com moderação do MI.
Entretanto, apesar de todos esses esforços, os planos regionais que foram
encaminhados ao Congresso Nacional conforme legislação vigente para discussão
e aprovação se encontram paralisados desde 19 de novembro de 2019, quando
a Presidência da República fez seu encaminhamento ao Congresso. Todos os
projetos foram apresentados segundo a tramitação denominada prioritária, cujo
prazo compreende o período de dez sessões, em cada comissão, para deliberação
e aprofundamento nos debates. Segundo o art. 158 do Regimento Interno da
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Câmara dos Deputados, “prioridade é a dispensa de exigências regimentais para
que determinada proposição seja incluída na ordem do dia da sessão seguinte,
logo após as proposições em regime de urgência” (Resolução da Câmara dos
Deputados, 17/1989).
Dado o estágio atual de tramitação congressual, pode-se interpretar que
o esforço de realização de uma agenda de governo não se transmutou até o
momento, como se espera, num ciclo decisório de políticas públicas, ou numa
agenda de decisão.
4.2 Gestão e governança da PNDR: identificando problemas perversos ou
de difícil solução (wicked problems)
Discutir a PNDR é se colocar diante de um amplo leque de possibilidades, inclu-
sive no campo teórico. As muitas contribuições produzidas ao longo dos últimos
anos, com especial destaque para o Ipea, que teve uma agenda sistemática de análise
e avaliações da PNDR em fases anteriores de sua implementação, apontam para
os caminhos percorridos sobre o tema, mas também sinalizam uma agenda de
pesquisa futura bastante promissora. Olhando para o futuro, entende-se que um
dos campos de conhecimento que não se incorporou ao debate da PNDR foi o da
administração pública, que poderia enriquecer as análises a partir de perspectivas
que serão apontadas aqui de forma embrionária.
Para tal, considera-se a relevância da discussão sobre o contexto institucional
que envolve a PNDR, a partir da realidade de sua implementação, acionando
discussões teóricas da administração pública que sejam capazes de contribuir para
elucidar o quadro atual da política. O objetivo é oferecer visões alternativas de
análise que não se reduzam às abordagens reativas e burocráticas em geral empre-
gadas quando se discutem as políticas regionais no país.
Relevantes questões associadas à PNDR, desde sua institucionalização pelo
Decreto no 6.047/2007, chamada também de primeira versão da política, foram
sistematizadas em avaliações técnicas ociais realizadas pelos órgãos de scalização
e controle, notadamente aquelas sistematizadas pelo TCU nos seus mais diversos
acórdãos: no 1.655/2017, no 2.388/2017, no 1.827/2017, no 4.056/2020,
no 141/2021, no 1.448/2021 e no 2.872/2021.
Verica-se uma atuação constante por parte da corte de contas para avaliar
a PNDR e seus instrumentos, resultando em recomendações e, por vezes, em
determinações que levaram a uma questão de fundo: como a governança de
uma política, com as características da PNDR, subsiste a fatores externos e insti-
tucionais, na implementação de suas estratégias e no alcance dos seus objetivos,
de modo a atingir a performance requerida pelos órgãos de scalização e controle?
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Entende-se assim que os questionamentos persistem nas avaliações e na
compreensão dos problemas notadamente no quesito governança da PNDR,
com reexos evidentes nos resultados por ela alcançados. Diante desse quadro,
urge reetir sobre a incursão no campo da administração pública como forma de
estudar tais questões e indicar possíveis saídas.
Ao acionar alguns debates teóricos do campo da administração pública,
ampliam-se as possibilidades de discutir os apontamentos feitos nessas avaliações da
PNDR e talvez até de oferecer subsídios aos decisores para aperfeiçoar a governança
da política a m de atingir seus objetivos e tornar suas estratégias mais efetivas.
Já tem um tempo que a discussão sobre governança deixou os limites do
mundo acadêmico e foi apropriada pelos governos como forma de buscar soluções
para os problemas que se revelam na fase de implementação das políticas públicas.
Apesar de existir um enorme acervo de debates e reexões que poderia servir
de suporte a tal discussão, entende-se que o trabalho de Buta e Teixeira (2020)
oferece caminhos que, se não forem os ideais, se aproximam das dimensões mais
problemáticas da PNDR apontadas pelas avaliações do TCU.
Em seu artigo, Buta e Teixeira (2020), após uma longa digressão sobre o
conceito, recorrendo a autores estrangeiros e nacionais, realizam um esforço para
sumarizar aspectos caros à governança no âmbito governamental e sistematizam
categorias e denições que muito contribuem para entender alguns dos problemas
recorrentes na implementação da PNDR. No quadro 1 estão elencadas tais
categorias e seus descritores.
QUADRO 1
Atributos gerais da governança em políticas públicas, segundo suas categorias e definições
Categoria Descrição
Coordenação de stakeholders Abrange o envolvimento de indivíduos e organizações na coordenação de metas e políticas; e a
coordenação transversal desses atores para a consecução dos objetivos.
Participação
Relaciona-se às condições institucionais necessárias para que haja governança, uma vez que
depende da existência de direitos, garantias e liberdades que permitam e estimulem a
organização social.
Capacidade governamental Associa-se à efetividade do governo, à qualidade regulatória, ao desempenho das agências
públicas, à produção e ao resultado das políticas públicas.
Monitoramento e controle Abarca a prestação de informações, apresentação de justificação e a responsabilização dos
agentes públicos por seus atos e omissões.
Condições para governança Inclui os requisitos institucionais necessários para que emerjam mecanismos de governança.
Fonte: Buta e Teixeira (2020).
Em rápida passagem pelos apontamentos consignados nos acórdãos já referidos
e tomando por base a contribuição de Buta e Teixeira (2020), seria possível chegar à
seguinte sumarização dos problemas relacionados à PNDR e seus instrumentos,
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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exposta no quadro 2, que possui a função de indicar questões que se mantêm e
que, portanto, sugerem um olhar mais estrutural sobre as medidas a serem adotadas
para o aperfeiçoamento da política.
QUADRO 2
Obstáculos à governança da PNDR
Categoria Aspectos que dificultam a governança da PNDR
Coordenação de stakeholders
Há um conjunto de organizações, com distintos mandatos e políticas públicas, que não dialogam
entre si, atuando no âmbito regional.
A coordenação transversal é enfraquecida pela posição das superintendências como entidades
vinculadas a um ministério que, no caso do MDR, não tem conferido prioridade à política regional.
A cooperação federativa (vertical) se mostra fragilizada pela pouca capacidade de mobilização e
legitimidade das superintendências, além da ausência de instrumentos indutores.
Participação
Existem poucas instâncias de participação social.
Nas instâncias existentes, a participação social é incipiente.
Não há uma cultura institucional que estimule o compartilhamento de decisões nas políticas de
planejamento regional.
Capacidade governamental
Há um cenário desfavorável à reposição de força de trabalho nas instituições responsáveis pelo
tema, no âmbito federal.
Nos entes subnacionais, o tema não possui localização, o que dificulta a ação conjunta e sinérgica,
para implementação dos instrumentos de planejamento da política.
Em relação aos governos subnacionais, existe um déficit de capacidades para tratar do tema.
Monitoramento e controle
Os mecanismos de acompanhamento e avaliação ainda não se mostram suficientes para qualificar
a implementação dos planos.
Na ausência desses instrumentos de mensuração e efetividade, não é possível apontar as respon-
sabilidades de agentes públicos pelo insucesso na implementação dos planos.
Condições para governança
Baixa sensibilidade por parte do centro de governo, que integra a instância estratégica da PNDR.
Pouco apoio ao tema nas casas legislativas, o que dificulta a tramitação dos seus principais
instrumentos de planejamento.
Atores com poder de veto importante promovem modificações no arranjo de financiamento, o que
impacta as estratégias e, portanto, a estabilidade da PNDR para alcançar seus objetivos.
Fonte: Buta e Teixeira (2020) e TCU.
Elaboração dos autores.
Uma das questões postas desde a primeira PNDR, e que adquire contornos
mais claros na segunda versão, instituída pelo Decreto no 9.810, de 30 de maio
de 2019, é o seu caráter transversal, presente nas estratégias e aclarado nos eixos
setoriais de intervenção que elencam temas centrais, os quais devem convergir
para uma ação estatal no enfrentamento às desigualdades regionais.13
Recorrer a tais temas como solução signica dizer que eles também fazem
parte do problema, ou seja, a desigualdade não se limita a uma visão rasa que
olha para o PIB e a renda das regiões sem associá-las a um conjunto mais amplo
13. No seu art. 7o, o Decreto no 9.810/2019 elenca os seguintes eixos setoriais de intervenção: i) desenvolvimento
produtivo; ii) CT&I; iii) educação e qualificação profissional; iv) infraestrutura econômica e urbana;
v) desenvolvimento social e acesso a serviços públicos essenciais; e vi) fortalecimento das capacidades governativas
dos entes federativos.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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de insuciências que vão da educação aos serviços públicos, passando pela ino-
vação e pela infraestrutura de suporte às atividades produtivas e à vida nas cidades.
Seria, portanto, uma questão multidimensional, estando associada à discussão dos
chamados problemas perversos, ou complexos, ou ainda de difícil solução, os
conhecidos wicked problems, amplamente discutida nas literaturas norte-americana
e europeia de administração pública, mas ainda pouco apropriada nas análises de
políticas públicas brasileiras.
Nesse sentido, parece pertinente recorrer a Alford e Head (2017) e seu esforço
de classicar os wicked problems a partir de um conjunto de contribuições teó-
ricas que discutiu a natureza complexa dos problemas, passando pelos níveis de
engajamento dos atores envolvidos, considerando-os elemento central na abordagem
dessa visão multifacetada. Vale ressaltar que, apesar da proposta apresentada, os
autores alertam para limitações e generalizações, de maneira que, em alguns casos,
há necessidade de se compreender o problema a partir de especicidades, o que
inclui mecanismos e causas subjacentes, sem desconsiderar os autores envolvidos,
como já fora mencionado.
Quando se fala da PNDR, tais elementos têm sido pouco explorados e, em
sua maioria, os aportes teóricos metodológicos do campo da administração pública
poderiam contribuir para aclarar pontos obscuros frequentemente avaliados pelos
órgãos de scalização e controle e consignados nos seus documentos, mas que
ainda exigem uma abordagem mais acurada, no sentido de compreender o alcance
desses problemas.
Outro aspecto relevante para se envidar esforços teóricos, quando se discute
uma política transversal como é a PNDR, está associado às questões institucionais
que envolvem o Estado brasileiro e os grupos de interesse que disputam poder e
projetos políticos. Assim como todas as demais políticas, a PNDR não está isenta
de interferências, uma vez que pode servir ao atendimento de demandas desses
grupos que, por sua vez, abalizam projetos de governo.
Logo, analisar sua complexa governança e a efetividade de suas iniciativas
requer, sempre que possível, recorrer aos campos de estudos da ciência política
e da administração pública para compreender que as disputas de poder ou do
orçamento entre grupos de interesse são práticas recorrentes, e até naturais, em
sociedades corporativas e segmentadas como é o caso do Brasil.
Nessa perspectiva, é relevante discutir todos os grupos, não só os que atuam
em torno da PNDR. Por isso, a leitura não pode ser simplicada, reduzindo-se
somente aos que possuem interesses diretos na política e seus instrumentos. A
discussão deve preocupar-se também em identicar como os grupos que estão por
trás de outras iniciativas governamentais disputam recursos e visibilidade perante
a sociedade e, portanto, como podem interferir nas ações da política regional.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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No que se refere à diversidade de grupos de interesse, quando tratou de
ações que envolvem temas transversais, a exemplo do desenvolvimento regional,
Rocha Neto (2016) recorreu a Kingdon para explicitar como as estratégias de
grupos de interesse podem ser heterogêneas e se manifestar por ações armativas
ou negativas em relação ao apoio a determinadas políticas, revelando um quadro
de disputas que requer precisão para ser compreendido na devida profundidade.
Dessa forma, avaliar a PNDR não exige um olhar somente para os dispositivos
legais e os seus instrumentos; há necessidade de se compreender os obstáculos
erigidos no âmbito de outras instituições, em face de seus interesses que, por
vezes, podem concorrer com a política regional, como foi destacado pelo autor,
que analisou o limite da cooperação entre atores governamentais no âmbito da
PNDR e indicou a existência de um padrão que denota competição entre políticas
e programas governamentais.
As avaliações realizadas pelos órgãos de scalização e controle em sua maioria
seguem manuais e metodologias que muitas vezes colocam sob a mesma régua
políticas com enfrentamento de problemas de intensidades distintas e cuja natureza
também difere. Nesse sentido, não há uma simplicação ou diminuição da im-
portância dessa ou daquela política pública, mas a natureza das questões a serem
solucionadas e os instrumentos disponíveis impedem que as avaliações alcancem
a essência dos problemas levantados.
O quadro apresentado indica a necessidade de um aprofundamento da dis-
cussão sobre eciência relativa e absoluta, nos termos de Herbert Simon, anali-
sados em artigo de Oliveira e Paula (2014), que traz importantes apontamentos
para a reexão. Para as autoras, o conceito de eciência apropriado pelo setor
público é incorporado no contexto da implantação do paradigma gerencial, que
nos anos 1990 e início do século XXI orientou grande parte dos governos pelo
mundo. As autoras destacam que a transposição acrítica e descontextualizada desse
conceito, com base nos princípios da administração privada, acaba por criar
problemas quando se trata de aferir o alcance de objetivos nas políticas públicas.
O argumento do trabalho é muito útil para discutir a PNDR, uma vez que
está alicerçado em uma série de fatores, com especial destaque para a visão de
que o governo atua em um complexo ambiente, com demandas diversas e setores
distintos e interage com variados grupos nas suas políticas. Isso impossibilita a
adoção de medidas de comparação, baseadas na eciência perfeita, como denomina
Herbert Simon, bem como impossibilita procurar medidas de performance diante
de tamanha variedade nas ações governamentais, com base em metodologias uni-
cadas. O excerto textual consigna tal quadro: “Além da incomparabilidade dos
diferentes valores, tem-se ainda, na administração pública, uma diculdade para
denir os objetivos das ações públicas, já que eles representam valores pouco
tangíveis e objetivos múltiplos” (Oliveira e Paula, 2014, p. 123).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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A contribuição das autoras aclara um desao para as cortes de contas, com
base nas suas avaliações da PNDR, ao indicar que, apesar dos avanços sobre o
tema, que tiveram no TCU um importante agente catalizador, resultando, inclusive,
na versão mais nova da política, existe a necessidade de se construir um marco
metodológico que possibilite avaliações mais próximas dos complexos desaos
contidos na solução do problema das desigualdades regionais.
No que diz respeito à coordenação federativa, no desenho da PNDR, além
da transversalidade temática, há um acionamento dos governos subnacionais,
notadamente dos estados, seja na proposição dos instrumentos ou por intermédio
da proposta dos pactos de metas. Nesse contexto, cabem algumas discussões
relevantes, como as capacidades estatais encontradas nos níveis subnacionais para
decidir e levar a cabo projetos complementares e parcerias com o governo federal,
conforme preceituam algumas estratégias da PNDR.
É importante ressaltar um questionamento feito por Grin e Abrucio (2018)
sobre a realidade, e capacidade, dos governos subnacionais, não só os municípios,
mas também os estados. A inquietação dos autores revela um quadro de assi-
metria nas capacidades de cooperação com o governo federal nas mais diversas
políticas públicas.
Quando se trata de políticas com repercussão territorial, o quadro se mostra
mais complexo ainda, pois deve considerar que tais trajetórias e diferenciações
requerem ações prévias de fortalecimento dos entes subnacionais, que não são
uma tradição na agenda de políticas do governo federal, embora autores como
Grin e Abrucio (2018) tenham destacado tal necessidade pelo caminho da assistência
técnica como forma de fortalecer o federalismo cooperativo e a coordenação do
governo central.
A identicação de falhas causadas pela insuciência de capacidade estatal
de grande parte dos governos subnacionais parece ser consenso, embora sua in-
tensidade possua variações, de acordo com cada política, e embora as estratégias
para superação dos problemas se mostrem heterogêneas, não só em função das
especicidades dos temas, mas da perenidade dessas ações de desenvolvimento.
Assim, é possível supor que tais falhas tendem a se manifestar em temas novos
e com estratégias complexas, pouco apropriadas pelos governos subnacionais, a
exemplo do desenvolvimento regional.
Sobre o aspecto mais fundamental da atenção dada à PNDR pela alta gestão,
é estratégico que se discuta o contexto em que ela se insere e o poder de agenda.
Dessa forma, além do debate teórico que envolve o processo decisório e o
aparecimento do problema como urgente e persistente, faz-se necessário compre-
ender o que está por trás das proposições de mudança, ora em curso, e em que
medida elas afetam a essência da PNDR.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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É imprescindível discutir a teoria dos atores com poder de veto e compreender
o papel que as pastas responsáveis pela macroeconomia do país desempenham
em uma política como a PNDR. Tsebelis (2009) analisou os atores com poder
de veto nas instituições políticas e se deteve inclusive no papel que alguns deles
desempenham na estabilidade e na política macroeconômica dos países. Dessa
forma, deve-se sempre vislumbrar que o arranjo de nanciamento da PNDR, seja
nos seus instrumentos especícos, a exemplo dos fundos, ou no Orçamento Geral
da União, encontra-se sob a governança de uma pasta orientada pela cultura scalista
e com enorme poder de veto dentro do governo.
Acionando outro debate teórico, a PNDR possui um arranjo paradoxal, que
colocaria sob o mesmo guarda-chuva instituições que se posicionam de formas dife-
rentes quando se trata de pensar o desenvolvimento. Wildavsky e Caiden (2004)
aclaram esse quadro complexo quando categorizam unidades governamentais de
acordo com seus mandatos, separando os gastadores dos guardiões. É claro que o
primeiro grupo não deve abarcar instituições irresponsáveis sob o ponto de vista
scal e orçamentário; são, na realidade, pastas detentoras de atribuições que,
naturalmente, requerem investimentos mais robustos na busca de seus objetivos,
a exemplo das unidades de governo encarregadas de promover o desenvolvimento.
O descaso com a burocracia de médio escalão. Até aqui o foco esteve nos ele-
mentos do ambiente externo que integram a PNDR, mas pouco foi discutido
sobre fatores internos. Uma das questões mais relevantes para a perenidade de
uma política são seus quadros técnicos, ou aquilo que pode ser denominado
inteligência da política. Uma das marcas do antigo MI e do atual MDR é seu forte
caráter político. Na conjuntura atual, isso adquire contornos mais acentuados, con-
siderando que a fusão do antigo MI como o MinCidades resultou no MDR, uma
das pastas com maior orçamento do governo federal, bem como na ampliação do
seu portfólio de iniciativas, vinculadas a dez grandes políticas nacionais, as quais
podem eventualmente ser utilizadas com nalidades pouco republicanas, quando
se trata da alocação de recursos orçamentários.
Assim, pode-se recorrer ao debate sobre o papel da burocracia de médio
escalão que, no caso da PNDR, teve grande importância desde as primeiras
discussões em 2003 sob a gestão de Tania Bacelar, quando esteve à frente da
Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR). Essa destacada posição rendeu
visibilidade a alguns desses quadros não só no MI, mas também nas unidades
vinculadas, a exemplo das superintendências de desenvolvimento regional. No
entanto, pouco se discute sobre a importância desses indivíduos em todo o pro-
cesso de construção da PNDR e do seu papel na defesa do tema ante as disputas
que marcam os governos.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Seria pertinente, portanto, demarcar o conceito de burocracia de médio escalão
como aquele que se adapta a tal contexto. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido por
Pires (2018, p. 193) estabelece quem são esses sujeitos, que espaço ocupam,
sumarizando tal posição como: “(...) os BMEs [burocratas de médio escalão] estão
voltados para dentro e para o centro do Estado, enquanto os burocratas da base e
do topo estão nas fronteiras do Estado, voltados principalmente para fora”.
Quando se trata da PNDR, tais quadros desempenharam papéis relevantes
não só na sua concepção, nas duas versões da política, como no suporte a outros
BMEs das superintendências de desenvolvimento regional na elaboração dos
planos que ainda se encontravam no Congresso Nacional aguardando início da
tramitação no momento de escrita deste trabalho, embora já estivessem perto de
expirar, considerando que a sua validade era de 2019 a 2022.
Pires (2018, p. 202) discute, inclusive, o papel dessas burocracias na formu-
lação das políticas públicas e, apesar de indicar a escassez de produção acadêmica
sobre tal tema, o autor se sente encorajado a fazer alguns destaques atribuindo aos
BMEs a função de “(...) agentes de integração, articulação, coordenação e produção
de coerência, exercida por meio da gestão de suas interações laterais e verticais
com variados atores governamentais”. Portanto, compreender a burocracia que
atuou na proposição da PNDR e dos seus instrumentos é, também, se aprofundar
nas habilidades desenvolvidas a partir dos apontamentos do autor, o que possi-
bilita uma análise mais acurada sobre as limitações que vêm sendo impostas para
não renovação desses quadros, em função das políticas restritivas à reposição de
força de trabalho, adotadas pelas unidades responsáveis pelos recursos humanos do
governo federal.
Outra reexão importante a ser feita em torno da PNDR é sua reduzida
visibilidade perante a sociedade brasileira, situação que se explica por baixa
institucionalização da participação social, contribuindo para a instabilidade de
sua implementação.
Desde a promulgação da nova carta magna, o país teve sucessivos governos
de matizes político-ideológicos distintos que contribuíram para a ampliação dos
processos participativos. Para melhor compreensão desse amplo ecossistema da parti-
cipação social, é relevante ler Avritzer (2008), que classicou instituições par-
ticipativas em três agrupamentos: aquelas que se constituem a partir das forças
sociais e chegam ao Estado; aquelas com que o Estado compartilha, por força legal,
o poder de decisão; o modelo em que a sociedade civil não participa e apenas
ratica o que é decidido pelo poder público. Tal categorização, aliada ao contexto
histórico das últimas décadas, permitiu o encaixe dos processos ocorridos, sobretudo
daqueles desenhados no âmbito das políticas públicas nacionais, que podem ser
mais ou menos porosas à participação, segundo uma série de elementos que vão
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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desde sua trajetória histórica até a habilidade relacional das burocracias, passando
por outros aspectos.
No caso especíco da PNDR, apesar de um arranjo de governança bastante
complexo, não se observa, principalmente em sua versão mais nova, o instituto da
participação social, apesar de se constituir em um dos fundamentos da política.
Nesse caso, não há nenhum arranjo proposto. Não se pode deixar de reconhecer que
o texto que institui a PNDR em sua fase recente passou por um amplo processo
de construção, consultas e validação que se estendeu por 2012 e 2013 e envolveu
mais de 13 mil pessoas. No entanto, a arquitetura de diálogo com a sociedade se
mostra bastante limitada, mesmo na esfera do governo federal, que possui a Câmara
de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, prevista no
art. 9o do Decreto no 9.810/2019, que é um colegiado exclusivamente de governo.
Quando se observam os conselhos das superintendências de desenvolvimento,
essa participação também se mostra bastante limitada. E aqui não se pretende
discutir representatividade a partir da régua dos números, mas indicar a necessi-
dade de pensar uma arquitetura participativa que possa ser bastante útil na imple-
mentação de uma política que requer o apoio de forças sociais dos territórios e
ainda carece de legitimação.
Dessa forma, a PNDR se encontra em um cenário de instabilidade, suma-
rizado a partir dos aspectos apontados anteriormente, remetendo a um ambiente
que, no debate teórico, transita entre a teoria da mudança e a teoria da extinção, que
recai sobre o debate do poder de agenda, tema pouco explorado quando se observam
as recentes avaliações (geralmente, de impacto ou de eciência) feitas sobre a
política (Araújo e Cunha, 2019). É preciso aguardar para ver o que o futuro reserva
com relação ao enfrentamento das desigualdades regionais.
4.3 Coordenação de políticas implícitas e explícitas no território
No debate governamental e acadêmico sobre o desenvolvimento regional conso-
lidado no século XXI, as denominações de políticas implícitas e explícitas de im-
pacto territorial ganharam bastante evidência e interesse quanto aos seus resultados
e impactos esperados. De um lado, as políticas implícitas são todas aquelas que
não são desenhadas e implementadas para atender a objetivos territoriais (regionais,
estaduais, locais etc.) precisos, porém, ao serem realizadas, contribuem para a
alteração de padrões territoriais não desejados. As políticas sociais de transferência
de renda a pessoas, de educação, de saúde e de assistência social, por exemplo,
por visarem ao atendimento a grupos populacionais pobres e miseráveis, bem
como a municípios de pequeno porte, tiveram signicativo impacto sobre as
economias locais em regiões-alvo de políticas regionais como Norte e Nordeste.
Do outro lado, estão as políticas regionais explícitas, geralmente desenhadas e
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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comandadas por ministérios de dimensão territorial como o MI e o MinCidades
ou, mais recentemente, a partir de 2019, o MDR, que corresponde à fusão das
duas pastas ministeriais anteriores. Essas instâncias governamentais realizam objetivos
explícitos de alteração ou promoção de novos padrões territoriais. O MI busca a
redução de disparidades de renda e de oportunidades socioeconômicas regionais
no país, enquanto o MinCidades tem como objetivo a melhoria das condições de
infraestrutura e habitabilidade na rede urbana brasileira.
Isso coloca a Política de Desenvolvimento Urbano, ainda em construção, como
uma das agendas que, na devida escala, requerem coordenação governamental. Tal
argumento se sustenta ao analisar a própria PNDR, que, nas suas estratégias de
enfrentamento às desigualdades, necessita acionar um grande conjunto de outras
iniciativas governamentais. O principal traço de distinção entre a política regional
e a política urbana é a escala espacial de alcance, pois, quando se trata de propor
estratégias convergentes e coordenadas, as duas são muito similares, considerando
que, na essência, os objetivos almejados envolvem a transformação da vida das
pessoas para melhor. O desao da PNDR também serve para reexão de uma
política territorial como é a de desenvolvimento urbano: o debate sobre a gover-
nança das cidades e, sobretudo, das regiões metropolitanas brasileiras aponta para
um quadro de grande diculdade de cooperação entre os municípios, que adquire
contornos de ingovernabilidade dessas áreas, muito em face do frágil arranjo de
coordenação do governo federal para tratar do tema.
O interesse na articulação e na coordenação dessas duas dimensões de políticas
públicas (implícitas e explícitas) passou a ser crescente no âmbito dos centros
decisórios governamentais nacionais. A possibilidade de criação de sinergias entre
várias tipologias de políticas públicas tem sido vista como um elemento adicional
para mais ampla efetividade das políticas territoriais.
Dessa forma, assim como a política regional perde visibilidade diante de
outras iniciativas de governo consideradas mais relevantes no processo de enfren-
tamento às desigualdades, a Política de Desenvolvimento Urbano (entre outras)
também carece de estratégias que ultrapassem a demasiada ênfase em temas como
gestão territorial e/ou das desigualdades na dotação de infraestrutura. O ideal é
que essas estratégias também incluam na política urbana a discussão da economia
urbana em tempos de intensas mudanças no mundo do trabalho, relacionadas
com a perda de empregos na indústria e a crescente informalização e precarização
das relações do trabalho nos setores de serviços e comércio.
Nesse contexto adverso de transformações, as políticas sociais – vistas no rol
das políticas territoriais implícitas – têm dado contribuição irrefutável para o for-
talecimento de bases produtivas locais no território, além de favorecer a melhoria
dos indicadores de bem-estar das populações das regiões menos desenvolvidas do
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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Norte e do Nordeste, e ainda em sub-regiões pobres das regiões mais desenvolvidas
do país – nos entornos das grandes metrópoles nacionais ou em áreas como a do
Vale do Jequitinhonha, por exemplo.
As políticas de educação e saúde têm sido as mais reiteradas quando se fala
do debate sobre impactos territoriais positivos de políticas públicas implícitas
(Brandão, 2020). O volume de recursos alocado para essas áreas é muito signicativo
e a forma de alocação, por meio de arranjos federativos de coordenação, tem sido
crucial para que os resultados sejam transformadores.14
Na área de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) se tornou a base da
política. O arranjo federativo segue certa proximidade com o da educação,
baseando-se no nanciamento compartilhado dos entes governamentais, sendo
que o governo federal tem uma participação relevante na transferência de recursos
tributários, no desenho e monitoramento da implementação da política por parte
de governos estaduais e municipais.
Essas políticas públicas apresentaram ampla cobertura territorial de suas
atividades, levando a melhorias consideráveis nos indicadores correspondentes.
Financiadas por recursos crescentes garantidos pelo governo federal para estados
e municípios, as políticas passaram a responder – em conjunto com políticas de
transferência de renda destinadas a camadas vulneráveis da população, como o
programa Bolsa Família – por um verdadeiro renascimento econômico e produtivo
na base da rede urbana nacional. Os efeitos multiplicadores do gasto governa-
mental sobre o nível de atividade e do emprego nos municípios se mostraram
elevados neste período de redemocratização e vigência da CF/1988.
Com desenho e comando das políticas de saúde e educação no nível do
governo federal e a execução descentralizada para estados e municípios, esses arranjos
de políticas garantiram recursos para a ampla base de municípios de pequeno porte
e de atividade econômica em todas as regiões do país. São muitos os estudos que
apontam essa orientação territorial pregurada para beneciar a base da pirâmide
social (Arretche, 2015; Jaccoud, 2021). Em particular, Monteiro Neto e Severian
(2022) mostraram como ao longo do período 1990-2019 o nível de emprego
público – como uma variável proxy da expansão do atendimento básico de saúde
à população – esteve associado à área da política de saúde. Nessa esfera da política,
o emprego público necessário para a expansão dos serviços cresceu nas diversas
14. A consolidação do sistema nacional de educação foi lastreada num fundo próprio de financiamento, o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), instituído pela
Emenda Constitucional (EC) no 14/1996 e regulamentado pela Lei no 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e
pelo Decreto no 2.264/1997, o qual foi transformado posteriormente no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) pela EC no 53/2006 e regulamentado
pela Lei no 11.494/2007 e pelo Decreto no 6.253/2007, com vigência estabelecida para o período 2007-2020.
Com a aprovação da EC no 108/2020, o fundo se tornou permanente e, com o Projeto de Lei no 4.372/2020, foi
devidamente regulamentado.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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regiões do país nas classes de municípios da base da pirâmide populacional, isto
é, abaixo de 20 mil habitantes. Ou seja, a expansão do emprego público foi mais
pronunciada em municípios de menor tamanho de população das regiões Norte e
Nordeste do país, locais geralmente mais pobres e onde os décits nos indicadores
de saúde eram historicamente maiores.
Na presente década de 2020, os orçamentos das políticas de educação e de
saúde, entre outras, continuam tendo forte destinação municipalizada, o que signi-
ca que os impactos territoriais locais permanecem presentes nos municípios na
forma de gastos correntes e salários. Identicar estratégias para expandir o multi-
plicador local dos gastos das políticas sociais em direção ao estímulo de atividades
produtivas deve continuar a ser uma tarefa permanente de políticas regionais.
Nesse debate sobre a necessidade e a relevância de uma agenda de coorde-
nação e articulação de políticas visando gerar o maior impacto positivo sobre o
desenvolvimento territorial, cabe mencionar que existe uma grande oportunidade
para a ressignicação da política regional consubstanciada na expansão recente do
sistema nacional de instituições de ensino superior (IES).
Reconhece-se a longa batalha travada no Brasil no âmbito das políticas pro-
dutivas e regionais nas últimas duas décadas (2000-2019). Seu alvo tem sido a
mobilização de instituições e recursos para alterar o estágio da dimensão tecnológica
e inovativa presente em nossa estrutura produtiva. Reconhecida a trajetória de
retraso tecnológico e do baixo investimento público e privado em inovação, políticas
de CT&I passaram a destinar crescentes esforços e orçamento para estimular o
gasto nacional em inovação.
Em outra perspectiva, ainda em 2004, o governo federal criou, no Ministério
da Educação (MEC), o Programa Universidade para Todos (Prouni) para expandir
o acesso à universidade privada por meio do nanciamento de crédito e bolsas de
estudos. Em 2007, foi a vez do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni), que tinha como objetivo expandir
o sistema nacional de educação superior pela criação de novas unidades de IES
públicas e expansão de matrículas em cursos de graduação em localidades carentes,
além de melhorar e expandir as já existentes. O esforço governamental do período
fez toda a diferença. O quantitativo nacional de matrículas em cursos presenciais
de graduação saltou de 2,7 milhões em 2000 para 5,5 milhões em 2010 e para
6,4 milhões em 2018. O número de IES, por sua vez, foi ampliado de 1.080 uni-
dades em 2000 para 2.378 unidades em 2010 e nalmente para 2.537 em 2018.
A dimensão regional da ampliação das IES a ser devidamente considerada
como norteamento da política levou à signicativa descentralização de unidades
de ensino e de matrículas da graduação correspondentes. As regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, que detinham conjuntamente 28,0% das matrículas
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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nacionais em graduação em 2000, passaram a representar 39,2% em 2018. O
percentual de IES se expandiu em proporções muito parecidas com o das matrículas:
as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tinham 28,3% do total nacional em
2000 e passaram a ostentar 39,3% do mesmo total em 2018 (Macedo et al., 2022).
A expansão do sistema de ensino superior, juntamente com sua descen-
tralização territorial, congura uma capacidade institucional nova favorável ao
desenvolvimento local. A presença de universidades e institutos federais no território
contribui para a potencialização do capital humano necessário ao dinamismo
regional de novo tipo, isto é, aquele baseado em conhecimento e inovação tecnoló-
gica. Se adequadamente aproveitadas e estimuladas por políticas públicas corretas,
essas instituições criam estímulos para a localização e a formação de empresas e
negócios locais diversos. Além de formadora e supridora de mão de obra qua-
licada, a educação superior contribui para maior absorção regional de ideias,
tecnologias e práticas empresariais.
As IES são geridas e nanciadas por recursos do MEC para a consolidação
do ensino superior de qualidade no país. As estratégias internas de alocação
de investimentos e gastos em unidades são próprias do ministério em referência.
Contudo, dadas as características de proximidade do território, de geração de
ideias, de recursos humanos e de trocas de conhecimento, essas instituições podem
ser estimuladas a fertilizar interfaces imediatas com interesses da política regional,
visando ao fortalecimento de arranjos produtivos locais ou de reconversão produtiva
em subáreas cujo potencial produtivo se encontra em decadência, e até mesmo
para ser um elemento crucial para o fortalecimento de uma agenda ambiental em
territórios escolhidos.
A estratégia governamental para a renovação do sistema produtivo nacional,
que contou durante parte dos anos 2000 e 2010 com a participação de impor-
tantes instituições como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do MCTI
e o BNDES como braço de nanciamento produtivo, poderá voltar a ter papel
relevante dentro da política regional. O programa de apoio a arranjos produtivos
locais, o Rotas da Integração Nacional, cujo objetivo é apoiar e consolidar arranjos
produtivos territoriais em cada uma das Grandes Regiões do país (ver capítulo 2
deste livro, de Adriana Melo Alves e Vitarque Lucas Paes Coêlho), poderá contar
com o suporte mais aproximado dos saberes gerados nas IES e ter como mecanis-
mo de nanciamento os bancos públicos regionais (Banco do Nordeste e Banco da
Amazônia) da PNDR por meio de linhas de crédito apropriadas às realidades e
necessidades destes “arranjos”.
A PNDR, entre outras políticas públicas, terá, nos próximos anos, a possibi-
lidade de diversicar seu portfólio de programas e ações estratégicas muito além
da orientação exclusiva ao barateamento do investimento em capital físico regional
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
60
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(infraestruturas e empreendimentos privados) para passar a atuar de maneira ino-
vadora no estímulo a projetos que associem o conhecimento gerado nas IES com
a necessidade de inovação tecnológica de produto e processo no setor empresarial
local. Em outros termos, a PNDR poderá se dedicar, para além da alocação de
recursos em empreendimento privados com pacotes tecnológicos predenidos,
a investir no desenvolvimento e no espraiamento da capacidade endógena de
inovação em territórios locais.
4.4 Instrumentos da PNDR: repensando usos e aplicações para os Fundos
Constitucionais de Financiamento (FCFs)
A discussão sobre políticas seletivas visando promover orientações de apoio a alvos
especícos, de indústrias, tecnologias e empresas a territórios escolhidos, está dei-
xando de ser um tabu na literatura econômica. O ambiente recessivo prolongado
das últimas duas décadas (2000-2020), caracterizado pela atuação de forças de
duas crises (a de 2007-2008 e a da covid-19 em 2020), tem permitido a abertura
de novas ideias sobre objetivos e aplicação de políticas públicas industriais, de
inovação e de mudança estrutural, inclusive as explicitamente regionais, nos dois
lados do Atlântico Norte, isto é, na Europa e nos Estados Unidos (Tommaso
et al., 2020; Aiginger e Rodrik, 2020; Bailey, Glasmeier e Tomlinson, 2019;
Mazzucato et al., 2015).
No Brasil, na última década (2010-2019), um número signicativo de
relatórios técnicos e estudos acadêmicos sobre avaliação da aplicação dos recursos
da PNDR foi elaborado, contribuindo para a reexão de problemas recorrentes.
Alguns tiveram como foco a concentração/desconcentração espacial dos recursos,
outros se centraram no retorno nanceiro das aplicações bancárias e no seu grau
de inadimplência, e outros ainda discutiram se os objetivos de criação de empregos
e de PIB nos municípios e regiões foram atingidos (Brasil, 2018; Resende, Silva e
Silva Filho, 2015).
Entretanto, pouca reexão foi realizada sobre os usos e destinações dos prin-
cipais instrumentos de nanciamento da política regional explícita – o FNO,
FNE e FCO estabelecidos pela CF/1988 – na perspectiva da realização da mudança
estrutural regional, isto é, de como a composição setorial, a produtividade e a
capacidade inovativa das regiões poderiam ser transformadas para colocar as regiões
beneciárias em trajetória de crescimento sustentado no tempo.
Vale relembrar que os FCFs são nanciados pela destinação anual de 3%
da arrecadação nacional do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o
mesmo percentual para arrecadação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física
(IRPF) e do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Na fase inicial
de sua criação, o volume anual de recursos destinado a cada macrorregião foi de
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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61
pequena monta. Durante a primeira década de operação, cada um dos FCFs não
ultrapassou 0,5% do PIB em cada uma das três regiões. Contudo, como os recursos
têm se acumulado ano após ano, sua trajetória tem sido crescente, tornando-se
uma fonte signicativa e segura para o nanciamento de operações empresariais
privadas nas regiões onde atuam.
Dados coletados para o período recente de 2000 a 2019 mostram que os
três fundos somaram a signicativa quantia acumulada de R$ 467,4 bilhões (a
preços de 2019) em valores contratados. O montante anual do valor contratado
nas três regiões passou da marca de R$ 6,0 bilhões em 2000 para R$ 50,0 bilhões
em 2019, evidência de como o instrumento se tornou emblemático para a PNDR
no período. Como proporção das economias regionais, os fundos representavam
menos de 1% do PIB em cada região no início do século e agora já superaram esse
patamar: na região Norte, os percentuais passaram, respectivamente, em 2000 e
2019, de 0,9% para 1,8% do PIB; nos mesmos anos, os percentuais observados
no Nordeste foram de 0,1% e 2,6% do PIB regional; e, por m, o percentual foi
de 1,1% do PIB no Centro-Oeste nos dois anos referidos.15
Alguns problemas associados à aplicação dos FCFs, entretanto, são dignos
de reexão. Em primeiro lugar, os fundos são recursos de crédito do sistema
nanceiro – geridos por bancos regionais de desenvolvimento, nos casos do Norte
e do Nordeste, e pelo Banco do Brasil, no Centro-Oeste – destinados exclusiva-
mente ao setor empresarial privado. Sob essa perspectiva, a aplicação dos recursos
em cada momento é comandada predominantemente pelo perl da demanda
por crédito realizada pelo setor privado das regiões. Como consequência, surgem
diculdades para a indução de atividades portadoras de elevado valor adicionado
ou que apresentem forte capacidade de propagação e indução do gasto privado no
interior da estrutura produtiva regional.
Em segundo lugar, a atual composição setorial dos valores contratados
merece uma reexão sobre sua possível contribuição à diversicação produtiva e
sua capacidade de gerar efeitos multiplicadores. Em termos da destinação setorial
de todas as três fontes de aplicações, o quadro atual se apresenta da seguinte maneira
nas últimas duas décadas: 47,6% para a agropecuária; 23,1% para serviços e
comércio; 17,0% para indústria; e 12,3% para infraestrutura.
15. Silva e Monteiro Neto (2022) sugerem que o efeito multiplicador de cada R$ 1,00 financiado pelos FCFs pode variar
conforme a tipologia de atividade beneficiada, o tamanho do empreendimento e se o recurso se destina a custeio ou
investimento. Contudo, os autores constroem algumas hipóteses para o multiplicador que permitem imaginar que para
cada R$ 1,00 financiado o tomador possa aportar na hipótese A o montante adicional de R$ 0,25, na hipótese B a
adição seria de R$ 0,50, ou, ainda, na hipótese C, o acréscimo seria de R$ 1,00 de recursos próprios (lucros retidos ou
poupança prévia). Considerando a existência de condições favoráveis para que a hipótese mais otimista prevalecesse
(hipótese C), então, os FCFs teriam sido capazes de alavancar em 2019 até, aproximadamente, 3,6% do PIB na região
Norte; para a região Nordeste, a proporção seria de 5,2% do seu PIB; e na região Centro-Oeste, 2,2% do seu PIB.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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O perl setorial das aplicações foi observado, com poucas variações, nas
três regiões-alvo. No conjunto do período 2000-2019, as aplicações na região
Centro-Oeste apresentaram forte destinação para atividades da agropecuária,
assumindo 63,8% no total. Na região Norte, o FNO destinou o equivalente a
53,5% do total para a agropecuária. Somente na região Nordeste a agropecuária
demandou menos de 50% do total disponível; nessa região, o percentual chegou
a 38,6% do total.
O setor de serviços e comércio é o que mais capta recursos depois da agro-
pecuária, tendo apresentado as seguintes participações relativas: 26,5% do total
na região Norte, 23,5% no Nordeste e 20,1% no Centro-Oeste. A indústria,
por sua vez, observou fraca capacidade de captação de recursos da política regio-
nal, com estes percentuais: 19,3% no Norte, 18,5% no Nordeste e 12,1% na
região Centro-Oeste. Uma novidade no quadro de aplicações é o nanciamento
da infraestrutura, que, no Nordeste, atingiu o elevado e destacado percentual de
19,0% do total. Na região Norte, a infraestrutura representou apenas 0,6% do
total e, no Centro-Oeste, 4,1%.
Ainda que atividades de infraestrutura estejam ampliando sua participação
na demanda por recursos no período recente, não está claro que os FCFs estejam
sendo utilizados para lograr a diversicação produtiva regional. Pelo contrário, o
apelo das atividades agropecuárias ligadas a commodities nos estados que compõem
o Matopiba é crescente e vem operando para aumento da especialização regional.
Por m, observa-se também que o principal instrumento da PNDR tem
sido crescentemente capturado para nanciar atividades de reconhecido baixo
poder multiplicador intersetorial sobre as economias regionais: as atividades agro-
pecuárias e de serviços e comércio, conforme estudos de matriz insumo-produto
regionais têm corroborado.
Dada a atual magnitude alcançada pelos recursos e sua relevância para o
nanciamento do nível de investimento regional, surge a necessidade de opera-
cionalizar indicações setoriais visando a uma estratégia de expansão sustentada do
valor adicionado bruto e do conteúdo tecnológico na estrutura produtiva regional.
Para tal, a atração e/ou estímulo à implantação de atividades produtivas ainda
não existentes nas economias regionais deve ser um dos objetivos centrais. Outro
objetivo desejável é a indução por meio de linhas de nanciamento para estímulo
de processos de inovação endógenos em sub-regiões capazes de contribuir para a
renovação do tecido produtivo preexistente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo trazer para o leitor interessado nas questões
do desenvolvimento e da política regional brasileira uma perspectiva abrangente
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
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63
de processos políticos, econômicos e institucionais externos e internos à política
considerados mais marcantes nas últimas duas décadas e que guardam elementos
dos desaos mais signicativos para a sua implementação no horizonte da década
em curso.
Inicialmente, foi considerada a existência de um ambiente consolidado de
múltiplas crises (econômica, política e ambiental), que tem recongurado nega-
tivamente expectativas de agentes econômicos externos e internos quanto a suas
intenções de investimento em países em desenvolvimento, inclusive no Brasil.
Esse cenário mundial adverso deverá permanecer por muitos anos, tornando-se,
portanto, um elemento a ser observado e perante o qual as estratégias nacionais
de governos e do setor privado deverão se posicionar permanentemente. Nesse
contexto favorável a posições conservadoras e aversas ao risco para agentes de
decisão, a armação de políticas nacionais de desenvolvimento se torna mais relevante
e deve ser vista como um requerimento para as nações que querem garantir
presença relevante nas arenas de coordenação de esforços do desenvolvimento no
mundo contemporâneo.
As políticas públicas com impactos territoriais se tornam imprescindíveis
nessa estratégia nacional de saída para as crises globais. Elas contribuem para
conter movimentos abruptos em direção ao aumento de desigualdades e rupturas
políticas, ao mesmo tempo em que disponibilizam e colocam em ação recursos
materiais, naturais e de população presentes no interior do território, os quais
muitas vezes se encontram inativos ou em situação de desemprego crônico.
No âmbito nacional, a preocupação está na reconguração territorial das
atividades produtivas em curso. A transformação produtiva de caráter regressivo,
na qual atividades industriais robustas e com alto potencial multiplicador inter-
setorial e inter-regional perdem espaço para atividades agropecuárias e terciárias
(ainda) pouco capazes de levar adiante uma trajetória crescente de valor agregado
e ganhos de produtividade, deve ser motivo de atenção não apenas das políticas
produtivas e tecnológicas nacionais, mas também da política regional explícita.
A PNDR deve ser, tanto quanto possível, uma parte relevante da concertação
de políticas públicas, acionada para o esforço de modicação estrutural da economia
nacional. Para tal, suas fragilidades internas apontadas neste trabalho terão que
ser revistas e superadas. Alerta-se, entre tantos aspectos, sobre a recorrência de
problemas da baixa legitimidade da política e sobre graves deciências de gestão e
coordenação de objetivos e instrumentos.
A despeito das limitações e insuciências apresentadas, entende-se que
existem capacidades intrínsecas às políticas públicas nacionais e, em particular,
à PNDR que podem ser exploradas em cenário político favorável. A necessária
articulação entre as chamadas políticas territoriais implícitas e explícitas deve ser mais
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
64
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intensamente trabalhada. Os impactos positivos de uma ampla gama de políticas
sociais, por exemplo, que favorecem a expansão econômica em municípios na base
da estrutura urbana brasileira, têm sido memoráveis e um caminho a ser reiterado.
Diante das limitações observadas, a PNDR deveria considerar a superação
de gargalos e trajetórias indesejáveis nos próximos anos. Para isso, deve partir
da orientação para realizar uma mudança estrutural em direção a objetivos de
consolidação de uma base territorial dotada de elevado potencial para inovação
tecnológica, para aumento da produtividade média dos setores produtivos e
para a transição para uma matriz ambientalmente sustentada. Diretrizes podem
ser tomadas como ponto de partida, conforme a seguir descrito.
• Orientar-se por uma estratégia de mudança estrutural nas regiões em
que se combinam simultaneamente: a busca de maior valor agregado
e/ou o aumento da complexidade econômica e a ampliação da diversidade
de atividades produtivas para escapar do excesso de reespecialização em
atividades intensivas com recursos naturais (commodities agrominerais)
danosas ao meio ambiente.
• Os bancos públicos regionais, pelo volume de recursos atualmente à
disposição e pela capilaridade sub-regional de sua presença, devem
ser encorajados a identicar e apoiar, além das já beneciadas, outras
atividades com potencial incorporado de conhecimento e inovação, assim
como investir naquelas ligadas ao paradigma da transição energética e
sustentabilidade ambiental.
• A atuação em perspectiva multiescalar deve continuar a ser eixo das
políticas territoriais, uma vez que os processos de reconguração do
espaço continuam a se apresentar em múltiplas faces e ritmos, como
pôde ser observado no mapa das AIRs e AIPs brasileiras.
• A expansão relativa do potencial econômico dos municípios na base
da hierarquia urbana deverá permanecer no horizonte próximo
demandando da política pública tanto infraestruturas sociais quanto
nanciamento público para atividades produtivas de pequena escala
com envolvimento de pequenos e médios produtores.
• O potencial instalado de conhecimento no ensino superior e na
pós-graduação passível de ser transferido ao sistema produtivo nas regiões
cresceu signicativamente nas últimas duas décadas. As regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste já apresentavam em 2018 cerca de 38% da totali-
dade nacional de IES bem como do número de matrículas realizadas –
apesar dos retrocessos vericados no último período de 2019 a 2022 –, o
que deverá facilitar a execução de estratégias de desenvolvimento cientíco
e tecnológico voltadas à inovação nos sistemas produtivos regionais.
Políticas Territoriais em Tempos de Múltiplas Crises: desafios
e perspectivas para o Brasil na década de 2020
|
65
• O tema da governança no âmbito da PNDR necessita adquirir maior
centralidade em qualquer retomada da política. O debate conceitual e
metodológico deve, de um lado, se abrir para novas perspectivas vindas
dos estudos da administração pública, visando à superação de entraves
de coordenação e implementação ainda existentes; de outro lado, a
capacidade de proposição de alternativas deve ser incentivada.
• Deve-se fortalecer as superintendências regionais como pontes para
desenhar estratégias e coordená-las, no âmbito de suas áreas de
atuação, e, em particular, preparar tais instituições para atacar, em
colaboração federativa, o enorme décit institucional existente nos
governos subnacionais.
• A legitimidade da política demanda o acionamento de grupos de
beneciários mais amplos, que dela se utilizam, mas pouco a conhecem.
Dessa forma, arranjos de participação social e outros meios de
disseminação das estratégias da PNDR como vetores de enfrentamento
ao problema da desigualdade devem compor uma agenda imediata
de governo.
• Há a necessidade de se elaborar um marco metodológico que incorpore
a complexidade e o alcance do problema das desigualdades regionais
como forma de subsidiar um processo de aproximação com as unidades
do Estado brasileiro responsáveis pela etapa de avaliação da PNDR.
• Encorajar a burocracia governamental atuante no tema territorial a
inovar e desenhar programas e ações consentâneos, oferecendo, desse
modo, contornos mais claros para aquilo que está consignado no
Decreto no 9.810, de 30 de maio de 2019, sobre os caminhos desejáveis
que o Estado brasileiro deve percorrer para enfrentar as desigualdades
regionais nas suas diversas escalas.
Questão central para o exercício da política pública é a sua legitimidade.
Em conjunturas ou ambientes muito conturbados, nos quais as condições ele-
mentares para a tomada de decisão não se encontram disponíveis ou estão sendo
violentamente contestadas, como tem sido nessas últimas duas décadas de crises
simultâneas, o esforço político (politics) para recuperar a política pública (policy)
deve inicialmente centrar-se em sua legitimidade e sua representatividade.
As transformações recentes observadas por teóricos da ciência política sobre a
democracia são imprescindíveis para analisarmos com cautela os rumos das agendas
governamentais formadas nesse contexto. Pensadores dedicados ao tema nos países
europeus, embora com interpretações distintas sobre o fenômeno, consideram
que as crises da democracia liberal observadas com a ascensão de políticos de
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
66
|
extrema direita, como Viktor Orbán na Hungria, Donald Trump nos Estados
Unidos, Recep Erdoğan na Turquia e Rodrigo Duterte nas Filipinas, entre outros,
não são fenômenos isolados, mas representam alterações profundas na forma de
relacionamento dos cidadãos com a política.
No Brasil, as análises realizadas, somadas aos dados apresentados pelo Lati-
nobarômetro, são indicativos importantes que demonstram: i) um afastamento
signicativo dos brasileiros do mundo da política; ii) uma descrença na representati-
vidade; e iii) uma insatisfação crescente com a democracia. Tais questões levantam
dúvidas sobre a condução de políticas em geral e em particular das territoriais,
as quais vinham até pouco tempo atrás sendo processadas dentro de uma lógica
participativa, calcada em valores de controle social, especialmente as relacionadas
com as desigualdades regionais.
Reformas estruturantes do período recente de turbulências político-partidárias,
como a da previdência, a trabalhista e a chamada de Teto dos Gastos, têm contribuído
para inviabilizar o desenho institucional em que se assentavam as políticas – ora as
de propósito mais universalizante, como as voltadas para pessoas (transferência de
renda e as sociais), ora as destinadas a territórios escolhidos – para a diminuição
da desigualdade. O arcabouço legal longamente discutido no processo constituinte
e, por m, consagrado pela CF/1988 para a implementação de políticas públicas
tem se deparado desde 2015 com um ambiente político-institucional de ameaças
e contestações à sua continuidade e existência, sendo a paralisia decisória ou o
desmonte premeditado suas expressões mais visíveis.
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CAPÍTULO 2
A PNDR E SEU MOMENTO ATUAL: AGENDAS ESTRATÉGICAS,
PLANOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO E ROTAS DE
INTEGRAÇÃO NACIONAL
Adriana Melo Alves1
Vitarque Lucas Paes Coêlho2
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo avalia a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR)
desde sua primeira versão, lançada em 2007 pelo Ministério da Integração Nacional
(MI), e seu processo de revisão, por meio do Decreto no 9.810/2019 (Brasil, 2019a).
Neste segundo momento, a política regional teve sua responsabilidade atribuída
ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), órgão criado em 2019 a
partir da fusão entre o MI e o Ministério das Cidades (MCID).
Será destacado o esforço do Grupo de Trabalho (GT) liderado pelo MI em
2018, que validou a proposta de revisão da PNDR, com base nas contribuições da
I Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional (CNDR) (Brasil, 2012),
e apoiou as superintendências de desenvolvimento regional – Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Superintendência do Desenvol-
vimento do Nordeste (Sudene) e Superintendência do Desenvolvimento do
Centro-Oeste (Sudeco) – na elaboração das suas agendas e planos macrorregionais
de desenvolvimento.
Este trabalho analisa o desenho geral da PNDR, seus objetivos, princípios
e estratégias, dando atenção especial aos planos de desenvolvimento regional –
Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia Legal (PRDA), Plano Regional
de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE) e Plano Regional de Desenvolvi-
mento do Centro-Oeste (PRDCO) – e à estratégia da PNDR de estruturação
de sistemas produtivos e inovativos desenvolvida a partir da iniciativa Rotas de
Integração Nacional (Rotas).
1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em
Serviços Públicos; e doutora em geografia e produção do espaço urbano, rural e regional pela Universidade de Brasília (UnB) .
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em
Serviços Públicos; e doutor em economia aplicada (desenvolvimento econômico, espaço e meio ambiente) pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
72
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Constata-se que, apesar das proposições tecnicamente consistentes em termos
de desenho de política pública (policy), a PNDR precisa avançar na sua institu-
cionalização para a materialização de suas estratégias, adquirindo visibilidade e
agenda nos centros de decisão política (politics), sob pena de seu esvaziamento, tal
como ocorrido em sua primeira versão.
2 A PRIMEIRA VERSÃO DA PNDR (DECRETO NO 6.047/2007)
Conforme Portugal e Silva (2020), historicamente as iniciativas de planejamento
e implementação de políticas de desenvolvimento regional no Brasil estiveram
associadas a preocupações com a ocupação dos vazios territoriais e à redução das
desigualdades regionais. As políticas regionais estiveram no centro da agenda
nacional entre as décadas de 1950 e 1970, o período desenvolvimentista, passando
por um enfraquecimento paulatino durante toda a década de 1980, em meio à
crise scal e nanceira do Estado.
Sempre presente no meio acadêmico, o debate sobre política regional foi
retomado na agenda pelo governo federal somente no nal dos anos 1990,
com a criação do MI, por meio da Medida Provisória no 1.911-8, de 28 de julho
de 1999. O MI acumulou as competências da extinta Secretaria Especial de
Políticas Regionais, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão (MPOG).
Em 2003, é apresentada a proposta original da PNDR pelo MI, sob orientação
da economista Tânia Bacelar, no início do governo Lula. No comando da Secre-
taria de Políticas Regionais do MI, Bacelar formulou uma proposta de política
regional voltada a pensar e agir um Brasil heterogêneo e diversicado, tratando
como potencialidade (e não como problema) a vasta diferenciação interna – social,
cultural, ambiental e econômica – deste país continental.
Segundo o Decreto no 6.047, de 22 de fevereiro de 2007 (Brasil, 2007), que
institui a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, o objetivo estabelecido
para a PNDR foi a “redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões
brasileiras e a promoção da equidade no acesso a oportunidades de desenvolvi-
mento”, atendendo ao disposto no inciso III do art. 3o da Constituição, que cita
a garantia do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e
regionais como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
De acordo com as premissas da PNDR, a redução das desigualdades regionais e
o aproveitamento do potencial produtivo do Brasil requerem uma política regional
aliada a um projeto nacional de desenvolvimento, mediante o qual o potencial
e a diversidade das regiões sejam aproveitados e dinamizados, promovendo-se,
simultaneamente, a integração nacional e uma gradual convergência de renda
entre regiões.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
|
73
Todavia, mesmo após sua institucionalização pelo Decreto no 6.047/2007
(quase quatro anos após a apresentação formal da política), a PNDR seguiu sem
instrumentos substantivos de execução, seja do ponto de vista orçamentário,
institucional ou organizacional. Acrescente-se a isso uma aparente falta de “vontade
política” por parte das lideranças regionais para sua viabilização (Coêlho, 2014).
Durante o governo Lula (2003-2010), o Brasil experimentou uma demanda de
consumo ampliada, notadamente nas classes de mais baixa renda, com o cresci-
mento de uma estrutura de produção e serviços voltada para o atendimento local
dessa demanda. Esse movimento, aliado à execução de projetos de grande porte
por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sobretudo no setor
de infraestrutura, resultou em maior expansão do emprego e da renda nas tradicionais
periferias nacionais.
Guimarães Neto (2011) comenta que as aplicações previstas pelo PAC para
o Norte e o Nordeste representam percentuais maiores que o total da participação
do produto interno bruto (PIB) dessas regiões no produto nacional, como pode
ser comprovado na tabela 1, o que representou tentativa de desconcentração
produtiva pelo governo federal, baseada no investimento público e na indução do
investimento privado.
Na tabela 1, a seguir, a coluna intitulada Logística se refere aos transportes
(rodovias, ferrovias e hidrovias); a coluna Energética está relacionada à geração,
transmissão e distribuição de energia; e a coluna Social e urbana diz respeito à
habitação, saneamento, acesso à água e equipamentos urbanos (transporte, asfal-
tamento, sinalização, iluminação, entre outros).
TABELA 1
PAC 1: distribuição regional dos investimentos (2007-2010)
(Em %)
Região Logística Energética Social e urbana Total
Norte 13,1 7,5 5,9 7,3
Nordeste 24,5 20,0 17,8 19,4
Sudeste 37,5 57,8 53,8 53,6
Sul 13,6 9,0 14,4 12,1
Centro-Oeste 11,3 5,7 8,2 7,6
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Elaboração dos autores.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
74
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No governo Lula, a melhoria dos indicadores regionais de produção e emprego
decorreu predominantemente de políticas macroeconômicas (aumento do salário
mínimo e expansão do crédito para investimento e consumo), políticas setoriais
(PAC) e sociais (programa Bolsa Família, previdência rural), que beneciaram
assimetricamente as regiões mais atrasadas. Em outras palavras, essas políticas
regionais “implícitas” responderam pelo desempenho superior das regiões mais
pobres do país durante o governo Lula, em termos de geração de emprego e renda.
Ora, em um cenário de crescimento mais acelerado das periferias nacionais,
perdeu força o apelo político da questão regional. Diferentemente da situação
que deu origem à Sudene, em 1958, quando o agelo das secas comoveu o país
e demandou o enfrentamento da questão regional nordestina com a criação da
Sudene, ao nal do governo Lula certas regiões do Nordeste crescem a “taxas
chinesas” (Karam, 2012). Assim, o sucesso destas políticas regionais implícitas
resultou no enfraquecimento de uma política regional “explícita”, como a PNDR.
Os programas setoriais e temáticos em curso teriam “solucionado” a questão
regional brasileira (Coêlho, 2014).
Em que pese o mérito da PNDR em viabilizar o avanço da temática
territorial/regional nos documentos das secretarias de governo e agências de
fomento – inclusive nas esferas subnacionais –, as instituições com mandato espe-
cicamente regional, como o MI e suas superintendências regionais, não contaram
com instrumentos adequados ao enfrentamento das desigualdades regionais
brasileiras. A operacionalização da política foi em grande parte comprometida
pelo fracasso na aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
(FNDR), potencial funding da PNDR. O FNDR estava previsto no âmbito dos
malogrados projetos de reforma tributária apresentados pelo Executivo federal
no período e seria uma compensação pelo desejado m da “guerra scal” entre as
Unidades da Federação (Coêlho, 2014).
Vale destacar também o relatório emitido pelo Tribunal de Contas da União
(TCU) a respeito da PNDR (TCU, 2009). O TCU elegeu o desenvolvimento
regional como um tema de maior signicância no período 2009-2010 e realizou um
conjunto de auditorias com o objetivo de conhecer a PNDR, os instrumentos da polí-
tica e seus mecanismos de nanciamento, que englobaram cerca de R$ 20 bilhões
em cada exercício estudado, considerando-se, além dos recursos orçamentários
diretamente associados à política, os fundos constitucionais e de desenvolvimento
regional e os incentivos scais. Entre as conclusões do TCU, destacam-se: i) falhas
no direcionamento de recursos em relação às diretrizes e prioridades estabelecidas
pela PNDR; ii) ausência de indicadores e metas quantitativas, inclusive para dire-
cionar a distribuição de recursos por regiões prioritárias da PNDR; e iii) falhas
relacionadas à falta de estrutura ou processos de trabalho para o desempenho da
missão institucional das entidades vinculadas à execução da PNDR.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
|
75
Almeida, Silva e Resende (2006) e Menezes (2009) relatam que a atuação
dos fundos constitucionais e dos incentivos scais resultou na ampliação das
desigualdades intrarregionais no interior das macrorregiões beneciadas. Com
efeito, a demanda qualicada por crédito e por incentivos scais tende a ser mais
acentuada nas sub-regiões mais dinâmicas – sobretudo no entorno das capitais e
enclaves exportadores.
Para sanar tais problemas, o TCU emitiu o Acórdão no 2.919/2009 (TCU,
2009), com uma série de recomendações à Casa Civil da Presidência da República,
ao MI e ao MPOG, no sentido de se construir maior aderência dos instrumentos de política
regional à PNDR, porém pouco se avançou nesse sentido. A PNDR seguiu como
uma política sem instrumentos, como recursos orçamentários relevantes ou gestão
efetiva sobre os fundos constitucionais, fundos de desenvolvimento e incentivos
scais (Coêlho, 2014).
Lembramos ainda que os fundos regionais representam crédito ao setor
produtivo, devendo ser reembolsados, ainda que sob uma taxa de juros subsidiada
e bônus de adimplência; este crédito está essencialmente voltado ao empreendedor
privado. Entendemos, entretanto, que uma PNDR envolve um conjunto de
questões que transcendem a perspectiva do empreendedor.
Para o desenvolvimento regional são necessárias ações estruturantes e comple-
mentares, tais como provisão de infraestrutura, formação prossional e apoio à
ciência, tecnologia e inovação (CT&I), regulamentações e certicações, regularização
fundiária, entre outras. O desenvolvimento de sistemas econômicos complexos
exige uma interação precisa (timing) de decisões e investimentos públicos e
privados para a provisão de condições materiais requeridas para o sucesso dos
empreendimentos planejados (Rocha Neto, 2012). Em regiões de baixa renda,
tais iniciativas de desenvolvimento econômico podem apresentar taxas internas
de retorno inicialmente negativas, o que justica a necessidade do investimento
público inicial, como forma de induzir a participação do investimento privado,
como no caso bem-sucedido do Polo de Irrigação Petrolina-Juazeiro (Pernambuco
e Bahia, respectivamente) iniciado na década de 1960.
Por meio do investimento público na implantação de barragens, adutoras
e sistemas de irrigação pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf ), juntamente com as soluções de pesquisa,
desenvolvimento e inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), somadas à qualicação da infraestrutura regional de energia, trans-
porte aéreo e rodoviário e atração de traders para comércio exterior, formaram-se as
condições para o estabelecimento de um dos maiores polos exportadores de frutas
do país, em pleno Semiárido, hoje liderado por capitais privados. Nas últimas
décadas, o polo (cluster) Petrolina-Juazeiro já avançou em produtos de maior valor
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
76
|
agregado, como sucos e vinhos, e tem se estabelecido como centro de turismo
cientíco e de negócios, consolidando-se no século XXI como um dos principais
centros urbanos da região Nordeste, fora do tradicional contexto das capitais lito-
râneas tipicamente mais dinâmicas.
Desde logo essas intervenções integradas, essenciais à mobilização de pro-
cessos de desenvolvimento regional, excediam as competências especícas do MI,
órgão setorial responsável pela PNDR. Essas ações poderiam ser mobilizadas a
partir de acordos de cooperação horizontais – no âmbito do governo federal – e
verticais – em acordo com os entes federados – ou parcerias público-privadas, de
modo a fomentar adensamentos da atividade produtiva nos espaços priorizados
pela PNDR, conforme previsto nas competências da Câmara de Políticas Regionais
(CPDR), sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República, criada
pelo Decreto no 4.793, de 23 de julho de 2003, mas cuja atuação foi breve e
rapidamente descontinuada.
Para Alves e Rocha Neto (2014), a política regional brasileira foi instituída na
ausência de consensos no aparato governamental (seja horizontalmente, no âmbito
dos distintos órgãos do governo federal, seja verticalmente, em diferentes níveis fede-
rativos) e de estratégias coordenadas de implementação. Embora tenha sido bem for-
mulada e com proposições tecnicamente consistentes, a PNDR não conseguiu se es-
tabelecer, por conta de características estruturais do Estado brasileiro (Coêlho, 2014).
Conforme Rocha Neto (2012), o que se iniciava com dispositivos legais e
compromissos assumidos evoluía para uma operacionalização fragmentária, sem
coordenação ou resultados efetivos. Durante a vigência da primeira versão da
PNDR, a agenda política nacional foi dominada por projetos políticos regio-
nalistas e setoriais, o que interditou um projeto nacional de desenvolvimento e
também uma PNDR. Sem essa orientação, os instrumentos nanceiros da política
regional seguiram “a reboque” das demandas setoriais, mormente em setores
intensivos em recursos naturais e de baixo conteúdo tecnológico.
A investigação realizada demonstrou que as diculdades de coordenação ver-
tical e horizontal de políticas públicas que contaminam o aparato governamental
brasileiro comprometeram a coordenação das políticas públicas intersetoriais reque-
ridas para a implementação da primeira versão da PNDR no Brasil (Coêlho, 2014).
3 A CNDR E A NOVA PROPOSTA DA PNDR
Em 2012, é reiniciado o esforço de reconstrução da política regional brasileira, por meio
da I CNDR, concluída pelo MI em 2013. Conforme o texto de referência da CNDR,
frente aos novos delineamentos da globalização, que atualmente se pautam no
novo paradigma da economia do conhecimento, com produção exível de bens
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
|
77
diferenciados e alta tecnologia, amplia-se a importância do território, visto que
o processo de inovação é fortemente dependente de atributos e interações nele
enraizadas (Brasil, 2012).
No contexto da CNDR, surge a proposta da PNDR II, que também
invocou o princípio da valorização da diversidade territorial, ambiental, social,
cultural e econômica, conforme sua versão original. A diversidade é considerada
um ativo das regiões e, ao mesmo tempo, um fator-chave para a promoção de
seu desenvolvimento. A partir da combinação de competitividade e equidade no
desenvolvimento produtivo, pretende-se valorizar, como vantagem competitiva
nacional, as potencialidades das capacidades produtiva e criativa de cada território,
do patrimônio natural e cultural e da diversidade regional (Brasil, 2012).
De acordo com Alves e Rocha Neto (2014), a PNDR II apresenta um mapa
estratégico para o governo federal, para as superintendências de desenvolvimento
e para os governos estaduais, com o intuito de que os investimentos em serviços
públicos de qualidade, provisão de infraestrutura e estruturação de sistemas
produtivos e inovativos locais incentivem a constituição de novas centralidades.
A partir dos estudos e debates que tiveram lugar na CNDR, o MI apresentou os
objetivos principais da PNDR II.
O primeiro objetivo estratégico da PNDR II foi denido como convergência,
visando reduzir as diferenças no nível de desenvolvimento e na qualidade de vida
entre regiões e intrarregionalmente e promover a equidade no acesso a oportu-
nidades de desenvolvimento. A convergência é considerada o objetivo maior da
PNDR, pois, mediante a promoção da equidade no acesso a oportunidades de
desenvolvimento, deve ser fortalecida a coesão econômica, social, política e territo-
rial do país.
Pela convergência não se propõe a igualdade dos níveis de desenvolvimento
das regiões, mas a diminuição das exorbitantes discrepâncias que fragmentam o
território brasileiro e condenam à exclusão parcelas signicativas da sociedade,
deixadas à margem dos processos de desenvolvimento. A coesão territorial deve
ser reconhecida como parte essencial da coesão econômica, social e política da
nação, não apenas no que tange à inclusão dos territórios e suas populações no
acesso aos frutos do desenvolvimento, mas no reconhecimento das potencialidades
e na valorização das capacidades de cada território, de seu patrimônio natural e
cultural, da diversidade local e regional como riqueza e importante vantagem
competitiva para o país.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
78
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MAPA 1
Tipologia territorial PNDR II (objetivo 1: convergência)
Fonte: Brasil (2012).
Obs: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
O segundo objetivo proposto foi promover a competitividade em regiões que
apresentam declínio populacional e elevadas taxas de emigração decorrentes de
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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79
sua baixa capacidade de geração de oportunidades de emprego e renda e deciente
oferta de serviços essenciais. Tais regiões, ainda que não sejam necessariamente
caracterizadas como de baixa renda, vêm perdendo dinamismo, como no caso da
metade sul do Rio Grande do Sul. O objetivo 2 mira também partes do Norte e
do Nordeste com histórico de exclusão e precária oferta de serviços.
Conforme diagnóstico realizado (Brasil, 2012), certas áreas tradicionais de
expulsão populacional reverteram parcialmente essas tendências e se constituíram
como focos de atração de investimentos e migrações, sobretudo as sub-regiões
que apresentaram forte crescimento recente, como os vales úmidos dedicados ao
agronegócio e capitais e centros urbanos de porte médio na região Nordeste, além
do entorno de grandes obras de infraestrutura e complexos agrominerais na região
Norte. São necessárias, portanto, políticas de reestruturação, diversicação e
integração econômica, com foco em atividades inovadoras e portadoras de futuro,
com potencial de incorporação de micro, pequenos e médios empreendimentos
agrícolas, industriais e de serviços, no sentido de recuperar o dinamismo e a capaci-
dade de retenção de população, contribuindo para o aumento da competitividade e
para um desenvolvimento mais equilibrado.
O terceiro objetivo da PNDR II foi a agregação de valor e diversicação
econômica em regiões que apresentam forte especialização na produção de
commodities agrominerais, com baixo valor agregado nas exportações, baixa diver-
sicação econômica, elevada desigualdade social e elevado risco ambiental. As
ações voltadas para tais regiões estão centradas na agregação de valor aos produtos
in natura e na diversicação produtiva. Nesse sentido, trata-se de construir uma
base econômica e um tecido produtivo mais complexo e denso, com maior grau
de inovação tecnológica e potencial de inclusão produtiva.
Estariam contemplados nesse objetivo territórios na região Centro-Oeste
e as novas áreas de expansão da fronteira agrícola no Norte e no Nordeste, que
têm uma dinâmica fortemente associada à produção e à exportação de commodities.
Em geral, os produtos da pauta de exportação dessas regiões se caracterizam pela
baixa agregação de valor e mercados dominados por oligopsônios (reduzido
número de compradores), com preços sujeitos a fortes oscilações no mercado
internacional, baseados em modelos de produção socialmente pouco inclusivos e
que, em geral, embutem elevados riscos e passivos ambientais.
De um lado, pode-se avançar na diferenciação de produtos, na utilização
de processos sustentáveis, na incorporação de conhecimento e, consequentemente,
na agregação de valor, explorando-se localmente tanto as oportunidades que se
abrem a montante das cadeias do agronegócio como o desenvolvimento da indústria
de máquinas e equipamentos e toda uma gama de insumos e serviços inovativos
no campo da biotecnologia, tecnologias de informação e comunicação (TICs),
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
80
|
drones, assistência técnica digital, energias renováveis e outros, e também a
jusante, onde se abrem grandes mercados para empresas inovadoras focadas na
diferenciação de produtos agropecuários, serviços de certicação, rastreabilida-
de, logística, comercialização, nanciamento e serviços avançados de TICs –
plataformas de marketplace, agricultora de precisão, food-techs, sistemas digitais
de gestão, entre outros.
O quarto e último objetivo alcança todo o território nacional e está relacio-
nado ao fortalecimento de uma rede de cidades policêntrica, com maior harmonia
entre os diferentes níveis hierárquicos urbanos, identicando e fortalecendo as
centralidades que possam operar em variadas escalas para a desconcentração e
interiorização do desenvolvimento.
Dessa forma, busca a consolidação de uma rede de cidades mais equilibrada,
com maior harmonia entre os diferentes níveis hierárquicos, mediante identi-
cação e fortalecimento de centralidades, em diferentes escalas, operando como
vértices ou elos de uma rede policêntrica em apoio à desconcentração e inte-
riorização do desenvolvimento, promovendo-se uma organização territorial mais
equilibrada (Brasil, 2012).
Para alcançar o objetivo proposto, as iniciativas devem estar voltadas para a
indução e o fortalecimento de novas centralidades, em consonância com as estra-
tégias da política regional, a partir da provisão de infraestruturas de transporte,
energia e comunicações e da estruturação de sistemas produtivos e inovativos locais
e regionais, bem como serviços de qualidade. Devem ser favorecidas a integração e
a complementaridade intra e entre as diversas sub-redes regionais, estimulando o
transbordamento do dinamismo para as suas áreas de inuência.
Para Alves e Rocha Neto (2014), além dos objetivos que indicam as áreas
de atuação, determinadas regiões deveriam ser priorizadas pela PNDR II, como a
faixa de fronteira e o Semiárido. A faixa de fronteira, regulamentada pelo Decreto
no 85.064, de 26 de agosto de 1980, é caracterizada pelos baixos indicadores
sociais e pela precariedade na oferta de empregos e provisão de infraestrutura,
além das questões de ilicitudes (narcotráco e contrabando) e do distanciamento
geográco do centro do país, embora sua posição seja estratégica para a integração
sul-americana. O Semiárido, por sua vez, segue marcado pela vulnerabilidade
das populações rurais e urbanas de mais baixa renda em função da incidência de
fenômenos ambientais extremos, como as secas.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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MAPA 2
Regic Brasil (objetivo 4: rede de cidades)
Fonte: Brasil (2012).
Obs: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
82
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A proposta da PNDR II retoma a questão do FNDR, uma vez que a
insuciência dos recursos orçamentários foi um fator limitante para a PNDR. De
acordo com o documento de referência da CNDR, “os recursos disponíveis foram
muito baixos e com elevada participação de emendas parlamentares; as ações
foram, via de regra, pontuais, difusas e sem continuidade, com baixa capacidade
de transformar a dinâmica regional” (Brasil, 2012).
Conforme destacado por Alves e Rocha Neto (2014), o êxito da PNDR II
exigiria vultosos aportes orçamentários e nanceiros, além de quadros técnicos
qualicados e instituições devidamente estruturadas. Sem embargo, esse rico
debate da política regional foi interditado pela turbulência política e pela crise scal
do segundo governo Dilma, e seria retomado apenas em 2018, como veremos na
seção seguinte.
Embora detida intempestivamente, a agenda proposta pela PNDR II segue
atual no contexto brasileiro, conrmam análises recentes. De acordo com Macedo
e Porto (2021), a partir de estudo realizado sobre a evolução regional do mercado
de trabalho no Brasil (2000-2018), os municípios classicados nos menores níveis
da hierarquia urbana do país foram os que mais ampliaram sua participação no
total das exportações brasileiras, sobretudo com base em commodities agrominerais.
De acordo com os autores, a especialização exportadora desses centros menores
ca visível com o maior crescimento de sua participação nas exportações brasileiras,
bem acima do crescimento de sua contribuição no PIB e no emprego formal.
Os autores apontam um desao para as políticas territoriais: respeitando as
diversidades e especicidades locais, deve-se converter essa imensa capacidade de
produção para o mercado internacional em melhores condições de vida e opor-
tunidades de emprego e renda para suas populações, situadas abaixo dos 10 mil
habitantes. Os núcleos urbanos de menor densidade detêm cerca de um terço
das exportações brasileiras, mas estão entre os níveis de centralidade com pior
infraestrutura urbana, considerando as condições do entorno dos domicílios em
áreas urbanas ordenadas.
Em recente análise sobre território e indústria no Brasil, Monteiro Neto
(2021) informa que a demanda externa para commodities agrícolas permanece
ativa (efeito China), permitindo que a produção primária nacional se mantenha
crescente com efeitos positivos sobre algumas regiões, como o Centro-Oeste e
subáreas do oeste de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, mesmo em um período
de diculdades internas.
O autor arma que a participação de setores intensivos em recursos naturais
e mão de obra barata na indústria cresceu, enquanto a orientação produtiva
para setores intensivos em conhecimento e escala foi reduzida. Monteiro Neto
(2021) informa que o valor da produtividade média do trabalho na indústria
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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(o valor acrescentado bruto – VAB – por empregado formal) caiu, em termos
reais, de R$ 181,4 mil para R$ 149,5 mil entre 2000 e 2015. Identica-se, assim,
uma trajetória de desconcentração espúria, com perda de geração de valor agregado
na indústria brasileira.
O autor avalia que a trajetória de consolidação da especialização em indústrias
ligadas a recursos naturais e intensivas em mão de obra tem contribuído para manter
a estrutura industrial brasileira presa a uma armadilha de baixo crescimento e
baixa produtividade. Além disso, a composição interna da atividade industrial
apresenta um nível maior de insumos e equipamentos importados, favorecendo
um processo acelerado de desindustrialização nacional.
Segundo Monteiro Neto (2021), as mais altas taxas de crescimento observadas
nas indústrias baseadas em recursos naturais e/ou intensivas em mão de obra não
têm trazido impulsos dinâmicos sobre os grupos industriais produtores de bens
de escala ou de tecnologias diferenciadas. Assim, seja pela via de diminuição da
densidade produtiva na indústria de transformação, seja pela ampliação do peso
das commodities agrícolas e minerais na economia nacional, ambos os vetores con-
tribuíram para a redução das relações interindustriais e inter-regionais promotoras
da integração do mercado nacional.
O autor sugere ainda que a política regional poderia contribuir para a ele-
vação da dotação de infraestrutura econômica, visando à maior conexão de mer-
cados intrarregionais, com aumento do VAB por meio do estímulo a indústrias
intensivas em escala e pela melhoria das condições de competitividade dos grupos
consolidados (recursos naturais, intensivos em mão de obra e baseados em escala
de produção), além do estímulo ao fortalecimento de indústrias intensivas em
conhecimento, como as TICs e energias renováveis (solar, eólica, biomassa).
As exigências internacionais de rastreabilidade e sustentabilidade na pro-
dução de alimentos e insumos são oportunidades de investimento que podem
agregar valor e emprego ao segmento agropecuário brasileiro. O atendimento
aos critérios de sustentabilidade e certicação exige mais tecnologia e serviços,
demandando prossionais qualicados e acionando a rede de ciência, tecnologia
e inovação (CT&I) e formação prossional.
O cenário do século XXI apresenta um portfólio de oportunidades de investi-
mentos (fundos públicos e privados) em novos negócios e tecnologias: equipamentos,
insumos, química na, genética, logística, design, embalagens, economia circular
(logística reversa, reciclagem, reuso de água, energias renováveis) e TICs (agricul-
tura de precisão, drones, inteligência articial), incentivando a instalação de gran-
des empresas (âncoras) e pequenas e médias empresas (PMEs), inclusive startups –
empresas de base tecnológica, usualmente desenvolvidas em incubadora de em-
presas presentes em universidades e centros de pesquisa e inovação, como parques
tecnológicos – para a difusão tecnológica de equipamentos e serviços avançados.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
84
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Essas novas tecnologias possibilitam o aumento de eciência no uso de
recursos naturais (água, solo e energia), diminuindo a pressão ambiental de uma
produção extensiva e demandando a prossionalização e a tecnicação de pro-
dutores e prossionais da indústria e serviços, com possibilidades de melhores
salários, condições de trabalho e perspectivas prossionais. Porém, existe um
distanciamento entre a formação técnica e acadêmica disponível e as necessidades
tecnológicas dos setores produtivos, com uma clivagem regional marcante.
Conforme estudo organizado por Figueiredo, Jardim e Sakuda (2022), denomi-
nado Radar AgTech Brasil 2022: mapeamento das startups do setor agro brasileiro,
a distribuição regional das startups voltada ao setor agropecuário (AgTechs) apre-
senta perl descrito a seguir.
TABELA 2
Montante de AgTechs ativas mapeadas (2019-2022)
Região AgTechs em 2022 Total em 2022 (%) Total em 2020-2021 (%) Total em 2019 (%)
Sudeste 1.046 61,4 62,5 65,7
Sul 436 25,6 25,2 23,2
Centro-Oeste 106 6,2 6,0 6,2
Nordeste 89 5,2 4,6 3,5
Norte 26 1,5 1,8 1,5
Total 1.703 100,0 100,0 100,0
Fonte: Figueiredo, Jardim e Sakuda (2022).
Devido à velocidade de evolução das tecnologias digitais, o esforço de quali-
cação prossional exige maior cooperação com o complexo de CT&I e educação
prossional (universidades, institutos federais e Sistema S) para a formação de jo-
vens aptos à utilização e difusão dessas novas tecnologias, com a devida atenção
à disponibilidade regional destes serviços inovadores.
Como visto, ainda se mantém atual a necessidade de avançar nos objetivos
estratégicos de: i) convergência; ii) competitividade; iii) fortalecimento de redes
de cidades; e iv) agregação de valor e diversicação econômica propugnados pela
I CNDR, que foram efetivamente retomados na elaboração da PNDR II, conforme
a seção seguinte.
4 AGENDAS MACRORREGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO E A RETOMADA
DA PNDR
A agenda nacional de debates sobre o desenvolvimento regional foi retomada
somente em 2018, durante o governo de transição Temer. Conforme Colombo
(2021), a Casa Civil da Presidência da República criou três GTs encarregados
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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de resolver questões levantadas pelo TCU em acórdãos relacionados às ações do
governo federal no campo das políticas regionais.
1) GT1 – Avaliação da PNDR.
2) GT2 – Avaliação do Fundo Constitucional de Financiamento do
Centro-Oeste (FCO), do Fundo Constitucional de Financiamento
do Nordeste (FNE) e do Fundo Constitucional de Financiamento do
Norte (FNO).
3) GT3 – Avaliação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do
Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
O GT1 – PNDR procedeu a uma avaliação e sistematização da proposta da
PNDR II, desenvolvida a partir da I CNDR de 2013. Coordenado pelo MI, o
GT1 contou com a participação da Casa Civil da Presidência da República, do
Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), do Ministério da
Fazenda (MF), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da Sudam,
da Sudene e da Sudeco, dos Bancos de Fomento (Banco do Nordeste – BNB,
Banco da Amazônia, Banco do Brasil - BB e Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES) e outros parceiros, e foi o responsável pela forma-
lização do novo marco legal para a segunda fase da PNDR (Brasil, 2018).
Como resultados dos trabalhos do GT1, destacam-se a consolidação da
proposta da PNDR II e o subsídio à elaboração dos planos regionais de desen-
volvimento, por meio da estruturação de agendas para o desenvolvimento das
macrorregiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. As agendas seriam a base para os
posteriores planos de desenvolvimento dessas macrorregiões e para a articulação
de políticas públicas setoriais que contribuíssem para o desenvolvimento regional
e auxiliassem na inserção da agenda regional no processo de elaboração do Plano
Plurianual (PPA) 2020-2023.
As proposições iniciais para as agendas macrorregionais partiram da denição
de apostas estratégicas que sinalizariam as visões de futuro para as regiões Nordeste,
Norte e Centro-Oeste. Essas apostas foram elaboradas por Sudam, Sudene e
Sudeco como orientação para a criação dos planos de desenvolvimento regional,
que deveriam estar alinhados à nova PNDR. As apostas estratégicas foram apri-
moradas em ocinas e seminários que contaram com a participação de parceiros
institucionais locais e nacionais.
As agendas macrorregionais buscaram identicar ações estruturantes capazes
de acelerar processos de desenvolvimento regional em consonância com os objetivos
e eixos da PNDR, com os Planos Macrorregionais de Desenvolvimento e também
com a Agenda 2030, compromisso assumido pelo Brasil e mais 192 países no
âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e estruturada em dezessete
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
86
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De acordo com o relatório do GT1, a questão regional brasileira ainda vive
uma situação crítica, na qual a região Nordeste concentra cerca de 28% da popu-
lação brasileira, mas responde há décadas por cerca de 14% do PIB, e o Norte,
com 5,4% do PIB, representa 8,6% da população nacional, com poucas variações
ao longo do tempo, de acordo com o Sistema de Contas Regionais (IBGE, 2018),
como mostra a tabela 3.
TABELA 3
Participação das regiões no PIB e na população brasileira (2002 e 2016)
Grandes regiões
Participação no
PIB (%)
Participação na
população (%)
Razão entre a
participação no
PIB e participação
na População
Diferença das
participações
na população
2002-2016
Diferença das
participações no
PIB 2002-2016
Diferença das razões
entre as participações
no PIB e na população
2002-2016
2002 2016 2002 2016 2002 2016
Norte 4,7 5,4 7,8 8,6 0,6 0,6 0,8 0,7 0
Nordeste 13,1 14,3 27,9 27,6 0,5 0,5 -0,3 1,2 0,1
Sudeste 57,4 53,2 42,6 41,9 1,3 1,3 -0,7 -4,2 -0,1
Sul 16,2 17,0 14,7 14,3 1,1 1,2 -0,4 0,8 0,1
Centro-Oeste 8,6 10,1 7,0 7,6 1,2 1,3 0,6 1,5 0,1
Centro-Oeste,
exceto DF 5,0 6,3 5,7 6,2 0,9 1,0 0,4 1,4 0,2
Fonte: IBGE (2018); Brasil (2016).
Elaboração dos autores.
Com relação à renda das famílias, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) (IBGE, 2017), o rendimento domi-
ciliar per capita também ressalta os desequilíbrios macrorregionais, conforme
tabela 4. A desigualdade nos indicadores de renda também se reete nas con-
dições regionais de acesso a serviços públicos essenciais, tais como educação,
saúde e saneamento.
TABELA 4
Média de rendimento per capita (2017)
UFs e Brasil Rendimento per capita médio (R$) Índice nacional (Brasil = 100)
Brasil 1.268 100
Região Norte
Acre 769 60,65
Amapá 936 73,82
Amazonas 850 67,03
Pará 715 56,39
(Continua)
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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87
(Continuação)
UFs e Brasil Rendimento per capita médio (R$) Índice nacional (Brasil = 100)
Região Norte
Rondônia 957 75,47
Roraima 1.006 79,34
Tocantins 937 73,90
Região Nordeste
Alagoas 658 51,89
Bahia 862 67,98
Ceará 824 64,98
Maranhão 597 47,08
Paraíba 928 73,19
Pernambuco 852 67,19
Piauí 750 59,15
Rio Grande do Norte 845 66,64
Sergipe 834 65,77
Região Centro-Oeste
Distrito Federal 2.548 200,95
Goiás 1.277 100,71
Mato Grosso 1.247 98,34
Mato Grosso do Sul 1.291 101,81
Região Sudeste
Espírito Santo 1.205 95,03
Minas Gerais 1.224 96,53
Rio de Janeiro 1.445 113,96
São Paulo 1.712 135,02
Região Sul
Paraná 1.472 116,09
Santa Catarina 1.597 125,95
Rio Grande do Sul 1.635 128,94
Fonte: IBGE (2018).
Elaboração dos autores.
Conforme relatório do GT1 (Brasil, 2018), esses enormes desequilíbrios
regionais têm inúmeras consequências para a economia e para a sociedade
brasileira, entre as quais podem ser destacadas três mais importantes, conforme
listado a seguir.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
88
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1) O destino de muitos cidadãos brasileiros é determinado por seu local
de nascimento. Aqueles que nascem nas regiões menos dinâmicas terão
suas chances de crescimento pessoal e prossional profundamente
limitadas em razão do baixo acesso à educação, à saúde, ao emprego de
qualidade e a toda uma gama de serviços e oportunidades.
2) A desigualdade induz uma movimentação populacional em direção aos
espaços mais dinâmicos, agravando o fenômeno da megametropolização
com todas as suas consequências de urbanização incompleta, inação
imobiliária, favelização, pobreza e violência.
3) O Brasil deixa de aproveitar grande parte de seu potencial produtivo,
que poderia contribuir para uma maior competitividade do país,
gerando emprego, renda e bem-estar, integrando produtivamente as
áreas periféricas nacionais.
Nota-se que a diminuição das desigualdades regionais não pode ser tratada
de maneira isolada, como uma política meramente setorial, pois são múltiplas
suas causas e seus impactos (Alves e Rocha Neto, 2014).Nesse sentido, rearma-se
a importância da construção da PNDR aliada a um projeto nacional de desenvol-
vimento (Coêlho, 2014).
A PNDR é reconhecida como uma política transversal por natureza,
possuindo o duplo desao de responder às demandas de seu objeto – dinamizar
territórios, com o recurso de instrumentos próprios e especícos – e também de
ser o o condutor estratégico da coordenação das diferentes políticas setoriais
naqueles territórios.
Reforçando as conclusões da CNDR, o GT1 ratica que a PNDR deve
combinar a busca da equidade, que se traduz na redução das desigualdades
espaciais de níveis de renda e de vida, com a da competitividade, não apenas
das regiões e sub-regiões diretamente beneciadas, mas da economia brasileira
como um todo, tornando-a mais robusta e eciente para ocupar seu espaço na
economia global.
Conforme o relatório do GT1, a PNDR precisa ser fundamentalmente
uma política sistêmica, o que supõe uma abordagem em múltiplas escalas. Os
problemas e desaos a serem enfrentados possuem espacialidades variadas, exi-
gindo respostas articuladas em agendas de desenvolvimento, com a participação
de diferentes entes federados e da sociedade civil e presididas por uma agenda
nacional, capaz de articular e dar nexo e consistência às iniciativas territoriais e
regionais, garantindo a inteligência e a complementaridade dos investimentos
e a integração nacional.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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89
O GT1 revisou e detalhou os quatro objetivos prioritários da nova PNDR
propostos a partir da CNDR de 2013, descritos a seguir.
1) Promover a convergência dos níveis de desenvolvimento e de qualidade
de vida inter e intrarregiões brasileiras e a equidade no acesso a
oportunidades de desenvolvimento em regiões que apresentem baixos
indicadores socioeconômicos.
2) Consolidar uma rede policêntrica de cidades, em apoio à desconcentração
e à interiorização do desenvolvimento regional, considerando as
especicidades de cada região.
3) Estimular ganhos de produtividade e aumentos da competitividade
regional, sobretudo em regiões que apresentem declínio populacional e
elevadas taxas de emigração.
4) Fomentar agregação de valor e diversicação econômica em cadeias
produtivas estratégicas para o desenvolvimento regional, observando
critérios como geração de renda e sustentabilidade, sobretudo em
regiões com forte especialização na produção de commodities agrícolas
ou minerais.
A partir dos objetivos estratégicos da PNDR, o GT1 formulou seus eixos
setoriais de intervenção, com base em uma abordagem transversal condizente
com a política regional, conforme resumido adiante.
1) Desenvolvimento produtivo;
2) Ciência, tecnologia e inovação;
3) Educação e qualicação prossional;
4) Infraestruturas econômica e urbana;
5) Desenvolvimento social e acesso a serviços públicos essenciais; e
6) Fortalecimento das capacidades governativas dos entes subnacionais.
A PNDR, portanto, deve se fundamentar na mobilização planejada e articulada
das ações federais, estaduais e municipais, públicas e privadas, por meio das quais
programas e investimentos da União, associados a programas e investimentos dos
entes federativos subnacionais e empresas privadas devem estimular e apoiar processos
de desenvolvimento. Para tanto, a PNDR deverá contar com seus instrumentos,
como os planos macrorregionais e sub-regionais de desenvolvimento, os pactos de
metas com governos estaduais e as carteiras de projetos prioritários para qualicar
a gestão e o direcionamento dos seus instrumentos de nanciamento, como os
fundos regionais e incentivos scais, por meio de sistemas inteligentes de metas,
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
90
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indicadores e resultados, bem como pela aderência e complementaridade da
política regional às demais políticas públicas e investimentos privados.
Conforme recomendação do GT1, os planos macrorregionais de desenvolvi-
mento deveriam ser elaborados pelas Superintendências Regionais, em articulação
com os governos estaduais de sua área de abrangência e em consonância com os
princípios da PNDR, a ser formalizada por marco legal. Os planos macrorregionais
foram efetivamente produzidos com base nas apostas estratégicas de desenvolvimento
produtivo e nas agendas de convergência desenvolvidas pelas superintendências
com suporte técnico do GT1, conforme mostrado a seguir.
FIGURA 1
Aposta estratégica da macrorregião Nordeste (2020-2023)
Fortalecimento das redes de cidades intermediárias como âncora para os sistemas
inovativos e produtivos locais da sua área de influência
Eixo 1
Desenvolvimento
produtivo
Eixo 2
Ciência, tecnologia
e inovação
Eixo 5
Modernização da
gestão pública e
fortalecimento
institucional
Eixo 4
Água e
saneamento
Eixo 3
Infraestruturas
econômica
e urbana
• Apoio e consolidação
das cadeias produtivas
potenciais (APLs)
(verticalização das
cadeias)
• Estímulo ao comércio e
exportações
• Estímulo a iniciativas
de “empregos verdes”
• Fortalecimento dos
Sistemas de
Capacitação,
Assistência Técnica e
Extensão Rural (ATER)
• Qualificação
profissional com foco
na renda/gestão e
empreendedorismo
• Aumento da
intensidade
tecnológica das cadeias
produtivas e arranjos
produtivos locais
• Promoção da conexão
entre pesquisas,
inovação e processos
produtivos
• Estímulo à inovação
nas empresas a partir
das pesquisas e P&D
gerados pelas
universidades e centros
de pesquisas
• Fortalecimento das
energias renováveis
• Foco em tecnologias/
produtos adaptados à
realidade climática
da região
• Estímulo à formação
de profissionais
qualificados
• Promoção da conexão
entre pesquisas e
processos produtivos
• Ampliação da
comunicação (banda
larga e telefonia)
• Apoio a projetos
relacionados a cidades
inteligentes
(iluminação pública,
transporte público,
mobilidade
urbana, wi-fi)
• Interligação logística e
multimodal das
cidades-polos
• Melhoria da
infraestrutura
produtiva (estradas,
armazenamento,
ferrovias e portos
e aeroportos)
• Ampliação de
investimentos em
saneamento básico
• Ampliação de ações de
revitalização de
bacias hidrográficas
• Integração de
instrumentos da PNDR
aos instrumentos da
Política Nacional de
Recursos Hídricos
• Incentivo ao aumento
do reuso e da eficiência
hídrica nas atividades
produtivas por meio de
instrumentos
financeiros
• Ampliação das ações de
segurança hídrica por
meio de tecnologias de
dessalinização,
captação e
armazenamento de
água da chuva
• Estímulo à criação
de consórcios
de municípios
• Articulação com
associação de
classe empresarial
• Melhoria da qualidade
dos serviços oferecidos
aos cidadãos
e empresas
• Fortalecimento das
práticas de gestão
(planejamento,
execução, avaliação e
monitoramento)
• Fomento à capacitação
de gestores/
servidores públicos
• Estímulo às PPPs e
concessões (inclusive a
capacitações)
Elaboração dos autores.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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91
FIGURA 2
Aposta estratégica da macrorregião Norte (2020-2023)
Integração e diversificação da base produtiva da biodiversidade, com agregação de valor
Eixo 1
Desenvolvimento produtivo
Eixo 2
Ciência, tecnologia e inovação e
qualificação profissional
Eixo 4
Fortalecimento das
capacidades governativas
dos entes subnacionais
Eixo 3
Infraestruturas
econômica e urbana
• Bioindústria (agroindústria,
complexo de saúde)
• Adensamento das cadeias
produtivas, com verticalização
da produção e agregação
de valor
• Diversificação das
exportações, com ampliação
de participação regional no
comércio exterior
• Serviços ambientais
• Certificação ambiental
(origem, qualidade,
marca Amazônia)
• Integração do comércio
intrarregional (Rotas de
Integração Nacional)
• Turismo de base local
• Fortalecimento das
capacidades empresariais
• Diversificação das linhas de
financiamento (mecanismos
de incentivo)
• Assistência técnica e
extensão rural
• Fortalecimento das
instituições de PD&I
• Crédito e incentivos aos setor
de PD&I
• Descentralização de
investimentos intra e
inter-regionais
• Implantação de polos
de inovação
• Incentivos à formação de
redes de pesquisa e
fortalecimento das redes
já existentes
• Incentivos ao desenvolvimento
da pesquisa e extensão nas
universidades amazônicas
• Logística
• Infraestrutura
de comunicação
• Regularização fundiária
urbana e rural
• Energias alternativas
• Infraestrutura de mobilidade
e bem-estar
• Ordenamento territorial
• Consolidação de sistemas de
governança multinível
• Estímulo ao capital social
• Fortalecimento das parcerias
com a iniciativa privada
• Redução do
déficit institucional
Elaboração dos autores.
FIGURA 3
Aposta estratégica da macrorregião Centro-Oeste (2020-2023)
Promoção da agregação de valor e diversificação econômica sustentável nas regiões com forte
especialização em commodities, priorizando a atuação nas cidades médias e em suas áreas de influência
Eixo 1
Desenvolvimento
produtivo sustentável
Eixo 2
Ciência, tecnologia e inovação
Eixo 4
Infraestruturas
econômica e urbana
Eixo 3
Educação e
qualificação profissional
• Agregação de valor aos
produtos de exportação
• Identificação de alternativas
de diversificação produtiva
• Inclusão produtiva e geração
de renda
• Desenvolvimento
do ecoturismo
• Implantação de projetos com
alto conteúdo tecnológico
• Apoio às ações de P, D e I
• Difusão de tecnologias limpas
• Ampliação e interiorização do
ensino técnico e
profissionalizante
• Qualificação do serviço
público municipal e estadual
• Adoção de novas modalidades
de assistência técnica
e extensão
• Incentivo à redução dos custos
de transporte da
produção regional
• Ampliação da infraestrutura
econômica, logística e urbana
• Fortalecimento da
gestão municipal
Elaboração dos autores.
Conforme se observa, foi unânime a priorização do tema da “governança
e gestão pública” nas três agendas macrorregionais. Com efeito, a precária gover-
nança de políticas públicas e a carência de ferramentas de gestão, sobretudo no
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
92
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nível municipal, são impedimentos à expansão da oferta de serviços essenciais,
dicultando a atração de investimentos, o planejamento territorial integrado e a
articulação/cooperação federativa em todo o país.
As regiões Norte e Nordeste zeram apostas nos temas de educação e
saúde/saneamento, em que persistem décits consideráveis. No tema da edu-
cação, vale destacar que uma ampliação necessária de recursos deve se orientar
para a melhoria de indicadores básicos de cobertura da educação e para a
ampliação da educação prossionalizante e superior, requisitos para o desen-
volvimento produtivo.
Na região Nordeste, reetindo a restrição regional de recursos hídricos –
mais acentuada no Semiárido – aponta-se a necessidade de promover ampliação
da oferta hídrica visando ao abastecimento humano em áreas urbanas e rurais e
ao uso para atividades produtivas. Nesse sentido, devem ser realizados esforços
mais efetivos junto a governos estaduais e municipais para o reconhecimento da
premência de revitalização de bacias hidrográcas e melhoria dos padrões atuais
de gestão de recursos hídricos.
O meio-ambiente aparece como preocupação especial das regiões Norte e
Centro-Oeste. Em ambas, a ênfase em uma estratégia qualicada do uso sustentável
dos recursos naturais foi considerada relevante alvo de políticas públicas. Na
região Norte, por sua vasta extensão territorial e biodiversidade, os eixos da agenda
de convergência se apoiam no objetivo mais amplo de promover a reconversão da
base produtiva em direção a segmentos que utilizem a biodiversidade como ativo
estratégico regional, na vertente da bioeconomia.
Na região Centro-Oeste, pelo predomínio de uma pauta exportadora de
commodities agrícolas, colocou-se como objetivo de mudança estrutural a diversi-
cação econômica associada à sustentabilidade ambiental. O elemento distintivo
foi a escolha da educação e da qualicação prossional ao lado dos temas de
infraestrutura e CT&I. A ideia aqui é o reforço à interiorização do conhecimento,
requisitado pela crescente demanda do mercado de trabalho regional, conjugada
com o esforço da melhoria em qualidade e oferta da educação prossional, requerida
pelo objetivo de mudança da base econômica em torno da obtenção de maior
valor agregado nas cadeias produtivas do agronegócio.
As três superintendências reconhecem a necessidade de melhorias nos níveis
atuais de dotação e infraestruturas de transportes, energia e comunicações (inclusive
acesso à internet) como essenciais para a melhoria da qualidade de vida; apostam
em integração de modais e de logística, no fortalecimento de cadeias produtivas
estratégicas e de fontes renováveis e alternativas de energia.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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93
Prevalece o entendimento comum de que uma nova base de CT&I é deter-
minante para o estabelecimento de um patamar superior de oportunidades econô-
micas, assinalando a consolidação de sistemas produtivos regionais, a formação de
parques industriais e de serviços tecnologicamente avançados como plataformas
de empreendedorismo de base tecnológica, desenvolvimento de empresas inovadoras
e startups. Arma-se assim a necessidade de mobilizar e construir infraestruturas
de conhecimento e inovação (ecossistemas de inovação, parques tecnológicos,
incubadoras de empresas, aceleradoras de startups, infovias e outros) para um novo
modelo de desenvolvimento baseado no conhecimento.
Conforme Colombo (2021), os trabalhos desenvolvidos no âmbito desse
GT1 foram essenciais para que os planos regionais, posteriormente elaborados
pelas superintendências, adquirissem organização e convergência com a agenda
nacional, personicada na PNDR II, que seria formalizada em 2019, como veremos
na próxima seção.
5 A PNDR II (DECRETO NO 9.810/2019) E OS PLANOS MACRORREGIONAIS
DE DESENVOLVIMENTO
Em 30 de maio de 2019, no governo Bolsonaro, foi editado o Decreto no 9.810
(Brasil, 2019a), que formaliza a nova PNDR, “cuja nalidade é reduzir as
desigualdades econômicas e sociais, intra e inter-regionais, por meio da criação de
oportunidades de desenvolvimento que resultem em crescimento econômico,
geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população”.
O texto do decreto contemplou a avaliação e os encaminhamentos produ-
zidos pelo GT1 – PNDR, conforme visto na seção anterior. A política, de caráter
transversal, teve sua responsabilidade atribuída ao MDR, órgão criado em 2019
a partir da fusão entre o MI e o MCID, que assumiu então as políticas urbana e
regional brasileiras, incluindo-se as políticas nacionais de habitação, mobilidade,
saneamento, irrigação e recursos hídricos.
De acordo com Colombo (2021), a proposta da PNDR II tem como ali-
cerce a governança para o estímulo ao desenvolvimento. De acordo com o
texto do Decreto no 9.810/2019, “A PNDR tem seu fundamento na mobilização
planejada e articulada da ação federal, estadual, distrital e municipal, pública e
privada, por meio da qual programas e investimentos, da União e dos entes
federativos, associadamente, estimulem e apoiem processos de desenvolvimento”
(Brasil, 2019a).
O art. 2o estabelece os princípios da PNDR, ampliando a proposta do GT1,
conforme a seguir descrito.
1) Transparência e participação social;
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
94
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2) Solidariedade regional e cooperação federativa;
3) Planejamento integrado e transversalidade da política pública;
4) Atuação multiescalar no território nacional;
5) Desenvolvimento sustentável;
6) Reconhecimento e valorização da diversidade ambiental, social, cultural
e econômica das regiões;
7) Competitividade e equidade no desenvolvimento produtivo; e
8) Sustentabilidade dos processos produtivos.
Os objetivos estabelecidos para a PNDR (art. 3o) respeitaram as recomen-
dações do GT1, baseadas na proposta original apresentada pela CNDR (Brasil,
2012), conforme resumido adiante.
1) Promover a convergência dos níveis de desenvolvimento e de qualidade
de vida inter e intrarregiões brasileiras e a equidade no acesso a
oportunidades de desenvolvimento em regiões que apresentem baixos
indicadores socioeconômicos.
2) Consolidar uma rede policêntrica de cidades, em apoio à desconcentração
e à interiorização do desenvolvimento regional e do país, de forma a
considerar as especicidades de cada região.
3) Estimular ganhos de produtividade e aumentos da competitividade
regional, sobretudo em regiões que apresentem declínio populacional e
elevadas taxas de emigração.
4) Fomentar a agregação de valor e a diversicação econômica em cadeias
produtivas estratégicas para o desenvolvimento regional, observados
critérios como geração de renda e sustentabilidade, sobretudo em
regiões com forte especialização na produção de commodities agrícolas
ou minerais.
O marco legal da PNDR também estabelece suas estratégias, conforme
art. 4o descrito a seguir.
1) Estruturação do Sistema de Governança do Desenvolvimento Regional
para assegurar a articulação setorial das ações do governo federal, a
cooperação federativa e a participação social.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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95
2) Implementação do Núcleo de Inteligência Regional no âmbito do
MDR e das Superintendências do Desenvolvimento Regional: Sudam,
Sudene e Sudeco.
3) Estruturação de modelo de planejamento integrado, por meio da
elaboração de planos regionais e sub-regionais de desenvolvimento,
pactos de metas e carteiras de projetos em diferentes escalas geográcas.
4) Aprimoramento da inserção da dimensão regional em:
a) instrumentos de planejamento e orçamento federal; e
b) políticas públicas e programas governamentais.
5) Aderência dos instrumentos de nanciamento aos objetivos de
desenvolvimento regional.
6) Estímulo ao empreendedorismo, ao cooperativismo e à inclusão
produtiva, por meio do fortalecimento de redes de sistemas produtivos
e inovativos locais,3 existentes ou potenciais, de forma a integrá-los a
sistemas regionais, nacionais ou globais.
7) Apoio à integração produtiva de regiões em torno de projetos
estruturantes ou de zonas de processamento.
8) Estruturação do Sistema Nacional de Informações do Desenvolvimento
Regional (SNIDR), para assegurar o monitoramento e a avaliação da
PNDR e o acompanhamento da dinâmica regional brasileira.
Conforme Colombo (2021), uma inovação da PNDR II é a possibilidade de
integração institucional com os planos regionais das superintendências da Amazônia,
do Centro-Oeste e do Nordeste. Além de responsáveis pela apresentação dos
planos regionais, alinhados com a PNDR, as superintendências regionais também
são encarregadas da sistematização dos dados e do monitoramento das atividades,
concessões e aplicações dos fundos constitucionais de nanciamento, bem como
dos fundos de desenvolvimento e dos benefícios e incentivos de natureza nanceira,
tributária ou creditícia, que deverão ser empregados em estreita consonância com
os objetivos propostos pela PNDR.
Colombo (2021) identica alguns princípios norteadores da PNDR, como a
participação social e accountability, solidariedade regional e cooperação federativa,
a partir da articulação da União, dos estados e municípios; uma transversalidade
da política pública, ao inserir outras áreas, como a educação, a infraestrutura e a
saúde no rol das políticas prioritárias.
3. Essa estratégia da PNDR foi materializada por meio da iniciativa Rotas de Integração Nacional, conforme veremos
na seção seguinte.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
96
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De acordo com a autora, a PNDR também está alinhada a outras políticas
desenvolvidas na Europa (Política de Coesão), a partir da atuação multiescalar no
território nacional, priorizando o desenvolvimento sustentável, a competitividade
e a sustentabilidade do desenvolvimento. Uma das inovações previstas na PNDR é a
possibilidade de revisão da sua tipologia territorial a cada censo demográco, com
a participação do Núcleo de Inteligência Regional e do IBGE.
Consoante às determinações da nova PNDR, as superintendências (Sudam,
Sudene e Sudeco) produziram seus respectivos planos macrorregionais de desen-
volvimento (PRDA, PRDNE e PDCO), alinhados à política regional e às agendas
macrorregionais produzidas no âmbito do GT1-PNDR. Conforme Colombo
(2021), os governos estaduais participaram ativamente das consultas, denindo
uma abordagem territorial que permite a utilização de regiões geográcas inter-
mediárias, valorizando o urbano e o rural e também, priorizando as cidades médias
como novas centralidades regionais - cidades intermediadoras. A elaboração dos
planos contou com participação da sociedade civil e de membros do governo
federal, por intermédio de grupos temáticos de especialistas do MDR e do Ministério
da Economia (ME).
O PRDNE previu doze anos de atuação, com revisões anuais e vigência
de quatro anos. Conforme o documento do plano, a inovação deve ser o eixo
central, pela qual gravitará o crescimento sustentável da região. A inovação deve
ser utilizada para garantir o emprego e as oportunidades de qualidade de vida
para a população, estimulando empresas de tecnologia, incentivando startups e
auxiliando as cidades no uso das novas tecnologias de informação e comunicação
(TICs). A ciência e a tecnologia são consideradas estratégias de desenvolvimento,
para redução das desigualdades regionais e impulso à economia (Brasil, 2019d).
O PRDNE reconhece a mudança observada nas cidades nordestinas, com a
valorização de novos setores produtivos que promoveram alterações no porte das
cidades, aumentando a renda e a qualidade de vida. O plano propõe o melhoramento
da infraestrutura, da comunicação e da logística para impulsionar o comércio
exterior e a geração de emprego e renda, com enfoque privilegiado nas chamadas
cidades intermediárias.
O PRDA (Brasil, 2019b) utilizou a escala estadual no seu desenho. Con-
forme o texto do plano, essa escolha se justicou em função do processo de de-
nição das tipologias territoriais da nova PNDR, que se encontra em andamento,
além da diculdade de se obter indicadores atualizados na escala municipal
para a região Norte. A vantagem da escala estadual reside na disponibilidade
de dados, o que facilita o monitoramento e avaliação periódica do plano. Por
outro lado, entende-se que essa escolha tem potencial de não captar possíveis
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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desigualdades intrarregionais, motivo pelo qual deveria ser alterada tão logo as
diculdades apontadas sejam equacionadas.
O PRDA investiu sobre os principais problemas que a região amazônica
enfrenta, com detalhamentos sobre potenciais soluções. Alguns pontos principais
foram denidos no PRDA, demonstrando preocupação com a transversalidade
das políticas, tais como: agricultura, pecuária e extrativismo; pesca e aquicultura,
indústria, turismo, meio ambiente, CT&I, educação, logística e transporte,
geração de energia, telecomunicações, saúde, cultura e lazer, saneamento básico e
segurança pública. Esse plano menciona que a redução das desigualdades regionais,
inter e intrarregiões, é uma meta a ser buscada, juntamente com a melhoria da
qualidade de vida da população amazônica.
O PRDCO está previsto para o período 2020-2023 e foi alinhado à Agenda
2030 da ONU para o desenvolvimento sustentável, com foco especial nas pequenas
e médias cidades. Nesse sentido, o plano sugere aos municípios os pontos a
seguir descritos.
1) Reformular e revitalizar seus espaços urbanos, criando novas áreas de
crescimentos intraurbanos e policêntricos.
2) Fortalecer as áreas rurais e recuperar as áreas estratégicas que ofertam
serviços ecossistêmicos, como as áreas de recarga hídrica para
abastecimento público.
3) Incentivar o empreendedorismo e a diversicação econômica e, com
isso, possibilitar o desenvolvimento de uma ampla gama de atividades
que gerem vitalidade, inspiração e acalentem qualidade de vida para
todos, sem distinção.
4) Apoiar a criação de clusters a m de que eles retroalimentem as
frágeis estruturas socioeconômicas das médias e pequenas cidades de
determinadas regiões do Centro-Oeste (Brasil, 2019c).
Em todos os planos, há uma prioridade para as cidades médias, buscando
estimular o surgimento de centros regionais preparados para ancorar a desconcen-
tração produtiva, contribuindo para a diversicação e adensamento de novas
atividades econômicas, além de melhorar o acesso da população a serviços públicos
de qualidade, reduzindo a pressão sobre os grandes centros urbanos.
Conforme Colombo (2021), em 19 de novembro de 2019, a Presidência
da República encaminhou ao Congresso Nacional os projetos de lei (PLs) refe-
rentes ao PRDA (PL no 6.162/2019), PRDCO (PL no 6.161/2019) e PRDNE
(PL no 6.163/2019), elaborados com o apoio técnico e institucional do MDR.
Entretanto, de acordo com o sistema de acompanhamento legislativo do Congresso
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
98
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Nacional,4 a última movimentação nos PLs aconteceu no dia 28 de julho de
2020, a partir de requerimento de urgência para apreciação dos PLs do PRDA,
do PRDCO e do PRDNE. De todo modo, os planos ainda não seguiram para
votação e formalização na forma de lei, conforme proposto.
Colombo (2021) compactua com a teoria da formação de agenda desenvolvida
por Kingdon (2003). A autora entende que tanto os planos regionais quanto a
PNDR representam uma agenda governamental para o tratamento de políticas
públicas de desenvolvimento. Entretanto, para que elas sejam materializadas, é
preciso existir a transição de uma agenda de governo para uma agenda de decisão.
De acordo com Kingdon (2003 apud Colombo, 2021), “uma política passa
a fazer parte da agenda governamental quando ela desperta a atenção dos políticos”.
É sintomático que, mesmo após três anos de encaminhamento dos PLs dos planos
macrorregionais ao Congresso, com requerimentos de urgência, tais planos não
entraram em votação. Com efeito, o timing previsto de acoplagem ao PPA 2020-2023
caducou e comprometeu a “janela de oportunidade” (policy windows) de institu-
cionalização dos planos macrorregionais e da própria PNDR.
Dessa forma, resgatamos relatório de levantamento sobre a PNDR, concluído
pelo TCU em novembro de 2020 (TCU, 2020). O trabalho do tribunal teve por
objetivo identicar objetos e instrumentos de scalização que possam contribuir
para o aperfeiçoamento da governança e da gestão da PNDR.
O TCU entende que o estágio inicial de implementação da nova PNDR é
um momento oportuno para conhecer os macroprocessos de governança e gestão em
construção, além dos riscos que podem impactar os objetivos almejados. A meto-
dologia do trabalho consistiu no levantamento de informações junto ao MDR, às
superintendências macrorregionais e a representantes da Casa Civil da Presidência
da República, diante do seu papel institucional na presidência da Câmara de
Políticas da PNDR (TCU, 2020).
Conforme relatado pelo TCU (2020), um volume expressivo de recursos
é aplicado por meio dos principais instrumentos de nanciamento da PNDR,
alcançando o valor aproximado de R$ 55 bilhões no exercício de 2019.5 No entanto,
apesar desse volume massivo de recursos, as desigualdades regionais persistem,
levando-se à necessidade de compreender de que forma a política pública está
estruturada para alcançar a sua nalidade.
4. “O PL no 6.162/2019 institui o PRDA e sua tramitação pode ser acompanhada pelo link: <https://bit.ly/3eLjaao>.
O PL que institui o PRDCO é o no 6.161/2019 e pode ser acompanhado pelo link: <https://bit.ly/3bnmJ4H>. Por fim, o PL
que institui o PRDNE é o no 6.163/2019 e pode ser acompanhado pelo link: <https://bit.ly/33JtGc1>” (Colombo, 2021).
5. Conforme dados do TCU (2020), a execução da PNDR envolve instrumentos que não alocam recursos exclusivamente
para atender aos programas e ações da PNDR, tais como o orçamento geral da União (OGU); fundos constitucionais
de financiamento e desenvolvimento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste; incentivos e benefícios de natureza
financeira, tributária ou creditícia; e outras fontes de recursos nacionais e internacionais.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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O relatório TCU apresenta uma visão geral da PNDR e identica os prin-
cipais macroprocessos de trabalho implementados e em fase de implementação
para operacionalização da política, conforme detalhado a seguir.
1) Monitoramento e avaliação da PNDR e de seus instrumentos;
2) Elaboração dos planos regionais de desenvolvimento e pactos de metas;
3) Elaboração dos planos sub-regionais de desenvolvimento;
4) Concessão de nanciamento com recursos dos fundos constitucionais;
5) Concessão de nanciamento com recursos dos fundos de desenvolvimento; e
6) Fortalecimento de redes de sistemas produtivos e inovativos locais.
Para cada macroprocesso citado foi construído um diagrama com a identi-
cação de suas principais atividades, realizando-se, em seguida, análises SWOT e
de riscos, que trouxeram subsídios para as proposições de futuras ações de controle.
O macroprocesso monitoramento e avaliação da PNDR e de seus instrumentos
tem por objetivo mensurar o alcance dos objetivos e gerar subsídios para o aper-
feiçoamento da PNDR, por meio da estruturação do SNIDR e da realização de
atividades de monitoramento e avaliação do desempenho da política e seus instru-
mentos. Conforme o relatório do TCU, após a edição do Decreto no 9.810/2019
(Brasil, 2019a), não foram apresentados indicadores de desempenho e relatórios de
monitoramento e avaliação da PNDR. Conforme o TCU (2020), essa ausência
de subsídios técnicos para denir a priorização de programas e ações que integram
os instrumentos de planejamento e nanciamento federais, em especial o orçamento
geral da União (OGU), pode impactar negativamente a conformidade e a efetividade
do modelo de planejamento regional integrado proposto.
Na avaliação do TCU, esse macroprocesso se encontra em um estágio de
implementação bastante incipiente. Ainda não havia uma sistematização do processo
de monitoramento da PNDR e de seus instrumentos de planejamento e nan-
ciamento. O SNIDR, que deveria assegurar o monitoramento e a avaliação da
PNDR e o acompanhamento da dinâmica regional brasileira, também carecia de
estruturação formal.
Outro aspecto que contribui para a baixa implementação das atividades que
compõem o macroprocesso está relacionado ao Núcleo de Inteligência Regional
(NIR), destinado à produção de conhecimento e informações afetas à PNDR e
aos seus instrumentos. O NIR deveria ser constituído pela atuação em rede das
unidades técnicas integrantes da estrutura do MDR e das superintendências
macrorregionais. De todo modo, o TCU informa que ainda não havia sido editado
ato normativo com a denição sobre o funcionamento e as competências espe-
cícas do NIR, conforme previsto no art. 15, § 2o, do Decreto no 9.810/2019
(Brasil, 2019a).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Conforme o TCU (2020), as diversas fragilidades na estruturação desse macro-
processo contribuem de forma signicativa para os eventos de risco de ausência de
informações conáveis para subsidiar a apuração dos indicadores que vierem a
ser adotados; comprometem o estabelecimento de metodologias que garantam
a compatibilidade das atividades de monitoramento e avaliação dos diversos
instrumentos de planejamento e nanciamento geridos pelas superintendências;
e, por m, dicultam o cumprimento da periodicidade estabelecida para a
realização das atividades de monitoramento (anual) e de avaliação (quadrienal)
da PNDR e de seus instrumentos.
Com relação aos macroprocessos elaboração dos planos regionais de desen-
volvimento e pactos de metas e planos sub-regionais de desenvolvimento, também
chamou a atenção do TCU o atraso na aprovação dos planos macrorregionais
(PRDNE, PRDA e PRDCO). De acordo com o TCU (2020), esse atraso con-
tribui para o risco de não aprovação dos PLs e sua compatibilização com o PPA
2020-2023, impactando negativamente a ecácia e a efetividade do modelo de
planejamento integrado para o desenvolvimento regional no que diz respeito à
articulação setorial das ações do governo federal, dos governos estaduais e à coope-
ração federativa, bem como à eventual perda dos efeitos potenciais decorrentes
da execução de políticas públicas sob a responsabilidade do MDR (desenvolvimento
urbano, saneamento, mobilidade, habitação, segurança hídrica etc.) em benefício
das áreas prioritárias da PNDR, além da não inserção de projetos prioritários para
o desenvolvimento regional nos instrumentos de planejamento e nanciamento
federais (PPA, Lei Orçamentária Anual (LOA), fundos e programas geridos por
bancos públicos).
Conforme o relatório (TCU, 2020),
uma das principais causas para as fragilidades identicadas refere-se à ausência
do efetivo funcionamento da Câmara de Políticas de Integração Nacional e
Desenvolvimento Regional e do seu comitê executivo. Apesar de o Decreto
no 9.810, de 30 de maio de 2019 (Brasil, 2019a), prever a ocorrência de reuniões
semestrais para a Câmara, a primeira reunião do colegiado ocorreu apenas em
22 de outubro de 2020, durante a realização do presente trabalho de levantamento.
O TCU (2020) entende que a ausência dessas reuniões regulares compromete
o exercício das diversas competências previstas para os colegiados, que desempe-
nham um papel estratégico na governança da PNDR. As referidas instâncias
devem estabelecer diretrizes para a estruturação dos processos exigidos para a efetiva
operacionalização da política regional, como para os planos macrorregionais e a
celebração dos “pactos de metas”.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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Conforme o TCU (2020), a ausência de um funcionamento efetivo da Câ-
mara e do seu comitê executivo contribui para aumentar o risco de não obser-
vância das diretrizes e dos objetivos da PNDR, ao se planejarem e executarem
as diversas políticas públicas setoriais, envolvendo as esferas federal e estadual.
Nas situações em que esse risco se materializa, pode haver comprometimento
dos efeitos potenciais decorrentes da execução das diversas políticas públicas em
benefício das áreas prioritárias da PNDR.
Com relação aos macroprocessos relacionados aos fundos regionais – con-
cessão de nanciamento com recursos dos fundos constitucionais e dos fundos
de desenvolvimento –, mencionam-se as atividades relativas ao estabelecimento de
diretrizes, orientações e prioridades para a aplicação dos recursos dos fundos.
A gestão desses fundos é regulamentada por portarias emitidas pelo MDR e por
resoluções dos conselhos deliberativos das superintendências. As diretrizes e prio-
ridades têm o papel de garantir a aderência dos fundos constitucionais aos objetivos
de desenvolvimento regional, conforme previsto nas estratégias da PNDR. Os
normativos voltados a orientar e priorizar os investimentos também deveriam
observar os planos regionais de desenvolvimento e considerar o papel dos fundos
no âmbito de uma política integrada de nanciamento, conforme disciplinado no
art. 2o da Lei no 7.827/1989 e nos arts. 4o, inciso V, e 8o, inciso XIII, do Decreto
no 9.810/2019 (TCU, 2020).
De acordo com o relatório do TCU, há um risco elevado de que as dire-
trizes, orientações e prioridades para a concessão de nanciamentos sejam esta-
belecidas sem considerar como os fundos constitucionais podem contribuir de
maneira mais efetiva para atingir os objetivos de desenvolvimento regional em
função da desarticulação do sistema de governança da PNDR, limitando o poder
dos instrumentos de nanciamento em transformar a realidade socioeconômica dos
territórios alcançados pela PNDR.
O TCU (2020) relata que o risco decorre de vários fatores, com destaque
para os seguintes: ausência de aprovação dos planos regionais, tendo em vista o
elevado número de programas, projetos e ações neles contidos como orientação
de investimentos e as múltiplas escalas de atuação da PNDR (sub-regiões prioritárias
por tipologia, faixa de fronteira, RIDEs, Semiárido); e ausência do efetivo funciona-
mento da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional
e do seu comitê executivo, a quem compete estruturar uma política integrada de
nanciamento do desenvolvimento regional e propor critérios e diretrizes para a
aplicação dos instrumentos nanceiros ligados à PNDR.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
102
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O Tribunal considera oportuno avaliar como os fundos poderiam contribuir
de maneira mais efetiva para atingir os objetivos da PNDR e denir claramente
qual o espaço a ser preenchido pelos referidos instrumentos na política integrada
de nanciamento para o desenvolvimento regional. Ao se denir o papel dos
fundos constitucionais na política de nanciamento, devem-se considerar os possíveis
critérios de priorização de investimentos, englobando aspectos relacionados à
localização territorial e aos segmentos econômicos e setores abrangidos, ao porte
dos investidores, ao poder de transformação dos empreendimentos nanciados,
entre outros.
Conforme o TCU (2020), a denição de critérios de priorização de inves-
timentos fundamentada no papel a ser desempenhado pelos fundos regionais
viabilizaria o estabelecimento de parâmetros concretos de monitoramento e
avaliação desses instrumentos. O acompanhamento regular da evolução de tais
parâmetros serviria então para subsidiar a elaboração das diretrizes, orientações
e prioridades expedidas pelo MDR e pelos conselhos deliberativos das superin-
tendências do desenvolvimento.
Concluindo, o relatório trata do macroprocesso fortalecimento de redes
de sistemas produtivos e inovativos locais, que tem por objetivo promover a
estruturação produtiva e a integração econômica das regiões menos desenvol-
vidas do país aos mercados nacionais e internacionais de produção, consumo
e investimento, em consonância com a estratégia da PNDR, conforme art. 4o,
inciso VI, do Decreto no 9.810/2019 (Brasil, 2019a). Esse macroprocesso é con-
duzido pelo MDR no âmbito da estratégia Rotas de Integração Nacional, denida
pela Portaria MI no 80/2018 e incorporada ao PPA 2020-2023 por meio da
ação orçamentária 214S, associada ao Programa 2217 “Desenvolvimento Regional,
Territorial e Urbano”.
De acordo com o TCU (2020), entre os pontos que merecem destaque acerca
do macroprocesso, menciona-se o risco de que haja o apoio e a alocação de recursos
públicos oriundos da estratégia Rotas para polos localizados em territórios não
prioritários, segundo os objetivos, os instrumentos de planejamento e a tipologia
territorial da PNDR. O risco decorre, principalmente, da ausência de planos
regionais e sub-regionais estruturados e aprovados, da ausência do efetivo fun-
cionamento da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento
Regional, em virtude de suas competências de articulação setorial e federativa e da
reduzida capacidade de investimento e do baixo grau de qualicação técnica e de
inovação nas cadeias produtivas priorizadas para o desenvolvimento nas regiões
prioritárias da PNDR.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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103
O macroprocesso enfrenta ainda riscos associados às restrições de recursos
para investimentos nos diversos polos das Rotas, o que reduz o poder da intervenção
em transformar a realidade socioeconômica dos territórios. Essa restrição de
recursos para investimento em polos estratégicos no médio e longo prazos implica
em baixo poder de transformação da realidade socioeconômica dos territórios
alcançados, impactando negativamente a efetividade do processo de desenvolvi-
mento regional. A estratégia Rotas será revisitada na seção seguinte, com maiores
detalhes sobre seu conceito e operações.
A partir dos resultados da auditoria realizada em novembro de 2020, o TCU
indicou futuras ações de controle necessárias ao monitoramento de execução da
PNDR, como descrito a seguir.
1) Acompanhamento da atuação das instâncias de governança da
PNDR, em especial da Câmara de Políticas de Integração Nacional e
Desenvolvimento Regional e do seu Comitê Executivo.
2) Acompanhamento do processo de formalização dos pactos de metas e
das carteiras de projetos prioritários em diferentes escalas geográcas.
3) Auditoria operacional para avaliar o desempenho e o grau de aderência
das ações governamentais relacionadas aos eixos setoriais de intervenção
preferenciais da PNDR aos objetivos e às estratégias de atuação da
referida política.
Concluída a análise da atual versão da política regional brasileira, na seção
seguinte trataremos da iniciativa Rotas, estratégia da PNDR voltada para o “forta-
lecimento de redes de sistemas produtivos e inovativos locais” e sua contribuição
para os objetivos da política regional brasileira.
6 A ESTRATÉGIA ROTAS DE INTEGRAÇÃO NACIONAL E A PNDR
No contexto das discussões da I CNDR (2013), o MI desenvolveu a iniciativa de
desenvolvimento regional e inclusão produtiva denominada Rotas de Integração
Nacional. As Rotas foram denidas como estratégia de desenvolvimento regional
e inclusão produtiva do MI, conforme Portaria MI no 164/2014, atualizada pela
Portaria MI no 80/2018 e foram incorporadas ao PPA como ação orçamentária
do Programa de Desenvolvimento Regional e Territorial.
Conforme Decreto no 9.810/2019, é uma estratégia da PNDR o “estímulo
ao empreendedorismo, ao cooperativismo e à inclusão produtiva, por meio
do fortalecimento de redes de sistemas produtivos e inovativos locais, existentes
ou potenciais, de forma a integrá-los a sistemas regionais, nacionais ou globais”.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
104
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Nesse contexto, as Rotas são redes de sistemas produtivos e inovativos,6 associados a
cadeias produtivas estratégicas capazes de promover a inclusão produtiva e o desen-
volvimento sustentável das regiões brasileiras priorizadas pela PNDR, mediante o
aproveitamento das sinergias coletivas e a ação convergente das agências de fomento
e do investimento privado, contribuindo para o desenvolvimento regional.
A iniciativa Rotas busca a estruturação de cadeias produtivas estratégicas
para a integração econômica das regiões menos favorecidas do país aos mercados
nacionais e internacionais de produção, consumo e investimento. As Rotas apre-
sentam, simultaneamente, uma dimensão territorial e setorial em sua concepção.
O recorte territorial dene o espaço a ser trabalhado, de acordo com a tipologia
territorial da PNDR, enquanto o recorte setorial obedece aos critérios mostrados
no quadro 1 (Brasil, 2018).
QUADRO 1
Critérios de recorte setorial das Rotas de Integração Nacional
Potencial de inclusão produtiva A atividade deve ser de fácil entrada, importando em baixos custos iniciais de
investimento e reduzido valor de custeio operacional.
Afinidade com a identidade regional Foco em atividades alinhadas com a cultura regional, explorando seu potencial de
diferenciação como vantagem competitiva.
Sustentabilidade ambiental A atividade selecionada deve apresentar baixo impacto ambiental e deverá
contribuir para a preservação e/ou recuperação do seu bioma.
Organização social presente Prioridade para setores organizados em regime de cooperativas ou associações.
Potencial de crescimento do setor
A atividade deve apresentar forte potencial de crescimento, seja em função do
aproveitamento do mercado interno, seja pela exploração de um mercado
exportador relevante.
Atividade intensiva em emprego O setor deve apresentar forte coeficiente de emprego direto e de geração de postos
de trabalho nos setores de beneficiamento e serviços.
Potencial de aprofundamento tecnológico O setor deve ter alto potencial de inovação, com novos produtos e negócios
derivados da atividade primariamente selecionada
Representatividade regional O segmento deve ter forte representatividade física e econômica regional.
Serão priorizadas atividades desenvolvidas em mais de uma UF.
Potencial de encadeamento produtivo
As ações devem contribuir para o encadeamento produtivo entre fornecedores,
prestadores de serviços, produtores, processadores e consumidores, fortalecendo a
malha produtiva, a logística regional e a rede de cidades dos territórios.
Setor amparado por outras iniciativas Prioridade de convergência de ações e aproveitamento da experiência e recursos de
outros projetos de desenvolvimento.
Fonte: Brasil (2018).
6. Os sistemas produtivos e inovativos locais ganharam popularidade na literatura econômica brasileira sob a
terminologia de Arranjos Produtivos Locais (APLs), conforme definição da Rede de Pesquisa em Arranjos e Sistemas
Produtivos e Inovativos Locais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (RedeSist/UFRJ), adotada por segmentos
empresariais e órgãos de fomento, como o MDIC, o BNDES e o SEBRAE. Esses sistemas ou arranjos são aglomerações
territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais com foco em determinadas atividades econômicas. Geralmente
envolvem a participação e a interação de empresas produtoras de bens e serviços, até fornecedoras de insumos e
equipamentos, comercializadoras, clientes, entre outros. A literatura econômica internacional consagrou o termo clusters
para esse fenômeno de concentração territorial de atores econômicos interconectados, conforme contribuição original
marshalliana. A estratégia de desenvolvimento de clusters está presente nas principais políticas de desenvolvimento
atuais, com destaque para os programas de incentivo da União Europeia por meio da iniciativa RIS3.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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105
Em 2014, o MI contratou a RedeSist para realizar estudo nacional com
o objetivo de sinalizar cadeias produtivas estratégicas para o desenvolvimento
brasileiro no século XXI, a partir do contexto socioprodutivo e ambiental de cada
macrorregião e dos requisitos da estratégia Rotas, conforme quadro 1, alinhados
com os objetivos estratégicos da PNDR. A ideia foi mapear cadeias produtivas
que poderiam ser motores de emprego, investimento e desenvolvimento regional
nos territórios prioritários da PNDR.
As opções apresentadas pela RedeSist foram discutidas e consolidadas junto
aos estados e órgãos de fomento locais e nacionais, a partir de ocinas macrorregionais
de planejamento, em parceria com as superintendências de desenvolvimento
(Sudene, Sudam e Sudeco), a Embrapa, os bancos de desenvolvimento regional
(BNB, Banco da Amazônia e BB), além do BNDES e do Banco Regional de
Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). A pesquisa e a posterior validação
dos parceiros nacionais teve o resultado descrito a seguir.
QUADRO 2
Setores para Rotas de Integração Nacional
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
Açaí e frutos da Amazônia Mel e produtos das abelhas Leite e laticínios Fruticultura Leite e laticínios
Piscicultura e aquicultura Ovinocaprinocultura Piscicultura Cultura e turismo Confecções
Biodiversidade da floresta Cultura e turismo Madeira e móveis Moda Tecnologia da informação
Fonte: RedeSist (2015).
A partir dos estudos realizados e da experiência do MI e de parceiros ins-
titucionais em projetos de inclusão produtiva e desenvolvimento regional, foram
selecionadas as primeiras Rotas de Integração. A proposta foi identicar e
estruturar cadeias produtivas estratégicas e seus polos (clusters) mais adensados, a
partir de um planejamento estratégico nacional e territorial e do desenvolvimento
de carteiras de projetos voltados ao beneciamento e certicação da produção,
à assistência técnica, ao fomento ao cooperativismo e apoio à comercialização,
somados às ações transversais de apoio à infraestrutura, regulamentação e nancia-
mento. As primeiras Rotas foram baseadas em setores agropecuários tradicionais,
mas capazes de embarcar tecnologia, investimento e melhores ocupações nas regiões
prioritárias da PNDR, conforme descrito a seguir.
Esta Rota piloto, estruturada em parceria com a Embrapa, busca a estruturação da cadeia produtiva da
ovinocaprinocultura, setor estratégico pelo grande número de ocupações, sobretudo pequenos produtores,
em regiões de baixa renda no Nordeste e no Sul do país. Os baixos índices de produtividade e a escassa
organização desperdiçam o potencial econômico do setor, cujo processamento certificado não chega a 5%
do rebanho, prevalecendo o abate informal que agrega pouco valor e não permite a comercialização nos
centros urbanos ou no mercado exterior. A Rota do Cordeiro tem investido na capacitação de técnicos, na
difusão de tecnologias de reuso de água no Semiárido para produção de forragens e na estruturação de
unidades de processamento e contratos de integração entre produtores e indústria.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
106
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A apicultura é uma atividade estratégica que propicia ganhos econômicos e contribui para a preservação e
regeneração do meio ambiente. A atividade é desenvolvida em todas as regiões brasileiras, com destaque
para pequenos produtores das regiões Nordeste e Sul. O setor tem grande potencial de encadeamento
produtivo no beneficiamento dos seus diversos produtos, como mel, própolis, pólen e apitoxinas, com
potencial de uso na indústria bioquímica, farmacêutica e de cosméticos. A Rota do Mel tem investido na
capacitação de produtores, na estruturação de agroindústrias e no apoio à certificação e à comercialização.
A açaicultura tem destaque como base alimentar local e pela geração de ocupação e renda, incluindo
dezenas de milhares de pequenos produtores na Amazônia. Seu beneficiamento ocorre por processadoras
locais, artesanais e industriais, mas as principais marcas da indústria estão fora da região. O açaí é
considerado um superalimento: energético, rico em proteínas, fibras, lipídios e antioxidantes, também
é usado como nutracêutico e suplemento alimentar, com grande demanda internacional. O desafio é
ampliar a produtividade em contexto de preservação ambiental e aumentar o beneficiamento da produção
primária, estimado em 50%. A Rota do Açaí tem investido na capacitação de técnicos e produtores e em
tecnologias de rastreabilidade e beneficiamento.
A estruturação da cadeia produtiva do leite e derivados é estratégica sob a perspectiva do desenvolvimento
regional, tendo em conta que é este um dos setores que mais emprega no país, com grande potencial de
crescimento, pela baixa profissionalização da produção e baixa produtividade. O setor contempla grande
número de pequenos produtores rurais em regiões de baixa renda, com destaque para as regiões Sul e
Centro-Oeste. O aproveitamento pleno do potencial do setor importa em um conjunto integrado de iniciativas
estruturantes, voltadas para o melhoramento genético, o desenvolvimento de novos produtos lácteos e o uso
de energias alternativas para resfriamento e reuso de água para produção de forragem animal.
A cadeia produtiva da fruticultura oferece oportunidades de emprego, de negócios e investimentos em
todo o país, com destaque para a região Nordeste, onde muitos perímetros irrigados já se apresentam
como grandes exportadores para o mercado interno e externo. A Rota busca avançar no beneficiamento
de frutas para geração de produtos de maior valor agregado e mais e melhores empregos no setor de
design, embalagens e derivados de frutas (sucos, barras de cereais, doces), além de apoiar melhoria da base
produtiva a partir de investimentos em espécies melhoradas e equipamentos para produção.
A Rota do Pescado visa ao desenvolvimento regional por meio da estruturação da atividade aquícola e
pesqueira, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, com o propósito de gerar oportunidades de negócios,
empregos e renda. A iniciativa busca profissionalizar a cadeia produtiva do pescado integrando os
subsistemas de insumos, produção, processamento e comercialização por meio da criação de sistemas
integrados de produção. A ações desenvolvidas buscam aumentar a produtividade, melhorar a genética, a
qualidade do armazenamento e a comercialização.
A estratégia Rotas busca identicar territórios onde a produção está mais
adensada (polos ou clusters), permitindo maior impacto de projetos junto a
produtores organizados em associações e cooperativas. Dessa forma, a iniciativa
obtém resultados em escala mais expressiva, com a viabilização de unidades de
beneciamento (agroindústrias) e ações de capacitação, comercialização e agregação
de valor. Em polos adensados, podem ser desenvolvidos ecossistemas de inovação
voltados para o desenvolvimento de novas tecnologias, como nos campos das
TICs e economia circular. Conforme a Portaria MI no 80/2018, o reconhecimento
dos polos exige cumprimento dos requisitos a seguir descritos.
1) Obediência à tipologia da PNDR quanto ao foco nos territórios de
ação prioritária.
2) Organização social presente: preferência para territórios com câmaras
setoriais, associações e cooperativas organizadas por meio de redes de
articulação, interação e cooperação de parceiros públicos e privados.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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3) Potencial de inovação: desejavelmente, os polos devem manter
proximidade e interação com centros de ensino, pesquisa e quali-
ficação profissional.
4) Representatividade sub-regional: o polo deve ter destaque na produção
estadual ou regional e envolver conjunto de municípios com aptidão
ambiental e socioeconômica à atividade, com destaque para o potencial
de desenvolvimento de indicações geográcas.
5) Potencial de encadeamento produtivo: valoriza-se a presença local de
agroindústrias, fornecedores de insumos e redes de comercialização –
mercados locais, turismo, exportadores, serviços especializados,
entre outros.
6) Convergência de ações: prioridade para espaços com potencial de
otimização de ações e recursos de outros projetos.
A partir da identicação dos polos, é buscada a aproximação com atores
relevantes da cadeia produtiva e do território – parcerias públicas e privadas – para
a realização de ocinas de planejamento estratégico, com o objetivo de identicar
e equacionar gargalos ou aproveitar as oportunidades e desenvolver o potencial da
cadeia produtiva nos territórios selecionados. A partir das ocinas de planejamento
estratégico, são constituídos comitês gestores (governança local) e estruturadas
carteiras de projetos orientadas pelos eixos e componentes da cadeia produtiva, a
saber, insumos, produção, beneciamento, agregação de valor e comercialização,
além de ações transversais em infraestrutura, organização social, meio ambiente,
nanciamento e regulamentação.
A estratégia Rotas requer a formação de comitês gestores locais em regime
de composição diversicado, na forma de uma quíntupla hélice, conforme a ex-
periência de desenvolvimento regional da União Europeia intitulada Estratégias
de Inovação Regionais e Nacionais para a Especialização Inteligente (Research
Innovation Strategies for Smart Specialisation – RIS3).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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FIGURA 4
Quíntupla hélice
Elaboração dos autores.
A publicação do documento “Bases para o Plano Nacional de Desenvolvimento
da Rota do Cordeiro”, em 2017, deu visibilidade à estratégia de planejamento das
Rotas e atraiu parcerias da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
do Ministério da Agricultura e Pecuária (Ceplac-Mapa) e da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) que permitiram a atuação das Rotas em outras cadeias produtivas
de interesse da política regional.
A cadeia produtiva do cacau e do chocolate é estratégica para o desenvolvimento regional pelo grande
número de ocupações, especialmente pequenos produtores em territórios de baixa renda, com destaque
nas regiões Norte e Nordeste (Amazônia e Mata Atlântica). A cacauicultura em sistemas agroflorestais
(SAFs), conforme metodologia Ceplac, tem motivado a ampliação do cultivo desse produto de alto valor
comercial e vasto potencial de beneficiamento e o desenvolvimento de novos produtos baseados no
chocolate e subprodutos (nibs, liquor, manteiga). A cadeia produtiva do cacau e do chocolate é composta
por produtores, transportadores, comerciantes, beneficiadores, serviços e varejo, com destaque para as
chocolaterias e chocolates refinados, mercado crescente em todo o mundo, principalmente nos países
asiáticos e europeus. A Rota tem investido na pesquisa de espécies mais resistentes e produtivas, além da
capacitação de técnicos e da difusão de tecnologias e incentivo ao desenvolvimento de novos produtos.
Em parceria com a Fiocruz, a Rota da Biodiversidade incentiva o desenvolvimento regional a partir
da estruturação da cadeia produtiva de fitomedicamentos, fitoterápicos, fitocosméticos e alimentos
nutracêuticos. A produção sustentável a partir da biodiversidade brasileira é uma opção estratégica para
o desenvolvimento regional, com grande potencial de geração de emprego e renda para as populações
tradicionais que atuam na agricultura familiar e extrativismo. A atividade contribui, também, para a
conservação dos biomas e se destaca como oportunidade de inovação e desenvolvimento tecnológico
no setor farmacêutico e de cosméticos, que pode promover parcerias importantes entre instituições de
fomento, indústrias e ICTs.
Com a fusão entre o MI e o MCID, em 2019, que resultou na criação do
MDR, foi considerado oportuno expandir as Rotas para atividades de caráter mais
urbano e associadas a setores de base tecnológica, intensivos em conhecimento,
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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capazes de movimentar grandes investimentos, difundir novas tecnologias, pro-
dutos e serviços, contribuindo para o desenvolvimento de novas centralidades
urbanas, como descrito a seguir.
Essa rota integra a segunda geração do programa, voltada ao apoio a setores de base tecnológica com
potencial de alavancar ambientes rurais e urbanos. A Rota da TIC é uma estratégia de desenvolvimento
regional, urbano e setorial, que tem como propósito apoiar a estruturação de uma rede de polos de
tecnologias da informação e comunicação (TICs) capaz de servir de alavanca para o desenvolvimento
de cadeias produtivas regionais e para a estruturação de uma rede policêntrica de cidades inteligentes
(smart cities). A Rota tem atuado na formação de técnicos, desenvolvimento de startups (AgTechs) e
fomento a ecossistemas de inovação em parceria com a Sudene, com projeto piloto na região Nordeste em
parceria com a Embrapa, o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene) e o BNB.
A Rota da Economia Circular (REC) busca criar alternativas sustentáveis de gestão e reaproveitamento de
resíduos, promovendo a inclusão produtiva e o desenvolvimento regional a partir do seu aproveitamento
econômico, inclusive no suporte ao desenvolvimento de funcionalidades para cidades inteligentes
(smart cities). A estratégia busca: i) a recuperação dos resíduos sólidos por meio do fortalecimento da
cadeia produtiva da reciclagem, com a reutilização, regeneração e transformação de resíduos sólidos;
ii) o desenvolvimento, a difusão e a gestão de energias renováveis (eólica, biomassa, solar, térmica); e iii) o
desenvolvimento e a implantação de tecnologias para otimização do uso dos recursos hídricos (reuso de
água, dessalinização, filtragem, osmose reversa), inovações fundamentais para o século XXI.
As informações atualizadas sobre as Rotas de Integração Nacional podem
ser obtidas no Portal Rotas,7 projeto de difusão do conhecimento e apoio à gestão
descentralizada do programa, realizado em parceria com o Instituto Avaliação
(IA) e o projeto Adaptando Conhecimento para Agricultura Sustentável e Acesso
ao Mercado, da Universidade Federal de Viçosa (AKSAAM-UFV) com recursos
do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida). O portal prevê a
implantação de uma bolsa online de comércio eletrônico voltada aos beneciários
das Rotas.
Atualmente existem dez Rotas em atividade, conforme o mapa que identica
os polos estabelecidos entre 2017 e 2020 (mapa 3).
Sob a lógica das Rotas, iniciativas de fomento setoriais (pesquisa e desen-
volvimento – P&D, qualicação prossional, canais de nanciamento, regula-
mentos) podem ser difundidas para diferentes polos da mesma Rota, adquirindo
uma abrangência regional ou mesmo nacional. Nesse sentido, linhas de crédito
especícas, apoio à certicação ou facilitação das normas de comercialização de
alimentos e insumos vegetais pode favorecer simultaneamente todos os produtores
de açaí, cacau e insumos vegetais da Amazônia Legal.
7. Disponível em: <http://portalrotas.mdr.gov.br/>.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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MAPA 3
Rotas de Integração Nacional
Fonte: MDR.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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É incentivada a criação de redes de cooperação entre órgãos federais, estados e
municípios e também entre produtores e empresários, atores diretamente respon-
sáveis e interessados pelo sucesso dos projetos. Na perspectiva do empreendedor,
a estruturação de redes de Arranjos Produtivos Locais (APLs) enseja a troca de
experiências organizativas, permitindo o compartilhamento de mercados, tecnologias
e sistemas de gestão, além do acesso a uma rede inter-regional de fornecedores de
serviços, equipamentos e matérias-primas.
Nas Rotas, merece especial atenção a construção de parcerias para a
montagem de um sistema ecaz de governança na gestão de projetos. A coor-
denação de ações permite que cada agência pública ou privada se especialize
em sua área de atuação, seja na gestão do nanciamento, seja da capacitação
ou infraestrutura. O enfoque setorial permite a identicação das necessidades
concretas da cadeia produtiva trabalhada no território especíco. O compar-
tilhamento de responsabilidades entre os diversos órgãos públicos e privados
em torno de uma agenda de trabalho negociada com a participação dos atores
territoriais contribui para a eciência e a ecácia dos planos e projetos, além
de dicultar a fragmentação e o sombreamento das diversas intervenções. Essa
lógica de ação facilita a responsabilização das entidades, por meio da transpa-
rência na gestão dos projetos.
O desenvolvimento de parcerias estratégicas nos programas de desenvolvi-
mento regional e inclusão produtiva permite explorar novos mercados, fortalecer
a base tecnológica regional e promover a modernização de setores tradicionais
na agropecuária e nos serviços, por meio de iniciativas de transformação digital,
energias renováveis, reuso de resíduos, entre outros.
A sinalização setorial e territorial do programa Rotas tem facilitado o diálogo
com os bancos de desenvolvimento, inclusive mediante acordos de cooperação
técnica com o BNB e o Banco da Amazônia, responsáveis pela gestão dos fundos
constitucionais e de desenvolvimento.
A proposta das Rotas de Integração Nacional na nova PNDR identica ati-
vidades sustentáveis e inclusivas em todo o território nacional. Entende-se que a
atividade econômica, em grande medida, dene o modelo de ocupação do espaço
e também as suas consequências. Assim, está em questão o próprio padrão de
desenvolvimento econômico regional brasileiro.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
112
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É importante salientar que as grandes regiões prioritárias da PNDR,
seja a Amazônia Legal, seja o Nordeste semiárido, exigem necessariamente
ações inovadoras e criativas para o seu desenvolvimento. Trata-se de territórios
ambientalmente sensíveis que não podem ser trabalhados exclusivamente com
base na exploração intensiva de commodities de base agropecuária ou mineral
(Coêlho, 2017).
Nessas regiões, é importante desenvolver iniciativas inovadoras, com reduzido
impacto ambiental, e otimização de insumos estratégicos, sobretudo recursos
naturais como energia, água e solo, o que demanda substanciais investimentos em
CT&I. A estratégia Rotas favorece a agregação de valor das produções regionais
e o adensamento de suas cadeias produtivas, gerando mais e melhores ocupações,
baseadas em setores diferenciados, com maior capacidade de absorção de progresso
técnico e introdução de serviços especializados, inclusive aqueles relacionados à
transformação digital.
A agregação de valor por meio de agroindústrias e serviços e tecnologias
modernas – indicações geográcas, agricultura de precisão (AP), drones, sistemas
de rastreabilidade (blockchain), aplicativos para gestão e comercialização, entre
outras – oferece opções criativas para o desenvolvimento regional em espaços
periféricos, citando o exemplo bem sucedido da Rota do Mel no norte de Minas
Gerais e no Parque Cientíco e Tecnológico do Alto Solimões no Amazonas, na
linha da Rota da Biodiversidade.
Tem-se aqui a possibilidade de agregar valor às produções regionais periféricas
a partir de redes de fornecimento e comercialização, assistência técnica, nan-
ciamento e beneciamento. Esse adensamento da produção enseja o desenvol-
vimento de economias de aglomeração e o orescimento de novas centralidades
urbanas, provedoras de serviços especializados, na lógica policêntrica defendida
pela PNDR.
O Brasil precisa viabilizar sistemas regionais de inovação, de modo a descon-
centrar a produção de conhecimento e tecnologias e fomentar atividades inovadoras
nas periferias nacionais. O recente esforço desenvolvido para fortalecer a rede
nacional de ensino superior e ensino médio prossionalizante, por meio da
expansão dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia e das univer-
sidades federais, representa uma estratégia promissora para o desenvolvimento
regional brasileiro. Essa parceria tem sido fundamental para o desenvolvimento de
projetos associados às Rotas.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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113
FIGURA 5
Rede federal de educação profissional, científica e tecnológica
Fonte: Ministério da Educação (MEC).
Obs.: Figura reproduzida em baixa resolução e cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das
condições técnicas dos originais (nota do Editorial).
É também válido destacar a atuação em parceria com a Embrapa, que possui
cerca de cinquenta unidades descentralizadas e vinte escritórios regionais em todo
o país. A empresa tem um forte histórico de apoio ao agronegócio brasileiro, com
destaque para os segmentos de cultivares, grãos e solos, entre outros. A provisão
de soluções tecnológicas pela Embrapa e outros órgãos de pesquisa é estratégica
para a criação de sistemas regionais de inovação.
O progresso cientíco e tecnológico na agricultura familiar, no extrativismo
e notadamente nos empreendimentos urbanos permite desenvolver inovações,
incluindo a gestão de recursos hídricos, resíduos, energias renováveis e soluções
de TICs, que geram novas ocupações, negócios e melhorias nos índices de susten-
tabilidade e produtividade, favorecendo as condições de investimento privado e
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
114
|
contribuindo para o desenvolvimento regional, como no caso do projeto estratégico
da Plataforma Sabiá, em cooperação com a Universidade Federal Rural do
Semi-Árido (Ufersa) e a Rota da Economia Circular.
Não é desprezível o impulso à industrialização e aos serviços avançados a
partir da difusão do progresso técnico nas periferias nacionais, com o incentivo
ao beneciamento e à diferenciação das produções primárias regionais.8 Um novo
motor de crescimento econômico baseado na integração desses complexos regionais
está ao alcance da civilização brasileira.
Recentemente, foi publicada pelo MDR a Portaria no 299, de 4 de fevereiro de
2022, fundamentada no Decreto no 9.810/2019 (Brasil, 2019a), que instituciona-
liza a PNDR II. A portaria rearma as Rotas como “estratégia de desenvolvimento
regional e inclusão produtiva do MDR” e traz novos elementos como o incentivo
a empresas-âncoras e o fomento ao processo de integração vertical, maior articulação
com o Sistema S e a criação de um Comitê Supervisor da Estratégia Rotas de
âmbito nacional. Será oportuno avaliar o impacto desta revisão normativa no
desempenho do programa, tema para posterior investigação.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, a atual versão da PNDR tem enfrentado grandes diculdades para
avançar em sua institucionalização, consoante às recomendações do relatório
TCU (2020). As instâncias de governança da PNDR carecem de efetiva mate-
rialização e funcionamento, enquanto seus instrumentos – fundos e incentivos
regionais, programas e ações orçamentárias – necessitam de metas e diretrizes
objetivas, além do estabelecimento de mecanismos de avaliação e monitoramento
do seu impacto nos indicadores de desenvolvimento das regiões brasileiras.
Lembrando Colombo (2021), o timing previsto de acoplagem da política
regional ao PPA 2020-2023 pode ter se perdido, comprometendo a “janela de
oportunidade” (policy windows) de institucionalização dos planos macrorregionais
e da própria PNDR. O risco enfrentado pela política regional é de um eventual
retrocesso nos instrumentos da política e na desmobilização da questão regional
na agenda de políticas públicas, com graves consequências para as regiões de
menor renda e para o conjunto da nação, com o agravamento das migrações
descontroladas nas periferias, gerando favelização e megametropolização nos
grandes centros urbanos.
8. Um exemplo interessante é extraído da indústria internacional do café. Apesar de não ser uma produtora primária da
rubiácea, a Alemanha é líder mundial em exportação de café industrializado, processando parte da produção brasileira
que é exportada para o país (Coêlho, 2014). Assim, a rentabilidade do negócio alemão do café (beneficiado) é cerca
de 70% superior à produção brasileira (primária), sem mencionar o envolvimento e a geração de emprego e renda nas
estruturas terciárias de marketing, serviços, comercialização e logística mobilizados pela indústria do café.
A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
regionais de desenvolvimento e rotas de integração nacional
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115
Para não repetir o malogro da sua primeira versão, a PNDR precisa consolidar
sua institucionalização para conseguir materializar seus objetivos estratégicos.
Para tanto, as partes interessadas na política de desenvolvimento regional, com
destaque para o atual Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional
(MIDR) e suas superintendências de desenvolvimento regional (Sudam, Sudene
e Sudeco), devem exercitar sua policy advocacy, de modo a projetar a política regional
na agenda nos centros de decisão política (politics). Em adição, outros atores rele-
vantes devem se somar a esse esforço, tais como as confederações de agricultura,
comércio e indústria, redes de instituições de ensino, pesquisa e qualicação pro-
ssional, empresas e organizações de produtores de todo o país, de modo a reforçar
a composição política necessária para projetar a pauta do desenvolvimento regional
na agenda decisória.
As desigualdades regionais brasileiras permanecem agudas sob os mais diversos
vieses, seja da perspectiva do acesso a serviços públicos, das alternativas de inclusão
produtiva ou dos indicadores socioeconômicos de renda, educação e saúde.
Assim, permanece necessária a intervenção da política regional para o enfrenta-
mento destas desigualdades, incentivando alternativas de desenvolvimento para
todos os territórios e regiões brasileiras.
A construção de oportunidades para a civilização brasileira é também a
valorização de nossa diversidade. O potencial de aproveitamento produtivo dessa
diversidade é virtualmente incalculável, e esse deve ser nosso grande projeto
nacional de desenvolvimento.
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A PNDR e seu Movimento Atual: agendas estratégicas, planos
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de Controle Externo do Desenvolvimento Econômico. Brasília: TCU, 2020.
CAPÍTULO 3
A AGENDA INSTITUCIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A
CAPACIDADE INSTITUCIONAL DAS SUPERINTENDÊNCIAS
REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
Lucileia Aparecida Colombo1
1 INTRODUÇÃO
O objetivo central deste trabalho é analisar as capacidades institucionais da
Superintendência de Desenvolvimento Regional do Nordeste (Sudene), da Superin-
tendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco). Vericaremos três pontos principais:
i) em que medida esses planos estão alinhados com a Política Nacional de Desen-
volvimento Regional (PNDR), desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR); ii) qual a capacidade institucional das superintendências para
formular e implementar as políticas descritas nos planos regionais; e iii) quais os
diagnósticos que podemos extrair para o desenvolvimento regional a partir da
análise desses documentos.
Metodologicamente, este capítulo está alicerçado em uma literatura sobre as
políticas públicas, especicamente sobre a teoria da formação da agenda, desenvol-
vida e aprofundada especialmente por Kingdon (2003), para analisarmos como
foram elaborados os documentos aqui considerados. Cabe destacar que este trabalho
possui um recorte metodológico qualitativo, com a análise documental de fontes
primárias contidas nos planos regionais de desenvolvimento.
Com o intuito de organizar o trabalho, desenvolvemos um arcabouço
empírico, que será aplicado na análise de todos os planos regionais, a m de vericar
se eles estão presentes ou ausentes. Ao priorizarmos alguns pontos especícos,
também vericaremos, concomitantemente, se as superintendências detêm capa-
cidade institucional para formular e implementar políticas públicas.
1. Pesquisadora do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e
Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea); professora adjunta
do Instituto de Ciências Sociais e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, ambos da
Universidade Federal de Alagoas (Ufal); e doutora em ciência política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
E-mail: <leia.colombo@gmail.com>.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
120
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Compactuamos com a teoria da formação de agenda, desenvolvida por
Kingdon (2003), pois tanto os planos regionais quanto a PNDR representam
uma agenda governamental clara para o tratamento das políticas públicas.
Entretanto, para que elas sejam materializadas, é necessária a transição de uma
agenda de governo para uma agenda de decisão. Nesse sentido, a análise dos planos
poderá informar se esse movimento é possível no estágio em que as políticas se
encontram. A formação da agenda pode ser explicada por vários fatores, segundo
Kingdon (2003), desde crises ou da emergência de alguns problemas – passando
por um certo acúmulo de conhecimento sobre determinado assunto, gerando
perspectivas de formulação de políticas por parte dos especialistas –, até a opinião
pública, resultado de eleições, mudança na administração, entre outros.
Assim, a abertura de uma agenda de políticas públicas não indica, necessa-
riamente, que essa política poderá ser implementada, pois nesse estágio novos
atores deverão entrar em cena, podendo modicar decisivamente o conteúdo dessa
agenda ou até mesmo barrá-la. Para tanto, ao lado dos estudos de formação
da agenda, é importante considerar também os estudos sobre implementação de
políticas públicas, desenvolvidos por autores como Lotta (2019), que destaca
alguns pontos importantes para essa fase da política.
Em primeiro lugar, a formulação e a implementação são fases complementares,
que envolvem diversos atores do ciclo. Como existe uma certa ordenação hierár-
quica por meio da qual as políticas públicas são construídas, tais camadas podem
sofrer alterações e afetarem, concomitantemente, o resultado nal: “assim, a separação
real não é entre quem formula (e decide) e quem implementa (e executa), mas
sim sobre quem decide com quem sobre o quê. E quais decisões são passíveis de
serem questionadas, alteradas e ‘redecididas’” (Lotta, 2019, p. 18). Um segundo
ponto abordado pela autora é a complexidade característica do processo decisório,
envolvendo diversos atores, com muitos interesses, que por vezes conitam
entre si. Assim,
isso leva ao terceiro pressuposto analítico: de que o processo de implementação de
políticas públicas é altamente interativo. Muitos atores são envolvidos nos processos
decisórios que levam à materialização das políticas. Esses atores podem estar dentro
ou fora das organizações, podem ser estatais ou não estatais, podem ser formais ou
informais. As políticas públicas são atualmente implementadas por grupos
multiorganizacionais que interagem defendendo diferentes perspectivas e valores
(Lotta, 2019, p. 19).
Finalmente, a autora alerta que há muitos fatores que exercem persuasão na
implementação das políticas públicas, desde a cultura de um determinado país,
passando pelo desenho das políticas formuladas e até mesmo pelos burocratas
envolvidos. Nesse sentido, especial atenção deve ser dada aos chamados “buro-
cratas de nível de rua”, expressão cunhada por Lipsky (2010), que determina como
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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121
os servidores implementam a política pública desenhada geralmente pelos altos
escalões do governo, e como essa implementação utiliza-se, algumas vezes, de
prerrogativas pessoais, podendo alterar o desenho original das políticas. Os buro-
cratas de nível de rua agem em ambientes institucionais marcados pela escassez
de recursos, além de atuarem com algum grau de discricionariedade, ou seja, a
liberdade concedida para tomar decisões em momentos estratégicos e de acordo
com a sua postura individual. Nos termos de Lipsky (2019, p. 38), “a forma
como os burocratas de nível de rua proporcionam benefícios e sanções estrutura e
delimita a vida das pessoas e suas oportunidades. Essa forma orienta e determina
o contexto social (e político) no qual as pessoas agem”.
Assim, podemos supor que o processo decisório – do início até a ponta – sofre
inuências de uma série de atores e fatores, os quais podem alterar completamente o
resultado das políticas públicas desejadas. Diante dessas considerações, este trabalho
é dividido em quatro seções, além desta introdução e da conclusão: a seção 2 abarca
as políticas públicas e o processo de formação da agenda, enquanto as seções 3, 4 e 5
abordam a análise do Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE),
do Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA) e do Plano Regional
de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRDCO), respectivamente.
2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS: FORMAÇÃO DE AGENDA E FORMULAÇÃO
O ciclo de políticas públicas é um bom portfólio acerca de como podemos observar o
processo decisório, os atores participantes e o trâmite percorrido por cada política.
É válido ressaltar que a formação da agenda também é um lócus privilegiado de
observação, pois ela reforça a prioridade dos governos sobre os temas de destaque
que obtêm tratamento governamental adequado. Nesse sentido, o modelo de
Kingdon (1995) constitui um importante instrumento para a análise do momento
pré e pós-decisão, embora não seja o único.
O desenho de uma política pública pode sofrer alterações em decorrência
da articulação entre os atores políticos, sociais e econômicos, do grau de auto-
nomia institucional e da capacidade de governança, os quais podem contribuir
para o sucesso ou o fracasso de determinada política ou programa. Alguns autores
empenharam-se profundamente no entendimento desses fatores, entre eles, podemos
citar Simon (1947), Lasswell (1951), Hogwood e Gunn (1997) e Howlett,
Ramesh e Perl (2013).
Para o entendimento de uma agenda governamental de políticas públicas,
é necessário, primeiramente, a compreensão de como um problema adquire a
prerrogativa de chegar ao debate público, obter consenso da maioria e despertar
a atenção dos legisladores e policy makers. Em seguida, observa-se como são criadas as
alternativas de tratamento para esse problema, tendo em vista que para a resolução
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
122
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de uma questão deve haver diversos caminhos possíveis. Não menos importante
que as duas etapas anteriores é a obtenção de apoios necessários para a solidi-
cação da agenda, com os grupos de interesse e os grupos de pressão existentes.
Finalmente, transcorridas todas essas etapas, faz-se necessário dar prosseguimento
com os protocolos necessários para a implementação do que foi desenhado
anteriormente. Como destaca Kingdon (1995, p. 222),
a agenda, como eu a concebo, é a lista de temas ou problemas que são alvo em dado
momento de séria atenção, tanto da parte das autoridades governamentais, como
de pessoas de fora do governo, mas estreitamente associadas às autoridades. (...)
dentro dos possíveis temas ou problemas aos quais os governantes poderiam dedicar
sua atenção, eles se concentram em alguns e não em outros. Assim, o processo de
estabelecimento da agenda reduz o conjunto de temas possíveis a um conjunto
menor, que de fato se torna o foco de atenção. Queremos compreender não apenas
por que a agenda é composta dessa forma em um certo momento, mas também
como e por que ela muda de um momento para outro.
Kingdon (2003) elenca dois tipos principais de agenda: a primeira, a agenda
sistêmica, é composta de temas que despertaram interesse da população, que acredita
que determinado problema deve receber tratamento governamental para a sua
resolução. Ou seja, o consenso popular para a abordagem de determinada questão
foi transformado em demanda, que agora precisa receber tratamento pela agenda
governamental, que também pode receber o nome de agenda institucional. Nesse
tipo de agenda, todas as decisões são tratadas pelos entes federados, sejam eles
municípios, estados ou União, por meio de seus representantes legais.
Para Kingdon (2003), na agenda governamental, decisivamente, os formula-
dores de políticas públicas mobilizarão recursos (tanto nanceiros como apoio
político) para a formulação e posterior implementação da política. De forma con-
secutiva, um terceiro tipo de agenda pode surgir, a chamada agenda decisória,
contendo uma série de alternativas e instrumentos para colocar a política em
funcionamento. Há, também, nesse tipo de agenda, tanto a presença dos policy
makers quanto dos veto players, permeados e dispostos em grupos de interesse
ou grupos de pressão. Ou seja, se, por um lado, há uma mobilização propositiva
através dos grupos pró-política, essa mesma agenda comporta grupos contrários
a ela, atuando com recusa, além de mobilizarem seus capitais (político, social e
nanceiro) para barrar sua concretização. Além de conter uma série de conitos
entre os grupos favoráveis e contrários à formação da chamada agenda setting, esta
ainda possui a prerrogativa de despertar interesse das elites ou da população em
geral em seus problemas e suas soluções, uma vez que sua abordagem é difundida
na mídia em geral.
Após essa fase de denição da agenda, passa-se para um segundo estágio,
baseado na decisão dos formuladores e na escolha dos modelos: a formulação de
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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123
políticas públicas. Vários modelos explicativos podem ser utilizados para analisar
essa fase, sendo eles: o modelo dos múltiplos uxos (Kingdon, 2003), o modelo
do equilíbrio pontuado (Baumgartner e Jones, 1993), o modelo da garbage can
(Cohen, March e Olsen, 1972) e o modelo da coalizão de defesa – advocacy coalition
(Sabatier e Jenkins-Smith, 1993).
Para este trabalho, consideramos adequado o modelo dos múltiplos uxos,
elaborado por Kingdon (2003). Nele, o autor remete ao ambiente em que as polí-
ticas são formuladas como uma “anarquia organizada”, com três uxos principais:
problemas (problems stream); soluções (policy stream) e política (political stream).
As alterações substantivas em uma agenda são favorecidas pela convergência desses
três uxos, que formam a chamada janela de oportunidade (policy windows), pela
ação e o esforço dos empreendedores de políticas (policy entrepreneurs).
Antes de entrar na denição de cada uxo do modelo de Kingdon (2003),
cabe destacar que o autor enfatiza a importância dos participantes visíveis e invisíveis
no processo de denição da agenda e da formulação de políticas. Os participantes
visíveis são divididos em dois grupos: i) os atores governamentais (representantes
legais dos poderes Executivo e Legislativo, bem como os burocratas); e ii) os atores
não governamentais (os grupos de interesse, a mídia, a opinião pública). Os
atores governamentais são responsáveis por delinear e ordenar os pontos da agenda,
bem como apresentar um leque de possíveis alternativas para a consecução de tais
políticas, sendo responsáveis, concomitantemente, pela fase de implementação.
Já os chamados atores não governamentais não são atrelados formalmente ao go-
verno, mas exercem inuência sobre as decisões tomadas. Esse grupo é composto
por movimentos sociais e grupos de interesse (lobistas, sindicalistas, membros
de associações populares e civis) e pode ser tanto propositivo, elencando pontos
especícos para a agenda, como pode contribuir para barrar tais pontos, exercendo
poder de veto, ainda que informalmente.
Quanto ao modelo dos múltiplos uxos, cabe-nos agora uma explanação sobre
cada um deles. O primeiro uxo, de problemas, pode utilizar diversos instrumentos para
despertar a atenção governamental, podendo ser: os indicadores, alguns eventos
ou crises que despertam visibilidade na mídia e o feedback governamental sobre
determinada política. Esse feedback pode ser descrito como os relatórios de imple-
mentação, que apresentam claramente o cumprimento das metas e a resposta do
sistema de ouvidoria, responsável por registrar as insatisfações dos cidadãos ou o
monitoramento da própria política, que deve indicar diagnósticos para a mudança
de percurso da política, se necessário. O segundo uxo, denominado soluções, con-
tém um conjunto de atividades que permitem a concretização da formulação da
política, tais como o equilíbrio entre a relação de custos e benefícios, o processo de
construção do consenso popular para a legitimação da política pública, o tratamento
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
124
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por parte dos tomadores de decisão e a probabilidade de sucesso da política. O
terceiro uxo, denominado política, é caracterizado pelo processo por meio do qual
a política já foi debatida, foram estabelecidas alternativas e, nalmente, ela passará
pelo crivo do consenso. Para Kingdon (1995, p. 229),
o consenso é formado na dinâmica da política por meio da negociação, mais do que
da persuasão. Quando participantes identicam problemas ou entram em acordo
sobre certas propostas na dinâmica das políticas públicas, eles agem principalmente
por meio da persuasão. Eles organizam os indicadores e defendem que certas situações
podem ser denidas como problemas, ou que suas propostas satisfazem testes lógicos,
tais como viabilidade técnica ou aceitabilidade. Contudo, na dinâmica da política, os
participantes constroem consenso por meio de negociação, criando emendas em troca
de apoio, atraindo políticos para alianças através da satisfação de suas reivindicações,
ou então fazendo concessões em prol de soluções de maior aceitação.
Quando o uxo de problemas, de soluções e da política se encontram, eles
formam a chamada janela de oportunidade: um problema foi reconhecido, existem
soluções disponíveis e a política está propensa a realizá-las através de uma agenda
de decisão. Contudo, da mesma maneira que uma janela se abre, ela pode se
fechar; é preciso que a abertura aconteça pelo reconhecimento da necessidade de
tratamento de determinado problema e, além disso, é preciso considerar o caráter
transitório de uma agenda, pois o seu fechamento pode ser realizado se algum
dos uxos – seja o de problema, o de soluções ou o político – desarticular-se. Um dos
principais agentes que determinam a abertura ou o fechamento de uma janela são
os chamados empreendedores de políticas, responsáveis por promover a articulação
entre os três uxos, de maneira a não perder a oportunidade de impulsionar a
política pública para as próximas fases. Todavia, no caso de tais empreendedores
não participarem ativamente, as janelas podem se fechar e, assim, perde-se a opor-
tunidade de concretização de uma política pública. Kingdon (1995, p. 239)
descreve esses empreendedores da seguinte forma:
com relação às propostas, os entrepreneurs são peças-chave para o processo de
amaciamento da dinâmica de tomada de decisões. Eles escrevem os documentos,
fazem os pronunciamentos, promovem audiências, tentam obter cobertura da
imprensa e realizam inúmeras reuniões com pessoas importantes. Eles circulam suas
ideias com experimentos, exploram as reações, revisam suas propostas à luz dessas
reações e circulam as ideias novamente. Eles visam a convencer o público em geral,
os públicos especializados e a própria comunidade de formuladores de política.
O processo envolve anos de esforço.
O modelo de Kingdon (1995) é bem pertinente para pensarmos nos pri-
meiros passos de uma política pública, sua entrada na agenda e seu processo de
formulação. Entretanto, segundo Viana (1996), ao se remeter a autores como
Hoppe, Graaf e Dijk (1985), defende que essa concepção de agenda pode ser
interpretada através de outros momentos sequenciais: i) a construção da agenda;
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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125
ii) a elaboração do projeto de política; iii) a adoção e aceitação do projeto; iv) a
implementação da política; v) a avaliação da política; e vi) o reajuste, caso seja
necessário. A fase da elaboração e adoção do projeto (formulação) é crucial e ne-
cessita estar em grande conexão com a implementação, para a construção de um
espaço institucionalizado de troca de informações entre formuladores e imple-
mentadores e para que a política pública possa uir em um ambiente institucional
adequado, evitando uma comunicação imprecisa. Por estarem em estreita conexão,
formulação e implementação, são fases distintas, mas precisam, necessariamente,
estabelecer articulações.
3 O PRDNE
Kingdon (2003) admite a possibilidade de abertura de uma janela de oportuni-
dade e, consequentemente, de uma agenda, mas o contrário também é previsto.
A PNDR inaugura uma agenda de governo, ao propor uma série de questões que
devem ser realizadas para que haja, de fato, uma agenda de decisão. Para que isso
ocorra, é fundamental que os planos regionais das superintendências estejam ali-
nhados com a PNDR e contenham, em si, a possibilidade real de implementação
das políticas previstas. Para tanto, analisaremos nesta seção se esses planos estão
alinhados com os fatores citados e em que medida estão preparados para entrar
em uma agenda de decisão.
Com o intuito de organizarmos metodologicamente esses planos, trabalha-
remos com um critério de capacidade institucional, a partir de cinco fatores elegidos,
que auxiliarão na análise dos três planos regionais da Sudam, Sudene e Sudeco:
i) a capacidade de cumprir as próprias regras, com autonomia em relação a outras
instituições; ii) a capacidade de formular e implementar políticas; iii) a capacidade
de articulação política para promover a cooperação com outras instituições;
iv) a capacidade de determinação do tempo previsto para a execução das políticas;
e v) a capacidade de gerar accountability. Ao priorizarmos esses pontos especícos
presentes ou ausentes nos planos, também vericaremos, concomitantemente, se
as superintendências detêm capacidade institucional para formular e implementar
políticas públicas.
O PRDNE apresenta-se alinhado com todos os pressupostos contidos na
PNDR, com a denição temporal de doze anos de atuação, revisões anuais e
vigência de quatro anos. Além disso, o plano elaborado pela Sudene também
identica a preocupação de articulação direta com as outras instituições:
tomou-se como base para a elaboração do presente documento, a Estratégia
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Endes) 2020-2031, os marcos
orientadores da PNDR e a Agenda Estratégica para o Nordeste − elaborada pela
Sudene, fruto do grupo de trabalho criado no âmbito da revisão da PNDR em 2018.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Esse plano também se insere no contexto de clara convergência com as iniciativas
nacionais da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que deniu
os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) (Brasil, 2019c, p. 10).
Além disso, o PRDNE também contou com uma intensa participação da
sociedade civil e de membros do governo, por meio de grupos temáticos de espe-
cialistas, grupos do MDR e do Ministério da Economia (ME), além de consultas
aos governos estaduais e à sociedade civil sobre as questões inseridas. Aqueles
participaram ativamente das consultas, além de denirem uma abordagem
territorial que permite a utilização de regiões geográcas intermediárias, valori-
zando o urbano e o rural e também priorizando as cidades médias para a centra-
lidade regional. Nesse sentido, os eixos estruturantes propostos pelo plano são:
i) a segurança hídrica e a conservação ambiental; ii) a educação e o desenvolvimento
de capacidades humanas; iii) a inovação; iv) o desenvolvimento institucional; e
v) a dinamização e a diversidade produtiva e o desenvolvimento social e humano.
Um dos pontos mais debatidos no PRDNE é a necessidade de superação
da imagem do Nordeste como um lugar seco e fragilizado, com alternativas de
aproveitamento do potencial turístico e de aplicação de ciência e tecnologia; além
disso, outro ponto importante é o alinhamento dos objetivos de desenvolvimento
do Nordeste ao desenvolvimento sustentável, pressuposto contido em outros dois
documentos nos quais o PRDNE se apoia: a PNDR e a Agenda 2030 dos ODS
da ONU. Nesse tripé, os objetivos para o desenvolvimento do Nordeste natu-
ralmente ganham um contorno maior, com objetivos de longo prazo (quanto
tempo) e muito abrangentes (de que maneira). Alguns pontos são explicitados
no início do documento, sendo eles: i) a inovação deve ser o eixo central, em que
gravitará o crescimento sustentável da região; ii) a inovação deve ser utilizada para
garantir o emprego e as oportunidades de qualidade de vida para a população,
estimulando empresas produtoras de tecnologia, incentivando startups, auxiliando
as cidades a utilizar a tecnologia em seu benefício; e iii) a utilização da ciência e da
tecnologia como uma estratégia de desenvolvimento, reduzindo as desigual-
dades regionais e impulsionando a economia, visando à internacionalização do
comércio regional (Brasil, 2019c).
A necessidade de coordenação e integração entre os estados do Nordeste
foi amplamente debatida, buscando uma maior cooperação entre eles, de forma
a priorizar a prática da governança: “depende também dos entes da Federação e
atores políticos – públicos e privados e em diferentes escalas – falarem a mesma
língua. A língua da agenda de desenvolvimento sustentável que explora suas
potencialidades e oferece soluções” (Brasil, 2019a, p. 14).
No plano local, o PRDNE reconhece a mudança observada nas cidades nor-
destinas, com a valorização de novos setores produtivos que, consequentemente,
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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127
promoveram alterações no porte das cidades, aumentando a renda e a qualidade
de vida. A transversalidade das políticas foi amplamente descrita no PRDNE a
despeito da melhoria da qualidade da educação e das condições educacionais, para
que ela esteja amplamente alinhada com o desenvolvimento da ciência e da tecnolo-
gia e para valorizar o empreendedorismo, potencializando a economia da região.
Além disso, o plano propõe a valorização da agricultura familiar no Nordeste,
impulsionando programas como o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),
para que o alimento produzido pela agricultura familiar seja distribuído como
merenda escolar para os estudantes do ensino fundamental e médio. Outrossim, o
PRDNE propõe o melhoramento de infraestrutura, comunicação e logística, para
impulsionar o comércio exterior e a geração de emprego e renda, com enfoque
privilegiado nas chamadas cidades intermediárias:
ao identicar um conjunto de cidades intermediárias como alvo para a formulação
de estratégias com foco na redução de padrões de desigualdades e segregação, o
Nordeste se desaa a acelerar a adoção de tecnologias digitais em negócios circulares,
de forma a contemplar parcerias público-privadas (PPPs) na busca de soluções para
problemas de mobilidade, saúde e segurança, entre outros, resultando na melhoria
de vida da população. Os serviços públicos de saúde, por exemplo, podem atuar
com um dos “gatilhos” para desencadear as mudanças tecnológicas e de gestão
resultantes da transformação digital, além de alinhar os ambientes acadêmicos e
empresariais numa iniciativa de impacto para a região (Brasil, 2019c, p. 28).
O PRDNE reconhece algumas diculdades intrínsecas ao Nordeste para a
consecução das metas previstas. A primeira diculdade salientada é relacionada
à condição da educação e da baixa qualicação prossional dos trabalhadores da região,
que precisam ser equacionadas para um melhor aproveitamento dos postos de
trabalho que podem surgir. Além disso, o plano sugere a superação dos índices
de violência nas cidades, uma melhoria no setor de infraestrutura, das condições de
habitação, das redes de saneamento básico e de esgoto, com uma concomitante
melhora da política ambiental, considerando a necessidade de adequação da região
às mudanças climáticas globais.
É necessário salientar que essas recomendações foram pauta de encontros
como a Eco-92, que diagnosticava os efeitos nocivos das mudanças climáticas sobre
o processo de devastação da biodiversidade e da intensicação da deserticação em
diversas partes do mundo. Nesse sentido, o plano menciona a necessidade de
aumento da capacidade de lidar com as secas e cheias, integrando projetos como
o da transposição do rio São Francisco a outros programas setoriais já existentes
nos estados e municípios nordestinos, pois o plano aponta que “secas e inun-
dações causam doenças, subnutrição e prejudicam a qualidade da educação –
especialmente das crianças –, desestruturam e inibem a atividade econômica e
diminuem o capital humano” (Brasil, 2019c, p. 89).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
128
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O plano menciona a necessidade de articular as universidades existentes com
o Marco Legal da Ciência e Tecnologia, fomentando o desenvolvimento de pesquisa
de qualidade em biotecnologia, nanotecnologia e tecnologias da informação e
comunicação (TICs). As diretrizes institucionais apontadas pelo PRDNE apontam
a necessidade de acompanhar os processos de descentralização, promovidos pela
Constituição Federal de 1988 (CF/1988), priorizando as formas participativas
de decisão, os instrumentos deliberativos de participação local e regional, bem
como os mecanismos de parceria público-privada, preceitos da governança pública.
Além disso, o documento sugere a composição de consórcios públicos para o
desenvolvimento adequado de saúde, saneamento, meio ambiente, entre outras
políticas públicas importantes para a população. A instituição responsável por
essa colaboração é a Sudene, que teria o seu papel denido pelo fortalecimento
de suas prerrogativas institucionais e políticas, revitalizando, conforme o plano,
os entes federados e as prerrogativas colaborativas deles, com articulações com o
setor privado da economia.
A governança é importante no Brasil, segundo o plano, porque a descen-
tralização promovida pela CF/1988 não previu as mudanças provocadas nas
relações entre os entes federados, principalmente da União com os estados e
municípios. Dessa forma, cabe destacar a perda de protagonismo das superin-
tendências regionais, até então as responsáveis diretas pelo desenvolvimento
regional. De posse de tais considerações, o PDRNE propõe a criação de uma
agenda de desenvolvimento regional pautada no fortalecimento de tais instituições
e nos arranjos institucionais articulados.2
O plano sugere a participação das micro e pequenas empresas para o nan-
ciamento das metas propostas, além do estabelecimento de um fundo garantidor
para operações que incluem recursos do Fundo Constitucional de Financiamento
do Nordeste (FNE) e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE),
além do fortalecimento do mercado de capitais, via fundos de investimento das
empresas. Além disso, o aporte de recursos através do BNB, do Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Caixa, do Banco do Brasil
e da Sudene seria garantido pela Resolução no 007/2008, do regimento interno
do Comitê Regional das Instituições Financeiras Federais (Cri), composto por
membros de todas as instituições descritas.
2. As medidas propostas no PRDNE serão financiadas pelas seguintes fontes: i) os recursos orçamentários
não reembolsáveis – compostos pelo orçamento geral da União e pelos orçamentos dos estados do Nordeste;
ii) os recursos de crédito de financiamento reembolsáveis – oriundos do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), da
Sudene, do Banco do Brasil, das agências de fomento, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Caixa;
e iii) modelos e fontes de investimentos a serem incentivados, composto por concessões públicas, PPPs, mercado de
capitais, fundos de investimentos setoriais e fundos de inclusão social.
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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129
Outros caminhos também são apontados pelo plano. O primeiro deles é
adotar medidas de coordenação de políticas e de diretrizes claras de planejamento
para todas as instituições que compõem o quadro nanceiro. Além disso, é preciso
constituir grupos mistos de trabalho para o exame de aspectos de setores relevantes
da atividade econômica regional, buscando harmonizar e complementar as formas
de apoio aos empresários locais, bem como para as instituições integrantes.
O PRDNE prevê mecanismos de cooperação técnica com outras instituições de
desenvolvimento que atuam na região Nordeste, buscando uma maior interação
entre elas e promovendo a articulação de projetos comuns:
de acordo com a Lei Complementar no 125/2007, o Conselho Deliberativo da
Sudene (Condel) poderá criar comitês permanentes ou provisórios e xar suas
respectivas competências e composições. Especialmente, o artigo 6o estabelece a
competência do Condel para a criação, a organização e o funcionamento de dois
comitês de caráter consultivo, presididos pelo superintendente da Sudene: o Comitê
Regional das Instituições Financeiras Federais e o Comitê Regional de Articulação
dos Órgãos e Entidades Federais (Brasil, 2019c, p. 126).
O plano cita a governança como a diretriz a ser alcançada, a partir de um
delineamento claro da agenda de desenvolvimento regional do Nordeste, do for-
talecimento de instituições como a Sudene e da retomada do protagonismo do seu
conselho deliberativo, como um espaço público de tomada de decisões estratégicas
para a região. Nesse sentido, a governança é entendida como a capacidade de
aumentar a coordenação horizontal e vertical, melhorando a participação da
sociedade civil e aperfeiçoando os mecanismos de monitoramento e de avaliação,
permitindo que atores políticos de diversos segmentos contribuam para a consecução
das diretrizes do PRDNE, promovendo uma gestão regional compartilhada.
O PRDNE prevê o fortalecimento da Sudene para a obtenção de uma
estrutura organizacional capaz de solucionar os conitos e operacionalizar as metas
previstas. Para atingir a plena governança, o plano propõe que a instituição deve
articular os governos estaduais com as instituições setoriais, sempre mediada pelo
MDR. O Condel funcionará como uma instância de participação de vários atores
sociais, além de ser uma instância técnica e operacional.
Atualmente, o Condel é composto das seguintes representações sociais e
políticas: os governadores dos estados da área de atuação da Sudene; os ministros
do MDR, do ME e dos ministérios setoriais; três prefeitos de municípios de
estados diferentes do Nordeste, além de três representantes de empresários
de diferentes estados; a classe trabalhadora também tem assento, através de três
operários de diferentes estados, além do superintendente e do presidente do BNB.
A Secretaria Executiva também faz parte do organograma, mas é uma autarquia
com atribuições nanceiras e administrativas autônomas, vinculada ao MDR, com
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
130
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a missão de executar as prerrogativas do conselho deliberativo, oferecendo suporte
técnico para o seu funcionamento.
O PRDNE mostrou-se ecaz no que concerne à criação de uma agenda
governamental para o problema das assimetrias federativas, além de, concomitante-
mente, mostrar-se capaz de formular um rol de políticas públicas de desenvolvimento
regional, as quais estão objetivamente descritas ao longo do texto. Cabe destacar,
porém, que, apesar de existir uma agenda governamental, será necessário passar
para uma agenda decisional de políticas públicas, para que elas sejam implementadas
a contento. Entretanto, no que tange aos outros dois fatores, concernentes à imple-
mentação e à avaliação das políticas, cabem algumas considerações. A implemen-
tação dependerá dos burocratas envolvidos, dos empreendedores de políticas e do
nível de governança; no que diz respeito a este último, como dito anteriormente, o
PRDNE descreve amplamente a governança como um objetivo a ser perseguido.
No entanto, deve-se ter em mente que será necessário considerar um rol de bu-
rocratas para a implementação, visto que esta é uma política de modo top-down,
proposta pelo Executivo federal, e dependerá, também, que os formuladores estejam
sempre em estado de alerta, para que a janela de oportunidade não se feche. Com
relação à avaliação, não podemos supor que ela será realizada de forma adequada,
visto que a política ainda não foi implementada, mas, no que tange à explicitação
do monitoramento e da avaliação, ambos constam no plano. Com base nisso,
daremos sequência a este trabalho com as considerações sobre o plano de desen-
volvimento regional da Amazônia.
4 O PRDA
O PRDA tem um escopo temporal menor que o PRDNE, pois é previsto para os
anos de 2020 a 2023 e tem estreita conexão com os preceitos da PNDR. A articulação
com as demais instituições é descrita no plano, especialmente com o MDR, tendo a
participação social um papel importante, uma vez que o documento foi formulado
a partir de consultas públicas.
A governança, por sua vez, é o pressuposto fundamental do plano, sendo
explicitada para o combate às desigualdades inter e intrarregionais pela cooperação
entre políticas públicas tanto vertical como horizontalmente, uma articulação fede-
rativa multinível – entre União, estados e municípios –, assim como geograca-
mente multiescalar; o foco do plano dirige-se para as cidades médias, ensejando
que os efeitos do desenvolvimento possam espraiar para cidades vizinhas, além
de visar ao aumento da participação social. Entretanto, o plano explicita que o
objetivo não é somente o nanciamento das políticas:
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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desse modo, a estratégia de desenvolvimento regional denida, necessariamente,
inclui fatores fundamentais como: o capital social, a auto-organização social, o
estímulo ao exercício de soluções colaborativas para problemas comuns e ampla
articulação multiescalar, não podendo se limitar a incentivos scais, linhas de
crédito etc. (Brasil, 2020, p. 11).
Apesar de acreditar que as cidades médias podem promover um espraiamento
do desenvolvimento, uma das novidades trazidas pelo PRDA é a escala baseada
nos estados, justicada da seguinte maneira:
para a elaboração do PRDA utilizou-se a escala estadual. Essa escolha justicou-se
em função do processo de denição das tipologias da nova PNDR que se encontra em
andamento, além da diculdade de se obterem indicadores atualizados na
escala municipal. A vantagem dessa escala reside na disponibilidade de dados
tempestivamente, o que permite o monitoramento e a avaliação periódica do plano.
Por outro lado, entende-se que essa escolha tem potencial de não captar possíveis
desigualdades intrarregionais, motivo pelo qual essa escala será alterada tão logo as
diculdades apontadas sejam equacionadas (Brasil, 2019d, p. 7).
Alguns eixos estruturantes foram denidos no plano, demonstrando uma
preocupação com a transversalidade das políticas, tais como: agricultura, pecuária
e extrativismo, pesca e aquicultura, indústria, turismo, meio ambiente, ciência,
tecnologia e inovação, educação, logística e transporte, geração de energia, teleco-
municações, saúde, cultura e lazer, saneamento básico e segurança pública. Diante
dos dois outros planos das regiões Nordeste e Centro-Oeste, o PRDA é o que
menos detalha as ações, com objetivos pouco claros e inespecícos. Menciona-se
que a redução das desigualdades regionais inter e intrarregiões é uma meta a ser
buscada, juntamente com a melhoria da qualidade de vida da população ama-
zônica. Além disso, uma dessas metas é a de um desenvolvimento mais justo e
equilibrado, buscando uma cooperação horizontal e vertical entre os entes para a
promoção de políticas públicas e uma articulação multinível entre as esferas federal,
estadual e municipal para a implementação das metas previstas.
Outros objetivos mais abrangentes também estão dispostos no plano: a
articulação multiescalar, com relações cooperativas entre as dimensões setoriais e
territoriais, integrando as estratégias de desenvolvimento de forma sistêmica, com
a utilização dos recursos públicos de acordo com a necessidade de cada território.
Além disso, através da governança, o PRDNA estrutura um arcabouço que
prevê a capacidade de irradiação dos benefícios de desenvolvimento de muni-
cípios, com mais vantagens para aqueles que carecem de urbanização e de uma
infraestrutura adequada.
Ao ser elaborado na esfera estadual, o plano busca articulação com a esfera
municipal, sendo adotado o padrão de governança multinível, que depende da
articulação das duas esferas em questão para ser implantado de forma adequada.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Assim, o plano é estruturado em torno de seis eixos, cada um deles contendo
outros desdobramentos: i) desenvolvimento produtivo; ii) ciência, tecnologia e
inovação; iii) educação e qualicação prossional; iv) infraestrutura econômica
e urbana; v) desenvolvimento social e acesso a serviços públicos essenciais; e
vi) fortalecimento das capacidades governativas dos entes subnacionais.
Esses são os objetivos norteadores do PRDA, que também está alinhado com
os ODS, da ONU. A agenda 2030 (como também são chamados esses objetivos) é
um plano de ação previsto para os chamados cinco Ps: pessoas, planeta, prospe-
ridade, paz universal e parcerias globais. Por meio desses eixos, a Agenda 2030 prevê
o desenvolvimento sustentável no intuito de tornarem equilibradas as dimensões
de sustentabilidade, nas quais gravitam a economia, os direitos sociais e o meio
ambiente. Além disso, o PRDA está em estreita ligação com a Endes.3
É válido destacar que o plano se propõe a participar das fases de implementação
e também de avaliação:
é fundamental, também, pensar no monitoramento e na avaliação do plano,
questões que tem ganhado notoriedade e relevância no setor público, por se tratar
de um processo sistemático capaz de subsidiar o planejamento, a implementação
das intervenções governamentais, suas reformulações e ajustes, decisões sobre
continuidade e até mesm, sobre a priorização de esforços e de alocação de recursos
orçamentários (Brasil, 2019d, p. 175).
A participação social foi valorizada no processo de construção do plano, visto
que foi criado um link, no site da Sudam, para consulta pública, além de outras
formas de contato com a sociedade, via e-mail eletrônico e contatos telefônicos.
Para a implantação das metas previstas no PRDA, a fonte de recursos está especi-
cada de maneira bem ampla, sem os devidos critérios de partilha ou percentuais
exatos a serem obtidos. Os recursos nanceiros descritos no plano são os seguintes:
Orçamento Geral da União e dos estados amazônicos; Fundo Constitucional de
Financiamento do Norte (FNO); Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA);
fundos constituídos pelos governos estaduais e municipais; incentivos e benefícios
de natureza nanceira, tributária e creditícia; existência ou criação de programas de
desenvolvimento dos bancos públicos, federais e estaduais, além de PPPs.
O PRDA demonstrou ao longo do texto uma explanação alongada sobre
os problemas que a região Amazônica enfrenta, com detalhamentos menores
sobre como resolvê-los. Nesse sentido, percebe-se também uma interlocução com
a PNDR e com a Agenda ONU para o desenvolvimento sustentável, mas ca
em aberto as estratégias utilizadas para a implementação dos objetivos previstos.
Ao atrelar-se fundamentalmente ao que a PNDR sugere, como o incentivo à
3. O princípio básico contido na proposta da Endes é “elevar a renda e a qualidade de vida da população brasileira,
com a redução das desigualdades sociais e regionais”. Disponível em: <https://bit.ly/3ZYNdAu>.
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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133
ciência e tecnologia, educação, saúde, entre outras áreas, o plano deixa em aberto
algumas peculiaridades da região amazônica – que deveriam ser valorizadas –,
como, por exemplo, políticas propositivas de proteção ao meio ambiente. Nesse
sentido, demonstra-se certa preocupação com uma agenda governamental, mas
para a sua implementação efetiva deve haver estratégias de transição para uma
agenda decisória.
5 O PRDCO
Assim como os demais planos, o PRDCO está alinhado com a Agenda 2030
da ONU para o desenvolvimento sustentável, focado nas cidades (pequenas e
médias), a m de transformá-las, com base em alguns objetivos que denotam uma
amplitude no alcance, sendo eles: a segurança, a alimentação, o abrigo, a educação, a
saúde e a esperança, de forma justa, de forma que todas as pessoas participem ativa-
mente da governança e da gestão integrada dos territórios. Além disso, assim como
o PRDA, o PRDCO está previsto para o período de 2020 a 2023, sustentando
que é desejável que as cidades ofereçam uma mobilização para a captação de recur-
sos humanos, com uma resposta às mudanças ambientais, sociais e econômicas.
A sustentabilidade também é desejável, com o intuito de minimizar os impactos
do meio ambiente, de modo que estejam integradas à Agenda 2030 da ONU e
aos dezessete ODS.
Nesse sentido, o plano sugere aos municípios que: reformulem seus espaços
urbanos e os revitalizem, criando novas áreas de crescimentos intraurbanos e poli-
cêntricos; fortaleçam as áreas rurais e recuperem as áreas estratégicas que ofertam
serviços ecossistêmicos, como, por exemplo, as áreas de recarga hídrica para abas-
tecimento público; sejam diversicados e empreendedores, desenvolvendo uma
gama de atividades diferenciadas, que gerem vitalidade, inspiração e acalentem
qualidade de vida para todos, sem distinção; apoiem a criação de clusters – que
podem retroalimentar as frágeis estruturas socioeconômicas de médias e pequenas
cidades de determinadas regiões do Centro-Oeste (Brasil, 2019d). Há uma prioridade
no plano, que são as cidades médias, conforme descrito:
a priorização da atuação nas cidades médias da região visa a descentralizar e
interiorizar o desenvolvimento, atualmente bastante polarizado pelas capitais
e, especialmente, pelo eixo Brasília-Anápolis-Goiânia. Com isso, busca-se estimular
o surgimento de centros preparados para ancorar a desconcentração produtiva,
contribuindo para a diversicação e o adensamento de novas atividades econômicas,
além de melhorar o acesso da população à serviços públicos de qualidade, reduzindo
a pressão sofrida pelos grandes centros urbanos regionais (Brasil, 2019b, p. 21).
Nesse sentido, o PRDCO prioriza os princípios do desenvolvimento susten-
tável, dinamizando a participação política das cidades. Além disso, para a realização
das metas previstas, os idealizadores do plano zeram uma série de interlocuções
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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com a sociedade civil, ouvindo as demandas e transformando-as em políticas
previstas. Assim, foram realizadas as seguintes intervenções sociais: i) entrevistas
com especialistas e técnicos da região; ii) consulta Delfos, método estruturado
de manifestação dos formadores de opinião do Centro-Oeste (escolhidos nos
três estados e no Distrito Federal); e iii) ocinas de trabalho com a participação
de grupos e segmentos organizados da sociedade centro-oestina (Brasil, 2019b).
Além disso, o plano menciona a realização de reuniões de trabalho no âmbito do
Ministério da Integração Nacional, debates com o governo estadual e municipal,
entre outros entes federados.
Os principais objetivos elencados pelo PRDCO são os seguintes: diminuição
das desigualdades espaciais e interpessoais de renda; geração de emprego e renda;
redução da taxa de analfabetismo; melhoria das condições de habitação; univer-
salização do saneamento básico, dos níveis de educação infantil e dos ensinos
fundamental e médio; fortalecimento do processo de interiorização da educação
superior; garantia de implantação de projetos para o desenvolvimento tecnológico
e da sustentabilidade ambiental; atenção ao zoneamento ecológico-econômico e
social; redução do custo de transporte dos produtos regionais (Brasil, 2019b).
O PRDCO alinha-se com os dezessete objetivos da Agenda 2030 da ONU4
e apoia-se, como o PRDA, em quatro eixos fundamentais: i) desenvolvimento
produtivo (sustentável); ii) ciência, tecnologia e inovação; iii) educação e qualicação
prossional; e iv) infraestruturas econômica e urbana. Assim como o PRDA, o
PRDCO propõe uma articulação com a Endes para os anos de 2020 a 2023, na
medida em que essa estratégia foi formulada para facilitar a articulação entre os
planos nacionais, setoriais e regionais com o Plano Plurianual (PPA) da União.
A Endes sugere cinco eixos de atuação, os quais também estão articulados com a
Agenda 2030 da ONU, sendo eles: econômico, institucional, de infraestrutura,
ambiental e social. Nesse sentido, o PRDCO se adequa perfeitamente a esses
outros dois documentos descritos, incorporando as linhas de atuação destacadas.
Delineados adequadamente os eixos, cabe destacar que o PRDCO seleciona
uma série de potencialidades a serem exploradas: a biodiversidade, o manancial
de recursos hídricos, o empreendedorismo e a inovação, a base produtiva agro-
pecuária, o mercado interno, a escolaridade e a inovação tecnológica, sendo
eles potencializados pela localização territorial do Centro-Oeste brasileiro, que
facilita o transporte e a logística. Além disso, o plano enuncia uma convergência
de fatores de natureza econômica, social, política, institucional e ambiental, que
se cruzam e se interpenetram, com inter-relações bem delineadas entre eles.
4. Os dezessete objetivos da Agenda 2030 da ONU são: erradicação da pobreza; erradicação da fome; saúde e
bem-estar; educação de qualidade; igualdade de gênero; água limpa e saneamento; energia acessível e limpa;
emprego digno e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades; cidades
sustentáveis; consumo e produção responsáveis; combate às alterações climáticas; vida na água e vida na terra; paz,
justiça e instituições fortes e parcerias em prol das metas.
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
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O PRDCO coloca uma necessidade imediata de se recongurar o papel
da Sudeco, como um ator político capacitado para impulsionar as diretrizes e
as ações de desenvolvimento na região Nordeste, priorizando a descentralização
dos procedimentos e programas. Além disso, ao visar a essa capilaridade, o plano
prevê, ainda, a realização de sete programas estratégicos: i) programa de democrati-
zação da gestão pública; ii) melhoria da educação e fortalecimento do sistema de
pesquisa e desenvolvimento (P&D); iii) gestão ambiental e recuperação do meio
ambiente; iv) ampliação da infraestrutura social e urbana; v) ampliação da infra-
estrutura econômica e logística; vi) diversicação e adensamento das cadeias pro-
dutivas; e vii) consolidação de uma rede policêntrica de cidades no Centro-Oeste.
Para operacionalizar as metas descritas, o plano prevê algumas fontes de
recursos, sendo elas: o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste
(FCO); o FCO Empresarial; o FCO Rural; e o Fundo de Desenvolvimento do
Centro-Oeste (FDCO). Sua captação de recursos viria das seguintes fontes: BID,
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), Green Climate
Fund (GCF), Novo Banco de Desenvolvimento, BRICS,5 Corporação Andina
de Fomento (CAF) ou Banco de Desenvolvimento da América Latina e Fundo
Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (Fida). Entretanto, não há
menção dos mecanismos que serão utilizados para tais captações, tampouco os
percentuais a serem despendidos.
Como os demais planos, o PRDCO prioriza a governança, visando à
necessidade de fortalecimento do conselho deliberativo da Sudeco, que estará em
conexão com a Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento
Regional, norteadas pela PNDR, elaborada pelo MDR. Além disso, o plano prevê
a cooperação federativa, com a articulação de todos os entes federados na consti-
tuição da base para a realização das metas previstas pelas superintendências, em
consonância com as Unidades da Federação (UFs).
O PRDCO pressupõe, também, um sistema de monitoramento e de avaliação,
amparado em três pontos principais: i) monitoramento do cenário externo, que
pode impor necessidades para a reestruturação do PRDCO; ii) comparação das
metas previstas com os resultados alcançados, para, dessa forma, proporcionar
uma visão geral sobre o que deve ser mantido ou alterado; e iii) avaliação de ecácia,
visando à compreensão da efetiva implantação dos projetos. Esse monitoramento
será realizado pela Sudeco e apresentado, posteriormente, para a Câmara de Políticas
de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, instância estratégica de
governança da PNDR.
5. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
136
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O PRDCO contém objetivos claros e subdivididos, indicando, ainda, quem
são as instituições parceiras para os concretizarem. Além disso, elenca de forma
detalhada quais instrumentos nanceiros serão utilizados para tal m, bem como
traça uma série de estratégias a serem adotadas.
6 CONCLUSÃO
Este trabalho partiu de objetivos delineados para analisar os planos regionais de
desenvolvimento elaborados por Sudene, Sudam e Sudeco. Para tanto, elencamos
cinco fatores que observamos estarem presentes ou ausentes nos planos: i) a capacidade
de cumprir as próprias regras, sendo autônomos em relação a outras instituições;
ii) a capacidade de formular e implementar políticas públicas; iii) a capacidade
de articulação política para promover a cooperação com outras instituições; iv) a
capacidade de determinação do tempo previsto para a execução das políticas; e
v) a capacidade de gerar accountability.
Em relação ao primeiro ponto abordado, todos os planos analisados demons-
traram aderência à PNDR, bem como aos seus preceitos. Todavia, em relação
à capacidade institucional das superintendências, ao vericarmos cada um dos
fatores que elencamos para analisá-las, algumas alterações foram percebidas: todas
as superintendências demonstraram capacidade de elaborar os planos de desen-
volvimento, com maior ou menor grau de detalhamento, isto é, o PRDNE e o
PRDCO, cujas escalas são as cidades médias, possuem um grau de detalhamento
maior em relação ao PRDA, cuja escala são os estados. Este, por sua vez, detalha
os problemas da região, mas ainda apresenta alternativas vagas para solucioná-los.
No que diz respeito a formular e implementar políticas públicas, os planos
demonstraram capacidade de formulação, visto que os próprios textos são com-
postos de um rol de políticas, mas não detalham acerca dos servidores públicos
envolvidos na implementação. Além disso, para a implementação das políticas
previstas, acrescentamos que é necessária a transição de uma agenda de governo
para uma agenda de decisão. Isso porque, segundo Kingdon (2003), uma política
passa a fazer parte da agenda governamental quando ela desperta a atenção dos
políticos. No entanto, dado o volume de assuntos com os quais um governo se
preocupa, várias agendas governamentais são formadas, mas, para se transformarem
efetivamente em políticas públicas, devem passar para a agenda decisória, a
qual é formada por três uxos: de problemas, soluções e políticas. Em caso de
conuência desses três uxos, há a janela de oportunidade e, consequentemente, a
transformação da política pública. Já a agenda governamental necessita de apenas
dois uxos, isto é, o de problemas e o político, para ser formada. Como mencio-
namos acima, vários planos demonstram esses dois uxos, mas não apresentam,
A Agenda Institucional de Políticas Públicas e a Capacidade Institucional
das Superintendências Regionais de Desenvolvimento no Brasil
|
137
claramente, o uxo de soluções ou de alternativas objetivas para resolverem os
problemas propostos.6
Com relação à capacidade de articulação política para promover a cooperação
com outras instituições, todos os planos mencionam as instituições parceiras,
como os governos estaduais e municipais e o próprio MDR, no entanto, em
nenhum deles há detalhamento sobre os burocratas envolvidos. Como são políticas
de modelo top-down, serão inevitavelmente implantadas por burocratas de nível de
rua, mas estes não são mencionados em nenhum plano. Todavia, todos os planos
são detalhistas ao armarem que a governança é o princípio norteador das políticas
e, no que tange a isso, todas as superintendências demonstram articulação com
outras instituições. Além disso, para o nanciamento das ações, há unanimidade
para a escolha dos fundos constitucionais de nanciamento, embora o PRDA não
mencione a participação dos bancos regionais, nem do BNDES, estando esses
presentes no orçamento das outras duas superintendências.
Para a execução dos programas, os planos citam a Endes, a Agenda 2030
da ONU e a própria PNDR como documentos norteadores de seus princípios.
Porém, como dito anteriormente, o PRDA é mais detalhista ao elencar os pro-
blemas, mas pouco claro no que concerne às soluções propostas. Com relação ao
tempo previsto para a execução das políticas, o PRDNE faz um recorte temporal
de doze anos, com revisões periódicas anualmente e vigência de quatro anos,
enquanto o PRDA e o PRDCO mencionam que os planos têm validade de três
anos, que é um tempo curto se comparado aos objetivos que pretendem atingir.
Finalmente, no que tange à capacidade de geração de accountability, todos
os planos mencionam a necessidade de monitoramento e avaliação periódica –
alguns com instrumentos para avaliação (no caso do PRDCO) – e, por esse motivo,
acreditamos que possuem a capacidade de prestar contas e de ser transparentes e
responsivos com as políticas que propõem.
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6. É recomendável que essa transição da agenda governamental para a decisória seja realizada concomitantemente
à ação dos empreendedores de políticas envolvidos, os quais são imprescindíveis para que a janela de oportunidade
se mantenha aberta e que o trâmite do rol das políticas de desenvolvimento proposto nos planos regionais possa ser
executado, reduzindo, assim, nossa histórica desigualdade regional.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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CAPÍTULO 4
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
REGIONAIS: ANÁLISE DE MUDANÇAS E DE PROPOSTAS DE
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NOS FUNDOS CONSTITUCIONAIS DE
FINANCIAMENTO DAS REGIÕES NORTE, NORDESTE E CENTRO-OESTE1
Guilherme Lopes2
Fernando Cézar de Macedo3
1 INTRODUÇÃO
Os fundos públicos têm papel estratégico no capitalismo brasileiro contemporâ-
neo, tanto para a acumulação do capital como para a reprodução da força de tra-
balho. Seus recursos são disputados politicamente dentro do orçamento público.
Conhecer os grupos de interesse, as classes e as frações de classe que procuram se
apropriar do excedente econômico retido pelos fundos constitucionais – tarefa
à qual este trabalho se dedica – é essencial no estudo da economia política por
detrás da destinação desses recursos.
O Brasil tem três fundos constitucionais de nanciamento (FCFs): o Fundo
Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), o Fundo Constitucional de
Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e o Fundo Constitucional de Financia-
mento do Nordeste (FNE). Por serem uma importante e segura fonte de recursos
creditícios, ainda mais em ambiente de ajuste scal e crise econômica, esses
fundos vêm sendo instigados nos últimos anos a abarcar ações, funções, objetivos
e prioridades não concernentes aos seus objetivos básicos, e não alinhados com
as diretrizes da política regional para as quais estão designados. Relatórios de
avaliação do Ministério da Economia (ME), do Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) e do Tribunal de Contas da União (TCU) apontam que eles
passam por problemas de ordem administrativa, gerencial, nanceira e burocrá-
tica, o que acarreta diminuição de sua efetividade no combate às desigualdades
inter e intrarregionais.
1. Este capítulo é uma versão modificada e sintética do Texto para Discussão n. 2841 publicado pelos autores (Lopes
e Macedo, 2023).
2. Pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e
Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea); e doutorando em
desenvolvimento econômico na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
3. Pesquisador do PNPD na Dirur/Ipea; e professor livre-docente do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico
do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Cede/IE/Unicamp).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
142
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O objetivo deste capítulo é dar um passo além dessas rotinas de avaliação,
analisando não só alterações já consolidadas, mas também propostas ainda em
tramitação no Congresso Federal, via projetos de lei (PLs), projetos de lei comple-
mentar (PLPs) e propostas de emendas à constituição (PECs), que intencionam
promover mudanças no ordenamento normativo, nanceiro, jurídico, adminis-
trativo e gerencial dos FCFs. O trabalho aponta também para setores econômicos,
territórios e grupos de interesse beneciados por tais propostas.
O texto reconhece a importância dos fundos no combate às desigualdades
territoriais e na atividade econômica brasileira, principalmente para o setor pri-
vado das regiões denidas constitucionalmente como prioritárias para a política
regional – Nordeste, Norte e Centro-Oeste –, não obstante a insuciência desses
recursos para dirimir a histórica iniquidade regional brasileira. A hipótese deste
trabalho é que tais proposições em tramitação no Parlamento estão desassociadas
dos princípios que deveriam nortear o combate aos desequilíbrios espaciais no
país. Se aprovadas, elas acirrariam a desvinculação dos fundos de seus próprios
objetivos e dos fundamentos da Política Nacional de Desenvolvimento Regional
(PNDR), reforçando o papel dos FCFs como instrumento de acumulação.
O trabalho segue dois caminhos metodológicos interligados. Primeiro,
estudou-se a fundamentação normativa dos fundos públicos no Brasil, em espe-
cial dos FCFs, por meio da revisão bibliográca de trabalhos acadêmicos sobre o
assunto, bem como da pesquisa em relatórios do TCU e de outros órgãos públi-
cos brasileiros. Segundo, analisaram-se as mudanças já vigentes sobre os fundos e
examinaram-se as propostas legislativas de novas alterações em tramitação no
Congresso Nacional. Procurou-se captar a percepção dos atores que lidam com o
tema e dos grupos de interesse que disputam esses fundos públicos, além de averiguar
para onde se direcionaram – ou se pretende direcionar – os recursos dos FCFs.
Concluiu-se que as alterações concretas e as propostas de mudanças se orien-
taram por demandas localizadas e pela utilização do FCF como garantidor e
nanciador do processo de acumulação, desviado de seus objetivos estratégicos
e da vinculação normativa com o PNDR. Em alguns casos, as mudanças foram
guiadas por interesses de curto prazo.
O presente capítulo conta com cinco seções, incluindo esta introdução. A
segunda seção trata da evolução histórica e da montagem dos fundos públicos no
Brasil e aponta as diferenças e os avanços normativos entre os diferentes tipos de
fundos. A terceira adentra as especicidades dos FCFs, objeto desta pesquisa, com
o intuito de demonstrar o seu peso nanceiro, seu objetivo e seu raio de atuação.
A quarta seção apresenta as mudanças sobre o ordenamento jurídico, nanceiro,
administrativo, gerencial e normativo dos FCFs, tanto as que estão em tramitação
no Congresso Federal como aquelas já em andamento e vigentes. Por m, na
quinta e última seção, apresentam-se as conclusões obtidas em nossa pesquisa.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
|
143
2 OS FUNDOS PÚBLICOS NO BRASIL
A criação dos fundos públicos remete aos primórdios da ocupação portuguesa no
Brasil, quando o objetivo era destinar a arrecadação provinda dos impostos para
um gasto público especíco, sem que se comprometesse o erário. Somente em
1934 é que eles ganham ossatura legal, quando aparecem pela primeira vez como
parte da Constituição Federal daquele ano, com a ideia de vincular recursos da
receita a gastos especícos. Na ocasião, os recursos vinculados eram destinados
aos gastos com a educação, e foram gravados como fundos especiais (Bassi, 2019).
Ao longo dos anos, os fundos foram amplamente utilizados, vericando-se
a sua expansão e disseminação pelos três entes da Federação (União, estados e
municípios), principalmente a partir da Lei no 4.320/1964, quando os fundos
especiais foram regulamentados e concebidos para agilizar a gestão e garantir re-
cursos públicos para áreas e setores especícos (Costa, 2017). Pode-se dizer que
o fundo especial operava como um intermediário nanceiro entre a demanda de
gasto do setor público para alguma nalidade especíca e o recurso vinculado.
Desse modo, procurava-se garantir tanto uma maior eciência da gestão pública
quanto a realização do gasto público, num ambiente econômico inerentemente
calcado sobre a incerteza (Bassi, 2019).
Entretanto, a denição legal e nanceira dos fundos pela lei supracitada era
ainda muito vaga e generalizante. Bassi (2019) lembra que o Decreto-Lei no 200/1967
procurou desdobrar a questão normativa ao acrescentar a expressão natureza contábil
aos fundos especiais, que nunca tiveram sua natureza fundamentada.
Somente anos depois é que o Decreto no 93.872/1986 tentou consolidar
e regulamentar os fundos, ao segmentá-los. Tal decreto procurou especicar e
normatizar a sua atuação separando os fundos especiais em duas categorias: de
natureza contábil e de natureza nanceira (Costa, 2017).
Há um sem-número de especicidades entre os dois fundos, cujas principais
diferenças, dentro do que nos interessa no presente trabalho, podem ser sinteti-
zadas como se segue. Os fundos especiais contábeis são aqueles que executam
despesas de um programa de governo. Realizam despesas dentro do orçamento
público e movimentam recursos na Conta Única do Tesouro Nacional (CTU),
sendo somente uma extensão dessa. Esse tipo de fundo tem sua movimentação
nanceira – a transferência dos saldos ou o acúmulo do superávit – atrelada aos
créditos adicionais dependentes de autorização legislativa. Por sua vez, os fundos
especiais de natureza nanceira são fundos rotativos ou de nanciamento, isto é,
se assemelham aos que fazem empréstimos ou nanciamentos, cujos desembolsos
retornam à carteira de empréstimo pelo pagamento dos juros (que podem ser
subsidiados) e do principal, movimentando recursos para além da CTU, em
outras contas-correntes bancárias. Assim, diferentemente do fundo de natureza
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
144
|
contábil, não são uma extensão da CTU. Há também outra categoria, a dos fundos
mistos, que tanto executam despesas como praticam nanciamentos (Costa,
2012; 2017; Bassi, 2019).
Apesar desse avanço normativo, a Constituição Federal de 1988
(CF/1988) esboçou uma tentativa de extermínio dos fundos, atrelando a exis-
tência destes à sua raticação no prazo de dois anos pelo Congresso Nacional.
A Lei no 8.713/1991 prorrogou a vida útil dos fundos até o ano subsequente
à publicação de uma lei complementar (LC) que os regulamentasse, o que
não ocorreu até o momento, de modo que os fundos vêm funcionando legal
e “temporariamente” por meio da citada Lei no 4.320/1964 (Bassi, 2019).
Os avanços e os enxertos legais e constitucionais não conseguiram solucio-
nar uma questão aparentemente simples acerca do caráter público ou privado
dosfundosespeciais. A questão permaneceu em aberto até o momento em que,
segundo Costa (2012), foi estabelecido um normativo balizador sobre a dife-
renciação jurídica dos fundos públicos e privados pela Resolução no 2, de 23 de
dezembro de 2013, da Comissão Nacional de Classicações do Instituto Brasileiro
de Geograa e Estatística (Concla/IBGE).
Fica claro, pela referida resolução, que todos os fundos especiais são públi-
cos e que todos os fundos públicos são especiais. A denominação especial indica
somente ações ou políticas relevantes no âmbito da administração direta, sem
constituir necessariamente algo excepcional ou extraordinário (Reis, 2004).
As características dos fundos especiais variam de acordo com a sua classi-
cação – contábil, misto ou nanceiro. A gura 1 facilita a compreensão acerca do
padrão normativo, do ordenamento e das características dos fundos. Salienta-se
que se fez uma síntese rudimentar sobre a classicação dos fundos, em virtude de
não existir um consenso na literatura a esse respeito, não tendo o presente estudo
o objetivo de preencher essa lacuna.
Há uma quantidade enorme de fundos. Se considerados os três entes da
Federação (União, estados e municípios), são mais de trezentos em operação no
Brasil. O quadro 1 traz uma imagem sintética dos fundos federais comportados
em cada uma dessas classicações dos fundos públicos especiais.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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145
FIGURA 1
Classificação, ordenamento e características dos fundos
Fundos
Fundos públicos
Fundos
públicos
especiais
Fundos
públicos
especiais de
natureza
contábil
-
Constituem extensão da CTU.
-
São operacionalizados por
unidade orçamentária.
-
Executam despesas.
-
Praticam financiamento e
executam despesas.
-
Podem ser ou não uma
extensão da CTU.
-
-
-
-
São operacionalizados por unidade
orçamentária e por estabelecimento
oficial de crédito.
Fundos
públicos
especiais mistos
Fundos
públicos
especiais de
natureza
financeira
Não são uma extensão da CTU.
São operacionalizados por
estabelecimento oficial de crédito.
Fundos privados
Praticam financiamento.
Fonte: Costa (2012; 2017); Bassi (2019).
Elaboração dos autores.
QUADRO 1
Fundos federais, de acordo com sua classificação
Fundos especiais contábeis Fundos especiais mistos Fundos especiais
de financiamento
Fundo Rotativo da Câmara dos Deputados;
Fundo de Imprensa Nacional (Funin);
Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust);
Fundo Especial de Formação, Qualificação, Treinamento
e Desenvolvimento do Servidor Público (Fundase);
Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD);
Fundo Penitenciário Nacional (Funpen);
Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP);
Fundo Nacional Antidrogas (Funad);
Fundo Nacional de Saúde (FNS);
Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC);
Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA);
Fundo do Ministério da Defesa (FMD);
Fundo de Administração do Hospital das Forças
Armadas (FAHFA);
Fundo do Serviço Militar (FSM);
Fundo Aeronáutico;
Fundo do Exército (FEx);
Fundo Naval;
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional
Marítimo (FDEPM);
Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS);
Fundo Nacional de Segurança e Educação
de Trânsito (Funset);
Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social (FNHIS);
Fundo Nacional para a Criança e o
Adolescente (FNCA);
Fundo Nacional do Idoso (FNI); e
Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).
Fundo de Defesa da Economia
Cafeeira (Funcafé);
Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT);
Fundo para o Desenvolvimento
Tecnológico das
Telecomunicações (FUNTTEL);
Fundo da Marinha
Mercante (FMM);
Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT);
Fundo Nacional da Cultura (FNC); e
Fundo Nacional sobre Mudança do
Clima (FNMC).
Fundo de Terras e da Reforma
Agrária (Banco da Terra);
Fundo Geral de
Turismo (Fungetur);
Fundo Constitucional de Finan-
ciamento do Norte (FNO);
Fundo Constitucional de Finan-
ciamento do Centro-Oeste (FCO);
Fundo Constitucional de Finan-
ciamento do Nordeste (FNE);
Fundo de Desenvolvimento da
Amazônia (FDA);
Fundo de Desenvolvimento do
Nordeste (FDNE); e
Fundo de Desenvolvimento do
Centro-Oeste (FDCO).
Fonte: Bassi (2019).
Elaboração dos autores.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
146
|
É possível perceber que a maior parte dos fundos especiais são classicados
como contábeis, bem à frente dos fundos de nanciamento e dos fundos mistos.
Todos esses são destinados a uma vasta gama de objetivos, atividades e setores.
Vale a ressalva feita por Bassi (2019) de que, com a Lei no 13.530/2017,
que regulamentou o NovoFundo de Financiamento Estudantil (Novo Fies), tal
fundo passou a ser nanciado por meio do FNO, do FNE, do FCO, do FDA, do
FDNE e do FDCO. Isso, além de ampliar a abrangência dos objetivos atribuídos
aos FCFs e aos fundos de desenvolvimento, abriu uma brecha legal, ao permitir
que um fundo fosse nanciado por outros.
Assim, o Novo Fies adquiriu caráter ambíguo: apesar de estar atrelado a
esses fundos nanceiros, a cujas carteiras os empréstimos devem retornar, uma
fração dos desembolsos do Novo Fies permanece atuando fora da sistemática legal
que rege os fundos nanceiros. Ao mesmo tempo, o fundo estudantil não atua
conforme uma extensão da CTU, sem tampouco se comportar como uma uni-
dade orçamentária situada fora da administração direta do orçamento público.
Enquadrá-lo como fundo misto também não corresponde às características dessa
classicação. Assim, diante desse impasse na classicação do Novo Fies como um
fundo de natureza nanceira, mista ou contábil, Bassi (2019, p. 17-18) sugere
que o Novo Fies não seja colocado em nenhuma das três categorias até que essa
ambiguidade legal e normativa tenha uma resolução mais bem denida. Ao lado
da natureza “diferente” desse novo fundo, é preciso informar que a inovação aqui
é que o nanciamento dessa ação pelos FCFs constitui um desvio de função da
política regional, que nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste pouparia a
política de educação de nanciar o Fies. Os recursos nacionais remanescentes do
Fies poderiam, então, ser canalizados para as demais regiões mais ricas.
Na seção a seguir, analisam-se o FNO, o FNE e o FCO, que têm por pre-
missa combater os desequilíbrios regionais.
3 CONSTRUÇÃO LEGAL E ORIENTAÇÃO ECONÔMICA DOS FUNDOS
CONSTITUCIONAIS DE FINANCIAMENTO
A CF/1988, em seu art. 159, inciso I, alínea c, destinou 3% do produto da arre-
cadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) para a aplicação em programas de nanciamento ao setor produtivo das
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Em 1989, a Lei no 7.827 instituiu e regulamentou a utilização desses re-
cursos pela criação do FNE, do FCO e do FNO, que fazem parte dos fundos
especiais de natureza nanceira, são operacionalizados por estabelecimento
ocial de crédito e movimentam recursos fora da CTU, por meio de outras
contas-correntes bancárias. O objetivo dos FCFs é contribuir para a redução das
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
|
147
desigualdades regionais por meio das instituições nanceiras federais de caráter
regional, que promovem os programas de nanciamento aos setores produtivos
de acordo com normas, especicidades e prioridades setoriais, especiais e eco-
nômicas das respectivas regiões-alvo. Essas instituições nanceiras que gerem e
executam os recursos dos fundos são: o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que
administra o FNE; o Banco da Amazônia (Basa), que administra o FNO; e o
Banco do Brasil (BB), que administra o FCO.
Cada FCF é administrado de maneira distinta e autônoma. Cabe ao MDR,
aos órgãos de conselho deliberativo (Condel) das superintendências de desenvol-
vimento regional4 e aos bancos administradores (BNB, Basa e BB) a adminis-
tração de cada um deles. Cada uma dessas entidades tem atribuições especícas,
contidas na lei que regimenta os fundos.
Ao MDR cabe estabelecer normas e orientações gerais para a operacionali-
zação e a aplicação dos recursos dos FCFs em programas de nanciamento, de
forma a compatibilizá-las com as orientações da política macroeconômica, das
políticas setoriais e da PNDR. O ministério também deve supervisionar, coor-
denar e controlar a aplicação dos recursos e avaliar o desempenho desses fundos.
Ao Condel de cada superintendência cabe aprovar, anualmente, os programas de
nanciamento do respectivo fundo para o exercício seguinte, tendo por base as
diretrizes e as orientações gerais traçadas pelo MDR. Aos bancos administradores
cabe denir normas, procedimentos e condições operacionais próprias da atividade
bancária, respeitadas, entre outras, as diretrizes constantes das programações de
nanciamento aprovadas pelo Condel de cada fundo.
Os programas de nanciamento promovidos pelos FCFs para a redução das
desigualdades regionais devem visar ao aproveitamento das potencialidades regio-
nais e locais que resultem em promoção da economia, com geração de emprego
erenda, melhorias técnicas e gerenciais, e agregação de valor da produção regionale
local. Entre as atividades e os setores beneciados estão os pequenos e os microem-
preendedores rurais e empresariais; as atividades intensivas em matérias-primas e
mão de obra locais; as atividades produtoras de alimentos básicos para o consumo
da população; e as associações e as cooperativas de produção ligadas aos setores
agropecuário, mineral, industrial, agroindustrial, turístico, de infraestrutura,
comercial e de serviços. Também se prevê tratamento preferencial para pessoas
físicas do setor rural.
Por força da Lei no 7.827/1989, dos 3,0% totais do IPI e do IR que capi-
talizam anualmente os FCFs, o FNE ca com 1,8% desses recursos, dos quais
metade deve ser direcionada exclusivamente à região do Semiárido; o FNO recebe
4. São elas: a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam) e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
148
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0,6% dos recursos; e o FCO, outros 0,6% (Brasil, 1989, art. 6o). Tais valores são
repassados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) aos fundos.
Esses percentuais signicam que, para o exercício de 2021, segundo a progra-
mação regional de cada fundo,5 a estimativa do FNE era receber da STN um total
de R$ 7,8 bilhões, os quais, somados com outras fontes de recursos e subtraídos
da saída (aplicação) de outras rubricas, geram disponibilidade de R$ 24,1 bilhões.
Para o FNO, o repasse é de R$ 2,7 bilhões, mas, quando é somado o saldo das
entradas e são deduzidas as saídas, tem-se um total de R$ 7,5 bilhões de recursos
disponíveis para 2021. Para o FCO, em 2021, a entrada de recursos também é
de R$ 2,7 bilhões, conforme a distribuição denida em lei, mas a disponibilidade
total é de R$ 5,7 bilhões.
Essa diferença entre as disponibilidades totais do FNO e do FCO, apesar
de os dois fundos receberem o mesmo percentual da STN, se explica por especi-
cidades nos valores de entrada e saída das rubricas de cada um. Além da entrada
de recursos via STN, outras fontes de arrecadação geram variações patrimoniais
divergentes para cada fundo, tais como o resultado da remuneração dos recursos
momentaneamente não aplicados, calculado com base em indexador ocial; as
disponibilidades dos exercícios anteriores; as contribuições, as doações, os nan-
ciamentos e os recursos de outras origens, concedidos por entidades de direito
público ou privado, nacionais ou estrangeiras; e as dotações orçamentárias ou
outros recursos previstos em lei, conforme lembram Macedo e Coelho (2015).
Os fundos contam, portanto, com outras fontes expressivas de receitas para
além dos repasses da STN, o que garante uma relativa proteção contra as inuên-
cias conjunturais de contingenciamento do gasto público em tempos de instabili-
dade macroeconômica (Macedo, Pires e Sampaio, 2017). Nesse sentido, Portugal
et al., (2016), ao observarem a capacidade orçamentária dos fundos, constataram
que ela cresceu ainda mais em períodos de crise econômica. Por isso, atribuem aos
fundos um papel de estabilizador macroeconômico, de caráter anticíclico, pois
mesmo quando o crédito se torna mais escasso e caro no mercado em função da
crise, os FCFs mantêm a oferta e a taxa de captação relativamente barata, o que
auxilia a amortecer a queda das atividades econômicas.
A relevância nanceira dos FCFs é atestada pelo Relatório e Parecer Prévio
sobre as Contas do Presidente da República, elaborado pelo TCU, para o exercício de
2020 (TCU, 2020). Os dados da tabela 1 dão uma dimensão do volume nanceiro
atrelado aos FCFs, principalmente se visto de modo comparativo aos outros fundos
5. Plano de Aplicação de Recursos Financeiros: FNO Exercício 2021, disponível em: <https://www.bancoamazonia.com.
br/index.php/sobre-o-banco/fno>; Programação Regional FNE 2021, disponível em: <https://www.bnb.gov.br/fne>;
Programação FCO 2021, disponível em: <https://www.gov.br/sudeco/pt-br/assuntos/fundo-constitucional-de-
financiamento-do-centro-oeste/programacao-anual-de-financiamento-1/programacao-anual-de-financiamento>.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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149
públicos que captam recursos da STN. Para o exercício de 2020, foram beneciados
32 fundos ou programas com recursos destinados ao nanciamento de atividades
produtivas voltadas ao incremento do desenvolvimento regional e social, bem como
para o suporte a diversos setores da economia. Naquele ano, foi disponibilizado um
total de R$ 25.961.744 em benefícios nanceiros e creditícios. Entre estes, os FCFs
foram os que mais receberam benefícios, com R$ 9.593.149, ou 37,0% do total de
recursos, conforme visualizado na tabela 1.
TABELA 1
Brasil: principais fundos ou programas beneficiados com recursos da STN (2020)
Fundos ou programas Benefícios Segmento
R$ milhões %
FNE, FNO e FCO 9.593.149 37,0 Produtivo
Subvenção a consumidores de energia elétrica da subclasse baixa renda 4.194.433 16,2 Social
Novo Fies 3.159.567 12,2 Social
Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) 2.623.363 10,1 Social
Programa Minha Casa, Minha Vida 2.547.886 9,8 Social
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) 2.274.663 8,7 Agropecuário
Demais 1.568.683 6,0 Diversos
Total 25.961.744 100,0
Fonte: Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Sefel) do ME; e TCU (2020).
A importância dos FCFs para o setor privado das regiões favorecidas pelos seus
recursos pode ser vista na tabela 2, elaborada pelo TCU para o relatório do exercício
de 2017, último ano com esse tipo de estudo. Ainda que os seus dados não sejam os
mais recentes, a tabela é um esforço de síntese para demonstrar a magnitude de cada
um dos três fundos constitucionais a partir de alguns indicadores-chave.
TABELA 2
Síntese dos FCFs (2017)
Indicadores FNO FNE FCO
Valor repassado pela STN (R$ bilhões) 2,3 7 2,3
Valor emprestado pelos fundos (R$ bilhões) 2,9 15,3 7,9
Empréstimos sobre o total de crédito disponível ao setor produtivo (%) 14,6 22,6 16,8
Taxa de inadimplência (%) 2,8 3,1 0,5
Patrimônio líquido (PL)/produto interno bruto (PIB) (%) 7,6 8,3 7
Fonte: (TCU, 2017).
Entre esses dados, primeiro destacamos o elevado percentual do valor empres-
tado pelos FCFs sobre o total de crédito disponível ao setor produtivo, o que indica
a importância desses instrumentos para a atividade econômica de cada região.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
150
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Sobre esse indicador, temos que o FNE representa 22,6% da oferta de crédito
disponível ao setor privado no Nordeste, sendo o fundo de maior peso relativo
e absoluto entre os três, uma vez que emprestou a cifra de R$ 15,3 bilhões em
2017, valor equivalente ao repasse xo da STN estabelecido por lei, mais as outras
receitas do fundo. O FCO é o segundo em termos de participação relativa e
absoluta, com 16,8% de participação no crédito ofertado ao setor produtivo do
Centro-Oeste, o que signica o montante emprestado de R$ 7,9 bilhões. O FNO
tem o menor peso, com participação de 14,6% no total de crédito disponível ao
setor produtivo do Norte, ou R$ 2,9 bilhões emprestados para a região. Em todas
as macrorregiões, percebe-se que o volume emprestado total é maior que o valor
repassado pela STN.
A razão PL/PIB é outro índice de impacto dos fundos. Quanto maior for o
indicador, maior o peso nanceiro do fundo para a respectiva economia regional.
O maior percentual para o Nordeste (8,3%) é compatível com a maior necessi-
dade de atuação do fundo para a dinamização da atividade econômica na região.
Por intermédio dos fundos, é possível impulsionar os efeitos multiplicadores
do investimento e ampliar o horizonte temporal das decisões de gasto, ajustando
as expectativas dos agentes. Os dados apresentados chamam atenção para a im-
portância dos FCFs como peça na engrenagem das atividades econômicas regio-
nais, na medida em que contam com amplo, estável e seguro volume de recursos,
podendo estimular e nanciar o setor produtivo das regiões periféricas por meio
da concessão de crédito.
4 DISPUTA POLÍTICA E ECONÔMICA SOBRE O CONTROLE DOS FCFS
Esta seção é dividida em duas subseções. Na subseção 4.1, apresentamos e discuti-
mos as modicações recentementerealizadas pelo Legislativo nos FCFs, apontan-
do as consequências sobre o funcionamento dos fundos e os interesses revelados
a partir das alterações já consolidadas. Na subseção 4.2, expomos as propostas de
modicações legislativas ainda em tramitação no Congresso Nacional, até pelo
menos novembro de 2021. Com essa separação analítica, buscamos uma melhor
compreensão sobre as modicações já concretizadas e sobre aquelas que estão (ou
estavam) em disputa.
4.1 Atuais mudanças legais sobre os FCFs
Segundo dados fornecidos pela Coordenação-Geral de Avaliação de Benefício
Financeiro ou Creditício, pertencente à Secretaria Especial de Fazenda do ME, os
benefícios nanceiros e creditícios instituídos pelo governo para mitigar os efeitos
negativos da covid-19, em 2020, somaram R$ 1,36 bilhão, como pode ser visto
na tabela 3. Entre os benefícios, estão presentes os créditos dos FCFs, embora não
constem seus valores absolutos.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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TABELA 3
Benefícios financeiros e creditícios destinados ao enfrentamento da covid-19 (2020)
Benefício Tipologia Norma Prazo Impacto
(R$ milhões)
Tarifa Social de Energia Elétrica
(TSEE) Financeiro. Medida Provisória (MP)
no 950/2020.
De 1o de abril de 2020 a
30 de junho de 2020. 900
Programa Emergencial de Suporte a
Empregos (Pese) Creditício. MP no 944/2020. De 3 de abril de 2020 a
30 de outubro de 2020. 267,8
Crédito especial com FCFs Creditício.
Resolução do Conselho
Monetário Nacional (CMN)
no 4.798/2020.
Até quando durasse
o estado de
calamidade pública.1
(...)2
Programa Emergencial
de Acesso a Crédito (Peac) –
modalidade Maquininhas
Creditício. Lei no 14.042/2020. Contratação até 31 de
dezembro de 2020. 29,06
Fungetur Creditício. MP no 963/2020 e
Lei no 14.051/2020. Sem prazo. 161,67
Total 1.358,53
Fonte: Nota Técnica do Sistema de Informação Eletrônica (SEI) no 8.829/2021/ME (peça 327, p. 3, do processo
TC 016.873/2020-3).
Elaboração dos autores.
Notas: 1 O estado de calamidade pública foi limitado a 31 de dezembro de 2020.
2 Valores não divulgados pela Nota Técnica.
As MPs no 1.016 e no 1.017, ambas de 17 de dezembro de 2020 (Brasil,
2020b; 2020c), são mais um exemplo concreto da importância dos fundos para
o estímulo e a recuperação da atividade econômica no período pandêmico. Elas
se fundiram na Lei no 14.166, de 10 de junho de 2021. No geral, a lei visa ao
estímulo da economia por meio da concessão de crédito oriundo dos fundos.
Entre outras deliberações, permite que os devedores dos FCFs renegociem suas
dívidas com até 70% de desconto; autoriza a substituição de encargos de dívidas
contratadas até 2018; prorroga o vencimento das parcelas em até 120 meses, es-
pecicando condições para operações rurais e não rurais; e autoriza a liquidação
ou a repactuação de operações de crédito rural destinadas à atividade cacaueira.
A disputa federativa pelos estáveis, seguros e volumosos recursos oriundos
dos fundos, garantidos constitucionalmente, atrai a heterogênea classe política,
que procura direcioná-los para várias frentes e nalidades, movida por interesses
difusos. Isso se exacerbou no contexto de uma política econômica orientada por
medidas de austeridade scal via contingenciamento do gasto público, pelo menos
desde 2015, e de grave crise sanitária e econômica, em 2020 e 2021.
Lopes, Macedo e Monteiro Neto (2021) identicaram quase 160 mudanças
nos FCFs por meio de dezessete leis ordinárias, LCs e MPs que realizaram inclu-
sões e revogações de dispositivos do texto original da Lei no 7.827/1989. Essas
alterações já consolidadas, inclusive a já citada Lei no 14.166/2021, modicaram
a estrutura de governança, a abrangência territorial e o ordenamento normativo,
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
152
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nanceiro, gerencial e administrativo dos FCFs. Os autores agruparam as dezes-
sete leis pelo objetivo-chave de cada uma:
• alteração na metodologia nanceira – Leis nos 9.126/1995, 12.793/2013,
13.682/2018 e 13.986/2020, e MPs nos 2.193-3/2001 e 14.227/2021;
• expansão da abrangência territorial – Lei no 9.808/1999;
• novas rubricas de gasto e concessão de dívidas – Leis nos 10.260/2001,
11.775/2008, 13.530/2017, 11.945/2009 e 14.166/2021; e
• mudanças de governança e de ordem organizacional, normativa e
gerencial – Lei no 10.177/2001, LC no 125/2007, Lei no 11.524/2007,
Lei no 12.716/2012 e LC no 129/2009.
As especicações, as datas de entrada em vigor e os objetivos dessas leis,
assim como os nossos comentários sobre elas.
Além dessas alterações já catalogadas, várias outras medidas foram apresentadas
para alterar o uso dos recursos e estimular o setor privado, a produção e a atividade
econômica a partir dos créditos obtidos pelo três FCFs, ainda mais na recente
conjuntura nacional e global de forte instabilidade econômica e crise sanitária.
Os FCFs foram um dos poucos fundos6 que caram de fora da PEC
no187/2019, a PEC dos Fundos, que prevê a extinção de cerca de 248 fundos
públicos, o que permitiria a desvinculação imediata de um volume nanceiro
de cerca de R$ 219 bilhões, a serem utilizados para a amortização da dívida
pública da União. Além disso, os FCFs estão fora da proposta original da PEC
no 186/2019, a PEC Emergencial, que trata de medidas permanentes e emergen-
ciais de controle de despesas e de reequilíbrio scal. Pela proposta, fundos pú-
blicos da União, dos estados e dos municípios criados até 31 dezembro de 2016
seriam extintos, se não fossem raticados por LC até o m do segundo ano após a
aprovação da PEC. A extinção se aplicaria a mais de 180 fundos governamentais
com destinação carimbada para determinadas áreas e grupos de interesse, mas
não se aplicaria aos fundos constitucionais. A PEC no 186/2019, inicialmente
apresentada em 5 de novembro de 2019, foi aprovada pelo Congresso Nacional e
transformada na Emenda Constitucional (EC) no 109, de 15 de março de 2021,
6. Pela redação da referida PEC no 187/2019, ficariam preservados os fundos públicos previstos nas constituições e nas leis
orgânicas de cada ente federativo, inclusive nos atos das disposições constitucionais transitórias, de modo que, segundo
Dias (2020), não seriam extintos pela PEC os seguintes fundos constitucionais federais: Fundo Partidário; FCDF; Fundo
de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE); Fundo de Participação dos Municípios (FPM); FNO; FNE; FCO;
FNAS; FAT; Fundo do Regime Geral de Previdência Social (FRGPS); e o FNS. Além desses, os fundos infraconstitucionais
também foram preservados ao longo da discussão da PEC na Comissão Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). São eles:
FNDCT e Funcafé. Outros fundos preservados foram aqueles da área de segurança pública: FNSP; Funpen; e Funad. Por
fim, também foram mantidos fundos de prestação de garantias e avais, tais como: Fundo de Garantia à Exportação (FGE);
Fundo de Garantia para Promoção da Competitividade (FGPC); e o Fundo Garantia Safa (FGS).
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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153
com muitas alterações, entre elas a retirada do texto que propunha a extinção dos
mais de 180 fundos.
A busca pela apropriação dos nanciamentos dos fundos gerou pressão dos
governadores estaduais para que os estados e os municípios pudessem também
ter acesso aos empréstimos dos fundos (Corrêa, 2019). Em outro caso, conforme
demonstrado na reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (Soares e Galhardo,
2020), diante da insatisfação com as medidas de socorro nanceiro em virtude
da pandemia da covid-19 e da necessidade de ampliação dos gastos públicos, os
governadores do Centro-Oeste pressionaram o governo federal reivindicando
facilidades nas operações de crédito por meio dos FCFs.
Ainda nessa linha, o jornal supracitado divulgou que, em abril de 2020,
o CMN aprovou uma linha de crédito para pessoas físicas e jurídicas, incluindo
cooperativas que exerçam atividades não rurais, de até R$ 6 bilhões, enquanto
perdurasse o estado de calamidade pública (Rodrigues, 2020). A repartição do
volume nanceiro é de até R$ 100 mil por cliente, para capital de giro – o que
engloba despesas de custeio, manutenção e formação de estoque, pagamento de
funcionários e contribuições, e despesas com risco de não serem honradas por
conta da paralisação das atividades durante a pandemia –, e de até R$ 200 mil,
para investimentos. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do Movi-
mento Democrático Brasileiro (MDB), buscando reativar a economia brasiliense,
utilizou essas linhas de crédito para atender a empresas locais e prossionais au-
tônomos a partir de recursos do FCO (Bitencourt e Jubé, 2020). Medida pareci-
da, conforme divulgado pelo Valor Econômico (Walendor, 2021), é uma linha
de crédito aprovada pelo Condel da Sudeco para o uso de R$ 180,5 milhões
doFCO, via BB, para apoio na recuperação econômica aos produtores rurais do
Pantanal, afetados por estiagem e incêndios orestais em 2020.
Nesse mesmo sentido, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divul-
gou na mídia especializada, em maio de 2021, a elaboração de uma série de su-
gestões emergenciais para a manutenção do emprego e a retomada sustentada da
atividade econômica (CNI, 2021). Entre as propostas, o CNI destaca que a oferta
de linhas de crédito para capital de giro com recursos dos FCFs é crucial para o
crescimento sustentado da economia. Outra medida para auxiliar na recuperação
econômica por intermédio dos recursos nanceiros dos FCFs, em especial do
FCO, é a MP no 987/2020 (Brasil, 2020d), transformada no Projeto de Lei de
Conversão (PLV) no 40/2020, que não só prorroga a isenção tributária para mon-
tadoras de veículos até 2025, mas também inclui a região do Centro-Oeste no
rol das empresas beneciárias. Pelo PLV, o uso dos recursos do FCO compensa
as desonerações, uma vez que a prorrogação do regime do Centro-Oeste não está
prevista no orçamento para 2021, de modo que será cobrado de 2021 até 2025
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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o pagamento de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) das operações de
crédito com recursos do FCO. Portanto, o FCO será usado como contrapartida,
ou lastro nanceiro indireto, de um benefício tributário (isenção para as montadoras)
não previsto no orçamento do ano corrente, congurando certo malabarismo
orçamentário para estimular a atividade econômica.
Em outro momento, conforme reportagem do Valor Econômico (Pupo e
Simão, 2016), no auge da instabilidade política do governo do Partido dos Traba-
lhadores (PT) em 2016, foram aprovadas mudanças na oferta de crédito mediante
a redução dos juros cobrados pelos FCFs. O intuito era estimular a economia e, as-
sim, dar uma sobrevida ao mandato presidencial de Dilma Rousse. Nesse sentido
da utilização política dos fundos, foi feito o anúncio, em maio de 2019, pelo então
presidente da República Jair Bolsonaro, de um acréscimo de R$ 4 bilhões para o
FNE, durante a primeira visita do presidente à região do Nordeste, conforme noti-
ciado pelo jornal O Globo (Maia, 2020). Este ato pode ser interpretado como uma
a tentativa de angariar, por meio da liberação dos recursos dos fundos, o apoio de
setores e regiões insatisfeitas com seu governo. Nessa disputa pelos recursos, os fun-
dos serviriam também como moeda de troca em uma proposta do governo federal
para compensar a perda de arrecadação dos estados pela nova reforma tributária que
funde os tributos do Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social (Cons), do IPI, do Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços (ISS). Isto é, a gestão
dos FCFs passaria aos entes subnacionais (estados) como forma de minimizar a
perda de arrecadação pela fusão dos impostos (Otta e Tru, 2020).
O FNO entra também como instrumento de nanciamento do Plano de
Recuperação Verde (PRV), do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, con-
forme anunciou, em junho de 2021, no portal de notícias d’O Globo, o então
governador do Maranhão, Flávio Dino (Dino, 2021). Apareceram propostas
também de uso dos recursos dos FCFs e dos fundos de desenvolvimento regional
para a cobertura e o aumento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (Fundeb) (Fernandes, 2020; Mariz, 2020; Ventura, 2020), ou
para o auxílio nanceiro aos estados em situação de insolvência (Otta, 2020).
Outro aspecto importante em torno da disputa pelos fundos públicos é a
redução do aporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), cujo volume de nanciamento caiu desde 2015, o que ampliou o
interesse do mercado pelos FCFs. Não por acaso, cresceu a pressão do mercado
para a alocação desses recursos em projetos de infraestrutura como forma de com-
pensar a queda nos nanciamentos do BNDES. Surgiram, inclusive, propostas de
absorção dos bancos regionais (BNB e Basa) por aquele (Teixeira, 2017a; 2017b).
Em relação ao BNDES, ao BNB e ao FNE, Macedo e Silva (2019, p. 15) apontam que
a obrigatoriedade dos repasses da STN e a menor taxa de juros tornam a aplicação do
Fundo menos oscilante do que outras fontes, embora ele esteja igualmente sujeito à
conjuntura econômica. Uma comparação com a atuação do BNDES na região Nordeste
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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indica que o aporte de nanciamento deste é maior do que o do FNE. Embora este
banco não seja um executor de uma política de desenvolvimento regional, sua atuação
tem efeitos importantes sobre a economia da região. Entre 2004 e 2017, o BNDES
aportou, a preços de janeiro de 2019, R$ 287,2 bilhões no Nordeste, impulsionado
desde 2008 pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.
No mesmo período, o BNB, através do FNE, desembolsou R$ 131,7 bilhões.No
entanto, o ajuste scal desde 2015 paralisou as grandes obras do PAC e
outros investimentos de maior porte. Enquanto o BNDES, em 2016 e 2017,
nanciouR$ 27 bilhões em investimentos na região Nordeste, o BNB desembolsou
R$ 27,2 bilhões. Ou seja, o valor médio anual dos nanciamentos do BNDES
neste biênio de aguda crise (R$ 13,5 bilhões) cou 59,5% abaixo da média dos
12 anos anteriores (R$ 22,7 bilhões), enquanto o valor médio do FNE, naqueles
dois anos, foi de R$ 13,7 bilhões ante R$ 8,7 bilhões do período 2004-2015,
sugerindo que a crise afetou mais as ações do BNDES do que as do BNB.
Ainda sobre a fragilidade desses bancos administradores, ressalte-se que
aexecução do orçamento do FCO realizada pelo BB é hoje alvo de disputa com a
Caixa Econômica Federal (Caixa). A vultosa e sólida fonte de recursos provindos
do FCO despertou o interesse da Caixa em avançar na concessão de crédito agrí-
cola, segundo apurado pela reportagem d’O Globo (Doca e Côrrea, 2021).
A concorrência pela administração dos recursos dos fundos se acentuou coma
MP no 1.052, de 19 de maio de 2021 (Brasil, 2021a; 2021b; 2021c), não só com
relação à gestão pelo BB do FCO, mas com relação a todos os outros fundos e ban-
cos administradores. A MP foi transformada na Lei no 14.227/2021, promovendo
dezenove mudanças na norma que regulamenta os FCFs – a Lei no 7.827/1989 –,
todas elas relacionadas à transferência da competência administrativa e nanceira
dos fundos. A nova legislação produz alterações na estrutura de governança e na
apropriação do volume nanceiro dos bancos administradores dos FCFs.
As medidas da lei podem ser sintetizadas da seguinte forma: i) exibilização
dos encargos nanceiros em função do porte do tomador, da nalidade do crédito, do
setor de atividade e da localização do empreendimento; ii) assunção integral dos
riscos das operações com recursos dos fundos pelas instituições nanceiras bene-
ciárias; iii) estabelecimento, via CMN, dos valores xos do del credere pago às
instituições nanceiras; iv) criação de uma taxa de performance, que poderá acrescer
em até 20% o montante a ser recebido pelos bancos administradores; v) direciona-
mento de parcela de 0,01% do montante de recursos dos fundos para a contratação,
pelas superintendências de desenvolvimento regional, de pesquisas de avaliação dos
impactos econômicos e sociais decorrentes da aplicação dos recursos dos fundos; e
vi)garantia de um repasse mínimo de 10% do FNO para as cooperativas de crédito.
Esse conjunto de medidas tem como consequências: modicar as taxas de re-
muneração e os encargos dos bancos administradores; fragilizar esses bancos; acirrar
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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a disputa pelo controle dos recursos dos fundos; e transferir, para órgãos de pouca
tradição na seara regional, parcela da competência sobre os FCFs, alterando suas
normas, estrutura de governança e arranjo nanceiro. Portugal (2018) alerta que o
CMN já decide sobre as taxas de juros ofertadas pelos fundos constitucionais, pelo
menos desde a Lei no 13.682/2018, que promoveu uma mudança na captação dos
recursos dos fundos. O risco agora é de maior sujeição dos FCFs e de seus respec-
tivos bancos administradores aos objetivos do CMN que se diferenciam daqueles
da política de desenvolvimento regional; por exemplo, impondo-se aos fundos uma
lógica de funcionamento pró-mercado. Isso diculta o acesso ao crédito mais ba-
rato, principalmente para aquele tomador de menor porte, situado em localidades
de parca atividade econômica, além de gerar um ambiente de maior incerteza ao
demandante na hora da captação. Isto é, os tradicionais órgãos da questão regional,
como as instituições nanceiras de caráter regional e as superintendências regionais
de desenvolvimento, cam cada vez mais esvaziados, com menor grau de manejo e
reduzido poder de participação e planejamento sobre os FCFs.
Além desse esvaziamento normativo, a lei signica também volumosas
e crescentes perdas nas receitas dos bancos administradores. A Associação dos
Empregados do Banco da Amazônia (Aeba), em 2021, estimava que, naquele
ano, o banco perderia cerca de R$ 145 milhões; as perdas aumentariam para
R$ 280 milhões, em 2022; até se chegar ao montante de R$ 390 milhões perdi-
dos por ano a partir de 2026 (Aeba, 2021).
Em suma, no conjunto das modicações legislativas já concretizadas sobre
os FCFs, observamos que atualmente essas normas não promovem o alinhamento
dos instrumentos legais dos fundos com a agenda prioritária da PNDR, tam-
pouco com os objetivos originais da criação destes mecanismos. Ao contrário, as
novas diretrizes concebem uma série de alterações que na verdade mais afastam
do que aproximam as ações dos fundos dos seus princípios norteadores. Ademais,
acirram disputas pelo controle dos recursos e das competências administrativas,
gerenciais, nanceiras e jurídicas dos fundos. Como consequência, acabam por
esvaziar as instituições nanceiras de caráter regional, as superintendências de
desenvolvimento regional e a própria PNDR.
4.2 Transformações em tramitação sobre os FCF: PECs e PLs
Pela demonstrada relevância dos FCFs, propostas de alterações institucionais em vá-
rias frentes, com interesses difusos, têm sido formuladas nas Casas Legislativas para a
captação dos recursos públicos, em especial dos FCFs, acirrando a disputa por eles.
Destacamos a economia política dessas propostas, o que leva a pensar a agenda go-
vernamental no que se refere ao desenvolvimento regional, e o papel do Estado bra-
sileiro no atual contexto do padrão de acumulação de capital, que se caracteriza pelo
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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157
enfraquecimento da indústria no Brasil e pelo dinamismo das atividades ligadas à
produção e à exportação de commodities e à exploração de recursos naturais.
Lopes, Macedo e Monteiro Neto (2021) e Lopes e Macedo (2023) apresen-
taram estudo acerca das disputas institucionais e da tendência de esvaziamento da
questão regional nas políticas sobre os FCFs ao analisarem os últimos PLs, PLPs
e PECs que versam sobre alterações nos fundos. Procuramos então atualizar esse
trabalho, com destaque para as propostas ainda em tramitação e aquelas já legis-
ladas entre 2019 e novembro de 2021.
Nesse período, vericou-se que existem 48 propostas em tramitação no
Congresso Nacional, elaboradas tanto no Senado Federal como na Câmara dos
Deputados. Na gura 2, apresenta-se o agrupamento das propostas de acordo
com suas nalidades predominantes, em que consideramos apenas os PLs,
excluindo-se as PECs.
FIGURA 2
PLs sobre os FCFs, por finalidade-chave (2019-2021)
Projetos legislativos
Fundos como
garantidores da
demanda e
da oferta (a)
Medidas
decorrentes da
pandemia
da covid-19
(a.1)
Manutenção do emprego:
PL n
O
1.091/2020.
Novas linhas de crédito e expansão do financiamento:
PLs n
Os
– 2.185/2020; 823/2021; 348/2021; 3.068/2020;
3.109/2020; e 2.487/2021.
Renegociação de dívidas:
PLs n
Os
3.949/2020; 735/2020; 944/2021; e 2.373/2021.
Novas linhas de
expansão do
crédito e
ampliação da
infraestrutura
(a.2)
Economia solidária:
PL n
O
1.047/2020.
Abono e crédito setorial:
PLs n
Os
6.269/2019; 6.276/2019; 1.934/2019;
1.723/2020; 5.244/2020; 4.531/2020; 514/2021;
4.699/2020; 4.555/2020; 3.471/2021; e
3.969/2021.
Indústria e comércio:
PL n
O
1.987/2020.
Inovação:
PLs n
Os
5.451/2019 e 2.831/2019.
Auxílio a pequenos e
microempreendedores:
PL n
O
4.562/2019.
Sustentabilidade ambiental:
PLs n
Os
5.788/2019; 6.230/2019;
5.435/2019; 5.607/2019; e 2.636/2021.
Turismo:
PLs n
Os
4.125/2020 e 3.519/2021.
Economia criativa:
PL n
O
4.733/2020.
Consórcios públicos:
PL n
O
3.312/2021.
Expansão
territorial dos
fundos (b):
PLs n
Os
2.492/2019;
297/2019;
993/2019; e
1.017/2021.
Reformas normativas, jurídicas e
financeiras (c):
PLs n
Os
3.468/2019; 5.187/2019;
1.328/2019; 163/2021; e
3.157/2021.
Fonte: Câmara dos Deputados, disponível em: <https://www.camara.leg.br/>; Senado Federal, disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/hpsenado>; e Lopes, Macedo e Monteiro Neto (2021, p. 418).
Elaboração dos autores.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
158
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As propostas foram divididas em três ramos. O ramo a, denominado fundos
como garantidores da demanda e da oferta, subdivide-se em dois. Ele congrega
projetos que estimulam determinantes de gasto, consumo e produção, atuando
sobre os agregados macroeconômicos, além de dar um direcionamento setorial e
temático especíco para a alocação dos recursos, como pode ser visto na gura 2,
com fundos destinados à sustentabilidade ambiental, ao estímulo das inovações
nas empresas etc.
Uma das subdivisões desse primeiro ramo é o grupo a.1, nomeado medidas
decorrentes da pandemia da covid-19, o qual se ramica em três classes que alte-
ram o regimento dos fundos em virtude da situação da pandemia. Essas medidas
podem ter ou não caráter temporário. As três classes – as novas linhas de crédito
e a expansão do nanciamento; a manutenção do emprego; e a renegociação de
dívidas – são voltadas principalmente para a manutenção do poder de compra,
com propostas de garantia do emprego, concessão de prazos dilatados para rene-
gociação das dívidas, mudanças nas taxas de juros ofertadas e abertura de linhas
de crédito para o nanciamento pessoal e empresarial. Trata-se de propostas de
ações do Estado direcionadas à oferta de crédito, bem como à estabilização e à
promoção de indicadores macroeconômicos durante a pandemia.
A subdivisão a.2, intitulada novas linhas de expansão do crédito e ampliação
da infraestrutura, se desmembra em nove classes, voltadas para a aplicação dos
recursos dos fundos em interesses especícos de diferentes setores produtivos
ou áreas temáticas, como: i) abono e crédito setorial; ii) economia solidária;
iii) indústria e comércio; iv) inovação; v) auxílio a pequenos e microempreendedores;
vi) sustentabilidade ambiental; vii) turismo; viii) economia criativa; e ix) consórcios
públicos. O intuito dos projetos nessa subdivisão é expandir os setores econômicos,
os grupos de interesse e as áreas temáticas beneciadas pelos fundos.
As duas subdivisões do grupo a congregam medidas de estímulo ao circuito
do consumo ou, ao menos, de manutenção da demanda no nível macro e micro-
econômico, e também propostas que abrangem o lado da oferta, ao incluírem o
setor de infraestrutura no rol dos empréstimos dos FCFs.
O ramo b, designado expansão territorial dos fundos, diz respeito às propos-
tas de expansão da abrangência territorial, incorporando novos municípios às
áreas de atuação dos FCFs. Os municípios que pleiteiam ter acesso aos fundos
têm interesse não só em alavancar o setor produtivo privado e promover a geração
de emprego e renda, preenchendo parcela da lacuna referente ao crédito, mas
também em utilizar os recursos como instrumento de acumulação do capital e
assegurar o controle do excedente econômico por setores e classes especícas,
predominantes nesses espaços.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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159
Por sua vez, o ramo c, chamado reformas normativas, jurídicas e nanceiras,
contém os PLs que procuram realizar reformas na governança e no ordenamento
nanceiro, normativo, jurídico, administrativo e gerencial dos fundos. A questão
no entorno desse grupo é a procura por melhor efetividade e maior organização
administrativa, nanceira e legal, procurando denir normas, procedimentos e
condições operacionais dos FCFs. Entretanto, tais propostas não passam necessa-
riamente por um alinhamento dos instrumentos legais dos fundos com a agenda
prioritária de diretrizes espaciais e setoriais aos quais eles deveriam responder. Ao
contrário, concebem uma série de alterações que trazem o verniz de regulamenta-
ção legislativa, mas que mais afastam do que aproximam as ações dos fundos dos
seus princípios norteadores.
Além dos 45 PLs que tramitam no Congresso Nacional ou que já foram
transformados em leis, com mudanças de toda ordem sobre os FCFs, há três PECs
que tratam de alterações sobre os FCFs. Na gura 2, reuniram-se os citados PLs por
nalidades-chave ou grandes áreas temáticas. Porém, em relação às PECs, faz-se
caminho diferente, procurando destrinchar brevemente cada uma, interpretando-as
criticamente. Realizou-se, nas três subseções a seguir, uma leitura no plano da
economia política, procurando demonstrar como os fundos – e seus objetivos
basilares – podem ser cada vez mais esvaziados a partir das propostas em voga.
4.2.1 PEC no 99/2019
A PEC no 99/2019, de autoria do deputado federal Juarez Costa, do MDB de
Mato Grosso, que até a elaboração do presente texto estava pronta para entrar na
pauta de votações na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
da Câmara dos Deputados, destina no máximo 30% do valor de cada FCF para
nanciar obras públicas em suas respectivas regiões-alvo. Para a região do Semiá-
rido, é garantida a metade dos recursos destinados ao Nordeste. A concessão do
nanciamento com recursos dos fundos seria destinada às pessoas jurídicas de
direito público7 situadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. De acordo
com a proposta, os empréstimos posteriormente retornáveis para essa nalidade
(obras públicas) seriam manuseados de acordo com os planos regionais de desen-
volvimento por intermédio das instituições nanceiras de caráter regional.
O projeto propõe aos fundos o papel de modernizar e renovar a infraestru-
tura de transporte, comunicação e logística, especicamente aquela de suporte
aos corredores de exportação – notadamente ferrovias e rodovias –, que viabi-
lizam o transporte de grandes quantidades de recursos naturais, commoditiese
matérias-primas do interior aos portos do Brasil. Não são mencionados aportes
para outros tipos de infraestrutura, como social, energética, urbana, sanitária, de
telecomunicações etc.
7. A União, estados, o Distrito Federal, municípios, autarquias e demais entidades de caráter público que a lei assim definir.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
160
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A utilização dos recursos creditícios dos FCFs é vital para se contornarem as
barreiras impostas pelo contingenciamento scal a investimentos com longo prazo
de maturação e intensivos em capital, como são os investimentos em infraestru-
tura, que além disso envolvem imobilização de ativos duráveis com elementos de
indivisibilidade e irreversibilidade. O uso dos FCFs consegue se sobrepor ao ajuste
scal, garantindo também acesso privilegiado aos gastos públicos pelos grupos
econômicos regionais diretamente voltados ao setor externo e realizando uma
ligação direta global-local sem a mediação da escala nacional (Brandão, 2020).
Desse modo, as regiões passam a ser coordenadas e articuladas por interesses globais
díspares, pouco concatenados com as demandas nacionais.
4.2.2 PEC no 167/2019
A PEC no 167/2019 encontra-se, em fevereiro de 2023, tramitando na CCJC do
Senado Federal, comissão para a qual foi encaminhada em outubro de 2019. Tendo
como primeiro signatário o senador Jayme Campos, do União Brasil (União) de
Mato Grosso, esta proposta é bastante semelhante à PEC no 99/2019, especial-
mente no que concerne ao fornecimento e à distribuição do crédito dos fundos
para a área de infraestrutura.
O intuito da PEC no 167/2019 é direcionar por cinco anos – de 2020 até
2024, na proposta original – ao menos 30% dos recursos dos FCFs a programas
de infraestrutura dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, engessados
para realizar tal tipo de investimento pelos constrangimentos scais aos quais estão
submetidos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo a redação da
proposta. Uma notável diferença entre uma e outra proposta é que, enquanto a
PEC no 99/2019 destina até 30% dos recursos para investimentos em infraestru-
tura a partir de cada FCF, a PEC no 167/2019 direciona no mínimo 30% para
projetos de infraestrutura em cada região de atuação dos fundos. Essa distinção
pode gerar montantes nanceiros bem variados para a infraestrutura.
Outra alteração importante contida na PEC no 167/2019 é que a Sudene, a
Sudam e a Sudeco passariam a denir se a administração dos recursos dos FCFs
será realizada pelas instituições nanceiras de caráter regional – o BNB, o Basa
e o BB –, conforme consta na Lei no 7.827/1989, ou por qualquer outra insti-
tuição nanceira contratada via licitação. A justicativa da contratação de outras
instituições nanceiras seria o suposto maior poder de abrangência territorial na
aplicação dos recursos dos fundos, segundo consta no texto da PEC. Entretanto,
acreditamos que a inclusão de quaisquer outras instituições nanceiras no manejo
do orçamento dos fundos pode desvirtuar o gerenciamento e a execução dos
recursos para nalidades alheias aos desígnios dos FCFs. Atribuir os recursos para
instituições de pouca tradição e experiência na seara regional pode tornar os fundos
menos efetivos, além de enfraquecer os bancos administradores.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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161
Sobre a distribuição, os entes subnacionais favorecidos pela PEC no 167/2019
seriam aqueles em que atuam os FCFs, de modo que a repartição dos recursos
observaria os respectivos planos regionais de desenvolvimento e seguiria a distri-
buição percentual dos fundos pela Lei no 7.827/1989, isto é, 60% dos recursos
para o Nordeste, 20% para o Norte e 20% para o Centro-Oeste. A proposta per-
mite expandir os investimentos direcionados para a área da infraestrutura social
e ampliar os equipamentos urbanos, relativos à mobilidade urbana, à oferta de
recursos hídricos, à prevenção de desastres naturais e ao saneamento – ou seja,
não é voltada exclusivamente para infraestrutura de transporte, comunicação e
logística, como no caso da PEC no 99/2019. Não obstante, a PEC no 167/2019
deixa textualmente clara a preocupação quanto a incrementar a viabilidade comer-
cial dos espaços sub-regionais por meio da maior oferta de crédito para esse tipo
de infraestrutura.
A ressalva ca por conta de uma aparente omissão na distribuição dos recursos
para cada área de interesse. Por exemplo, não foi especicado quanto cada tipo de
infraestrutura receberá dos aportes públicos, nem quais áreas serão privilegiadas
dentro das macrorregiões. Uma vez que a proposta é vaga, tanto se pode supor
que os recursos serão aplicados no apoio ao setor extrativista e agropecuário – via
suporte dos investimentos para infraestrutura de comunicação, logística e transpor-
tes, notadamente naquelas porções da fronteira agrícola – como direcionados para
necessidades sociais e urbanas das grandes metrópoles, a depender da correlação
de forças políticas com maior poder de aglutinação em determinada conjuntura.
A especicação da destinação setorial e espacial dos gastos auxiliaria na compreensão
pela sociedade dos possíveis efeitos dessa emaranhada PEC.
4.2.3 PEC no 119/2019
A PEC no 119/2019, liderada pela então senadora Kátia Abreu, eleita pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT) do Tocantins, foi arquivada em dezembro de
2022, com o m da 56a Legislatura. A PEC propunha alterar por quinze anos a
aplicação dos recursos dos fundos, destinando um terço destes para projetos estru-
turantes. Ademais, pretendia autorizar instituições nanceiras, como cooperativas
de crédito, a Caixa e as agências estaduais de fomento, a operar com recursos dos
FCFs. Eram dois objetivos distintos, portanto.
O primeiro objetivo implicaria alteração na distribuição dos recursos, que
ocorreria da forma descrita a seguir.
1) Em vez de aplicar 3% do produto da arrecadação do IR e do IPI ao
nanciamento do setor produtivo privado regional, seriam destinados
2% para essa nalidade. Seria distribuído 0,4% para a região Norte;
0,4% para o Centro-Oeste; e 1,2% para o Nordeste, cando assegurada
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
162
|
ao Semiárido a metade dos recursos destinados à região nordestina, ou
seja, 0,6% do total dos valores repassados aos FCFs.
2) O 1% restante, atualmente destinado diretamente ao nanciamento
dos setores produtivos, seria alocado para a aplicação em projetos
de infraestrutura logística, de transporte ferroviário, rodoviário e
hidroviário, e de geração e transmissão de energia elétrica. Esse 1% seria
distribuído da seguinte maneira: 0,2% à região Norte; 0,6% à região
Nordeste; e 0,2% ao Centro-Oeste.
A justicativa em relação à segregação de um terço dos recursos para investi-
mentos em obras estruturantes pauta-se pela sobra de caixa dos FCFs nos últimos
anos. Essa folga nanceira deve-se, segundo a redação da PEC, a dois fatores.
1) Queda da demanda por nanciamento do setor privado, o que
está atrelado aos gargalos da infraestrutura que obstaculizam a
competitividade e a potencialidade do setor privado, formando um
ciclo de retroalimentação de declínio das atividades econômicas.
2) Aumento dos investimentos da União na área da educação, o que diminui
a necessidade de os FCFs direcionarem crédito para essa nalidade.
Esse primeiro objetivo estaria vinculado ao direcionamento de créditos re-
embolsáveis dos fundos para suprir as carências da infraestrutura de transportes,
comunicação e logística nas regiões periféricas, a m de melhorar a viabilidade
comercial e a inserção dessas áreas no comércio internacional.
O segundo objetivo da PEC era conceder autorização para que outras ins-
tituições nanceiras que não somente o BNB, o Basa e o BB ofertassem emprés-
timos a partir dos FCFs. De acordo com a redação da PEC, a justicativa desse
objetivo residia tanto no estímulo à concorrência entre esses agentes na concessão
do crédito, como na promoção de maior capilaridade territorial dessas outras
instituições nanceiras. O resultado esperado era a redução do valor médio dos
contratos para os tomadores de empréstimos, assim como o acesso ao crédito
pelos residentes nas cidades de menor hierarquia urbana e pelos demandantes nas
pontas mais longínquas.
Tal medida, se aprovada, poderia esvaziar o tratamento da questão regional
por parte do nanciamento público, uma vez que essas outras instituições não
têm tradição no tocante às especicidades do desenvolvimento regional, como
apontam os estudos das organizações sindicais dos bancos de desenvolvimento
regional. Estudo técnico da Aeba (2019) explica os impactos e os problemas da
PEC, e o texto disponível no site da Associação dos Funcionários do Banco do
Nordeste do Brasil (AFBNB, 2019) também tece críticas à PEC. A percepção é de
que a PEC pode enfraquecer os bancos administradores ao pulverizar os recursos
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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163
dos fundos atrelados a eles, inviabilizando a gestão de metas previstas em instru-
mentos legais que asseguram a aplicação no atendimento às premissas do desen-
volvimento regional. A PEC resultaria, então, em menos eciência, uma vez que
bancos ou entidades privadas trabalhariam com metas e objetivos de obtenção de
lucros privados sem consonância com as premissas do desenvolvimento regional.
Outra crítica elaborada pelas associações sindicais dos bancos administrado-
res dos recursos dos FCFs diz respeito à diminuição da disponibilidade de crédito
para os setores produtivos, o que pode implicar redução dos investimentos e do
potencial de crescimento econômico das regiões. Além disso, é questionado se
o problema da infraestrutura estaria atrelado exclusivamente à falta de nancia-
mento. Para as organizações sindicais, o problema principal estaria na ausência de
uma agenda coordenada a m de desenvolver as obras estruturantes, e não haveria
a necessidade de se vincular um terço dos recursos dos FCFs para esta nalidade.
Como balanço geral das propostas de mudanças institucionais apresentadas
e das alterações já legisladas sobre os fundamentos nanceiros, normativos, admi-
nistrativos, jurídicos, gerenciais e políticos dos fundos, observa-se que o controle
e a apropriação de parcela dos FCFs são matéria de primeira ordem para grupos
econômicos e políticos de interesses distintos. Isso pode resultar na atuação dos
fundos em demandas localizadas e especícas, principalmente enquanto garanti-
dor do processo de acumulação, desviado de uma vinculação com seus objetivos
preliminares, respondendo aos anseios do Estado capitalista, e alinhado e subor-
dinado aos interesses do mercado.
4 CONCLUSÃO
Em 2007, o Decreto no 6.047 instituiu a PNDR.8 Com ela, os FCFs foram decla-
rados instrumentos explícitos da política regional, o braço nanceiro da PNDR,
passando a seguir seus princípios norteadores.
Entretanto, a orientação dos créditos provindos dos FCFs muitas vezes não
observa a arquitetura legal dos próprios fundos, isto é, os seus objetivos e diretrizes,
nem os princípios da PNDR aos quais os fundos constitucionais deveriam atender.
Isso ocorre porque muitas das scalizações e das denições de normas que deveriam
guiar a aplicação dos recursos, de responsabilidade do MDR e das superintendências
de desenvolvimento regional, foram esvaziadas ou direcionadas para atender a
outras atribuições.
8. Após o lançamento inicial em 2007, a política regional passou por uma revisão em 2012. O Decreto-Lei no 9.810, de
30 de maio de 2019, oficializou essa segunda versão da PNDR, que vigora atualmente (Brasil, 2019).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
164
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Portugal (2018) lembra que houve fatores institucionais e normativos que
modicaram o modus operandi dos fundos, como a Lei no 13.682/2018, que pro-
moveu uma mudança na captação dos recursos dos fundos. Esta deixou de estar
atrelada à taxa de juros a longo prazo (TJLP), controlada pelo CMN, passando
a vincular-se à taxa de longo prazo (TLP), sujeita às variações de mercado e às
taxas cobradas pelos bancos comerciais. Isso impôs aos fundos uma lógica de
funcionamento pró-mercado, o que diculta o acesso ao crédito mais barato –
principalmente para tomadores de empréstimos de menor porte, situados em
localidades de escassa atividade econômica –, além de contribuir para um am-
biente de maior incerteza para o demandante no momento da captação. Outra
mudança importante sobre a ação e o direcionamento dos fundos foi a referida
Lei no 13.530/2017, que instituiu o Novo Fies. A partir dela, abriu-se espaço para
o nanciamento de outros fundos pelos próprios FCFs, o que amplia o escopo
e a abrangência dos objetivos atribuídos a eles, sem que esses objetivos tenham,
necessariamente, vinculação com a questão regional.
Assim, os FCFs passaram a ser regidos por uma lógica bancário-nanceira
pró-cíclica na orientação do crédito pelas instituições nanceiras federais de caráter
regional, subvertendo o atendimento prioritário setorial e espacial que deveria
guiar a aplicação dos recursos, canalizando os investimentos para áreas dinâmicas,
sobretudo no entorno das grandes capitais e dos enclaves exportadores, com
melhores garantias de retornos nanceiros dos empréstimos. Essa atuação vai de
encontro ao objetivo primordial delegado aos FCFs de contribuir para a redução
das desigualdades regionais, uma vez que amplia principalmente as heterogenei-
dades inter-regionais, por retroalimentar o processo de centralização da hierar-
quia urbana em vez de fomentar uma orientação territorial diversa, baseada no
fortalecimento de rede policêntrica de cidades, conforme os objetivos da PNDR.9
Esse distanciamento da ação objetiva com as normais legais dos fundos de-
corre também de elementos de ordem administrativa, gerencial, normativa, de
scalização e nanceira, como detectado pelas auditorias do TCU.10 Um relatório
de avaliação dos FCFs organizado pelo Ministério da Fazenda arma que algumas
causas para esse problema da atuação dos fundos desassociada dos seus objetivos
são: “governança inadequada; incentivos desalinhados; e monitoramento, avaliação
e transparência insucientes” (Brasil, 2018, p. 151).
Algumas ações de scalização, avaliações periódicas e novas práticas de
ordem administrativa e gerencial são realizadas pelo TCU e outros órgãos
9. O art. 3o, sobre os objetivos da PNDR, diz que: “São objetivos da PNDR: (...) II - consolidar uma rede policêntrica de
cidades, em apoio à desconcentração e à interiorização do desenvolvimento regional e do País, de forma a considerar
as especificidades de cada região” (Brasil, 2019).
10. Para o FNE, as auditorias realizadas pelo TCU são os TC 027.660/2018-4, TC 021.629/2017-0 e TC 023.407/2018-2;
para o FNO, TC 023.099/2018-6 e TC 015.567/2018-4; e para o FCO, o TC 023.270/2018-7.
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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165
responsáveis pelo planejamento e pela execução dos fundos para melhorar sua
efetividade. Um exemplo é a Portaria Interministerial no 7, de 20 de julho de
2020 (Brasil, 2020a), que impôs uma série de informações mínimas a serem in-
seridas nos relatórios de avaliação pelos bancos administradores para o adequado
monitoramento sobre os fundos, assim como o relatório do Conselho de Moni-
toramento e Avaliação das Políticas Públicas (CMAPP) de 2021, que encaminha
recomendações e observações para melhorar o funcionamento, a ecácia, a trans-
parência e a governança dos fundos.
Portugal (2018) faz uma importante apreciação sobre o monitoramento dos
fundos pelo TCU, assinalando que o órgão, além de exercer o papel de auditoria que
lhe cabe, procurou assumir funções fora do seu escopo legal de atuação, como traçar
as diretrizes da política regional por meio da seleção de ações públicas que passam ou
não pelo seu crivo. Como ressaltado pelo autor, isso não é uma função do tribunal.
Apesar das citadas deciências – dissociação dos fundos dos seus objetivos
e distorções quanto ao seu direcionamento e efetividade –, os fundos são ainda
um instrumento importante para a política de desenvolvimento regional, pois
nanciam a atividade produtiva econômica das regiões-alvo. A questão central,
portanto, ocorre no plano da economia política dos fundos, ou melhor, na apro-
priação do excedente econômico garantido pelos FCFs. Desse modo, as alterações
já consolidadas e as propostas analisadas de mudanças institucionais visam mais à
garantia dos recursos dos fundos como instrumento de acumulação do que a um
alinhamento aos objetivos originais da PNDR ou às suas diretrizes. Permanece
ainda um conjunto de desaos a serem enfrentados no tocante à redução das
desigualdades regionais, sobretudo quanto à maior vinculação efetiva dos fundos
aos princípios da política regional.
De um lado, estão os grupos produtores regionais (os demandantes do setor
empresarial) inseridos no comércio global, que visam ao volume nanceiro
dos fundos para complementar (ou mesmo substituir) suas fontes de recursos,
principalmente pela redução dos aportes do BNDES ao sistema produtivo e aos
governos subnacionais. Esses grupos estão interessados em realizar alterações no
usodos recursos disponíveis, tendendo a produzir dispersão locativa e distan-
ciamento dos objetivos dos fundos. De outro lado, estão as instâncias governa-
mentais e públicas – representadas ora pelos relatórios de auditoria do TCU,
ora por avaliações internas conduzidas pelo ME e pelo MDR –, interessadas no
estrito cumprimento das metas dos indicadores macroeconômicos pelos fundos,
sem considerar o caráter multidimensional e interescalar dessa ação. Essas avalia-
ções deveriam considerar as especicidades das áreas territoriais em que atuam
os FCFs, com a formulação de modelos que consigam abranger a heterogenei-
dade espacial, e de estratégias de desenvolvimento econômico que respondam e
adaptem-se às condições locais e às suas potencialidades.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
166
|
Os desaos de avaliação e de melhoria da ação dos FCFs, entretanto, não são
contemplados pelas últimas modicações institucionais direcionadas aos fundos,
que possuem variadas motivações e nalidades. Elas reetem, em parte, as disputas
federativas pelo uso dos recursos dos FCFs – uma fonte estável, que não sofre com
o contingenciamento imposto como resposta à crise econômica que se arrasta desde
2015, agravada pela pandemia da covid-19 em 2020. Além disso, os FCFs também
não sofreram o risco de serem esvaziados pelas PECs nos 186/2019 e 187/2019, que
demandam a extinção da grande maioria dos fundos públicos.
Como balanço geral, tem-se que os fundos públicos, em especial os FCFs,
são um importante elemento que move a acumulação e o excedente econômico.
Observa-se que, na disputa pelo orçamento dos FCFs, o pêndulo está tendendo
preferencialmente ao suporte da lógica produtiva determinada internacional-
mente – que, dentro do país, abarca também as frações do capital nacional que
participam desse processo. Assim, as mudanças propostas para a destinação e a
operacionalização dos FCFs estão pouco motivadas por razões de fortalecimento
das economias regionais por meio de diversicação e complexicação de suas
estruturas produtivas. Em verdade, as mudanças propostas estão indo na direção
oposta aos objetivos dos fundos e das diretrizes da PNDR.
Os fundos estão distanciados do escopo da política regional, cada vez mais
sobrecarregados de novas funções e ações direcionadas a grupos de interesse, ati-
vidades econômicas, setores produtivos e espaços sub-regionais que não contri-
buem para a redução das desigualdades regionais. Inversamente, os FCFs estão
mais vinculados a critérios de curto prazo de mercado, o que corresponde a um
processo de aprofundamento da trajetória instalada de desindustrialização precoce
ou negativa,11 da especialização produtiva regressiva e da articulação local-global,
principalmente pela crescente destinação dos recursos voltados ao setor de infra-
estrutura logística e de transportes. Os investimentos em infraestrutura cresceram
na carteira de aplicações dos FCFs, e no entorno destes se sustentam as principais
propostas de mudanças em tramitação no Congresso Nacional, especialmente
para nanciar projetos de suporte à exportação de commodities. Desse modo, as
regiões passam a ser coordenadas e articuladas por interesses globais díspares,
associados à lógica de operação das multinacionais – ou dos global players (atores
globais). Tais interesses passam a subordinar e articular esses espaços e sua estrutura
produtiva ao mercado internacional, associados com os grupos econômicos
nacionais e regionais promotores de atividades exportadoras de baixo valor adi-
cionado, inseridos comercial e produtivamente como produtores de commodities
agrominerais no sistema internacional.
11. Sobre o processo de desindustrialização no Brasil, ver Cano (2012; 2014), Sampaio (2015) e Morceiro (2018).
Uma Contribuição para a Avaliação de Políticas Públicas Regionais: análise de
mudanças e de propostas de alteração legislativa nos fundos constitucionais
de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
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167
Por m, conclui-se que, a despeito de os FCFs preencherem parcela da
lacuna referente ao crédito e terem à disposição um montante nanceiro signica-
tivo para as regiões, eles não vêm cumprindo integralmente com sua agenda prio-
ritária de diretrizes espaciais e setoriais. Assim, há a preocupação de que os FCFs
sejam desgurados e percam capacidade de contribuir para a consolidação de
trajetórias de desenvolvimento regional com foco em aumento do valor agrega-
do da estrutura produtiva, complexicação técnica e diversicação. As propostas
legislativas de alteração de objetivos e nalidades levam à aplicação setorial e
territorial crescentemente dispersa e descoordenada, especialmente direcionada
para nanciar projetos de suporte à exportação de commodities, contribuindo, ao
contrário do que se espera, para a redução do seu efeito transformador sobre as
economias regionais.
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CAPÍTULO 5
ALCANCES, LIMITES E AVANÇOS DO FUNDO CONSTITUCIONAL
DE FINANCIAMENTO DO CENTRO-OESTE (FCO): UMA SÍNTESE
DAS ANÁLISES ESPAÇO-ESTRUTURAISDAS REGIÕES IMEDIATAS
DOS ESTADOS QUE CONSTITUEM A REGIÃO CENTRO-OESTE
Murilo José de Souza Pires1
Gislaine de Miranda Quaglio2
Rodrigo Portugal3
Ronaldo Ramos Vasconcelos4
1 INTRODUÇÃO
Este estudo é uma síntese da trilogia de investigações que objetivaram realizar uma
avaliação do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) à
luz da Política Nacional de Desenvolvimento Regional II (PNDR II). Essa trilogia
é composta pelos seguintes trabalhos: Pires et al. (2022), Pires e Quaglio (2022) e
Pires, Quaglio e Portugal (2022).
O objetivo desta investigação é analisar o perl de associações espaciais dos
municípios que constituem os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, por meio de variáveis histórico-estruturais, de forma a vericar como as
variáveis FCO e produto interno bruto (PIB) per capita se comportaram em deter-
minadas regiões com pers heterogêneos no período 2002-2018.
Para isso, adota-se a hipótese de que, como efeito geral, as contratações do
FCO apresentaram correlação com o PIB per capita nas regiões que apresentavam
dinamismo econômico. Assim, os efeitos marginais das contratações do FCO,
possivelmente, contribuíram para o crescimento do produto total per capita de
regiões imediatas heterogêneas e/ou periféricas nas respectivas economias dos
estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso no período 2002-2018.
As motivações para o desenvolvimento dessas investigações se baseiam
nos seguintes pontos: primeiramente, avaliar o FCO a partir de métodos que
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea).
2. Pesquisadora do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Dirur/Ipea.
3. Pesquisador do PNPD na Dirur/Ipea.
4. Técnico de planejamento e pesquisa na Dirur/Ipea.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
176
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entendam o território como heterogêneo e multifacetado; em segundo lugar,
os recursos nanceiros do FCO derivam da PNDR II, a qual tornou-se objeto
deavaliação segundo o inciso I do art. 5o do Decreto no 9.810, de 30 de maiode
2019, conforme determinações da Emenda Constitucional no 109, de 15 de março
de 2021, que introduziu em seu § 16 do art. 37 da Constituição Federal de 1988
a obrigatoriedade de avaliações de políticas públicas.
No entanto, é importante ressaltar que as determinações que explicam o
comportamento e a regularidade do fenômeno regional brasileiro, em particular na
região Centro-Oeste, são complexas e multideterminadas. Sendo assim, a trilogia de
trabalhos avançou em pontos especícos considerando a questão regional brasileira,
porém destacando os problemas relacionados com as Unidades da Federação que
constituem a região Centro-Oeste. Outras questões não foram investigadas e, por
isso, demandarão novos estudos investigativos.
Além disso, esses trabalhos tiveram por objetivo testar uma metodologia
alternativa às avaliações estabelecidas por modelos econométricos de impacto
stricto sensu, os quais adotam métodos experimentais e não experimentais para
estabelecerem relações de causalidade entre variáveis quantitativas que são objeto
de avaliação de eciência da política pública. Para isso, a investigação adotou
uma abordagem de pesquisa quali-quantitativa (Michel, 2009) que combina uma
avaliação com métodos complementares, ou seja, o método histórico-estrutural e
técnicas de análise multivariada e inferência estatística.
A reconstrução do concreto pensado se estabeleceu por meio de uma
subsunção metodológica que capturou os elementos singulares do fenômeno em
suas dimensões estáticas e dinâmicas. Por isso, o objetivo é capturar o comportamento
e a regularidade do fenômeno regional em uma dimensão que não considere o
território como um corpo homogêneo; o território é visto como um vetor conduzido
por um conjunto de forças que se integraram, enquanto resultante síntese, de
contradições no tempo e no espaço.
O capítulo se constitui de cinco seções. Esta primeira apresenta o tema da inves-
tigação e sua problematização. Na segunda seção, destacam-se as evidências teóricas
e históricas que sustentam a argumentação de que o caso do Centro-Oeste é espe-
cíco, mas não único, de uma economia marcada pelo subdesenvolvimento e pela
heterogeneidade estrutural e produtiva. Na terceira seção, discutem-se os caminhos
metodológicos que são estruturados em uma abordagem quali-quantitativa. A quarta
seção expõe os resultados e discute o fenômeno desvelado à luz das evidências teóricas
e empíricas. Por m, a última seção traz as observações nais sobre a investigação.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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177
2 FATOS ESTILIZADOS DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
CENTRO-OESTE: UMA VISÃO TEÓRICA E HISTÓRICA DO PROCESSO
EM CONSTRUÇÃO
O contexto econômico em que se insere o argumento investigativo é de uma eco-
nomia que iniciou o seu processo de industrialização tardiamente, como destacado
por Mello (1991), porém alicerçado no Modelo de Substituição de Importações
que teve o seu período áureo entre os anos 1930 e 1980 do século XX. Desse modo,
o processo de modernização da economia brasileira teve como principal vetor a
difusão do progresso técnico entre os setores industriais, mas o avanço se concretizou,
primeiramente, pelos setores leves, para depois dar um salto para os setores pesados.
No entanto, esse salto não aconteceu de maneira uniforme nem por etapas,
como destacado por Rostow (2010). O desenvolvimento não foi resultado das
superações lineares, no tempo e no espaço, das etapas que conduziram a estrutura
produtiva da economia para os seus estágios superiores, em que se observaria
uma convergência do progresso técnico entre os agentes econômicos. Se assim
fosse, se constituiria uma estrutura produtiva moderna, integrada e homogênea,
ou seja, desenvolvida.
O que se vericou no caso de industrializações tardias, como a brasileira, foi
a diculdade na passagem da industrialização leve para a pesada em virtude dos
entraves em termos de balanço de pagamentos. Essas diculdades derivaram
do processo de formação de uma economia periférica como a brasileira, que apre-
sentava um padrão de consumo e tecnológico diferenciado se comparado aos
países centrais (Aureliano, 1981; Cano, 2007; Mello, 1991; Silva, 1976; Tavares,
1974; Suzigan, 2000).5
Nesse sentido, a estrutura produtiva das economias periféricas foi marcada pelo
subdesenvolvimento, que não congura uma etapa do processo de desenvolvi-
mento, conforme destacado por Rostow (2010). Para Furtado (1964, p. 173), o
subdesenvolvimento é “(...) um processo histórico autônomo, e não uma etapa
pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau
superior de desenvolvimento”.
Desse modo, o traço comum a economias periféricas, como a brasileira, é
constituírem suas estruturas produtivas enraizadas, no tempo e no espaço, sobre
os alicerces de uma economia subdesenvolvida, denida por Furtado (1964,
p. 184) como “(...) um processo particular, resultante da penetração de empresas
capitalistas modernas em estruturas arcaicas”.
Isso signica que a estrutura econômica é marcada por um dualismo e por
uma heterogeneidade estrutural e produtiva que reproduzem padrões distintos de
5. Essa relação de centro e periferia está disponível em Rodríguez (2009) e Suzigan (2000).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
178
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difusão e propagação do progresso técnico entre os agentes econômicos. Como
ressaltaram Cimoli et al. (2005, p. 11),
a concentração do progresso técnico criou uma estrutura de produção segmentada,
onde se podiam distinguir pelo menos três estratos. No estrato produtivo mais alto – o
polo moderno –, encontravam-se as atividades de exportação, industrial e de serviços,
que funcionavam com níveis de produtividade semelhantes à média das economias
mais desenvolvidas. No estrato inferior – o primitivo –, encontravam-se os setoresmais
retardatários cuja produtividade não era muito diferente da época colonial.
Sendo assim, a difusão do progresso técnico entre os agentes econômicos
aconteceu de forma assimétrica, causando o recrudescimento do hiato existe entre
aqueles agentes econômicos conectados aos mercados e aqueles que ainda se
mantiveram presos aos grilhões da economia de subsistência e tradicional. Isso
se intensica, cada vez mais, se o estilo de desenvolvimento for induzido, tendo
o mercado como único meio para a promoção do desenvolvimento econômico
(Pinto, 2000). Somente com a ação do Estado, por intermédio de políticas públicas,
esse hiato pode ser minimizado, constituindo, por conseguinte, uma estrutura
produtiva com maior grau de homogeneização entre os agentes econômicos.
Em síntese, a economia brasileira se constitui como uma expressão do capi-
talismo tardio que moldou uma estrutura econômica marcada pelo dualismo,
em que o progresso técnico se difundiu de forma heterogênea e disforme entreos
agentes econômicos e entre as regiões nacionais, reforçando, por conseguinte,
os traços do subdesenvolvimento nacional. É nesse cenário que os traços de
subdesenvolvimento irão transcender para os espaços subnacionais, estabelecen-
do, assim, as mesmas características de uma economia central e periférica.
Dessa forma, o eixo de desenvolvimento nacional se concentrou nas regiões
centrais que apresentaram maior avanço do progresso técnico em suas estruturas
produtivas, ao passo que, nas regiões periféricas, esse progresso técnico se masteri-
zou de forma mais tênue, mantendo, assim, estruturas produtivas ainda enraizadas
em economias de subsistência e tradicionais.
Dentro dessa conguração, o estado de São Paulo se tornou o centro di-
nâmico e de integração dos mercados nacionais, como destacou Cano (1978).
Isso aconteceu porque, em nível regional, o processo de industrialização nacional,
iniciado com a crise de 1929, se cristalizou de forma mais intensa no espaço
regional em decorrência da centralização e da concentração do capital industrial
neste espaço.
É nesse contexto de integração da economia paulista nas regiões periféricas
que as estruturas produtivas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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179
receberam os primeiros impulsos de transformação, vindos do eixo de expansão
projetado pela economia cafeeira para o interior do estado de São Paulo.6
Foi pelos trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro que o eixo de
expansão para o Triângulo Mineiro se direcionou, de tal modo que os seus trilhos
cruzaram o rio Grande, na divisa de São Paulo e Minas Gerais, e avançaram por
Minas Gerais, em especial por Uberaba e Uberlândia, para penetrar o estado de
Goiás por intermédio da Estrada de Ferro Goiás, que ligou os municípios
de Ipameri, Roncador, Pires do Rio, Engenheiro Leopoldo de Bulhões e a região
do sudeste goiano a Anápolis e Goiânia. Por sua vez, a Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil (NOB) (inaugurada em 1914) interligou Corumbá,7 no Mato Grosso, a
Bauru, no estado de São Paulo.
Sendo assim, a parte sul da região Centro-Oeste encontrava-se conectada
economicamente com o estado de São Paulo, de tal forma que suas economias
desenvolveram atividades complementares umas com as outras. Como observado
por Cano (2007, p. 265) “(...) a expansão industrial de São Paulo se deu pelo
dinamismo de sua própria economia e não, como se poderia pensar, pela apro-
priação líquida de recursos provenientes da ‘periferia nacional’”.
Por isso, as trocas mercantis entre São Paulo e o Centro-Oeste se intensicaram,
em especial pela venda de gado e arroz, por parte dos estados centro-oestinos, para
o estado de São Paulo.8 O estado de São Paulo também comercializou produtos
agropecuários, além de produtos das indústrias leves com a região Centro-Oeste
(Estevam, 1998; Missio e Rivas, 2019).
Apesar do processo de integração da região Centro-Oeste com o centro di-
nâmico nacional, que é o estado de São Paulo, estar em curso, as forças que
impulsionaram essa dinâmica econômica não foram sucientes para determinar
transformações profundas nas estruturas produtivas e fundiárias desse espaço
regional. A agropecuária ainda se manteve enraizada na produção de arroz e na
criação de gado (Estevam, 1998; Pires, 2008), isto é, com baixa incorporação do
progresso em seus sistemas de produção agropecuários. Em contrapartida, a estru-
tura fundiária se manteve enraizada em médias e grandes propriedades rurais,
6. É importante ressaltar que o desmembramento do estado do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso aconteceu em
1977, ao passo que o desmembramento do estado de Goiás e do Tocantins se realizou em 1989. Antes disso, a região
Centro-Oeste era constituída pelos estados do Mato Grosso e de Goiás.
7. Na época era o estado de Mato Grosso.
8. Para Cano (1978, p. 902), “(...) a expansão industrial paulista se deu justamente por contar aquele estado, desde o
começo do século atual, com a mais importante agricultura do país, mesmo se dela excluirmos o café. Por outro lado,
em que pese o fato de que hoje (1970) o setor agrícola paulista signifique algo em torno de 10% da renda interna do
estado de São Paulo, não se pode esquecer que essa agricultura produz o equivalente a cerca de um quarto do total
de produção agrícola nacional; ou seja, São Paulo não é apenas um estado industrializado, mas, principalmente, conta
com a agricultura mais desenvolvida do país”.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
180
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fato que impulsionou o processo de modernização conservadora (Pires, 2008) das
estruturas produtivas centro-oestinas a partir de meados dos anos 1960.
Como destacou Azevêdo (1982, p. 28), isso ocorreu por meio da
manutenção do monopólio da terra e dos privilégios políticos da oligarquia rural,
que asseguram uma modernização conservadora, às custas da exclusão política
dos setores subalternos do campo, da expropriação do campesinato e da sua
proletarização irremediável.
Desse modo, as transformações chegaram ao Centro-Oeste aos poucos,
mas canalizando suas energias para as modicações das estruturas produtivas e
não da estrutura fundiária, a qual se manteve enraizada nas médias e grandes
propriedades rurais.
Com o avanço da Marcha para o Oeste inaugurada por Getúlio Vargas, as
forças de expansão do capital impulsionaram ainda mais os eixos de integração
assegurados pela conexão ferroviária e também favoreceram a construção de
Goiânia, bem como das Colônias Agrícolas Nacionais de Goiás (1941-1946)
e de Dourados (1943-1955), as quais funcionaram como canal alternativo im-
portante para equacionar os conitos agrários no Pontal do Paranapanema no
estado de São Paulo.
Além disso, a construção de Brasília (1960), no Planalto Central, teve um
papel importante para conectar esse espaço regional ao eixo de desenvolvimento
nacional que se encontrava alicerçado na região costeira do Brasil. Com a interio-
rização do desenvolvimento proporcionado por Brasília, houve uma integração
dos mercados locais e regionais ao nacional. Desse modo, as bases para o avanço do
progresso técnico pelas estruturas produtivas das regiões periféricas estavam
estabelecidas e demandavam, por conseguinte, maior intervenção do Estado com
os seus projetos de desenvolvimento regional.
Foi no contexto do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) I
(19 72-19 74) e II (1975-1979) que os programas de desenvolvimento para a região
Centro-Oeste foram implementados, com o objetivo de acelerar o processo
de transformação das estruturas produtivas, em particular da agropecuária,
por meio da adoção dos pacotes tecnológicos (inovações físico-químicas, bioló-
gicas e mecânicas). Essas estruturas foram impulsionadas pela Revolução Verde.
Sendo assim, foi por meio dos seguintes programas que o progresso técnico
penetrou pelas estruturas produtivas agropecuárias dos estados centro-oestinos:
i) Programa para o Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro) (1975); ii) Progra-
ma Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer II) (1985);
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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181
iii) Programa de Desenvolvimento do Pantanal (Prodeplan) (1974); e iv) Programa
de Desenvolvimento da Grande Dourados (Prodegran) (1976).9
Assim, as inovações tecnológicas desenvolvidas pelos parâmetros estabele-
cidos pelo modelo da Revolução Verde incrementaram a produção de culturas
agrícolas que apresentaram forte penetração dos mercados internacionais,10 uma
vez que a demanda dos países centrais, por commodities agrícolas, era crucial para
garantir as matérias-primas para suas unidades de processamento industrial. Por
esse motivo, a cultura da soja foi o principal vetor de expansão da área colhida, da
produção e da produtividade na região Centro-Oeste desde os anos 1980.
No entanto, é importante ressaltar que esse avanço do progresso técnico
pelo espaço regional do Centro-Oeste não aconteceu de forma homogênea, mas,
sim, reforçando os desequilíbrios inter e intrarregionais. Além disso, as inovações
tecnológicas, físico-químicas, biológicas e mecânicas aplicadas nos estados da região
Centro-Oeste eram dependentes também dos países centrais (Pires, 2008).
De outro modo, vale lembrar que, no modelo da Revolução Verde, o estado teve
um papel central nas regiões de expansão da fronteira agrícola, sendo o respon-
sável por criar inovações tecnológicas que adaptassem as culturas às condições
edafoclimáticas do Cerrado.
Essa função cou por conta da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu-
ária (Embrapa) e suas congêneres estaduais. Ademais, o estado teve um papel
fundamental na oferta de crédito via bancos públicos e também na elaboração e
execução de políticas de suporte de preços, como a Política de Garantia de Preços
Mínimos (PGPM) e de estoques reguladores, particularmente, nessas regiões de
expansão agrícola.
É nesse contexto de expansão da produção agrícola que as trading companies
se deslocam para a região Centro-Oeste, particularmente atraídas pelos excedentes
agrícolas e pelos projetos de incentivo e benefícios scais, além da proximidade dos
principais centros de consumo nacional. Os nanciamentos públicos via Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e FCO, a partir de
1989, foram importantes para estimular a atração desses investimentos indus-
triais para a região Centro-Oeste.
9. Como destacou Mueller (1990, p. 55), “esses dados refletem uma característica básica do Polocentro. Ele foi
na realidade um programa para o estímulo da média e da grande agricultura empresarial nas áreas do Cerrado.
Mediante o fortalecimento de crédito altamente subsidiado, de assistência técnica e de remoção de obstáculos ao
seu funcionamento. A pequena agricultura das áreas atingidas quase não se beneficiou. Os objetivos do Polocentro,
enunciados nos seus documentos básicos, foram desvirtuados pela ação de setores influentes, que conseguiram voltar
a administração do programa a seu favor”.
10. Sorj (1980, p. 83) destacou que “o crescimento por vezes negativo de certos produtos relaciona-se claramente com
a expansão da produção exportadora. E causou em certas regiões a eliminação da produção dos produtos alimentícios
tradicionais (como foi o caso, por exemplo, da soja em relação ao feijão e à mandioca no Rio Grande do Sul) ou a sua
marginalização para as piores terras”.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
182
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Como destacaram Castro e Fonseca (1995, p. 2):
(...) verica-se, na segunda metade dos anos 1980, um deslocamento de grandes
conglomerados industriais que para lá transferem fábricas de beneciamento de
grãos e atividades integradas de criação e abate de pequenos animais. A região
Centro-Oeste caracterizou-se, assim, nos anos 1980, por ser um polo de atração
de capitais do Centro-Sul, especialmente, das empresas líderes do complexo
agroindustrial, que tenderam a ocupar posições estratégicas.
No entanto, com a crise scal e nanceira dos anos 1980, o Estado foi perdendo
sua força como agente planejador, formulador e indutor dos projetos de desenvolvi-
mento regional. Com o recrudescimento da crise scal e nanceira do Estado brasi-
leiro e os desequilíbrios macroeconômicos, os anos 1990 foram marcados pela adoção
dos postulados do Consenso de Washington como meio substituto do Estado na
promoção do desenvolvimento econômico nacional e em suas escalas sub-regionais.
Desse modo, os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (Enid) ganha-
ram expressão no planejamento nacional e as regiões subnacionais foram interligadas
com os mercados globalizados para estimular o seu desenvolvimento econômico. Ou
seja, além das forças internas que promoveram o desenvolvimento dos estados do
Centro-Oeste, a partir dos anos 1990, as forças externas, via vetor externo, também
ganharam força na promoção do desenvolvimento econômico, particularmente nas
Unidades Federativas centro-oestinas.
Contudo, o modelo de desenvolvimento induzido pelo Estado, que ganhou
expressão dos anos 1930 até os anos 1980, foi perdendo força e, aos poucos,
foi substituído por outro, que tinha nos mercados seu elemento indutor das
transformações nas estruturas produtivas desses espaços regionais. Assim sendo,
as transformações na estrutura da agropecuária das Unidades da Federação que
constituem a região Centro-Oeste foram substituídas pela agricultura cientíca
globalizada (ACG), como destacado por Santos (2020).
Para Samuel (2013, p. 14), o modelo da ACG deve ser compreendido como
uma forma de indução e propagação do progresso técnico de forma diferenciada
da Revolução Verde, uma vez que
(...) além do uso dos novos sistemas técnicos informacionais, a agricultura cientíca
globalizada também se caracteriza por uma forma de regulação política. Na fronteira
agrícola moderna, o poder das grandes empresas (tradings, agroindústrias, sementes,
fertilizantes e agrotóxicos) se expressa pela regulação das inovações tecnológicas, do
nanciamento de custeio, do fortalecimento de insumos, do comércio e da logística
de circulação dos grãos.
Além disso, o nanciamento das atividades produtivas nesses espaços regio-
nais é feito não só pelo Estado, mas, de forma crescente, pelo mercado nanceiro.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
183
Como apontou Samuel (2018, p. 13),
(...) a chegada de uma nova safra de capitalistas na agricultura mundial. Trata-se da
presença do capital nanceiro, representado por diversos tipos de fundos (pensão,
soberanos, hedge, endowments, private equity), corporações (bancos, seguradoras e
empresas) e indivíduos de alta renda, sobretudo, nos países de maior produção
agrícola e com dinâmicas de fronteira como o Brasil.
É nesse sentido que a estrutura produtiva das Unidades Federativas da região
Centro-Oeste vai se moldando à lógica de expansão do capital, pois, com a perda
da capacidade do Estado em agir e intervir nas localidades11 para transformá-las,
esse papel foi transferido para os mercados. Isso signica que a sociedade foi cap-
turada pelo mercado e sua lógica de funcionamento tornou-se um apêndice da
mercadoria. Como destacou Polanyi (2021, p. 116, grifo nosso), “(...) de enorme
importância para toda a organização da sociedade: signica nada menos que trans-
formar a sociedade em um anexo do mercado”.
Desse modo, a estrutura produtiva do Centro-Oeste foi moldada para atender
às demandas externas. Isso se intensicou depois da entrada da República Popular
da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) (em 2001) (Pires e
Campos, 2019), quando suas demandas por commodities agrícolas e minerais,
por produtos do Centro-Oeste, se intensicaram, impulsionando ainda mais a
penetração do progresso técnico nas estruturas agropecuárias e industriais do
Centro-Oeste (Pires, 2020; 2021).
Essas transformações na estrutura agropecuária da região Centro-Oeste
estimularam também as modicações na estrutura industrial desse espaço regional.
Como apontou Pires (2019, p. 19), para o período de 2007 a 2016,
a razão do valor bruto da produção internacional (VBPI) do Centro-Oeste
vis-à-vis regiões Norte e Nordeste indica que o crescimento industrial dos estados do
Centro-Oeste, no período destacado, apresentou um incremento bem acima
doencontrado nas regiões Norte e Nordeste.
Isso signica que, dentro do contexto das regiões periféricas nacionais, o
Centro-Oeste se destacou em termos de VBPI, evidenciando sua especialização
em setores especícos da matriz industrial brasileira. Mesmo em cenário de de-
sindustrialização, como vivenciado pelo estado de São Paulo (Sampaio, 2019),
constata-se que houve incrementos em setores baseados em recursos naturais, os
quais reforçam as vantagens comparativas centro-oestinas.
Entre esses setores, salientaram-se aqueles relacionados à fabricação de
produtos alimentares, os setores de fabricação de coque, de produtos derivados
do petróleo e de biocombustíveis, produtos químicos, fabricação de celulose,
11. Enquanto agente planejador, indutor e financiador do desenvolvimento econômico.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
184
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papel e produtos de papel, bebidas e, por m, o setor de fabricação de produtos
de minerais não metálicos. Esses setores, juntos, aglutinaram 83,0% do VBPI
da região Centro-Oeste em 2016.
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS
Para compreender a atuação do FCO dentro do território dos estados que com-
põem a região Centro-Oeste, realiza-se uma abordagem tanto qualitativa, pelo
método histórico-estrutural, quanto quantitativa, por técnicas de análise multiva-
riada, espacial e inferência estatística. O método histórico-estrutural é estabelecido
pelo desvelamento do emaranhado qualitativo dos elementos estáticos e dinâmicos,
que tecem a estrutura econômica de uma região periférica e subdesenvolvida, e que
se consubstanciam nas noções de sistema, estrutura e processo do modelo histórico
estrutural (Santos, 2011, p. 63).
Já as técnicas quantitativas são baseadas em análise de agrupamentos, análi-
ses georreferenciadas e inferências estatísticas, sendo um conjunto alternativo às
análises empregadas na grande maioria dos estudos já desenvolvidos. Tais estudos
fazem uso de técnicas inferenciais de avaliação de impacto ou causalidade que, de
maneira geral, não consideram de forma objetiva, a priori, a não homogeneidade
dos territórios analisados.12
Assim, a escolha do caminho metodológico aqui adotado visa buscar novas
formas para investigar a atuação dos Fundos Constitucionais de Financiamento
(FCFs), a saber, a distribuição espacial aliada ao contexto histórico que pode
revelar padrões, expor regimes espaciais e outros tipos de hétero/homogeneidades
locais, além de identicar observações atípicas que podem ser usadas como subsídio
para a formulação de políticas públicas. Nesse exercício de pesquisa, a ênfase é
compreender o perl ao qual os empréstimos são direcionados, para que, como
desdobramentos futuros, tais pers possam ser usados em avaliações de impacto,
com técnicas inferenciais robustas.
Os estados da macrorregião foram analisados de maneira separada para que
as especicidades de cada um não fossem ocultadas dentro de um tratamento
agregado dos dados. Para tanto, o período de análise compreende os anos de 2002
a 2018,13 e os objetos dos estudos incluem: i) 246 municípios do estado de Goiás
e a capital Brasília, referente ao Distrito Federal, totalizando 247 observações;
ii) 141 municípios do estado do Mato Grosso; e iii) 78 dos 79 municípios do
estado do Mato Grosso do Sul.14
12. Para uma síntese sobre a bibliografia referente às avaliações de impacto, consultar o quadro 13 do Relatório de
Avaliação dos Fundos Constitucionais de Financiamento (Brasil, 2018, p. 106).
13. O período escolhido justifica-se pela possibilidade de comparação das séries do PIB disponibilizadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com compatibilidade metodológica.
14. No estado do Mato Groso do Sul, foi retirado da amostra o município de Paraíso das Águas, que teve sua fundação
em 2013.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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185
Seguindo uma tendência recente em análises de políticas públicas, sobre-
tudo de cunho regional, optou-se pela classicação de territórios pelo uso de
métodos de agrupamentos (Niembro e Sarmiento, 2020; Pagliacci e Russo, 2019;
Pagliacci et al., 2020; Palevičienė e Dumčiuvienė, 2015; Pavone et al., 2021).
O uso de clusters na análise espacial se justica pela diculdade em classicar terri-
tórios administrativos como regiões homogêneas, as quais a literatura econômica
aponta como heterogêneas em decorrência de sua formação histórica, assim como
por sua própria característica de economia periférica e subdesenvolvida.
Especicar geograas para resumir os dados espaciais de um grupo de muni-
cípios mostra-se, particularmente, relevante quando se pretende realizar análises
regionais que envolvem políticas públicas. Entender em que contexto as políticas
estão sendo empregadas pode contribuir para aperfeiçoar diretrizes e modelos
de monitoramento, bem como apoiar futuras intervenções (Barca, McCann e
Rodríguez-Pose, 2012; Garcilazo e Martins, 2020).
Na técnica denominada cluster analysis, as observações são classicadas, em
geral, por meio da execução de um algoritmo de agrupamento baseado em vari-
áveis selecionadas de acordo com o objeto de estudo. O critério fundamental
de todos os algoritmos de agrupamento reside no fato de que procuram maximizar
as diferenças entre os grupos em relação à variação dentro deles (Kaufman e
Rousseeuw, 2005). Na análise regional, não obstante, tendem a se revelar cenários
que podem ser interpretados em termos de capacidades e deciências regionais
(Mardaneh, 2012; Courvisanos, Jain e Mardaneh, 2016; QI et al., 2021).
A análise quantitativa empreendida neste estudo segue por três fases,
conforme demonstra a gura 1.
FIGURA 1
Fases da análise quantitativa
Determinação e definição
dos agrupamentos: pelo uso das
variáveis de caráter estrutural
em nível dos municípios e
aplicação das técnicas
multivariadas de agrupamento.
Composição das regiões imediatas:
participação percentual de
cada agrupamento, encontrado
no nível do município, dentro das
regiões imediatas (IBGE) e sua
disposição geográfica.
Avaliação de correlação das
variáveis PIB per capita e
empréstimos do FCO: segundo a
composição de agrupamentos no
nível das regiões imediatas e
regiões selecionadas.
Elaboração dos autores.
Obs.: O uso da análise de correlação é de caráter preliminar e exploratório. Entende-se que os próximos passos para uma
investigação mais robusta seguirão pela incorporação dos agrupamentos em técnicas de inferências como regressões
tradicionais, regressões espaciais ou análise contrafatual (Mardaneh, 2012; Pagliacci e Russo, 2019).
Para a primeira etapa da análise quantitativa, dois métodos de agrupamentos
foram considerados: hierárquico aglomerativo e não hierárquico do tipo k-means.
A combinação desses métodos pode ser justicada em contextos de menor conheci-
mento sobre o objeto de estudo. Se este for o caso, utiliza-se o método hierárquico
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
186
|
para estabelecer o número de grupos (k) e aproveita-se a eciência dos métodos
não hierárquicos para renar as alocações nos grupos. No caso do estado de Goiás e
do Distrito Federal, a participação de um especialista permitiu a denição do número
de agrupamentos a priori, sem a necessidade de outras etapas. Já para os estados do
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, ambos os métodos foram utilizados.
O agrupamento hierárquico aglomerativo produz alocações por uma série de
fusões sucessivas – e irreversíveis – das ns observações em grupos. Um elemento-chave
nesse método é a forma como é calculada a dissimilaridade, ou seja, a chamada
ligação que mede a distância entre os grupos. Neste estudo, a ligação escolhida foi a
de Ward, método que utiliza uma abordagem de análise de variância para calcular
a distância entre os clusters.15 O processo começa com cada observação sendo seu
próprio cluster, sendo que cada um apresenta a menor soma dos quadrados dentro
do grupo (within sum of squares – WSS).16 Conforme as fusões acontecem, a WSS
tende a aumentar, e o método de Ward busca minimizá-la em cada etapa.
Nesse método de ligação, a distância entre dois clusters, A e B, congura-se
na distância euclidiana para indicar o quanto a soma dos quadrados aumentará
quando os clusters forem mesclados, conforme equação (1).
(1)
Em que é a distância euclidiana entre dois centros de clusters, e
nk é o número de observações contidas no cluster k.
Quando dois clusters, por exemplo, A e B, são mesclados, a distância de C –
sendo C a junção de A e B – em relação a qualquer outro cluster ou observação P
precisa ser atualizada, conforme equação (2).
(2)
As classicações hierárquicas podem ser representadas por um diagrama
bidimensional conhecido como dendrograma, que ilustra as fusões ocorridas
(Kaufman e Rousseeuw, 2005; Tuéry, 2011). A abordagem comumente usada
para interpretar o dendrograma é identicar que, quando há uma grande distância
entre dois grupos de observações – ou a altura dos arcos –, eles pertencem a grupos
diferentes. Também é preciso vericar a compactação dos grupos pela análise da
variabilidade explicada, via relação entre between-group sum of squares (BSS)
15. O método de Ward também é conhecido como método de variância mínima, porque une em cada estágio o par de
clusters cuja fusão minimiza o aumento da soma dos quadrados do erro total dentro do grupo.
16. Fórmula apresentada a seguir na explicação sobre o método não hierárquico, equação (3).
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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187
e total sum of squares (TSS), denominada razão BSS/TSS (Han, Kamber e Pei,
2012; James et al., 2013; Tuéry, 2011).17
Já no agrupamento k-means, cada observação é atribuída a um determinado
cluster (k), sendo necessário indicar a priori quantos ks serão utilizados na partição.
Por meio de realocação iterativa, o algoritmo k-means busca a alocação mais ecaz
das ns observações divididas em k grupos. O processo começa com alocações ini-
ciais (sementes), denidas pelo centro de clusters – a média dos pontos do cluster,
denominada centroides –, e, a cada realocação, uma função-objetivo é melhorada
visando minimizar a WSS. A iteratividade acontece a cada recálculo do centro dos
clusters e a cada realocação das observações, para o centro mais próximo, via alguma
medida de distância, aqui também usada a euclidiana, conforme equação (3).
(3)
Em que xi e xj são as coordenadas dos centroides.18
Já a partição ótima feita pelo algoritmo minimiza a função-objetivo descrita
na equação (4).
(4)
Em que K é o número de grupos, nk, o tamanho da amostra no k-ésimo grupo,
é a k-ésima média do grupo e xik é a observação i no k-ésimo grupo. Assim, cada
observação xi é atribuída a um determinado cluster, de modo que a soma dos quadrados
da distância da observação para seus centros de cluster atribuídos ( ) seja minimizada.
Concluído o procedimento de iteração, deve-se analisar a adequação da par-
tição. Segue-se com a escolha do k ótimo feita pela análise gráca do chamado
elbow plot (gráco de cotovelo). O “método do cotovelo” é baseado no fato de que
aumentar o número de clusters pode ajudar a reduzir a soma da variância dentro
de cada cluster. Contudo, o efeito marginal dessa redução tende a ser decrescente.
Uma heurística para selecionar o número adequado de clusters é, portanto,
observar o ponto de inexão na curva da soma das variâncias dentro do cluster.
(Han, Kamber e Pei, 2012; James et al., 2013).19 Já a análise de compactação, a
exemplo do método hierárquico, também é feita pela razão BSS/TSS. Uma razão
17. Fórmulas apresentadas a seguir na explicação sobre o método não hierárquico, equações (4) e (5).
18. Usam-se as variáveis padronizadas, ou seja, em unidades de desvio-padrão ou unidades de desvio absoluto médio
(mean absolute deviation – MAD). A padronização via MAD pode ser preferida por corrigir os efeitos de observações
discrepantes, assim, mais robustas a outliers (Kaufman e Rousseeuw, 2005).
19. Uma limitação potencial do k-means seria o fato de ele não necessariamente atingir um ótimo global. Neste
estudo, optou-se pela abordagem de Arthur e Vassilvitskii (2007), na qual a probabilidade de seleção para semente
depende da distância ao quadrado da semente existente.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
188
|
mais próxima de 1 indica que as diferenças entre os grupos explicam a maior parte
da variabilidade (Anselin, 2020), conforme equações (5) e (6).
(5)
(6)
Em que é a média geral e TSS = BSS+WSS.20
A aplicação da análise de agrupamentos apresenta relação intrínseca com a
seleção das variáveis escolhidas. Os grupos derivados da análise reetem a estrutura
das variáveis, por isso, faz-se necessário incluir aquelas que atendam a aspectos
tanto teóricos e conceituais quanto práticos e relevantes para o objetivo da pes-
quisa (Corrar, Paulo e Dias Filho, 2007). Para permitir uma melhor diferenciação
dos grupos, as seis variáveis escolhidas (quadro 1) apresentam como caraterística
principal seu aspecto socioeconômico de dimensão estrutural.21
QUADRO 1
Variáveis socioeconômicas-estruturais utilizadas para construção dos agrupamentos
Variável Descrição Interpretação
Acessibilidade geográfica
(acess_geo)
Índice de acessibilidade geográfica dos
municípios – IBGE (2018).
Quanto maior, maior a acessibilidade de um
município específico aos municípios mais
importantes de sua região.
Taxa de urbanização
(tx_urb)
Taxa de urbanização retirada do censo
demográfico – IBGE (2010).
Quanto maior, maior a taxa de urbanização de
um município específico.
Concentração fundiária
(conc_fund)
Indicador construído com dados do censo agrope-
cuário de 2017 e metodologia do Atlas do Espaço
Rural Brasileiro – IBGE (2017; 2020).
Quanto maior, maior a concentração fundiária
dos estabelecimentos agropecuários de um
município específico.
Índice de acessibilidade
bancária (acess_bk)
Índice de distribuição espacial das agências
bancárias. Construído com dados da Estatística
Bancária Mensal por Município (ESTBAN) do
Banco Central do Brasil e metodologia proposta
por Sicsú e Crocco (2003) e Dutra e Bastos
(2016). Média do período de 2002 a 2018.
Quanto maior, maior é a acessibilidade
bancária dos agentes econômicos em um
município específico.
Índice de Vulnerabilidade
Social (IVS)
Índice de vulnerabilidade social, média de 2000 e
2010 – Ipea (2015).
Quanto maior, maior o grau de vulnerabilidade
social encontrado em um município específico.
Intensidade
tecnológica/CNAE
(CNAE_int)
Indicador que reflete a intensidade tecnológica
dos estabelecimentos presentes no município.
Construído com dados da Relação Anual de
Informações Sociais de Estabelecimentos
(Rais Estabelecimentos) (2010) e classificação
baseada em Galindo-Rueda e Verger (2016) e
Morceiro (2019).
Quanto maior, maior a intensidade tecnológica
(média, média alta e alta) encontrada na
Rais Estabelecimentos em um
município específico.
Elaboração dos autores.
Obs.: CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas.
20. Fórmulas baseadas em Anselin (2020) e Greenacre e Primicerio (2013).
21. Teste de Bartlett, estatística Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e matriz de correlação foram feitos para identificar
sobreposições entre as variáveis. Os resultados apontaram a não adequação do uso de técnicas de redução.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
189
A acessibilidade geográca busca reetir a conguração do espaço no que
concerne à relação entre as sedes municipais e o acesso aos municípios mais im-
portantes em suas regiões. Representa, portanto, uma variável de infraestrutura
física dentro da gestão dos territórios brasileiros. Já a taxa de urbanização é uma
variável amplamente disseminada pelos censos demográcos e tem como objetivo
analisar a estrutura demográca da distribuição espacial da população urbana
brasileira, fruto de trajetórias históricas que consolidam estruturas ao longo do
espaço e do tempo.
Outra variável considerada relevante consiste na concentração fundiária.
Segundo o Atlas do Espaço Rural Brasileiro de 2020, “a análise da estrutura fundi-
ária brasileira se articula, profundamente, com as relações sociais de produção e
com o uso econômico que a sociedade e o Estado zeram dos seus recursos naturais,
a começar pela terra” (IBGE, 2020, p. 47). Assim, conforme Ramos (2001), uma
estrutura fundiária concentrada tem reexos nos processos de crescimento econômico,
inclusive ampliando condições de desigualdades regionais.
As perspectivas nanceira, social e produtiva foram percebidas pelo índicede
acessibilidade bancária, pelo IVS e pelo indicador deintensidade tecnológica/CNAE.
O índice de acessibilidade bancária indica, conforme Sicsú e Crocco (2003), a atração
de agências bancárias para determinadas regiões de acordo com o tamanho do PIB
local. Assim, é um indicador importante para determinar o perl nanceiro dos
territórios diante de uma política regional baseada em crédito subsidiado, por
exemplo. De acordo com os autores, “localidades com um PIB menor que determi-
nado valor não devem interessar ao sistema bancário” (Sicsú e Crocco, 2003, p. 104).
O IVS, construído pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
pretende “sinalizar o acesso, a ausência ou a insuciência de alguns ‘ativos’ em
áreas do território brasileiro, os quais deveriam, a princípio, estar à disposição de
todo cidadão, por força da ação do Estado” (Ipea, 2015, p. 12). Por m, o indicador
de intensidade tecnológica/CNAE busca capturar a intensidade tecnológica pre-
sente nos estabelecimentos, por uma perspectiva espacial.
Após a denição dos métodos e das variáveis, segue-se para a formação dos
clusters. Na gura 2, são apresentados os dendrogramas do método hierárquico
para os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.22 A gura 2 indica menores
distâncias entre pares degrupos na linha de corte (linha tracejada vermelha) na
quantidade de seis clusters para o Mato Grosso e sete clusters para o Mato Grosso
do Sul. Nessas quantidades, a razão BSS/TSS indica uma compactação adequada
para ambos, sendo Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente, 70,78%
e 78,90% das variâncias explicadas pela diferença entre os clusters.
22. Relembrando que devido à ausência de um especialista que pudesse definir k a priori, optou-se pelo uso conjunto
dos dois métodos de clusterização para esses estados.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
190
|
FIGURA 2
Dendrograma para variáveis selecionadas dos municípios do Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul
2A – Mato Grosso
2B – Mato Grosso do Sul
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
O segundo estágio da clusterização para Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
e o estágio único para Goiás e Distrito Federal, conforme já detalhado, consiste
no método k-means. As quantidades de clusters encontradas nos dendrogramas
foram raticadas por meio da análise da razão BSS/TSS e da plotagem do gráco
do cotovelo (elbow plot). A compactação mais próxima de 1, sendo a do Mato
Grosso de 72,51% e a do Mato Grosso do Sul de 79,47%, reforça a qualidade
da clusterização com o número de k pré-denido pelo método hierárquico. No
caso de Goiás e do Distrito Federal, a denição a priori de k = 8 também revelou
adequada compactação, com razão de 67,8%.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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191
O gráco 1 apresenta a análise do elbow plot para os quatro estados. Nos
grácos 1A, 1C e 1E é possível vericar que ocorre uma melhora considerável da
minimização do WSS até as quantidades k = 8, k = 6 e k = 7. Já nos grácos 1B,
1D e 1F notam-se os achatamentos das curvas para a mudança na razão BSS/TSS
nessas mesmas quantidades de grupos, ou seja, até no número de agrupamentos
identicados a melhora na função-objetivo foi substancial. A partir disso, a curva
ca cada vez menos inclinada.
Para denir os pers de cada um dos clusters identicados em cada estado,
foram utilizadas medidas de posição mediante quartis.23 Assim, por exemplo, no
caso de o índice de acessibilidade bancária ser considerado alto em um determi-
nado cluster, isso quer dizer que a média dessa variável está igual ou maior que
o terceiro quartil em relação aos demais clusters do próprio estado.24 A denição
dos pers é essencial para a segunda e a terceira etapa da análise quantitativa, nas
quais, conforme já exposto, serão analisadas as composições das regiões imediatas
em termos de participação percentual de cada agrupamento e realizada a avaliação
preliminar de correlação.
GRÁFICO 1
Elbow plot e evolução da razão BSS/TSS para Goiás mais Distrito Federal, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul
1A – WSS: Goiás e Distrito Federal
0
50
100
150
200
250
300
2
4 6 8 10 12 14 16
Variação WSS
k
Média móvelVariação WSS
23. Para Goiás mais Distrito Federal as medidas foram: i) baixo, se igual ou abaixo do primeiro quartil; ii) moderado,
se estiver acima do primeiro quartil e abaixo do terceiro quartil; iii) alto, se igual ou maior que o terceiro quartil;
e iv) muito alto, se maior que o terceiro quartil e acrescido do intervalo interquartil. Para Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul as medidas foram: i) baixo, se menor que o primeiro quartil; ii) médio-baixo, se igual ou maior que
o primeiro quartil e menor que o segundo quartil; iii) médio-alto, se igual ou maior que o segundo quartil e menor
que o terceiro quartil; e iv) alto, se igual ou maior que o terceiro quartil.
24. Importante destacar que nem todas as variáveis podem ter médias substancialmente diferentes para cada cluster.
Contudo, a análise conjunta de todas as variáveis tende a estabelecer as principais características para os perfis.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
192
|
1B – BSS/TSS: Goiás e Distrito Federal
k
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
0 2 4 6 8 10 12 14 16
Variação BSS/TSS
Média móvelVariação BSS/TSS
1C – WSS: Mato Grosso
k
0
50
100
150
200
250
300
350
2 4 6 8 10 12 14
Variação WSS
Média móvelVariação WSS
1D – BSS/TSS: Mato Grosso
k
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
0 2 4 6 8 10 12 14
Variação BSS/TSS
Média móvelVariação BSS/TSS
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
193
1E – WSS: Mato Grosso do Sul
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
2 4 6 8 10 12 14
Variação WSS
k
Média móvelVariação WSS
1F – BSS/TSS: Mato Grosso do Sul
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
0 2 4 6 8 10 12 14
Variação BSS/TSS
k
Média móvelVariação BSS/TSS
Elaboração dos autores.
A análise de correlação entre as variáveis PIB per capita e empréstimos
do FCO segue por duas perspectivas. Para garantir uma visão mais abrangente
e que consiga expressar de maneira mais adequada o fenômeno, escolheu-se
vericar tanto as proporções relativas quanto a mudança relativa das variáveis
(Wooldridge, 2020). Nas proporções relativas, a ideia é investigar a possível
concentração de recursos do FCO em determinadas regiões em que o PIB
per capita representa maior ou menor parcela dentro do estado. Já na mudança
relativa, o interesse é na comparação das duas variáveis para vericar a mudança per-
centual de uma variável em relação a outra.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados a seguir demonstram os clusters formados nos estados da região
Centro-Oeste aqui em análise (Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul), baseados nas variáveis histórico-estruturais das regiões, compa-
rando seus resultados às regiões imediatas do IBGE. São também apresentadas as
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
194
|
correlações entre o PIB per capita das regiões imediatas e as contratações de FCO,
de forma a apurar o dinamismo do fundo constitucional sobre o heterogêneo terri-
tório do Centro-Oeste.
4.1 Goiás e Distrito Federal
A denição dos pers de cada cluster em Goiás e no Distrito Federal, no nível muni-
cipal, é apresentada no quadro 2, e a distribuição espacial dos agrupamentos identi-
cados é demonstrada no mapa 1 por meio de cartograma. Destaca-se, primeiramente,
o caráter heterogêneo desvelado pelas variáveis de cunho histórico-estrutural.
Conforme já discutido, tal heterogeneidade, de dimensões estruturais e produtivas,
é fruto do processo de formação econômica que edicou uma economia dual e
marcada pelo subdesenvolvimento.
A partição feita pelo método de clusterização identicou a concentração de
municípios no C1, sendo cerca de 32% caracterizados pelo maior acesso geográco
e pela menor concentração fundiária e vulnerabilidade social. No outro extremo,
os grupos C7 e C8, juntos cerca de 6,5% dos municípios, representam grupos de
entropia e revelam arcabouços territoriais especícos, conforme será detalhado a
seguir. O restante dos agrupamentos indica grupos nos quais processos econômicos
e sociais estão em curso ou realidades territoriais menos favorecidas.
QUADRO 2
Perfis dos agrupamentos identificados em Goiás e no Distrito Federal
Clusters Amostra Resultados
Cluster 1 (C1) 31,98% da amostra –
79 municípios
Municípios com maior acesso geográfico e menor concentração fundiária e vulnerabilidade
social. Indicadores médios para variáveis de infraestrutura demográfica/financeira,
estrutura produtiva.
Cluster 2 (C2) 19,84% da amostra –
49 municípios
Municípios com maior acesso geográfico e vulnerabilidade social. Indicadores médios
para variáveis de infraestrutura demográfica/financeira, estrutura produtiva.
Cluster 3 (C3) 19,03% da amostra –
47 municípios
Municípios com maior concentração fundiária e menor acessibilidade geográfica.
Indicadores médios para as variáveis de infraestrutura demográfica/financeira e
estrutura produtiva e social.
Cluster 4 (C4) 10,12% da amostra –
25 municípios
Municípios com maior vulnerabilidade social e menor acessibilidade geográfica,
taxa de urbanização, acesso bancário e intensidade CNAE. Indicador médio para
concentração fundiária.
Cluster 5 (C5) 6,48% da amostra –
16 municípios
Municípios com maior vulnerabilidade social e acessibilidade geográfica, e indicadores
menores para todas as demais variáveis.
Cluster 6 (C6) 6,07% da amostra –
15 municípios
Municípios com maior acessibilidade bancária, intensidade CNAE e taxa de
urbanização e menor para vulnerabilidade social. Indicadores médios para
acessibilidade geográfica e concentração fundiária.
Cluster 7 (C7) 5,67% da amostra –
14 municípios
Municípios com maior concentração fundiária. Indicadores médios para todas as
demais variáveis.
Cluster 8 (C8) 0,81% da amostra –
2 municípios
Municípios com maior taxa de urbanização, acesso bancário, intensidade CNAE e
acessibilidade geográfica. Indicador médio para vulnerabilidade social.
Elaboração dos autores.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
195
MAPA 1
Mapa dos clusters formados para Goiás e Distrito Federal
Rodovias federais DNIT
C1 (79)
C2 (49)
C3 (47)
C4 (25)
C5 (16)
C6 (15)
C7 (14)
C8 (2)
Clusters
Elaboração dos autores.
Obs.: DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
O mapa 1 mostra que o estado de Goiás apresentou composição mais hete-
rogênea na parte sul em comparação ao norte do estado. Os municípios pertencentes
ao cluster 4 são encontrados majoritariamente na região nordeste, enquanto
municípios pertencentes aos clusters 6 e 7 predominam no sudoeste de Goiás.
Para efeitos comparativos, a região nordeste de Goiás apresenta padrões
territoriais “menos desenvolvidos”, uma vez que o cluster 4 é formado por indi-
cadores maiores de IVS e menores para taxa de urbanização, acesso bancário e
intensidade tecnológica dos estabelecimentos. Na região, é mais cristalizado que
existam unidades produtivas mantidas em economias de subsistência e tradicionais,
reforçando a sua característica de subdesenvolvimento.
Por sua vez, a fração sudoeste apresenta municípios com padrões regionais
“mais desenvolvidos” ou em “processos de expansão”, visto que os clusters 6 e 7 são
formados por indicadores maiores de acessibilidade bancária e maiores/moderados
para taxa de urbanização e intensidade tecnológica dos estabelecimentos, além de
apresentarem menor IVS.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
196
|
Ainda sobre o cluster 7 (C7), destacam-se municípios com maior concentração
fundiária, variável relevante para o modelo estruturalista, porém, com unidades
produtivas constituídas de forte modernização econômica e, por isso, conectadas,
de forma mais acentuada, aos mercados nacional e internacional (clusters 6 e 7).
Para o cruzamento entre a clusterização histórico-estrutural e as regio-
nalizações presentes no planejamento regional brasileiro, o mapa 2 mostra a
participação de cada agrupamento identicado dentro das regiões imediatas
denidas pelo IBGE.
MAPA 2
Goiás e Distrito Federal: regiões imediatas e diagrama de participação dos clusters
Regiões imediatas
C1
C2
C3
C4
C5
C6
C7
C8
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Denota-se, mais uma vez, a heterogeneidade estrutural e produtiva do estado,
além da separação comum entre norte “subdesenvolvido” e sul “desenvolvido”.
Os dados revelam que, por exemplo, nas regiões imediatas de Posse-Campos Belos e
Flores de Goiás, na fração norte de Goiás, distinguem-se agrupamentos de muni-
cípios classicados em C3 e C4, ou seja, que apresentam em sua constituição espacial
variáveis com peso signicativo de maior concentração fundiária e maior IVS.
Em outras palavras, o latifúndio convivendo com áreas de pobreza.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
197
Na parcela sul, outro exemplo: é na região imediata de Rio Verde onde se verica
o maior grau de heterogeneidade estrutural e produtiva, uma vez que apresenta cinco
agrupamentos de municípios (C1, C2, C3, C6 e C7). Há na região um conjunto de
estabelecimentos agropecuários e industriais que apresenta considerável intensidade
tecnológica, assim como uma rede bancária que permite maior acesso aos serviços.
Historicamente, a região apresenta fortes ligações econômicas com os princi-
pais centros de consumo nacional, em especial com os estados de São Paulo e Minas
Gerais, assim como com os mercados internacionais. Além disso, congura-se por
sua dinâmica econômica e social enraizada no meio urbano vis-à-vis o meio rural,
o que contribuiu para a constituição de uma heterogeneidade mais clara na escala
imediata do território goiano.
A análise de correlação visa investigar o dinamismo econômico em relação
ao FCO a partir das heterogeneidades territoriais. Sob a ótica das proporções rela-
tivas, a correlação foi positiva, com um coeciente de Pearson de 0,4805 ao nível
de signicância de 5%. Sob a ótica da mudança relativa, percebeu-se, também,
correlação positiva entre as variáveis, em patamares, inclusive, superiores.
O coeciente de Pearson foi de 0,5467 ao nível de signicância de 5%.
Um olhar regionalizado para tais correlações parece indicar a existência de
um padrão de comportamento entre a economia local e os fundos constitucionais,
aqui revelados pelos casos especícos, mas não únicos, das regiões imediatas de
Flores de Goiás e Rio Verde. Conforme a tabela 1, há uma concentração dos
recursos direcionados pelo FCO para regiões de maior proporção de renda
no estado e que apresentaram padrões espaciais mais integrados aos vetores de
modernização, caso de Rio Verde (representativo do C7). Entretanto, ao se anali-
sarem as taxas médias de variação, a situação se inverte, visto que as regiões menos
favorecidas, como é o caso de Flores de Goiás (representativo do C4), registraram
uma taxa média de variação do FCO e uma taxa média de variação do PIB per
capita acima das demais regiões imediatas goianas.25
TABELA 1
Rio Verde e Flores de Goiás: variáveis correlacionadas
(Em %)
Região imediata
Proporção média do
PIB per capita da região
imediata em relação ao
PIB per capita do estado
Participação média do
FCO da região imediata
no FCO destinado
ao estado
Taxa média de variação
do PIB per capita da
região imediata
Taxa média de variação
do FCO da
região imediata
Rio Verde 93,2 9,12 0,44 4,0
Flores de Goiás 52,5 1,24 3,26 15,9
Elaboração dos autores.
25. Os dados completos de todas as regiões do estado podem ser consultados em Pires et al. (2022).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
198
|
Observa-se, portanto, que os recursos direcionados do FCO para as regiões
imediatas em Goiás corroboram com as evidências apresentadas pela literatura
econômica que trata do fundo, a saber, uma concentração naqueles espaços
regionais com maior dinamismo econômico. No entanto, quando se nota o com-
portamento desses desembolsos, em termos de variações, constata-se que, mesmo
de forma marginal, os recursos do FCO apresentam potencial signicativo, caso
estimulado pelo Estado, para induzir transformações nas estruturas produtivas de
regiões imediatas ainda enraizadas em economias periféricas.
4.2 Mato Grosso
A denição dos pers de cada cluster no estado do Mato Grosso, no nível muni-
cipal, é apresentada no quadro 3, e a distribuição espacial dos agrupamentos
identicados é demonstrada no mapa 3 via cartograma. Nota-se, a exemplo de
Goiás, a conguração heterogênea do território, reetida mediante variáveis
histórico-estruturais usadas no procedimento de clusterização. Os resultados também
reforçam um processo de formação que gerou uma economia dual e marcada pelo
subdesenvolvimento, consequentemente retratada na heterogeneidade espacial.
Os métodos de agrupamentos empregados identicaram a concentração de
39% de municípios no C1, caracterizados por maior concentração fundiária e
vulnerabilidade social e todas as demais variáveis com indicadores baixos. No
outro extremo, C5 e C6, totalizando cerca de 2,8% dos municípios, constituem
grupos de entropia e indicam localidades consideradas atípicas. O restante dos
agrupamentos retrata grupos em trajetórias econômicas e sociais particulares.
QUADRO 3
Perfis dos agrupamentos identificados em Mato Grosso
Clusters Amostra Resultados
Cluster 1 (C1) 39% da amostra –
55 municípios
Municípios com maior concentração fundiária e vulnerabilidade social. Indicadores
menores para todas as demais variáveis.
Cluster 2 (C2) 30,5% da amostra –
43 municípios
Municípios com indicadores medianos, sendo maior taxa de urbanização, concentração
fundiária e vulnerabilidade social (média-alta), e menores taxas para as variáveis de
acessibilidade geográfica, acesso bancário e intensidade CNAE (média-baixa).
Cluster 3 (C3) 14,9% da amostra –
21 municípios
Municípios com maior concentração fundiária e acesso bancário, em menor grau de
intensidade CNAE (média-alta). Indicadores menores para as variáveis de acessibilidade
geográfica, vulnerabilidade social e, em maior grau, taxa de urbanização (média-baixa).
Cluster 4 (C4) 12,8% da amostra –
18 municípios
Municípios com maior vulnerabilidade social. Indicadores menores para as variáveis
taxa de urbanização, acesso bancário e intensidade CNAE. Indicadores medianos para
as demais variáveis, sendo menor para concentração fundiária (média-baixa) e maior
para acesso geográfico (médio-alto).
Cluster 5 (C5) 2,13% da amostra –
3 municípios
Municípios com maiores indicadores para acessibilidade geográfica, taxa de urbanização,
acesso bancário e intensidade CNAE. Indicadores menores para as variáveis de concen-
tração fundiária e vulnerabilidade social.
Interessante notar que o C5 é exatamente o oposto do C1.
Cluster 6 (C6) 0,71% da amostra –
1 município
Municípios com maior acessibilidade geográfica, taxa de urbanização e intensidade
CNAE. Indicador menor para a variável concentração fundiária. Indicadores medianos
para as demais, sendo maior para acesso bancário (médio-alto) e menor para vulnera-
bilidade social (média-baixa).
Elaboração dos autores.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
199
MAPA 3
Mapa dos clusters formados para o Mato Grosso
Rodovias federais DNIT
C1 (55)
Clusters
C2 (43)
C3 (21)
C4 (18)
C5 (3)
C6 (1)
Elaboração dos autores.
A distribuição espacial dos grupos revela a predominância de C1, sobretudo
no noroeste e no nordeste do estado, onde estão os municípios com laços mais
tênues com as atividades econômicas agrícolas e industriais. Ademais, a estrutura
agrária é marcada, majoritariamente, por unidades produtivas agropecuárias
enraizadas em estruturas fundiárias concentradas e por municípios com alta
vulnerabilidade social.
O C2, apesar de registrar municípios espaçados no norte do estado,
concentra-se também na parte sul do Mato Grosso e no entorno do C3 e do C4.
Isso pode indicar um movimento que permeia uma faixa de regiões que apresenta
dinâmicas agrícola e industrial diferenciadas, em especial nas culturas de soja e
milho e em alguns setores urbanos e industriais.
O C3 inclui municípios concentrados na região central e, em menor me-
dida, no extremo sudeste do Mato Grosso. São municípios mais distantes dos
centros urbanos, porém com uma dinâmica particular que proporciona atividade
produtiva e nanceira com baixa vulnerabilidade social.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
200
|
O C4 tem a especicidade de se concentrar, quase em sua totalidade, no
entorno de regiões dinâmicas. Contudo, apresenta características periféricas,
como menor acesso bancário, de empresas intensivas em tecnologia e maior
vulnerabilidade social.
C5 e C6 compreendem apenas quatro municípios, incluindo a capital do
estado (Sinop, Várzea Grande, Rondonópolis e Cuiabá). Em comum, revelam
estruturas mais modernas e dinâmicas em relação aos demais agrupamentos
municipais e apresentam empresas com intensidade tecnológica relativamente
maior em relação aos demais agrupamentos municipais mato-grossenses. Como
destacou Heck (2019, p. 150), a indústria estadual é voltada para a “transfor-
mação da produção agrícola local, concentrada em municípios com elevado
potencial de produção de grãos, com plantas de elevado conteúdo tecnológico
e, ao mesmo tempo, de elevada capacidade ociosa”.
O mapa 4 apresenta a participação de cada agrupamento identicado dentro
das regiões imediatas constituídas pelo IBGE, congurando as regiões de plane-
jamento a partir dos agrupamentos baseados nas variáveis histórico-estruturais.
MAPA 4
Mato Grosso: regiões imediatas e diagrama de participação dos clusters
Regiões imediatas
C1
Clusters
C2
C3
C4
C5
C6
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
201
As regiões pertencentes à faixa do extremo norte do estado registram uma
concentração de municípios nos agrupamentos C1 e C2. As regiões de Juína, Alta
Floresta, Peixoto de Azevedo e Confresa, juntas, possuem 24 dos 55 municípios
do C1, lembrando que tal cluster representa o agrupamento com o perl menos
desenvolvido e dinâmico.
As regiões localizadas na faixa central do estado, como Juara, Diamantino, Pri-
mavera do Leste e Água Boa, apresentam composições distribuídas em menor ou
maior percentual dos clusters C1, C2 e C3. Destacam-se Sorriso e Primavera do Leste,
duas regiões com grande participação de municípios em C3 que, apesar de estarem
longe de centros urbanos, sugerem dinâmicas produtivas e nanceiras, ao mesmo
tempo, com menor grau de vulnerabilidade social e maior concentração fundiária.
Em relação à faixa sul do estado, na divisa com Mato Grosso do Sul e Goiás,
nota-se que há regiões imediatas com maiores percentuais de entes municipais
em agrupamentos, como no caso do C4. As regiões de Jaciara e Cáceres são casos
ilustrativos, que apresentam um perl frágil e periférico, exibindo dinâmicas econô-
micas mais tênues, bem como mais expressividade em termos de vulnerabilidade
social e alta proximidade com municípios centrais. Ainda na faixa sul, evidenciam-se
as regiões imediatas de Cuiabá e Rondonópolis, que se destacam por apresentarem
mais heterogeneidade em suas composições.
Por m, é interessante destacar a região imediata de Sinop, situada na parte
centro-norte do estado, como um exemplo importante da heterogeneidade estru-
tural e produtiva. Além de se encontrar entre as localidades que mais se destacaram
no cenário estadual, em termos de produção das culturas de soja e milho e algumas
agroindústrias alimentícias, tem também algumas contradições, pois expressa fortes
características encontradas no C1, com perl menos dinâmico e desenvolvido.
No que diz respeito à correlação entre o FCO e o PIB per capita, a análise
mostrou que, sob a ótica das proporções relativas, o resultado foi positivo no
Mato Grosso, com coeciente de Spearman de 0,6532 ao nível de signicância de
5%. Sob a perspectiva da mudança relativa, inferiu-se também correlação positiva
entre o PIB per capita e o FCO, com coeciente de Spearman em 0,4035 ao nível
de signicância de 5%.
Novamente, na dimensão regionalizada, tais correlações se assemelham
ao vericado no estado de Goiás, ou seja, concentração dos recursos direcio-
nados pelo FCO nas regiões de maior proporção de renda no estado e, ao
mesmo tempo, regiões menos favorecidas registrando maiores taxas médias
de variação do FCO e de variação do PIB per capita.26 Para ilustrar os acha-
dos, consideram-se duas regiões: Rondonópolis, representando C3 e C5, e
Confresa-Vila Rica, representando C1 (tabela 2).
26. Comparações com as demais regiões imediatas do estado podem ser consultadas em Pires e Quaglio (2022).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
202
|
TABELA 2
Rondonópolis e Confresa-Vila Rica: variáveis correlacionadas
(Em %)
Região imediata
Proporção média do
PIB per capita da região
imediata em relação ao
PIB per capita do estado
Participação média do
FCO da região imediata
no FCO destinado
ao estado
Taxa média de variação
do PIB per capita da
região imediata
Taxa média de variação
do FCO da
região imediata
Rondonópolis 135,8 10,4 2,1 5,1
Confresa-Vila Rica 55,3 4,8 6,6 9,7
Elaboração dos autores.
Os resultados sugerem que os recursos direcionados pelos programas do
FCO, entre 2002 e 2018, apresentaram um comportamento que tende a reforçar as
atividades agropecuárias e empresariais inseridas em contextos municipais, onde
as relações eram mais estreitas com sistemas produtivos em fase de modernização,
ou modernizados, ou seja, que incorporaram em seus sistemas de produção os
vetores do progresso técnico. Contudo, o direcionamento de recursos do FCO
para regiões imediatas que apresentam relações mais tênues em termos de dinâmica
econômica pode beneciá-las, pois esses recursos são catalisadores potenciais de
ativação do dinamismo econômico.
4.3 Mato Grosso do Sul
A denição dos pers municipais de cada cluster no Mato Grosso do Sulé apre-
sentada no quadro 4, e a distribuição espacial dos agrupamentos identicados é
demonstrada no mapa 5, em cartograma. Verica-se que, diferente dos outros dois
estados do Centro-Oeste, a conguração heterogênea do território se mostrou mais
localizada, mais presente na parte leste do estado. Não obstante, o uso da clusteri-
zação, com base nas variáveis histórico-estruturais, também revela um processo de
formação econômica que gerou uma economia dual e marcada pelo subdesenvolvi-
mento e cuja heterogeneidade espacial parece ainda estar em construção.
Os métodos de agrupamentos aplicados revelaram a concentração de muni-
cípios no C1, 34,2% sendo caracterizados, sobretudo, por maior vulnerabilidade
social e menor concentração fundiária. Como grupos de entropia, foram identi-
cados como parte de C5, C6 e C7 juntos cerca de 10,1% dos municípios. O res-
tante dos agrupamentos sugere grupos em trajetórias socioeconômicas distintas.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
203
QUADRO 4
Perfis dos agrupamentos identificados no Mato Grosso do Sul
Clusters Amostra Resultados
Cluster 1 (C1) 34,2% –
27 municípios
Municípios com maior vulnerabilidade social e menor concentração fundiária. Indicadores medianos,
sendo maiores para acessibilidade geográfica, taxa de urbanização e acesso bancário (médio-alto)
e menor para intensidade CNAE (média-baixa).
Cluster 2 (C2) 31,6% –
25 municípios
Municípios com maior concentração fundiária e menor acessibilidade geográfica. Indicadores
medianos, sendo maiores para taxa de urbanização e intensidade CNAE (média-alta) e menores
para acesso bancário e vulnerabilidade social (média-baixa).
Cluster 3 (C3) 12,7% –
10 municípios
Municípios com maior vulnerabilidade social e indicadores menores para todas as demais variáveis
de infraestrutura e estrutura.
Cluster 4 (C4) 10,1% –
8 municípios
Municípios com menor acessibilidade bancária, taxa de urbanização e intensidade tecnológica
CNAE. Indicadores medianos, sendo maiores para acessibilidade geográfica e vulnerabilidade
social (média-alta) e menor para concentração fundiária (média-baixa).
Cluster 5 (C5) 6,3% –
5 municípios
Municípios com maior concentração fundiária e acessibilidade bancária. Indicadores medianos, sendo
maiores para vulnerabilidade social e intensidade CNAE (média-alta) e menores para acessibilidade
geográfica e taxa de urbanização (média-baixa).
Cluster 6 (C6) 2,5% –
2 municípios
Municípios com menor vulnerabilidade social e maior acessibilidade geográfica/bancária, taxa de
urbanização e intensidade CNAE. Indicador mediano para concentração fundiária (média-alta).
Cluster 7 (C7) 1,3% –
1 município
Municípios com menor vulnerabilidade social e maior acessibilidade geográfica, taxa de urbanização e
intensidade CNAE. Indicadores medianos para concentração fundiária e acesso bancário (médio-alto).
Elaboração dos autores.
MAPA 5
Mapa dos clusters formados para o Mato Grosso do Sul
Rodovias federais DNIT
C1 (27)
Clusters
C2 (25)
C3 (10)
C4 (8)
C5 (5)
C6 (2)
C7 (1)
Elaboração dos autores.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
204
|
O C1 apresenta, em grande parte, municípios no entorno dos centros urbanos
de Campo Grande e Dourados, porém com indicadores de maior vulnerabilidade
social. Nota-se que o C2 simboliza um “cinturão” no Mato Grosso do Sul, repre-
sentado por municípios com maior concentração fundiária, menor acessibilidade
geográca e indicadores médios nas demais variáveis. Já o C3 é mais disperso pelo
território e presente nas porções mais ao sul do estado com características menos
dinâmicas, como maior vulnerabilidade social e menores indicadores de infraes-
trutura física/demográca e estrutura produtiva/social.
O C4 prevalece na região central do estado, no entorno mais ao norte da
capital Campo Grande, formado por municípios com menor acessibilidade ban-
cária, taxa de urbanização e intensidade tecnológica CNAE e indicadores médios
para acessibilidade geográca, vulnerabilidade social e concentração fundiária.
O C5 compreende toda a faixa oeste do estado e está próximo aos municí-
pios de Dourados e Três Lagoas, com maior concentração fundiária e acessibi-
lidade bancária e indicadores médios para as demais variáveis de infraestrutura
física/demográca e estrutura produtiva/social.
O C6 corresponde aos núcleos urbanos de Dourados e Três Lagoas, e o C7,
ao núcleo de Campo Grande, ambos marcados por menores índices de vulnera-
bilidade social.
A participação de cada agrupamento identicado dentro das regiões ime-
diatas denidas pelo IBGE é apresentada no mapa 6. A exemplo dos demais
estados analisados, tal conguração produz regiões de planejamento constituídas
por meio dos agrupamentos de construção histórico-estrutural.
As regiões imediatas de Coxim e Paranaíba-Chapadão do Sul-Cassilândia,
localizadas no norte e no nordeste do estado, apresentam agrupamentos de muni-
cípios que foram classicados no C2. A heterogeneidade se apresenta por reunir
municípios de distintas formações econômicas, como Coxim e Pedro Gomes, às
margens da BR-163 e ligados ao setor agroindustrial, e os municípios da região
imediata de Paranaíba, conectada aos eixos uviais do rio Paraná, cujo principal
ponto de conexão está em Três Lagoas, onde está localizado o complexo da
celulose (Lamoso, 2020).
A região de Aquidauana-Anastácio, localizada mais ao oeste, é composta em
50% pelos municípios no C2, e os outros 50% são divididos por igual pelos mu-
nicípios no C1 e C3. No caso do C3, chama a atenção o município de Miranda,
que parece “romper” a faixa contínua formada por C2, uma espécie de “cinturão”
municipal de transição ao Pantanal e aos estados de Goiás e Minas Gerais.
A segunda região imediata que se localiza na faixa central do estado é a de
Campo Grande, a mais heterogênea em termos de composição, uma vez que
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
205
todos os municípios que a compõem encontram-se nos mais diversos agrupamentos
identicados, exceto o C6.
MAPA 6
Mato Grosso do Sul: regiões imediatas e diagrama de participação dos clusters
Regiões imediatas
C1
Clusters
C2
C3
C4
C5
C6
C7
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Os municípios do sul de Campo Grande possuem maior proximidade com
a região imediata de Dourados, com maior presença de plantas industriais, caso
de Sidrolândia, que possui uma planta da empresa Bunge e outra da Cargill. Con-
tudo, é importante destacar que, apesar da pujança econômica, tais municípios se
encontram em C1, ou seja, na periferia em termos de vulnerabilidade social. Um
fato contraditório, uma vez que estão em uma faixa de inuência tanto de Campo
Grande quanto de Dourados, os dois maiores municípios do estado.
A região imediata de Três Lagoas, que se encontra na região central, mas
na porção centro-leste, apresenta características similares àquelas vericadas para
a região imediata de Campo Grande, ou seja, também apresenta maior grau de
heterogeneidade em sua composição de agrupamentos, C1, C3, C5 e C6.
A oeste do estado, as regiões imediatas de Corumbá, mais ao norte – cuja
área faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai e em maior parte corresponde ao
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
206
|
Pantanal –, e Jardim, mais ao sul, cuja principal cidade é Bonito, também regis-
traram percentuais de agrupamentos com municípios no C5.
Na parte sul do estado, encontram-se as regiões imediatas com maiores per-
centuais de composição de clusters considerados mais periféricos. As regiões imediatas
de Amambai e Naviraí-Mundo Novo, apesar de registrarem clusters que expressam
certo processo de desenvolvimento (C1 e C2), apresentam percentuais altos para o
C3 – perl de menor desenvolvimento –, respectivamente 60% e 33%.
A região imediata de Ponta Porã apresenta 100% de composição pelo C1, sendo
este essencialmente formado por municípios com maior vulnerabilidade social e
menor concentração fundiária, porém com indicadores médios para variáveis dein-
fraestrutura e estrutura. A região faz fronteira com o Paraguai, e o municípiode
Ponta Porã é uma cidade gêmea da cidade Pedro Juan Caballero, onde estavam
localizadas a companhia Matte Larangeira e uma extensa plantação de erva mate.
Por m, a região imediata de Dourados completa o sul do estado do Mato
Grosso do Sul, não obstante, com maior grau de heterogeneidade em comparação
às demais regiões do local. O agrupamento predominante é o C1, seguido de
C4, C5 e C6.
Na análise de correlação, os resultados mostraram que, sob a ótica das propor-
ções relativas, esta foi positiva no Mato Grosso do Sul. O coeciente de Spearman
foi de 0,8251 ao nível de signicância de 5%. Já sob a perspectiva da mudança
relativa, foi captada também a correlação positiva, com coeciente de Spearman de
0,4195 ao nível de signicância de 5%.
Novamente, na dimensão regionalizada, tais correlações se assemelham em parte
ao vericado nos estados de Goiás/Distrito Federal e Mato Grosso, em relação à con-
centração de recursos nas regiões imediatas mais dinâmicas do estado. Contudo, no
caso das regiões periféricas, constata-se que as taxas de variação apontaram que há um
potencial de crescimento dos desembolsos do FCO para regiões imediatas especícas.
Para ilustrar os resultados, analisam-se duas regiões: Três Lagoas (representando C5 e
C6) e Naviraí-Mundo Novo (representando C3) (tabela 3).
TABELA 3
Três Lagoas e Naviraí-Mundo Novo: variáveis correlacionadas
(Em %)
Região imediata
Proporção média do
PIB per capita da região
imediata em relação ao
PIB per capita
do estado
Participação média do
FCO da região imediata
no FCO destinado
ao estado
Taxa média de variação
do PIB per capita da
região imediata
Taxa média de variação
do FCO da
região imediata
Três Lagoas 209,3 9,9 4,3 12,0
Naviraí-Mundo Novo 79,1 3,6 3,9 4,8
Elaboração dos autores.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
|
207
A análise das duas regiões – que diferem signicativamente em termos de
composição de clusters – revela que, apesar de a concentração de recursos e de o
crescimento médio registrado na região imediata mais dinâmica serem maiores
para as duas variáveis, a região mais periférica sugere potencial de dinamização
de sua economia e quebra das estruturas do subdesenvolvimento. Por exemplo,
a região imediata de Naviraí-Novo Mundo pode se destacar pela existência de
determinada atividade econômica – sua taxa média de variação do PIB per capita
foi a terceira maior, também na comparação com as demais regiões no mesmo
período, 3,9%27 – condutora, direta ou indiretamente, de um processo de desen-
volvimento no território que promova e/ou melhore seus indicadores estruturais.
5 OBSERVAÇÕES FINAIS
O objetivo geral da tríade de estudos Pires et al. (2022), Pires e Quaglio (2022)
e Pires, Quaglio e Portugal (2022), sintetizados neste texto, era compreender
o perl espacial (municípios e regiões imediatas) dos estados do Centro-Oeste
brasileiro, por meio de algumas variáveis de cunho histórico-estrutural, em que
os desembolsos do FCO se distribuíram entre 2002 e 2018. Adicionalmente,
objetivaram vericar como as variáveis FCO e PIB se comportaram no mesmo
período em determinadas regiões com pers distintos. Tal investigação compre-
ende esforços mais amplos de avaliação do FCO à luz da PNDR II.
Nesse sentido, o contexto em que é construído o argumento parte da premissa
de que a região Centro-Oeste é fruto de um processo de formação econômica que
representa, em suas determinações nacionais, uma economia denida pela indus-
trialização tardia cujo estilo de desenvolvimento constituiu estruturas econômicas
marcadas pelo subdesenvolvimento. Quer dizer, estabeleceu-se pela convivência, no
mesmo espaço e tempo, de estruturas antagônicas: as estruturas produtivas assinala-
das por uma heterogeneidade estrutural e produtiva que reproduz de forma atávica
um padrão de expansão do capital cuja característica primordial é a dualidade, ou
seja, estruturas que avançam em seu processo de modernização, por meio da adoção
do progresso técnico em seus sistemas; e também as unidades produtivas que ainda
se mantêm presas aos grilhões dos sistemas de produção que adotam tecnologias
tradicionais ou com baixa incorporação de ciência, tecnologia e inovações. É nesse
entrecruzar de forças antagônicas que é tecido o sistema produtivo centro-oestino,
que, por um lado, projeta sucessivos incrementos em sua produção, mas, por outro,
reproduz a miséria e a exclusão social.
Em termos empíricos, os principais resultados residem na constatação dupla
do comportamento identicado na regionalização. No primeiro comportamento,
alinhado com a literatura atual sobre os FCFs, os recursos desembolsados via
27. Comparações com as demais regiões imediatas do estado podem ser consultadas em Pires, Quaglio e Portugal (2022).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
208
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FCO se concentram em regiões imediatas com pers de maior dinamismo econô-
mico e mais favorecidas em suas estruturas socioeconômicas. Já o segundo revela
que, naquelas regiões que se encontram nas margens do processo de acumulação
do capital da macrorregião, frações do FCO possivelmente estão inuenciando
ou sendo inuenciadas por incrementos do PIB per capita dessas localidades.
Em termos metodológicos, a principal contribuição deste trabalho é a im-
portância de se considerar a escala geográca e o espaço econômico local para
denir, monitorar e aperfeiçoar a condução da política do FCO. A aplicação
desta análise ao caso das regiões imediatas também é promissora, uma vez que
ela fornece um indicador para a concepção de políticas que, ao visar à heteroge-
neidade especíca nessas regiões, pode fortalecer complementaridades entre elas.
Ao reconhecer a necessidade de avaliar políticas mais sensíveis ao local, destacar
a heterogeneidade se mostra uma tentativa interessante para contribuir com o
debate sobre o futuro do FCO.
Os recursos do FCO não têm a capacidade de transformar plenamente as
atividades produtivas do Centro-Oeste em sua totalidade, mas possuem um papel
complementar a outras fontes de nanciamento que, juntas, podem potencializar
ainda mais as modicações nas estruturas produtivas da região, sobretudo nas
localidades que estão nas margens do processo de modernização.
Sobre limitações e replicações da metodologia apresentada, devido às
variações nacionais, a heterogeneidade local deve ser investigada para cada estado,
adequando variáveis que reetem realidades locais. Além disso, a metodologia
apresentada gera interpretações que exprimem um contexto circunstanciado, ou
seja, reete as escolhas das variáveis e o método de clusterização utilizado. Essa
metodologia não busca demonstrar a dinâmica temporal da heterogeneidade ou
outros fenômenos que podem oferecer interpretações em contextos econômicos,
sociais e geográcos diferentes, a depender do objetivo da pesquisa.
Por m, cabe destacar que a análise de associações espaciais e lineares aqui
realizada tem por to explorar inicialmente a possibilidade de uma relação não
causal entre o comportamento dos recursos disponibilizados via FCO e o compor-
tamento do PIB per capita. É imprescindível, portanto, em uma segunda etapa da
pesquisa, aprofundar o conhecimento das relações existentes entre os elementos
estáticos, dinâmicos e institucionais que constituem a complexidade das estruturas
produtivas e suas interações intra e inter-regionais. Para tanto, seria interessante o
uso de técnicas estatísticas mais robustas que considerem os espaços de forma não
homogeneizada (partindo, por exemplo, de agrupamentos identicados), como
também de abordagens qualitativas, em especial histórico-estruturais, para se com-
preender a representação do fenômeno real em sua complexidade multideterminada.
Alcances, Limites e Avanços do Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO): uma síntese das análises espaço-estruturaisdas
regiões imediatas dos estados que constituem a região Centro-Oeste
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209
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Parte 2
A interiorização da dinâmica
produtiva e da base do ensino
superior: atualizando os
horizontes para a PNDR
CAPÍTULO 6
TENDÊNCIAS REGIONAIS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA NO
SÉCULO XXI1
Clélio Campolina Diniz2
Philipe Scherrer Mendes3
1 INTRODUÇÃO
A indústria manufatureira no Brasil nasceu de forma tímida e dispersa, mais de um
século após sua origem nos países centrais. Sua expansão somente ocorreu a partir
do nal do século XIX e se concentrou no estado de São Paulo, especialmente
em sua capital e atual área metropolitana. Em 1970, considerado o pico da con-
centração regional da indústria no Brasil, 58% da produção nacional estava no
estado de São Paulo, sendo 75% em sua região metropolitana (RM). Esse fenômeno
encontra-se exaustivamente analisado por vários autores, com destaque para
Castro (1971), Dean (1971), Silva (1976) e Cano (1976).
Após o ciclo expansivo da indústria brasileira no pós-Segunda Guerra Mundial,
com forte concentração na área metropolitana de São Paulo, vários fatores atuaram
no sentido da desconcentração territorial. Pela lógica do mercado, no sentido
da desconcentração, destacam-se: i) geração de deseconomias de aglomeração na
RM de São Paulo; ii) expansão e melhoria da infraestrutura em outras regiões
do país; iii) crescimento urbano generalizado; e iv) movimentos das fronteiras
agropecuária e mineral em direção ao Centro-Oeste e Norte do país e seus possíveis
efeitos sobre o crescimento populacional, urbano e industrial, gerando novas cen-
tralidades. Um segundo grupo de fatores estaria relacionado com decisões gover-
namentais, a nível federal e dos estados, com destaque para: i) transferência da
capital para Brasília e a integração do mercado nacional com a construção dos
grandes eixos viário; ii) incentivos scais para o Nordeste e para a Zona Franca de
Manaus; e iii) “guerra scal” entre os estados na atração de investimentos.
De acordo com Diniz (1978; 1981), ainda na década de 1970, no auge
da expansão industrial do Brasil, o estado de São Paulo iria perder participação
1. Trabalho elaborado com apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chamada pública no 58/2014.
2. Pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e
Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea; e professor emérito do Centro de Desenvolvimento
e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
3. Pesquisador do PNPD na Dirur/Ipea; e doutor em economia regional do Cedeplar/UFMG.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
218
|
relativa na produção industrial brasileira. Isto porque, aquele estado, que detinha
58% da produção industrial do país, vinha perdendo participação nas decisões de
investimento, vendo-as se reduzir continuamente ao longo da década de 1970,
até chegar a 17,6% do total nacional em 1979 (Diniz, 1981, p. 231).4
Essa análise estava fundamentada no entendimento de que havia uma defasa-
gem temporal entre decisões e materialização de investimentos e entre estes e os
resultados produtivos, como está teoricamente demonstrado em Kalecki (1973).
Nessa mesma linha, Diniz e Lemos (1986) indicavam as mudanças no padrão
regional brasileiro, o que só viria a ser empiricamente comprovado mais tarde,
após a divulgação dos resultados dos censos industrial e agrícola de 1980 e das
contas nacionais, quando cou comprovado que o estado de São Paulo estava
perdendo participação relativa não só nas produções industrial e agrícola como
também na renda nacional.
A partir de então estabeleceu-se certa controvérsia interpretativa do fenômeno
da desconcentração econômica, especialmente industrial. Alguns autores defen-
diam a visão de contínua concentração no estado de São Paulo (Storper, 1991;
Azzoni, 1986; Townroe e Keen, 1984), sem diferenciar as dinâmicas da área
metropolitana e do interior do estado. Superando os critérios de divisão territorial
até então utilizados em macrorregiões e estados federados, Diniz (1993) e Diniz
e Crocco (1996) propuseram um critério de regionalização alternativo. Tomaram o
recorte das microrregiões geográcas do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística
(IBGE) e denominaram aglomerações industriais relevantes (AIRs) aquelas micror-
regiões geográcas com mais de 10 mil empregos industriais, as quais representavam
86% do emprego industrial total.
Baseados nesses critérios, concluíram que estaria havendo uma contínua
mudança no padrão locacional da indústria no Brasil. Embora estivesse havendo
crescimento industrial e formação de novas aglomerações produtivas em todas
as regiões do país, havia uma predominância de crescimento no “polígono
industrial” (Diniz, 1993), que combinava a desconcentração da RM de São
Paulo com a localização e expansão de novos centros industriais na grande área
formada dentro do polígono Belo Horizonte-Uberlândia-Londrina-Porto Alegre-
Florianópolis-Belo Horizonte, incluído o próprio interior do estado de São Paulo.
Como se tratava de um fenômeno dinâmico, os autores observaram a necessidade
de se avaliar as novas tendências a partir de várias transformações e movimentos
em curso, entre os quais, aqueles que poderiam fortalecer a expansão dentro do
polígono, a saber: i) expansão e consolidação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e
seus possíveis impactos sobre o crescimento industrial nos estados do Sul do país;
4. No auge do governo militar, qualquer investimento industrial para receber financiamento ou apoio oficial teria que
ter seu projeto aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI) do Ministério da Indústria e Comércio.
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
|
219
ii) mudanças tecnológicas e fortalecimento dos centros industriais mais desen-
volvidos; iii) maior concentração do mercado de trabalho especializado; e iv) alta
concentração regional da renda e da demanda.
No auge do crescimento industrial ampliou-se também a disputa entre os
estados na atração de investimentos. Nessa chamada guerra scal eram e ainda são
utilizados diferentes mecanismos de isenções scais, oferta de terrenos e infraestru-
tura e, inclusive, participação acionária nos novos investimentos (Vieira, 2014).
Esses incentivos foram preferentemente concedidos a empresas estrangeiras, espe-
cialmente automotivas. Observa-se que essa guerra scal é extremamente danosa
do ponto de vista econômico, social e político, por desviar preços relativos a favor
de bens não prioritários, comprometer as nanças públicas, prejudicar o capital
nacional e concorrer com a política regional ocial. Nesse sentido, a ausência de
articulação entre o governo federal e os governos estaduais inuencia a distribuição
territorial da indústria de transformação brasileira, com tendência a beneciar
regiões com maior capacidade de renúncia scal.
Posteriormente, vários trabalhos foram desenvolvidos analisando o fenômeno
da desconcentração industrial no país – a maioria indicando que além do cresci-
mento industrial no chamado “polígono” estaria havendo crescimento industrial
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do próprio polo de Manaus.
Entre esses, destacam-se Negri (1994), Pacheco (1999), Andrade e Serra (2000),
Saboia (2001; 2013), Mendes, Hermeto e Britto (2019).
Considerando-se a retomada do crescimento econômico e industrial no
século XXI, as mudanças estruturais em curso e seus efeitos nos processos de
industrialização, desindustrialização e padrão locacional da indústria, torna-se
necessário uma reavaliação dos resultados recentes e suas tendências, especialmente
quanto a seus impactos regionais.
Entre essas mudanças estruturais, destacam-se as mudanças no cenário interna-
cional; o acelerado processo de mudanças tecnológicas e organizacionais; o aumento
do peso dos serviços na ocupação e na renda; o dinamismo da fronteira agropecuária;
as mudanças nas políticas públicas; os investimentos em infraestrutura, principalmente
relacionados ao setor energético; e a adoção de políticas sociais de natureza horizontal.
Tudo isso diante de um grave processo de desindustrialização do país.
Além de compreender melhor as tendências recentes, esta análise poderá
contribuir para se repensar e adequar as políticas regionais de desenvolvimento e
as distorções provocadas pelos atuais sistemas federativo e tributário. Nesse sentido,
vários trabalhos vêm sendo elaborados para se discutir diferentes dimensões do
desenvolvimento regional e da busca de se construir uma agenda de trabalho que
seja capaz de fundamentar as mudanças e a formatação de uma nova política
regional para o Brasil.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
220
|
2 CRITÉRIO DE REGIONALIZAÇÃO E BASE EMPÍRICA
Sabe-se que as regiões não são estáticas pois a dinâmica econômica e social tem
impacto diferenciado sobre o território, em função da distribuição da população,
da rede urbana, das atividades econômicas, da infraestrutura e do impacto disso
tudo sobre o meio natural. Nesse sentido, o IBGE vem atualizando as regionalizações
do país, considerando também os recortes político-administrativos em razão da
criação de estados federados e municípios. Nesse sentido, há uma diversidade de
regionalizações nas análises brasileiras sobre o fenômeno regional, seja por opção
teórica e metodológica, seja por respeito às divisões político-administrativas do
país, seja pela existência das regionalizações ociais estabelecidas pelo IBGE ou
da própria organização das informações estatísticas.
Para os propósitos deste trabalho, entende-se que o recorte das microrregiões
geográcas permite uma análise adequada dos padrões locacionais da indústria e
suas tendências no Brasil. A utilização das microrregiões permite também sua
agregação por estados, macrorregiões ou por outras formas de integração naquelas
regiões de maior densidade industrial.
As divisões convencionalmente utilizadas em macrorregiões, mesorregiões,
regiões intermediárias, estados federados ou municípios apresentam várias diculdades
e inconvenientes. As quatro primeiras, por serem muito amplas e heterogêneas,
dicultando observar as tendências e as características estruturais das aglomerações
industriais, pois estas tendem a se concentrar em espaços ou aglomerações de
menor escala, em geral nas cidades ou centros urbanos. A divisão por municípios
tem o efeito oposto, por sua excessiva pulverização e porque muitas aglomerações
reúnem mais de um ou vários municípios, a exemplo das grandes áreas metropolitanas.
Mais do que permitir a agregação das microrregiões por estados, macrorregiões,
ou regiões intermediárias, a divisão por microrregiões possibilita recortes adicionais
quando se observa a contiguidade de mais de uma AIR. Nesse sentido, a partir das
observações empíricas, serão feitos recortes adicionais para se identicar a formação
de aglomerações ampliadas. De maneira inversa, para as regiões Centro-Oeste
e Norte do país, com maior dispersão e tamanho geográco das microrregiões,
serão feitos recortes para a escala municipal e em especial para as cidades que
exercem as centralidades industrial e econômica.
Além dos aglomerados metropolitanos compostos por mais de uma ou várias
AIRs, outras aglomerações vêm formando eixos, corredores ou outras formas
geográcas de integração produtiva. Nesses casos, por sua proximidade ou com-
plementaridade, elas criam economias de aglomeração, estimulando a atração de
novos investimentos.
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
|
221
Ressalte-se que, qualquer que seja o recorte utilizado, há diculdades com
a base empírica, segundo as diferentes fontes utilizadas como indicadores das
atividades industriais. Por isso, utilizaremos, de forma complementar, três bases
de dados distintas, a saber: Relação Anual de Informações Sociais (Rais), Pesquisa
Industrial Anual (PIA) e Secretaria de Comércio Exterior (Secex). A Rais é um
registro anual de informações de todo o mercado de trabalho formal, permitindo
a identicação da atividade produtiva no nível local. Apesar da riqueza dos seus
dados, que possibilitam a identicação de informações no nível do vínculo empre-
gatício, ela não possui nenhuma outra informação sobre a atividade produtiva
senão aquela especicamente associada ao registro do emprego. A PIA só divulga
dados agregados, por Unidade da Federação (UF), dicultando a identicação do
nível de produção de forma mais desagregada. Ela permite, no entanto, identi-
car o peso e evolução dos estados no Valor da Transformação Industrial (VTI).
Igualmente, utilizaremos os dados da Secex, como indicador da participação de
cada estado nas exportações de bens industriais.
Os dados agregados por estado permitem avaliar o peso de cada estado na
produção e nas exportações industriais e as características da estrutura indus-
trial de cada um. Esses elementos são importantes para a análise política da
disputa federativa e suas implicações políticas, inclusive para sua consideração em
termos das políticas regionais propriamente ditas, da guerra scal e do sistema
scal e tributário.
Além das informações quantitativas antes mencionadas, a realização deste
artigo valeu-se também do conhecimento factual e qualitativo de vários especia-
listas e dos próprios autores sobre a realidade brasileira, inclusive com visitas a
várias regiões e entrevistas com instituições locais.
Ressalte-se, por m, que as mudanças estruturais e a crescente integração
entre o que se classica como indústria manufatureira e os serviços dicultam
uma adequada mensuração do desempenho setorial, exigindo uma nova classi-
cação das atividades econômicas e a correspondente base empírica. Infelizmene,
ainda não há uma classicação consensual na literatura.
3 TENDÊNCIAS REGIONAIS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI
3.1 Antecedentes
Entre 1970 e 1980, período de crescimento industrial acelerado, o número de
AIRs subiu de 33 para 76, e o emprego industrial dobrou (Diniz e Crocco, 1996).
No mesmo período, a participação da indústria manufatureira no produto interno
bruto (PIB) subiu de 18% para 25% (Morceiro, 2018, p. 17).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
222
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Na década de 1980, apesar da forte e prolongada crise econômica, mas ainda
carregando os efeitos residuais das decisões de investimento anteriores, o número
de AIRs subiu de 76 para 90, com ligeiro aumento do emprego industrial e a par-
ticipação da indústria no PIB chegou a 26% em 1985 (Morceiro, 2018, p. 17).
Na década de 1990, embora o número de AIRs ainda tenha subido de 90
para 98, houve redução no emprego, seja pelo período de instabilidade econômica, via
crises inacionárias, seja pela abertura comercial, que impactou negativamente a ati-
vidade industrial, seja, ainda, pela aceleração do processo de desindustrialização.
No período, a participação da manufatura no PIB foi reduzida drasticamente.5
Além da crise, as mudanças estruturais da economia e dos processos de trabalho
provocaram uma relativa perda da indústria manufatureira na ocupação, tanto
pelos processos de desindustrialização como pelo fenômeno da terciarização. Em
termos ocupacionais, houve mudança na estratégia de incorporação de parcela da
mão de obra, vinculada a atividades auxiliares à produção. Isso implicou redução
do efetivo de mão de obra, antes considerado industrial, e elevação do contingente,
consequentemente, da participação do setor serviços. Além dessa redução, destaca-se
o impacto causado pela perda de importância do setor industrial na atividade
econômica nacional.
Em síntese, após o crescimento econômico, em geral, e industrial, em particular,
generalizado durante o chamado “milagre econômico” da década de 1970, o país
ingressou em forte crise econômica, dicultando a manutenção dos investimentos
públicos e desestimulando os investimentos privados.
Adicionalmente, iniciou-se um sistemático processo de críticas ao sistema de
incentivos scais para as regiões menos desenvolvidas, especialmente para o Nordeste.
No bojo da orientação neoliberal e da cartilha do Consenso de Washington,6 as
superintendências regionais – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Superin-
tendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) – chegaram a ser
extintas. Foram, em seguida, recriadas como agências de desenvolvimento, porém
com seu prestígio reduzido. Nessas condições, houve redução do crescimento e,
consequentemente, da formação de novas áreas industriais.
5. Há grande dificuldade empírica e metodológica para a análise das décadas de 1980 a 2000 por causa das mudanças
nas bases de dados, pelo processo inflacionário, por mudanças nos preços relativos e pelas mudanças estruturais
que implicaram na transferência de várias atividades antes contabilizadas dentro do setor industrial para o setor
serviços. Morceiro (2018) trabalhou exaustivamente esses temas, oferecendo uma série dos dados a preços correntes
e constantes para o período 1947-2017.
6. Consenso de Washington foi uma recomendação internacional elaborada em 1989 por economistas de instituições
financeiras como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos, visando difundir a conduta econômica neoliberal.
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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223
3.2 Desempenho no século XXI
3.2.1 O contínuo declínio industrial das RMs do Rio de Janeiro e São Paulo
No início da industrialização brasileira, embora relativamente dispersa, a maior
parcela da produção se localizou no Rio de Janeiro. Em 1907, primeiro ano de
apuração das estatísticas, a RM do Rio de Janeiro ainda participava com 38% do
total nacional (Cano, 1976). No entanto, desde então, vem perdendo posição
relativa na produção industrial brasileira, chegando a menos de 10% do total
nacional no nal do século.
Entre as principais razões para esse resultado, destacam-se o declínio da cafei-
cultura uminense, a competição com São Paulo e com outras regiões do país, a
debilidade de sua burguesia industrial, a perda de seu papel como centro nanceiro
do país, o esvaziamento político e a perda de centralidade com a transferência
da capital para Brasília (Cano, 1976; Leopoldi, 2000; Lessa, 2000). Entre 2000 e
2018 a participação da RM do Rio de Janeiro no emprego industrial do país caiu de
4,8% para 3,1%. A participação do estado no VTI caiu de 7,9% para 7%, porém
a queda não foi maior por uma expansão, ainda que pequena, das áreas industriais
fora da RM do Rio de Janeiro (Campos, Macaé, Região Serrana e Vale do Paraíba).
Apesar disso, ainda havia uma grande expectativa de retomada do crescimento
industrial no estado do Rio de Janeiro. A descoberta do pré-sal e as expectativas
econômicas abriram uma avenida de novas possibilidades, com retomada da
indústria naval, com ampliação de estaleiros existentes e montagem de novos;
com o megaprojeto petroquímico em Itaguaí (Complexo Petroquímico do Rio
de Janeiro – Comperj), liderado pela Petrobrás e com previsão de vinte empresas
privadas, com estimativa de investimento de US$ 200 bilhões e geração de mais
de 200 mil empregos diretos e indiretos (Silva e Irazábal-Zurita, 2019); com o
complexo portuário e industrial do Açu; a base aérea e marítima de suporte às
atividades da Petrobrás, em Macaé; além da instalação de três montadoras auto-
motivas no sul do estado (Resende e Porto Real).
Havia a expectativa de que o sucesso desses projetos pudesse exercer um papel
motriz, induzindo a criação de indústrias complementares. No entanto, com a
Operação Lava Jato e a crise política no governo e na Petrobras, o projeto Comperj foi
abandonado, os investimentos foram paralisados, trazendo grande frustação das
expectativas alimentadas sobre o desenvolvimento de uma das regiões mais po-
bres e atrasadas do Brasil, a Baixada Fluminense (Silva e Irazábal-Zurita, 2019).
O projeto do Açu sofreu o impacto da crise que atingiu o grupo EBX e, hoje, apesar
de estar sob o controle de novo grupo empresarial, encontra-se dependente da
situação geral da economia brasileira, das novas orientações políticas da Petrobras
e do governo federal.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
224
|
Diferentemente da RM do Rio de Janeiro, e apesar da contínua perda de peso
na produção industrial brasileira nas últimas décadas, a RM de São Paulo não enfren-
tou o fenômeno clássico da desindustrialização, como ocorreu no nordeste dos
Estados Unidos e noroeste da Inglaterra. Nessas regiões, a crise da indústria foi seguida
da perda em todas as outras atividades, com alto desemprego e fortes processos
migratórios (Bluestone e Harrison, 1982; Massey e Meegan, 1982; Peet, 1983).
Ao contrário, a cidade de São Paulo, embora tenha perdido participação na
produção industrial e na renda nacional, reforçou seu papel como centro nanceiro
(bancos, corretoras, bolsas de ações, de títulos e mercadorias), com sedes em-
presariais, atividades comerciais, serviços educacionais, de pesquisa, consultoria,
medicina avançada, atividades culturais e de lazer e outros serviços de apoio aos
negócios e ao lazer (hotéis, restaurantes, teatros etc.). Manteve também os dois
mais importantes aeroportos do país, doméstico e internacional. Nesse sentido,
Diniz e Campolina (2007) ressaltaram o papel da área metropolitana estendida,
composta especialmente pelo eixo Campinas-São Paulo-São José dos Campos,
onde estão indústrias de grande sosticação tecnológica, boas universidades e ins-
tituições de pesquisa que rearmam o papel de São Paulo como cidade primaz do
Brasil e elo de integração com a rede de metrópoles mundiais.
A orientação do governo de São Paulo tem sido fortalecer a infraestrutura do
chamado vetor perimetral Sorocaba-Campinas-São José dos Campos-Porto de São
Sebastião, composto por seis segmentos de integração entre si, denominando-o Plano
Macrometrópole Paulista (Proença e Santos Junior, 2019). Nessa região, incluída a
cidade de São Paulo, está localizado o mais denso meio técnico-cientíco-informacional
do Brasil. Nele está a base industrial mais moderna e integrada do Brasil, com as
maiores e melhores universidades do país – Universidade de São Paulo (USP),
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), entre outras –, instituições de pesquisa, melhor rede de infraestru-
tura e de serviços modernos.
Mendes, Hermeto e Britto (2019) identicam que, apesar de se perceber
melhoria na distribuição do emprego industrial no território nacional, entre 2008
e 2014 observou-se o reforço da concentração dos trabalhadores com maior grau
de instrução (mestres e doutores) e aumento da concentração da indústria de
mais elevada intensidade tecnológica em São Paulo e seu entorno. Adicionalmente,
a elevação dos custos nessa região promoveu o deslocamento de atividades com
menor intensidade tecnológica e produtividade para as regiões com menores custos,
especialmente para o Nordeste.
Ressalte-se que a mega concentração metropolitana no Brasil, conjugada
com a má distribuição da renda e a precariedade da infraestrutura, cria diferentes
disfuncionalidades. Isso ocorre não só pelo aumento dos custos diretos e indiretos
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
|
225
como também pela forte desigualdade social induzida por essa concentração, que
produz evidências como decit habitacional, precariedade do sistema sanitário,
baixa qualidade do sistema de transporte público, aumento dos conitos sociais,
do crime organizado, não apenas em São Paulo, também na maioria das metrópoles
brasileiras (Diniz e Vieira, 2016).
3.2.2 Consolidação e alargamento do polígono industrial
Criação de novas AIRs e sua localização
A retomada do crescimento econômico a partir da década de 2000, articulado a
outros fatores, elevou o número de AIRs de 98, em 2000, para 144 em 2010. Em
2015, o número de AIRs passou a 151, tendo retornado a 149, em 2018. Vale destacar
que essa variação no número de AIRs entre os anos não signica diretamente o
crescimento ou a redução expresso pela diferença. Para ilustrar, entre 2015 e 2018
cinco novas AIRs surgiram, enquanto três que estavam presentes em 2015 não
possuíam, em 2018, 10 mil postos de trabalho. O crescimento foi relativamente
alto e sustentado até 2013, com o emprego industrial chegando a 7,9 milhões,
quando o número de AIRs atingiu 154 e chegou a 156 em 2014, embora o número
de postos de trabalho tenha sido menor que em 2013. A partir de então, a crise
econômica desestimulou o crescimento e as decisões de investimento. Houve ins-
tabilidade, com algumas AIRs crescendo e outras perdendo tamanho. O nível de
emprego subiu para 6,4 milhões em 2015, caindo para 5,6 milhões em 2018,
para o conjunto das AIRs.
O mapa 1, a seguir, e a tabela A.1, no anexo, apresentam a distribuição
espacial e a magnitude dessas aglomerações industriais, indicando onde se deu o
surgimento de novas ou o fortalecimento das já existentes.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
226
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MAPA 1
Brasil: distribuição espacial das AIRs com mais de 10 mil empregos industriais
(2000 e 2018)
1A – 2000
1B – 2018
Fonte: Rais.
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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227
A análise da distribuição regional dessas aglomerações mostra que, apesar
das políticas de incentivos regionais e de decisões políticas, não houve uma mudança
macroespacial signicativa da produção industrial no Brasil. O crescimento das
últimas décadas combina a perda relativa das áreas metropolitanas primazes na produção
industrial (Rio de Janeiro e São Paulo) com o adensamento industrial na região
anteriormente caracterizada por Diniz (1993) como polígono industrial, cujos
vértices são Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina, Porto Alegre, Florianópolis,
Belo Horizonte. Dentro desse polígono foram implantadas 31 das 52 novas AIRs
criadas entre 2000 e 2018. Nessa ampla região estão também as atividades indus-
triais de tecnologia mais sosticada, com maiores escalas e maior capacidade de
integração e multiplicação, a exemplo das indústrias metalmecânicas, elétricas,
eletrônicas e químicas.
Adicionalmente, essa ampla área industrial foi alargada com a criação de
várias aglomerações industriais no oeste dos estados de Santa Catarina, Paraná,
São Paulo e Minas Gerais. Essas novas aglomerações estão predominantemente
nos setores agroindustriais (açúcar, frigoríco, beneciamento de cerais, alimentos
industrializados em geral, insumos agropecuários etc.). Seguindo o mesmo padrão,
foram criadas três AIRs no sudoeste do Mato Grosso do Sul (Três Lagoas, Dourados
e Iguatemi) e uma no sudoeste de Goiás (Rio Verde), próximas e em padrão
semelhante à agroindústria do oeste dos estados do Paraná e São Paulo. Outra foi
localizada no sudeste de Goiás (Catalão), em atividades automotriz, equipamentos
e insumos agrícolas (Mitsubshi, Johnn Deer, adubos).
A nosso ver, essas cinco microrregiões podem também ser entendidas como
alargamento da área industrial mais densa e consolidada do país, acompanhando
a fronteira agropecuária que se desloca para o Centro-Oeste. Portanto, 36 das 51
novas AIRs se localizaram dentro ou como extensão dessa área. A estas poder-se-ia
acrescentar as AIRs de Goiânia e Anápolis, por sua estrutura diversicada, sua
proximidade à região de industrialização mais densa e diversicada do país e seu
crescimento recente. Em Anápolis, por exemplo, está havendo grande expansão
de unidades de produção farmacêutica e ainda foram instalados a montadora
Hyundai e um porto seco, além dos possíveis efeitos da base aérea local.
Deve-se acrescentar também a expansão da AIR de Volta Redonda, não pelo
seu núcleo original (Cia. Siderúrgica Nacional), mas pela instalação de unidades
automotrizes em Resende e Porto Real (Volkswagen e Peugeot), próximas às áreas
industriais do Vale do Paraíba Paulista (Taubaté e São José dos Campos) e, portanto,
com possibilidade de se integrar a elas.
O que se percebe é o alargamento do antigo polígono industrial, formando
um novo polígono cujos vértices são Belo Horizonte, Anápolis, Rio Verde, Campo
Grande, Foz do Iguaçu, Santa Cruz do Sul, Porto Alegre, Florianópolis, Volta
Redonda, Belo Horizonte.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
228
|
Ao contrário da previsão feita por Diniz (1993), a integração econômica
com os demais países da América Latina, especialmente os do Mercosul, não
trouxe os resultados esperados. O crescimento das exportações e do comércio entre
os países não atingiu os níveis do comércio inter-regional como ocorre entre os
países da União Europeia e do bloco asiático e da América do Norte. Segundo
cálculo dos autores, baseados nos dados da Organização Mundial do Comércio
(OMC), enquanto, em 2015, o comércio entre os países da América do Norte
(incluído o México) foi de 49% do total do comércio mundial daqueles países, o
da União Europeia foi de 64%, o da Ásia, 53%, e o da América Central e do Sul foi
de apenas 26%. O total do comércio entre o Brasil e os demais países da América
Latina (incluído o México) foi de 27,3% e com o Mercosul, de apenas 13%. Além
disso, as exportações do Brasil para os demais países da região foram concentradas
em bens intermediários, sendo que a expansão industrial das atividades ligadas
ao complexo agropecuário dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
São Paulo e da região Centro-Oeste do país foram orientadas para exportações
para a Ásia, especialmente para a China.
Além das AIRs, existiam no Brasil, em 2018, um total de 84 microrregiões
geográcas com emprego industrial entre 5 mil e 10 mil, das quais 45 estão lo-
calizadas dentro da área do novo polígono, muitas complementares às AIRs de
maior escala, ou dedicadas a atividades típicas de mercados locais. As outras 39
estão distribuídas de forma dispersa no restante do país.
Mais recentemente, novos trabalhos vêm analisando as tendências de cres-
cimento e desigualdades regionais e sociais no Brasil. Monteiro Neto, Silva e
Severian (2019) incluíram as microrregiões com mais de 5 mil empregos como
AIRs. Por esse critério, os autores identicaram a existência ou criação de várias
pequenas aglomerações industriais dispersas no vasto território do país. Ressalte-se
que algumas são unidades processadoras de insumos de origem mineral, vegetal
ou agropecuária (metalurgias, cimento, madeira, frigorícos, beneciamento de
cereais etc.), voltados para exportação internacional ou inter-regional, porém, a
maioria não gera integração produtiva, como demonstra o longo debate sobre os
limites da base exportadora no desenvolvimento industrial (Friedman e Alonso, 1969).
Além disso, é fundamental destacar que a escala favorece o dinamismo do
setor industrial, por possibilitar maior conexão intrassetorial (Marshall, 1982) ou
complementaridade entre setores (Jacobs, 1969). No nosso entendimento, essas
regiões são extremamente importantes para o desenvolvimento econômico e para
o bem-estar social, porém, de forma isolada, elas não geram efeitos interindustriais
dinâmicos e capazes de promover um verdadeiro processo de industrialização.
Esses aspectos são importantes para se analisar o desenvolvimento do oeste dos
estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo nas últimas décadas, bem como das
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
|
229
fronteiras agropecuária e mineral no desenvolvimento das regiões Centro-Oeste e
Norte do país e do oeste do Nordeste (Diniz, 1987).
Há também pequenas unidades industriais voltadas para a produção de bens
de consumo generalizado e orientadas para os mercados locais ou regionais
(padarias, alimentos, bebidas, confecções de móveis etc.). Igualmente, essas unidades
são importantes do ponto de vista econômico e social, porém não atingem escala
e capacidade de criar efeitos interindustriais dinâmicos.
Observe-se que mesmo na chamada região Centro-Sul do Brasil, histori-
camente identicada como a região mais desenvolvida do Brasil, no diagnóstico
elaborado por Celso Furtado e que serviu de base para a criação da Sudene e das
respectivas políticas para o nordeste (GTDN, 1967), várias sub-regiões como
o norte e nordeste de Minas Geais e o Espírito Santo não tiveram impacto
industrial. O Rio de Janeiro teve sua grande expectativa de expansão industrial
frustrada. Da mesma forma, a metade do Rio Grande do Sul tampouco recebeu
investimentos industriais. Fica claro, então, a natureza desequilibrada do desenvol-
vimento regional dentro da própria região mais desenvolvida do Brasil, o Centro-Sul.
Isso conrma que o desenvolvimento econômico em geral, e industrial em particular,
não se distribui de maneira uniforme no território.
Efeitos sobre o emprego industrial
Entre 2000 e 2018, o emprego total de todas as AIRs do país subiu de 3,8 milhões
para 5,6 milhões, com crescimento de 47%. Dentro do novo polígono, o emprego
subiu de 3.071 para 4.442, ou seja 45%. Considerando que a RM de São Paulo
reduziu o o número de empregos industriais de 662 mil para 505 mil, enquanto
no restante das AIRs no polígono ampliado subiu de 2.409 para 3.937, ou seja
63%, estando, portanto, acima da média brasileira.
A desconcentração industrial da RM de São Paulo decorreu de dois movi-
mentos. O primeiro, pela localização das indústrias de tecnologia mais sosti-
cada em áreas próximas à RM de São Paulo, especialmente no grande eixo
São Carlos-Campinas-São Paulo-São José dos Campos (Diniz e Campolina,
2007; Diniz e Razavi, 1999); e o segundo, o crescimento das indústrias vinculadas
à base agropecuária e voltadas para exportação, no oeste dos estados e Santa Catarina,
Paraná e São Paulo e seu avanço em direção à região Centro-Oeste.
3.2.3 Participação no VTI e nas exportações
Como não há disponibilidade de informações do VTI e das exportações por
microrregião, tomamos os dados da PIA e da Secex, por UF, como indicadores
da distribuição da produção industrial e das exportações por estados, informações
importantes no quadro da organização federativa do país.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
230
|
Como se pode observar pela tabela 1, a participação dos estados de Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul no VTI do Brasil,
embora relevante, vem caindo paulatinamente ao longo do século XXI, diminuindo
de 76% em 2000 para 70% em 2017. Isso ocorre, no entanto, mais pelos efeitos
da queda relativa da RM de São Paulo do que do restante da região analisada.
Do ponto de vista macroespacial, o resultado indica o crescimento de outras
regiões do país, o que será objetivo de análise nos próximos itens deste trabalho.
Quando se analisam, no entanto, as características da estrutura industrial, observa-se
que a indústria tecnologicamente mais sosticada e com maior capacidade de
integração, e diversicação, continua concentrada na RM de São Paulo.
TABELA 1
Brasil: participação no VTI (2000, 2010 e 2017)
(Em %)
UF 2000 2010 2017
Norte 4,22 4,94 4,95
Amazonas 3,24 3,83 3,52
Nordeste 8,54 9,50 10,51
Ceará 1,38 1,43 1,69
Pernambuco 1,21 1,66 2,31
Bahia 4,03 4,44 4,17
Sudeste 65,66 60,10 55,90
Minas Gerais 8,85 10,10 9,83
Espírito Santo 1,66 1,27 1,39
Rio de Janeiro 7,91 7,95 7,22
São Paulo 47,24 40,78 37,46
Sul 19,39 20,70 22,47
Paraná 6,15 7,73 8,33
Santa Catarina 4,57 5,29 6,28
Rio Grande do Sul 8,67 7,68 7,86
Centro-Oeste 2,21 4,77 6,17
Goiás 1,07 2,34 2,91
Fonte: PIA.
Elaboração dos autores.
Obs.: Preços correntes.
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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231
Embora o Brasil exporte apenas 13% de sua produção industrial, a parti-
cipação dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul foi reduzida de 76% para 69% ao longo do século XXI, indicando
mudanças especiais nas exportações industriais. Quando se analisa, porém, a
estrutura das exportações, observa-se que os bens de maior agregação de valor se
originam nesses estados. O peso de estados como Pará, Maranhão, Pernambuco,
Espírito Santo e Bahia são de exportação de bens de baixa complexidade, com
predominância de matérias-primas semielaboradas ou de produtos de baixa sos-
ticação tecnológica (alumina, celulose, ferro bruto, madeira etc.).
Apesar disso, em seu conjunto o Brasil é exportador de bens industriais
de baixo valor agregado, indicando nossa defasagem em relação à dinâmica da
economia mundial, fato de alta preocupação, especialmente à luz do processo de
desindustrialização pelo qual vem passando o país.
TABELA 2
Participação nas exportações de produtos industrializados (2000, 2010 e 2018)
(Em %)
UF 2000 2010 2018
Norte 5,48 4,44 4,18
Pará 3,38 3,28 3,10
Nordeste 8,03 10,57 10,63
Maranhão 1,65 0,92 2,20
Bahia 4,05 6,66 5,65
Sudeste 63,53 63,12 61,19
Minas Gerais 9,59 11,36 10,11
Espírito Santo 4,45 3,66 4,40
Rio de Janeiro 3,58 4,21 7,55
São Paulo 45,91 43,88 39,13
Sul 22,09 19,47 20,01
Centro-Oeste 0,88 2,40 3,98
Mato Grosso do Sul 0,12 0,93 1,70
Goiás 0,35 0,76 1,65
Brasil139.965,2 105.415,6 113.480,7
Fonte: Comex Stat/Ministério da Economia.
Elaboração dos autores.
Nota: 1 Valor total das exportações em US$ milhões – FOB.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
232
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3.2.4 O crescimento industrial nordestino
O crescimento industrial do Nordeste do Brasil, foco prioritário da política regional
desde a década de 1950, foi também signicativo no século XXI. Além do cresci-
mento das AIRs já existentes, foram criadas mais onze entre 2000 e 2018.
Os aspectos determinantes desse crescimento foram de duas naturezas: a
primeira, pela combinação dos projetos atraídos pelo menor custo do trabalho
na região, reforçados pelo aumento da demanda de bens de consumo corrente,
especialmente pelos efeitos das políticas sociais horizontais. Esses projetos se bene-
ciaram também do sistema de incentivos scais introduzidos desde o início da
década de 1960, com a criação da Sudene.
Inicialmente foram transferidas unidades industriais antes localizadas nos
estados do Sul e Sudeste ou criadas novas unidades pelas empresas dessas regiões
nos estados nordestinos, especialmente nos setores têxtil, confecções e calçados,
alimentos etc., sendo parte da produção voltada para o mercado nacional. Em
seguida houve expansão ou instalação de novas atividades pelos empresários locais,
especialmente pela expansão da demanda regional decorrente das políticas hori-
zontais de distribuição de renda e benefícios sociais.
A segunda, pelos grandes projetos induzidos pelos incentivos scais combinados
com decisões políticas que levaram à instalação de grandes projetos estruturantes
na região, como as fábricas da Ford, em Salvador (Bahia) e da Fiat em Goiana
(Pernambuco), a renaria da Abreu e Lima (Pernambuco), a petroquímica e o
estaleiro Atlântico Sul, em Suape (Pernambuco), a siderurgia no Pecém (Ceará),
além de outros de menor escala.
Graças a essas políticas, o Nordeste ampliou seu emprego industrial no total
de 578 mil em 2000 para 903 mil em 2018, com crescimento de 56%, maior que
a média brasileira, que foi de 40%. No conjunto, as AIRs ampliaram seu emprego
de 366 mil para 632 mil, ou seja, 72%, contra 47% para a média brasileira. Com
relação ao VTI, a participação dos nove estados que compõem a região Nordeste
subiu de 8,5% para 10,5% do total nacional. Elevou também a sua participação
nas exportações de bens industrializados de 8% para 10,6% no total nacional no
mesmo período, embora em produtos de menor valor agregado.
A conclusão é que, embora ainda aquém das necessidades de uma melhor
distribuição das atividades econômicas no território brasileiro, especialmente em
relação à região mais pobre e de ocupação antiga, o crescimento industrial vem
sendo importante para o desenvolvimento do Nordeste.
Há, no entanto, grande preocupação sobre a viabilidade e maturação desses
projetos, pelos efeitos da crise econômica e das mudanças na orientação política
do governo federal. Os casos mais graves são os dos projetos vinculados à Petrobras,
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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233
em Pernambuco, a saber: Estaleiro Atlântico Sul, Renaria Abreu e Lima e
polo petroquímico.
Observe-se que os resultados antes apontados decorreram mais de políticas
sociais horizontais e de decisões políticas ad hoc do que da política regional pro-
priamente dita. Nesse sentido, a política regional para o Nordeste e para outras
regiões estagnadas ou de baixo dinamismo no Brasil deveria combinar duas
dimensões fundamentais: i) manutenção e ampliação das políticas horizontais de
distribuição de renda; e ii) a reorientação das políticas de incentivos para projetos
com capacidade de induzir efeitos estruturantes, com capacidade de integração e
diversicação. Supostamente, o conjunto de grandes projetos em atividades diver-
sicadas decididos para a região teriam capacidade motriz, para usar a expressão de
Perroux (1969), e, portanto, com potencial para induzir uma relativa integração
e diversicação industrial.
3.2.5 Enclaves exportadores e pequenas aglomerações industriais dispersas
Nas regiões de ocupação recente e com fronteira agropecuária dinâmica, de
exploração de recursos orestais ou minerais, algumas microrregiões têm recebido
unidades industriais de pequeno e médio porte. Consideradas as extensas dimensões
geográcas de muitas dessas microrregiões, as atividades, no entanto, às vezes
estão dispersas em municípios distantes, não criando integração produtiva.
Enquadra-se nesse caso estados como Rondônia, com quatro unidades; Pará, com
três; Mato Grosso, com duas; Mato Grosso do Sul, com duas; e Goiás, com cinco.
Essas atividades têm duas características distintas. Em alguns casos, estão espa-
lhadas e em atividades agroindustriais (frigorícos, beneciamento de cereais),
exploração orestal (madeireiras). São, em geral, enclaves exportadores para
o exterior ou para outras regiões do país, sem capacidade de criarem expansão
industrial diversicada e em maior escala, como ilustra o célebre debate sobre
o papel da base exportadora no desenvolvimento industrial (Friedman e Alonso,
1969). No entanto, elas são importantes para as respectivas regiões, pelo seu impacto
econômico e social,para um melhor aproveitamento dos recursos, pela geração de
renda, embora como menor impacto sobre a ocupação.
Existe ainda grande número de microrregiões, em estados com ocupação
populacional dispersa e baixo nível de desenvolvimento, com ocupação industrial
entre 5 mil e 10 mil pessoas em atividades voltadas para atender aos mercados locais,
a exemplo de alimentos, bebidas, confecções, móveis, material de construção, ocinas
de reparação e manutenção etc. Têm, em geral, pequena integração com as estrutu-
ras industriais de outras regiões. Essas pequenas aglomerações industriais dispersas
estão, predominantemente, no leste, nordeste e norte de Minas Gerais, no vasto
interior do nordeste e na metade sul do Rio Grande do Sul.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
234
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Nesse sentido, enquanto nos estados mais industrializados as AIRs parti-
cipam com mais de 95% do emprego total, naqueles menos industrializados e
integrados industrialmente essa participação cai para uma média de 30%.
A expansão da fronteira agrícola atraiu a localização de atividades indus-
triais, como produtoras de insumos, processadoras de bens primários ou mesmo
voltadas para o consumo regional. Esse movimento trouxe consigo a construção
de novas centralidades, com dinamismo propício à atração de indústrias com
maior integração produtiva. Assim, uma política regional deve considerar a impor-
tância dessas novas atividades, o que se mostra fundamental no enfrentamento
das desigualdades regionais do país (Kaldor, 1966).
3.2.6 Integração das AIRs próximas: adensamentos ou corredores industriais
Levando-se em conta a relevância da escala das 149 AIRs existentes em 2018,
47 possuíam mais de 30 mil empregos cada, das quais 41 estavam dentro do
chamado polígono estendido (mapa 2). Considerada a estrutura produtiva e a
proximidade geográca entre muitas dessas áreas, adensamentos, corredores ou
outras formas de integração regional foram se formando, de modo que atual-
mente chegam a participar com elevada parcela da produção industrial do país,
conrmando uma característica mundial de que a indústria não se distribui de
maneira uniforme no território – porém também não com o nível de desigualdade
macroespacial existente no Brasil. Essa é a razão pela qual deve o Estado, por
meio de suas políticas, atuar para reduzir as desigualdades, como comprovam as
diferentes políticas mundiais contemporâneas de desenvolvimento regional, com
destaque para o conjunto de estudos sobre coesão territorial na União Europeia
publicados em número especial da Regional Studies (v. 54 de 2020). e as políticas
de desconcentração territorial da China (Dunford e Liu, 2015).
Destaca-se o grande adensamento que vem sendo feito no estado de São
Paulo, combinando a desconcentração de sua área metropolitana e a formação de
um grande colar próximo a ela, a chamada área metropolitana estendida (Diniz
e Diniz, 2004) ou Macrometrópole Paulista (Proença e Santos Junior, 2019).
A esse adensamento deve-se acrescentar a extensão no sentido do noroeste paulista,
acompanhando os eixos rodoviários Bandeirantes e Anhanguera e suas ligações
transversais, na grande faixa entre as cidades de São Paulo e Ribeirão Preto, incluídas
Jundiaí, Campinas, Americana, Limeira, Piracicaba, Rio Claro, Araraquara, São
Carlos, além de outras de menor escala. Para o oeste paulista, acompanhando a
rodovia Castelo Branco, no sentido de Sorocaba e daí para Botucatu e Bauru.
No sentido nordeste, de São José dos Campos para Taubaté e daí para o Vale do
Paraíba uminense, onde estão sendo instaladas unidades automotivas (Resende
e Porto Real). Por m, a ligação entre o ABC Paulista e a região industrial de
Cubatão e o porto de Santos, pela rodovia Anchieta, com extensão de apenas
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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60 km, mas com a mancha industrial segmentada pela serra do mar. Na faixa
nordeste-oeste do estado, a integração está sendo fortalecida pelo vetor perimetral
Sorocaba-Campinas-São José dos Campos-Porto de São Sebastião.
Embora esteja perdendo competitividade, a participação relativa de São Paulo
na produção industrial do país ocorre em sua área metropolitana e não no restante
do estado. No conjunto, o estado ainda detém 40% da participação nacional.
No estado do Paraná, além da dimensão industrial no entorno de Curitiba,
forma-se um eixo industrial entre Londrina e Maringá, passando por Arapongas
e Apucarana, com mais de 100 mil empregos industriais. Em Santa Catarina, há
a grande faixa litorânea entre Joinville e Florianópolis, interligadas pela BR-101,
incluídas as áreas industriais de Jaraguá do Sul, Itajaí, Blumenau, com mais de
300 mil empregos industriais. No Rio Grande do Sul, tem o eixo Porto Alegre-Caxias
do Sul, pela BR-116, com bifurcações para Gramado, Canela e outras áreas próximas,
com mais de 350 mil empregos industriais.
Ainda dentro do polígono estendido, as áreas industriais de Goiânia e Anápolis
têm potencial de se integrarem, pela sua proximidade e diversidade. Goiânia e
Anápolis possuem dinâmica e potencial destacados, com estrutura diversicada em
Goiânia e polo farmacêutico em Anápolis, cidade que possui ainda potencial rela-
cionado com o Porto Seco, com o aeroporto de carga e a base militar. Discute-se a
viabilidade de implantação da montagem do Gripen naquela cidade, o que depende
de decisões políticas. Há que se considerar, no entanto, que a expansão industrial
no estado de Goiás gozou de incentivos federais por meio da Sudeco, bem como de
incentivos e outras facilidades proporcionados pelo governo do Estado.
MAPA 2
Distribuição espacial das AIRs com mais de 30 mil empregos industriais (2018)
Fonte: Rais.
Elaboração dos autores.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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Em Minas Gerais, além do aglomerado da RM de Belo Horizonte, das mi-
crorregiões de Divinópolis e Uberlândia, está se formando um pequeno eixo entre
Pouso Alegre e Itajubá, passando por Santa Rita do Sapucaí. Apesar de nenhuma
microrregião apresentar individualmente mais de 30 mil empregos industriais, esse
adensamento se destaca pela relevância de sua integração e pela complexidade setorial.
As outras seis AIRs, com mais de 30 mil empregos industriais cada, têm dis-
tribuição dispersa (Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Vitória e Rio de Janeiro).
Entre essas seis, três têm potencial para ampliarem suas integrações. No Ceará,
a ligação entre as AIRs de Pacajus e o Porto do Pecém, passando por Fortaleza.
O distrito de Pecém foi transformado em Zona Econômica Especial, gozando,
portanto, de incentivos extras, o que tem atraído projetos industriais para a
região. Em Pernambuco, o eixo Goiana (Fiat) a Suape (estaleiro e petroquímica),
passando por Recife.7 A aglomeração industrial de Salvador possui escala, inclusive
com a presença do polo petroquímico e da montadora Ford, além de uma relativa
proximidade com Feira de Santana, que é um polo industrial bastante diversicado.
No entanto, a recente decisão da Ford em encerrar suas atividades no Brasil
poderá ter impacto negativo para a região de Salvador.
A conclusão é de que as grandes aglomerações industriais que se expandiram
no Nordeste do país só foram viabilizadas através das políticas regionais e do sis-
tema de incentivos scais. A continuidade deste movimento, que seria benéco à
melhor distribuição da atividade produtiva no território nacional, especialmente
para a região mais pobre depende da manutenção e aprimoramento do sistema
de incentivos scais e de sua readequação em prol da eleição de prioridades com
capacidade de integração e diversicação.
As outras três grandes aglomerações encontram-se relativamente isoladas.
Manaus foi criada por meio de um efetivo e amplo sistema de incentivos scais
proporcionados à Zona Franca de Manaus. A região, além de geogracamente
isolada, não criou capacidade endógena de pesquisa e progresso técnico, sendo
dependente da importação de componentes. Do projeto original, de uma zona de
processamento de exportações (ZPE), se transformou em uma zona de processamento
de importações (ZPI), como destacado por Diniz e Santos (1999). A aglomeração
industrial de Vitória funciona como localização isolada, viabilizada pelo Porto de
Tubarão, mas com pouca integração produtiva e inter-regional. A aglomeração do
Rio de Janeiro está estagnada e em decadência há anos, como indicam a redução
do seu peso relativo tanto no emprego como no VTI.
7. A expansão industrial do estado de Pernambuco, que trouxe incentivos fiscais para o Nordeste, foi mobilizada por meio
de decisões políticas do governo federal. Essa expansão, no entanto, está sujeita aos riscos das mudanças de orientação
política e econômica do governo federal, o que poderá comprometer os importantes projetos estruturantes implantados,
a maioria vinculados à Petrobras.
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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TABELA 3
Adensamento de AIRs (2000, 2010 e 2018)
UF Microrregiões 2000 2010 2018
Ceará Fortaleza, Pacajus e Baixo Curu 99.210 166.108 155.929
Pernambuco Goiana, Itamaracá, Recife e Suape 85.312 126.471 130.298
Minas Gerais Pouso Alegre, Santa Rita do Sapucaí e Itajubá 26.311 51.193 51.282
São Paulo Adensamento de dezesseis microrregiões (300 km de extensão) 1.388.637 1.869.402 1.643.229
Paraná Maringá, Apucarana e Londrina 72.455 124.829 114.547
Santa Catarina Joinville, Blumenau, Itajaí, Tijucas e Florianópolis 190.224 328.957 322.157
Rio Grande do Sul Caxias do Sul, Montenegro, Gramado-Canela e Porto Alegre 342.012 451.728 395.584
Fonte: Rais.
A análise aqui desenvolvida demonstra que o núcleo de maior dimensão e
integração industrial continua localizado na chamada área do polígono industrial
e de seu alargamento. As demais AIRs de maior magnitude foram viabilizadas
pelo sistema de incentivos scais e por decisões políticas, especialmente no Nordeste
do país, embora o menor custo relativo, especialmente do trabalho, e as políticas
sociais de distribuição de renda também tenham contribuído.
4 SÍNTESE DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL RECENTE
Após várias décadas de política regional explícita, com altos e baixos e resultados
não desprezíveis, a partir do início do século XXI a questão regional ganhou novos
contornos por causa dos efeitos indiretos das políticas de renda e pela combinação
do sistema de incentivos scais com decisões políticas na alocação de novas plantas
industriais, especialmente para o litoral uminense e para o Nordeste. A nosso
ver, do ponto de vista regional, o crescimento industrial pode ser sinteticamente
caracterizado da forma como exposto a seguir.
• A consolidação e expansão do polígono industrial antes caraterizado por
Diniz (1993) e seu alargamento: no oeste dos estados de Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Minas Gerais, sudeste de Mato Grosso do Sul e sudoeste de
Goiás, acompanhando o crescimento agropecuário dessas regiões. A esse
alargamento deve-se acrescentar o eixo Catalão-Goiânia-Anápolis e o sul
uminense, com crescimento industrial e diversicação produtiva.
Formou-se um novo polígono industrial cujos vértices podem ser aproxi-
madamente tomados como Belo Horizonte, Anápolis, Rio Verde, Campo
Grande, Foz do Iguaçu, Santa Cruz do Sul, Porto Alegre, Florianópolis,
Resende, Belo Horizonte. Nele estão incluídas a totalidade dos estados de
São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Goiás, parte das
AIRs de Minas Gerais e Rio Grande do Sul e uma AIR no sul do Rio de
Janeiro. Nessa área estão as atividades tecnologicamente mais avançadas,
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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com maior integração produtiva e aproximadamente três quartos do valor
da transformação industrial e do emprego da indústria de transformação
do país.
• A expansão industrial na região Nordeste do país, onde, além do
crescimento das AIRs já existentes, foram criadas onze novas, com
diversicação e potencial de integração produtiva. Associado às políticas
de incentivos anteriormente estabelecidas, os menores custos também
atraíram indústrias que antes estavam instaladas nos estados do Sudeste
e Sul, com transferência ou criação de novas plantas, as quais foram
transferidas para o Nordeste, ou implantadas novas plantas nessa região.
Em segundo lugar, a expansão das políticas horizontais de transferência
de renda (o aumento do salário mínimo real, o programa Bolsa
Família, o Benefício de Prestação Continuada, a merenda escolar),
que ampliaram o poder de compra dos grupos de menor renda, com
grande efeito de demanda e estímulo aos investimentos produtivos,
o que beneciou as regiões menos desenvolvidas. Em terceiro lugar
os efeitos dos grandes investimentos em infraestrutura física e social
(estradas, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidroelétricas, solar e
eólica, o programa Mais Médicos, criação de novas universidades
e novos campi da rede de universidades e institutos tecnológicos
federais, entre outros) também beneciaram a região. Em quarto lugar,
o pacote de projetos industriais implementados por decisões políticas
do governo federal, como montadoras automotivas, estaleiros, renarias
e petroquímicas. Destacam-se as unidades automotivas de Salvador e
de Goiana (Pernambuco), o estaleiro naval Atlântico Sul em Ipojuca
(Pernambuco), a Renaria Abreu e Lima e petroquímica próximas a
Suape (Pernambuco) e a Companhia Siderúrgica do Pecém (Ceará).
Essas ações vêm criando impactos diferenciados sobre o território. Elas
exigem, no entanto, maior prazo de maturação e correm riscos pelas
mudanças de orientação política do governo federal.
• Estaleiros navais no litoral uminense, o Comperj e o Complexo
Portuário-Industrial do Açu. Todos esses projetos teriam grande impacto
sobre o crescimento industrial do estado do Rio de Janeiro, o qual
vem em um processo histórico de perda de dinamismo e participação.
Ressalte-se que a periferia da cidade do Rio de Janeiro, a denominada
Baixada Fluminense, e o restante do estado encontram-se estagnados.
• Atividades industriais dispersas no território nacional, com duas carac-
terísticas distintas: enclaves exportadores em atividades agroindustriais
(frigorícos, beneciamento de cereais, insumos) em pontos nodais
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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239
da grande fronteira agropecuária distante, especialmente Mato Grosso,
Rondônia e Pará; e atividades industriais dispersas, produtoras de bens
de consumo generalizado (alimentos, bebidas, confecções), insumos de
demanda local, como cerâmicas e outros materiais de construção, o-
cinas e artesanatos mecânicos etc., em regiões de ocupação dispersa e
baixo nível de desenvolvimento, como são o norte e nordeste de Minas
Gerais, o estado do Espírito Santo, a metade sul do Rio Grande do Sul e o
interior do Nordeste, especialmente no estado da Bahia.
Em visão mais abrangente, mas compatível com a análise aqui desenvolvida,
Brandão (2019a) caracteriza o desenvolvimento regional brasileiro em cinco tipo-
logias de territórios, segundo a natureza dos investimentos: i) estimulados pela
demanda de commodities; ii) orientados pela infraestrutura; iii) atraídos pela força
inercial da concentração; iv) investimentos industriais isolados como enclaves; e
v) investimentos induzidos pelas políticas sociais.
Em síntese, embora tenham surgido e se expandido várias AIRs em outas partes
do país, o núcleo mais consolidado da indústria brasileira continua concentrado
na chamada região Centro-Sul do país, conrmando a intepretação anterior de
que a perda de participação da RM de São Paulo não conduziu a uma mudança
macroespacial mas sim a um fortalecimento da macrorregião que vai do centro de
Minas Gerais ao nordeste do Rio Grande do Sul e de seu alargamento para Mato
Grosso do Sul, Goiás e sul do estado do Rio de Janeiro.
Houve, no entanto, vários grandes projetos industriais localizados no litoral
do estado do Rio de Janeiro e no Nordeste do país, com capacidade estruturante,
que poderiam alterar o desenvolvimento regional da indústria brasileira. Esses
empreendimentos exigem, no entanto, a manutenção dos incentivos e das decisões
governamentais e orientação das políticas macroeconômicas do governo federal.
5 DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS REGIONAIS E INDUSTRIAIS NO BRASIL
5.1 Compatibilização entre Estado, governo, mercado, sociedade
Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que não é possível um sistema
de planejamento e atuação compreensiva, que abarque todas as dimensões dos
sistemas econômicos, políticos e sociais. Essa tentativa fracassou em todos as
experiências que a implementaram. Estamos em uma economia mercantil e de
mercado, em que os agentes privados (empresas, pessoas, organizações civis) têm
certa autonomia de decisões e entendimentos e vontades diferenciadas. O governo
também tem contradições, seja pelas diversas visões políticas dos diferentes grupos
políticos que assumem a gestão em cada mandato, seja pelas próprias contradições
entre os governos das várias instâncias federativas, e seus respectivos partidos e
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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agrupamentos políticos, seja pela capacidade de inuência dos diferentes agentes
privados (empresas, pessoas, organizações etc.). Daí o papel central do Estado –
Estado como arranjo jurídico-institucional, baseado em normas e princípios estáveis
e rigidamente regulado por sua constitucionalidade e as respectivas leis e normas.
Portanto, o Estado deve estar acima dos interesses privados e das peculia-
ridades governamentais para que tenha capacidade de mediar os conitos entre
mercado, governo e sociedade civil, de forma a se estabelecer objetivos, princípios
e normas para o funcionamento da sociedade. Já o mercado precisa ser monitorado e
regulado pelo governo, não podendo funcionar dentro de um ambiente liberal,
o qual só cria desigualdades. Ao Estado cabe, então, o papel central de mediar os
interesses do mercado, da sociedade e do próprio governo, para que as ações públicas,
privadas ou individuais possam compatibilizar os interesses econômicos, guiados
pelo mercado, com os interesses sociais e políticos básicos. Desse modo, é o Estado
o legítimo representante e coordenador das diretrizes e prioridades para o atendi-
mento das necessidades fundamentais da sociedade.
O Estado não é um ente abstrato. Sua estrutura e forma de ação resultam
da conguração histórica e dos valores culturais que o fundamentam e das forças
e conitos de interesses dos diferentes agentes que o compõem. Nesse sentido, é
fundamental que tenha poder, capacidade e legitimidade para arbitrar conitos
e denir prioridades, o que só é possível mediante um legítimo sistema democrático.
Para que o Estado cumpra seu papel é preciso o sustento de um competente,
eciente e dinâmico sistema de planejamento. Como os sistemas econômico, polí-
tico e social funcionam dentro de um ambiente de expectativas e incertezas, não
é possível uma previsão clara do futuro e dos desaos e mudanças que podem
surgir, situações muitas vezes não conhecidas, imprevistas ou acidentais. Por isso,
é essencial que os objetivos, as expectativas e as formas de atuação do Estado estejam
sempre bem ajustadas. As metas devem ser permanentemente reavaliadas e adap-
tadas conforme a necessidade, daí também a importância do caráter dinâmico da
atuação pública e privada.
Consideradas as desigualdades regionais no desenvolvimento brasileiro e o
papel do crescimento industrial na redução dessas desigualdades, torna-se central
a rediscussão do papel das políticas regionais. Essas devem ser, no entanto, refor-
muladas e adequadas à luz das mudanças estruturais em curso, com denição clara
de objetivos e prioridades da política regional e de seu ajustamento temporário.
5.2 Desindustrialização e desafios tecnológicos
O primeiro grande desao está relacionado com a urgente necessidade de se
retomar uma efetiva política de reindustrialização do país, após o forte retrocesso
ocorrido desde a década de 1980 e acelerado nas últimas décadas. Nesse período,
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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241
a participação da indústria manufatureira no PIB caiu de 23% para menos de
10%.8 A partir de 2014, o agravamento da crise econômica brasileira aprofundou
a crise do setor industrial. No atual contexto, ela está sendo drasticamente afetada
pela pandemia, cujos resultados são desconhecidos e de difícil previsão.
Apesar de tudo isso, embora perca peso relativo na geração da renda e da
ocupação, a indústria manufatureira continua sendo coração e cérebro da economia,
pois dependem dela os elementos centrais na competição e no ganho de eciência,
inclusive para a maioria das demais atividades econômicas, políticas e sociais. Por
sua vez, as mudanças estruturais da economia ampliam a integração do conjunto
das atividades produtoras de bens (agropecuária, extrativa mineral, manufatura),
com os servidos, parte dos quais imbricados na própria produção de bens. Especial-
mente com as mudanças tecnológicas e organizacionais dos processos produtivos
e comerciais, com a generalizada inuência das tecnologias da informação e comu-
nicação e suas articulações com a engenharia de precisão e seus desdobramentos em
termos de automação e robotização generalizadas, sem avaliar as consequências da
inteligência articial.
Nesse sentido, o arcabouço teórico, empírico e analítico para se analisar a
dinâmica econômica, suas articulações e implicações encontra-se diante de um
grande desao para as diferentes dimensões da vida econômica, política e social.
Por sua vez, o desenvolvimento industrial está cada vez mais articulado e
dependente do desenvolvimento cientíco e tecnológico. No caso do Brasil, essa
situação se agrava diante da grande corrida cientíca e tecnológica mundial e da
pequena ênfase das políticas públicas e do empenho empresarial para enfrentar
esse desao. Isto porque a política industrial está fortemente vinculada à base
cientíca e tecnológica como suporte e instrumento para o ganho de eciência e
a capacidade de competição.
5.3 Temas para uma política industrial regionalizada
Além dos temas centrais antes indicados, a montagem de uma política industrial
regionalizada e com visão de médio e longo prazo exige um conjunto de ações,
entre as quais, cabe destacar as que se seguem.
• Reajuste do sistema tributário, com eliminação da guerra scal.
• Nova regionalização do país para efeitos de planejamento e políticas
8. A título de comparação, em 2018, a indústria manufatureira da Coreia do Sul e a da China participavam com 29%
dos respectivos PIBs; a Alemanha, com 23%; o Japão, com 20%. A participação brasileira nas exportações mundiais
caiu de 0,8% para 0,6%; a demanda interna cresceu 60% e a produção, apenas 34%. Como consequência, as
importações de manufaturados subiram de 14% para 27% da demanda, com destaque para os bens tecnologicamente
mais sofisticados, incluídos insumos industriais (Cano, 2014; Morceiro, 2018; Sarti e Hiratuka, 2017). Destaca-se o
aniquilamento da indústria de bens de produção, central para qualquer processo de industrialização com um mínimo
de autonomia.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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regionais, com escalas operacionais diferenciadas, segundo as caracterís-
ticas territoriais, sua história ocupacional, características naturais, estrutura
produtiva, suporte de infraestrutura e articulação urbana como centra-
lidade. Para as regiões densamente ocupadas e industrializadas, como
o macropolo paulista e as grandes áreas metropolitanas, talvez se exija
uma escala intermediária, possivelmente sendo a mais adequada a das
mesorregiões. Para os grandes espaços brasileiros, com ocupação rarefeita,
a exemplo da região amazônica e do Centro-Oeste, talvez a regionalização
tenha que descer à escala municipal ou da própria cidade. Para as áreas
de ocupação e densidade intermediária, a regionalização mais adequada
talvez seja a das microrregiões geográcas.
• Sistema de nanciamento com prioridades explícitas.
• Orientação da política de ciência e tecnologia que articule o sistema
produtivo e empresarial (público e privado) com as instituições de
pesquisa e com as instituições de fomento.
• Urgente e enfática retomada dos projetos, antes prioritários, que se
encontram paralisados, em especial os estaleiros e as petroquímicas no
litoral do Rio de Janeiro e no Nordeste.
• Estabelecimento de critérios de prioridade para empreendimentos com
capacidade de integração e diversicação industrial.
• Compatibilização das políticas de desenvolvimento regional com as
políticas de infraestrutura, especialmente do sistema de transporte
com compatibilidade multimodal (rodoviário, ferroviário, dutoviário),
cuja malha é rígida no espaço, com altos custos de investimento e
manutenção. Compatibilização desse sistema com a infraestrutura
portuária e aeroportuária.
• Compatibilizar as políticas regionais e de infraestrutura com a visão
de um país policêntrico, com vistas a atenuar a megaconcentração
metropolitana e distribuir melhor a população no território, preservadas
as áreas de proteção, especialmente a Amazônia não antropizada.
• Seleção de centralidades urbanas que facilitem a integração com os
demais países da América do Sul como condicionante para a integração
econômica, política e social da região.
Por m, é fundamental a articulação dessas políticas com a política macro e
com os objetivos e diretrizes gerais para o desenvolvimento do país e para a cons-
tituição de um projeto de nação.
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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243
Nesse sentido, há na literatura várias contribuições com o objetivo de encon-
trar uma melhor reformulação e adequação da política regional brasileira. Pode-se
destacar: i) Monteiro Neto (2014), coletânea em que se discutem diversos aspectos
do federalismo brasileiro no que se refere à atuação dos diferentes entes federativos
(União, estados e municípios) e seus efeitos sobre o desenvolvimento regional
(autonomia scal, dívidas estaduais, guerra scal, parâmetros da Constituição
de 1988, natureza multiescalar de atuação e desenvolvimento); ii) o capítulo
Desenvolvimento territorial e crescimento inclusivo: avaliação de políticas e propostas de
aperfeiçoamento (Ipea, 2018, p. 45-56); iii) Negreiros e Monteiro Neto (2019),
com o diagnóstico e a agenda de trabalho sobre a questão regional; e iv) Brandão
(2019b), com a análise dos elos faltantes das análises regionais e com uma proposta
de agenda para o tema.
Observa-se que esses trabalhos vêm sendo elaborados na esfera das instituições
públicas de planejamento, preocupadas com o melhor entendimento das tendências
regionais da economia brasileira e com a reformulação das referidas políticas regionais,
mas também sustentados na comunidade acadêmica que trabalha sobre o tema.
Existe, portanto, preparação analítica, aparato institucional de análise, equipes
qualicadas e diagnósticos elaborados. Faltam, no etanto, o encaminhamento polí-
tico pelas instâncias superiores do Executivo federal à submissão das instâncias
parlamentares, para discussão, adequação e aprovação. A partir daí, a montagem
do sistema operacional, de monitoramento e acompanhamento.
Essas são as razões fundamentais que justicaram a proposta de reorientação
da política de desenvolvimento territorial do país, com a urgente necessidade de
política que induza uma melhor distribuição da rede urbana e de negócios, na
busca, ainda que tardia, da construção de um país policêntrico (Brasil, 2008).
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PERROUX, F. A economia do século XXI. Lisboa: Livraria Morais, 1969.
PROENÇA, A. D. A.; SANTOS JUNIOR, W. R. dos. Reestruturação produtiva
e consolidação de novos eixos de desenvolvimento territorial: o caso do vetor de
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de Estudos Urbanos e Regionais, v. 21, n. 2, p. 312-328, maio/ago. 2019.
SABOIA, J. Desconcentração industrial no Brasil na década de 1990: um processo
dinâmico e diferenciado regionalmente. Nova Economia, v. 11, n. 2, p. 85-121, 2001.
______. Continuidade do processo de desconcentração regional da indústria
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SARTI, F.; HIRATUKA, C. Desempenho recente da indústria brasileira no
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SILVA, S. Expansão cafeeira e as origens da indústria no Brasil. São Paulo:
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Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
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247
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STORPER, M. Economic development and the regional question in the third
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debate. Brasília: Ipea, 2014.
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v. 36, n. 129, p. 99-115, 2015.
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Brasília: Ipea, 2019. (Texto para Discussão, n. 2511).
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2000-2011: abordagens e indicadores. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
248
|
ANEXO
TABELA A.1
Evolução das aglomerações industriais relevantes (AIRs) com mais de 10 mil empregos
industriais (2000, 2010, 2015 e 2018)
Código Microrregião
Empregos
industriais
em 2000
(n. abs.)
Crescimento
2000-2010
(%)
Empregos
industriais
em 2010
(n. abs.)
Crescimento
2010-2015
(%)
Empregos
industriais
em 2015
(n. abs.)
Crescimento
2015-2018
(%)
Empregos
industriais
em 2018
(n. abs.)
13007 Manaus 49.230 119,8 108.206 -8,8 98.732 -11,8 87.036
15007 Belém 23.327 27,8 29.820 -1,3 29.447 -8,5 26.935
15017 Paragominas 10.695 -18,1 8.755 -20,5 6.958 -17,7 5.727
21002 São Luís 7.393 64,9 12.192 -5,0 11.579 -5,7 10.915
22003 Teresina 13.087 51,4 19.810 -0,4 19.729 -1,3 19.465
23005 Sobral 11.310 101,4 22.773 -12,4 19.943 -6,8 18.588
23016 Fortaleza 93.261 54,4 144.034 -4,9 137.022 -11,3 121.590
23017 Pacajus 5.651 243,4 19.406 -25,0 14.554 -3,0 14.123
23032 Cariri 9.643 88,0 18.132 -5,5 17.142 -18,8 13.918
24017 Macaíba 8.717 22,1 10.643 -4,8 10.137 -22,8 7.825
24018 Natal 18.709 84,5 34.526 -31,0 23.809 -6,0 22.389
25017 Campina Grande 11.163 78,6 19.938 -1,7 19.603 -6,9 18.254
25022 João Pessoa 22.918 39,1 31.877 2,0 32.516 -15,0 27.647
26008 Vale do Ipojuca 8.811 136,8 20.865 6,9 22.312 0,5 22.419
26013 Goiana 17.101 57,0 26.845 5,6 28.339 3,1 29.230
26014 Vitória de
Santo Antão 1.803 299,6 7.204 39,1 10.024 6,5 10.671
26015 Escada 19.971 46,5 29.250 -40,2 17.503 -9,1 15.905
26016 Itamaracá 7.078 64,0 11.611 3,8 12.049 1,9 12.280
26017 Recife 53.110 28,6 68.276 -3,5 65.865 -14,2 56.483
26018 Suape 8.023 146,0 19.739 21,8 24.045 -26,1 17.781
27009 Mata Alagoana 10.106 133,1 23.560 -43,6 13.293 -22,4 10.319
27011 Maceió 19.589 42,7 27.945 -0,3 27.851 -13,9 23.982
27012 São Miguel
dos Campos 19.816 66,1 32.905 -38,5 20.247 -15,9 17.021
28011 Aracaju 9.679 49,8 14.499 13,4 16.448 -8,4 15.064
29012 Feira de Santana 11.365 143,6 27.684 3,7 28.708 3,0 29.556
29020 Santo Antônio
de Jesus 2.895 280,3 11.010 -7,9 10.141 -10,7 9.053
29021 Salvador 44.890 75,4 78.747 0,8 79.404 -9,5 71.882
29028 Vitória
da Conquista 3.189 184,4 9.069 5,7 9.588 15,2 11.050
29029 Itapetinga 4.870 299,4 19.450 -59,2 7.935 3,8 8.234
(Continua)
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
|
249
(Continuação)
Código Microrregião
Empregos
industriais
em 2000
(n. abs.)
Crescimento
2000-2010
(%)
Empregos
industriais
em 2010
(n. abs.)
Crescimento
2010-2015
(%)
Empregos
industriais
em 2015
(n. abs.)
Crescimento
2015-2018
(%)
Empregos
industriais
em 2018
(n. abs.)
29031 Ilhéus-Itabuna 7.695 68,9 12.994 -15,6 10.973 -3,4 10.602
29032 Porto Seguro 4.879 76,2 8.598 14,9 9.875 7,2 10.582
31007 Montes Claros 9.783 5,5 10.325 25,6 12.968 -3,7 12.487
31018 Uberlândia 19.642 69,8 33.354 -13,1 28.972 7,0 31.008
31021 Frutal 3.122 158,0 8.055 39,2 11.213 -4,0 10.759
31022 Uberaba 10.954 73,2 18.967 13,5 21.534 -8,9 19.621
31027 Sete Lagoas 15.508 63,7 25.386 -3,6 24.472 -0,6 24.325
31030 Belo Horizonte 143.672 52,1 218.489 -13,3 189.337 -10,2 170.110
31039 Ipatinga 21.794 70,4 37.133 -36,7 23.514 3,2 24.268
31043 Divinópolis 30.775 79,5 55.248 -7,2 51.287 3,7 53.179
31047 Passos 5.165 104,3 10.552 -26,8 7.726 -9,0 7.033
31048 São Sebastião
do Paraíso 6.920 129,8 15.899 2,3 16.257 -0,4 16.191
31050 Varginha 11.706 75,1 20.497 0,5 20.593 -8,9 18.757
31051 Poços de Caldas 15.020 37,8 20.695 -3,0 20.082 1,6 20.399
31052 Pouso Alegre 11.826 119,3 25.938 7,3 27.829 4,9 29.196
31053 Santa Rita
do Sapucaí 4.882 117,2 10.604 9,2 11.584 -9,2 10.518
31056 Itajubá 9.603 52,6 14.651 -19,0 11.869 -7,6 10.964
31064 Ubá 14.224 102,8 28.845 -3,1 27.952 1,8 28.447
31065 Juiz de Fora 24.126 24,3 30.000 -5,3 28.404 -4,9 27.004
31066 Cataguases 7.410 42,9 10.592 -20,3 8.439 -12,3 7.402
32003 Colatina 8.072 25,1 10.098 -1,5 9.943 -2,1 9.730
32006 Linhares 8.410 110,4 17.696 14,4 20.236 -3,6 19.508
32009 Vitória 32.088 47,0 47.172 -3,7 45.441 -6,2 42.602
32012 Cachoeiro
de Itapemirim 11.092 51,6 16.815 8,7 18.279 -12,3 16.028
33004 Macaé 2.918 233,8 9.740 8,0 10.521 2,2 10.753
33005 Três Rios 5.097 66,2 8.473 20,2 10.186 -10,2 9.150
33007 Nova Friburgo 12.124 69,4 20.533 -14,6 17.538 -2,5 17.097
33011
Vale do
Paraíba Flumi-
nense
23.823 54,9 36.901 -2,9 35.826 12,5 40.298
33015 Serrana 13.984 44,5 20.202 -12,5 17.686 -14,3 15.165
33018 Rio de Janeiro 201.201 23,0 247.570 -9,2 224.890 -22,4 174.531
35003 Votuporanga 6.670 59,3 10.623 -4,8 10.117 2,5 10.374
35004 São José do
Rio Preto 25.827 97,2 50.918 -0,2 50.835 -2,7 49.448
(Continua)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
250
|
(Continuação)
Código Microrregião
Empregos
industriais
em 2000
(n. abs.)
Crescimento
2000-2010
(%)
Empregos
industriais
em 2010
(n. abs.)
Crescimento
2010-2015
(%)
Empregos
industriais
em 2015
(n. abs.)
Crescimento
2015-2018
(%)
Empregos
industriais
em 2018
(n. abs.)
35005 Catanduva 7.434 121,8 16.490 -12,5 14.424 -4,9 13.716
35010 São Joaquim
da Barra 6.959 121,4 15.409 41,6 21.824 2,6 22.392
35012 Franca 25.990 35,8 35.288 -11,4 31.263 -11,2 27.755
35013 Jaboticabal 13.834 94,2 26.869 -0,4 26.752 -5,3 25.345
35014 Ribeirão Preto 31.099 119,9 68.399 -7,6 63.222 -2,5 61.624
35016 Andradina 2.964 192,7 8.677 19,2 10.347 1,1 10.461
35017 Araçatuba 7.348 74,5 12.823 8,8 13.953 -4,1 13.378
35018 Birigui 24.808 22,6 30.423 -7,5 28.152 -10,7 25.131
35019 Lins 7.195 127,7 16.381 -21,4 12.883 5,2 13.547
35020 Bauru 19.539 29,3 25.259 -1,1 24.984 -6,4 23.379
35021 Jaú 21.815 86,7 40.729 -21,0 32.177 -5,7 30.354
35023 Botucatu 7.992 95,1 15.596 -13,8 13.450 -2,8 13.077
35024 Araraquara 19.947 124,6 44.794 8,7 48.669 -7,1 45.200
35025 São Carlos 19.360 24,7 24.134 -6,0 22.680 -4,2 21.737
35026 Rio Claro 14.636 90,3 27.845 -8,5 25.470 -2,6 24.817
35027 Limeira 38.392 65,2 63.421 -1,3 62.601 0,3 62.773
35028 Piracicaba 33.191 80,2 59.814 -4,7 56.977 1,3 57.710
35029 Pirassununga 10.208 24,1 12.664 3,7 13.130 -4,2 12.579
35030 São João da
Boa Vista 15.845 60,2 25.383 -2,6 24.715 -3,4 23.886
35031 Moji Mirim 23.256 60,0 37.212 -7,3 34.501 -0,5 34.344
35032 Campinas 155.498 50,9 234.601 -6,6 219.119 -4,7 208.842
35033 Amparo 10.961 55,0 16.993 -3,4 16.408 -1,2 16.207
35036 Presidente
Prudente 10.952 136,8 25.932 -4,3 24.826 -8,9 22.624
35038 Marília 13.493 56,0 21.053 -1,8 20.674 -0,9 20.481
35040 Ourinhos 9.764 84,7 18.033 2,2 18.424 -0,4 18.358
35042 Itapetininga 4.420 97,9 8.746 16,1 10.158 -5,7 9.583
35043 Tatuí 15.544 78,1 27.686 7,2 29.671 -3,7 28.567
35046 Sorocaba 79.584 54,5 122.974 -1,2 121.498 -5,8 114.401
35047 Jundiaí 42.209 81,3 76.529 -5,4 72.424 -4,3 69.283
35048 Bragança Paulista 21.939 107,3 45.483 -8,2 41.732 5,9 44.215
35050 São José
dos Campos 77.909 31,3 102.261 -9,1 92.909 -9,3 84.263
35051 Guaratinguetá 13.256 46,4 19.404 -6,7 18.108 -1,0 17.928
(Continua)
Tendências Regionais da Indústria Brasileira no Século XXI
|
251
(Continuação)
Código Microrregião
Empregos
industriais
em 2000
(n. abs.)
Crescimento
2000-2010
(%)
Empregos
industriais
em 2010
(n. abs.)
Crescimento
2010-2015
(%)
Empregos
industriais
em 2015
(n. abs.)
Crescimento
2015-2018
(%)
Empregos
industriais
em 2018
(n. abs.)
35057 Osasco 70.270 40,7 98.893 -11,0 88.005 -6,9 81.910
35058 Franco da Rocha 9.319 58,8 14.801 -19,3 11.944 5,7 12.630
35059 Guarulhos 86.069 42,7 122.789 -18,2 100.471 -10,4 89.982
35060 Itapecerica da
Serra 36.940 60,0 59.107 -11,1 52.562 -9,5 47.548
35061 São Paulo 662.641 14,5 759.021 -19,9 608.005 -16,9 505.211
35062 Mogi das Cruzes 50.812 38,6 70.435 -8,2 64.678 -2,4 63.147
35063 Santos 17.058 27,1 21.679 -12,2 19.037 -32,0 12.945
41001 Paranavaí 8.172 134,1 19.133 5,6 20.212 -7,2 18.764
41002 Umuarama 6.734 192,1 19.668 -2,1 19.248 -23,8 14.663
41003 Cianorte 8.386 170,4 22.673 -0,3 22.604 -4,6 21.575
41005 Campo Mourão 4.471 128,9 10.235 -7,5 9.471 12,3 10.639
41006 Astorga 5.585 219,9 17.867 4,1 18.594 -6,9 17.320
41009 Maringá 21.715 88,1 40.856 0,6 41.108 -1,6 40.431
41010 Apucarana 20.285 77,5 36.016 -6,8 33.566 -0,9 33.255
41011 Londrina 30.455 57,5 47.957 -7,3 44.475 -8,1 40.861
41019 Telêmaco Borba 4.337 73,0 7.503 39,4 10.456 -0,8 10.372
41021 Ponta Grossa 15.833 50,4 23.810 6,4 25.336 -3,4 24.483
41022 Toledo 13.343 132,1 30.964 7,5 33.273 1,7 33.853
41023 Cascavel-Paraná 8.470 223,7 27.419 3,7 28.426 6,3 30.227
41024 Foz do Iguaçu 5.989 129,5 13.743 40,0 19.242 3,6 19.941
41026 Francisco Beltrão 7.599 117,4 16.523 12,7 18.624 -34,5 12.201
41027 Pato Branco 4.158 144,7 10.173 26,9 12.907 10,6 14.280
41029 Guarapuava 10.982 3,7 11.384 10,8 12.618 -1,9 12.380
41037 Curitiba 122.351 61,1 197.118 -12,4 172.629 -5,4 163.325
42001 São Miguel
do Oeste 4.901 151,9 12.344 11,9 13.809 8,6 14.997
42002 Chapecó 21.055 91,3 40.270 11,2 44.774 4,3 46.708
42003 Xanxerê 6.207 65,3 10.261 20,4 12.355 -5,1 11.722
42004 Joaçaba 24.642 35,5 33.384 9,5 36.564 11,3 40.686
42005 Concórdia 8.773 67,0 14.647 8,2 15.849 6,8 16.932
42006 Canoinhas 10.372 22,7 12.730 9,3 13.912 23,5 17.184
42007 São Bento do Sul 19.326 13,3 21.902 2,8 22.518 1,9 22.957
42008 Joinville 76.925 69,7 130.571 -5,0 124.061 2,3 126.894
42010 Campos de Lages 9.923 27,6 12.665 9,7 13.892 1,8 14.139
42011 Rio do Sul 18.320 62,7 29.806 6,1 31.632 2,9 32.542
42012 Blumenau 82.377 62,7 134.034 -6,9 124.790 -0,4 124.272
42013 Itajaí 11.720 118,4 25.596 31,1 33.556 -10,1 30.169
42015 Tijucas 5.378 168,7 14.448 -6,0 13.575 6,1 14.402
(Continua)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
252
|
(Continuação)
Código Microrregião
Empregos
industriais
em 2000
(n. abs.)
Crescimento
2000-2010
(%)
Empregos
industriais
em 2010
(n. abs.)
Crescimento
2010-2015
(%)
Empregos
industriais
em 2015
(n. abs.)
Crescimento
2015-2018
(%)
Empregos
industriais
em 2018
(n. abs.)
42016 Florianópolis 13.824 75,8 24.308 3,6 25.186 4,9 26.420
42018 Tubarão 18.370 53,9 28.277 8,2 30.599 0,0 30.606
42019 Criciúma 22.531 92,2 43.299 4,6 45.271 -3,4 43.714
42020 Araranguá 7.092 73,6 12.311 0,4 12.364 -12,5 10.824
43004 Erechim 11.276 49,8 16.896 -1,7 16.603 -5,3 15.719
43008 Ijuí 4.910 100,8 9.861 9,8 10.827 -5,8 10.200
43010 Passo Fundo 12.711 72,0 21.864 -0,5 21.752 -1,2 21.487
43014 Guaporé 10.783 67,9 18.100 1,7 18.400 -6,4 17.216
43016 Caxias do Sul 88.293 60,7 141.859 -10,9 126.418 -4,5 120.778
43020 Santa Cruz do Sul 17.336 17,3 20.339 7,4 21.840 3,0 22.488
43021 Lajeado-Estrela 32.769 22,2 40.052 3,8 41.569 -1,8 40.817
43023 Montenegro 21.077 29,4 27.280 3,3 28.172 2,5 28.888
43024 Gramado-Canela 46.191 21,4 56.058 -10,4 50.230 -8,7 45.863
43026 Porto Alegre 186.451 21,5 226.531 -15,8 190.764 -9,2 173.145
43027 Osório 6.760 39,1 9.400 9,1 10.257 1,9 10.456
43033 Pelotas 11.010 9,1 12.007 -18,4 9.796 -1,3 9.669
43035 Litoral Lagunar 4.092 52,6 6.243 142,2 15.121 -53,0 7.109
50004 Campo Grande 9.514 121,3 21.056 -4,5 20.098 1,3 20.360
50007 Três Lagoas 3.472 213,0 10.868 -2,1 10.642 13,9 12.117
50010 Dourados 7.370 180,9 20.705 15,6 23.925 -7,1 22.237
50011 Iguatemi 3.282 160,8 8.560 45,1 12.424 -0,2 12.400
51006 Alto Teles Pires 1.956 433,1 10.428 31,6 13.726 -8,1 12.611
51007 Sinop 11.329 -28,4 8.109 -12,6 7.087 7,1 7.589
51017 Cuiabá 11.694 101,6 23.580 -4,5 22.520 -15,1 19.123
51021 Rondonópolis 3.436 165,0 9.104 25,5 11.427 0,6 11.501
52007 Anápolis 14.669 118,7 32.074 23,6 39.648 -6,1 37.235
52010 Goiânia 52.882 50,3 79.492 6,2 84.382 -7,6 77.980
52012 Entorno de Brasília 4.075 118,7 8.910 -2,1 8.721 14,9 10.023
52013 Sudoeste de Goiás 6.084 297,4 24.178 9,6 26.500 -12,9 23.094
52015 Meia Ponte 5.081 136,9 12.039 39,7 16.816 -3,8 16.170
53001 Brasília 16.791 62,4 27.275 1,6 27.699 -6,2 25.972
Fonte: Emprego Formal da Indústria; Relação Anual de Informações Sociais (Rais); Secretaria Especial de Previdência e Trabalho;
Ministério da Economia. Disponível em: <http://www.rais.gov.br>.
Obs.: n. abs. – números absolutos.
CAPÍTULO 7
A INDÚSTRIA NA RECONFIGURAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA:
NOVAS EXPRESSÕES DOS DILEMAS NACIONAIS NO SÉCULO XXI
Aristides Monteiro Neto1
Raphael de Oliveira Silva2
Danilo Severian3
1 INTRODUÇÃO4
Neste capítulo, discutimos o padrão de reconguração territorial da indústria, suas
formas e suas motivações, de maneira a problematizar alguns dos desaos mais signi-
cativos da questão regional brasileira atual. A experiência de desconcentração regional
desse setor de atividade é relativamente recente no país, vindo a ocorrer apenas a partir
da década de 1970. Sobreveio em momento de expansão e diversicação de seus
ramos produtivos quando a indústria era motor dinâmico da economia brasileira.
Contudo, já a partir dos anos 1990, o cenário foi alterado: o processo de desconcen-
tração regional persistiu, ainda que em ritmo mais lento, porém passou a ser associado
a um persistente declínio da participação industrial na economia nacional no
contexto de uma expressiva redução da sua diversicação intrassetorial.
As grandes transformações econômicas e regulatórias na economia mundial
a partir da década de 1990 – conguradas pelo que chamamos de globaliza-
ção – levaram a mudanças no regime macroeconômico bem como no ambiente
institucional brasileiro, redenindo-se, no plano das relações econômicas com
o exterior, por mais intensa e profunda abertura nanceira e comercial. Nesse
novo contexto, a economia nacional passou a enfrentar a concorrência de parceiros
externos em nível muito mais signicativo. O setor industrial, com relativa-
mente baixa capacidade de competitividade estrutural na maioria de seus ramos
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea); e doutor em economia aplicada pelo Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). E-mail: <aristides.monteiro@ipea.gov.br>.
2. Pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Dirur/Ipea; e doutorando em
economia no Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: <raphael.silva@ipea.gov.br>.
3. Pesquisador do PNPD na Dirur/Ipea; e doutorando em economia aplicada no IE-Unicamp. E-mail:
<danilo.severian@ipea.gov.br>.
4. Este estudo foi realizado no âmbito do projeto de pesquisa Territórios da indústria no Brasil do século XXI em
desenvolvimento na Dirur desde 2017. Corresponde à versão revista e ampliada do artigo de mesmo título apresentado
no XVI Seminário Internacional de la Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Territorio, realizado
em Blumenau, Santa Catarina, entre os dias 25 e 27 de novembro de 2020.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
254
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produtivos, iniciou longa trajetória de baixo crescimento, quedas permanentes da
produtividade média e aumento dos componentes importados no total da produção.
No entanto, mesmo em face desse quadro debilitador para a indústria
pós-1990, a desconcentração regional do setor não foi estancada. Na verdade, um
fato notório do período recente é que o território da indústria vem se expandindo
em concomitância com a perda de relevância do setor industrial na composição
da atividade produtiva nacional. O território se tornou um ativo crucial para a
expansão de certas atividades produtivas muito presentes nas regiões de menor
desenvolvimento do país: aquelas diretamente ligadas à base de recursos naturais
bem como as intensivas em mão de obra de custo relativamente baixo.
Nosso primeiro objetivo é observar e avaliar o potencial existente no setor
industrial para conduzir as regiões para um patamar mais elevado de diferenciação
produtiva, aumento do seu valor agregado e ampliação das rendas per capita
regionais. Para tal, investigamos as transformações operadas dentro da estrutura
industrial entre seus grupos de atividades que se alinham mais à especialização em
recursos naturais ou, pelo contrário, vão na direção da diferenciação de produtos,
economias de escala e incorporação de inovação tecnológica. Nesse sentido, que
tipos de preferências locacionais o processo de desconcentração regional da indús-
tria em curso exprime no país? Exploramos a combinação de escalas territoriais
macro e microrregionais para obter algumas respostas sobre processos, formas e
características recentes da desconcentração regional em contexto de desindustria-
lização ou de regressão produtiva no período pós-1990.
Adicionalmente, exploramos fontes explicativas da reconguração territorial
da indústria relacionadas com a atuação governamental no período 2000-2015.
Em particular, identicamos e problematizamos vetores alternativos de política
econômica, produtiva e regional que atuaram para conter e/ou modicar a ten-
dência geral de desindustrialização e especialização regressiva e até mesmo para
induzir potencialidades produtivas nas regiões de menor tradição industrial. Ao
trazer à tona tais instrumentos de políticas postos em operação, sugerimos que
análises mais aprofundadas precisam ser feitas sobre as limitações e os avanços
realizados por intenções governamentais no período.
2 REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITUAIS
O setor industrial tem sido tratado no debate das estratégias de desenvolvimento
como crucial para a modernização produtiva, garantia de diversicação do valor agre-
gado social e obtenção de rendas elevadas. Desde as reexões dos pensadores originais
da mudança estrutural, como Myrdal (1957), Hirschman (1961), Furtado (1961)
e Kaldor (1970), passando por autores mais recentes como Rodrik (2007) e Stiglitz
(2015), discussões e recomendações sobre estratégias recorrem à imperiosidade de se
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
|
255
buscar e/ou realizar a mudança estrutural por meio da transição econômico-social
que reduz a presença de setores de baixa produtividade e baixos salários (a agricul-
tura) em direção a uma situação de predominância de setores de alta produtividade e
altos salários (a indústria). Ponto decisivo do debate sobre processos de modernização
produtiva é que na indústria – por apresentar, mais do que qualquer outro tipo de
atividade, as chamadas economias de escala – a taxa de evolução da produção
se torna permanentemente superior à taxa observada nas atividades que sofrem
limitações intrínsecas de escala produtiva (agropecuárias e serviços em geral).
Num raciocínio análogo, países/regiões cujas indústrias se consolidam e prosperam
tendem a estabelecer ritmo de crescimento econômico mais elevado que aqueles
não possuidores de tais atividades (Kaldor, 1970).
Também no debate regional (dentro da nação), autores contemporâneos
entendem a industrialização como medida crucial para superar disparidades re-
gionais por razões similares. No Brasil, além de Furtado (1959), que teve atuação
referencial na proposição da superação do declínio produtivo de regiões atrasadas
por meio da industrialização, autores como Cano (1985; 2012), Diniz (1993;
2019) e Brandão (2019b) têm alertado para a relevância da presença de um setor
industrial robusto em estratégias de desenvolvimento. Indo além, tem sido
motivo de ampla preocupação vericar como o enfraquecimento da indústria e
das suas conexões intersetoriais e inter-regionais está afetando o curso do processo
de desconcentração regional.
Se durante o período 1930-1980 a indústria comandou o crescimento da
economia brasileira, produzindo estímulos de diferenciação e modernização se-
torial e regional muito amplos, a partir dos anos 1990, entretanto, com o novo
contexto de crise scal e nanceira do Estado brasileiro, os canais de transmis-
são do crescimento sobre demais setores se tornaram cada vez mais reduzidos.
A economia brasileira entrou em trajetória de baixo crescimento da renda
per capita e os ciclos de expansão se tornaram muito mais instáveis e curtos.
A indústria, carro-chefe da dinâmica produtiva, passou a apresentar perda em sua
capacidade de renovação tecnológica, e vários grupos de indústria desapareceram
do país. Teme-se que o Brasil que preso na armadilha da renda média, uma vez
que sua estrutura produtiva não tem conseguido se colocar numa trajetória de
diversicação produtiva em direção a atividades de rendas crescentes.
Constata-se, com apreensão, na fase atual da economia brasileira (1990-2018),
a consolidação de um vetor de desconcentração industrial associado ao enfraque-
cimento desse setor na estrutura produtiva nacional. Esse vetor é comumente
descrito na literatura recente como resultante, de maneira predominante, dos
efeitos operados, de um lado, pela orientação da política econômica de integra-
ção brasileira aos mercados nanceiros e produtivos internacionais em meados
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
256
|
dos anos 1990. Isso implicou a adoção de um regime cambial sobrevalorizado
e juros elevados para incentivar a entrada de capitais externos, medidas que fa-
cilitavam importações e dicultavam exportações prejudicando a indústria.
De outro lado, também operou contra a indústria a explosão da demanda inter-
nacional por commodities agrominerais nacionais iniciada em meados dos anos
2000 eque permanece até hoje. O chamado drive externo atuaria para incenti-
var– via a apreciação dos termos de troca – a transferência de recursos produtivos
paraa agricultura e a extração de minérios para exportação (setores com demanda
crescente), facilitar a capacidade nacional de importação de insumos e bens -
nais e enfraquecer a demanda interna por bens industriais menos competitivos
(Macedo, 2010; Pinto, 2013). Embora concordemos com a importância do ciclo
externo, por meio da apreciação cambial e facilitações para aumento do com-
ponente importado, para o enfraquecimento da indústria, deve ser registrada a
existência de esforços de política pública para criar um vetor de resistência da
indústria visando manter o nível de atividade e de emprego, mesmo que para isso
o caráter regressivo não tenha sido completamente vencido.
Nosso argumento (ainda pouco tratado pela literatura recente com a ênfase
que merece) arma que duas orientações realizadas por sucessivas administrações
federais, entre 2003 e 2015 – consubstanciadas, em primeiro lugar, em estímulos
à expansão e/ou ao reforço de atividades de produção bens intermediários, de
consumo durável e não durável; e, em segundo lugar, na realização de investi-
mentos públicos federais em infraestrutura e na cadeia de petróleo e gás –, foram
decisivas para a desconcentração regional da indústria. No primeiro caso, porque
possibilitou que as regiões em que o custo da mão de obra se mostra vantajoso
pudessem se tornar mais competitivas na produção desses bens. No segundo caso,
porque signicativos investimentos federais em projetos estruturantes nas regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste contribuíram para a constatação de taxas de
crescimento do produto interno bruto (PIB) mais aceleradas, ora diretamente,
pelo montante de gasto público realizado, ora indiretamente, pela atração provo-
cada para a localização do empreendimento privado criada pela externalidade da
infraestrutura setorial construída (ou em construção).
A trajetória de desconcentração territorial da indústria se beneciou, por-
tanto, da expansão na produção de commodities em regiões de fronteira de re-
cursos (Amazônia e Centro-Oeste). Também foram importantes os estímulos
materializados em investimentos em infraestrutura, bem como em nanciamentos
públicos para ramos de indústria ligados a bens de consumo duráveis e não
duráveis ou grupos de indústria baseados em recursos naturais e mão de obra de
baixo custo, os quais tiveram as regiões de menor desenvolvimento como lócus
principal de recepção.
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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257
3 INDÚSTRIA E TERRITÓRIO NO BRASIL: RELAÇÕES HISTÓRICAS E NOVAS
FORMAS NO PERÍODO RECENTE (1995-2018)
O desenvolvimento industrial brasileiro, visto em associação com as disparidades
territoriais, pode ser compreendido como se segue.
Uma primeira fase, de acelerado crescimento industrial, entre 1930-1970, foi
acompanhada do aumento de disparidades regionais. A economia de São Paulo
tornou-se o epicentro da indústria moderna brasileira, fazendo com que o estado
viesse a concentrar 39,4% do PIB total nacional em 1970 e 56,4% do valor da
transformação industrial (VTI) nacional.5
Na fase subsequente, entre 1970-1990, em face, de um lado, da presença de
fortes deseconomias de aglomeração e de urbanização em São Paulo e, de outro
lado, por conta de elevados investimentos em infraestrutura do governo federal
nas regiões de fronteira da Amazônia e do Centro-Oeste, bem como na região
Nordeste, vericou-se a redução dos desequilíbrios regionais (Cano, 1985).
No período mais recente, pós-1990, vem se consolidando o enfraquecimento
paulatino das atividades industriais como elemento dinâmico da economia bra-
sileira. Ainda nessa década a abertura comercial e nanceira muito acentuada
promoveu choques negativos sobre um parque industrial nacional ainda pouco
capaz de competir com sucedâneos internacionais. A crise scal do Estado, por
sua vez, colocou-se como impedimento a uma atuação mais relevante da política
governamental no sentido de redução de decits de infraestrutura e logística.
Nos anos 2000, o contexto de expansão da demanda mundial por commodities
agrícolas e minerais teve impactos muito mais relevantes sobre essas atividades que sobre
as industriais. O vetor externo, com mudança do câmbio a favor das commodities,
sem dúvida passou muito mais a estimular uma reconversão produtiva em direção
a atividades ligadas a recursos naturais e menos a favorecer o seu parque industrial
(Macedo, 2010; Pinto, 2013; Sampaio, 2015; Monteiro Neto e Silva, 2018;
Negreiros e Monteiro Neto, 2019). Em face dessas condicionantes, pode-se inquirir
como exatamente se comportou a atividade industrial no território e quais as
características fundamentais do processo de reconguração territorial em curso.
Vejamos a seguir o desenvolvimento de tais questões.
3.1 A indústria não é mais a mesma – é menor e mais frágil agora
No curso da década, as transformações no setor industrial se dirigiram para
a perda de competitividade estrutural e redução do peso relativo da indústria
na economia brasileira. Observamos que o valor adicionado bruto (VAB) da
5. Conferir o Sistema de Contas Regionais (SCR) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível em:
<https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9054-contas-regionais-do-brasil.html?=&t=o-que-e>.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
258
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indústria de transformação se reduziu a pouco menos da metade do que era no
início da década de 1990: passou de 30,1% do VAB total nacional em 1990 para
25,2% em 2000, 15,0% em 2010 e chegou a 12,4% em 2017.6 O fenômeno
da desindustrialização foi acompanhado de certas características denidoras da
regressividade setorial. Algumas “doenças” acometeram a indústria entre 1990
e 2015, as quais, em síntese, podem ser entendidas pela predominância das se-
guintes condições: i) existência de baixo crescimento do VTI; ii) redução da pro-
dutividade setorial; iii) aumento do componente importado no valor bruto da
produção; e iv) perda de elos entre cadeias produtivas (Monteiro Neto e Silva,
2018; Sarti e Hiratuka, 2017; Morceiro, 2016; De Negri e Cavalcante, 2014;
Galeano e Feijó, 2013; Cano, 2012).
Os dados organizados na tabela 1 são reveladores desse processo em curso.
A taxa de crescimento do VTI da indústria total, entre 1996 e 2018, foi de ape-
nas 1,6% anual no período, sendo que na indústria manufatureira ela foi ainda
menor, de 1,1%. A produtividade média do trabalho – VTI/População Ocupada
(PO) – na manufatura caiu no mesmo período para o patamar de 90% em 2015,
chegando, por m a apenas 86% em 2018 do que havia sido em 1996. O elevado
crescimento da extrativa, setor impactado pela expansão da demanda mundial
por seus produtos, não se revelou suciente para provocar efeitos impulsionado-
res sobre o restante da indústria. O ritmo de 9,8% anuais das atividades extrativas
entre 1996 e 2018, por exemplo, não afetou a indústria manufatureira, atividade
que permaneceu com taxas bem baixas no período.
TABELA 1
Evolução de VTI, VTI/PO e da composição setorial da indústria (1996-2018)
Tipo de atividade
industrial
Taxas anuais de crescimento
do VTI (%)
VTI/PO
Número-índice (1996 = 100)
Composição relativa do VTI
por tipo de indústria segundo
o fator competitivo (%)
1996-
2018
1996-
2005
2006-
2015
2016-
2018 1996
2005 2015 2018
1996
2005 2015
2018
Total 1,6 1,5 2,3 0,4 100 90 98 96 100 100 100 100
Extrativa 9,8 17,7 5,3 11,8 100 238 256 326 2,3 8,6
10,8
12,5
Manufatureira 1,1 0,8 1,9 -0,9 100 85 90 86 97,7
91,4 89,2
87,5
Grupo de indústria por fator competitivo
Recursos naturais 3,5 4,4 3,6 1,3 100 119 135 138 34,3
44,2 50,3
52,0
Mão de obra 0,0 -1,8 3,3 -3,8 100 69 83 78 14,3
10,6 11,3
10,2
Escala 0,3 0,6 -0,1 2,4 100 88 84 84 35,6
32,6 25,9
26,8
Diferenciadas -2,0 -2,2 -1,5 -3,3 100 70 67 60 13,4 9,6 7,0 6,0
Baseadas em
ciência 5,0 4,6 8,8 -4,3 100 77 78 44 2,3 3,0 5,6 4,9
Fonte: Relatório da Produção Industrial Anual (PIA) do IBGE.
Obs.: Deflator usado – Índice de Preços ao Produtor Amplo da Fundação Getulio Vargas (IPA-FGV) (2015 = 100).
Elaboração dos autores.
6. Conferir SCR/IBGE, disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9054-
contas-regionais-do-brasil.html?=&t=o-que-e>.
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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259
Analisada a indústria por tipologia de fator competitivo da Organização para
aCooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (OECD, 1987) – segundo a
qual as atividades são caracterizadas em cinco grupos: i) indústrias intensivas em recur-
sos naturais; ii) intensivas em mão de obra; iii) intensivas em escala; iv) com tecnologias
diferenciadas; e v) baseadas em ciências7 –, vemos que os grupos de indústrias mais liga-
dos à disponibilidade de recursos naturais e mão de obra do que à evolução tecnológica
e maior valor agregado ganharam proeminência na composição do setor industrial.
Os dois primeiros grupos passaram de 48,6% em 1996 para 61,6% do total em 2015
e continuam a se expandir na recessão, passando para o nível de 62,2% em 2018.
O grupo das indústrias baseadas em tecnologias de escala, pelo contrário,
teve sua participação reduzida de 35,6% em 1996 para 26,8% do total em 2018.
Aqui também está mais evidente a ausência ou limitação de efeitos multiplicadores
intersetoriais no ciclo industrial recente. O crescimento em atividades ligadas a
recursos naturais, com taxas próximas a 4% anuais nos subperíodos 1996-2005 e
2006-2015, não reverbera sobre indústrias de tecnologias de escala ou diferenciadas,
que permanecem com taxas baixas ou negativas.8
3.2 A desconcentração regional permanece: padrões macro e microrregionais
Na reestruturação industrial em que se consolidam os grupos de indústrias mais
ligados a atividades extrativas, de recursos naturais e intensivas em mão de obra,
as regiões com renda per capita mais baixas puderam obter vantagens do novo
contexto. Essa armação tem sido válida tanto para as macrorregiões quanto para
escalas territoriais menores, como das microrregiões geográcas. Contudo, ex-
pressões territoriais na escala microrregional trazem evidências de um grau de
diversidade muito signicativo para a localização industrial.
Vejamos inicialmente, dinâmicas regionais da indústria na escala territo-
rial das macrorregiões e economias estaduais. Uma primeira marca do processo
de desconcentração em curso é que a composição regional do VTI se alterou
com perdas de cerca de 8,0 pontos percentuais (p.p.) da região mais industria-
lizada, o Sudeste, e ganhos para todas as demais. As duas regiões mais indus-
trializadas, Sudeste e Sul, que respondiam conjuntamente por 85,6% do VTI
nacional em 1996, passaram a responder por 80,1% em 2015 e nalmente
77,4% em 2018 (tabela 2).
7. Ver conceito e aplicação dessa tipologia em Borbély (2004) e Monteiro Neto e Silva (2018).
8. Estudos realizados por Cano (2012), Sampaio (2015) e Severian (2020) convergem para a observação da perda de
densidade produtiva da indústria brasileira. A avaliação desse setor sob a perspectiva de diversificação e incremento
tecnológico por tipologia alternativa para atividades industriais – segundo o grau de intensidade tecnológica (alta,
média-alta, média-baixa e baixa) – conclui que há redução do componente tecnológico na indústria brasileira. Segundo
Severian (2020), que trouxe dados mais atualizados, os dois grupos industriais de alta e média-alta tecnologias juntos
perdem participação relativa da indústria de 30,1% do total para 25,5% entre 2010 e 2018. Por sua vez, o grupo de
baixa intensidade tecnológica sozinho ampliou sua participação de 42,2% para 46,3% nos mesmos anos.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
260
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TABELA 2
Composição regional VTI (1996-2018)
(Em %)
Região/Unidade da
Federação (UF)
Distribuição do VTI
1996 2000 2005 2010 2015 2016 2017 2018
Norte 4,5 4,6 6,0 6,9 6,5 6,4 7,1 6,4
Rondônia 0,1 0,1 0,2 0,2 0,3 0,3 0,2 0,2
Acre 0,1 0,1 0,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Amazonas 3,3 3,1 3,6 3,6 3,4 3,3 3,3 2,5
Roraima 0,3 0,5 0,8 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Pará 0,7 0,8 0,9 2,9 2,6 2,6 3,4 3,5
Amapá 0,0 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0
Tocantins 0,0 0,0 0,2 0,1 0,1 0,1 0,2 0,1
Nordeste 7,7 9,3 10,1 9,3 10,8 10,6 10,1 10,4
Maranhão 0,3 0,4 0,3 0,4 0,7 0,6 0,6 0,7
Piauí 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1
Ceará 1,3 1,6 1,4 1,3 1,5 1,5 1,5 1,5
Rio Grande do Norte 0,3 0,3 0,3 0,6 0,8 0,7 0,7 0,7
Paraíba 0,4 0,3 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4
Pernambuco 1,6 1,1 1,1 1,5 1,9 2,0 2,1 2,1
Alagoas 0,7 0,7 0,7 0,4 0,4 0,4 0,3 0,3
Sergipe 0,3 0,5 0,6 0,4 0,4 0,4 0,4 0,3
Bahia 2,7 4,2 5,4 4,2 4,5 4,5 4,1 4,5
Sudeste 67,6 64,1 61,0 60,9 59,7 58,2 59,3 58,2
Minas Gerais 9,8 10,3 12,1 11,8 10,6 10,2 11,3 11,5
Espírito Santo 1,1 1,6 1,5 2,5 3,0 2,4 2,3 2,6
Rio de Janeiro 7,9 7,6 7,3 10,4 11,0 10,5 10,8 11,7
São Paulo 48,8 44,5 40,0 36,2 35,1 35,0 35,0 32,4
Sul 18,0 19,9 19,4 18,4 20,4 20,3 20,1 19,5
Paraná 5,2 5,9 6,4 6,9 7,3 7,4 7,4 7,2
Santa Catarina 4,4 4,4 4,4 4,7 5,7 5,6 5,6 5,3
Rio Grande do Sul 8,4 9,7 8,6 6,8 7,5 7,3 7,0 7,1
Centro-Oeste 2,2 2,2 3,6 4,5 6,0 6,0 5,7 5,5
Mato Grosso do Sul 0,4 0,3 0,5 0,8 1,4 1,5 1,4 1,5
Mato Grosso 0,6 0,6 1,3 1,2 1,5 1,4 1,3 1,3
Goiás 1,1 1,0 1,5 2,2 2,8 2,9 2,7 2,4
Distrito Federal 0,2 0,3 0,2 0,3 0,3 0,3 0,2 0,2
Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Dados brutos da PIA-IBGE.
Elaboração dos autores.
Obs.: Valores monetários deflacionados pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo – Origem (IPA-OG) de produtos industriais
da FGV em valores de 2015.
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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261
A trajetória de desconcentração produtiva foi mais rme até 2015 e perdeu
fôlego a partir de então, em contexto de crise econômica, quando os movimentos
de ganhos e perdas se tornam instáveis. Os movimentos entre 1996 e 2015 são
mais relevantes para a análise porque compreendem um período de expansão da
atividade econômica nacional, quando novas plantas produtivas se instalaram nas
regiões menos industrializadas. A fase pós-2015, de recessão econômica, tende a
sugerir que as participações relativas mudam em razão de alternância nos níveis
de ociosidade em cada parque industrial regional, isto é, por conta do impacto da
crise no nível de atividade prevalecente.
Na região Sudeste, evidencia-se a continuidade de diminuição relativa da
indústria em São Paulo com ganhos adicionais para Rio de Janeiro, Minas Gerais
e Espírito Santo. No caso de Rio de Janeiro e Espírito Santo, a indústria de extra-
ção e reno de petróleo e gás foi a grande responsável pela expansão de atividades
no período, relacionada com investimentos da Petrobras e empresas privadas nas
bacias petrolíferas de seu litoral. Após 2015, consolidado o cenário de retração
da demanda mundial por petróleo e a interrupção dos investimentos governa-
mentais previstos na área, as duas economias estaduais passam a sofrer declínio
de produção. No caso de Minas Gerais, com sua economia ligada a minérios na
sua porção centro-sul (no entorno de sua capital Belo Horizonte) e a grãos expor-
táveis no Triângulo Mineiro, sua participação no VTI nacional tem, na verdade,
aumentado nos anos de crise, dados os estímulos da demanda mundial crescente
(Monteiro Neto e Silva, 2018; Brandão, 2019a).
Na região Sul, os estados de Paraná e Santa Catarina apresentam ganho de
posição relativa e o Rio Grande do Sul sofre recuo. Nessa região, as atividades
econômicas são diversicadas com ramos de atividade em indústrias de produção
de bens de capital, duráveis (automobilística), não duráveis (bebidas) e processa-
mento de grãos e carnes para exportação. Esta última atividade vem assumindo
papel crescente na pauta produtiva dos estados do Paraná e de Santa Catarina,
permitindo que sua participação no VTI nacional se amplie.
A região Centro-Oeste vem se notabilizando como lugar preferencial para
a expansão da fronteira de grãos e carnes exportáveis do país. Tanto a produção
de grãos e carnes como o seu processamento industrial para exportação têm sido
determinantes para a ampliação do tamanho da economia regional e o avanço de
participação no cenário agroindustrial nacional. No estado de Goiás, iniciativas
de diversicação produtiva, para além das commodities agroindustriais, têm resul-
tado na atração de empreendimentos de montagem de automóveis no município
de Catalão e indústrias farmacêuticas no polo industrial de Anápolis-Goiânia.
No Nordeste, os destaques cam para a expansão industrial em Pernambuco–
com a implantação, a partir de 2009, de uma renaria de petróleo da Petrobras ede
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
262
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um estaleiro naval no polo industrial de Suape (litoral sul do estado) e da fábrica de au-
tomóveis das marcas Fiat e Jeep, no litoral norte (município de Goiana) (Guimarães e
Santos, 2018). Adicionalmente, novos vetores de expansão intrarregional se conso-
lidaram no Rio Grande do Norte, com a expansão de atividades de petróleo pela
Petrobras, e no Maranhão, com investimentos na expansão da produção de minérios
de ferro na área litorânea (próximo a capital São Luís) associados ao incremento de
produção de grãos para exportação na sua porção sul do estado (próxima ao Piauí e
Tocantins). Os demais estados da região mantêm sua estrutura produtiva industrial
ligada a bens de intermediários (Bahia, Alagoas e Sergipe) e consumo não duráveis
(Ceará e Paraíba) destinados majoritariamente ao mercado interno nacional.
Por m, na região Norte, predominou a expansão da produção de minérios
do estado do Pará para exportação, atividade que impulsionou a elevação do VTI
estadual no total nacional no período. O polo industrial de Manaus, no estado do
Amazonas, por sua vez, ainda que se caracterize como uma das mais importantes
áreas industriais do país, vem sofrendo com perda de competitividade e de reno-
vação tecnológica da indústria lá instalada, de maneira que a sua participação no
VTI nacional vem se reduzindo recentemente.
3.3 Padrões microrregionais: a dinâmica das aglomerações
industriais relevantes (AIRs)
Um recorte territorial que tem se prestado ao minucioso entendimento de dinâ-
micas econômicas é o das microrregiões geográcas clássicas do IBGE. Por serem
denidas segundo certos critérios de homogeneidade socioespacial, elas permi-
tem a observação de transformações produtivas em agrupamentos de municípios
contíguos. Na literatura especializada sobre o papel da indústria no desenvolvi-
mento regional, Diniz (1993) e Diniz e Crocco (1996) foram pioneiros no uso
de microrregiões para a avaliação da dinâmica do emprego industrial no território
nacional. De maneira mais especíca, esses trabalhos propuseram o conceito de
AIR, entendido como a microrregião com 10 mil ou mais empregos industriais.
Tais estudos indicaram, à época, uma leitura renovada da dinâmica industrial
brasileira ao identicar a existência no período investigado (1970-1991): de um
lado, um tecido industrial bastante dinâmico, o qual se expandiu de 33 AIRs no
país em 1970 para 90 em 1991; de outro lado, um processo de “desconcentração
concentrada”, denido por uma área preferencial para a localização da indústria e
que foi chamado de “polígono da indústria”, que continha a quase totalidade das
AIRs nacionais no período.
No período recente (1995-2018), segundo dados coletados para este estudo
sobre o emprego industrial formal (Relação Anual de Informações Sociais – Rais),
as AIRs mantiveram sua trajetória de expansão e consolidação ao longo do território
nacional. De um total de 85 em 1995 sua expansão foi expressiva até pelo menos
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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263
2015, quando atingiu o número de 160 unidades, seguida de pequena queda para
o quantitativo de 154 em 2018. O emprego formal no setor se alargou de maneira
muito signicativa, do patamar de 3,9 milhões em 1995 para 6,6 milhões em 2010,
e nalmente evidenciou retração mais ao nal do período, atingindo 5,8 milhões em
2018. A dinâmica industrial das AIRs se dene por uma fase inicial de aceleração do
emprego e da quantidade de aglomerações entre 1995 e 2010 e outra de desaceleração
a partir de então, com queda pronunciada na recessão pós-2015 (tabela 3).
TABELA 3
Brasil e regiões: empregos industriais e quantidade de AIRs (1995-2018)
1995 2000 2005 2010 2015 2018
Emprego industrial (1 mil un.) 3.897 3.815 5.049 6.573 6.260 5.808
AIRs do Norte (un.) 2 3 3 3 3 3
AIRs do Nordeste (un.) 13 15 21 26 27 23
AIRs do Sudeste (un.) 44 48 60 68 72 69
AIRs do Sul (un.) 22 28 35 43 45 46
AIRs do Centro-Oeste (un.) 4 5 7 10 13 13
AIRs do Brasil (un.) 85 99 126 150 160 154
Fonte: Rais, 1995-2018.
Elaboração dos autores.
Obs.: un. – unidade.
Quanto ao “polígono”, a ideia mostrou que a direção de desconcentração da
indústria a partir de seu epicentro – a região metropolitana (RM) de São Paulo
e a economia do estado de São Paulo – estava majoritariamente encaminhada
para os estados da própria região Sudeste e da região Sul do país. Na verdade, a
desconcentração se restringia a uma porção do território delimitada por uma área
poligonal imaginária que tinha como limite, ao norte, a RM de Belo Horizonte
(Minas Gerais); passando pela RM de São Paulo, se dirigia à RM de Curitiba, a
Florianópolis e seu limite, ao sul na RM de Porto Alegre (Rio Grande do Sul); daí
o polígono voltava, a oeste, passando pelas microrregiões de Maringá e Cascavel
(no estado do Paraná), se estendia às AIRs de Uberlândia em Minas Gerais e, por
m, se reencontrava com a RM de Belo Horizonte.
Nos anos recentes cobertos por este estudo, notamos que o processo de descon-
centração manteve sua preferência locacional na área do polígono (regiões Sudeste
e Sul), com espraiamento imediato para a proximidade da região Centro-Oeste e
o surgimento de novas AIRs na região Nordeste (mais no litoral que no interior).
A localização das AIRs pode ser vista no mapa 1 a seguir e revela o reforço da área
poligonal, com o adensamento de aglomerações nas regiões Sudeste e Sul, e agora um
vetor de desdobramento em direção a territórios contíguos da região Centro-Oeste.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
264
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MAPA 1
AIRs por tamanho de emprego
1A – 1995
1B – 2015
Fonte: Rais/Ministério da Economia.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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265
Na Amazônia, as enormes distâncias entre as localidades e a escassa população
ainda se conguram em elementos de retardo para o fortalecimento de áreas com
robusta capacidade de produção industrial. Permanecem como AIRs as metró-
poles regionais de Manaus (Amazonas) e Belém (Pará), tendo surgido depois de
1995 apenas a aglomeração de Parauapebas (Pará), especializada na extração e no
processamento de minérios de ferro da então Companhia Vale do Rio do Doce.
Mesmo depois de tantas décadas de incentivos cais e nanciamentos regionais
para o desenvolvimento a cargo da Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia (Sudam), pouco resultado foi vericado quanto à expansão de indús-
trias nas demais capitais estaduais da região, isto é, dos estados de Amapá, Roraima,
Acre e Rondônia. Há um quadro de diculdades estruturais para a consolidação
de aglomerações industriais visando ao aproveitamento das rendas urbanas das
capitais estaduais.
Na região Nordeste, as AIRs continuam a se localizar predominantemente
na sua área litorânea, reforçando o campo aglomerativo de suas metrópoles ou ca-
pitais dos estados. Houve fortalecimento da posição das metrópoles deFortaleza e
Recife pela expansão de seu campo aglomerativo imediato: a AIR de Fortaleza, com
a proximidade de Pacajus, e Recife, que também se ampliou com a conexão das AIRs
de Goiana e deItamaracá (litoral norte), Suape (litoral sul) e Vitória de Santo Antão
(a oeste da RM de Recife). No estado do Ceará, surgiram duas aglomerações no in-
terior do estado (Sobral e Cariri), com níveis de emprego entre 10 e 20 mil unidades,
voltadas para a indústria de consumo de vestuário, calçados e couro para atendimento
da demanda do mercado nacional. Na Bahia, mantiveram posição consolidada as
AIRs de Salvador e Feira de Santana, por conta do surgimento de novas aglomerações
litorâneas em Santo Antônio de Jesus, Ilhéus-Itabuna e Porto Seguro. No Rio Grande
do Norte consolidou-se a AIR de sua capital, Natal, em apoio à nova aglomeração de
Macaíba, na área metropolitana, tornando-se uma área com economias de aglome-
ração ainda mais relevantes. No interior do estado, a AIR de Mossoró ganhou relevo
pela ampliação das atividades de extração e processamento do sal marinho, atividades
de extração de petróleo e fruticultura irrigada.
Cabe ressaltar, por m, que antes de 1995 algumas capitais de estados da
região Nordeste não se enquadravam na categoria de AIR, mas a partir de então
vieram a se tornar AIRs. Estavam nessa lista Maceió, Aracaju e Teresina. Em
2015, todas as capitais dos estados da região apresentaram nível de emprego in-
dustrial acima de 10 mil unidades e se tornaram AIRs.
Aspecto relevante para o entendimento da dinâmica territorial da indústria
nesse período recente está intimamente relacionado com a direção tomada pelas
AIRs de menor tamanho de empregos. Realizamos um recorte das AIRs segundo
o tamanho em duas categorias: i) com nível de emprego industrial entre 10 mil
e até 50 mil unidades; e ii) mais de 50 mil unidades. O primeiro grupo avançou
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
266
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numericamente de 66 para 132 entre 1995 e 2015 e elevou sua participação no
total do emprego industrial das AIRs de 32,9% para 44,6% nos mesmos anos.
O segundo grupo, de maior tamanho de empregos e de aglomerações mais con-
solidadas, também aumentou seu número de AIRS, de 19 para 29 unidades, mas
perdeu posição relativa de 67,1% para 55,4%. Portanto, o dinamismo e o vigor
da indústria se revelaram em territórios ainda pouco consolidados e com pequeno
nível de emprego. Nessa perspectiva, revela-se a existência de estreita correspon-
dência com as atividades industriais que mais se expandiram e aquelas diretamente
baseadas em recursos naturais e intensivas em mão de obra, dirigindo-se para as
aglomerações que apresentam custos de localização (terrenos, infraestrutura e mão
de obra) relativamente mais baixos ante os observados nas metrópoles do Sudeste.
A preferência pela localização em AIRs de menor tamanho também se aplica
ao recorte do tamanho de população associado a cada aglomeração. A investiga-
ção das AIRs em três tipos de tamanhos de população – de 100 mil a 499,9 mil;
de 500 mil a 999,9 mil; e as com mais de 1 milhão de habitantes – diz o se-
guinte: o primeiro grupo representou 24,7% (941,6 mil) do emprego industrial
em 2000 e 30,3% em 2015 (1,9 milhão) e seu VAB foi de 15,6% para 23,3% entre
2000 e 2015. O segundo maior grupo apresentou as proporções para emprego
industrial de 18,2% em 2000 e 22,0% em 2015 e para VAB, 14,6% em 2000 e
17,9% em 2015. O primeiro e maior grupo de população no emprego apresentou
57,2% em 2000 e 47,6% em 2015 e no VAB, 69,8% em 2000 e 58,8% em 2015.
O grupo de AIRs com até 500 mil habitantes – que representa as pequenas e
médias localidades urbanas denidas por reduzidas economias de escala – foi jus-
tamente aquele em que sua participação no emprego e no valor adicionado no
conjunto de todas as aglomerações experimentou expansão, com os demais dois
grupos de AIRs perdendo participação.
Outra caraterística importante observada no estudo foi a forte geração de
empregos industriais nas novas AIRs. O papel ou a função das novas AIRs surgidas
nessas duas décadas (1995-2015) pode ser apreciado se realizarmos um recorte
de separação entre o que é “novo” e o que é “velho”. Percebemos, por exemplo,
que o esforço de consolidação das atividades industriais em regiões de atenção da
política regional brasileira (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) foi bastante positivo
para a geração total de emprego, indicando, ademais, a especialização relativa em
atividades intensivas em mão de obra.
Na tabela 4 apresentamos a quantidade de AIRs e de empregos existentes em
1995 por grupo de macrorregiões – de um lado, Sudeste e Sul (mais industrializa-
das), de outro, Norte, Nordeste e Centro-Oeste (menos industrializadas). Como
ponto de partida, assinalamos que o primeiro grupo de macrorregiões exibia um
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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267
total de 66 AIRs e 3,4 milhões de empregos industriais naquele ano. O segundo
grupo de macrorregiões, por sua vez, gerou 514 mil empregos em 19 AIRs.
TABELA 4
Dinâmica do emprego industrial nas velhas e novas AIRs (1995-2015)
Regiões
Total de AIRs e empregos
existentes em 1995
(85 unidades)
Total de novas AIRs e novos empregos criados
entre 1995-2015 (160 AIRs) (%)
Novos empregos em AIRs
existentes em 1995 (velhas)
Novos empregos em AIRs
surgidas depois de 1995 (novas)
Sudeste/Sul 66 AIRs:
3,4 milhões de empregos
66 AIRs:
803,3 mil novos empregos
(72,4)
51 AIRs:
881,1 mil novos empregos
(70,2)
Norte/Nordeste/Centro-Oeste 19 AIRs:
514,1 mil empregos
19 AIRs:
305,1 mil novos empregos
(27,6)
24 AIRs:
373,4 mil novos empregos
(29,7)
Brasil 3,9 milhões
de empregos
1,1 milhão de novos
empregos (100)
1,2 milhão de novos
empregos (100)
Fonte: Rais, 1995-2015.
Elaboração dos autores.
Vericamos que ao longo do período 1995-2015, nas regiões Sudeste e Sul,
foram criados 1.684,4 milhão de novos empregos industriais: 803,3 mil (47,7%)
gerados nas mesmas 66 AIRs já existentes em 1995 e 881,1 mil (52,3%) criados
pelas novas 51 AIRs que surgiram no período. No segundo grupo de regiões
(Norte, Nordeste e Centro-Oeste), o número total de empregos novos foi de
678,5 mil unidades. As 19 AIRs que já existiam em 1995 foram responsáveis por
305,1 mil empregos (44,9%) e o conjunto de 24 novas AIRs que se estabeleceram
depois de 1995 criou 373,4 mil empregos industriais (55,1%). Em ambos os gru-
pos de macrorregiões o número de empregos das novas AIRs (surgidas pós-1995)
foi levemente superior à quantidade de novos empregos gerados pelas antigas
AIRs (já existentes em 1995). Esse é, sem dúvida, um resultado relevante, pois
traz mais elementos para a conrmação de que a atividade industrial encontrou
sua melhor localização em novos territórios ainda não explorados e vem procu-
rando escapar das aglomerações consolidadas.
O expressivo montante total de novos empregos nas regiões Sudeste e Sul,
de 1,6 milhão, correspondeu a apenas 49,5% do total prevalecente nessas re-
giões, de 3,4 milhões já existentes em 1995. Contudo, nas outras três regiões
(Norte, Nordeste e Centro-Oeste), os 678,5 mil empregos novos totais criados
corresponderam a uma proporção de 131,9% do montante já existente em 1995
(de 514 mil empregos). Ou seja, o volume de novos empregos criados (por todas
as AIRs das regiões de interesse da política regional) foi superior ao montante do
emprego existente em 1995.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
268
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De maneira geral, podemos armar que o processo atual de desconcentração
das atividades industriais, ainda que tenha se mostrado territorialmente disse-
minado, indo mais além do que já havia sido percebido no período 1970-1991,
contudo, não se mostrou capaz de romper com o padrão pretérito de preferência
locacional no chamado polígono industrial das regiões Sudeste e Sul. Isso ocorre
porque os setores que o comandam são, preferencialmente, os relacionados à dis-
ponibilidade de terras agricultáveis e fontes de matérias-primas nas regiões de
fronteira ou de baixo custo de mão de obra, pouco capazes, todavia, de gerar um
campo aglomerativo para economias de escala e escopo em dimensão suciente
para rivalizar com aquele já consolidado no país.
4 POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS NO TERRITÓRIO: TRABALHANDO
PELA DESCONCENTRAÇÃO
Vimos anteriormente que a atividade industrial havia apresentado sinais mais positi-
vos no subperíodo 2007-2015 que no anterior, 1996-2006 (tabela 1). Esse compor-
tamento foi verdadeiro, na indústria extrativa e na transformação, para as taxas de
crescimento do VTI, e também para a recuperação dos níveis de produtividade média
do trabalho. As marcas de recuperação, contudo, foram capturadas pelas indústrias
intensivas em recursos naturais e em mão de obra, com menor poder de arrasto sobre
os demais setores, em detrimento de indústrias intensivas em escala e em tecnologia
diferenciada, possuidoras de maior efeito multiplicador intersetorial.
Tem se tornado estabelecido no debate regional que a força produzida pela
expansão da demanda mundial por commodities agrícolas e minerais brasileiras deve
ser vista como elemento determinante no sentido da consolidação da reorientação
setorial regressiva, tal como a descrevemos. Autores como Macedo (2010) e Pinto
(2013), entre outros, têm assinalado fortemente pela relevância das atividades vol-
tadas para a exportação como reconguradoras da desconcentração territorial das
atividades em geral em prol do crescimento das regiões produtoras de commodities
agrícolas e minerais (mais marcadamente, Centro-Oeste e Norte).
Concordamos plenamente com a importância do vetor externo na denição
de certos territórios da desconcentração. Contudo, armamos adicionalmente
que um esforço de reação foi realizado por políticas públicas nesse mesmo período
visando à alteração e/ou atenuação de processos indesejados. Sugerimos que o
governo brasileiro teria reagido para tentar se contrapor ou deter os efeitos mais
visíveis dessa trajetória de transformação da indústria em curso no período. Acre-
ditamos ser relevante encaminhar tal discussão, pois contribui para a avaliação das
opções de políticas públicas postas em andamento, em particular daquelas com
impactos territoriais mais evidentes.
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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269
Para entender muitas das ações governamentais realizadas será preciso reco-
nhecer que a dimensão temporal dos investimentos e dos programas em imple-
mentação tende a ter efeitos e resultados em médio e longo prazos e, portanto, não
percebidos imediatamente. De um lado, projetos de infraestrutura bancados por
governos tendem a ter longa etapa de construção (como hidrelétricas, aeroportos,
anéis viários metropolitanos, metrôs etc.). De outro lado, os investimentos privados
motivados ou não para o atendimento da demanda mundial por grãos, carnes e
minérios tendem a ter horizonte temporal de nalização de mais curto ou médio
prazo. O setor privado, em regra geral, tem mais pressa que os governos de concluir
e colocar em operação seus projetos de investimento. É próprio da lógica do mercado
buscar rentabilizar os recursos aplicados em prazo curto de tempo.
Considerando de maneira mais aprofundada essa dimensão temporal das
ações do governo vis-à-vis às do setor privado, organizamos informações sobre
as intenções e realizações governamentais e seus impactos territoriais efetivos e
prováveis. No período pós-2007, depois da criação do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), o governo federal organizou uma carteira ousada de investi-
mentos para diversos setores e atividades econômicas no país. Os investimentos
previstos, inicialmente cerca da R$ 500 bilhões para um período de quatro anos,
deveriam ser capazes de mobilizar contrapartidas robustas do setor privado no
esforço nacional de superação de gargalos infraestruturais e de retomada da ex-
pansão industrial. O PAC se organizou em três eixos ou blocos de investimento:
infraestrutura logística (construção e ampliação de rodovias, ferrovias, portos, ae-
roportos e hidrovias); infraestrutura energética (geração e transmissão de energia
elétrica, produção, exploração e transporte de petróleo, gás natural e combustí-
veis renováveis); e infraestrutura social e urbana (saneamento, habitação, metrôs,
trens urbanos, universalização do programa Luz para Todos e recursos hídricos)
(Brandão, 2019a). Ao m da primeira rodada do PAC relativa ao período de
planejamento 2007-2010, o governo federal relançou o programa com dotações
orçamentárias incrementadas e novos projetos de investimento para o período
2011-2014. Em função de crises scais, remanejamentos foram feitos ao longo do
período, com corte de recursos em projetos de investimento em curso, bem como
eliminação de vários dos projetos anteriormente planejados.
Em primeiro lugar, consideremos os projetos de infraestrutura com impactos
regionais mais relevantes iniciados no período: a construção de usinas hidrelétri-
cas de Santo Antônio e Jirau (ambas em Rondônia), Teles Pires (Mato Grosso e
Pará), Estreito (Maranhão e Tocantins), Foz do Chapecó (Santa Catarina e Rio
Grande do Sul) e a de Belo Monte, em Altamira, no Pará; a ferrovia Transnor-
destina entre Pernambuco e Ceará; e a transposição do rio São Francisco. A cons-
trução das hidrelétricas envolve a mobilização de montantes de recursos muito
elevados, em particular os grandes projetos, como os de Santo Antônio e Jirau
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
270
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e de Belo Monte, que envolveram gastos muito consideráveis na fase inicial de
construção. No entanto, seu impacto sobre a economia do entorno tende a ser
pequeno. Poucas interligações setoriais têm sido produzidas com essas grandes
obras e na fase de funcionamento, quando a demanda por mão de obra é muito
reduzida, as usinas tendem a funcionar mais como enclaves regionais que como
investimentos dinamizadores da economia regional. No outro caso, das obras
de construção da ferrovia e da transposição do rio São Francisco, no Nordeste,
existe uma expectativa de que as reverberações inter-regionais venham a ser muito
superiores. Isso ocorre porque as obras perpassam várias UFs e municipalidades,
beneciando-as. Um ponto negativo a destacar é que, até o momento, esses pro-
jetos ainda não foram concluídos e estão sofrendo sucessivas interrupções por
restrições orçamentárias.
Em segundo lugar, os empreendimentos produtivos escolhidos pelo governo
para realização direta – por meio de suas empresas estatais, como o Complexo Pe-
troquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a renaria Abreu e Lima da Petrobras e
o estaleiro naval em Suape (Pernambuco) – ou por via indireta – por meio de faci-
litações de nanciamento de usinas eólicas em diversos estados da região Nordeste
(Bahia, Pernambuco, Ceará e Piauí); da indústria automobilística (Fiat/Jeep), em
Pernambuco; e da indústria siderúrgica, no porto industrial de Pecém, no Ceará.
Parte desses investimentos foi cancelada ou reduzida, especialmente na área
petroquímica. Os gastos no Comperj encontram-se praticamente parados. A re-
naria Abreu e Lima, em Pernambuco, sofreu atrasos nos planos de investimento
e está sendo nalizada a conta-gotas. Sua nalização estava prevista para 2015,
mas, no momento, a discussão prevalecente é de sua privatização em meio a um
elevado grau de ociosidade da planta pela queda na demanda de derivados de
petróleo. Do mesmo modo, o estaleiro naval foi completamente desativado e está
à espera de potenciais compradores. Esses dois empreendimentos representaram
desde a sua construção gastos próximos a R$ 15 bilhões, os quais encontraram
diculdades, nesse contexto de recessão econômica, de ser viabilizados.
Os investimentos em energia eólica estão ainda sendo realizados e já fa-
zem parte da estrutura produtiva de regiões como Sudeste e Nordeste. Particu-
larmente no Nordeste, os avanços foram signicativos, tornando essa região,
para além de suprir sua própria demanda de energia elétrica, uma ofertante de
excedente para o sistema nacional. Os volumes de recursos previstos eram ex-
pressivos e teriam chegado a R$ 35 bilhões para todo o país, segundo Brandão
(2019a). Nesse caso, as usinas têm impacto local reduzido, geram poucos em-
pregos e sua contribuição à geração de tributos também é limitada. Os equipa-
mentos e a tecnologia do setor podem ser produzidos no país, mas respondem a
imperativos externos de controle tecnológico, fazendo com que o multiplicador
intersetorial ainda seja muito baixo.
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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271
Diferentemente do quadro observado no setor eólico, os investimentos no
projeto automobilístico foram ousados, com novas plantas e/ou montadoras em
regiões desenvolvidas de São Paulo (Chery, Honda, Hyundai e Toyota), Rio de
Janeiro (Nissan, Jaguar Land Rover), Santa Catarina (BMW), Paraná (Audi-VW)
e também regiões reconhecidas pela indústria tradicional, como Pernambuco
(Jeep), Bahia (JAC Motors) e Goiás (Hyundai-CAOA e Mitsubishi). O parque
produtivo automobilístico tornou-se um dos mais importantes entre as econo-
mias em desenvolvimento, mas a recessão iniciada em 2015 e presente até o mo-
mento tem resultado em forte queda da produção. No início de 2021 a empresa
Ford resolveu de maneira inesperada cancelar suas operações de produção no
país e fechar unidades em três estados: Camaçari (Bahia), Taubaté (São Paulo) e
Horizonte (Ceará).
No caso da siderúrgica no Ceará, o investimento foi concluído pelo setor
privado, contando com nanciamentos de recursos públicos do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Nordeste do
Brasil (BNB). A planta já se encontra em operação, ocupando quase metade da
área do complexo industrial de Pecém. Os efeitos multiplicadores de tais inves-
timentos não são imediatos e somente se ampliam à medida que novos fornece-
dores passam a decidir pela proximidade de localização. Isso é mais verdadeiro
para o caso da automobilística que para o da siderúrgica, que realiza um estágio
ainda muito inicial de processamento do minério de ferro bruto proveniente do
Maranhão e exporta o lingote de aço para a Coreia do Sul e a Europa.
Em terceiro lugar, a direção indicada pelos nanciamentos do BNDES e
dos bancos públicos regionais – BNB e Banco da Amazonia S.A. (BASA) – no
território congura-se, sem dúvida, como elemento explicativo para os vetores
regionais consolidados pela indústria. Vejamos inicialmente que a articulação,
nem sempre devidamente coordenada, de instrumentos de políticas públicas es-
teve à disposição da atividade econômica no território de regiões-alvo de políticas
regionais (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) no período 1995-2015. São recursos
que provocam impactos ora sobre a estrutura e o nível da demanda de consumo,
ora sobre a demanda por investimento regional, como veremos.
São três as modalidades macroeconômicas de gastos apresentadas a seguir
(tabela 5): i) o gasto público federal direto; ii) o nanciamento público federal ao
empreendimento privado por meio dos bancos regionais (crédito dos fundos cons-
titucionais de nanciamento e recursos do BNDES); e, nalmente, iii) recursos de
transferências sociais diretas a pessoas na forma do Programa Bolsa Família (PBF)
e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A primeira modalidade aumenta
a demanda regional de investimento por efeito do gasto público sobre o setor priva-
do; a segunda modalidade atua diretamente para nanciar a demanda privada de
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
272
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investimento empresarial; e a terceira modalidade corresponde a recursos públicos
que se transformam em demanda de consumo privado das famílias.
TABELA 5
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: modalidades e recursos de política pública
com impactos regionais (valores acumulados no período 2000-2015)
(Em R$ bilhões)
Região
Investimento
público federal
(OGU =
Orçamento Geral
da União)
(A)
Crédito público ao
investimento privado Programas
sociais a
pessoas1
(E)
Total dos
recursos
mobilizados
(A + D + E) =
(F)
Fundos constitucionais
regionais
(B)
Desembolsos
BNDES
(C)
Subtotal
(B + C)
= (D)
Nordeste 209,2 156,5 278,6 435,1 209,2 853,5
% 24,5 18,3 32,6 50,9 24,5 100,0
Norte 89,8 53,3 150,3 203,6 82,5 375,9
% 23,9 14,1 39,9 54,1 21,9 100,0
Centro-Oeste 74,2 75,5 217,3 292,8 87,0 454,0
% 16,3 16,6 47,9 64,5 19,2 100,0
Total 373,2 285,3 646,2 931,5 378,7 1.683,4
% 22,2 16,9 38,4 55,3 22,5 100,0
Fonte: Investimento público federal – Secretaria de Orçamento Federal (SOF), Ministério do Planejamento; fundos constitucionais –
Ministério da Integração Nacional; desembolsos do BNDES – relatórios anuais do BNDES (vários números); PBF – Ministério do Desen-
volvimento Social; e BPC – Ministério da Previdência.
Nota: 1 Programas sociais: PBF e BPC. Este último teve seu início em 2004. Os dados aqui utilizados são do período 2004-2015.
Como se sabe, a temporalidade para a realização do gasto em cada modali-
dade é diferente. A demanda de consumo das famílias é de curto prazo e se realiza
tão logo as transferências monetárias são feitas pelo governo. Nesse caso, os recur-
sos se transformam em demanda do setor privado, em pagamento de salários e em
impostos no ciclo temporal quase que imediato.
Os gastos em investimento do governo federal, por sua vez, terão seu im-
pacto regional amplicados se forem mais direcionados para atividades que de-
mandam insumos, bens e mão de obra local ou regional. A construção de uma
renaria de petróleo, por exemplo, tende a produzir substanciais vazamentos de
renda pela compra de equipamentos e serviços especializados no exterior (fora do
país ou fora da região na qual o empreendimento se realiza), pois parte considerá-
vel de seus equipamentos e maquinários é produzida fora do país. Regra geral, o
tempo para a conclusão de um investimento público se coloca em médio e longo
prazos, principalmente se disser respeito a infraestruturas de logística, transportes
ou comunicações.
Por m, o papel do governo em prover de crédito o setor privado regional
visa a aumentar a demanda por investimento do próprio setor privado, o que
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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273
signica que o efeito multiplicador aqui também pode em parte (ou em grande
parte) se dissipar para fora da região na compra de bens de capital; sua tempo-
ralidade é também de médio e longo prazos. A construção de uma fábrica nova
demora a ser concluída e entrar em operação.
Por essas razões mencionadas, a atuação governamental para gerar efeitos mul-
tiplicadores no território deve necessariamente coordenar e antecipar os movimen-
tos desejados para que tipologias de gasto gerem efeitos de espraiamento setorial e
regional dinâmicos. Isso nos leva a reetir que diversos projetos de investimento
planejados e iniciados pelo governo, caracterizados por sua elevada envergadura de
recursos e por sua execução de prazo longo de tempo, não apresentam, no momen-
to atual, seu maior potencial de modicação das estruturas econômicas regionais.
Vários deles foram, na verdade, interrompidos na sua fase de construção, resultan-
do em desperdício de recursos produtivos. Outros, nalizados em meio à recessão
recente (2015-2020), estão funcionando com capacidade ociosa e, no momento,
impedidos de desempenhar seu maior potencial regional.
Cientes dessa dimensão temporal da nalização de dado investimento pla-
nejado, podemos avaliar os potenciais impactos dos projetos de investimentos a
partir das sucessivas e não coincidentes ondas de nalização, início de atividades
e de geração de efeitos multiplicadores.
Os montantes efetivamente realizados pela ação governamental no período
2000-2015 foram bastante signicativos (R$ 1,7 trilhão) e sugerem que marcas ter-
ritoriais relevantes foram realizadas, tornando-se elementos de consideração sobre
equipamentos produtivos (públicos e privados) implantados nas regiões de especial
interesse da política regional brasileira. Nas três regiões, a soma do crédito ao inves-
timento privado com o gasto em investimento do governo federal – que pode ser
entendida como uma variável proxy da demanda total regional por investimento–
esteve no patamar médio de 75% das três modalidades de recursos investigadas
(soma dos itens A + D na tabela 5). Esse robusto patamar de demanda agregada
regional por investimento concorre, de um lado, para favorecer as expectativas cor-
rentes de transformações na estrutura produtiva prevalecente e, de outro lado, para
a viabilização de uma trajetória futura de continuidade da desconcentração relacio-
nada à disponibilidade de terras agricultáveis e fontes de matérias-primas nas regiões
de fronteira ou de baixo custo de mão de obra.9 Seu efeito multiplicador, que não
foi elevado durante sua implantação, começaria a atuar depois da plena nalização
do investimento. Desafortunadamente, tal nalização passou a ocorrer em meio à
9. Estudo de Silva e Marques (2020) sobre a distribuição regional dos recursos do BNDES para a indústria e para
infraestrutura, cobrindo o período 2000-2018, indica o esforço e o êxito da instituição federal em aumentar a
participação das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste na disponibilidade total de crédito para projetos estruturadores.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
274
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crise econômica e à desaceleração de alguns dos projetos iniciados. O potencial de
ampliação dos impactos territoriais nas regiões-alvo foi prematuramente limitado.
A atuação governamental arduamente construída no período 2007-2015 e
que almejava gerar impactos duradouros sobre recortes do território brasileiro, em
particular nas regiões Nordeste e Norte, passou a sofrer de solução de continui-
dade ao arrepio da crise econômica e dos desarranjos scais do governo federal.
O vetor de desconcentração que esse esforço pretendeu gerar foi enfraquecido,
porém ainda pode ser devidamente resgatado se o planejamento federal se inte-
ressar na conclusão dos projetos mais relevantes.
5 CONCLUSÃO: DESCONCENTRAÇÃO TERRITORIAL HETEROGÊNEA E
LIMITADA DA INDÚSTRIA
No período recente analisado assistimos ao enfraquecimento da capacidade in-
dustrial nacional consubstanciado na signicativa diminuição da participação
dos setores promotores de encadeamentos interindustriais e inter-regionais – as
indústrias intensivas em escala de produção e escalas tecnológicas diferenciadas
e avançadas – no total da indústria nacional com a concomitante expansão de
setores ligados à base de recursos naturais e atividades extrativas, os quais, por sua
vez, apresentam efeitos de irradiação interindustrial muito mais limitados. Estes
últimos encontraram ambiente favorável para sua expansão em razão do contexto
internacional favorável para a demanda de bens commodities agrícolas e minerais
abundantes no país.
Sem dúvida, as transformações negativas pelas quais passa a indústria brasi-
leira estão a requerer cuidadosa reexão sobre suas causas. A perda generalizada de
potência desse setor sinaliza para a presença de efeitos colaterais muito relevantes
sobre o desenvolvimento regional. O crescimento econômico em regiões de aten-
ção da política regional está entrando em trajetória de rendimentos decrescentes
e associado à perda de competitividade estrutural.
Apontamos que o aludido panorama de regressão industrial tem caminhado
ao lado da continuidade da desconcentração regional da atividade industrial entre
1995 e 2018. Observado o VTI, sua composição se alterou pela perda de presença
da parte cabida à região Sudeste, que sofreu redução de 8,0 p.p. de sua partici-
pação relativa no total nacional – e cujo resultado foi inuenciado pela perda de
15,0 p.p. observada no estado de São Paulo – para as demais regiões brasileiras.
Na escala microrregional de observação, os resultados obtidos ofereceram
uma perspectiva analítica renovada. Recorrendo ao conceito de AIRs para a dinâ-
mica econômica de microrregiões brasileiras, concluímos que as atividades indus-
triais emergentes no período decidiram preferencialmente por: i) se localizar em
aglomerações de tamanho médio com empregos industriais variando entre 10 e
A Indústria na Reconfiguração Territorial Brasileira: novas expressões dos
dilemas nacionais no século XXI
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275
até 50 mil unidades – as quais aumentaram sua posição no total do emprego de
32,9% para 44,6% entre 1995 e 2015; e ii) estar em agrupamentos populacionais
de até 500 mil habitantes – grupo que passou a representar de 15,6% para 23,3%
do VAB da indústria nacional entre 2000 e 2015 – ora nas regiões mais desenvol-
vidas do Sudeste e Sul, ora também, ainda que em menor escala, nas regiões da
política regional (Norte, Nordeste e Centro-Oeste).
Ao lado do curso territorial estimulado pela força das commodities agro-
minerais, o qual ensejou a dispersão de atividade industrial para aglomerações
industriais de pequeno porte mais distantes das grandes aglomerações metropoli-
tanas do Sudeste, a atuação governamental perseguiu, por meio do planejamen-
to de ações no âmbito do PAC, o favorecimento à descentralização de plantas
industriais e de grandes obras de infraestrutura fora das áreas metropolitanas e
das regiões desenvolvidas visando à consolidação de um quadro mais disperso
de atividades produtivas no território. Acreditamos que a nalização de projetos
ainda em curso bem como a maturação dos efeitos multiplicadores intersetoriais
e regionais daqueles recém-concluídos poderão adicionar ainda mais potência à
desconcentração regional e, por essa razão, não deve ser descontinuada.
De um ponto de vista do nanciamento da política regional, uma questão
bem prática e preocupante se coloca em face do enfraquecimento da produção e
do valor agregado industrial: a arrecadação geral de impostos de bens industria-
lizados (IPI) – responsável por parte do funding dos fundos constitucionais de
nanciamento (FCFs), elementos centrais para nanciar empreendimentos nas
regiões – deverá apresentar uma curva de declínio ou expansão fraca nos próximos
anos comprometendo, desse modo, a possibilidade de a política regional continu-
ar a contribuir para a redução das desigualdades. É um problema que a sociedade
e o corpo político nacional não poderão deixar de enfrentar.
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CAPÍTULO 8
ASPECTOS DA EVOLUÇÃO REGIONAL DO MERCADO DE
TRABALHO FORMAL NO BRASIL (2002-2018)1
Fernando Cézar de Macedo2
Leonardo Rodrigues Porto3
1 INTRODUÇÃO
Neste início do século XXI, a dinâmica regional brasileira foi inuenciada por
diversos fatores que não se relacionam com as políticas de desenvolvimento territorial,
em particular com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).4
Entre esses fatores, cabe destacar quatro que se relacionam aos objetivos deste texto:
i) a ampliação dos postos de trabalho e a queda do desemprego; ii) o aumento
da formalização do mercado de trabalho no Brasil; iii) a ampliação do poder de
compra da força de trabalho formalizada; e iv) o aumento real do salário mínimo.
Tais fatores tiveram importância para a retomada do crescimento da economia
brasileira em alguns períodos deste século. Com isso, reverteu-se o quadro de
baixo desempenho vericado nas duas décadas anteriores.
Nos anos 1990, a orientação de políticas neoliberais impôs uma reestruturação
produtiva e econômica que afetou as condições de trabalho. Destacam-se o aumento
da exibilização do trabalho, associado às terceirizações que se avolumaram no
contexto da reestruturação produtiva; o aumento da concorrência externa pela aber-
tura indiscriminada e não planejada da economia brasileira; e a intensicação do pro-
cesso de privatizações. As taxas de desemprego apresentaram tendência ascendente,
em especial após a implementação do Plano Real (1993-1994) e das reformas
que o seguiram,5 além do evidente aumento da informalidade (Krein e Manzano,
2014). Apenas a partir de 2003 essa tendência se reverteu, em decorrência de um
quadro favorável da economia brasileira até o ano de 2008.
1. Uma versão ligeiramente modificada deste capítulo foi publicada na revista Semestre Económico, da Universidade
de Medellín, da Colômbia (Porto e Macedo, 2021).
2. Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp); pesquisador do Centro de
Estudos do Desenvolvimento Econômico (Cede); e pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento
Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Dirur/Ipea). E-mail: <fcmacedo@unicamp.br>.
3. Doutor em desenvolvimento econômico pelo IE/Unicamp; e pesquisador bolsista de pós-doutorado pelo Programa
de Pós-graduação em Economia Regional e Políticas Públicas (PERPP) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
E-mail: <lnrdporto@gmail.com>.
4. Uma discussão sobre os principais determinantes da dinâmica regional brasileira neste século pode ser encontrada
em Macedo e Porto (2018).
5. As taxas de desemprego no Brasil começaram a cair a partir de 2004.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
280
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Ao lado dos quatro fatores mencionados, outros foram decisivos para a
retomada do crescimento do mercado interno nos anos 2000, com destaque para
o aumento do consumo das famílias. Políticas como a ampliação do crédito e
a expansão do investimento público e privado, além do barateamento dos bens
industriais pelo aumento das importações, zeram com que o consumo das famí-
lias – em especial, aquelas de baixa renda – crescesse acima do produto interno
bruto (PIB) brasileiro, alterando sua composição na demanda agregada pós-2006
(Amitrano, 2015). Além disso, observou-se o crescimento da participação da renda
do trabalho na renda nacional. Por essa razão, Baltar et al. (2010) consideram o
período de 2004 a 2013 como de crescimento com inclusão social. Já Bielschowsky
(2012) aponta o período como de crescimento com redistribuição de renda pela
via do consumo de massa.
Não obstante, a análise agregada empreendida nos estudos sobre o mercado
de trabalho não possibilita compreender as especicidades espaciais desse movi-
mento. Com efeito, o desempenho de cada região apresenta características próprias,
sobretudo quando observado em diferentes escalas regionais. Nesse sentido, o
objetivo deste capítulo é analisar a evolução regional do emprego formal no país
entre os anos 2002-2014 e 2015-2018. Procurou-se discutir as especicidades da
reativação do mercado de trabalho e o seu impacto regional na geração de empregos,
segundo diferentes escalas espaciais e conforme os setores de atividades mais
expressivos nessas escalas.
Na próxima seção, há uma breve caracterização do quadro macroeconômico
do período e suas repercussões tanto espaciais quanto no mercado de trabalho.
Além disso, discute-se a evolução do produto e dos principais setores de atividade
captados pelas Contas Regionais e pelo PIB municipal. Nas seções seguintes,
discute-se a evolução do emprego formal no Brasil entre os anos 2002-2014 e
2015-2018, em diferentes agregações regionais.
2 O DESEMPENHO DA ECONOMIA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI E SUA
DIMENSÃO ESPACIAL
A partir do ano de 2003, o mercado de trabalho no Brasil reverteu o péssimo
desempenho vericado nos anos 1990. A demanda internacional de commodities
e a elevação de seus preços até a crise mundial de 2007, bem como as políticas
anticíclicas pós-2008, mantiveram o crescimento da economia brasileira. As
condições macroeconômicas mais favoráveis na primeira década deste século, em
comparação aos anos 1990, possibilitaram ações que sustentaram sua trajetória
de crescimento. Após a deagração da crise mundial, o crescimento continuaria,
mas em ritmo menor. A partir de 2014, no entanto, observa-se a reversão
desses indicadores.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
281
Na tabela 1, evidenciam-se os fatores determinantes do crescimento da eco-
nomia brasileira entre 2000 e 2019; além disso, destaca-se o desempenho das
exportações no período 2003-2008. Depois, com a crise e a queda do preço
das commodities, o consumo das famílias passa a ter destaque, beneciando-se da
ampliação do crédito ao consumidor e da maior capilaridade dos bancos públicos,
com abertura de novas agências. Entre 2008 e 2013, também se observa o cresci-
mento da formação bruta de capital xo (FBCF), que teve forte componente do
gasto público com obras de infraestrutura e investimentos do programa Minha
Casa, Minha Vida (MCMV); já a partir de 2014, é possível vericar a retração
do PIB. Entre 2014 e 2019, apenas as exportações tiveram desempenho positivo;
ainda assim, muito abaixo do que se vericou até 2008.
TABELA 1
Brasil: taxa média anual de crescimento da demanda agregada (2000-2019)
(Em %)
Demanda Períodos
2000-2003 2003-2008 2008-2013 2008-2014 2014-2019
PIB a preços de mercado 1,9 4,8 3,2 2,8 -0,6
Consumo das famílias 0,5 5,3 4,5 4,1 -0,3
Consumo do governo 2,7 3,1 2,6 2,3 -0,4
FBCF -1,4 8,2 5,6 3,9 -4,8
Exportações 8,9 7,0 1,7 1,2 2,8
Importações -3,8 14,4 7,8 6,1 -2,1
Fonte: Sistema de Contas Nacionais (SCN) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A renda média per capita no país também cresceu no período pós-2003.
Têm destaque as regiões Nordeste e Centro-Oeste, cujo desempenho foi acima
da média nacional, conforme demonstrado por Macedo, Pires e Sampaio (2017),
o que inuenciou as taxas de crescimento do consumo das famílias no agregado
Brasil. O crescimento do consumo e da renda média caram bem acima do
vericado para os anos 1980 (da crise da dívida) e 1990 (do ajuste neoliberal).
A elevação da renda pós-2003 derivou do crescimento econômico, da formalização
do emprego e das políticas de transferência de renda. Em consonância com a am-
pliação do crédito às famílias, vericou-se elevação do consumo, principalmente
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, que apresentaram desempenho
superior ao das regiões Sul e Sudeste, medido pelo índice de vendas no varejo
(Macedo, Pires e Sampaio, 2017).
Em relação à FBCF, os investimentos públicos também tiveram importância
regional. As participações das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste na carteira
de investimentos superaram suas participações no PIB brasileiro (Macedo, Pires
e Sampaio, 2017), em aderência ao modelo exportador do país centrado em
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
282
|
commodities. Os gastos públicos em logística e transportes tiveram alta participação
nessas três regiões. Além do estímulo à demanda agregada, esse tipo de gasto teve
relevância para a redução dos custos de transportes – necessários ao aumento da
competitividade sistêmica, em função da pauta exportadora do país.
De acordo com Macedo (2015), esses investimentos também contribuem
para a estruturação regional e urbana no país, já que na rede urbana e nos espaços
intraurbanos dos municípios afetados emergem novas centralidades. É o caso do
crescimento das cidades ao longo da BR-163 e seus papéis para a circulação da
cadeia de carne e grãos. Elas promovem a reorganização interurbana, com cidades
assumindo novas funções na rede urbana, relacionadas às infraestruturas constituídas.
Os investimentos nos portos do Arco Norte,6 por exemplo, trarão mudanças
signicativas na organização do espaço regional da região Norte, ao possibilitar
nova espacialização na circulação das exportações com menor dependência dos
portos do Sul e do Sudeste.
Apesar da redução no ritmo de crescimento pós-2008, as exportações con-
tinuaram desempenhando papel relevante na organização do espaço regional e
urbano brasileiro. Ao longo das últimas décadas, o crescimento das exportações
ampliou o grau de abertura da economia brasileira e de todas as suas regiões.
Do mesmo modo, ampliou a produção e a circulação de mercadorias pelo interior do
Brasil, que passou a crescer acima da média de sua economia (Macedo e Porto,
2018). Em grande medida, esse desempenho foi puxado pela produção agroindustrial
e mineral voltada para o atendimento do mercado mundial.
A geração de divisas advindas do interior do Brasil contribuiu para garantir
uma capacidade de importação que sustentasse a ampliação do consumo no período
pós-2008 (Macedo, 2010). Hoje, o interior do país funciona como plataforma
territorial de geração de divisas, em parte drenadas para o consumo nos maiores
centros urbanos. De acordo com Macedo e Porto (2021), ampliou-se a participação
das microrregiões (MRGs) do interior do Brasil no valor total das exportações. Os
municípios classicados nos menores níveis da hierarquia urbana do país foram
os que mais ampliaram sua participação no total das exportações brasileiras. Esses
municípios estão em áreas ligadas ao agronegócio (no Centro-Oeste e no Norte
do país) e à indústria extrativa (por exemplo, no sudeste do Pará). Como são áreas
de crescimento da população urbana, a pressão sobre os municípios é crescente.
No período 2003-2014, a desconcentração produtiva regional no país obedeceu
tanto ao ritmo de crescimento das atividades econômicas quanto aos resultados das
políticas públicas implementadas pós-2003. O avanço da fronteira agromineral
resultou em ganhos de participação das regiões Norte (+3,4 pontos percentuais – p.p.)
6. O Arco Norte compreende portos hidroviários ou estações de transbordos dos estados de Rondônia, Amazonas,
Pará, Amapá e Maranhão.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
283
e Centro-Oeste (+1,5 p.p.) no valor adicionado bruto (VAB) total da agrope-
cuária brasileira. Com a indústria extrativa, a região Norte apresentou ganho
no total do país de 2,1 p.p., puxado pelo crescimento da exploração mineral no
sudeste do Pará.
A indústria de transformação seguiu tendência de desconcentração, mas
deve-se considerar sua participação na composição do PIB brasileiro: caiu de
16,9% em 2003 para 12,0% em 2014. Seu desempenho foi melhor no período
2003-2008, quando o crescimento da economia esteve mais atrelado ao desempenho
do setor externo e cresceu à taxa média de 4,2% ao ano (a.a.). No período seguinte
(2008-2013), o desempenho da indústria de transformação foi sofrível, com taxa
média anual de 1,0%, ou seja, as importações responderam mais rapidamente ao
consumo interno, mantendo elevadas as taxas de crescimento no período.
As diculdades na indústria de transformação se agravaram por maior con-
corrência externa e por seus problemas estruturais. Também foram afetadas pelo
acirramento da guerra scal de caráter mercantil. A chamada “guerra dos portos”
(Macedo e Angelis, 2013), sob o argumento de estimular os estados portuários
fora de São Paulo, gestou mecanismos de nanciamento das importações que
colocaram diculdades para a indústria localizada no Brasil. A crise na indústria
de transformação tem também uma dimensão espacial, dada sua ocorrência nos
maiores centros urbanos do país.
Em relação ao papel das políticas públicas, a ampliação do crédito e o cres-
cimento do número de agências e de postos de atendimento do Banco do Brasil e
da Caixa Econômica Federal facilitaram os nanciamentos do consumo da
população de baixa renda. O crescimento das participações do Norte (+0,6 p.p.),
do Nordeste (+1,6 p.p.) e do Centro-Oeste (+1,3 p.p.) no VAB nacional das
atividades nanceiras decorre, provavelmente, desse movimento de expansão dos
bancos públicos, pois nelas estão contabilizados os totais das operações nanceiras
localizadas em cada município.
A tabela 2 apresenta a distribuição setorial do PIB de acordo com as regiões
brasileiras. Destacam-se a queda da participação do Sudeste no VAB da indústria
de transformação do Brasil (-4,6 p.p.) e o crescimento das participações do Norte,
do Nordeste e do Centro-Oeste no VAB da construção civil – nesse caso, reetindo
os investimentos desconcentrados das obras de infraestrutura e do MCMV. O
setor da construção civil foi um grande gerador de empregos no período em todas
as regiões do país.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
284
|
TABELA 2
Distribuição setorial do PIB, por macrorregião (2003 e 2014)
(Em %)
Atividade econômica Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
2003 2014 2003 2014 2003 2014 2003 2014 2003 2014
Agropecuária 7,7 11,1 19,8 17,9 24,3 23,8 30,6 28,1 17,6 19,1
Indústria extrativa 7,0 9,1 12,3 6,3 77,5 82,5 1,6 1,0 1,7 1,2
Indústria de transformação 4,5 4,4 9,1 9,1 61,0 56,4 21,6 24,3 3,9 5,7
Serviços industriais de
utilidade pública (Siup) 5,1 7,4 15,0 16,3 52,3 44,8 17,4 19,4 10,2 12,1
Construção 5,4 6,8 14,6 18,3 56,7 50,7 15,6 14,6 7,8 9,6
Comércio 5,3 5,1 14,1 15,7 49,7 50,8 21,7 18,9 9,2 9,4
Transporte, armazenagem
e correio 4,0 4,0 11,7 11,2 60,6 62,8 18,1 15,5 5,6 6,5
Alojamento e alimentação 5,0 4,9 15,3 17,8 58,6 56,9 14,1 12,2 6,9 8,3
Informação e comunicação 1,9 2,0 10,2 7,9 68,8 70,5 12,3 13,4 6,8 6,3
Atividades financeiras 1,2 1,8 5,8 7,1 73,1 69,1 10,7 11,5 9,2 10,5
Atividades imobiliárias 5,2 5,0 13,9 15,2 55,9 54,5 17,1 16,6 7,8 8,6
Serviços às empresas 2,1 3,0 9,6 12,0 67,0 64,5 14,1 13,3 7,1 7,3
Administração pública 7,3 8,2 19,2 21,1 45,2 41,8 13,1 13,8 15,2 15,2
PIB 4,7 5,3 12,8 13,9 56,5 54,9 17,1 16,9 8,9 9,4
Fonte: Contas Regionais/IBGE.
A desconcentração produtiva em direção ao Norte, ao Nordeste e ao
Centro-Oeste deixou de ocorrer apenas em duas atividades econômicas: i) infor-
mação e comunicação, cuja concentração crescente no Sudeste reforça o padrão
de divisão territorial do trabalho no Brasil, em relação às atividades de maior
resistência à desconcentração regional; e ii) transporte, armazenagem e correio,
que apresentaram, no entanto, aumento de participação no agregado Brasil como
provável reexo da maior circulação promovida pelo modelo primário-exportador
de commodities. A região Centro-Oeste, em decorrência da maior circulação de
transporte e do crescimento da rede de armazenagem, ampliou sua participação,
passando de 5,6% do total nacional para 6,6% nesse período.
Outro aspecto importante é o crescimento de participação das atividades
terciárias no Brasil e em suas regiões. Para o país, o setor terciário passou de
65,8% do total do VAB em 2003 para 71,2% em 2014, com destaque para a
atividade de comércio, manutenção e reparação de veículos automotores e motoci-
cletas, que saltou de 9,5% do total do VAB em 2003 para 13,6% em 2014, ree-
tindo o aquecimento do mercado interno e a ampliação do consumo das famílias.
Na região Nordeste, o VAB de serviços passou de 66,7% para 74,3% do VAB
total no período indicado, enquanto a região Sul passou de 58,6% para 65,6%.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
285
Também foi no Nordeste que as atividades de comércio mais expandiram a parti-
cipação no VAB regional (+4,8 p.p.).
A indústria de transformação foi a atividade que mais perdeu participação
nas estruturas produtivas brasileiras e regionais, pelos motivos já assinalados. No
Brasil, a perda foi de 4,9 p.p. na composição do total do VAB, entre 2003 e 2013.
Entre as regiões, as cifras foram de: -5,9 p.p. no Norte, -3,9 p.p. no Nordeste, -6,0 p.p.
no Sul e -0,2 p.p. no Centro-Oeste. As diferentes estruturas produtivas exigem
estudos especícos para entendimento desse processo em cada região do país.
Em relação ao nível de hierarquia urbana, destaca-se a perda de participação
das metrópoles no total do PIB brasileiro, entre os anos de 2002 e 2014 (Macedo
e Porto, 2021). Vericou-se o crescimento da participação dos centros de zona e
centros locais e das cidades que assumem papel de intermediárias na rede urbana
brasileira (capitais regionais e centros sub-regionais). O fenômeno é mais intenso
nas regiões onde a fronteira agrícola avança, criando dinâmicas especícas sobre
cidades menores que, embora de reduzido tamanho populacional, passam a ter
maior relevância em seu espaço sub-regional.
O quadro de crescimento econômico, aumento do emprego, formalização
crescente e estabilização de preços aumentou a participação da renda do traba-
lho no PIB nacional. Os dados das Contas Nacionais indicam participação cres-
cente dos salários no PIB a partir de 2004, quando era de 30,6%, e salta para
34,6% em 2014. Esse crescimento foi generalizado para quase todas as regiões:
na região Norte, a participação dos salários e dos benefícios passou de 46,6% em
2010, para 50,0%, em 2014; no Nordeste, de 51,9% para 53,7%; no Sudeste,
de 48,7% para 50,1%; e no Sul, de 46,9% para 49,2%. No Centro-Oeste, houve
uma queda de 51,5% para 51,1%.
Por sua vez, a taxa de participação da força de trabalho se elevou neste iní-
cio de século, passando a decair a partir de 2015 (Macedo e Porto, 2021), com
comportamentos regionais distintos. Do mesmo modo, as ocupações no Brasil
cresceram de forma a acompanhar o ritmo da atividade econômica. Nesse sentido,
Baltar et al. (2010, p. 2) sugerem que “a diminuição da taxa de desemprego pode
ser atribuída à redução na taxa de participação (relação entre a População Econo-
micamente Ativa – PEA – e a População em Idade Ativa - PIA)”. No gráco 1,
percebe-se a reversão da tendência ascendente da segunda metade da década de
1990. As maiores quedas nessas taxas ocorreram no Sudeste e no Sul, entre os
anos de 2001 e 2013. O Nordeste apresentou redução do desemprego a um ritmo
menor que o do país. Até 2008, sua taxa de desemprego estava abaixo da média
brasileira e, nos anos seguintes, ela passa a car acima da média nacional.
A taxa de desemprego decresceu em maiores proporções nas regiões metro-
politanas (RMs), sobretudo naquelas localizadas no Sudeste e no Sul, embora
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
286
|
ainda apresentem taxas de desocupação acima da média nacional, em 2013, com
exceção de Curitiba e Porto Alegre. Essa maior redução do desemprego nas RMs
indica que, em período de crescimento, seu mercado de trabalho responde mais
rapidamente, ainda que com menores taxas de expansão do PIB.
Noutro aspecto, a redução na desocupação foi acompanhada por uma
melhoria na condição ocupacional. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, a participação da força de trabalho
com carteira assinada no Brasil passou de 29,3% do total das pessoas ocupa-
das com mais de 10 anos de idade em 2002 para 39,8% em 2013. Ao longo desse
período, houve crescimento; porém, em 2014 (com 39,1%) e em 2015 (38,6%),
observa-se um declínio, reexo da crise econômica.
GRÁFICO 1
Brasil: taxa de desemprego (1992-2015)
(Em %)
0
2
4
6
8
10
12
1992
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
2012
2013
2014
2015
Fonte: PNAD/IBGE e Ipeadata.
O crescimento da ocupação com carteira assinada foi generalizado para todo
o país. As regiões Norte e Nordeste continuaram com a menor participação dos
trabalhadores nessa categoria. Na primeira, o peso dos trabalhadores com carteira
assinada no total das ocupações passou de 20,1% em 2002 para 24,7% em 2013,
enquanto no Nordeste esses números foram de, respectivamente, 16,4% e 25,9%.
Seus níveis estiveram bem abaixo das participações do Sudeste (37,5% e 48,4%),
Sul (33,0% e 45,5%) e Centro-Oeste (27,6% e 41,0%). Em todas as regiões,
houve queda em 2014 e 2015, com exceções do Norte e do Nordeste, que ainda
apresentaram ligeira ampliação em 2014.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
287
Por m, houve signicativa queda da participação dos trabalhadores sem
remuneração no total, sobretudo no Nordeste, que declinou de 13,4% em 2002
para 3,6% em 2013. Nesta região, mais de 2 milhões de trabalhadores saíram da
condição de não remunerados entre esses dois anos assinalados. No mesmo período,
apenas a região Norte apresentou aumento de participação nessa categoria,
ampliando de 5,2% (em 2002) para 5,7% (em 2013).
3 COMPORTAMENTO RECENTE DA GERAÇÃO DE EMPREGO FORMAL NO BRASIL
Nos primeiros anos do século XXI, o emprego formal no país cresceu pelas razões
já indicadas. De acordo com os dados da Relação Anual de Informações Sociais
(Rais), o estoque de vínculos ativos formais saiu de 26,2 milhões, no ano 2000,
para 49,6 milhões, em 2014. Esse movimento representou crescimento médio
anual de 4,7%, cando acima da variação do PIB no mesmo período, que foi de
3,3% a.a. Os maiores percentuais foram vericados nas regiões Norte (6,9% a.a.),
Nordeste (5,4% a.a.) e Centro-Oeste (5,3% a.a.). A região Sudeste teve o pior
desempenho (4,1% a.a.), seguida pela região Sul (4,5% a.a.). Em suma, a descon-
centração produtiva regional também representou uma desconcentração produtiva
do emprego formal, como seria de se esperar.
Krein e Manzano (2014) apontam um conjunto de elementos que contribu-
íram para a melhora dos indicadores do mercado de trabalho no período, para
além das ações de estímulo à economia do governo federal. Dentre elas, destacam-se:
o aprimoramento do aparato regulatório; a consolidação das instituições e do
marco legal denido na Constituição de 1988; as novas perspectivas e os novos
programas das instituições públicas na área do trabalho; as políticas de incentivo
à formalização e à simplicação promovidas pelo Estado; e a ampliação do poder
de barganha dos sindicatos e dos trabalhadores.
Com isso, no pós-2003, o emprego formal cresceu a taxas mais elevadas que
o crescimento da economia brasileira e do próprio ritmo de geração de empregos,
medido pela evolução do pessoal ocupado (PO). Enquanto o estoque de PO no
Brasil aumentou em 15,9 milhões entre 2003 e 2013, o do emprego formal cresceu
em um total de 19,4 milhões. Esse desempenho representou um processo de
melhora na qualidade do emprego. Em parte, ele também responde pela elevação
da participação da renda do trabalho na demanda agregada. Ademais, a maior
formalização habilitou os trabalhadores a terem acesso mais fácil ao crédito e às
linhas de nanciamento do sistema bancário comercial.
Em termos regionais, o Sul e o Nordeste apresentaram maior relação entre
empregos formais gerados e novas pessoas ocupadas. A região Sul ampliou seu PO
em 1,8 milhão, enquanto o número de registros na Rais cresceu em 3,2 milhões.
Para o Nordeste, os números foram de 2,3 milhões e 3,8 milhões, respectivamente.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
288
|
Por sua vez, a região Sudeste teve crescimento de 7,0 milhões (PO) e 9,2 milhões
(vínculos ativos), e o Centro-Oeste teve crescimento aproximado das duas cifras,
sendo 1,7 milhão de PO e 1,8 milhão de empregos registrados na Rais. Apenas
a região Norte teve crescimento absoluto de empregos assinalados na Rais
(1,4 milhão de novos vínculos), em ritmo menor do que o crescimento da PO
(3,4 milhões).
Desse modo, o período 2002-2014 (esse último ano já de desaceleração)
marca uma fase positiva de expansão do mercado de trabalho formal brasileiro.
Não obstante, o período subsequente, de 2015 a 2018, inaugura uma nova fase,
ainda em processo, com forte reversão do quadro anterior, dada a queda dos
indicadores de emprego formal, sem que ainda tenham sido apontados indícios
de retomada.
Conforme demonstrado no gráco 2, o país apresentou queda brusca no
número de empregos formais nos anos de 2015 e 2016, levando as cifras para os
níveis do início da década. Já nos anos de 2017 e 2018, o mercado de trabalho
formal se estabilizou, sem quedas abruptas, mas sem retomar os padrões ante-
riores. Em 2018, o estoque de empregos formais no país era de 46,6 milhões de
vínculos ativos, algo 5,9% menor do que no ano de 2014. A queda chegou a ser
de -7,1%, no ano de 2016, equivalente a uma perda de 3,5 milhões de empregos
formais, entre 2014 e 2016, após dois anos de aumento expressivo das demissões
e de elevação do desemprego no país.
Em termos regionais, o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste apresentaram
maior expansão de empregos formais no período 2002-2014, contribuindo
para maior desconcentração. Após o ano de 2015, essa relação começa a se alterar,
conforme os diferentes impactos da crise econômica entre as regiões. A região Norte,
que teve o maior ritmo de expansão no período 2002-2014, reduziu seu estoque
de empregos formais em -4,8% entre 2014 e 2018, uma perda de 134 mil postos de
trabalho. Já o Nordeste teve perda acumulada de 485 mil postos de trabalho no
mesmo período, – uma redução de -5,3% dos vínculos ativos. Essa perda chegou
a ser de -7,6%, no ano de 2016 em relação a 2014. Ou seja, a região sofreu os
efeitos imediatos da crise econômica sobre o mercado de trabalho de forma mais
intensa que a média do país, num primeiro momento (2015-2016), se recuperando
nos anos subsequentes (2017-2018) e cando com o resultado relativo acumulado
mais favorável que o Brasil como um todo.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
289
GRÁFICO 2
Brasil e macrorregiões: evolução do número de empregos formais (2002-2018)
(Em %)1
75
100
125
150
175
200
225
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
Brasil Norte Nordeste Centro-OesteSulSudeste
Fonte: Rais/Ministério da Economia (ME).
Nota: 1 2002 = 100%.
A região Centro-Oeste apresentou maiores oscilações no período 2015-2018.
Em relação ao ano de 2014, que foi o ápice do crescimento dos empregos formais,
a região perdeu 115 mil postos de trabalho, sendo a menor redução do país até
2018 em termos relativos (-2,7%). Isso signica que os impactos da crise sobre o
mercado de trabalho foram menores ali. Não obstante, o Centro-Oeste foi a única
região que voltou a apresentar redução de seus postos de trabalho, no ano de 2018,
após crescimento em 2017. O dado reete, também, a dinâmica econômica dessa
região, vinculada aos movimentos da demanda internacional de commodities.
As regiões Sul e Sudeste apresentaram os menores ritmos de expansão da
geração de empregos formais, entre 2002 e 2014, com a segunda apresentando
as menores taxas de crescimento. No período subsequente (de 2015 a 2018), o
Sudeste apresentou o pior desempenho relativo entre as cinco macrorregiões
brasileiras. Após 2014, a região perdeu 1,9 milhão de postos de trabalho – uma
queda relativa de -7,6%. Da mesma maneira, no subperíodo de 2017 a 2018, o
Sudeste foi a região com a pior capacidade de recuperação, cuja retomada foi de
apenas 0,2 p.p. dos empregos perdidos em 2015 e 2016. A região Sul teve perda
acumulada de 325 mil vínculos ativos nesse período de crise – uma queda de
3,8%. Seu desempenho só não é mais favorável do que o vericado na região
Centro-Oeste. O principal destaque é o subperíodo 2017-2018, quando a região recu-
perou boa parte dos empregos perdidos no subperíodo 2015-2016.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
290
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A tabela 3 apresenta as taxas de crescimento do emprego formal no Brasil
e em suas regiões, assim como sua distribuição regional nos diferentes períodos
analisados. Entre 2002 e 2018, o país elevou o número de postos de trabalho
formais a uma taxa média anual de crescimento de 3,1%. No período 2002-2014,
esse crescimento havia sido de 4,7% a.a., enquanto no período subsequente
(2015-2018) a queda foi de 1,0% a.a.
TABELA 3
Brasil e macrorregiões: taxas médias de crescimento anual do número de empregos
formais e participação relativa (2002-2018)
(Em %)
Níveis territoriais Taxas médias anuais de crescimento Participação relativa
2002-2018 2002-2014 2015-2018 2002 2014 2018
Brasil 3,1 4,7 -1,0 100,0 100,0 100,0
Centro-Oeste 3,7 5,3 -0,3 8,1 8,7 9,0
Nordeste 3,7 5,4 -1,0 16,9 18,4 18,5
Norte 4,6 6,6 -0,7 4,5 5,7 5,7
Sudeste 2,6 4,2 -1,4 52,7 50,0 49,1
Sul 3,1 4,4 -0,4 17,7 17,2 17,6
Fonte: Rais/ME.
Entre as macrorregiões brasileiras, vericou-se o aumento da participação
relativa das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O Norte elevou sua parti-
cipação na distribuição dos empregos formais do país em 1,2 p.p., no período
2002-2018, passando de 4,5% do total do país, em 2002, para 5,7%, em 2018.
No período 2015-2018, a região apresentou perdas a um ritmo de 0,7% a.a., de
modo que manteve a sua participação no total do país em relação ao ano de 2014
(que era de 5,7%).
O Nordeste passou de 16,9% do total de vínculos ativos formais do país, no
ano de 2002, para 18,4% em 2014 (auge do crescimento) e para 18,5% em 2018,
durante a crise. Esse resultado reete as quedas mais acentuadas apresentadas pela
região Sudeste, vericadas no período. Com efeito, o Nordeste apresentou perda
de empregos formais a uma taxa de 1,0% a.a., similar à do Brasil. Entre as regiões, foi
o segundo pior desempenho, cando atrás apenas do Sudeste (queda de 1,4% a.a.),
onde os efeitos da crise foram mais signicativos.
O Centro-Oeste continuou elevando sua participação no total nacional de
empregos formais, mesmo após a crise. Ao todo, a região elevou sua participação
em 0,9 p.p., entre os anos de 2002 e 2018, passando de 8,1%, em 2002, para
8,7%, em 2014, e 9,0% em 2018. Na crise, a região foi a menos afetada, com
queda de 0,3% a.a., entre 2015 e 2018.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
291
O Sudeste apresentou desempenho relativo ainda mais sofrível. Perdeu
posição no período de maior crescimento da economia (2002-2014) e continuou
perdendo com a deagração da crise (2015-2018). O estoque de empregos
formais da região passou de 52,7% do total do país, em 2002, para 49,1%, em
2018, quando era de 50,0%, em 2014. Essa perda de 3,6 p.p. expressa a continui-
dade do processo de desconcentração dos empregos no país, motivada por fatores
diferentes. Na fase de crescimento, apresentou as mais baixas taxas de expansão
do emprego (4,2% a.a.) e, com a crise, ocorreram as maiores quedas, num ritmo
negativo de 1,4% a.a.
Por sua vez, a região Sul voltou a recuperar participação relativa com a crise.
Essa região, entre os anos de 2002 e 2014, passou de 17,7% do estoque de empregos
formais do Brasil para 17,2%, resultado da segunda menor taxa de expansão do
período (4,4% a.a.). No período 2015-2018, porém, voltou a recuperar partici-
pação com 17,6% do total de vínculos ativos em 2018. Esse resultado decorreu
de um ritmo de perda menor do que em outras regiões (-0,4% a.a.), cando atrás
apenas do Centro-Oeste.
Em termos setoriais, vericaram-se mudanças importantes na estrutura do
emprego formal e de sua distribuição entre as regiões, conforme dados da tabela 4.
Entre os anos de 2002 e 2018, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste ganharam
participação relativa em todos os cinco grandes setores analisados. A única exceção
é a perda de participação de 0,6 p.p. do Nordeste no setor agropecuário, em relação
ao total dos empregos no setor nesse período.
TABELA 4
Participação relativa do número de empregos formais, segundo o setor de atividade
econômica, por macrorregião (2002, 2014 e 2018)
(Em %)1
Macrorregião Indústria Construção civil Comércio Serviços Agropecuária
2002
Centro-Oeste 4,6 7,7 7,8 9,1 12,7
Nordeste 13,0 18,8 14,8 18,8 17,2
Norte 3,3 4,9 4,2 5,1 2,8
Sudeste 53,4 52,9 54,5 52,1 50,8
Sul 25,7 15,6 18,7 14,8 16,5
2014
Centro-Oeste 6,1 7,6 8,3 9,2 18,3
Nordeste 13,7 21,8 17,4 20,1 16,5
Norte 3,9 7,2 5,4 6,1 6,4
Sudeste 51,3 49,2 50,7 49,8 43,3
Sul 25,0 14,2 18,3 14,7 15,5
(Continua)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
292
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(Continuação)
Macrorregião Indústria Construção civil Comércio Serviços Agropecuária
2018
Centro-Oeste 6,5 8,2 8,4 9,3 19,5
Nordeste 13,9 19,2 17,3 20,4 16,6
Norte 3,7 6,0 5,4 6,3 6,6
Sudeste 49,9 50,5 50,3 48,8 42,3
Sul 26,0 16,1 18,6 15,1 15,0
Fonte: Rais/ME.
Nota: 1 Brasil = 100%.
A região Norte se destacou com a melhora de sua participação no número de
empregos formais da agropecuária, passando de 2,8% do total de vínculos ativos
neste setor, em 2002, para 6,6% em 2018 (elevação de 3,8 p.p.). Esse desempenho
reetiu a expansão do agronegócio exportador na região que apresenta maiores
índices de formalização do trabalho, em decorrência do perl das empresas que
operam no setor. Em relação ao ano de 2014, o Norte perdeu participação relativa
no setor da construção civil, com queda de 1,2 p.p. nesses quatro anos, sendo o
setor mais afetado na região com a crise pós-2015.
O Nordeste foi a região que mais ampliou participação do emprego formal
no setor de comércio (+2,5 p.p.) e de serviços (+1,6 p.p.) durante o período de
2002 a 2018. Em relação ao comércio, passou de 14,8% do total do país, em 2002,
para 17,4%, em 2014, e 17,3%, em 2018. Nos serviços, as cifras foram de 18,8%,
20,1% e 20,4%, respectivamente. O desempenho desses setores no Nordeste é
resultado direto das políticas adotadas no período, que favoreceram a expansão do
consumo das famílias. Durante a crise, o destaque negativo vai para a perda de
participação do setor da construção civil, com queda de 2,6 p.p. entre 2014 e 2018,
repercutindo os impactos da retração de um setor tradicionalmente empregador.
A região Centro-Oeste tem destaque positivo com o aumento na partici-
pação do número de postos de trabalho da indústria (extrativa, transformação
e Siup), durante o período analisado. Entre 2002 e 2018, os ganhos foram de
1,9 p.p., chegando a representar 6,5% dos empregos no setor em 2018, quando
era de 4,6%, em 2002. Em parte, esse desempenho é resultante do aumento de
empregos relacionados à agroindústria, e se deve também à expansão dos empregos
formais vinculados à agropecuária da região, com ganho de 6,7 p.p. nesse período.
Com efeito, a região passou a gurar com o maior número de postos de trabalho
no setor, em 2018, superando o Nordeste e o Sul, que eram os maiores em 2002.
Com a crise, o Centro-Oeste continuou ganhando participação relativa em todos
os setores analisados, destacando-se a agropecuária.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
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293
O Sudeste perdeu participação no número de vínculos ativos em todos os
cinco setores analisados entre 2002 e 2018. A indústria perdeu participação de
3,5 p.p. nesse período. A queda na construção civil foi de 2,4 p.p.; no comércio,
de 4,3 p.p.; e nos serviços, de 3,3 p.p. Na agropecuária, vericou-se uma queda de
8,5 p.p., inuenciada pelas mudanças produtivas no cultivo da cana-de-açúcar,
cada vez menos demandante de mão de obra. Com o advento da crise, a região
continuou perdendo participação setorial dos empregos no pós-2015. No entanto,
houve ganhos de participação da construção civil, que recuperou 1,4 p.p. dos
empregos formais entre 2014 e 2018.
Por m, a região Sul se destaca pela perda de participação dos empregos
formais do setor agropecuário durante todo o período analisado. Entre os anos
de 2014 e 2018, vericaram-se ganhos importantes na indústria, com aumento de
1,0 p.p., e na construção civil, com aumento de 1,9 p.p., passando de 14,2% dos
empregos em 2014 para 16,1% em 2018.
Em termos gerais, é possível dizer que o período de maior crescimento eco-
nômico (2002-2014) promoveu maiores transformações na estrutura setorial dos
empregos formais entre as regiões brasileiras. Com a crise econômica, os efeitos
recessivos sobre o mercado de trabalho foram generalizados, afetando mais ou
menos igualmente todos os setores, em todas as regiões. A principal exceção é
o caso da construção civil, bastante afetada com a crise, representando a maior
redistribuição do número de postos de trabalho entre as regiões, inclusive com a
reconcentração no Sudeste.
4 EVOLUÇÃO DO EMPREGO FORMAL POR MRGs (2002-2018)
A análise se complementa com um panorama do que aconteceu com o emprego
formal no âmbito das MRGs nesse período. Considera-se, inicialmente, a tipologia
sub-regional da PNDR aplicada às MRGs, conforme os parâmetros atualizados
por Macedo e Porto (2018). Seu desempenho pode ser observado na tabela 5,
para todo o período analisado (2002-2018).
TABELA 5
Taxas médias de crescimento anual do número de empregos formais e participação
relativa, segundo a tipologia sub-regional da PNDR (2002-2018)
(Em %)
Tipologia da PNDR Crescimento médio anual Participação relativa
2002-2018 2002-2014 2015-2018 2002 2014 2018
Alta renda 2,8 4,4 -1,3 78,2 76,1 75,1
Baixa renda 4,3 5,6 0,6 2,8 3,1 3,3
Dinâmica 4,4 6,1 -0,4 6,0 7,0 7,2
Estagnada 3,7 5,1 -0,3 13,1 13,8 14,3
Fonte: Rais/ME.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
294
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No ano de 2018, as MRGs de alta renda concentravam 75% dos empregos
formais do país, com 35 milhões de vínculos ativos, sendo as únicas que perderam
participação relativa durante o período analisado. Esse grupo apresentou a menor
taxa de crescimento dos postos de trabalho, com ritmo menos acelerado na fase
de maior crescimento, entre 2002 e 2014, e com maior queda no período da
crise, entre 2015 e 2018. As MRGs de baixa renda, que foram alvos prioritários
de políticas públicas, elevaram a sua participação no número de empregos for-
mais, mesmo no período da crise econômica. Esse foi o único grupo a apresentar
crescimento positivo entre 2015 e 2018, tendo apresentado cifra negativa apenas
em 2016, quando perdeu mais de 90 mil postos de trabalho em relação a 2015.
Em 2018, seu estoque de empregos formais foi de 1,5 milhão de vínculos ativos.
No caso das MRGs dinâmicas, houve redução do número de vínculos ativos
formais, entre 2015 e 2018, com um dos piores resultados entre os quatro grupos,
demonstrando freio justamente nas áreas que lideravam o crescimento no período
anterior. Entre 2002 e 2014, as MRGs dinâmicas elevaram sua participação re-
lativa no total do país. Em 2018, seu resultado decorre do péssimo desempenho
das MRGs de alta renda. Por sua vez, as MRGs estagnadas elevaram sua partici-
pação no total de empregos formais do país durante o período analisado. Em 2002,
respondiam por 13,1% dos postos de trabalho, passando para 14,3% em 2018.
O desempenho desses quatro grupos reforça o padrão vericado em outros
níveis territoriais de observação para esse período recente, já que, de 2015 a 2018,
o processo de desconcentração dos postos de trabalho decorreu, sobretudo, dos
impactos da crise econômica sobre as áreas de maior adensamento econômico
do país. Assim, há um processo diferenciado em relação ao período anterior,
quando a redistribuição dos vínculos ativos acompanhava o processo de descon-
centração econômica regional promovida pelo bom desempenho das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste.
4.1 O desempenho entre as MRGs no período 2002-2014
De acordo com os dados da Rais, o Brasil possuía 28,7 milhões de vínculos ativos
em 31 de dezembro de 2002, passando para 49,6 milhões no ano de 2014. Houve,
portanto, crescimento de pouco mais de 70% em doze anos, equivalente à taxa
média anual de 4,7%. Em outra medida, vericaram-se comportamentos diferen-
ciados pelo território brasileiro, segundo as MRGs. No ano de 2014, a MRG São
Paulo apresentou o maior contingente de vínculos ativos na Rais, com 6,1 milhões
de registros, ou 12,4% do emprego formal no país. Em seguida, aparece a MRG
Rio de Janeiro, com 3,5 milhões de postos de trabalho, ou 7,1% do total.
As maiores participações correspondem às MRGs onde estão situadas as prin-
cipais aglomerações urbanas do país. Por exemplo, as vinte maiores participações
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
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295
representavam 50% do total de empregos formais do Brasil, em 31 de dezembro
de 2014. Desse grupo, dez MRGs registraram perda de participação no
total de empregos formais do país, com relação ao mesmo período de 2002.
O fato decorre do menor ritmo de expansão do emprego formal nessas unidades
(mapa 1). A maior redução foi na MRG São Paulo, com queda de 1,3 p.p. no
período 2002-2014.
MAPA 1
Taxas de crescimento médio anual do emprego formal, segundo as MRGs (2002-2014)
Crescimento percentual (a.a.)
Microrregiões
Divisas estaduais
Demais países
Entre 7% e 10%
Entre 5% e 7%
Até 5%
Entre 10% e 15%
Mais de 15%
Fonte: Rais/ME.
De outro modo, as MRGs de Manaus (Amazonas) e de Sorocaba (São Paulo)
apresentaram as maiores taxas de crescimento do grupo, com médias anuais de
6,5% e 5,9%, elevando sua participação de 0,9% para 1,1%, e de 0,7% para
0,8%, respectivamente. Também se deve destacar a predominância das MRGs do
estado de São Paulo nesse grupo, com sete unidades que correspondiam a 18%
do total do país, no ano de 2014.
Quando se observam os níveis de crescimento do emprego formal, entre
os anos de 2002 e 2014, verica-se um comportamento divergente da concen-
tração apontada no parágrafo anterior. Por tal critério, demonstrado no mapa 1,
evidenciou-se que os melhores desempenhos ocorreram fora dos grandes nú-
cleos urbanos do país e das áreas de desenvolvimento mais consolidado.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
296
|
Com efeito, foram as MRGs do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste que
apresentaram os maiores ritmos de expansão do emprego formal no período.
A taxa média de crescimento anual entre as MRGs foi de 5,9%, e o coeciente
de variação (CV) foi de 54%. Logo, seu comportamento foi heterogêneo pelo
território nacional.
Em termos de crescimento relativo, o desempenho menos favorável foi na
MRG de Chorozinho, no estado do Ceará, com queda de 7,6% a.a. O mais favo-
rável ocorreu na MRG Nordeste de Roraima, com acréscimo de 36,1% a.a. Em
alguns casos, as taxas elevadas de crescimento são decorrentes da pequena base de
comparação no início do período, como ocorre com a própria MRG Nordeste
de Roraima, e com a MRG Japurá, no Amazonas (30,7% a.a.). No primeiro caso,
havia setenta vínculos ativos no ano de 2002, passando para 2,8 mil no nal
do período. No segundo, eram apenas 32 vagas de empregos formais em 2002,
elevando-se para 796 em 2014.
Impressiona o volume de crescimento da MRG Boa Vista (Roraima), com
58 mil novos postos de trabalho no período, equivalente a um crescimento de
9,9% a.a. Em seguida, aparece a MRG Parauapebas, no sudeste do Pará, cuja
base é fortemente atrelada à indústria extrativa para exportação, com acréscimo
de 56,6 mil postos de trabalho (14% a.a.). Outros casos de destaque são: Alto
Teles Pires, em Mato Grosso, com 52,5 mil (12,1 % a.a.) novos postos de trabalho;
Altamira, no Pará, com 52 mil (17,2% a.a.); e Barreiras, na Bahia, com 46,8 mil
(10,9% a.a.). Notadamente, trata-se de áreas cujo dinamismo econômico esteve
atrelado à produção de commodities para exportação.
Em valores absolutos, a MRG São Paulo respondeu por 2,2 milhões de
novos postos de trabalho no período estudado. Isso signica que 10,5% do incre-
mento vericado se concentrava naquela MRG, fatia que mostra a sua relevância
na geração de empregos do país. A MRG Rio de Janeiro aparece em seguida, com
1,2 milhão de novas vagas, correspondendo a 5,8% dos novos postos de trabalho.
Apenas três MRGs apresentaram queda no número de empregos formais no
período de 2002 a 2014: MRG Chorozinho (Ceará), com redução de 60% dos
postos de trabalho formais, ou menos 6,3 mil vínculos ativos; Litoral Nordeste (Rio
Grande do Norte), com queda de 2,5 mil vagas; e Piedade (São Paulo), com redução
de 3,5 mil empregos formais, equivalente a uma queda de 10%. De maneira geral,
as MRGs pertencentes às regiões Sul e Sudeste tiveram ritmo de crescimento mais
lento que outras áreas do país, gurando com as menores taxas.
4.2 O desempenho do emprego formal por MRG no período 2015-2018
Conforme vem sendo demonstrado, o ano de 2014 correspondeu ao maior nível
do estoque de empregos formais no Brasil, com 49,6 milhões de postos de trabalho.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
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297
Não obstante, a crise observada nos anos subsequentes teve fortes impactos sobre
os empregos formais no país, como mostra a evolução recente dos vínculos ativos:
estes diminuíram de 48,1 milhões, em 2015, para 46,1 milhões, em 2016. A
seguir, atingiram 46,3 milhões, em 2017, e 46,6 milhões, em 2018. A perda de
3,5 milhões de postos de trabalho (ou -7,1%) nos dois primeiros anos da série
recente (2015-2016) evidencia o tamanho do impacto da crise sobre o mercado
de trabalho formal no país. O fraco desempenho dos dois anos seguintes (2017 e
2018), com a retomada de 570 mil postos de trabalho – apenas 16% dos empregos
perdidos –, revela a diculdade de recuperação e o prolongamento da crise.
Em relação a 2014, a MRG Altamira (Pará) apresentou o maior ritmo de
redução dos postos de trabalho no período recente, com queda de 50,4% dos
vínculos ativos. Essa MRG havia saltado de apenas 9 mil postos de trabalho
formais, no ano de 2002, para 61 mil, em 2014, muito em função das obras da
usina de Belo Monte. Em 2018, seu estoque de empregos formais caiu para 30 mil
vínculos ativos, e essa perda expressa tanto o impacto da crise sobre os investi-
mentos públicos como a própria maturação das obras de infraestrutura iniciadas
no período anterior.
MAPA 2
Taxas de crescimento médio anual do emprego formal, segundo as MRGs (2015-2018)
Variação percentual (a.a.)
Microrregiões
Divisas estaduais
Demais países
Entre 0% e 2,5%
Entre -2,5% e 0%
Entre -5% e -2,5%
Até -5%
Entre 2,5% e 5%
Mais de 5%
Fonte: Rais/ME.
Obs.: Dados de 2014 equivalem a 100.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
298
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Outras quedas signicativas, em termos relativos, foram vericadas em MRGs
de diferentes áreas do país, com diversas bases produtivas e dinâmicas distintas.
Depois da MRG Altamira (Pará), as maiores perdas foram vericadas nas MRGs
de Tefé, no Amazonas (-31,1%); Macau, no Rio Grande do Norte (-29,7%); Nossa
Senhora das Dores, em Sergipe (-28,2%); Médio Oeste, no Rio Grande do Norte
(-24,3%); além de Baía da Ilha Grande e Macaé, ambas no Rio de Janeiro, com
perdas de 20,6% e 20,0%, respectivamente. Apesar da pequena base comparativa,
chama atenção a quantidade de MRGs do Rio Grande do Norte gurando
entre as maiores quedas, com a MRG Vale do Açu (-17,5%) também presente
nesse grupo.
O desempenho das MRGs situadas no estado do Rio de Janeiro demonstra o
tamanho do impacto da crise econômica sobre a indústria petrolífera. Além dos
casos de Baía da Ilha Grande e Macaé, com reduções de 10,9 mil e 31,2 mil postos
de trabalho, entre 2014 e 2018, respectivamente, também aparecem as MRGs
Itaguaí e Campos dos Goytacazes, com altas cifras negativas. A primeira apresentou
queda de 15,9%, equivalente a quase 10 mil postos de trabalho. Para a segunda,
a redução foi de quase 20 mil vínculos ativos, correspondendo a 15,5% de seu
estoque de empregos formais em 2014.
A MRG Rio de Janeiro expressa o péssimo desempenho apresentado pelas
MRGs do mesmo estado. Em valores absolutos, apresentou as maiores perdas do
país, com quase meio milhão de postos de trabalho a menos em quatro anos. Essa
queda correspondeu a um percentual de 14,2% em relação a 2014. Destaca-se,
ainda, que a MRG não apresentou recuperação no subperíodo de 2017 a 2018,
mantendo sua trajetória de queda em todo esse período.
Ainda em valores absolutos, a MRG São Paulo aparece logo em seguida,
com uma redução de 487 mil postos de trabalho entre 2014 e 2018, equivalente
a uma queda de 8,0%. Contudo, essa MRG voltou a apresentar crescimento
em 2018, se comparado a 2017. Com efeito, seu estoque de empregos formais
evoluiu da seguinte maneira: 6,1 milhões, em 2014; 5,9 milhões, em 2015;
5,7 milhões, em 2016; 5,6 milhões, em 2017; e 5,6 milhões, em 2018, sendo que
houve um ganho de 44 mil novos postos nesse último ano.
Após a MRG São Paulo, aparecem as principais aglomerações urbanas do país,
com grandes perdas vericadas nas seguintes MRGs: Belo Horizonte, em Minas Gerais
(-219 mil); Recife, em Pernambuco (-147 mil); Porto Alegre, no Rio Grande do Sul
(-140 mil); Brasília, no Distrito Federal (-129 mil); Salvador, na Bahia (-120 mil);
Fortaleza, no Ceará (-80 mil); Curitiba, no Paraná (-71 mil); e Osasco, em São
Paulo (-62 mil). Juntas, as dez MRGs que correspondem às maiores perdas
nacionais somaram uma redução de quase 2 milhões de postos de trabalho.
Ou seja, praticamente dois terços dos vínculos ativos que o país perdeu no período
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
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299
2015-2018 ocorreram nas suas principais aglomerações urbanas, aprofundando
a crise das metrópoles.
Essa dinâmica negativa concentrada nos grandes centros urbanos se evidencia
ainda mais quando se nota que 248 MRGs (44,5% do total) apresentaram
crescimento no período 2015-2018. Entretanto, com bases muito pequenas, o
ganho total de novos postos de trabalho dessas MRGs, com relação ao ano de
2014, foi de pouco mais de 310 mil empregos formais. Esse ganho representou
algo muito inferior, portanto, às perdas vericadas nas grandes aglomerações
urbanas, mas revela as condições do mercado de trabalho nas diferentes porções
do território nacional, com o reexo da sustentação dada pelas áreas de expansão do
agronegócio. Entre os principais ganhadores, em termos absolutos, destacam-se as
MRGs7 de Parecis, em Mato Grosso, com mais 8,2 mil vínculos ativos; Toledo,
no Paraná, com 8 mil; Entorno de Brasília, em Goiás, com 7 mil; Itajaí, em Santa
Catarina, com 6,7 mil; e Pouso Alegre, em Minas Gerais, com 6 mil. Em valores
relativos, destacam-se: Serra do Pereiro, no Ceará, com aumento de 57,8%;
Alto Solimões, no Amazonas, com 43,8%; Japurá, também no Amazonas, com
43,7%; Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, com 40,9%; e Coari, no
Amazonas, com 34,3%.
O desao que se apresenta é que, em se prolongando a crise com seus efeitos
principais nas RMs, a situação do desemprego tende a se agravar ou a perdurar
por bastante tempo. Isso signica que, assim como no período de maior cresci-
mento econômico, a taxa de desemprego decresceu em maiores proporções nas
RMs (Macedo e Porto, 2021), como assinalado na segunda seção. Aqui cou
evidente que, com a crise, essas regiões foram as mais duramente afetadas, o
que aprofundou a reversão do desempenho do mercado de trabalho, em relação ao
período 2002-2014. Em outro aspecto, o quadro também desponta para a descon-
centração dos empregos formais no país, em decorrência do mau desempenho das
áreas com os maiores estoques de vínculos ativos – fenômeno que se vericou em
outras escalas da análise.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo analisou a evolução regional do emprego formal no Brasil, consi-
derando diferentes níveis de agregação regional e tipos de atividade econômica,
em dois recortes temporais: os períodos 2002-2014 e 2015-2018. A abordagem
regional e multiescalar usada se baseou nos princípios formulados pela PNDR.
Procurou-se discutir as especicidades da reativação do mercado de trabalho na
primeira década do século XXI e seu impacto regional na geração de empregos,
7. A MRG Fernando de Noronha (Pernambuco) também apresentou crescimento de 35,2%, no período, com um ganho
de 422 novos postos de trabalho.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
300
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bem como suas repercussões no período mais recente (2015-2018) de agravamento
dos efeitos da crise econômica.
O texto evidenciou as maneiras como os mercados de trabalho regionais
reagiram aos ciclos econômicos recentes, permitindo observar dinâmicas próprias
a cada região e em diferentes escalas. Durante o período investigado, a descon-
centração produtiva regional do Brasil se manteve. Do ponto de vista setorial, essa
desconcentração obedeceu tanto ao ritmo de crescimento das atividades econômicas,
que apresentam especializações regionais, quanto aos resultados das políticas
públicas implementadas no pós-2003. Com isso, o desempenho do mercado de
trabalho no Brasil apresentou vetores importantes para a melhoria das condições
de vida no país, movidos pela política de valorização do salário mínimo e pelo
crescimento da formalização do trabalho.
O emprego formal cresceu a taxas mais elevadas que o crescimento da econo-
mia brasileira e do próprio ritmo de geração de empregos, dado pelo aumento da
população ocupada. Entre 2002 e 2014, vericou-se uma fase positiva de expansão
do mercado de trabalho formal no país. Não obstante, após o ano de 2014, o mer-
cado de trabalho brasileiro apresenta novo quadro, ainda em curso, com forte reversão
em relação a seu comportamento no período anterior. Entre 2015 e 2018, em
decorrência da grave crise econômica e política no país, vericou-se a queda dos
indicadores do emprego formal, sem que ainda houvesse indícios de retomada.
Em resumo, no período de maior crescimento econômico (2002-2014),
vericaram-se transformações mais amplas na estrutura setorial dos empregos
formais entre as regiões brasileiras. Com a crise econômica, os efeitos recessivos
sobre o mercado de trabalho foram generalizados, afetando mais ou menos
igualmente todos os setores e todas as regiões. Seus efeitos sobre o mercado de
trabalho brasileiro marcam a inexão de sua trajetória recente também em seus
aspectos regionais. Esse período em curso parece inaugurar um novo conjunto de
determinações e de condicionantes estruturais do mercado de trabalho, que estão
a redenir sua trajetória futura.
No âmbito das MRGs, aquelas áreas denidas como prioritárias da política
regional – MRGs estagnadas e de baixa renda – foram afetadas, principalmente,
pela queda do valor das remunerações, mas também pela redução de crescimento
dos empregos formais, considerando seu ganho de participação relativa no período.
Isso ocorre porque os efeitos da crise foram mais evidentes nas MRGs dinâmicas
e de alta renda, seja pela inversão de seu ritmo de crescimento, seja porque nessas
áreas se concentrava o maior estoque de emprego formal do país, como é o caso
das RMs. Com a crise econômica no pós-2015, seus impactos sobre o mercado de
trabalho se deram sobre as áreas de maior adensamento econômico, aprofundando
o processo de desconcentração regional dos empregos formais.
Aspectos da Evolução Regional do Mercado de
Trabalho Formal no Brasil (2002-2018)
|
301
REFERÊNCIAS
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dados da Rais. Brasília: Ipea, 2015. (Texto para Discussão, n. 2033).
BALTAR, P. et al. Trabalho no governo Lula: uma reexão sobre a recente
experiência brasileira. GLU, 9 maio 2010. (Global Labour University Working
Papers, n. 9).
BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão
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p. 729-747, dez. 2012.
KREIN, J. D.; MANZANO, M. Estudo de caso: Brasil. Brasília: OIT, 2014.
(Notas sobre a formalização). Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/
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MACEDO, F. C. Inserção externa e território: impactos do comércio exterior
na dinâmica regional e urbana no Brasil (1989-2008). 2010. Tese (Livre-Docência) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
______. Economia, transformações territoriais e infraestrutura no Brasil.
Conjuntura e Planejamento, p. 43-52, jul./set. 2015. Disponível em:
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MACEDO, F. C.; ANGELIS, A.. Guerra scal dos portos e desenvolvimento
regional no Brasil. Redes, v. 18, n. 1, p. 185-212, mar. 2013.
MACEDO, F. C.; PORTO, L. R. Proposta de atualização das tipologias da
PNDR: nota metodológica e mapas de referência. Brasília: Ipea, 2018. (Texto
para Discussão, n. 2414).
______. Evolução regional do mercado de trabalho no Brasil (2000-2018):
apontamentos para a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).
Brasília: Ipea, 2021. (Texto para Discussão, n. 2652).
MACEDO, F.; PIRES, M.; SAMPAIO, D. 25 anos de Fundos Constitucionais
de Financiamento no Brasil: avanços e desaos à luz da Política
Nacional de Desenvolvimento Regional. EURE, Santiago, v. 43, n. 129,
p. 257-277, 2017 . Disponível em <https://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0250-
71612017000200012&script=sci_arttext>.
PORTO, R. L.; MACEDO, F. C. Desempeño regional del mercado de trabajo
formal en Brasil (2002-2018). Semestre Económico, v. 24, n. 56, p. 299-323,
2021. Disponível em: <https://revistas.udem.edu.co/index.php/economico/
article/view/3731/3323>.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
302
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BALTAR, P. Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil.
Brasília: Ipea, 2015. (Texto para Discussão, n. 2036).
MACEDO, F. C.; ANGELIS, A.; GOULARTI, J. G. Sobre o uso dos dados de
comércio exterior do MDIC nos estudos regionais no Brasil. Campinas: Cede,
2015. (Nota de pesquisa, n. 3). Disponível em: <http://integracaocerrado.com.br/
wp-content/uploads/2016/03/NOTA-DE-PESQUISA-3-Portugu%C3%AAs.pdf>.
CAPÍTULO 9
TRANSFORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS NA REGIÃO
DO MATOPIBA: REFLEXÕES A PARTIR DA TEORIA DA
BASE DE EXPORTAÇÃO
Ariana Souza Lobo1
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo utiliza como alicerce a teoria da base de exportação para analisar
a dinâmica socioeconômica do Matopiba e, a partir dela, observar a presença
de padrões espaciais na produção agrícola e na dinâmica social, induzidos pelas
atividades de exportação.
A atividade agrícola atuou em vários momentos da história econômica bra-
sileira como agente anticíclico, sendo um contraponto em períodos de queda do
dinamismo econômico do país (Buainain e Garcia, 2015). Uma área que ganhou
destaque no período recente no que tange à produtividade agrícola é a região
conhecida pelo acrônimo de Matopiba, formada por municípios dos estados de
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Nas últimas duas décadas, essa região tem
experimentado uma forte expansão de seu potencial econômico ligada mais dire-
tamente aos ganhos de importância da atividade agropecuária para exportação.
A disponibilidade de grandes extensões de terra a preços baixos e o contexto
mundial de valorização das commodities agrícolas, associados aos avanços tecnológicos
nas culturas lá instaladas, foram determinantes para o movimento expansionista
consolidado a partir dos anos 2000. A corrida pelo Cerrado reforçou o movimento
de concentração da propriedade fundiária com a constituição de grandes fazendas,
onde antes havia um número signicativo de unidades de produção ocupadas pela
agricultura familiar e por populações tradicionais. Ademais, a atividade em si é
altamente poupadora de mão de obra em função dos altos índices de mecanização
(Garcia e Buainain, 2016; Favareto, 2019).
O processo de expansão econômica, contudo, tem sido acompanhado de cres-
cimento desigual para a região. Segundo Pereira, Castro e Porcionato (2018), uma
das razões para isso é a produção de commodities ser considerada capital-intensiva,
ou seja, utiliza-se intensamente de máquinas, colheitadeiras, insumos e toda varie-
dade de tecnologias, apresentando menor uso do fator trabalho. Por essa razão,
1. Servidora do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); e mestra em políticas públicas e
desenvolvimento pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
304
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esse processo não tem sido suciente para elevar a incorporação de mão de obra
local, fazendo com que os ganhos quem concentrados na mão de alguns pro-
prietários ou empresas.
Na verdade, o padrão de crescimento econômico observado no Matopiba
tem apresentado características muito similares ao já consolidado na agricultura
brasileira, que pode ser denido por: i) acelerada exploração de recursos naturais
(terra e água); e ii) pouca incorporação de mão de obra. O crescimento vericado
no produto interno bruto (PIB) da região não foi acompanhado de uma conse-
quente distribuição de renda e/ou expansão de oportunidades de trabalho para a
população envolvida (Pereira, Castro e Porcionato, 2018).
Essa constatação também é compartilhada por Favareto (2019) ao identicar
que tem havido mais pobreza e desigualdade do que riqueza e bem-estar no
Matopiba. Indo além, esse autor questiona certas visões prevalecentes de que os
problemas ambientais ou aqueles vividos pelas comunidades tradicionais locais
seriam o custo do progresso em curso na região. O autor coloca em xeque a pretensa
ideia de progresso no local, já que não se observa, na maioria dos municípios, a
elevação da produção aliada à melhoria de indicadores sociais.
Tendo em vista o debate em questão, neste capítulo é investigada a relação
entre a distribuição espacial da produção agrícola ligada às commodities exportáveis
e a evolução dos indicadores sociais nos municípios que compõem o território do
Matopiba. Analisam-se a relação entre o crescimento da produção agropecuária
para exportação e os possíveis transbordamentos do crescimento sobre a qualidade
de vida das pessoas que habitam a região.2
De acordo com a teoria da base de exportação, proposta por North (1955),
o crescimento de atividades da base exportadora tenderia a promover efeitos de
estímulo sobre as demais atividades industriais e de serviços, ampliando e diver-
sicando a estrutura da oferta regional. Ao longo do tempo, o sucesso da base
exportadora deveria ser traduzido em termos da diminuição de sua importância
relativa vis-à-vis a expansão das atividades ligadas ao seu mercado interno.
Todavia, o território em análise tem se destacado pela produção das culturas
que compõem a base de exportação, mas ainda não tem sido possível observar
espacialmente uma grande inuência impulsionadora dessa base sobre os setores
econômicos, tampouco sobre os indicadores sociais, quando se considera o Matopiba
como unidade. É possível encontrar alguns poucos municípios que se destacam
pelo sucesso da base de exportação, porém, na maioria dos casos, esse transbordamento
2. Outras investigações sobre a influência da base de exportação nos setores secundário e terciário, ou seja, acerca
dos possíveis transbordamentos da produção agropecuária exportadora nas áreas de indústria e serviços, podem ser
encontradas em Lobo (2019).
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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305
não é observado espacialmente nos seus vizinhos, o que não signica a homoge-
neização do Matopiba como agroexportador ou a melhoria das condições de vida
dos seus habitantes.
2 TEORIA DA BASE DE EXPORTAÇÃO
A teoria da base de exportação (North, 1955) explica o desenvolvimento de uma
região como consequência de um processo que tem sua origem no impulso externo,
ou seja, na produção voltada à exportação, cujo efeito multiplicador sobre a renda
e a modicação do padrão de demanda tende a induzir o desenvolvimento
econômico regional.
Para North (1955), o conceito de produtos de exportação de uma região
pode incluir produtos de setor secundário ou mesmo terciário. Na verdade, ele
utiliza a expressão “produtos de exportação” (ou serviços) para se referir aos itens
individuais, e a expressão “base de exportação” para designar, coletivamente, os
produtos de exportação de uma região.
A atividade total de uma região se divide em atividades básicas (exportação)
e atividades locais (de mercado local). As básicas independem do nível de renda
interna e constituem o motor do crescimento regional, porque engendram um
efeito multiplicador sobre as atividades de mercado local, que delas dependem.
Os bens e serviços produzidos no setor básico são consumidos no exterior e
dependem do nível de renda do resto do mundo.
As condições para que a base exportadora dinamize as demais atividades
regionais, contudo, podem estar restritas por características institucionais presentes
nas atividades não básicas da região. De acordo com Souza (1980), uma região
voltada às atividades da base pode apresentar crescimento, ainda que grande
parcela da sua população não tenha poder de compra em expansão. O mercado
local terá seu crescimento limitado ora pela distribuição interna da renda preva-
lecente, ora pelas interligações preexistentes entre as exportações e as atividades
de mercado interno.
Estas são, portanto, as duas condições essenciais para que a base exportadora
possa provocar efeitos positivos sobre as atividades locais: a renda não ser concentrada
e a existência de encadeamentos setoriais fortes. Os nódulos crescem por causa
de vantagens locacionais especiais, pois estas diminuem os custos de transportes
e processamento dos artigos de exportação. Esses centros nodais acabam se
tornando centros comerciais, através dos quais as exportações saem da região;
neles também se concentram as indústrias subsidiárias à base de exportação, bem
como bancos especializados, serviços de corretagem, atacadistas e outros negócios
(North, 1955).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
306
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Para essa abordagem de crescimento da renda regional, o sucesso das ex-
portações pode advir da melhoria na posição das exportações existentes ou ainda
como resultado do desenvolvimento de novos produtos de exportação. Uma dada
região não necessariamente precisaria passar pela experiência da industrialização
para se desenvolver. Assim, a indústria que viesse a se constituir teria papel ancilar
e subordinado à dinâmica externa.
Uma economia baseada em exportações tende a ser muito exposta e vulnerável
às oscilações conjunturais da economia interna e/ou externa. Souza (1980), por
exemplo, arma que, quanto mais a estrutura do setor exportador for especializada,
mais a região será vulnerável às utuações da economia nacional e internacional.
Para analisar o território correspondente ao Matopiba, a utilização da teoria
da base de exportação auxilia no entendimento da sua dinâmica socioeconômica
devido ao grande destaque dado à produção de commodities exportáveis como
também por esta ser considerada uma região relativamente jovem, com período
de elevado crescimento tendo ocorrido em pouco menos de duas décadas. Embora
a teoria formulada por North não seja considerada uma teoria geral do desen-
volvimento econômico regional, ela se aplica a regiões consideradas novas, que
tiveram seu impulso de desenvolvimento originado no mercado exterior, dentro
do contexto de instituições capitalistas.
Várias pesquisas foram realizadas utilizando o conceito de teoria da base
exportadora, especialmente quando se trata de analisar a inuência do setor básico
para o desenvolvimento de uma região. Como exemplo inicial, há o caso da região
Nordeste, no qual Lins (2008) avaliou as relações entre as atividades produtivas
voltadas às exportações extrarregionais e as atividades endógenas nos anos 2000,
2003 e 2006. Buscou-se averiguar, nos nove estados nordestinos, o impacto dos
setores de exportação sobre suas bases econômicas, tendo sido demonstrados
relevantes impactos da atividade básica na economia nordestina, pois foi obser-
vada uma tendência de diversicação na estrutura produtiva e maior integração
desta com os mercados interno e externo, inuenciando positivamente na criação
de empregos.
Em outro estudo, aplicado aos três estados da região Sul do Brasil, Ferreira
e Medeiros (2016) mensuram o impacto do emprego das atividades extrarregionais
sobre o emprego dos setores não básicos dos três estados que compunham a região
Sul nos anos 2002, 2006 e 2010. A pesquisa mostrou que houve signicativa
participação do setor da indústria de transformação nas atividades básicas da
região Sul nos três anos em análise, destacando-se o crescimento do número de
atividades básicas ligadas ao setor de serviços.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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307
Lima et al. (2013) analisam a distribuição setorial das atividades no estado
de Santa Catarina para identicar quais são os setores-chaves para o seu desem-
penho, utilizando o emprego formal nos grandes setores como variável-base nos
anos 1990, 2000 e 2010. Em todos os períodos analisados, observou-se que a
base econômica é um fator importante para o crescimento, porém, não deve ser
o único para que a região se desenvolva socioeconomicamente, o que reforça a
necessidade de maior diversicação setorial.
Neste capítulo, a semelhança se dá pela utilização da teoria da base expor-
tadora como pano de fundo do desenvolvimento territorial; a aplicação metodoló-
gica, no entanto, difere dos estudos citados anteriormente. Em nossa análise, não
são utilizados dados de emprego e cálculo do quociente locacional, mas sim a
observação espacial dos valores econômicos proporcionados pela atividade agro-
pecuária no sentido de averiguar homogeneidade da base de exportação, tal como
sua inuência em indicadores sociais.
O trabalho de Ribeiro et al. (2020) foi leitura basilar para a análise aqui em
voga, tendo em vista que os autores apresentam, para os anos 2010 e 2015, os
padrões econômicos de crescimento do Matopiba, utilizando a combinação dos
métodos de análise shift-share (diferencial-estrutural) e cluster (agrupamento), a
m de discutir o grau de especialização agropecuária e a vantagem competitiva do
Matopiba, reforçando o que dizem os outros escritos sobre a elevada concentração
de renda e o insuciente transbordamento da atividade agropecuária para os
demais setores econômicos.
3 A REGIÃO DO MATOPIBA
A expressão Matopiba remete a uma delimitação geográca que contempla uma
região brasileira caracterizada pela substancial expansão de uma fronteira agrícola
dotada de tecnologias de alta produtividade (Miranda, Magalhães e Carvalho,
2014). O espaço geográco do Matopiba foi ocializado como região por meio
do Decreto no 8.447, de 6 de maio de 2015, que ofereceu para a área um plano
de desenvolvimento agropecuário especíco e uma superintendência de desen-
volvimento vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária, Abastecimento e
Pesca (Mapa). Ambos, no entanto, foram descontinuados após a mudança na
Presidência da República, em 2016.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE), o
Matopiba é formado por 31 microrregiões e 337 municípios, dos quais 135 estão
situados no estado do Maranhão, 139 no estado do Tocantins, 33 no estado do
Piauí e 30 no estado da Bahia (IBGE, 2015). A região ocupa uma área de aproxi-
madamente 73 milhões de hectares e conta com mais de 300 mil estabelecimentos
agrícolas (gura 1).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
308
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FIGURA 1
Região do Matopiba: caracterização territorial (2012)
Fonte: IBGE.
Elaboração da autora.
Obs.: Figura reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais (nota do Editorial).
A partir da década de 1980, a região passou a ser explorada pelo agronegó-
cio de maneira organizada, com a migração de agricultores da região Sul atraídos
pelas terras baratas. O grande impulso produtivo, no entanto, se deu a partir de
2005, passando a ocorrer um fenômeno de expansão da atividade agrícola com o
surgimento de fazendas monocultoras que utilizam tecnologias mecanizadas para
a produção em larga escala, além dos necessários fertilizantes e corretivos pobre e
ácido para o solo do cerrado.3
De acordo com estimativa do Censo Agropecuário 2017, o Matopiba conta
com 289 mil estabelecimentos agrícolas, um pouco menos que o número registrado
no censo de 2006, que foi de 324 mil estabelecimentos. O estado com a maior
queda no número foi o Maranhão, com cerca de 40 mil estabelecimentos. A
Bahia também apresentou redução, porém em menor medida (apenas 4 mil
estabelecimentos, aproximadamente). A parcela do Piauí acompanhou o aumento
3. Disponível em: <https://www.cnpm.embrapa.br/projetos/gite/projetos/matopiba/index.html>.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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309
de estabelecimentos no próprio estado, sendo 217 entre os municípios que fazem
parte do Matopiba, e 245 no total do estado. Tocantins foi o que obteve maior
crescimento entre eles, com 7 mil novos estabelecimentos.
TABELA 1
Região do Matopiba: número de estabelecimentos agropecuários por estado
(2006 e 2017)
Região 2006 2017 Variação
Brasil 5.175.636 5.072.152 -103.484
Matopiba 324.326 289.824 -34.502
Matopiba no Brasil (%) 6 6 -
Bahia: porções Matopiba 60.782 56.735 -4.047
Bahia 761.558 762.620 1.062
Bahia no Matopiba (%) 8 7 -
Maranhão: porções Matopiba 184.558 146.762 -37.796
Maranhão 287.039 219.765 -67.274
Maranhão no Matopiba (%) 64 67 -
Piauí: porções Matopiba 22.419 22.636 217
Piauí 245.378 245.623 245
Piauí no Matopiba (%) 9 9 -
Tocantins: porções Matopiba 56.567 63.691 7.124
Tocantins 56.567 63.691 7.124
Tocantins no Matopiba (%) 100 100 -
Fonte: IBGE (2006; 2017).
Elaboração da autora.
Obs.: O termo porções representa o grupo de municípios do estado dentro do Matopiba.
No que diz respeito à área dos estabelecimentos, Matopiba, como um
todo, obteve aumento de quase 2 milhões de hectares, distribuídos entre os
quatro estados. O maior aumento de área foi no Piauí, aproximadamente 800 mil
hectares. O estado da Bahia teve uma redução de 1,7 milhão de hectares,
porém, entre os municípios que fazem parte do Matopiba, a área aumentou em
338 mil hectares. O Maranhão também teve grande redução no estado como
um todo, quase 800 mil hectares, mas obteve aumento de 326 mil entre os
municípios do Matopiba.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
310
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TABELA 2
Área dos estabelecimentos agropecuários por estado (2006 e 2017)
Região 2006 2017 Variação
Brasil (ha) 333.680.037 350.253.329 16.573.292
Matopiba (ha) 33.929.056 35.868.736 1.939.680
Matopiba no Brasil (%) 10 10 -
Bahia: porções Matopiba (ha) 7.290.149 7.628.448 338.299
Bahia (ha) 29.581.760 27.831.883 -1.749.877
Bahia no Matopiba (%) 25 27 -
Maranhão: porções Matopiba (ha) 9.391.599 9.718.132 326.533
Maranhão (ha) 13.033.568 12.233.613 -799.955
Maranhão no Matopiba (%) 72 79 -
Piauí: porções Matopiba (ha) 2.859.358 3.664.729 805.371
Piauí (ha) 9.506.597 9.996.869 490.272
Piauí no Matopiba (%) 30 37 -
Tocantins: porções Matopiba (ha) 14.387.950 14.857.427 469.477
Tocantins (ha) 14.387.949 14.857.426 469.477
Tocantins no Matopiba (%) 100 100 -
Fonte: IBGE (2006; 2017).
Elaboração da autora.
Obs.: O termo porções representa o grupo de municípios do estado dentro do Matopiba.
Os quatro maiores municípios, em termos de área de estabelecimento, estão
localizados na Bahia: São Desidério, Formosa do Rio Preto, Correntina e Cocos, e
possuem, juntos, mais de 3 milhões de hectares, representando aproximadamente
10% da área total do Matopiba.
No que se refere à estrutura agrária, a região reproduz o padrão histórico do
Brasil, com elevada concentração da propriedade de um lado e elevada fragmen-
tação do outro, onde se dá a predominância de minifúndios (Buainain, Garcia e
Vieira Filho, 2017; Favareto, 2019; Alves, Souza e Miranda, 2015).
Para tratar da estrutura agropecuária, foram analisados dados da pesquisa
Produção Agrícola Municipal (PAM), que mostram que a região em estudo se
destaca pela plantação de lavouras temporárias, especialmente das culturas de
algodão, arroz, feijão, milho e soja. Essa pesquisa analisa os produtos que apre-
sentam maior destaque nas exportações da região, compondo, assim, o que a
teoria chama de base de exportação, que se concentra, portanto, na produção de
soja, algodão e milho.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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311
TABELA 3
Principais municípios em termos de área plantada total com os produtos da base
de exportação, média dos anos 2015-2017
Município Total Algodão Milho Soja
São Desidério – Bahia (ha) 532.191 99.339 59.446 373.405
Formosa do Rio Preto – Bahia (ha) 456.614 40.733 31.353 384.528
Correntina – Bahia (ha) 260.160 33.597 39.163 187.400
Balsas – Maranhão (ha) 260.082 8.896 68.178 183.008
Barreiras – Bahia (ha) 221.741 25.061 20.003 176.678
Tasso Fragoso – Maranhão (ha) 211.702 10.530 42.141 159.030
Baixa Grande do Ribeiro – Piauí (ha) 207.010 1.722 44.363 160.925
Luís Eduardo Magalhães – Bahia
(ha) 194.857 16.322 20.825 157.710
Uruçuí – Piauí (ha) 180.050 2.614 52.917 124.519
Riachão das Neves – Bahia (ha) 169.557 27.607 15.217 126.733
Total top 10 (ha) 2.693.964 266.420 393.607 2.033.937
Total Matopiba (ha) 5.054.991 294.302 998.216 3.762.472
Top 10 no Matopiba (%) 53 91 39 54
Total Brasil (ha) 72.169.035 998.547 16.466.381 32.797.826
Top 10 no Brasil (%) 427 2 6
Matopiba no Brasil (%) 729 6 11
Fonte: IBGE (2018).
Elaboração da autora.
Os três produtos mencionados, isto é, soja, milho e algodão, têm se
destacado no cenário nacional por serem largamente exportados. Os estudos
recentes tratam do Matopiba como umas das regiões onde mais se produzem
essas culturas (Buainain, Garcia e Vieira Filho, 2017). Os dados a seguir tratam
da área total plantada, constante na PAM, dessas três culturas no âmbito
do Matopiba, onde é possível observar a importância da produção na região
frente à produção nacional.
A tabela 3 demonstra o comportamento médio da área plantada nos princi-
pais municípios do Matopiba, utilizando como base de exportação as três culturas
citadas anteriormente. A produção de algodão se destaca no oeste da Bahia,
uma vez que as seis cidades do estado possuem os maiores índices de área plan-
tada nessa cultura, produzindo, juntas, 80% do total do Matopiba. Quanto ao
milho, observa-se que existe um campeão de produção em cada estado: Balsas,
no Maranhão, São Desidério, na Bahia, e Uruçuí, no Piauí. A soja tem seus
maiores índices na Bahia; no somatório das seis cidades, chega-se a 1,4 milhão de
hectares, o que representa 37% da média de área plantada em soja do Matopiba.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
312
|
Como é abordado na literatura, a identicação do Matopiba como nova
fronteira agrícola é recente, e o seu elevado potencial para exploração econômica
foi identicado e impulsionado apenas nos últimos dez ou quinze anos (Miranda,
2012). Assim, é importante analisar o crescimento da área plantada nesses municípios
nos últimos anos.
TABELA 4
Região do Matopiba: área plantada e valor produzido das culturas temporárias e
da base exportadora (1992, 2002 e 2016)
1992
Estado Área plantada total
(1 mil hectares)
Área plantada da
base exportadora
(1 mil hectares)
(%) Valor produzido
total (Cz$ milhões)
Valor produzido da
base exportadora
(Cz$ milhões)
(%)
Bahia 592 418 71 967.570 462.773 48
Maranhão 1.254 426 34 854.271 108.843 13
Piauí 151 32 21 50.345 3.933 8
Tocantins 319 83 26 311.586 26.053 8
Total Matopiba 2.318 961 41 2.183.773 601.604 28
2002
Estado Área plantada total
(1 mil hectares)
Área plantada da
base exportadora
(1 mil hectares)
(%) Valor produzido
total (R$ milhões)
Valor produzido da
base exportadora
(R$ milhões)
(%)
Bahia 1.187 1.033 87 1.501 1.033 69
Maranhão 961 472 49 630 472 75
Piauí 201 119 59 71 119 166
Tocantins 354 171 48 296 171 58
Total Matopiba 2.705 1.796 66 2.500 1.796 72
2016
Estado Área plantada total
(1 mil hectares)
Área plantada da
base exportadora
(1 mil hectares)
(%) Valor produzido
total (R$ milhões)
Valor produzido da
base exportadora
(R$ milhões)
(%)
Bahia 2.175 2.029 93 6.626 6.160 93
Maranhão 1.362 1.057 78 2.367 1.847 78
Piauí 840 790 94 1.198 1.163 97
Tocantins 1.227 1.010 82 3.266 2.254 69
Total Matopiba 5.606 4.888 87 13.459 11.425 85
Fonte: IBGE (2018).
Elaboração da autora.
Porém, quando se analisa o percentual que a base exportadora perfaz no
somatório de culturas temporárias, torna-se evidente a importância desses itens
para a região. Na tabela 4, são apresentados os valores totais, tanto em área quanto
em reais, de todas as culturas temporárias produzidas nos municípios que fazem
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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313
parte do Matopiba, o que engloba produtos como arroz, batata, cana-de-açúcar,
feijão, mandioca, tomate, soja, algodão, trigo, entre outros.
Em termos de área plantada, quando se compara a participação da base
exportadora (isto é, soja, algodão e milho) sobre a área plantada total das culturas
temporárias, em 1992 esse cálculo representava 41%, já em 2002 esse valor aumentou
para 66%, e no ano de 2016 já alcançava os 87%, ou seja, a maioria da área plantada
em culturas temporárias no Matopiba possui soja, algodão ou milho.
Analisando-se em termos de valor produzido, no primeiro ano de análise,
1992, apenas 28% do valor produzido no Matopiba se referia aos produtos da
base exportadora. Em 2002, esse percentual passa a ser de 72%, período que condiz
com o primeiro ciclo de alta das commodities. No ano de 2016, observa-se que
85% do valor produzido no Matopiba refere-se a soja, algodão ou milho.
A composição setorial do PIB dessa região se dá da seguinte maneira: o
setor de serviços é o que apresenta maior crescimento, e, logo após, o setor pú-
blico. De acordo com Buainain, Garcia e Vieira Filho (2017), as duas atividades
de geração de renda autônoma são a agricultura e o setor público, pois tanto a
indústria quanto o comércio dependem da injeção de renda feita por esse setor
e dos produtos oriundos do campo e da renda agropecuária. A seguir, observa-se o
comportamento dos setores nas porções do Matopiba.
GRÁFICO 1
Valor bruto total acrescentado por setor no Matopiba (2002-2016)
(Em R$ bilhões)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
2002 2004 2006 2008 2010 20162012 2014
Agropecuária Indústria Serviços Administração
Fonte: IBGE (2019).
Elaboração da autora.
As participações dos valores acrescentados brutos (VABs) são, na maioria
das vezes, crescentes em relação ao todo, oscilando apenas a proporção ao longo
do período analisado. No ano de 2016, o setor de serviços representava 40% do
VAB total, ou seja, R$ 34 bilhões e, em 2002, ele representava 35% do VAB total.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
314
|
O segundo setor de maior participação na economia é a administração pública,
que, em 2002, era responsável por 24% do VAB total e, em 2016, contava com
29% de participação.
GRÁFICO 2
Evolução da participação do VAB por setor de atividade no Matopiba (2002-2016)
(Em %)
2002 2004 2006 2008 2010 20162012 2014
Agropecuária Indústria Serviços Administração
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Fonte: IBGE (2019).
Elaboração da autora.
Contrariando o que se espera de uma região reconhecida como fronteira
agrícola em expansão, a análise do VAB da agropecuária nos últimos quinze anos
demonstrou redução na participação total. Anteriormente, em 2002, o setor
representava 26% do VAB total, porém, em 2016, sua participação era de apenas
15%. A indústria teve seu comportamento com baixa variação, chegando ao
máximo de apenas 2% de crescimento ou redução de um ano para o outro.
A agropecuária foi o setor com maiores oscilações até 2015, sofrendo intensi-
cação em 2016, explicada pelo Mapa como resultado da ocorrência de intempéries
climáticas advindas do fenômeno El Niño durante a safra de 2015-2016, o que
ocasionou excesso de chuvas na região Sul do país e escassez nas regiões Norte e
Nordeste. A redução da safra de 2014 a 2016 foi de R$ 3,3 bilhões.
Como observado no gráco 2, os setores de serviços e da administração
pública são os que se destacam na composição do PIB do Matopiba. Ambos
possuem comportamentos muito similares ao longo dos anos analisados e se rela-
cionam de maneira mais proporcional à quantidade de municípios que possuem
dentro do Matopiba. Além disso, esses setores se mostraram mais independentes
de inuências do mercado e da própria atividade agropecuária da região.
De acordo com o levantamento feito por Porcionato, Castro e Pereira (2018),
o índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) revelou grande avanço
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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315
nos dados entre os anos 2000 e 2010 na região do Matopiba. Os autores ar-
maram que, nos anos 2000, o IDHM da maioria dos municípios do Matopiba
era inferior a 0,499 – ou seja, desenvolvimento humano muito baixo: 88% dos
municípios (296, no total) se encontravam nessa situação.
MAPA 1
IDHM (2000 e 2010)
1A – IDHM (2000) 1B – IDHM (2010)
Fonte: Porcionato, Castro e Pereira (2018).
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Em 2010, a maioria dos municípios conseguiu deslocar seu IDHM para
baixo (0,599) e médio (0,699) desenvolvimento humano. Segundo os autores, a
pesquisa realizada constatou que 161 municípios possuíam baixo IDHM (48%)
e 160 possuíam médio IDHM (47%) em 2010, correspondendo a 95% dos mu-
nicípios da região. Do total de municípios com médio IDHM em 2010, o estado
do Tocantins representa a maioria, enquanto os municípios com baixo IDHM
para o mesmo ano estão majoritariamente localizados no estado do Maranhão.
Acredita-se que houve uma melhoria em ambos os estados e na região como um
todo, mas no Tocantins o avanço foi mais signicativo que no Maranhão, pois
naquele estado a maioria dos municípios migrou de uma faixa muito baixa (2000)
para médio IDHM (2010), enquanto neste eles migraram de muito baixo
(2000) para baixo IDHM (2010).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
316
|
Em termos gerais, a evolução do IDHM nos municípios do Matopiba acom-
panhou o ritmo do Brasil, pois, do ano de 2000 para 2010, muitos municípios
deixaram a classicação “muito baixo” e “baixo” e passaram a fazer parte dos índices
“baixo” e “médio”. A melhoria do IDHM é fruto do incremento dos indicadores
educacionais, como diminuição da taxa de analfabetismo, aumento da média de
anos de estudo da região e aumento da taxa de frequência, principalmente nos anos
do ensino médio (Porcionato, Castro e Pereira, 2018).
O que esse texto quer dizer é que, embora 95% dos municípios do Matopiba
tenham tido melhoria nos indicadores de IDHM e Índice de Vulnerabilidade
Social (IVS),4 não parece ter havido melhorias em intensidade muito superiores
àquelas vericadas em escala nacional.
O último item a ser avaliado foi a rede bancária, a m de saber se neste período
de expansão da base exportadora as condições gerais para o nanciamento da
atividade produtiva também estavam se expandindo.
Em 2018, o Matopiba possuía 429 agências de instituições sob a supervisão
do Banco Central do Brasil, entre elas agências de fomento, bancos comerciais, de
desenvolvimento, múltiplos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e demais cate-
gorias. Essas agências estão espalhadas entre 140 dos 337 municípios que fazem
parte da região, 197 municípios não possuem agências, e utilizam correspondentes
bancários e casas lotéricas para realizar pequenas transações.
Em 2007, 62% do Matopiba, ou seja, 208 municípios não possuíam nenhuma
agência bancária, e em 2018, 197 municípios ainda não possuem. No período
analisado, houve aumento absoluto de 110 agências; entre elas, 18 foram criadas
em municípios que não tinham agências em 2007, e as outras 92 foram distribuídas
entre os municípios que já possuíam. O crescimento no número de agências obser-
vado no Matopiba acompanhou o cenário nacional, conforme gráco 3 a seguir,
à exceção dos anos 2009-2012, onde a região se destaca em relação ao Brasil; esse
período condiz com o nal do boom das commodities.
De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entre 2002 e
2011 houve um intenso e contínuo crescimento de contas correntes no Brasil,
especialmente devido à diversicação do perl do cliente bancário e ao foco que
os bancos têm dado à automação bancária, bem como pelos investimentos
crescentes e contínuos em tecnologias da informação e comunicação (TICs).
4. O IVS é um índice construído pelo Ipea, a partir de indicadores do Atlas do Desenvolvimento Humano (ADH) no
Brasil, destacando diferentes situações indicativas de exclusão e vulnerabilidade social no território brasileiro, numa
perspectiva que vai além da identificação da pobreza entendida apenas como insuficiência de recursos monetários.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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317
GRÁFICO 3
Crescimento no número de agências no Matopiba e no Brasil (2007-2018)
(Em %)
Matopiba Brasil
-15
-10
-5
0
2007-2008
2008-2009
2009-2010
2010-2011
2011-2012
2012-2013
2013-2014
2014-2015
2015-2016
2016-2017
2017-2018
5
10
15
20
25
Fonte: Banco Central do Brasil.
Elaboração da autora.
4 INVESTIGANDO A HIPÓTESE DA BASE EXPORTADORA
A hipótese de que tanto a dinâmica econômica quanto os avanços sociais da região
do Matopiba têm sido explicados por sua base exportadora será vericada por
meio da análise exploratória de dados espaciais (Aede), a m de identicar
padrões de autocorrelação espacial. Esse processo exploratório fornece indica-
tivos a respeito de regimes e padrões associativos espaciais ou clusters espaciais
(Anselin, 1999).
O objetivo da utilização da Aede é analisar espacialmente o modelo de
desenvolvimento em curso na região do Matopiba, se ele ocorre de maneira
homogênea no território, ou, pelo contrário, se reete padrões de concentração
e reprodução de desigualdades entre seus municípios. Assim, analisa-se o cres-
cimento de atividades da base exportadora como propulsoras de estímulo sobre
demais atividades industriais e de serviços e sobre o IDHM.
4.1 Análise exploratória de dados espaciais
A Aede faz uso de dados georreferenciados e tem como objetivo testar a existência
de padrões espaciais, tais como a heterogeneidade e a dependência espacial,
que indicam coincidência de valores similares entre regiões vizinhas, isto é,
leva em consideração a distribuição e o relacionamento dos dados no espaço
(Anselin, 1999).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
318
|
A presença de heterogeneidade espacial signica que os dados não se dis-
tribuem similarmente no espaço, enquanto a dependência espacial trata da
coincidência de similaridade dos dados e da localização (Faria, 2017). Essa
metodologia é útil no estudo dos processos de difusão espacial porque auxilia
na identicação de padrões de autocorrelação espacial, ou seja, dependência
espacial entre objetos geográcos.
Anselin (1999) arma que essa técnica pode ser amplamente denida como
a que permite a descrição, a visualização de distribuições, a identicação de locais
atípicos (espaços outliers), a interpretação e a associação de padrões espaciais
(agrupamentos) e a descrição de regimes espaciais diferentes, com outras formas
de instabilidade espacial ou de não estacionaridade espacial. É uma ferramenta
que pode ser utilizada para medir a autocorrelação espacial global e a autocorrelação
local, ou seja, como essas variáveis estão correlacionadas no espaço.
Para implementar a Aede, é preciso denir a priori uma matriz de pesos
espaciais (W). Essa matriz é a maneira como será apresentada a estrutura espacial
dos dados, ou seja, o critério de contiguidade ou vizinhança entre as unidades
espaciais. Esse trabalho faz uso da matriz de peso binária do tipo rainha ou queen,
que será mais bem explanada na seção a seguir.
4.2 Matrizes de pesos espaciais
O primeiro passo na aplicação da Aede é a denição da matriz de pesos espaciais,
que tem seus fundamentos no conceito de contiguidade, em que duas regiões
contíguas possuem maior grau de interação espacial. Assim, quando existir con-
tiguidade (wij) entre duas regiões (i e j), o valor atribuído será 1; quando não
existir, o valor atribuído será 0 (Almeida, 2012).
De acordo com Almeida (2012), essa matriz é a forma de expressar um
determinado arranjo espacial das interações resultantes do fenômeno a ser estu-
dado. Segundo o autor, as regiões distantes entre si teriam uma interação menor.
Nesse caso, em que a distância entre as regiões importa na denição da força
da interação, seria possível construir uma matriz W baseada na distância inversa
entre as regiões, a m de capturar tal arranjo espacial da interação. Em outras
palavras, isso cou conhecido na literatura como a Lei de Tobler, ou seja, “tudo
está relacionado com tudo, mas as coisas próximas estão mais relacionadas do que
as coisas distantes” (Tobler, 1970, p. 7, tradução nossa).5
Os resultados da Aede são sensíveis à escolha da matriz de pesos espaciais.
Assim, diante da ideia apresentada na matriz de contiguidade, há uma maior inte-
ração espacial entre os vizinhos que com os mais distantes. Existem três convenções
5. “Everything is related to everything else, but near things are more related than distant things”.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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319
de matrizes de contiguidade, conforme se observa na gura 2: a convenção do
tipo rainha, a do tipo torre e a do tipo bispo, ressaltando-se que as duas primeiras
são as mais frequentemente utilizadas na literatura (Almeida, 2012).
Para efeito desta pesquisa, adotou-se a matriz rainha para os dois períodos
de análise, que considera como contíguas as fronteiras com extensão diferente de
zero, incluindo os vértices. De forma a vericar a robustez dos resultados, seguindo
o procedimento de Faria (2017), matrizes de distância do tipo k, vizinhos mais
próximos, foram utilizadas. Os resultados e os testes obtiveram o mesmo resul-
tado em relação ao sinal e à signicância da autocorrelação espacial, ou seja,
demonstraram-se robustos em relação à escolha da matriz de pesos espaciais.
FIGURA 2
Tipos de matrizes de contiguidade
2A – Rainha (queen) 2B – Torre (rook) 2C –Bispo (bishop)
Rainha (queen) Torre (rook)Bispo (bishop)
Fonte: Almeida (2012).
A Aede, por meio do diagrama de dispersão de Moran, pode ser utilizada
com a intenção de analisar a correlação espacial num determinado espaço de
tempo comparando-se dois períodos distintos, conforme procedimento realizado
por Perobelli et al. (2007). É indispensável que se mantenha a matriz de pesos e se
observem os valores de desvios padrões para as variáveis de interesse.
4.3 O método de autocorrelação espacial global
Tendo em vista a existência de autocorrelação espacial, aplica-se a estatística I
de Moran global, que, segundo Almeida (2012), é a maneira mais aceitável de
identicá-la e testá-la. A medida da associação para o conjunto de dados em análise
é bastante útil no estudo da região como um todo. Todavia, quando se trabalha
com muitas unidades espaciais, é muito comum que ocorram diferentes regimes
de aglomerações espaciais e apareçam locais em que a dependência espacial seja
mais evidente. Para tanto, utiliza-se também a autocorrelação espacial local, melhor
explicada adiante (Almeida, 2012; Anselin, 1999).
O índice global de Moran (I), conhecido como I de Moran, é uma medida
de autocorrelação espacial que aponta a existência ou não de agrupamentos espaciais
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
320
|
para uma dada variável, ou seja, a presença de índices de valores similares entre
vizinhos, segundo um determinado indicador de interesse. A utilização desse
indicador, de acordo com Almeida (2012), é conveniente quando se deseja uma
síntese da distribuição espacial dos dados.
O I de Moran fornece a indicação formal do grau de associação linear entre
os vetores de valores observados de uma variável de interesse no tempo t (zt) e
a média ponderada dos valores da vizinhança, ou as defasagens espaciais (Wzt).
Valores de I maiores (ou menores) que o valor esperado signicam
que há autocorrelação positiva (ou negativa). A autocorrelação positiva evidencia a
presença de semelhanças entre as variáveis da característica estudada e sua localização
espacial. Quando a autocorrelação espacial é negativa, há heterogeneidade entre
as variáveis da característica estudada e sua localização espacial (Almeida, 2012).
Em termos formais, a estatística I de Moran (It) pode ser expressa como:
(1)
Em (1), zt é o vetor de n observações para o ano t na forma de desvio em
relação à média. W é a matriz de pesos espaciais, sendo que os elementos Wii na
diagonal são iguais a 0, enquanto os elementos Wtj indicam a forma como a região
i está espacialmente conectada com a região j. O termo So é um escalar igual à
soma de todos os elementos de W.
O I de Moran fornece a indicação formal do grau de associação linear entre
os vetores de valores observados no tempo t (zt) e a média ponderada dos valores
da vizinhança, ou as defasagens espaciais(Wzt). Valores de It maiores que o seu
valor esperado indicam a presença de autocorrelação espacial positiva. O contrário
indica presença de autocorrelação espacial negativa (Anselin, 1999).
O teste de signicância do índice de Moran utiliza a hipótese nula, de inde-
pendência espacial; nesse caso, seu valor seria 0. Valores positivos (entre 0 e +1)
indicam correlação direta, ao passo que os negativos (entre 0 e -1), correlação
inversa. Assim, a hipótese nula é de que o atributo analisado se distribui de forma
aleatória entre as unidades espaciais da área de estudo.
A estatística I de Moran pode ser univariada ou bivariada. A primeira retrata a
autocorrelação espacial para uma mesma variável, mostrando como ela se distribui
no espaço, enquanto a bivariada, como o próprio nome indica, permite vericar a
relação linear que existe entre duas variáveis no espaço (Almeida, 2012). A
análise bivariada permite observar se o valor de um atributo numa dada região
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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321
está relacionado espacialmente com os valores de outra variável observada em
regiões vizinhas. Porém, como o índice I de Moran é uma medida global, isso
pode ocultar ou mascarar os padrões locais de associação espacial linear.
Dessa forma, como análise adicional, utiliza-se o índice local de Moran,
uma medida que permite uma melhor e mais completa avaliação da região em
estudo, a partir da observação dos padrões locais de associação linearmente signi-
cativas para o estudo (Almeida, 2012).
4.4 Autocorrelação espacial local
Com vistas à complementação da análise exploratória de dados espaciais realizada
a partir do I de Moran, utilizam-se o diagrama de dispersão de Moran e os indi-
cadores locais de associação espacial (local indicator of spatial association – Lisa).
Perobelli et al. (2007) armam que o diagrama de dispersão é uma das
formas de interpretar a estatística I de Moran. Esse diagrama é a representação do
coeciente de regressão e permite visualizar a correlação linear entre z e Wz por
meio do gráco de duas variáveis. No caso do I de Moran, tem-se o gráco de Wz
e z. Portanto, o coeciente I de Moran será a inclinação da curva de regressão de
Wz contra z e essa inclinação indicará o grau de ajustamento.
O diagrama de dispersão de Moran é dividido em quatro quadrantes, os
quais representam padrões de associação local espacial entre as regiões e seus
vizinhos. No primeiro quadrante, alto-alto (AA), estão presentes os valores e as regiões
que caram acima da média para a variável em análise, cercados por regiões que
também apresentaram valores acima da média. O segundo quadrante, baixo-alto
(BA), mostra as regiões com valores baixos, porém cercados por vizinhos que
apresentam valores altos.
No terceiro quadrante, baixo-baixo (BB), apresentam-se as regiões com
baixos valores para as variáveis em análise, cercadas por vizinhos que também
apresentam baixos valores. Por m, no quarto quadrante, alto-baixo (AB),
encontram-se as regiões com altos valores para as variáveis em análise, cercados
por regiões com baixos valores. A gura 3, a seguir, é um exemplo de diagrama
de dispersão de Moran.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
322
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FIGURA 3
Diagrama de dispersão de Moran
Fonte: Câmara et al. (2002).
Elaboração da autora.
Por m, quando as regiões forem identicadas como AA e BB, haverá auto-
correlação espacial positiva, indicando a predominância dos pontos no primeiro e
no terceiro quadrantes. O contrário ocorre quando os valores se concentram nos
quadrantes BA e AB, indicando autocorrelação negativa (Perobelli et al., 2007).
A limitação do diagrama de dispersão de Moran encontra-se na ausência da
avaliação da incerteza estatística das regiões AA, BA, BB e AB. Por isso, a literatura
referente à Aede desenvolveu indicadores de investigação do padrão local da
associação espacial, conforme discutido anteriormente.
O Lisa6 complementa a análise global ao fornecer estatísticas locais e ao
indicar a formação de clusters espaciais signicativos, porém, a comparação é feita
entre os indicadores locais e seus vizinhos, vericando, dessa forma, se há ou não
padrões de concentrações locais. Isso é possível uma vez que o índice de Moran
apresenta um valor para cada unidade espacial, permitindo, assim, a identicação
de padrões espaciais e a criação de clusters que os representam. O Lisa aponta as
unidades espaciais ao redor das quais há aglomeração de valores semelhantes, e
a soma de seus valores individuais deve ser proporcional ao indicador de associação
total (Almeida, 2012; Anselin, 1999).
6. Outras estatísticas locais podem ser encontradas na literatura. Além do Lisa, há o Geary local e o Gama local, cujas
leituras podem ser aprofundadas em Anselin (1999).
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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323
Dessa forma, o Lisa executa a decomposição do indicador global de autocorre-
lação na contribuição local de cada observação em quatro categorias, cada uma,
individualmente, correspondendo a um quadrante no diagrama de dispersão de
Moran. Calcula-se o Lisa a partir do índice local de Moran, que pode ser expresso
da seguinte forma:
(2)
Em (2), z, m e os subscritos i e j seguem a mesma notação anterior. Valores
de Ij, estatisticamente diferentes de 0 indicam que a unidade está espacialmente
associada aos seus vizinhos. Como a distribuição dos Ij é desconhecida, a forma de
obtê-la é por meio de permutações aleatórias entre os vizinhos de cada unidade.
4.5 Fonte de dados
Para este estudo, a Aede foi aplicada aos 337 municípios pertencentes à região
do Matopiba, para 2002 e 2016. Devido a peculiaridade dos dados, alguns deles
não se encontram no mesmo período, o que não impede a análise de ser feita, já
que o índice de desenvolvimento humano (IDH) é divulgado a cada dez anos.
A qualidade de vida e bem-estar são variáveis percebidas e incorporadas com o
passar dos anos, assim, acredita-se que a utilização dos dados de 2000 e 2010 não
prejudicarão o estudo.
A análise espacial de dados de 2002 e 2016 será realizada com dados a
nível municipal da produção agropecuária obtida pela PAM, gerada por meio do
Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra), vinculado ao IBGE. A base
exportadora per capita de cada município foi calculada a partir da soma do valor
de produção dos três principais produtos que se destacam em termos de exportação
(soja, algodão e milho).
Os produtos do Matopiba considerados como “básicos”7 seriam aqueles que
conferem à região o título de fronteira agrícola, caraterizados pela elevação da
produtividade e altos níveis de produção e renda, gerados a partir das culturas
de soja, algodão e milho. Esses três produtos, além de se destacarem pelos níveis
crescentes de produção na região, destacam-se também pela importância frente às
exportações brasileiras de commodities.
Para tanto, além dos dados relativos à base de exportação, coletou-se o VAB
agropecuário por município para 2002 e 2016, obtidos pelo Sidra na base dos PIBs
municipais do IBGE. Tanto os valores da produção obtidos com a PAM quanto
7. De acordo com North (1955), a atividade total de uma região se divide entre atividades básicas (exportação) e
atividades locais (mercado interno).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
324
|
os VABs foram utilizados de modo per capita, divididos pelas estimativas da po-
pulação em seus respectivos anos.
O IDH foi obtido a partir do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil
2013, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) para 2000 e 2010, e sua distribuição espacial também será analisada
junto às demais variáveis.
5 RESULTADOS
Para avaliar padrões espaciais inerentes à região do Matopiba, são utilizadas como
variáveis a base exportadora do Matopiba, o VAB agropecuário e o IDHM. O
primeiro passo para averiguar a presença de autocorrelação espacial é calcular e
analisar o índice I de Moran. Se positivo, indica autocorrelação espacial positiva.
Com intenção de observar a existência de clusters espaciais locais de valores
altos ou baixos e quais as regiões que mais contribuem para a existência de auto-
correlação espacial, serão utilizadas estas medidas de autocorrelação espacial local:
o diagrama de dispersão de Moran (Moran scatterplot) e as estatísticas Lisa.
Neste estudo, considera-se que municípios que apresentam valores elevados
de produção da base exportadora são vizinhos de outros municípios com a mesma
característica ou, alternativamente, que municípios com baixo valor da base
exportadora são circundados por outros municípios também ostentando baixa
base exportadora. A seguir, serão analisados o I de Moran, o gráco de dispersão
e o Lisa das variáveis propostas.
5.1 Resultados do I de Moran global e local univariado
Nesta seção, apresentam-se os principais resultados da aplicação das metodologias
descritas nos dados selecionados. As variáveis base de exportação e VAB agropecuário
possuem análises univariadas na comparação intertemporal de 2002 e 2016 apre-
sentadas nesta seção. Na seção subsequente, são apresentados os resultados das
análises bivariadas entre a base de exportação e as demais variáveis.
5.1.1 Análise univariada da base de exportação
A primeira análise, e de maior relevância para este estudo, é acerca da base
de exportação identicada no Matopiba. O I de Moran tem como principal
propósito conrmar ou não a hipótese de os dados serem aleatoriamente distri-
buídos no espaço.
A gura 4 traz o diagrama de dispersão de Moran dos anos 2002 e 2016.
A análise univariada da base exportadora apresentou o I de Moran de 0,284142,
em 2002, e de 0,2778, em 2016, o que indica uma autocorrelação espacial global
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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325
positiva, com pouca alteração na comparação intertemporal. Isso signica que os
municípios do Matopiba que apresentaram valores altos na base de exportação
são vizinhos de municípios que também apresentaram a mesma característica ou,
de forma alternativa, que municípios que apresentaram baixos valores na base de
exportação são circundados por municípios que também possuem valores baixos.
FIGURA 4
Autocorrelação espacial univariada global da base exportadora do Matopiba
(2002 e 2016)
4A – Base exportadora (2002) 4B – Base exportadora (2016)
Fonte: IBGE (2017).
Elaboração da autora.
Os mesmos dados podem ser analisados geogracamente a partir do Lisa,
que, como o próprio nome sugere, é um indicador local de associação espacial.
Assim, as guras 5A e 5B indicam a formação de clusters espaciais, e as guras
5C e 5D indicam o nível de signicância estatística dos clusters.
Nas guras 5A e 5B, as diferentes cores são utilizadas para indicar as regiões
nas quais ocorreu a formação de clusters. Dessa forma, os conglomerados que
apresentaram autocorrelação espacial positiva têm os municípios destacados na
cor vermelha com cluster do tipo AA, e os destacados em azul escuro têm os clusters
do tipo BB.
O cluster AA, em 2002, era composto por doze municípios, representando
4% do total dos municípios do Matopiba, localizados geogracamente no oeste
da Bahia e no sul de Maranhão e Piauí. Quando somado o VAB desse grupo de
doze municípios, obtêm-se R$ 106 milhões, o que equivale a 47% do total
produzido no Matopiba naquele ano.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
326
|
FIGURA 5
Autocorrelação espacial univariada local da base exportadora do Matopiba
(2002 e 2016)
5A – Base exportadora (2002) 5B – Base exportadora (2016)
5C – Níveis de significância estatística 5D – Níveis de significância estatística
da base exportadora (2002) da base exportadora (2016)
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Fonte: IBGE (2017).
Elaboração da autora.
Obs.: p = probabilidade de significância.
Em 2016, o mesmo cluster passou a ser composto por vinte municípios (6%).
A principal alteração aconteceu pela inserção de municípios com altos valores de VAB
no oeste do Tocantins, mais alguns no oeste baiano e sul do Piauí. No somatório, o
valor é de R$ 250 milhões, correspondendo a 30% do total em 2016. Esses clusters
não só possuem altos valores de autocorrelação espacial na base de exportação
como estão rodeados por munícipios que seguem o mesmo padrão.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
|
327
O segundo caso refere-se ao cluster BB, composto, em 2002, por 63 muni-
cípios (18% do Matopiba), localizados majoritariamente no norte do Maranhão,
ao passo que os demais casos (BA e AB) estão distribuídos nos outros estados. Em
2016, o número de municípios foi expandido para 81, correspondendo a 24% do
total do Matopiba. O que se observa é a incorporação de mais municípios situados
no norte do Maranhão, e uma parte no norte do Tocantins. Nos dois anos ana-
lisados, quando somados, os valores produzidos por esse cluster não chegaram a
1% do VAB total produzido no Matopiba. Esses municípios apresentaram baixos
valores da base de exportação e possuem, em suas circunvizinhanças, municípios
com perl parecido. Alguns poucos casos isolados se deram no oeste baiano.
Em relação às guras 5A e 5B, é possível observar um conglomerado que
apresenta autocorrelação espacial negativa, ou seja, as relações de vizinhança são
do tipo BA e AB. Na tipologia BA, os municípios que apresentaram baixos valores
da base de exportação e possuem vizinhos com altos valores na base, em 2002,
foram apenas cinco, todos localizados na Bahia, sendo eles: Catolândia, Coribe,
Santa Maria da Vitória, São Félix do Coribe e Cocos (município que em 2016
passa a fazer parte do cluster AA). Em 2016, esse número saltou para oito mu-
nicípios, distribuídos entre o oeste baiano (Catolândia, Santa Maria da Vitória e
Santa Rita de Cássia) – permanecendo os dois primeiros na mesma tipologia –,
dois municípios no estado do Tocantins (Ponte Alta do Tocantins e São Félix do
Tocantins) e mais três no sul do Piauí (Barreiras do Piauí, Cristalândia do Piauí e
São Gonçalo do Gurgueia).
Nessa análise, não houve municípios estatisticamente signicativos que
apresentassem altos valores na base de exportação e tivessem como circunvizinhos
municípios com baixos valores para a mesma variável.
As guras 5C e 5D, por sua vez, referem-se aos clusters com os valores
da autocorrelação ao nível de signicância. Como se observa, os que possuem a
tonalidade verde-escuro possuem signicância estatística de 0,1%, seguidos dos
de 1% (verde), e os demais de 5% (verde-claro), que são os clusters que merecem
maior atenção. Os que se mantiveram em cinza não apresentaram valores aceitáveis
no teste, sendo esta a mesma interpretação para as demais guras de representação
dos níveis de signicância deste estudo.
De maneira conclusiva, observa-se forte concentração da base exportadora em
alguns poucos clusters, embora tenham sido reconhecidas alterações entre 2002 e
2016. Garcia e Buainain (2016) chegaram a conclusões similares quando anali-
saram a dinâmica de ocupação do cerrado nordestino. Os autores demonstraram
a existência de profunda heterogeneidade na ocupação da fronteira agrícola, que,
segundo eles, tem se concentrado em um número reduzido de municípios.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
328
|
Acrescenta-se que o avanço da fronteira agrícola no oeste baiano começou
na década de 1980, enquanto no cerrado piauiense se efetivou na década de
1990, principalmente nos municípios de Bom Jesus, que é considerado como
um polo, Uruçuí, Ribeiro Gonçalves e Baixa Grande do Ribeiro, que foram
considerados alternativas de ofertas de terras mais baratas em comparação às
regiões já ocupadas no oeste baiano (região de Barreiras) e no Maranhão (região
de Balsas) (Santos, 2015).
5.1.2 Análise univariada do VAB da agropecuária
O índice de Moran do VAB da agropecuária per capita foi positivo para os dois
anos estudados e se manteve muito parecido em ambas as análises. Em 2002, foi
de 0,345742, enquanto em 2016 foi de 0,335675. A gura 6, que tem no eixo
horizontal o VAB dos municípios que compõem o Matopiba, e no eixo vertical
a defasagem espacial dessa variável, apresentou concentração de municípios no
primeiro e terceiro quadrantes, com autocorrelação espacial global positiva, que
pode ser observada na inclinação positiva da reta.
Os municípios do Matopiba que apresentaram altos valores do VAB da
agropecuária são vizinhos de municípios que também apresentaram a mesma
característica. Situação análoga se aplica aos municípios que apresentaram baixos
valores do VAB da agropecuária e seus circunvizinhos.
FIGURA 6
Autocorrelação espacial univariada global do VAB agropecuário do Matopiba
(2002 e 2016)
6A – VAB agropecuário (2002) 6B – VAB agropecuário (2016)
Fonte: IBGE (2017).
Elaboração da autora.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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329
Os Lisas dessa variável estão presentes nos mapas de clusters (guras 7A e 7B)
para um nível de signicância de 5%, conforme se observa nas guras 7C e 7D.
Em 2002, o cluster formado pela tipologia AA apresentava quinze municí-
pios, o que representa aproximadamente 5% do Matopiba, englobando o oeste
da Bahia (municípios de Baianópolis, Barreiras, Catolândia, Cocos, Correntina,
Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves e São Desidério), o sul do Maranhão
(municípios do Alto Parnaíba, Balsas, Loreto, Sambaíba e Tasso Fragoso), o sul
do Piauí (município de Ribeiro Gonçalves) e o Tocantins (município de Lagoa
da Confusão).
Já em 2016, o total de municípios do tipo AA dobrou; o oeste tocantinense
somou mais 22 municípios ao cluster, sendo o estado que mais se destacou.
O grupo do sul do Maranhão reduziu, pois os municípios de Loreto e Tasso Fragoso
deixaram de fazer parte dele.
No caso do oeste baiano, destaca-se que Barreiras e Catolândia migram do
grupo AA, do qual faziam parte em 2002, para o grupo BA, em 2016, ou seja,
obtiveram baixos valores no VAB agropecuário, mas possuem como vizinhos
municípios com altos valores. Os demais municípios agregados nessa tipologia
de autocorrelação espacial negativa estão distribuídos próximos aos clusters AA,
sendo eles o Gurupi e Pindorama do Tocantins (Tocantins), Barreiras do Piauí
(Piauí) e Santa Maria da Vitória (Bahia). Ao todo, eram quatro municípios em
2002, e seis em 2016.
FIGURA 7
Autocorrelação espacial univariada local do VAB agropecuário do Matopiba
(2002 e 2016)
7A – VAB agropecuário (2002) 7B – VAB agropecuário (2016)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
330
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7C – Níveis de significância estatística 7D – Níveis de significância estatística
do VAB agropecuário (2002) do VAB agropecuário (2016)
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Fonte: IBGE (2017).
Elaboração da autora.
Obs.: p = probabilidade de significância.
O grupo da tipologia BB, que possui como vizinhos os municípios detentores
de baixos valores de VAB agropecuário, aumentou em 46%, passando de 58
municípios em 2002 para 85 em 2016, o que representa 25% do total de municípios
do Matopiba. O destaque para esse cluster ocorre no norte do Maranhão, que
possui 87% dos municípios na faixa descrita.
Na tipologia AB, ou seja, para aqueles municípios que apresentaram altos
valores do VAB agropecuário, enquanto seus vizinhos contavam com baixos valores
para a mesma variável, identicaram-se apenas Luzinópolis, em 2002, e Aparecida
do Rio Negro, em 2016, ambos situados no estado do Tocantins.
É interessante destacar que, diferentemente da análise anterior, que tratava
da base exportadora, aqui o oeste do Tocantins possui um cluster mais representa-
tivo. A região tem crescido nos últimos anos e concentra boa parte da atividade
pecuária do Matopiba, com 9,4 milhões de hectares, e essa característica está asso-
ciada à dinâmica inicial de ocupação e à própria estrutura agrária do Tocantins,
onde existe um signicativo número de grandes estabelecimentos de exploração
pecuária em sistemas extensivos (Buainain, Garcia e Vieira Filho, 2017).
Como é possível observar, dada a heterogeneidade da dinâmica da região,
foram poucos os municípios que se destacaram por seus altos valores do VAB
agropecuário; representando apenas 6% do Matopiba, estavam situados no oeste
e sul do Maranhão e Piauí e no oeste tocantinense. A tipologia BB, no entanto, é
muito mais expressiva, tendo em vista que, em 2016, o cluster era formado por
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
|
331
mais de oitenta municípios, majoritariamente localizados no Maranhão, o que
representava 24% do Matopiba.
O VAB agropecuário é similar ao da base de exportação, sendo levemente
mais expressivo, visto que os municípios da tipologia AA representavam quase
10% do Matopiba em 2016. Nesse caso, além das localidades citadas, vale a pena
destacar que 74% desse grupo está situado no Tocantins, sendo esse estado
reconhecido pelo crescimento da atividade pecuária nos últimos anos. O cluster BB
também cresceu em 50% de 2002 a 2016, sendo composto por 85 municípios em
2016, permanecendo estes situados principalmente no Maranhão.
5.2 Resultados do I de Moran global e local bivariados
A estatística I de Moran bivariada permite vericar a relação linear que existe
entre duas variáveis no espaço. Além disso, o diagrama de dispersão de Moran
bivariado pode ser utilizado com a intenção de analisar a correlação espacial num
determinado espaço de tempo, comparando-se dois períodos distintos (Almeida,
2012; Perobelli et al., 2007). Nesse sentido, as próximas análises buscam correla-
cionar a variável central desse estudo, isto é, a base de exportação do Matopiba, às
demais variáveis, nos anos de 2002 e 2016.
5.2.1 Análise bivariada entre a base exportadora e o VAB da agropecuária
O diagrama de dispersão de Moran (gura 8) apresenta no seu eixo horizontal
a base de exportação, e no eixo vertical a defasagem do VAB agropecuário do
Matopiba. Ao analisarmos a autocorrelação espacial bivariada global, o índice de
Moran se manteve com autocorrelação positiva, como esperado de uma região
conhecida por sua produção agropecuária. Isso signica que os municípios do
Matopiba que apresentaram altos valores na base de exportação são vizinhos de
municípios que também apresentaram altos valores no VAB agropecuário ou,
analogamente, que municípios que apresentaram baixos valores na base de
exportação são circundados por municípios que possuem também baixos valores
no VAB agropecuário.
A partir desse grau de autocorrelação, é possível inferir que, nos municípios
das tipologias AA e BB, primeiro e terceiro quadrantes, a base exportadora possui
demasiada relevância diante das atividades agropecuárias desses municípios. Em
outras palavras, o plantio das culturas de soja, algodão e milho são mais relevantes
nesses municípios em relação aos demais tipos de lavouras ou à produção agrope-
cuária, o que pode ser observado pela similitude nas análises univariadas de Lisa
e no confronto das duas variáveis.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
332
|
FIGURA 8
Autocorrelação espacial bivariada global da base exportadora versus o VAB agropecuário
do Matopiba (2002 e 2016)
8A – Análise bivariada (2002) 8B – Análise bivariada (2016)
Fonte: IBGE (2017).
Elaboração da autora.
Na tipologia AA (guras 9A e 9B), observa-se que, em 2002, eram treze os
municípios abarcados por ela, ao passo que, em 2016, o cluster era formado por
26 municípios. Em 2002, sua composição se dividia entre municípios do sul do
Maranhão (Alto Parnaíba, Balsas, Loreto, Sambaíba e Tasso Fragoso) e do Piauí
(Ribeiro Gonçalves e Santa Filomena). Outro cluster era formado no oeste baiano,
pelos municípios de Baianópolis, Barreiras, Correntina, Luís Eduardo Magalhães,
Riachão das Neves e São Desidério. O estado do Tocantins não apresentou muni-
cípios com autocorrelações signicantes.
Em 2016, o Lisa apresenta uma nova formação do padrão espacial de
autocorrelação e correlação no Matopiba: Tocantins passa a concentrar 65% dos
municípios com a tipologia AA situados no oeste do estado; o cluster formado
no sul do Maranhão e Piauí se mantém igual, à exceção do município de Tasso
Fragoso, que deixa de fazer parte. No oeste baiano, São Desidério e Baianópolis
não aparecem com valores signicativos.
Os municípios que apresentaram baixos valores na base exportadora e tive-
rem como vizinhos os municípios que também apresentaram baixos valores no
VAB agropecuário, ou seja, cluster BB, em 2002, eram 59, o que representava
17% do total de municípios do Matopiba. Em 2016, esse número passou para
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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333
85 municípios, ou seja, 25% do Matopiba. Alguns poucos municípios estão es-
palhados no Tocantins (9) e no Piauí (2), e a maioria no Maranhão, que obtinha
74 municípios. Logo, 88% dos municípios que fazem parte dessa tipologia estão
distribuídos no estado do Maranhão. Assim, são municípios com baixos valores
na base de exportação e possuem vizinhos com baixos valores na agropecuária.
FIGURA 9
Autocorrelação espacial bivariada local da base exportadora versus o VAB agropecuário
do Matopiba (2002 e 2016)
9A – Base exportadora (2002) 9B – Base exportadora (2016)
9C – VAB agropecuário (2002) 9D – VAB agropecuário (2016)
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Fonte: IBGE (2017).
Elaboração da autora.
Obs.: p = probabilidade de significância.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
334
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Pelas guras 9A e 9B, observa-se o conglomerado que apresenta autocorrelação
espacial negativa, ou seja, onde as relações de vizinhança são do tipo BA e AB.
O primeiro grupo, BA, era composto por seis municípios em 2002, sendo dois
situados no Tocantins, apenas um no Piauí e três no oeste baiano. Em 2016, no
total, havia onze municípios, dos quais oito estavam no Tocantins, dois na Bahia e
um no Piauí. A proporção faz sentido com a discussão dos clusters anteriores, pois
o estado do Tocantins foi o que apresentou maior incorporação de municípios na
tipologia AA, demonstrando ser a unidade federativa de maior crescimento
na autocorrelação da base exportadora e do VAB agropecuário.
A tipologia AB apresentou apenas um município em 2016, Aparecida do
Rio Negro, o que signica que este possui baixos valores na base exportadora e
tem como vizinhos os municípios com altos valores no VAB agropecuário.
Destaca-se que, no território, as forças se dividem entre três dinâmicas:
agrícola (lavouras temporárias e permanentes), pecuária e silvicultura, que podem
ter seus impactos mais bem retratados quando analisado o VAB agropecuário.
Todavia, de forma similar, o que se observa é a concentração das atividades em
poucos municípios.
5.2.2 Análise bivariada entre a base de exportação e o IDHM
Por m, a análise bivariada entre a base exportadora e o IDHM foi realizada no
intuito de observar espacialmente a distribuição dos regimes dos valores produ-
zidos pela base exportadora no que diz respeito ao IDH dos seus municípios.
O objetivo é analisar se há padrões de associação espacial entre essas variáveis.
Como foi discutido no capítulo de caracterização do Matopiba, existem outros
indicadores tão importantes quanto o IDHM para compor a representação social
da região, todavia, optou-se por ele por representar algo próximo de uma síntese
e, por isso, reconhece-se a limitação dessa última análise espacial.
A partir da associação espacial global bivariada (gura 10), nota-se que o
I de Moran apontou inclinação positiva para os dois anos analisados. Assim,
os municípios que apresentaram valores elevados na base exportadora possuem
como circunvizinhos municípios com altos IDHMs e, do mesmo modo, os
municípios que obtiveram baixos valores na base exportadora possuem como
vizinhos municípios com baixos IDHs.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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335
FIGURA 10
Autocorrelação espacial bivariada global da base de exportação versus o IDHM do
Matopiba (2002 e 2016)
10A – Base de exportação (2000/2002) 10B – IDHM (2010/2016)
Fonte: IBGE (2017); PNUD (2018).
Elaboração da autora.
Quanto à formação de clusters, em 2002, apenas seis municípios formavam
o grupo AA, um no estado da Bahia (São Desidério), e os demais no estado do
Tocantins (Brejinho de Nazaré, Formoso do Araguaia, Santa Rita do Tocantins,
Talismã e Tupirama). Esses municípios possuíam altos valores na sua base expor-
tadora, bem como se encontravam circunvizinhados por municípios com altos
valores no IDHM. Em 2016, a mesma tipologia de cluster conta com 26 municípios,
todos situados no estado do Tocantins, que já tinha índices sociais melhorados
desde 2002, e foi reforçada com o aumento da base exportadora nesse ano.
No grupo BB, em 2002, havia 39 municípios, estando apenas dois desses
no Tocantins, dois no Piauí, e os demais situados no Maranhão, o que equivalia
a 89% do total do cluster. Em 2016, o número de municípios passou para 47,
estando apenas dois situados no Piauí, e os outros 45 no Maranhão.
Outros clusters de municípios demonstraram associação espacial bivariada
local negativa (BA); foram 48 municípios em 2002, praticamente todos situados
no Tocantins, e apenas um no Maranhão (São Francisco do Brejão). Esse cluster
indica os municípios que apresentam baixos valores na base de exportação, porém
possuem vizinhos com altos valores de IDHM. Em 2016, o total de municípios
da tipologia BA caiu para 38, porém, a proporção se manteve, já que o mesmo
município do Maranhão permanece no grupo, e os outros 37 estão situados
no Tocantins.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
336
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A última tipologia a ser analisada é a AB, que também é uma autocorrelação
espacial negativa, o que implica dizer que se trata de municípios com altos
valores na base de exportação circundados por municípios com baixos valores
no IDHM. Em 2002, apenas o município de Campos Lindos, no Tocantins,
compôs a categoria, e em 2016, além dele, os municípios de Bom Jesus, Ribeiro
Gonçalves e Uruçuí, todos no Piauí, faziam parte do cluster.
Os dados do Matopiba acompanham a variação do índice nacional, no qual
a maioria dos municípios do país encontra baixo e médio IDHM. A melhoria
desse indicador, de acordo com Porcionato, Castro e Pereira (2018), é fruto de
uma signicativa melhoria no IDHM Educação, o que signica dizer que a
população do Matopiba obteve maior acesso ao ensino. Porém, quando analisados
juntamente à base de exportação, o oeste baiano ca inexpressivo, uma grande parte
do Piauí e Maranhão apresentam baixos valores na base de exportação, além de
baixos IDHMs, e outra parte com altos valores na base de exportação, mas com
vizinhos que possuem baixos valores de IDHM, isto é, os municípios ao sul desses
estados, que se destacam pela produção agrícola.
Este estudo não tem a pretensão de armar categoricamente se a base expor-
tadora inuencia ou não a melhoria social, pois, se fosse o caso, evidentemente
outras variáveis e uma metodologia diferente deveriam ser empregadas. Analisa-se
como estão distribuídos espacialmente os municípios a partir dos seus valores
de base de produção e IDHM e como se autocorrelacionam. Todavia, o estudo
produzido por Favareto (2019) realiza uma análise de alguma forma semelhante
ao estudo aqui desenvolvido, a partir dos indicadores relativos ao desempenho na
produção de riquezas (medidos pelo PIB per capita de 2014) e dos indicadores
socioeconômicos para o conjunto da população (medidos pela renda per capita,
incidência de extrema pobreza, mortalidade infantil e acesso ao ensino médio,
comparativamente à média dos respectivos estados, com base no censo demográ-
co de 2010).
A partir desses dois conjuntos de indicadores, os municípios são categori-
zados em quatro grupos ou clusters, semelhantemente à forma como essa pesquisa
o faz, porém, com nomenclaturas distintas. O grupo AA seria aquele com alta
produção e indicadores sociais acima da média, abarcando aqueles considerados
como municípios ricos, pois sua característica é justamente a riqueza, ainda que
concentrada. Aqueles que possuem alta produção e indicadores sociais abaixo da
média (AB) são chamados de municípios injustos, pois, embora sejam ricos, isso
não é traduzido em bem-estar para a população do local. O terceiro grupo (BA)
faz referência aos municípios com baixa produção e indicadores sociais acima da
média, sendo esses municípios remediados.
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
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337
FIGURA 11
Autocorrelação espacial bivariada local da base de exportação versus o IDHM do
Matopiba (2002 e 2016)
11A – Base de exportação (2002) 11B – Base de exportação (2016)
11C – IDHM (2002) 11D – IDHM (2016)
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Não significante
p = 0.05
p = 0.01
p = 0.001
Fonte: IBGE (2017); PNUD (2018).
Obs.: p = probabilidade de significância.
O último cluster, por sua vez, trata dos municípios pobres, que cam abaixo
da média do estado (grupo BB), tanto os indicadores de produção quanto os
indicadores sociais. A seguir, pode-se observar a quantidade de municípios classi-
cados em cada um dos tipos descritos. Na continuação, visualizam-se suas dis-
tribuições espaciais no território do Matopiba.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
338
|
TABELA 5
Tipologia de desempenho dos municípios do Matopiba em um conjunto selecionado
de indicadores de riqueza e bem-estar
Tipo Matopiba Tocantins Maranhão Piauí Bahia
A – Ricos 45 21 19 3 2
B – Injustos 67 27 18 15 7
C – Remediados 29 15 10 1 3
D – Pobres 196 76 88 14 18
Total de municípios 337 139 135 33 30
Fonte: Favareto (2019).
Favareto (2019) observa que o grupo A é a imagem vendida acerca do
Matopiba, mas que reúne apenas 45 dos 337 municípios, cuja grande maioria se
encontra no grupo D, dos pobres. Esse cluster agrupa 196 municípios – ou seja,
60% da região –, dos quais nem os valores econômicos tampouco os indicadores
sociais são signicativos. O autor realiza o esforço na tentativa de atestar que a
narrativa dominante sobre o Matopiba só corresponde a uma pequena parcela
do seu território.
MAPA 2
Tipologia de desempenho dos municípios do Matopiba em um conjunto selecionado
de indicadores de riqueza e bem-estar
Fonte: Greenpeace apud Favareto (2019).
Obs.: Figura reproduzida em baixa resolução e cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das
condições técnicas dos originais (nota do Editorial).
Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
reflexões a partir da teoria da base de exportação
|
339
Como foi dito também na subseção que trata dos aspectos sociais do Matopiba,
ainda há uma ressalva a ser feita, para os anos 2000, período de análise dos indica-
dores relativos ao bem-estar da população, que diz respeito ao fato de a economia
brasileira, como um todo, ter passado por um período de forte expansão, sobretudo
as políticas públicas de componente social, que ganharam destaque (Porcionato,
Castro e Pereira, 2018).
Isso reforça cada vez mais a necessidade de estudar a região do Matopiba na
tentativa de mensurar os impactos, tanto positivos quanto negativos, que o foco
no desenvolvimento de uma economia agrária exportadora pode ocasionar.
6 CONCLUSÃO
Para vericar a presença de padrões espaciais entre a produção agrícola e a dinâmica
socioeconômica do Matopiba, foram aplicadas ferramentas de Aede, a partir do
valor da base de exportação (soja, milho e algodão) dos municípios e da sua
correlação com o VAB agropecuário e o IDH em 2002 e 2016.
O modelo de desenvolvimento econômico em curso na região do Matopiba
se caracteriza como um modelo concentrador de recursos e reprodutor de desi-
gualdade. Observa-se a formação de poucos clusters com VABs altos e dinamismo
econômico e clusters mais representativos de municípios com VABs baixos e pouco
dinamismo econômico.
De forma diferente do experienciado em outros países, a base de exportação
como impulso econômico no território do Matopiba não demonstra alto grau de
inuência no setor agropecuário ou no bem-estar social. Os resultados indicam
que a imagem difundida sobre o dinamismo do Matopiba está longe de ser algo
homogêneo, uma vez que a expressão do agronegócio tem sido concentrada em
alguns poucos municípios, o que parece insuciente para reduzir as desigualdades
regionais históricas da região.
Como esperado e largamente discutido na literatura sobre o tema, dada a
heterogeneidade da dinâmica da região, foram poucos municípios que se des-
tacaram por seus altos valores na base de exportação e no VAB agropecuário. A
análise de autocorrelação espacial univariada e bivariada de ambas as variáveis são
similares e apresentaram associação espacial global positiva. Isso signica que os
municípios do Matopiba que apresentaram altos valores na base de exportação
são vizinhos de municípios que também apresentaram a mesma característica ou,
analogamente, que municípios que apresentaram baixos valores na base de
exportação são circundados de municípios que possuem, também, baixos valores.
Ficam evidentes a heterogeneidade do território e a constituição de ilhas mais
desenvolvidas em termos de produção agrícola.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
340
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A análise bivariada da base exportadora e o IDHM é pouco expressiva. O
destaque dos municípios com bons resultados se encontra no Tocantins, haja
vista que o estado apresenta IDHs melhores que os demais estados nordestinos,
como também tem reetido demasiado crescimento da sua base exportadora nos
últimos anos. Em contrapartida, mas como fato esperado, os municípios do
Maranhão e do Piauí constituem o grupo BB.
O Matopiba é um território que se constitui como palco de conitos, onde
coexistem grandes latifúndios, que realmente produzem altos níveis de produtos
exportáveis, mas carecem de infraestrutura e logística. Há também grandes empresas
transnacionais que produzem em larga escala e, além da produção, contribuem
para a especulação e nanceirização da terra no Matopiba. No entanto, o grupo
que mais sofre os impactos do crescimento da fronteira agrícola são os agricultores
familiares e os povos e comunidades tradicionais, pois vivem na região e dependem
dos recursos naturais não só para a subsistência, mas também para a sobrevivência.
Esses estão sendo pressionados pela produção em larga escala.
É necessária a realização de um plano de desenvolvimento para o Matopiba,
que leve em conta a diversidade das pessoas que ali habitam, sobretudo quanto ao
tipo de relação que elas possuem com o espaço, a terra e a natureza. Ademais, há
de se considerar o aprofundamento da dependência externa, da mercantilização
da terra, dos recursos naturais e do patrimônio biogenético. Decerto, Matopiba é
um território complexo, que carece de muitos estudos com vistas à ampliação do
conhecimento sobre os impactos desse modelo produtivo, como também com o
intuito de propor a adoção de sistemas produtivos mais inclusivos e sustentáveis.
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Transformações Socioeconômicas na Região do Matopiba:
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
PORCIONATO, G. L.; CASTRO, C. N.; PEREIRA, C. N. Aspectos
socioeconômicos da região do Matopiba. Boletim Regional, Urbano e
Ambiental, n. 18, jan./jun. 2018.
CAPÍTULO 10
ENSINO SUPERIOR E EXPANSÃO REGIONAL DO EMPREGO
INDUSTRIAL NO BRASIL (2006-2018)1
Philipe Scherrer Mendes2
Ulisses dos Santos3
Clélio Campolina Diniz4
1 INTRODUÇÃO
1.1. Evolução recente da ocupação industrial no Brasil
O grande crescimento econômico e industrial da década de 1970, conhecido
como o “milagre econômico”, permitiu uma rápida expansão do emprego indus-
trial, que subiu de 2.700 mil para 5.005 mil entre 1970 e 1980. Até então, a indústria
brasileira seguia o denominado padrão fordista de produção, com grande inte-
gração de diferentes etapas dos processos produtivos e mesmo da produção de
partes e componentes dentro da mesma unidade ou empresa industrial, inclusive
de serviços complementares à atividade industrial propriamente dita, como
manutenção, restaurantes, contabilidade, comércio etc. Como consequência, o
emprego registrado como industrial teve grande crescimento.
A modernização da estrutura econômica demandou a formação de recursos
humanos qualicados, resultando em esforços para a expansão do número de
vagas em universidades, tanto em cursos de graduação quanto de pós-graduação,
especialmente entre as décadas de 1960 e 1980 (Dahlman e Frischtak, 1993).
Ao longo desse período, novas universidades foram criadas e ampliadas. Porém,
sua localização seguiu o padrão territorial da indústria, levando à concentração
espacial dos ativos de ensino e pesquisa nas áreas mais industrializadas do país
(Santos, 2017).
A forte e prolongada crise econômica ocorrida nas décadas de 1980 e 1990,
conjugada com a crise do fordismo, e o início, ainda que tímido, da reestruturação
industrial, provocou forte queda do emprego industrial no Brasil. Entre 1980 e
1995, o emprego industrial caiu de 4.693 mil para 3.154 mil postos, com forte
1. Trabalho elaborado com apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por meio da chamada pública
no 58/2019.
2. Pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e
Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur/Ipea); e pesquisador visitante do Centro de Desenvolvimento
e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG).
3. Professor adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG; e professor do Cedeplar/UFMG.
4. Pesquisador do PNPD na Dirur/Ipea; e professor emérito da UFMG.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
344
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recuperação entre 1995 e 2000, quando alcançou 5.223 mil, de acordo com as
estatísticas ociais divulgadas pela série histórica do Instituto Brasileiro de Geograa
e Estatística (IBGE). Não parece haver justicativa econômica e factual para uma
mudança de tal magnitude, podendo-se supor alterações nos critérios de classicação
e apuração dos dados.
Por sua vez, estimativas elaboradas por Morceiro (2018) indicam que a par-
ticipação da indústria manufatureira no produto interno bruto (PIB) do Brasil,
que alcançara aproximadamente 23% em 1985, entrou em queda permanente,
chegando a 11% em 2018. O fraco resultado industrial brasileiro, ao longo desse
período, coincidiu com uma drástica mudança de paradigma tecnológico na indústria
internacional, com a ascensão da microeletrônica e das tecnologias da informação
e da comunicação (TICs) como segmentos indutores do crescimento e progresso
tecnológico (Dosi, 2006). Desde então, os países que conseguiram se aproveitar da
mudança de paradigma para realizar saltos tecnológicos foram bem-sucedidos na
busca por competitividade internacional e desenvolvimento, tendo como principais
referências as economias da Ásia Oriental (Hobday, 2005; Dosi, 2006).
No século XXI, também há controvérsias entre os dados apurados pelas esta-
tísticas ociais e as observações sobre o desempenho do setor industrial. Há razões
econômicas para o grande crescimento do emprego entre os anos 2000 e 2015,
subindo de 5.223 mil para 7.575 mil, pelo grande crescimento da produção
industrial. No entanto, a pequena queda entre 2015 e 2018, quando a economia
entrou em forte crise econômica, parece inconsistente.
Esse período também é marcado por uma nova onda de expansão do sistema
de ensino superior no país, caracterizado por um esforço de desconcentração
regional (Santos e Melo, 2019). Novos campi universitários foram criados e outros,
ampliados, favorecendo a melhora na qualicação prossional e na pesquisa
também em regiões fora do eixo Sul-Sudeste do país (Santos, 2017). A melhoria
na qualicação de recursos humanos em regiões menos desenvolvidas teria, em
tese, potencial para ampliar o desenvolvimento local, elevando a produtividade e
atraindo novos investimentos industriais (Gunasekara, 2006; Harrison e Turok,
2017; Tripp, Sinozic e Smith, 2015). No entanto, esse efeito não ocorre no curto
prazo e depende, também, de outras medidas de promoção do desenvolvimento
regional. Caso isso não ocorra, o baixo nível de desenvolvimento econômico
dessas regiões pode fazer com que tais localidades não se apropriem dos benefícios
relacionados à presença de instituições do sistema de educação superior e cientícas
(Evers, 2019), especialmente considerando que está em curso uma nova mudança
tecnológica que pode alterar as relações entre capital e trabalho.
Nesse contexto, e tentando compreender melhor a dinâmica recente do
emprego industrial, em termos regionais, este trabalho analisará a evolução
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
345
do emprego industrial brasileiro no período 2006-2018, com o propósito de captar
possíveis impactos da maior qualicação da força de trabalho sobre o seu compor-
tamento. A proposta é identicar se houve potencialização desse crescimento em
função das políticas educacionais adotadas, mais notadamente a expansão territorial
das vagas em ensino superior. Para isso, propõe-se uma análise shift-share para
decompor o crescimento entre 2006-2018, buscando identicar componentes
territoriais da expansão do ensino superior no crescimento diferencial observado.
O período de análise será dividido em dois, um em que se observou impor-
tante expansão do emprego industrial no país e outro em que este se retraiu.
O crescimento deste tipo de emprego no período 2006-2018 foi de 7,8%, e no
período 2006-2015, de mais de 14%, enquanto em 2015-2018 houve redução de
mais de 6%. Do ponto de vista regional, a região Centro-Oeste apresentou a maior
expansão (44,5%), seguida pelas regiões Sul (14,7%) e Nordeste (13,1%).
A região Norte apresentou redução, com queda de 2,1%, enquanto a região Sudeste,
grande concentradora do emprego industrial brasileiro, se manteve praticamente
estagnada (0,5%). A tabela 1 ilustra essa evolução do emprego industrial nas
27 Unidades da Federação (UFs).
TABELA 1
Emprego industrial: indústria de transformação (2006, 2015 e 2018)
(Em números absolutos)
UF/região 2006 2015 2018
Rondônia 27.143 35.262 34.617
Acre 4.360 6.216 5.436
Amazonas 96.316 101.752 89.514
Roraima 1.572 2.645 2.476
Pará 88.216 81.415 75.627
Amapá 2.217 2.881 2.584
Tocantins 10.149 17.834 14.938
Norte 229.973 248.005 225.192
Maranhão 27.428 37.842 32.128
Piauí 21.059 27.946 27.133
Ceará 187.833 239.174 222.609
Rio Grande do Norte 53.508 59.913 52.603
Paraíba 56.392 75.352 68.544
Pernambuco 166.016 208.947 190.543
Alagoas 99.522 77.479 66.119
Sergipe 29.379 45.725 39.933
Bahia 157.235 208.086 203.650
Nordeste 798.372 980.464 903.262
(Continua)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
346
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(Continuação)
UF/região 2006 2015 2018
Minas Gerais 645.325 741.004 716.599
Espírito Santo 96.718 113.806 107.337
Rio de Janeiro 320.723 369.846 308.877
São Paulo 2.238.987 2.371.621 2.184.722
Sudeste 3.301.753 3.596.277 3.317.535
Paraná 510.452 634.849 609.117
Santa Catarina 516.904 630.403 639.841
Rio Grande do Sul 597.231 653.835 614.365
Sul 1.624.587 1.919.087 1.863.323
Mato Grosso do Sul 50.850 88.506 92.242
Mato Grosso 75.436 94.511 95.438
Goiás 153.365 230.963 218.533
Distrito Federal 19.348 27.699 25.972
Centro-Oeste 298.999 441.679 432.185
Brasil 6.253.684 7.185.512 6.741.497
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Previdência (Rais/MTE).
Elaboração dos autores.
Em termos setoriais, é possível destacar que dois setores diretamente
relacionados à exploração do pré-sal – manutenção, reparação e instalação de
máquinas e equipamentos; e fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo
e biocombustíveis – foram os que mais cresceram: 103,9% e 42,9%, respectiva-
mente. Outro setor com importante expansão foi o de fabricação de produtos
alimentícios, compatível com a observação da expansão industrial junto à fronteira
agropecuária (crescimento de 30%). É possível dizer que esses foram os dois
motores do crescimento industrial brasileiro no período.
À luz dessas considerações, a análise das tendências regionais do emprego
industrial no Brasil será desenvolvida dentro do seguinte roteiro: i) fundamen-
tação teórica analisando o papel das instituições de educação superior (IES) na
preparação da mão de obra regional; ii) descrição das bases de dados empíricos;
iii) critérios de regionalização; e iv) análise shift-share com análise exploratória dos
dados espaciais, para se investigar a correlação espacial do crescimento diferencial.
1.2 Indústria brasileira e aspectos territoriais
A formação econômica do Brasil é marcada pela concentração de seus ativos mais
dinâmicos nas regiões Sudeste e Sul, sendo estas, consequentemente, as regiões
mais ricas (Furtado, 1976). Para ns ilustrativos, essas duas regiões representavam
75% do PIB brasileiro no ano 2000, tendo caído para pouco mais de 70% em 2010.
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
347
Embora as últimas décadas tenham mostrado uma tendência ao aumento da par-
ticipação de outras regiões na produção e na renda nacionais, a desigualdade regional
ainda é uma característica marcante da economia brasileira. O protagonismo
econômico dessas regiões fez com que ao longo dos anos elas atraíssem maior
atenção por parte dos formuladores de políticas públicas. Por isso, tais regiões
também concentraram ao longo dos anos equipamentos infraestruturais e ativos
de ciência e tecnologia (C&T), como universidades e centros de pesquisa
(Albuquerque et al., 2002; Santos, 2017).
O crescimento ocorrido no período 2000-2015 promoveu relativa desconcen-
tração industrial. No entanto, esse tempo foi relativamente curto para consolidar
uma alteração estrutural, com uma desconcentração substancialmente forte,
capaz de desfazer a histórica concentração no Sudeste e no Sul, e de tornar o
território nacional mais homogêneo do ponto de vista produtivo.
Fatores aglomerativos tendem a reter a concentração da atividade econômica
no território, exigindo maior peso dos fatores desaglomerativos e das políticas
públicas para promover a desconcentração. Assim, para que ocorra a descon-
centração, é necessária a ocupação em novas localidades com atributos urbanos
que justiquem o estabelecimento de novas atividades ali. Como mostrou Diniz
(1993), a perda de importância relativa da região metropolitana (RM) de São
Paulo não signicaria uma macrodesconcentração, mas o surgimento de um novo
campo aglomerativo que cou conhecido como “polígono industrial”.
Nessa perspectiva de melhor ocupar o território nacional, destaca-se que a
criação de novas centralidades tende a se colocar como objeto do interesse público,
em um processo que, além de distribuir melhor, tende a minimizar os efeitos
negativos de uma hiperaglomeração. Cabe destacar os efeitos positivos da cons-
trução da nova capital, Brasília; dos grandes projetos de infraestrutura; das políticas
de incentivos scais para o Norte e o Nordeste; e da tentativa de se recuperar o
crescimento industrial no estado do Rio de Janeiro. Infelizmente, esses esforços
foram paralisados em todas essas regiões, nos últimos anos.
A ausência de fôlego de política pública após o II Plano Nacional de Desen-
volvimento (PND), seguida pelas crises dos anos 1980 e 1990, reduziu os efeitos
do processo de desconcentração da atividade produtiva da região Sudeste. O esforço
de desconcentração foi retomado no início do século XXI, porém paralisado por
conta da crise recente e dos efeitos da pandemia da covid-19.
No contexto da retomada de esforços para a redução de desigualdades regio-
nais no território brasileiro, serão aqui analisadas as medidas adotadas na busca
pelo fortalecimento e expansão da abrangência territorial do sistema de ensino
superior. O Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), além de
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
348
|
outras iniciativas do poder público federal e estadual, levaram a um crescimento
no número de instituições públicas de ensino superior, contemplando regiões
interioranas e menos desenvolvidas (Santos e Melo, 2019). A criação de universida-
des em regiões deprimidas pode ser considerada uma estratégia para a promoção
do desenvolvimento local, como comprovam várias experiências internacionais
(Evers, 2019; Gunasekara, 2006; Harrison e Turok, 2017; Trippl, Sinozic e
Smith, 2015).
Nessa perspectiva, assume-se que as IES colaborariam com a qualicação
do mercado de trabalho ao suprir recursos humanos graduados e pós-graduados
ao mercado local, além de gerarem transbordamentos de conhecimento para
seu entorno, a partir de atividades de pesquisa (Jae, 1989; Jae, Trajtenberg e
Henderson, 1993).
Vieira e Macedo (2021), baseados em uma ampla literatura recente sobre a
redescoberta da terceira missão das universidades, analisam a experiência brasileira
recente. Essa pesquisa enfatiza o papel das universidades nas transformações econô-
micas, sociais e produtivas dos territórios onde estão localizadas. Atuam, portanto,
como instrumento de desenvolvimento regional. Essa visão avança no sentido
de se avaliar o papel das universidades, sintetizado em cinco modelos: fábrica de
conhecimento; solução de problemas práticos; universidade empreendedora; uni-
versidade inovadora; e universidade engajada.
Em uma perspectiva alternativa e anterior, Granoveter (1985) procurou
demonstrar que o desenvolvimento só ocorre quando há uma verdadeira imersão
social da comunidade ou região. Nesse sentido, poderíamos entender que as uni-
versidades criam ou potencializam essas condições, especialmente na era da sociedade
do conhecimento. Entendemos, também, que as universidades, de forma isolada,
têm diculdades em promover essas modicações. Por isso, se a intenção é promover
a redução das desigualdades econômicas e sociais, a política de criação de novas
universidades precisa estar acompanhada de outras políticas públicas que facilitem
ou estimulem o desenvolvimento regional. Sendo assim, a situação brasileira é
especial e privilegiada, pelo tamanho do seu território e da população, pela diver-
sidade de biomas (clima, solo, vegetação), recursos minerais e humanos.
Foram criadas, entre os anos de 2003 e 2014, dezoito novas universidades
federais e 195 novos campi universitários no país, privilegiando, especialmente
entre 2003 e 2006, cidades no interior do Brasil e distantes dos grandes núcleos
industriais e universitários já existentes (Santos e Melo, 2019). Como resultado
desse processo, houve melhora em indicadores como o número de artigos cien-
tícos publicados e o número de docentes em cursos de pós-graduação (mes-
trado e doutorado). De forma similar, o número de localidades com cursos de
pós-graduação também apresentou considerável crescimento ao longo do período
(Santos e Mendes, 2018).
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
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349
No entanto, há que se ressaltar que, ao longo da primeira década do século XX,
a atividade tecnológica brasileira, medida pelos registros de patentes, não apresentou
o mesmo ritmo de expansão territorial (Santos, 2017). Tal resultado sugere que a
ampliação do sistema de ensino superior não se expandiu até o momento para
a atividade tecnológica regional. Esse quadro pode indicar também que as esferas
produtivas ainda não reuniram as condições necessárias para absorver possíveis
ganhos oriundos da ampliação na qualicação do trabalho e do aumento na pro-
dução cientíca brasileira.
A literatura aponta diversas formas pelas quais as universidades poderiam
auxiliar no desenvolvimento de regiões menos dinâmicas para a promoção do seu
crescimento econômico (Gunasekara, 2006). Aspectos como a conexão com bases
de conhecimento externas ou o engajamento na solução de problemas locais
guram entre essas possibilidades. Há, inclusive, o entendimento de que, por
meio da comercialização do conhecimento produzido, a partir do licenciamento de
tecnologias ou mesmo do surgimento de empresas spin os, as universidades possam
atuar diretamente para a atração e geração de renda nas regiões em que se encon-
tram (Trippl, Sinozic e Smith, 2015). No entanto, é a atuação das universidades
na formação de capital humano o que congura a sua principal contribuição para
o desenvolvimento econômico regional. Desde a contribuição clássica de Marshall
(1982) até as mais recentes acerca do desenvolvimento regional, como aquelas
baseadas nos conceitos de aprendizado regional (Florida, 1995; Asheim, 1996) e de
sistemas regionais de inovação (Cooke, 1998; Asheim, Smith e Oughton, 2011), o
capital humano é identicado como um elemento fundamental para o desenvolvi-
mento de aglomerações produtivas e para a sua sustentabilidade econômica.
No entanto, os efeitos da instalação de universidades em regiões deprimidas
sobre o mercado de trabalho local não são imediatos e dependem, também, do
complemento de outras políticas. Tal questão se justica, pois, isolada de outras
políticas, a instalação de uma universidade em uma região pouco desenvolvida
pode ser como construir uma catedral no deserto (Evers, 2019). Nesse sentido, a
ausência ou escassez de postos de trabalho qualicados para os egressos das uni-
versidades locais faria com que esses prossionais recém-qualicados se deparassem
com duas opções: i) a busca de oportunidades de trabalho condizentes com sua
formação superior em outras regiões mais ricas; ou ii) a permanência na região
de formação e a atuação em ocupações com exigência de qualicação inferior
ou incompatível com a sua formação. Nesses dois cenários, os impactos da universi-
dade sobre o nível de renda da região tendem a ser restringidos, uma vez que a for-
mação superior não necessariamente se converteria em ganhos salariais e de renda.
De outro modo, é possível dizer que a instalação de universidades e centros
de ensino superior em regiões deprimidas pode gurar como um atrativo para a
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
350
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chegada de novos empreendimentos econômicos demandantes de recursos humanos
qualicados. Adicionalmente, a existência de capacitações técnicas locais, mate-
rializadas em docentes e pesquisadores universitários, além da disponibilidade de
recursos humanos com formação superior, poderia favorecer a melhoria técnica das
atividades produtivas previamente existentes na região. Outro impacto positivo
do sistema universitário sobre a economia local seria a possibilidade do surgi-
mento de empreendimentos derivados da própria atuação da universidade, como
empresas de base tecnológica (Trippl, Sinozic e Smith, 2015).
Todavia, a materialização de todas essas possibilidades ocorreria no longo
prazo, a partir da consolidação e do amadurecimento da atuação universitária local,
após a superação de desaos como a atração e a xação de alunos e docentes,
e o estabelecimento de vínculos com a estrutura econômica local. Ainda que a
proximidade seja um fator favorável para o estabelecimento desses vínculos, eles
demandam a construção de relações de conança e identicação social, o que é
um processo que se desenvolve com o tempo (Santos e Diniz, 2012). Além disso,
as novas universidades e as regiões onde estas se instalariam se veriam sujeitas à
competição com regiões mais avançadas, com sistemas de ensino já maduros e
consolidados. Nesse sentido, as capacitações acumuladas por regiões mais desen-
volvidas poderiam favorecê-las nessa competição.
Políticas como a de expansão e interiorização do ensino superior no Brasil,
no início do século XXI, apesar de dotarem regiões deprimidas de ativos estratégicos
e fundamentais para o seu crescimento, demandam uma articulação com outras
iniciativas para resultarem, de fato, na criação de novas centralidades. Nesse sentido,
cabe destacar a importância de uma articulação com a política industrial e com
a política de desenvolvimento regional, com o intuito de ampliar a demanda por
trabalhadores com qualicação superior perante o aumento na oferta nas regiões
que passam a contar com estrutura universitária. Por isso, não se pode esperar que,
de forma isolada, a expansão territorial do sistema público de ensino superior
tenha impacto imediato sobre o mercado de trabalho das regiões brasileiras
menos desenvolvidas.
Embora sejam frequentes as investigações sobre o papel da universidade no
desenvolvimento econômico regional, a literatura dá pouca ênfase aos seus im-
pactos sobre o mercado de trabalho em regiões deprimidas (Evers, 2019). Para
o caso brasileiro, é extremamente relevante realizar uma investigação nesses
moldes, considerando o histórico de desigualdades regionais e a necessidade de
se compreenderem os impactos regionais das políticas realizadas no país, pautada
pela criação de novas universidades e campi universitários no território nacional
(Santos e Melo, 2019).
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
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351
1.3 Mudanças tecnológicas e perspectivas do emprego industrial
1.3.1 A visão internacional
As mudanças de estrutura produtiva, com incorporação de novas atividades, e as
de organização dos processos de trabalho, que vêm ocorrendo desde o nal do
século XX, propiciadas pelos avanços das ciências e das tecnologias, estão promo-
vendo uma radical alteração nos padrões de produção e emprego.
Alguns autores entendem que os avanços das TICs e seu posterior desdo-
bramento para a automação dos processos produtivos, pela robotização e pela
inteligência articial, vêm destruindo os postos de trabalho em todas as ativi-
dades econômicas, especialmente na indústria. Jeremy Rifkin, em O Fim dos
Empregos (Rifkin, 1995), analisava essas tendências de forma detalhada. Falava
no m do agricultor, substituído pelo computador e pela genética, e no m do
operário e do prestador de serviços, com a digitalização das prossões. Após
indicar os riscos de uma grande crise social, o autor defende a troca do trabalho
pelo lazer e a expansão do chamado terceiro setor, com as transformações do
papel do governo em prol da proteção social e do trabalho voluntário pela
comunidade, com salários sociais.
Diagnóstico semelhante foi apresentado por Richard Freeman (Freeman,
2019). Utilizando dados da Federação Internacional de Robótica, o autor mostra,
já em 2017, a existência de 521 mil robôs em operação no mundo, sendo 210 mil
destes na China, paradoxalmente um país com abundante oferta de trabalho. Para
ele, nos próximos vinte anos, o computador e o robô poderão eliminar metade
dos postos de trabalho, gerando uma grande instabilidade política e social. Freeman
defende uma melhor distribuição da renda, mas termina reetindo: como é possível
que o robô trabalhe para a humanidade, já que ele tem um dono e este deseja se
apropriar dos lucros?
Em perspectiva ligeiramente diferente, Davi Autor (Autor, 2015), analisando
a situação da automação nos Estados Unidos, e Arntz, Gregory e Zierahn (2019),
ao estudarem os impactos da digitalização para a Europa, chegam a uma conclusão
semelhante e relativamente distinta dos diagnósticos anteriores. Segundo eles, as
novas tecnologias ampliarão a eciência produtiva, com diversicação e aumento
da produção, por isso o problema não será de emprego, mas de distribuição.
Nessa linha, alguns economistas de renome, como Stiglitz (2012) e Piketty
(2013), defendem uma signicativa melhora na distribuição da renda como
condição para a própria sobrevivência do capitalismo.
Se, por um lado, essas mudanças podem reduzir as oportunidades de
trabalho, por outro, elas podem contribuir para o bem-estar da humanidade. As
perspectivas são, portanto, imprevisíveis e incertas. Qual é, então, o caminho
a seguir? Os movimentos sociais, de diferentes orientações ideológicas e políticas,
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
352
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não estão dispostos a tolerar o crescente nível de desigualdade e não acreditam nas
propostas de melhoria na distribuição da renda. Há, assim, uma contínua busca
por transformações mais profundas.
1.3.2 Análise da situação brasileira
Hermeto et al. (2019), a pedido do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai), elaboraram uma exaustiva análise intitulada O Impacto da Automação
Inteligente sobre o Emprego da Indústria Brasileira. Inicialmente, realizaram uma
ampla revisão da literatura internacional sobre o tema, selecionando caminhos
metodológicos. Tomando a abordagem por tarefas, classicaram-nas em quatro
grupos: i) cognitivas não rotineiras; ii) cognitivas rotineiras; iii) manuais rotineiros;
e iv) manuais não rotineiros.
Em seguida, foi feita a compatibilização da Classicação Brasileira de
Ocupações (CBO), do MTE, com a Occupational Information Network (Oinet),
do US Department of Labor, amplamente utilizada na maioria dos países.
A partir da lista de ocupações e da seleção das ocupações industriais, foram
elaboradas várias listagens daquelas que poderão desaparecer e das emergentes,
em função das grandes mudanças tecnológicas e de estrutura produtiva, com
incorporação de novas atividades.
A partir desses critérios, foram feitas análises da indústria brasileira, por
grandes setores ou grupos de atividades, cruzando as matrizes de atividades, ocu-
pações e requisitos de qualicação prossional. Foram consideradas, também,
mudanças nas formas de organização empresarial e produtiva, nos sistemas de
contratação e subcontratação etc.
A partir das listagens anteriores, avaliaram-se as perspectivas de apareci-
mento e desaparecimento de novas atividades e funções, requisitos de habilidade,
competências e qualicações. A conclusão foi de que pode haver o desaparecimento
de ocupações de tarefas em atividades cognitivas e manuais rotineiras, as quais
passariam a ser preponderantemente executadas por máquinas. De maneira seme-
lhante, pode ocorrer o surgimento de atividades em indústrias baseadas em alto
conhecimento cientíco, com destaque para manufatura avançada, tecnologia
espacial, atividades relacionadas com a saúde humana e animal, a grande fron-
teira da bioeconomia, e o carro-chefe das transformações, liderado pelas TICs.
Observou-se, além disso, o aumento dos requisitos de escolaridade e qualicação
prossional. A queda na demanda de trabalho provoca também a queda dos
salários e o aumento das desigualdades.
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
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353
No caso brasileiro, em que a capacidade industrial de absorver trabalho
vem se reduzindo de forma constante, os resultados de um processo de mudança
nos padrões de produção de tamanha proporção podem ser ainda mais drásticos.
Nesse cenário, a ampliação no contingente de trabalhadores altamente quali-
cados se coloca como um aspecto determinante para a incorporação de novos
setores industriais e processos produtivos (Perez, 2010). Sendo assim, políticas
destinadas à melhoria e à ampliação de vagas nos ensinos em nível de graduação
e pós-graduação são fundamentais para o desenvolvimento econômico e regional.
O caminho para a supressão das desigualdades seria a melhoria da qualicação
prossional e o seu engajamento nos setores e tecnologias nascentes. Nesse cenário,
o sistema universitário cumpriria um papel estratégico não apenas ao qualicar
recursos humanos, mas também ao apoiar a melhoria técnica das atividades pro-
dutivas locais, ao captar e decodicar mudanças tecnológicas internacionais e ao
potencializar o surgimento de empreendimentos locais intensivos em tecnologia
(Trippl, Sinozic e Smith, 2015).
Ao mesmo tempo, é fundamental haver no Brasil políticas industriais e
tecnológicas voltadas para a incorporação de tecnologias alinhadas a novos
paradigmas tecnológicos, como pode vir a ser a automação inteligente. Somente
a compreensão de que é necessário apostar em tecnologias com maior potencial
de crescimento pode tirar a indústria brasileira do quadro de crescimento nulo ou
ocasional em que se encontra desde os anos 1980 (Santos, 2018).
2 METODOLOGIA
A análise empírica será feita agregando as microrregiões geográcas, por entender
que esse recorte permite uma observação adequada dos padrões locacionais da
indústria. Serão utilizadas, de forma complementar, duas importantes bases
de dados nacionais: a Rais, do MTE, e o Censo da Educação Superior, do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
A Rais é um registro anual de informações de todo o mercado de trabalho
formal, permitindo a identicação da atividade produtiva no nível local, com
informações setoriais e ocupacionais do vínculo empregatício. O Censo da Educação
Superior é uma pesquisa sobre a educação superior no Brasil que tem como
objetivo coletar informações detalhadas sobre a situação e as tendências do setor.
A base é anual e de declaração obrigatória, englobando todas as IES cadastradas
no sistema e-MEC.
A análise será feita com base no instrumental shift-share, em que se buscará a
identicação do componente diferencial das regiões no crescimento do emprego
nos dois períodos (crescimento entre 2006 e 2015 e queda entre 2015 e 2018).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
354
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Feita a identicação desse componente diferencial, a proposta é analisar se ele
correlaciona-se territorialmente com a expansão das IES e das matrículas. Ou
seja, pretende-se identicar se e como a política de expansão territorial da oferta
de vagas em IES teria potencializado o crescimento diferencial da indústria nas
regiões beneciárias da política educacional. A segunda análise será feita de
forma exploratória, com base no instrumental da Análise Exploratória de Dados
Espaciais (Aede).
2.1 Análise diferencial-estrutural
Composta por um conjunto de identidades, a metodologia procura desagregar
componentes partindo da constatação de que há diferenciais setoriais e regionais
nos ritmos de crescimento em um período de tempo. Nessa perspectiva, a com-
posição setorial da estrutura produtiva pode ser caracterizada por setores que
poderiam ser mais (ou menos) dinâmicos e que, entretanto, poderiam apresentar
dinamismo diferente do comportamento padrão setorial, respondendo, por
hipótese, a determinantes relacionados à localidade, com a junção desses com-
ponentes sendo a resultante do desempenho total. Decompondo o desempenho
regional, tem-se: uma variação estrutural resultante de sua composição setorial,
o montante adicional (positivo ou negativo) observado em determinada região e
uma variação diferencial, sendo este um montante positivo (ou negativo) que a
região conseguiria pelo crescimento em determinado(s) setor(es), podendo indicar
(des)vantagens locacionais.
Assim, temos três componentes: uma variação regional (R), uma variação
proporcional (P), e uma variação diferencial: .5 Dessa
forma, ,
ou , que representa que a diferença entre o cresci-
mento efetivo em cada região e seu crescimento hipotético (estimado utilizando
a taxa global de crescimento) é decorrente de dois fatores: um estrutural, que
representa variações de produtividade, padrões de consumo, progresso tecnológico,
mudanças na própria divisão inter-regional do trabalho; e outro diferencial,
sugerindo diferentes dinamismos intersetoriais.
5. Em que – variação regional – igual ao acréscimo de emprego que teria ocorrido se esta
região crescesse à taxa de crescimento do total de emprego nacional, no período ( = taxa nacional de
crescimento do emprego); – variação estrutural – montante adicional de emprego que uma
região poderá obter como resultante de sua composição industrial ( = taxa nacional de crescimento do
emprego no setor i); e – variação diferencial – montante de emprego que a região conseguirá,
pois a taxa de crescimento do emprego, em determinados setores, foi diferente (maior ou menor) nesta região em
relação à média nacional ( = taxa de crescimento do setor i na região j).
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
355
Para atender aos objetivos deste trabalho, interessa identicar uma possível
correlação espacial entre o dinamismo diferencial das regiões e a política educacional,
geradora de importante fator de produção. Assume-se, então, que regiões onde
houve ampliação na disponibilidade de recursos humanos altamente qualicados
teriam condições de experimentar um nível de crescimento superior às demais.
2.2 Aede
O Local Indicator of Spatial Association (Lisa), desenvolvido por
Anselin (1995), permite caracterizar regiões com grande concentração de algum
indicador especíco, assim como regiões de baixa concentração. A estatística Lisa
utilizada neste trabalho será o I de Moran Local, visando à identicação de
associações espaciais locais. Esse índice auxilia na compreensão do padrão de distri-
buição espacial e permite a observação de núcleos que concentram, em sua vizi-
nhança, regiões com maior volume de emprego industrial, por exemplo. O I de
Moran Local indica autocorrelação espacial, estatisticamente signicativa, para
cada localidade, agrupando-as individualmente em quatro categorias: alto-alto,
baixo-baixo, alto-baixo e baixo-alto. Localidades classicadas em clusters do
tipo alto-alto possuem alta concentração de um dado indicador e são vizinhas
de localidades que também apresentam elevada concentração. Locais classicados
como clusters baixo-baixo possuem baixa concentração do identicador escolhido e
são vizinhos de localidades que também apresentam uma concentração reduzida.
A lógica para a identicação alto-baixo e baixo-alto é relacionada a esta possibilidade
de regiões que concentram e estão próximas a regiões que não concentram. Para
todas as demais localidades, não classicadas nesses quatro agrupamentos, o indicador
não é estatisticamente diferente da média de todas as regiões.
3 ANÁLISE DOS RESULTADOS
A primeira análise é a da correlação espacial dos indicadores de crescimento do
emprego industrial. Como descrito anteriormente, o período analisado foi dividido
em dois, em função da inexão observada na geração de postos de trabalho
na indústria nacional. Utilizamos os dados microrregionais na análise shift-share.
Geramos dois indicadores de crescimento estrutural e dois de crescimento diferencial
(2006-2015 e 2015-2018), e analisamos a correlação espacial deles.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
356
|
Por hipótese, espera-se uma correlação espacial positiva no crescimento
estrutural observado nas microrregiões brasileiras. Essa expectativa se deve à já
reconhecida concentração espacial da atividade industrial nacional. Sendo uma
atividade espacialmente concentrada, com reconhecida especialização produtiva
de várias regiões, espera-se que esse componente estrutural possua importante
correlação com o território.
FIGURA 1
I de Moran: componente estrutural da evolução microrregional do emprego industrial
(2006-2015 e 2015-2018)
1A – 2006-2015 1B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Como se pode observar na gura 1, a identicação de signicativa corre-
lação espacial positiva se justica pela concentração da indústria. Esse resultado
sugere que as microrregiões que apresentaram maior crescimento estrutural
(relacionado à estrutura produtiva regional) estão mais próximas daquelas que
também manifestaram maior crescimento nos dois períodos, assim como os de
menor crescimento estão geogracamente mais próximos. Ainda que o indicador
de crescimento estrutural tenha tido uma redução da correlação espacial para o
segundo período, o resultado é absolutamente compatível com a realidade da
indústria nacional (Diniz e Mendes, 2021). O mapa 1 ilustra a distribuição espacial
da identicação dos clusters.
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
357
MAPA 1
Lisa: componente estrutural da evolução microrregional do emprego industrial
(2006-2015 e 2015-2018)
1A – 2006-2015 1B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Para a compreensão do mapa 1, é importante destacar que as microrregiões
representadas na cor vermelha apresentaram as maiores taxas de crescimento de em-
prego nesse componente estrutural e estão próximas de outras regiões que apresen-
taram dinamismo semelhante, ou seja, são as regiões cuja estrutura produtiva mais
contribuiu para o resultado nal de crescimento observado. Em azul-escuro estão
as regiões que apresentaram as menores taxas de crescimento e que estão próximas a
regiões de baixo dinamismo. O vermelho-claro signica que a região apresentou
crescimento importante, mas se encontra próxima a regiões que cresceram pouco,
e o azul-claro representa as regiões que cresceram pouco, mas que se encontram
próximas a regiões que apresentaram mais elevadas taxas de crescimento. Observa-se
maior concentração de microrregiões com alto crescimento no emprego industrial
próximas a regiões também com alto crescimento em regiões que possuem uma
variação estrutural industrial voltada ao agronegócio (notadamente o Centro-Oeste).
A região industrial tradicional (Sudeste e Sul) não apresentou essa correlação
espacial no crescimento no emprego industrial; pela estrutura, a exceção seria o sul
do Paraná e a região mais central de Santa Catarina.
Partindo para a análise da correlação espacial do crescimento diferencial
do emprego microrregional, observa-se, pela gura 2, a quase inexistência dessa
correlação espacial, nos dois períodos (expansão e retração no emprego). Adiante
avaliaremos a possibilidade de que a política educacional, adotada ao nal da
primeira década dos anos 2000 e que teve continuidade durante os anos de 2010,
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
358
|
tenha gerado algum efeito territorial que justicaria essa manifestação de potencial
componente diferencial observado na correlação espacial.6
FIGURA 2
I de Moran: componente diferencial da evolução microrregional do emprego industrial
(2006-2015 e 2015-2018)
2A – 2006-2015 2B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
MAPA 2
Lisa: componente diferencial da evolução microrregional do emprego industrial
(2006-2015 e 2015-2018)
2A – 2006-2015 2B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
6. Além desse potencial gerado pela política educacional, outro exemplo de um fator que poderia potencializar o
crescimento diferencial e ter um cunho territorial, com capacidade de espraiamento, seria a política de atração de um grande
empreendimento. Se ele for significativamente grande, existe uma tendência de que potencialize o emprego no entorno.
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
359
Com um I de Moran muito próximo a zero, tanto no período da expansão
do emprego quanto no período da retração, os resultados sugerem não haver um
componente territorial capaz de explicar parte do crescimento diferencial. A rigor,
observa-se pequena correlação espacial entre 2006 e 2015, que reduz ainda mais
no período seguinte. De qualquer forma, essa correlação é quase nula.
Partindo da identicação de que houve busca por uma melhor distribuição
territorial das IES, política com claro viés territorial, analisaremos de forma mais
explícita7 a potencial contribuição dessa política na determinação do componente
diferencial do crescimento industrial. Analisamos a distribuição territorial das
IES e das matrículas, assumindo que sua expansão recente ainda não teve tempo
para gerar efeitos de crescimento diferencial.
3.1 Caracterização da expansão das IES e das matrículas (2006-2018)
O primeiro ponto a se destacar é que a estrutura de ensino superior no país é
historicamente concentrada no Sudeste e no Sul, assim como a estrutura pro-
dutiva e urbana. Como já destacado e demonstrado, a tabela 2 mostra o esforço
de desconcentração dessas IES. Sob a perspectiva das IES públicas, a indução é
direta, efetuada pela decisão governamental de instalação e expansão. Para as
IES privadas, a indução é indireta, via Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
De toda forma, nota-se o esforço de desconcentrar a oferta de vagas.
TABELA 2
IES e taxa de crescimento por macrorregião (2006-2015 e 2015-2018)
Macrorregião
IES
2006
(números absolutos)
Variação
2006-2015 (%)
2015
(números absolutos)
Variação
2015-2018 (%)
2018
(números absolutos)
Norte 270 15,6 312 10,9 346
Nordeste 824 16,1 957 16,1 1.111
Sudeste 2.186 2,6 2.242 0,3 2.248
Sul 774 4,0 805 2,9 828
Centro-Oeste 486 -1,9 477 8,2 516
Brasil 4.540 5,6 4.793 5,3 5.049
Fonte: Censo da Educação Superior/Inep.
Elaboração dos autores.
Para os dois períodos analisados, observa-se prevalência da expansão das
IES nas regiões Norte e Nordeste, enquanto a região Sudeste foi a que menos
teve expansão. Apesar disso, os dados demonstram que ainda é muito grande
7. Essa potencial correlação está implicitamente testada. Como a política educacional possui potencial gerador de
dinamismo econômico, a identificação de não haver correlação espacial do crescimento diferencial da indústria sugere
que, de forma isolada, essa política não traz os impactos desejados.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
360
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a desigualdade, com aproximadamente 44% das IES se localizando na região
Sudeste em 2018 (48% em 2006). O mapa 3 ilustra como se dá a distribuição das
IES pelas microrregiões do país, para 2006 e para 2018.
MAPA 3
Distribuição microrregional de IES (2006 e 2018)
3A – 2006 3B – 2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Em termos de números de matrícula em curso superior, a concentração era
ainda maior que a de IES, com 50% na região Sudeste, em 2006. Também se
destaca o esforço de desconcentração, caindo a 45% em 2018. Diferentemente
da expansão nas IES, que se acelera no período 2015-2018, observa-se uma
queda generalizada no número de matrículas nestes anos, período de inexão e
aprofundamento da crise econômica nacional.
TABELA 3
Matrículas em curso superior e taxa de crescimento por macrorregião (2006-2015 e
2015-2018)
Macrorregião
Matrículas – ensino superior presencial
2006
(números absolutos)
Variação
2006-2015 (%)
2015
(números absolutos)
Variação
2015-2018 (%)
2018
(números absolutos)
Norte 280.540 43,7 403.156 -1,3 397.780
Nordeste 796.140 58,9 1.264.837 -1,0 1.251.925
Sudeste 2.332.942 9,8 2.561.575 -4,7 2.441.806
Sul 854.831 1,5 867.309 -6,0 815.185
Centro-Oeste 411.607 26,5 520.678 -4,4 497.575
Brasil 4.676.060 20,1 5.617.555 -3,8 5.404.271
Fonte: Censo da Educação Superior/Inep.
Elaboração dos autores.
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
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361
O mapa 4 ilustra o esforço desconcentrador das matrículas em 2006 e 2018.
É possível notar o adensamento das matrículas, principalmente nas microrregiões
do Nordeste e do Centro-Oeste, o que havia sido ilustrado na tabela 3. O resultado
nas microrregiões da região Norte sugere que o crescimento das matrículas
lá observado foi localizado em microrregiões que já possuíam signicativo número
de matrículas.
MAPA 4
Distribuição microrregional das matrículas em curso superior (2006 e 2018)
4A – 2006 4B – 2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Dada essa distribuição espacial de IES e de matrículas em curso superior,
que permite a constatação do esforço desconcentrador, testa-se a possibilidade de que
a interiorização da oferta de vagas tenha se convertido em elevação da oferta local
de mão de obra com maior qualicação. Como isso ainda não ocorreu, espera-se
que uma possível consequência seja o impacto positivo no crescimento diferencial
da indústria.
3.2 Crescimento diferencial e matrículas em IES
Mais uma vez com o instrumental desenvolvido por Anselin (1995), será feita
uma análise Lisa avaliando a correlação espacial entre o crescimento diferencial do
emprego industrial brasileiro e o crescimento das matrículas em IES em regiões
vizinhas. Os resultados sugerem pequena correlação entre o crescimento industrial
em regiões próximas às que apresentaram maior crescimento no número de
matriculados nas IES. Esse resultado praticamente desaparece no período de retração
do emprego industrial (2015-2018).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
362
|
FIGURA 3
I de Moran bivariado: componente diferencial da evolução microrregional do emprego
industrial e expansão da matrícula em IES (2006-2015 e 2015-2018)
3A – 2006-2015 3B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
MAPA 5
Lisa: componente diferencial da evolução microrregional do emprego industrial e
expansão da matrícula em IES (2006-2015 e 2015-2018)
5A – 2006-2015 5B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
363
A condição gerada pela expansão das matrículas de ensino superior e a
posterior formação de mão de obra com maior nível de instrução parece ter pouco
favorecido o crescimento industrial observado em regiões vizinhas. A análise
espacial sugere baixo efeito no crescimento industrial, com outros potenciais
determinantes diferenciais do crescimento industrial8 nas microrregiões brasi-
leiras, determinantes estes não correlacionados com questões territoriais.
Como as regiões que apresentaram maior crescimento diferencial não estavam
territorialmente próximas àquelas que tiveram maior expansão nas matrículas em
IES, o questionamento que se faz é se teria havido, ao menos, absorção dessa mão
de obra qualicada na localidade. Ou seja, deixa-se a análise do emprego indus-
trial em sua totalidade e passa-se a tentar compreender a potencial correlação
espacial da expansão da oferta de matrículas em IES com o crescimento diferencial
do emprego industrial, em especial de pessoas com ensino superior completo.
A gura 4 e o mapa 6 ilustram essa correlação espacial.
FIGURA 4
I de Moran bivariado: componente diferencial da evolução microrregional do
emprego industrial para trabalhadores com ensino superior completo e expansão da
matrícula em IES (2006-2015 e 2015-2018)
4A – 2006-2015 4B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
8. Não estamos, neste trabalho, discutindo quais seriam estes potenciais determinantes. Aqui, nos limitamos a testar
esta potencial relação entre política educacional, com caráter territorial, e dinamismo industrial.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
364
|
MAPA 6
Lisa: componente diferencial da evolução microrregional do emprego industrial
para trabalhadores com ensino superior completo e expansão da matrícula em IES
(2006-2015 e 2015-2018)
6A – 2006-2015 6B – 2015-2018
Elaboração dos autores.
Obs.: Figura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
(nota do Editorial).
A correlação espacial dos dois indicadores é positiva, mas substancialmente
baixa para os períodos analisados. Em outras palavras, o potencial resultado da
política educacional, de elevação da oferta de mão de obra local, não apresenta
ainda correlação com o crescimento diferencial do emprego para trabalhadores
com ensino superior completo. Os resultados sugerem que, apesar de muito baixa,
a correlação espacial entre o número de matrículas e a expansão diferencial da
indústria é superior a uma possível absorção local, diferencial, da mão de obra
gerada nas IES.
Em suma, a expansão das IES e das matrículas em novas e diferentes regiões não
apresentou correlação com o crescimento do emprego industrial em regiões
vizinhas nem com o crescimento do emprego, considerando exclusivamente tra-
balhadores com ensino superior completo. Esse aspecto indica um descompasso
entre a oferta e a demanda por recursos humanos com maior nível de qualicação
no Brasil. A implantação de novas universidades e centros de formação superior
não foi suciente para induzir o crescimento econômico regional, promovendo a
absorção dos trabalhadores formados. Há, portanto, evidências de que a não rea-
lização de políticas industriais e de emprego, combinadas à política de expansão
universitária, pode ter limitado os impactos da última sobre a economia brasileira.
Espera-se, no entanto, que o crescimento das matrículas se traduza na formação
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
365
de novos quadros e que as políticas educacionais sejam acompanhadas de outras
políticas para que se tenham efeitos diferenciados no mercado de trabalho das
regiões menos desenvolvidas. Caso não se implementem políticas regionais de
desenvolvimento, as novas universidades localizadas em áreas menos desenvolvidas
poderiam se transformar em verdadeiras “catedrais no deserto” (Evers, 2019).
De outra forma, a expansão das matrículas em IES ainda não teve a defasagem
temporal necessária para a elevação da oferta de mão de obra com ensino superior
completo. Por seu turno, com o crescimento da oferta de trabalho qualicado
no conjunto do país, na ausência do correspondente crescimento econômico,
poderia se justicar a redução no salário médio de trabalhadores com esse grau de
instrução. Enquanto o salário real médio industrial brasileiro subiu 16,9% entre
2006 e 2018, o salário especíco dos trabalhadores com ensino superior completo
reduziu-se em aproximadamente 21,6%. Assim, a combinação entre expansão
na oferta de trabalho qualicado e baixo crescimento industrial pode ter conduzi-
do a economia a um fenômeno de sobre-educação de trabalhadores qualicados.
Considera-se sobre-educação a condição em que um prossional com ensino superior
ocupa uma vaga que aceita trabalhadores que possuam apenas o ensino médio.
Dene-se, portanto, como subocupado o prossional que ocupa uma vaga que
exige menor qualicação que a que efetivamente possui. Uma evidência desse pro-
cesso diz respeito às taxas de crescimento do emprego industrial. Considerando o
emprego total no setor, observa-se que entre 2006 e 2018 houve crescimento de
7,8%, com uma inexão em sua trajetória crescente em 2015. Já o emprego
industrial, considerando especicamente prossionais com ensino superior com-
pleto, cresceu mais de 110% no período, e continuou crescendo após 2015 (92%
entre 2006-2015, e 10% entre 2015-2018).
3.3 Identificação da expansão industrial e demanda por
mão de obra qualificada
Entre 2006 e 2015, a indústria cresceu acima da média geral em ocupações que
demandavam ao menos ensino superior completo e cresceu abaixo da média em
empregos que não demandavam o nível superior. Além disso, houve maior cres-
cimento da sobre-educação na indústria do que no mercado formal geral. Para
vagas que demandam ensino médio e alguma formação técnica, o crescimento
da sobre-educação em todos os setores foi maior que o crescimento exclusivo na
indústria. Isso se altera quando a análise exclui a região Sudeste.9 Partindo do
princípio de que o Sudeste possui um mercado de trabalho formal mais estru-
turado, o maior crescimento da sobre-educação na indústria pode sugerir que a
expansão do mercado de trabalho, ao se deparar com uma maior oferta de mão
9. Para ocupações que demandam apenas o ensino médio, a exclusão da região Sudeste eleva a diferença entre o crescimento
da subocupação na indústria (que passa a 166%) e a subocupação no mercado formal geral (que passa a 111%).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
366
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de obra com ensino superior completo, acabou se beneciando dela, gerando
o aumento da sobre-educação. Para o caso exclusivo da indústria, por se tratar de
um posto de trabalho mais atrativo, em virtude das melhores remunerações médias,
o crescimento da sobre-educação foi maior que o crescimento geral.
TABELA 4
Crescimento da sobre-educação no Brasil em postos de trabalho ocupados por
trabalhadores com ensino superior completo
(Em %)
Ocupações de nível médio Ocupações de nível médio com ensino técnico
2006-2015 2015-2018 2006-2015 2015-2018
Indústria Geral Indústria Geral Indústria Geral Indústria Geral
Norte 189,0 82,3 39,0 65,3 131,1 91,8 19,5 62,8
Nordeste 193,9 123,4 30,8 22,1 168,5 99,6 30,3 25,9
Sudeste 102,9 100,4 11,9 9,7 83,9 157,2 20,9 15,2
Sul 144,7 132,5 22,9 13,0 152,3 166,1 30,4 34,5
Centro-Oeste 229,5 86,8 33,9 10,3 275,3 204,2 36,9 21,1
Brasil 121,9 106,1 17,4 15,3 109,5 149,0 24,7 22,1
Brasil
(exceto o Sudeste) 165,6 111,3 27,0 20,3 163,3 138,2 30,3 32,0
Fonte: Rais/MTE.
Elaboração dos autores.
Entre 2006 e 2015, a indústria formal ampliou em 26% o número de
empregados em ocupações que demandam ensino médio completo, e o emprego
total formal cresceu 39%. Nesse período, a sobre-educação (para cargos que
demandavam apenas ensino médio, mas ocupados por trabalhadores com ensino
superior completo) cresceu 122% na indústria e 106% no mercado geral.
Considerando a sobre-educação de postos de trabalho que demandam ensino técnico
preenchidos por trabalhadores com ensino superior completo, houve crescimento
de 110% na indústria e de 149% no mercado de trabalho geral (tabela 4).
Para todo o período, destaca-se que houve crescimento de 48% no emprego in-
dustrial em ocupações que demandam ensino superior completo (41% no emprego
geral) e crescimento de 52% no emprego industrial em ocupações que demandam
ensino superior mais algum tipo de pós-graduação (42% no emprego geral).
Essa análise pela perspectiva das ocupações sugere que houve uma oferta de
mão de obra superior à demanda, considerando trabalhadores com ensino supe-
rior completo, o que justica a queda do salário médio do trabalhador que tem esse
nível de instrução. É interessante notar que, mesmo no período em que houve
queda no emprego formal, geral e industrial, houve manutenção no crescimento
da sobre-educação. Isso reforça a hipótese de que a política educacional não teria
Ensino Superior e Expansão Regional do Emprego
Industrial no Brasil (2006-2018)
|
367
potencializado, sozinha, o dinamismo econômico esperado ao reforçar o nível
médio de instrução no país e no mercado de trabalho, de forma geral.
Esses achados reiteram a necessidade de articulação entre políticas educa-
cionais, industriais e regionais, para que os resultados efetivos em termos de
ampliação da produtividade e de geração de renda possam se materializar. Com
isso, sugere-se que a ampliação no número de IES no Brasil, contemplando prin-
cipalmente regiões menos desenvolvidas, teve pouco impacto sobre a dinâmica
local do emprego industrial. Isso resultaria do fato de as qualicações adquiridas
em universidades e faculdades pelos trabalhadores superarem aquelas demandadas
pelos postos de trabalho que ocupam.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível concluir que, embora se esperasse que a expansão no sistema de ensino
universitário no Brasil gerasse desdobramentos sobre o desenvolvimento de regiões
mais pobres, o cenário observado se mostra divergente. Ainda que possa gerar
diferentes impactos positivos sobre a economia local, a potencialidade das uni-
versidades diz respeito à sua atuação na formação de recursos humanos para o
mercado de trabalho local, e ainda não houve o tempo necessário ou a atuação
das demais políticas para realizar isso. Assim, sem o devido desenvolvimento de
capacidades locais para a absorção dessa força de trabalho, tais universidades
podem perder seu impacto local, servindo como polos para a qualicação de
prossionais que buscariam oportunidades em outras regiões com maior dispo-
nibilidade de empregos.
A combinação da análise shift-share com Lisa indica que a expansão no
número de vagas no ensino universitário nos últimos anos ainda não resultou
no crescimento do mercado de trabalho qualicado no entorno dessas universi-
dades. Acredita-se que a ausência de políticas complementares tenha contribuído
para tal resultado.
Além disso, os dados de emprego indicam que o crescimento na oferta de traba-
lhadores com ensino superior completo vem gerando uma situação de sobre-educação
no conjunto da economia, em que postos de trabalho que demandam apenas
formação no ensino médio ou técnico estão sendo ocupados por prossionais
graduados. Essa situação atroa a capacidade do sistema universitário de estimular
ganhos salariais e, assim, impulsionar a ampliação da renda regional em seu
entorno. Ademais, a subutilização dos conhecimentos e qualicações adquiridos
pelos trabalhadores no sistema de ensino universitário restringe o potencial de
crescimento da produtividade na indústria local.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
368
|
Diante desse cenário, ressalta-se a importância da coordenação de políticas,
bem como do anamento entre a expansão do número de vagas no sistema de
ensino universitário e a introdução de outras políticas de desenvolvimento regional.
Requerem-se políticas capazes de promover o crescimento econômico e a geração
de postos de trabalho que possam transformar o conhecimento adquirido no
sistema universitário em ganhos de produtividade e renda. Somente assim será
possível explorar de forma plena os benefícios da maior abrangência territorial no
ensino superior brasileiro.
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CAPÍTULO 11
A UNIVERSIDADE VAI À PERIFERIA: ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO
ENSINO SUPERIOR NA ÁREA DE AÇÃO PRIORITÁRIA DA PNDR
Danilo Jorge Vieira1
1 INTRODUÇÃO
Uma das transformações mais signicativas experimentadas pelo Brasil neste início
de século XXI foi a expansão do sistema de ensino superior, que alcançou maior
escala orgânica, maior alcance social e maior dimensão geográca. Este capítulo
busca examinar tais transformações a partir da perspectiva de um recorte espacial
periférico: a área de ação prioritária da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional (PNDR), que representa uma fração territorial abrangente e diversa,
composta por 3.363 municípios, situados em 26 estados da Federação. Trata-se
de uma parte do espaço nacional vulnerável e subalternizada, que responde por
cerca de um quinto do produto interno bruto (PIB) e da força de trabalho formal
do país e onde reside aproximadamente um terço da população brasileira.
Embora não tenha conseguido ainda se estabelecer efetivamente como uma
política estatal ativa e coerente, a PNDR, criada em 2007, recuperou, em bases
renovadas, o planejamento regional no Brasil. Nas estratégias, orientações e prin-
cípios que estabeleceu para a superação das demarcadas desigualdades regionais
do país, a PNDR designa atribuições cruciais para as instituições de ensino superior
(IES), cujas atividades geradoras de conhecimento podem ser mobilizadas com a
nalidade de criar condições mais promissoras de desenvolvimento nesse grande
espaço periférico e marginalizado na divisão territorial do trabalho que hierarquiza
a economia brasileira.
Como será examinado em detalhes neste capítulo, no ciclo expansivo recente da
educação terciária do país, as atividades de graduação presencial e de pós-graduação
tiveram expressivo crescimento na área geográca de ação prioritária da PNDR,
logrando mesmo alterar o contexto do ensino superior nesse espaço caracterizado por
debilidades sociais e econômicas estruturais. Basta vericar que, em 2000, a rede de
IES instalada na área de ação da PNDR atingia 341 municípios por meio de cursos
1. Pesquisador do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e
Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea); e doutor em
desenvolvimento econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
372
|
presenciais de graduação. Em 2019, essa abrangência havia sido alargada, envolvendo
567 municípios. Os programas de pós-graduação, responsáveis por grande parte da
pesquisa cientíca realizada no país, também ganharam maior capilaridade espacial:
entre 2000 e 2019, o seu alcance se estendeu de 7 para 96 municípios.
Mas, a despeito dos avanços observados, as debilidades estruturais dessa área
geográca periférica persistem. O ponto de vista defendido neste capítulo é de
que, para além da necessidade inelutável de dar bases institucionais robustas à
PNDR, de modo a transformá-la em uma política estatal efetiva, a inserção do
sistema de ensino superior nesse espaço periférico, que conforma a “problemática”
regional brasileira contemporânea, deve assumir novo padrão, de modo a estabe-
lecer um tipo de engajamento socioespacial signicativo, fazendo com que as IES
passem a estar imbricadas/entranhadas com seus territórios e articuladas com os
objetivos estruturantes da PNDR.
O capítulo está organizado em seis seções, incluindo esta breve apresentação
introdutória e as considerações feitas ao nal. Inicialmente, é abordado o conceito
muito em voga atualmente de engajamento social do ensino superior, buscando
evidenciar que os espaços periféricos exigem um tipo especíco de inserção das
IES, em razão das condições socioeconômicas próprias desses espaços subalterni-
zados. Na terceira seção, é caracterizada a área geográca de ação prioritária da
PNDR e, na quarta, são discutidos os principais aspectos de sua trajetória regional
recente. A quinta seção é dedicada a examinar a evolução das atividades de
graduação presencial e de pós-graduação nesta sub-região do país nos primeiros
dois decênios do século XXI.
2 ENSINO SUPERIOR, TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS E ENGAJAMENTO SOCIOESPACIAL
A convergência territorial das condições econômicas e sociais estabelecida como
objetivo estruturante da PNDR, com vistas a alcançar um padrão de desenvolvi-
mento mais equilibrado e integrado em termos espaciais para o país, designa papel
crucial para as IES, pressupondo o envolvimento de tais instituições nos processos
de ajustamento e de transformações que deverão ser engendrados para a superação do
quadro crônico de acentuadas desigualdades regionais que caracteriza historicamente
a sociedade brasileira. As possibilidades abertas à necessária inserção substantiva das
IES no esforço nacional de enfrentamento às assimetrias regionais estão inscritas
nas próprias estratégias da PNDR, que são orientadas para estimular e induzir o au-
mento espacialmente disperso da produtividade e da competividade das atividades
produtivas, criando condições mais promissoras e robustas para o desenvolvimento
econômico dos territórios “periféricos”. Ademais, pautada pela inclusão social e pela
sustentabilidade ambiental e tendo como princípio a valorização da diversidade
cultural do país, a PNDR elegeu os seguintes eixos setoriais de intervenção, entre
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
373
outros: ciência, tecnologia e inovação; educação e qualicação prossional; infraes-
trutura econômica e urbana; acesso a serviços públicos essenciais; e fortalecimento
das capacidades governativas dos entes federativos. As IES, produtoras de conheci-
mento, formadoras de força de trabalho qualicada e supridoras de muitos serviços
e bens coletivos e culturais, estão habilitadas a incidir de forma relevante em todos
esses objetivos, diretrizes e dimensões da PNDR.
Esse diversicado e abrangente âmbito estabelecido pela PNDR para a potencial
atuação das IES, contudo, envolve muitos problemas teóricos e práticos ainda em
aberto, cuja complexidade vem suscitando intenso debate entre formuladores de
políticas públicas e estudiosos a respeito do papel que os sistemas de ensino supe-
rior desempenham (e podem vir a desempenhar) no desenvolvimento regional.
O termo “engajamento” pode ser arrolado para elucidar diversos aspectos dessa
temática, por se tratar de um conceito-chave nas abordagens recentes, chegando
mesmo a estruturar uma ampla e extensa agenda emergente de pesquisa. A ideia
de engajamento é bastante abrangente e denota as diversas formas de inserção das
IES em um contexto socioespacial mais amplo, mediante vínculos estabelecidos
com diferentes atores externos ao ambiente acadêmico e o envolvimento com
múltiplos problemas, questões e desaos econômicos e sociais, conformando uma
“terceira missão” institucional, articulada às outras missões da universidade de
ensino e pesquisa.2
Embora tenha alcançado grande divulgação, a concepção de engajamento
permanece ainda muito uida e imprecisa.3 Em uma revisão sistemática da litera-
tura, Cuthill (2011, p. 22, 23) catalogou 48 denominações diferentes empregadas
em quase 2 mil artigos publicados entre 2001 e 2007 para designar e qualicar o
engajamento da universidade com o seu ambiente externo não acadêmico. Mas
as indenições não se restringem apenas à utilização do termo, tendo alcance
conceitual mais amplo, uma vez que há também pouca exatidão a respeito de
outros aspectos, em especial a dimensão espacial dos processos de engajamento.
2. Embora seja objeto de um volume numeroso e crescente de pesquisas em período recente, a ideia de engajamento
social da universidade não é nova e tem origens remotas na extensa literatura especializada e na tradição intelectual
que se constituiu no campo de estudos sobre o ensino superior e a instituição universitária. Essa noção de engajamento
da universidade, no sentido de seu entranhamento no contexto socioespacial mais amplo ao qual está vinculada,
foi central, por exemplo, no movimento que culminou na chamada Reforma de Córdoba, deflagrada no início do
século XX, na Argentina, e que influenciou todo o continente latino-americano. A propósito da Reforma de Córdoba,
ver Sader, Gentili e Aboites (2008), entre outros. Essa mesma ideia de entranhamento socioespacial da instituição
universitária está presente e balizou as formulações teóricas de vários autores brasileiros, entre os quais cabe destacar
trabalhos que já se tornaram clássicos, como os de Teixeira (1968), Ribeiro (1969), Fernandes (2010) e Pinto (1994).
3. O termo “engajamento” ganhou grande difusão nos últimos anos, por meio de inúmeros trabalhos de cunho acadêmico
e documentos oficiais de governos, organizações multilaterais e universidades, configurando um certo “modismo” na sua
utilização, conforme observaram McCormick, Kinzie e Gonyea (2013, p. 47): “o engajamento está em voga. O termo proliferou
amplamente no ensino superior, com o engajamento cívico, engajamento comunitário, engajamento da atividade acadêmica
e engajamento estudantil atiçando a discussão. O termo penetrou até mesmo nos escalões superiores do organograma,
com vice-presidentes, vice-reitores, vice-presidentes e vice-reitores assistentes e associados, reitores e diretores diversos
responsáveis pelo ‘engajamento’, ‘engajamento comunitário’, ‘engajamento estudantil’ etc.”.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
374
|
De modo geral, os estudos têm interpretado que o engajamento pode ocorrer do
local ao global simultaneamente, sem muita clareza, contudo, de como tais vincu-
lações interativas entre universidade e sociedade se diferenciam e/ou se adaptam
às alterações de escala. Os comentários metodológicos de Farnell (2020) sobre o
projeto Towards a European Framework for Community Engagement in Higher
Education (TEFCE), suportado pela União Europeia em apoio ao engajamento
social das universidades do bloco econômico, explicitam essa questão analítica:
deve-se notar que o termo ‘comunidade’ não se restringe necessariamente ao nível
local. Embora seja mais fácil sustentar relacionamentos produtivos com parceiros
geogracamente próximos, o engajamento comunitário também pode ter dimensões
regional, nacional e internacional (Farnell, 2020, p. 26).
Esse tipo de abordagem, em grande medida “aescalar”, negligencia ou não
leva na devida conta as especicidades de cada uma dessas escalas, nas quais podem
estar incidindo objetivos, interesses e projetos estratégicos não apenas distintos, mas
antagônicos e excludentes entre si, como bem indagou Hazelkorn (2016).
Há (...) um componente local versus global, com tensões emergentes em torno do grau
em que essas dimensões são sinérgicas ou antagônicas. Por exemplo, a ‘comunidade’ em
referência está geogracamente próxima da universidade ou bastante distante? Até que
ponto a busca por um engajamento global ou a internacionalização estão ignorando a
comunidade ou as questões situadas à porta da instituição? (Hazelkorn, 2016, p. 45).4
Tais imprecisões e indenições conceituais e metodológicas reetem, em grande
medida, a própria complexidade das instituições universitárias – ou, de forma mais
ampla, dos sistemas de ensino superior. O conceito de multiversidade formulado
originalmente por Kerr (2005) traduz bem essa natureza complexa da universidade
contemporânea, considerada como uma instituição perpassada por múltiplos,
diversicados e contraditórios interesses, de origem endógena e exógena ao ambiente
acadêmico. Essas forças sociais distintas e, frequentemente, antagônicas, estão em
permanente ação e disputa entre si, condicionando o padrão de atuação da univer-
sidade e, portanto, o seu modo de inserção e de incidência na sociedade (ou, na ter-
minologia de Kerr, para denir os diferentes e possíveis “usos” da universidade). Em
abordagem convergente, Arbo e Benneworth (2007) empregam o termo multi-scalar
crossroads para qualicar a universidade contemporânea: ao se congurar como um
cruzamento em que se interceptam, entrelaçam e colidem projetos estratégicos de
variados atores vinculados às escalas local, regional, nacional e global, a instituição
4. Hazelkorn (2016, p. 45-46), citando outros autores, vai mais longe e sublinha as crescentes contradições entre as
escalas local-global no bojo dos processos contemporâneos de globalização econômica: “Enquanto [os níveis] local,
regional, nacional e internacional eram considerados anteriormente, dentro de um portfólio de atividades, equilibrado,
complementar e sinérgico, atualmente costumam ser retratados como facetas contraditórias da universidade, já que
a ‘dimensão global tornou-se qualitativamente mais importante’ (...) A tensão entre as missões global, nacional e
regional é mais pronunciada atualmente, na busca do modelo de universidade de classe mundial (UCM) (...) O modelo
UCM encorajou as universidades a perderem seu senso de identidade territorial”.
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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375
universitária é colocada em uma encruzilhada, cujos dilemas, ambiguidades, con-
tradições e escolhas moldam a forma como ela atua e interage com o contexto
socioeconômico mais amplo no qual está incorporada.
A discussão a respeito do engajamento social das universidades deve necessa-
riamente levar em consideração essa complexidade institucional e a diversidade de
interesses em jogo, pois esses elementos inuenciam, impulsionam, dicultam,
interditam e, principalmente, fazem com que os processos de engajamento sejam
sempre intencionados e comprometidos com determinados ns.5 Como conse-
quência disso, o engajamento social da universidade assumirá diferentes padrões,
em termos de segmentos sociais abrangidos, objetivos estabelecidos, recursos mobi-
lizados, posição hierárquica ocupada nas agendas e no âmbito institucional das
partes envolvidas etc.
Hazelkorn (2016) elaborou uma taxonomia para caracterizar sinteticamente
as formas de engajamento social adotadas pelas IES, identicando três modelos
básicos distintos, cujos principais aspectos estão sintetizados no quadro 1.
De acordo com essa formulação, o tipo de engajamento balizado pela Justiça Social
parte da concepção de que o ensino superior tem deveres e responsabilidades
societárias, devendo atuar em prol de mudanças estruturais tanto na sociedade
quanto no próprio ambiente institucional das universidades. A inclusão social, o
empoderamento das comunidades marginalizadas, a democratização das agendas
de ensino e pesquisa, a interpelação do “academicismo”, o intercâmbio mutu-
amente benéco entre o mundo acadêmico e as comunidades local, regional,
nacional e global são alguns dos princípios e objetivos desse tipo de engajamento.
QUADRO 1
Modelos de engajamento social das universidades
Modelo Características fundamentais
Justiça social
Orientações estruturantes: enfrentamento da exclusão social; transformações na sociedade e na educação
superior; empoderamento da comunidade; democratização das atividades acadêmicas (ensino e pesquisa).
Enfatiza as comunidades; os princípios democráticos; o caráter social da educação.
Estimula as atividades cívicas e coletivas.
Oposição ao “academicismo”.
Abordagem multiescalar: engajamento comunitário local, regional, nacional, global.
Bem público
Orientação estruturante: ensino superior como bem público.
Orientação estratégica: conciliar os modelos de desenvolvimento econômico e de justiça social.
Concepção básica: atividades de ensino e pesquisa devem ser orientadas para a solução de problemas sociais
e econômicos práticos – impacto, relevância e benefícios sociais efetivos.
(Continua)
5. É nesse sentido que Benneworth (2013, p. 5) sustenta que “as universidades não são apenas atores que se
relacionam com governos e usuários, mas instituições enredadas em sistemas complexos de relacionamento com
parceiros sociais com seus próprios objetivos, intenções, culturas e normas”.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
376
|
(Continuação)
Modelo Características fundamentais
Desenvolvimento
econômico
Orientações estruturantes: aprofundar as interações universidade-empresas; induzir a constituição de sistemas
de inovação nas escalas local, regional, nacional.
Concepção básica: educação superior é o “motor” da inovação tecnológica, do crescimento econômico e das
vantagens competitivas.
Universidade como lócus do “capital acadêmico”, fator primordial para a constituição de economias intensivas
em conhecimento.
Ênfase na proximidade geográfica entre universidade e empresas, para encadear processos de aglomeração
urbana e regional.
Ênfase no ensino que promove a empregabilidade dos estudantes e qualifica os mercados de trabalho locais,
regionais e nacional.
Valoriza a propriedade intelectual; as atividades de transferência tecnológica; startups; empreendedorismo de
professores e alunos; incubadoras; e parques tecnológicos.
Fonte: Hazelkorn (2016, p. 47-53).
Elaboração do autor.
No outro extremo da classicação formulada por Hazelkorn (2016) está o
modelo de Desenvolvimento Econômico, cuja ênfase recai sobre a modernização
e a expansão das forças produtivas da sociedade. Nessa agenda de engajamento, o
ensino superior é considerado o “motor” do progresso técnico e do crescimento
econômico, sendo um dos pilares de organização dos sistemas de inovação local,
regional e nacional. O foco é colocado em iniciativas que estimulem e fortaleçam
as interações entre as universidades e o setor produtivo, de modo que são
valorizados os vínculos estabelecidos com as empresas e o governo – a metáfora
da “Hélice Tríplice” de Etzkowitz e Leydesdor (2000) é bastante representativa
dessa abordagem. A proximidade geográca entre IES e empresas é considerada
crucial, estando no cerne dos processos aglomerativos urbanos e regionais. Grande
importância é dada à capacidade das universidades de induzir a criação de novas
empresas e de fomentar o empreendedorismo. São termos-chave nesse modelo
de engajamento: startups, incubadoras, parques tecnológicos, propriedade intelectual,
transferência e comercialização tecnológica. A pesquisa aplicada à solução de pro-
blemas práticos e o ensino que garanta a empregabilidade dos estudantes, favo-
recendo a qualicação do mercado de trabalho, são elementos estruturantes do
ensino superior nessa perspectiva. Como lócus do chamado “capital acadêmico”,
as IES são consideradas também como cruciais para a constituição de economias
intensivas em conhecimento.
Em posição intermediária, o modelo de Bem Público se baseia em funda-
mentos que buscam conciliar os outros dois tipos anteriores de engajamento, equi-
librando as ênfases dadas às dimensões social e econômica/empresarial. O aspecto
importante a ressaltar é que este modelo tem como pressuposto principal a ideia
de que as atividades de ensino e de pesquisa consistem em bens públicos, de modo
que o conhecimento que as IES produzem é igualmente um bem público, sendo
de livre e pleno acesso a todos os integrantes da sociedade, independentemente da
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
377
posição que ocupam. Com base em tal pressuposto, avalia-se que o padrão de enga-
jamento dele derivado teria alcance e resultados igualmente indistintos e sistêmicos,
tanto em termos espaciais quanto sociais, incidindo ao mesmo tempo nas escalas
local, regional, nacional e global, bem como em todos os estratos da sociedade.
Outro aspecto a salientar concerne ao entendimento de que, como bens públicos,
o ensino e a pesquisa devem ser orientados por critérios de impacto, relevância
e benefícios efetivos e mensuráveis, visando a assegurar a resolução de problemas
práticos, a aprendizagem, a empregabilidade, a sustentabilidade social e ecológica
etc. As abordagens teóricas da Quádrupla e Quíntupla Hélice (Carayannis, Barth
e Campbell, 2012), que incorporam outros atores e outras problemáticas socioeco-
nômicas e ambientais à Tríplice Hélice, são associadas ao modelo de engajamento
de bem público.
Entre esses três padrões de engajamento, os fundamentos e as diretrizes do
modelo de Desenvolvimento Econômico têm orientado majoritariamente as inte-
rações que os sistemas de ensino superior estabelecem com o seu entorno não aca-
dêmico mais amplo, explicitando a prevalência dos interesses e dos projetos estra-
tégicos hegemônicos. As implicações socioespaciais desse tipo de inserção social das
IES de caráter mais empresarial (enterprising) e empreendedor (entrepreneurial) são
de grande extensão: além de restringirem o acesso de segmentos marginalizados ao
sistema de ensino superior (Benneworth, 2013), enfraquecem os nexos territoriais.
Em um momento de crescente demanda da sociedade, o ensino superior foi
indiscutivelmente transformado em uma entidade privada autossuciente,
desconectada do Estado-nação ou do comprometimento com sua região, pois
se concentra na diversicação e privatização de sua base de nanciamento, no
recrutamento internacional de talentos e no engajamento global. (...) os estudantes
também são mais móveis: eles não necessariamente se identicam nem estão
enraizados em sua região, seja como graduandos ou empregados; mais uma vez, os
interesses público e privado estão se confundindo. De modo similar, os acadêmicos
pertencem a um mercado de trabalho internacionalizado, geralmente com maior
anidade com sua disciplina ou campo de pesquisa do que com sua instituição ou
seu local (Hazelkorn, 2016, p. 54).
O que deve ser ressaltado é que os processos de engajamento social das IES
não são uniformes, podendo assumir variadas formas e gerar diferentes resul-
tados, a depender dos objetivos e dos atores sociais envolvidos, mas, principal-
mente, porque são moldados sob condições determinadas pelos distintos e não
equipotentes interesses em jogo. Ademais, o próprio contexto socioespacial das
IES interfere nos processos de engajamento, em razão de suas especicidades.
Estudos têm demonstrado como as realidades socioeconômicas de países subde-
senvolvidos (Appe et al., 2017) e de regiões periféricas (Pinheiro, Young e Šima,
2018) são fatores que incidem nas relações entre IES e sociedade e inuenciam
seus efeitos, cobrando e se desdobrando em arranjos institucionais e parâmetros
sociais e econômicos próprios.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
378
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Para a PNDR, tais aspectos são de crucial importância, em razão de ter
como foco prioritário de ação espaços periféricos, caracterizados por debilidades
estruturais, como será visto em detalhes na próxima seção. Esse contexto socio-
espacial subalternizado nos esquemas de geração e apropriação de excedentes
organizados historicamente no Brasil vai exigir um tipo de inserção das IES especíco
e coerente com as condições sociais, econômicas e culturais territorialmente
existentes. A pesquisa coordenada por Benneworth (2013) a respeito do enga-
jamento das universidades com comunidades socialmente excluídas pode ser
bastante útil, pois desenvolve diversas formulações teóricas e metodológicas
pertinentes para subsidiar e nortear a reexão sobre as possibilidades de mobilização
das IES em apoio às transformações socioeconômicas do grande agregado territorial
periférico escolhido para a ação prioritária da PNDR. Para o que interessa a esta
discussão, basta sublinhar três elementos analíticos elaborados por Benneworth e
seus colaboradores.
O primeiro diz respeito à noção de comunidades socialmente excluídas, que
constituem o segmento destinatário e catalisador do tipo de engajamento social
abordado no estudo. Trata-se de comunidades situadas em posição estrutural-
mente desfavorável, submetidas a processos sistêmicos, contínuos e acumulati-
vos de exclusão, que ocorrem em múltiplas dimensões simultaneamente: social,
econômica, política, institucional e, também, na dimensão espacial. Ou seja: a
exclusão e a marginalização dessas comunidades se projetam no espaço, assumindo
a conguração de uma segregação socioespacial.
O segundo elemento se refere à ideia de grandes desaos, que consistem
em problemas estruturais enfrentados pela sociedade, de natureza complexa e
multidisciplinar, envolvendo questões cientícas, técnicas, sociais e humanísticas
e abrangendo, portanto, praticamente todas as áreas de conhecimento nas quais a
universidade atua. Assim, a instituição universitária estaria habilitada a contribuir
de forma relevante para o equacionamento desses grandes desaos sociais.
O terceiro e último elemento analítico a se destacar consiste no que
Benneworth (2013, p. 171) denominou de engajamento signicativo (meaningful
engagement). Trata-se de um conceito-chave nessa formulação teórica, utilizado
para qualicar um tipo especial de inserção social da universidade de caráter subs-
tancial, capaz de gerar impactos sistêmicos sobre a realidade socioeconômica à
qual ela se vincula. Quatro características básicas fundamentam o engajamento
signicativo, enumeradas a seguir.
1) A escala e o alcance do padrão de engajamento permitem superar o
descompasso frequente entre os grandes problemas sociais existentes e
as insucientes, pontuais e seletivas ações extensionistas da universidade
(big social problems versus small’university activities).
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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379
2) A comunidade se envolve sistematicamente em todo o processo,
deixando de ser um polo passivo na interação com a universidade.
3) A inserção da universidade no contexto socioespacial circundante deve
contribuir de forma decisiva para criar condições promissoras para a
superação do quadro de precariedades e vulnerabilidades preexistentes,
possibilitando a interrupção dos processos de exclusão social e de
segregação territorial.
4) As estratégias e ações de engajamento social devem assumir posição
hierárquica central no âmbito institucional da universidade,
congurando-se como uma missão equivalente às atividades de ensino
e pesquisa.
O tipo de engajamento social da universidade que deriva dos três elementos
analíticos anteriormente mencionados é consistente com o contexto socioespacial
e os objetivos estruturantes da PNDR. Basta vericar que a área geográca de
ação prioritária da PNDR, situada em posição periférica nos circuitos de geração e
apropriação de excedentes, é caracterizada por debilidades socioeconômicas estru-
turais que a transformam na “questão regional” contemporânea do país. Trata-se
de um grande desao nacional, cujo enfrentamento cobra a mobilização de
variados recursos econômicos, políticos e institucionais para a sua superação, entre
os quais o sistema de ensino superior, que pode desempenhar papel relevante,
por meio de formas de engajamento social signicativo nesses territórios margi-
nalizados, a serem estruturadas em torno dos objetivos xados pela PNDR, de
superação do atual quadro de demarcadas desigualdades regionais.
As seções subsequentes deste capítulo buscam delinear melhor o quadro
existente para a potencial inserção das IES nessa problemática regional do país,
tendo como ponto de partida a sumária caracterização da área geográca de ação
prioritária da PNDR.
3 A PNDR E SUA ÁREA GEOGRÁFICA DE AÇÃO PRIORITÁRIA
A criação da PNDR, em 2007, pode ser considerada um marco dos mais sig-
nicativos na trajetória recente do planejamento regional do país. Além de ter
signicado a retomada das ações do governo no âmbito regional, que tinham sido
debilitadas e desarticuladas nas décadas anteriores de crise e de ajustamento neoli-
beral, a PNDR estabeleceu bases renovadas para o enfrentamento das demarcadas
e persistentes desigualdades espaciais que caracterizam historicamente a sociedade
brasileira. Com o objetivo principal de promover a convergência das condições
de vida e de desenvolvimento entre as (e dentro das) regiões do país, a PNDR
foi calcada em estratégias de caráter multiescalar, direcionadas a redistribuir os
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
380
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excedentes a favor dos territórios mais frágeis e vulneráveis, buscando conciliar,
ao mesmo tempo, a inclusão social, a sustentabilidade ambiental, a diversicação
e a complexicação da base produtiva e o aumento da produtividade e da com-
petitividade das atividades econômicas. Uma diretriz central estabelecida foi a de
apoiar processos que possibilitem a consolidação de uma rede urbana policên-
trica, a m de induzir a desconcentração e a interiorização do desenvolvimento
nacional, de modo a criar condições estruturalmente mais promissoras para a
superação do quadro crônico de assimetrias regionais existentes.
A articulação intersetorial das ações do governo central no território, a coor-
denação federativa das diversas iniciativas regionais dos entes governamentais e a
concertação social no nível local e sub-regional foram parâmetros de governança
e de institucionalidade xados pela PNDR, a m de potencializar e dar dimensão
mais ampla aos efeitos espaciais da política regional e das políticas públicas, de
modo geral. Contudo, diversos fatores e impasses de ordem econômica, política e
institucional afetaram a implementação da PNDR desde a sua criação, restringindo
e frustrando as transformações que poderiam vir a ser engendradas pelos novos
fundamentos, abordagens e orientações que ela preconizou e estabeleceu em termos
normativos. A análise mais detalhada desse processo extrapola os objetivos do
presente estudo, cabendo destacar apenas dois aspectos principais da PNDR, em
especial a área geográca delimitada para a sua ação prioritária e a pouca efetividade
que tem demonstrado para incidir na dinâmica regional do país.
Em relação à área geográca, vale observar, inicialmente, que o Decreto
no 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, deniu o escopo de ação prioritária da
PNDR nas escalas regionais descritas a seguir.
1) Macrorregional: com foco prioritário nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste.
2) Sub-regional:
a) mesorregiões diferenciadas;
b) outros espaços sub-regionais;
c) região do Semiárido;
d) faixa de fronteira; e
e) Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDE). No próprio
Decreto no 6.047/2007 foram especificadas, em anexo, treze
mesorregiões diferenciadas, nove sub-regiões e três RIDE,
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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381
sendo posteriormente acrescidas mais uma mesorregião
diferenciada e outras duas sub-regiões.6
Outras áreas de ação prioritária poderiam ser selecionadas na escala sub-regional,
mediante tipologia elaborada para a delimitação do quadro das desigualdades
regionais brasileiras, tendo como base informações municipais agregadas a nível
microrregional, relativas à evolução da renda média mensal por habitante e à taxa
geométrica de variação do PIB.7 Considerando esses parâmetros de renda e dinâmica
econômica local, as microrregiões seriam então agrupadas em quatro classes distintas:
i) alta renda; ii) dinâmica; iii) estagnada; e iv) baixa renda. As sub-regiões dos tipos
ii, iii e iv seriam as áreas elegíveis para a ação prioritária da PNDR.
O Decreto no 9.810, de 30 de maio de 2019, aplicou praticamente os mesmos
parâmetros na denição das escalas e da área geográca prioritária de ação da
PNDR. Na tipologia de áreas sub-regionais, vale mencionar os seguintes pro-
cedimentos normativos introduzidos pelo novo decreto: i) a adoção das regiões
geográcas imediatas do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE)
como recorte territorial em substituição às microrregiões; ii) a previsão de revisão
da tipologia após a realização de cada Censo Demográco; e iii) a prorrogação da
tipologia vigente até que sejam disponibilizadas as informações do Censo Demo-
gráco de 2020, ainda pendente de conclusão.
A tipologia das microrregiões que balizou a elaboração do mapa referencial
das desigualdades regionais brasileiras para ns de implementação da PNDR foi
atualizada por meio da Portaria no 34, publicada em 18 de janeiro de 2018, com
base nos critérios metodológicos da Nota Técnica no 52/2017, anexada à mencio-
nada portaria. Foram utilizados os mesmos indicadores relativos à renda média por
habitante e à variação do PIB, calculados nos níveis municipal e microrregional –
tendo como referência, entre outras variáveis, o PIB dos municípios para os anos
de 2002 a 2004 e 2012 a 2014 e renda para os anos de 1991, 2000 e 2010. O
estudo identicou nove classicações possíveis, combinando três categorias de renda
(alta, média e baixa) com outras três de dinâmica econômica (alta, média e baixa).
As áreas prioritárias de ação da PNDR foram denidas como as microrregiões e os
municípios de baixa e média renda, independentemente do dinamismo econômico
apresentado (art. 2o da Portaria no 34/2018).
6. Essas áreas adicionais foram acrescidas pelos decretos no 6.290/2007 e no 7.340/2010. Posteriormente, por meio da
Portaria no 954, de 24 de novembro de 2010, ficaram delimitadas: i) treze mesorregiões diferenciadas – Vale do Rio Acre;
Alto Solimões; Bico do Papagaio; Xingó; Chapada do Araripe; Chapada das Mangabeiras; Águas Emendadas; Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri; Vale do Ribeira/Guaraqueçaba; Itabapoana; Grande Fronteira do Mercosul; metade sul
do Rio Grande do Sul; Seridó; ii) nove sub-regiões do Semiárido – São Raimundo Nonato (Piauí); Médio e Baixo Jaguaribe
(Ceará); Vale do Açu (Rio Grande do Norte); Souza e Piancó (Paraíba); Sertão do Moxotó (Pernambuco); Santana do
Ipanema (Alagoas); Sergipana/Sertão do São Francisco (Sergipe); Brumado/Bom Jesus da Lapa/Guanambi (Bahia); Serra
Geral (Minas Gerais); e iii) três regiões integradas de desenvolvimento: RIDE do entorno do Distrito Federal, criada pela
Lei Complementar no 94, de 19 de fevereiro de 1998; RIDE Teresina em Timon, criada pela Lei Complementar no 112, de
19 de setembro de 2001; RIDE Juazeiro/Petrolina, criada pela Lei Complementar no 113, de 19 de setembro de 2001.
7. Macedo e Porto (2020) analisam a tipologia espacial da PNDR e propõem novos critérios de atualização.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
382
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Baseada em tais critérios e parâmetros, a delimitação da área geográca de
ação prioritária da PNDR – doravante denominada neste capítulo de Agregado
Territorial da PNDR – passou a abranger 3.363 municípios, distribuídos por
368 microrregiões de 26 estados. Conforme mostram os dados da tabela 1, mais
da metade dos municípios está situada no Nordeste, que também inclui mais de
48% do total de microrregiões. A região Sudeste, particularmente, Minas Gerais,
tem importante representatividade no Agregado Territorial da PNDR. Vale notar
que Bahia e Minas Gerais são os estados com maior participação, tanto no total
de municípios quanto no que se refere ao conjunto de microrregiões. Deve ser
destacada também a importância relativa das sub-regiões do Semiárido e da Amazônia
Legal, que envolvem, combinadamente, 235 microrregiões e 1.926 municípios,
situados em quatro regiões do país – o que corresponde a 64% do total de microrregiões
e a 57% dos municípios do Agregado Territorial da PNDR.
TABELA 1
Distribuição das microrregiões e municípios prioritários da PNDR por macrorregião,
Unidade da Federação (UF) e sub-região
Unidade geográfica Municípios Microrregiões
n. abs. % n. abs. %
Norte 407 12,1 60 16,3
Acre 21 0,6 5 1,4
Amapá 15 0,4 4 1,1
Amazonas 61 1,8 13 3,5
Pará 143 4,3 22 6,0
Rondônia 39 1,2 6 1,6
Roraima 14 0,4 4 1,1
Tocantins 114 3,4 6 1,6
Nordeste 1.725 51,3 177 48,1
Alagoas 92 2,7 12 3,3
Bahia 407 12,1 31 8,4
Ceará 175 5,2 32 8,7
Maranhão 213 6,3 20 5,4
Paraíba 217 6,5 21 5,7
Pernambuco 176 5,2 17 4,6
Piauí 210 6,2 14 3,8
Rio Grande do Norte 164 4,9 18 4,9
Sergipe 71 2,1 12 3,3
(Continua)
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
383
(Continuação)
Unidade geográfica Municípios Microrregiões
n. abs. % n. abs. %
Sudeste 698 20,8 71 19,3
Espírito Santo 67 2,0 11 3,0
Minas Gerais 497 14,8 38 10,3
Rio de Janeiro 44 1,3 10 2,7
São Paulo 90 2,7 12 3,3
Sul 298 8,9 34 9,2
Paraná 160 4,8 20 5,4
Rio Grande do Sul 109 3,2 11 3,0
Santa Catarina 29 0,9 3 0,8
Centro-Oeste 235 7,0 26 7,1
Goiás 108 3,2 8 2,2
Mato Grosso 92 2,7 13 3,5
Mato Grosso do Sul 35 1,0 5 1,4
Amazônia Legal 676 20,1 89 24,2
Norte 407 12,1 60 16,3
Nordeste 177 5,3 16 4,3
Centro-Oeste 92 2,7 13 3,5
Semiárido 1.250 37,2 146 39,7
Nordeste 1.159 34,5 136 37,0
Sudeste 91 2,7 10 2,7
Agregado Territorial da PNDR 3.363 100,0 368 100,0
Fonte: Nota Técnica no 52/2017; Portaria no 34/2018.
Elaboração do autor.
Obs.: n. abs. – números absolutos.
Embora alcance 60% do total de municípios do país, o Agregado Territorial
da PNDR respondia, em 2018, por 19,6% do PIB nacional e por 18,8% do
total de postos de trabalho formais de 2019, reunindo, nesse mesmo ano, 35,6%
da população brasileira em suas delimitações geográcas. Ademais, conforme os
dados organizados na tabela 2, dos 3.363 municípios do Agregado Territorial da
PNDR, 2.809 (83,5% do total) consistem, na verdade, em pequenas localidades
econômicas, com PIB inferior a R$ 500 milhões (2018). Apenas seis municípios
(0,2% do total) tinham PIB igual ou superior a R$ 10 bilhões. De modo geral,
observa-se que 99% dos municípios possuíam PIB abaixo de R$ 5 bilhões, corres-
pondendo a 79% do PIB combinado do Agregado Territorial da PNDR. Do
ponto de vista demográco, um quadro similar se repete: 2.323 dos 3.363 mu-
nicípios do Agregado Territorial da PNDR (69,1% do total) são pequenos aglome-
rados, com população menor do que 20 mil habitantes. Nesses municípios, resi-
diam 21,5 milhões de habitantes, cerca de um terço da população do Agregado
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
384
|
Territorial da PNDR (2019). No outro extremo, apenas três municípios (0,1% do
total) contavam com população acima de 500 mil habitantes e abrigavam conjun-
tamente pouco mais de 1,6 milhão de habitantes (2,2% do total). Evidencia-se,
assim, que o Agregado Territorial da PNDR é majoritariamente formado por
pequenas comunidades: os municípios com menos de 100 mil habitantes repre-
sentam 97% do total, abrigando 77% da população.
Tais números, apesar de bastante sintéticos, são sucientes para permitir que
se verique a posição subalternizada e periférica que o Agregado Territorial da
PNDR assume no âmbito da sociedade e da economia brasileira. Os próprios
responsáveis pela nota técnica que subsidiou a delimitação desse agregado subli-
nharam que, na sua grande maioria, esse conjunto de municípios encontrava-se
em situação estruturalmente débil, não dispondo de condições econômicas e
sociais adequadas para engendrar processos de transformações sustentáveis.8
TABELA 2
Distribuição de municípios do Agregado Territorial da PNDR de acordo com o valor
do PIB e tamanho da população
Classe econômica – PIB 2018
Classe de município Total de municípios Valor combinado do PIB (R$)1(%)
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 101.096.598.992 7,4
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 183.309.895.332 13,3
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 453.985.726.669 33,0
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 206.059.365.102 15,0
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 429.628.870.676 31,3
Agregado Territorial da PNDR 3.363 100,0 1.374.080.456.771
Tamanho populacional – população (2019)
Classe de município Total de municípios Valor combinado do PIB (R$)1(%)
(%)
De 500 mil ou mais habitantes 3 0,1 1.653.018 2,2
De 200 mil a menos de 500 mil habitantes 24 0,7 6.792.642 9,1
De 100 mil a menos de 200 mil habitantes 68 2,0 8.774.904 11,7
De 50 mil a menos de 100 mil habitantes 204 6,1 13.660.218 18,3
De 20 mil a menos de 50 mil habitantes 741 22,0 22.343.159 29,9
Menos de 20 mil habitantes 2.323 69,1 21.531.913 28,8
Agregado Territorial da PNDR 3.363 100,0 74.755.854
Fonte: IBGE, 2018; 2019.
Elaboração do autor.
Nota: 1 Em valores correntes.
8. Esse diagnóstico se refere aos municípios que foram classificados simultaneamente como de baixa/média renda e de
baixo/médio dinamismo. Esse grupo soma 2.382 municípios, representando 71% do total do Agregado Territorial da PNDR.
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
385
Outro aspecto da PNDR a destacar diz respeito à baixa efetividade que tem
demonstrado desde a sua criação, há quase uma década e meia, o que implica efeitos
e resultados muito débeis e restritos, limitando a sua inuência sobre a dinâmica
regional do país neste início de século XXI, que permanece, assim, condicionada por
outros fatores determinantes. Diversos estudos trataram dessa situação, em grande
medida paradoxal, visto que a PNDR, a despeito dos avanços que trouxe para o
planejamento regional do país, municiando os gestores públicos com um potente
instrumento de ação governamental, não logrou se estabelecer como uma política
estatal efetiva (Coêlho, 2014; Macedo e Porto, 2018; Brandão, 2014; 2020; Alves e
Rocha Neto, 2014; Resende, 2017; Monteiro Neto, 2014). A fragilidade e as inde-
nições da base de nanciamento da PNDR têm sido arroladas como as principais
razões explicativas dos impasses observados. De fato, a PNDR não chegou a con-
tar com um fundo nanceiro especíco para dar sustentação aos seus dispositivos
e ações, uma vez que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)
proposto teve a sua constituição vinculada a uma reforma tributária que não se
concretizou. O Decreto no 9.810/2019, que redeniu as bases institucionais da
PNDR, abandonou de vez a perspectiva de criação de um fundo regional especíco,
mantendo o nanciamento vinculado às seguintes principais fontes de recursos:
orçamento da União; fundos constitucionais (Fundo Constitucional de Financia-
mento do Norte – FNO, Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste–
FNE e Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste - FCO); fundos
de desenvolvimento (Fundo de Desenvolvimento da Amazônia – FDA, Fun-
do de Desenvolvimento do Nordeste – FDNE e Fundo de Desenvolvimento do
Centro-Oeste – FDCO); incentivos e benefícios tributários; programas dos bancos
públicos federais; entre outros. Tais fontes de nanciamento, ainda que relevantes,
não estão plenamente incorporadas à PNDR e se submetem a outras lógicas, inte-
resses e orientações. Sem base de nanciamento dedicada e própria, a PNDR não
conseguiu ainda estabelecer instrumentos operacionais, orçamentários e institucionais
efetivos, persistindo uma condição de esvaziamento e fragilização da política.
A governança almejada para a operacionalização da PNDR, que enlaça as dimensões
intersetorial, interjurisdicional e político-local, também não foi alcançada. No plano
do governo central, a articulação da PNDR com outras políticas setoriais com forte
rebatimento territorial não chegou a se concretizar, mantendo-se as ações ministe-
riais em grande medida estanques e insuladas. No âmbito federativo, a estruturação
de mecanismos de coordenação e de cooperação intergovernamental foi igualmente
frustrada, de modo que a PNDR não foi assimilada pelos entes subnacionais nem
foi possível criar um arcabouço efetivamente de base nacional para a sua imple-
mentação. No campo social, a concertação entre os diversos atores e segmentos
das comunidades em torno de prioridades locais e programas de cunho regional
continuou no campo das intenções, impossibilitando o necessário “enraizamento”
socioespacial da PNDR.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
386
|
Essas debilidades operacionais, orçamentárias, nanceiras, políticas e insti-
tucionais comprometeram a efetividade da PNDR, restringindo a sua incidência
sobre a dinâmica regional do país neste século XXI. Outros fatores afetaram a tra-
jetória espacial da economia brasileira, cabendo destacar os principais elementos
determinantes a seguir descritos.
1) O processo de inacionamento dos preços internacionais de bens
primários e semielaborados, gerando fortes impulsos para as economias
locais vinculadas a essas atividades primário-exportadoras.
2) O processo de deação dos preços internacionais dos bens industriais,
sobretudo os bens de consumo, impactando negativamente as economias
locais de base produtiva mais industrializada e complexa.
3) O fortalecimento e a expansão das políticas sociais, de valorização dosalário
mínimo, de geração e formalização do trabalho, da expansãodo crédito e
de apoio ao consumo, favorecendo amplamente o mercado doméstico, em
especial as cidades de menor expressão econômica e porte populacional.
4) A execução de grandes projetos de investimento pelo governo central,
governos subnacionais, estatais e empresas privadas.
5) A continuidade da guerra scal entre os estados e diversos municípios,
que induziu certa desconcentração territorial dos investimentos privados.
6) A crise macroeconômica que eclodiu em 2014, cujos efeitos depressivos
foram mais pronunciados nas economias regionais e locais mais
desenvolvidas e complexas.
Combinados, esses fatores implicaram um processo de crescimento relativamente
mais acentuado na “periferia” do que no “centro”, o que resultou na atenuação das
assimetrias regionais no Brasil neste século XXI, mas seguindo um característico
padrão contido de evolução, a ser sumariamente tratado na próxima seção.
4 TRAJETÓRIA REGIONAL RECENTE DO BRASIL E DO AGREGADO
TERRITORIAL DA PNDR
A economia brasileira manteve neste século XXI a trajetória de desconcentração pro-
dutiva iniciada em meados da década de 1970, dando continuidade, assim, à gradual
atenuação das acentuadas e persistentes desigualdades espaciais do país. Mas, em razão
da pouca efetividade da PNDR, essa evolução não conseguiu romper com a dinâmica
regional contraditória e restringida que vem marcando esse processo nas últimas quatro
décadas. Sua expressão mais evidente tem sido o padrão característico de desconcen-
tração concentrada das atividades econômicas da área primaz em direção aos espaços
periféricos e subalternizados na divisão territorial dos processos de geração e apro-
priação de excedentes organizados historicamente no Brasil. De fato, da perspectiva
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
387
macrorregional, os dados sistematizados na tabela 3 evidenciam que, ao mesmo tem-
po em que Norte, Nordeste e Centro-Oeste ampliaram moderadamente a participa-
ção consolidada no PIB nacional entre 2002 e 2018, o Sul também foi favorecido e
conseguiu reforçar sua posição econômica relativa no mesmo período, em especial nos
anos de crise pós-2014. Ou seja, parte da perda econômica relativa da área primaz foi
retida dentro de suas próprias demarcações geográcas, sendo realocada parcialmente
entre alguns de seus próprios estados, entre os quais Minas Gerais e Paraná,9 explici-
tando, assim, os limites do atual padrão dominante de desconcentração concentrada.
TABELA 3
Participação das macrorregiões, sub-regiões e UFs selecionadas no PIB nacional (2002-2018)
2002 2005 2010 2014 2018
Brasil (R$ bilhões)11.489 2.171 3.886 5.779 7.004
Período (%)
Unidade geográfica 2002 2005 2010 2014 2018 Variação acumulada
Agregado Territorial da PNDR 17,4 18,0 18,2 19,3 19,6 12,9
Agregado PNDR – Semiárido 4,2 4,1 4,3 4,5 4,8 15,9
Agregado PNDR – Amazônia Legal 3,1 3,3 3,6 3,8 4,2 37,0
Norte 4,7 4,9 5,3 5,3 5,5 17,8
Amazonas 1,5 1,6 1,6 1,5 1,4 -3,7
Pará 1,8 1,9 2,1 2,2 2,3 29,5
Nordeste 13,1 13,0 13,5 13,9 14,3 9,6
Bahia 4,0 4,1 4,0 3,9 4,1 3,4
Ceará 1,9 1,9 2,0 2,2 2,2 15,4
Pernambuco 2,4 2,3 2,5 2,7 2,7 9,9
Sudeste 57,4 57,5 56,1 54,9 53,1 -7,4
Minas Gerais 8,3 8,7 9,0 8,9 8,8 5,3
Rio de Janeiro 12,4 12,4 11,6 11,6 10,8 -12,5
São Paulo 34,9 34,2 33,3 32,2 31,6 - 9,4
Sul 16,2 15,9 16,0 16,4 17,1 5,2
Paraná 5,9 5,9 5,8 6,0 6,3 6,0
Rio Grande do Sul 6,6 6,3 6,2 6,2 6,5 -1,7
Centro-Oeste 8,6 8,6 9,1 9,4 9,9 15,3
Distrito Federal 3,6 3,5 3,7 3,4 3,6 0,5
Goiás 2,6 2,5 2,7 2,9 2,8 7,7
Fonte: IBGE.
Elaboração do autor.
Nota: 1 Em valores correntes.
Obs.: PIBs estaduais, regionais e nacional equivalem à soma dos PIBs municipais.
9. Entre 2002 e 2018, as participações relativas do Espírito Santo e de Santa Catarina no PIB nacional cresceram 7,7%
e 16,4%, respectivamente.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
388
|
Em trajetória similar, as assimetrias econômicas no plano intrarregional
também foram atenuadas, como pode ser constatado pela evolução do Agregado
Territorial da PNDR: entre 2002 e 2018, a participação desta área no PIB nacional
teve incremento de 12,9%, sendo que as sub-regiões do Semiárido e da Amazônia
Legal tiveram melhor desempenho (15,9% e 37,0%, respectivamente). Contudo,
a despeito desse ganho relativo, não se observou a ocorrência de transformações
estruturais no Agregado Territorial da PNDR, conforme permitem inferir os dados
do gráco 1. Do ponto de vista da estrutura produtiva, os setores de serviços e de
administração pública não apenas mantiveram a predominância, como também
registraram aumento proporcional de participação no valor adicionado bruto
(VAB), ao passo que a indústria e, mais intensamente, a agropecuária, tiveram
perdas relativas entre 2002 e 2018.
GRÁFICO 1
Estrutura produtiva do Agregado Territorial da PNDR (2002-2018)
(Em % )1
25,2
34,2
16,5
24,1
25,7
39,4
12,5
22,4
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Administração pública Serviços Agropecuária Indústria
2002 2018
Fonte: IBGE.
Elaboração do autor
Nota: 1 Porcentagem do VAB a preços correntes.
As informações a respeito da distribuição setorial dos postos formais de trabalho
apresentadas na tabela 4 corroboram o entendimento de que o Agregado Territorial
da PNDR ampliou a sua representatividade econômica em âmbito nacional neste
início do século XXI, mas sem lograr simultaneamente transformações estrutu-
rais em sua base produtiva. Um aspecto a ressaltar é a extraordinária expansão
do mercado de trabalho formal observada entre 2000 e 2019: o contingente de
trabalhadores com carteira assinada mais do que dobrou, alcançando crescimento
superior à média nacional, de modo que a participação relativa do Agregado
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
389
Territorial da PNDR teve elevação de quatro pontos percentuais (p.p.) –
incremento de 27% em termos proporcionais. Cabe notar que todos os setores
acumularam expansão signicativa do emprego no período analisado, sendo que
as atividades de agropecuária, indústria de transformação, serviços industriais de
utilidade pública (Siup) e extrativa mineral, embora tenham também registra-
do acentuada elevação dos postos de trabalho, foram as que alcançaram menor
desempenho. Assim, esses quatro setores perderam posição relativa, sobretudo a
indústria de transformação e a agropecuária. A administração pública e os serviços
mantiveram o predomínio nos mercados de trabalho locais, e o setor de servi-
ços superou a indústria de transformação. Por m, deve ser destacada a posição
nacional relevante do Agregado Territorial da PNDR nas atividades primárias
(extrativa mineral e agropecuária) e que foi reforçada, indicando que, de fato, esse
espaço periférico do país não experimentou transformações estruturais nesses dois
decênios iniciais do século XXI.
TABELA 4
Distribuição setorial do emprego formal no Agregado Territorial da PNDR (2000-2019)
Setor – IBGE
2000 2019
Total Brasil
(%)
Agregado PNDR
(%) Total Brasil
(%)
Agregado PNDR
(%)
Total 3.877.646 14,8 100,0 8.922.718 18,8 100,0
Extrativa mineral 44.747 40,8 1,2 102.271 44,9 1,1
Indústria de transformação 754.000 15,4 19,4 1.305.942 18,1 14,6
Siup 34.440 11,9 0,9 67.648 14,9 0,8
Construção civil 118.476 10,8 3,1 297.215 14,8 3,3
Comércio 654.644 15,4 16,9 1.885.040 19,9 21,1
Serviços 794.156 9,2 20,5 2.021.573 11,3 22,7
Administração pública 1.078.644 18,3 27,8 2.572.535 29,0 28,8
Agropecuária, extração vegetal,
caça e pesca 398.489 37,2 10,3 670.494 45,4 7,5
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais (Rais), 2000; 2019.
Elaboração do autor.
Em resumo, com os impasses na implementação da PNDR, a economia
brasileira manteve a dinâmica de desconcentração concentrada das atividades
produtivas que tem caracterizado as mudanças na sua conguração espacial desde
pelo menos meados da década de 1970, favorecendo incrementalmente as regiões
periféricas. No bojo desse processo restringido, o Agregado Territorial da PNDR
conseguiu ganhar maior relevância econômica relativa no plano nacional, mas
sem lograr simultaneamente transformações estruturais que requalicassem sua
posição na divisão inter-regional do trabalho que organiza a economia brasileira.
Contudo, mudanças nas atividades de graduação e de pós-graduação ocorridas no
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
390
|
Agregado Territorial da PNDR, vinculadas ao ciclo expansivo da educação supe-
rior do país, estabeleceram perspectivas de desenvolvimento mais promissoras – e
também mais desaadoras – para esta sub-região periférica, como será examinado
na sequência.
5 TRAJETÓRIA RECENTE DO ENSINO SUPERIOR NO AGREGADO TERRITORIAL
DA PNDR
O sistema de ensino superior brasileiro experimentou importantes transformações
neste século XXI, combinando acentuada expansão e maior alcance espacial. Os
dados sistematizados no gráco 2 permitem evidenciar os principais aspectos desse
processo de ampliação e de reconguração geográca das atividades da educação
terciária do país. Entre 2000 e 2019, a rede de IES e o total de matrículas nos cursos
presenciais de graduação alcançaram taxa de crescimento médio da ordem de 4%
ao ano. A pós-graduação, que abriga a maior parte da pesquisa cientíca nacional,
evoluiu em ritmo mais expressivo: os programas acadêmicos de mestrado e dou-
torado cresceram a uma taxa média anual de 5% no período em referência. O
ciclo expansivo foi também menos concentrado em termos espaciais. As regiões
Norte, Nordeste e, ainda que em menor proporção, o Centro-Oeste registraram
taxas de crescimento superior à da área primaz Sudeste/Sul. Seguindo essa mesma
dinâmica espacial, o Agregado Territorial da PNDR, que interessa mais de perto
a este estudo, também se expandiu mais intensamente que a média nacional e a
da área primaz, de modo que veio a ganhar maior relevância relativa no âmbito
do sistema de ensino superior brasileiro.
Esse processo de expansão da educação terciária no Agregado Territorial da
PNDR foi, de fato, bastante signicativo. As atividades de graduação presencial,
por exemplo, estenderam o alcance geográco de 341 para 567 municípios nesta
sub-região entre 2000 e 2019. Da mesma forma, a pós-graduação, que mantinha
programas acadêmicos de mestrado e doutorado em apenas sete municípios
em 2000, passou a estar presente em 96 municípios do Agregado Territorial da
PNDR em 2019. Cabe vericar de forma um pouco mais detalhada como ocorreu
esse ciclo de crescimento e de reorganização do ensino superior no âmbito do
Agregado Territorial da PNDR.
Inicialmente, vale examinar a trajetória da rede sub-regional de IES. A tabela 5
fornece informações sobre essa estrutura, de acordo com a categoria administrava
e a classe econômica do município com base no PIB de 2018. Observa-se que
o total de IES mais do que triplicou nos dois decênios em referência, passando
de 179 para 621 instituições. Foi um crescimento bem superior ao do país,de
modo que a participação do Agregado Territorial da PNDR na rede nacional
deIES teve elevação expressiva de 57% entre 2000 e 2019, subindo de 15,2%
para 23,8%. Tal expansão foi acompanhada de certa atenuação das desigualdades
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
391
intrarregionais no âmbito do Agregado Territorial da PNDR, uma vez que os
munícipios de menor dimensão econômica foram os que tiveram a elevação mais
expressiva de IES. O número de instituições localizadas nos municípios das duas
classes inferiores (PIB abaixo de R$ 1 bilhão) subiu de 38 para 157. Assim, a
participação conjunta dessas duas classes de municípios subiu de 21,2% para
25,3% do total de IES da sub-região. A segunda classe de municípios (PIB de
R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões) também registrou crescimento pouco acima
da média, conseguindo aumentar marginalmente a sua participação relativa em
3,4% (de 16,2% para 16,7%).
GRÁFICO 2
Taxa de crescimento médio anual do total de IES, matrículas e programas acadêmicos
de pós-graduação: Brasil, macrorregiões e Agregado Territorial da PNDR (2000-2019)
(Em %)
4,0
6,4
7,7
6,9
2,7
4,3 3,8
4,2
6,3 7,1 6,3
3,5
2,7
4,8
5,0
12,8
10,3
6,9
3,3
6,1
7,6
Brasil Agregado
Territorial
PNDR
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
IES Matrículas Programas de pós-graduação
0
2
4
6
8
10
12
14
Fonte: Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); GeoCapes.
Elaboração do autor.
TABELA 5
Distribuição das IES no Agregado Territorial da PNDR por classe de município e categoria
administrativa, de acordo com o PIB (2000-2019)
Classe de município
IES total
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 13 18 22 25 32
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 29 68 76 73 104
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 99 233 258 250 328
(Continua)
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
392
|
(Continuação)
Classe de município
IES total
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 23 68 81 81 96
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 15 51 65 53 61
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 179 438 502 482 621
Total Brasil 1.180 2.165 2.378 2.368 2.608
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 15,2 20,2 21,1 20,4 23,8
Classe de município
IES privada
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 10 15 17 20 27
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 19 55 61 59 89
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 77 211 230 219 306
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 17 57 66 71 91
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 11 46 60 47 57
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 134 384 434 416 570
Total Brasil 1.004 1.934 2.100 2.094 2.327
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 13,3 19,9 20,7 19,9 24,5
Classe de município
IES pública federal
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 1 1 1 1 1
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 1 4 5 6 6
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 3 5 4 7 7
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 1 4 2 2 2
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 0 1 0 1 1
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 6 15 12 17 17
Total Brasil 61 97 99 107 110
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 9,8 15,5 12,1 15,9 15,5
Classe de município
IES pública subnacional
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 2 2 4 4 4
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 9 9 10 8 9
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 19 17 24 24 15
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 5 7 13 8 3
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 4 4 5 5 3
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 39 39 56 49 34
Total Brasil 115 134 179 167 171
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 33,9 29,1 31,3 29,3 19,9
Fonte: Censo da Educação Superior/Inep.
Elaboração do autor.
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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393
As outras duas classes de municípios tiveram crescimento expressivo, mas
abaixo da média sub-regional, implicando perdas de posição relativa. A queda
mais elevada foi a dos municípios de maior dimensão econômica (PIB igual ou
acima de R$ 10 bilhões), que alcançou 29%. A classe de municípios interme-
diária (PIB de R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões) viu sua participação no
total de IES retroagir em 4,5%, baixando de 55,3% para 52,8%. Mesmo assim,
manteve-se como a localização preferencial e predominante da rede de IES no
Agregado Territorial da PNDR. Das 442 novas IES instaladas na sub-região
entre 2000 e 2019, 229 (52%) foram abertas nessa classe intermediária, que
reúne 227 municípios (6,7% do total) e reponde por um terço do PIB consolidado
do Agregado Territorial da PNDR.
Do ponto de vista da categoria administrativa das IES, um primeiro
aspecto a se ressaltar diz respeito às diferentes estratégias que os setores privado,
público federal e público subnacional adotaram na inserção no Agregado Ter-
ritorial da PNDR. A rede privada adotou uma estratégia muito mais agressiva,
ampliando fortemente sua presença nessa sub-região, conseguindo mais do que
quadruplicar o seu tamanho – passando de 134 para 570 IES entre 2000 e
2019. O setor público federal também reforçou sua presença, quase triplicando
a sua rede, que cresceu de 6 para 17 instituições. O setor público subnacional,
diferentemente, depois da expansão experimentada na segunda metade da pri-
meira década deste século, veio reduzindo sua estrutura, de modo que chegou
ao nal do período em análise com uma rede menor – 34 IES ante as 39 em
2000. Uma implicação importante dessas diferentes estratégias foi o aumento
da importância do setor privado no Agregado Territorial da PNDR. Se em
2000 o setor privado dominava 75% da rede de IES instalada na sub-região,
em2019 esse percentual tinha subido para 92%. Nesses mesmos anos, enquanto
a participação da rede pública federal cou praticamente inalterada, a da rede
pública subnacional reduziu fortemente, baixando de 22% para 5% do total de
IES do Agregado Territorial da PNDR.
Em termos das estratégias locacionais, observa-se também uma dinâmica
espacial bastante distinta entre as redes privada e pública (federal e subnacional).
Enquanto o setor privado expandiu de forma mais acentuada nos municípios de
menor expressão econômica do Agregado Territorial da PNDR, a rede pública
teve maior crescimento nas localidades economicamente superiores. A rede pri-
vada localizada nas duas classes inferiores de municípios (PIB abaixo deR$ 1 bilhão)
mais do que quintuplicou de tamanho (subiu, conjuntamente,de 28 para 148
IES). Assim, a participação relativa dessa classe de municípios aumentou de
20,9% para 26,0% no total sub-regional de IES privadas entre 2000 e 2019 –
alta de 24,3%. A rede federal, por sua vez, atingiu maior crescimento nas duas
classes intermediárias superiores (PIB de R$ 1 bilhão a menos de R$ 10 bilhões).
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
394
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Nessas localidades, o total de IES federal mais do que triplicou entre 2000 e
2019, fazendo com que a participação relativa das duas classes de municípios su-
bisse, conjuntamente, de 66,7% para 76,5% no conjunto de instituições federais
do Agregado Territorial da PNDR, o que signicou elevação de quase 15%. No
que diz respeito ao setor público subnacional, o fato marcante foi a ampliação na
classe superior de municípios (PIB igual ou acima de R$ 10 bilhões), que recebeu
duas novas IES, num demarcado movimento contraditório em face ao comentado
encolhimento da rede no período.
Levando-se em consideração essa evolução da rede de IES, cabe agora
vericar como foi a trajetória das matrículas nos cursos presenciais de gradu-
ação. Os dados da tabela 6 são também organizados por categoria adminis-
trativa e por classe econômica de município. Constata-se que o crescimento
das matrículas no Agregado Territorial da PNDR, assim como ocorreu com
a rede de IES, foi muito acentuado e superou o incremento médio nacional,
o que resultou na elevação da participação relativa dessa sub-região no total
consolidado do país, de 11,9% para 17,6%, tendo alta de 48% entre 2000
e 2019. O total de matrículas mais do que triplicou nesses anos, subindo de
320.484 para 1.083.429. Uma característica importante desse ciclo expansivo
é que, excetuando-se o grupo de municípios de maior dimensão econômica,
todas as demais classes de municípios tiveram crescimento superior à média
sub-regional, implicando igualmente o aumento de suas respectivas partici-
pações relativas no total consolidado do Agregado Territorial da PNDR. A
classe superior de municípios (PIB igual ou acima de R$ 10 bilhões) reduziu
praticamente pela metade a sua posição relativa, de 14% para pouco mais de
7% entre 2000 e 2019. Os maiores ganhos proporcionais foram da segunda
classe de municípios (PIB de R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões) e da
última (PIB abaixo de R$ 500 milhões), isto é, 21% e 26,7%, respectiva-
mente. Como resultado dessa trajetória, as desigualdades na distribuição das
matrículas no âmbito do Agregado Territorial da PNDR foram atenuadas. A
classe intermediária de municípios (PIB de R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões)
manteve a primazia, respondendo por 50,6% do total sub-regional das matrículas
em 2019, ante a participação de 40,7% que detinha em 2000. Das 762.945
novas matrículas abertas no Agregado Territorial da PNDR ao longo do período,
389.544 (51%) foram na classe intermediária de municípios.
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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395
TABELA 6
Distribuição das matrículas em cursos de graduação presencial no Agregado
Territorial da PNDR por classe de município e categoria administrativa (2000-2019)
Classe de município
Matrículas totais
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 44.801 56.543 57.520 70.114 77.401
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 53.942 107.631 154.499 199.631 220.735
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 159.149 286.305 392.874 501.077 548.693
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 42.003 83.490 102.292 128.865 148.432
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 20.589 70.834 56.969 81.249 88.168
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 320.484 604.803 764.154 980.936 1.083.429
Total Brasil 2.694.245 4.453.156 5.449.120 6.497.889 6.153.560
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 11,9 13,6 14,0 15,1 17,6
Classe de município
IES privada
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 37.892 45.589 44.410 53.237 56.625
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 12.997 55.260 86.669 119.870 132.314
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 67.693 159.409 218.226 265.881 304.522
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 11.539 34.002 36.085 43.169 54.951
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 3.185 22.187 17.568 24.937 27.166
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 133.306 316.447 402.958 507.094 575.578
Total Brasil 1.807.219 3.260.967 3.987.424 4.785.572 4.255.029
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 7,4 9,7 10,1 10,6 13,5
Classe de município
IES pública federal
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 690 2.218 3.643 5.179 8.516
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 7.653 9.664 24.018 36.610 47.968
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 34.205 44.886 85.286 133.586 159.095
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 6.809 9.700 22.229 39.892 55.136
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 4.286 7.205 19.866 31.504 44.596
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 53.643 73.673 155.042 246.771 315.311
Total Brasil 482.750 579.587 833.934 1.083.723 1.254.065
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 11,1 12,7 18,6 22,8 25,1
Classe de município
IES pública subnacional
Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 6.219 8.736 9.467 11.698 12.260
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 33.292 42.707 43.812 43.151 40.453
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 57.251 82.010 89.362 101.610 85.076
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 23.655 39.788 43.978 45.804 38.345
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 13.118 41.442 19.535 24.808 16.406
Total Agregado Territorial 3.363 100,0 133.535 214.683 206.154 227.071 192.540
Total Brasil 404.276 612.602 627.762 628.594 644.466
Participação nacional do Agregado Territorial (%) 33,0 35,0 32,8 36,1 29,9
Fonte: Censo da Educação Superior/Inep.
Elaboração do autor.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
396
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Outra característica importante do ciclo expansivo das matrículas foi o pro-
tagonismo das IES públicas federais. Embora 58% das novas matrículas criadas
no Agregado Territorial da PNDR entre 2000 e 2019 tenham sido na rede pri-
vada, foram as instituições federais que registraram a maior expansão. Enquanto
o total de matrículas das IES privadas mais do que quadruplicaram nos dois de-
cênios em referência, o das IES federais cresceu quase seis vezes, ao passo que o
das IES públicas subnacionais teve incremento bem mais modesto de pouco mais
de 44%. Com isso, a presença da rede pública federal na graduação presencial no
âmbito do Agregado Territorial da PNDR foi reforçada, tendo em vista que a sua
participação relativa no total de matrículas subiu de 17% para 29%, o que signi-
cou elevação de 74% entre 2000 e 2019. Nesse mesmo período, a rede privada
também ampliou a participação relativa, mas de forma mais moderada: de 42%
para 53%, uma alta de 28%. A rede pública subnacional, por sua vez, viu retrair
sua posição proporcional em mais de 50%, baixando de 42% para 18%.
A dinâmica espacial das três categorias de IES em termos de matrículas foi
distinta entre elas e, mais importante, muito discrepante das estratégias locacio-
nais adotadas para a implantação de instituições. A principal diferença foi de-
monstrada pelas IES públicas federais, cujo destaque foi a prioridade dada às
classes de municípios de menor expressão econômica na abertura de matrículas.
Nas duas classes inferiores de municípios (PIB abaixo de R$ 1 bilhão), o cresci-
mento foi vertiginoso, de modo que a participação desses grupos de municípios
teve elevação da ordem de 53% nas matrículas totais da rede federal entre 2000 e
2019. Na rede privada, a maior elevação foi registrada na segunda classe de muni-
cípios (PIB de R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões), que mudou seu patamar
de representatividade: a participação nas matrículas privadas saltou de 9,7% para
23% entre 2000 e 2019. A rede pública subnacional, que focou a estratégia de
expansão orgânica nos municípios de maior dimensão econômica, também privi-
legiou essas localidades mais aquinhoadas para a abertura de matrículas. A classe
superior de municípios da sub-região (PIB igual ou acima de R$ 10 bilhões) am-
pliou em quase 37% a participação nas matrículas das IES públicas subnacionais.
As atividades de pós-graduação situadas no Agregado Territorial da PNDR
experimentaram transformações igualmente substanciais. Como revelam os dados
da tabela 7, os programas acadêmicos de mestrado e de doutorado cresceram
de forma acelerada, passando de uma oferta total de 39 para 435 entre 2000
e 2019. Foi uma expansão bem mais acentuada do que a observada em escala
nacional, fazendo com que a participação relativa da sub-região no conjunto do
país saltasse de 2,8% para 11,6% ao longo do período. Ademais, a dinâmica
espacial do processo de crescimento proporcionou uma conguração menos as-
simétrica dessa potente estrutura de pesquisa cientíca no âmbito do Agregado
Territorial da PNDR. Emblemática nesse sentido foi a evolução das duas classes
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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397
inferiores de municípios (PIB abaixo de R$ 1 bilhão), que conseguiram superar
a classe superior (PIB igual ou acima de R$ 10 bilhões), passando a responder,
conjuntamente, por pouco mais de 16% da oferta sub-regional de programas de
pós-graduação, quase o dobro da participação do grupo de municípios de maior
expressão econômica do Agregado Territorial da PNDR. A classe intermediária de
municípios (PIB de R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões) perdeu posição relativa
(de 76,9% para 48,5%), mas se manteve como a principal base da pós-graduação
instalada no Agregado Territorial da PNDR.
TABELA 7
Distribuição dos programas acadêmicos de pós-graduação no Agregado Territorial da
PNDR por classe de município (2000-2019)
Classe de município Total de municípios 2000 2005 2010 2014 2019
(%)
Igual ou acima de R$ 10 bilhões 6 0,2 7 19 26 32 37
De R$ 5 bilhões a menos de R$ 10 bilhões 25 0,7 1 18 56 80 117
De R$ 1 bilhão a menos de R$ 5 bilhões 227 6,7 30 47 77 164 211
De R$ 500 milhões a menos de R$ 1 bilhão 296 8,8 1 1 12 25 44
Menos de R$ 500 milhões 2.809 83,5 0 3 3 15 26
Agregado Territorial da PNDR 3.363 100,0 39 88 174 316 435
Brasil 1.406 1.925 2.593 3.199 3.743
Participação nacional do Agregado Territorial da PNDR (%) 2,8 4,6 6,7 9,9 11,6
Fonte: GeoCapes.
Elaboração do autor.
Outro elemento importante a ser observado refere-se à categoria institu-
cional dos programas de pós-graduação – o seu status jurídico. Ao contrário
do que ocorre na graduação, o setor público é dominante nas atividades de
pós-graduação do país, e essa situação se repete no Agregado Territorial da
PNDR. As informações do gráco 3 mostram que, dos 435 programas acadê-
micos de pós-graduação existentes em 2019 no Agregado Territorial da PNDR,
97% eram vinculados às instituições do setor público, sendo que grande parte
deles às IES federais – mais especicamente, 284 programas, o equivalente a
pouco mais de 65% do total. As IES públicas subnacionais mantinham, no
mesmo ano, 139 programas, correspondendo a 32%, ao passo que os grupos
privados de ensino detinham posição residual, oferecendo apenas doze programas,
o que representava menos de 3% do total.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
398
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GRÁFICO 3
Distribuição dos programas acadêmicos de pós-graduação de acordo com a categoria
administrativa da IES (2019)
(Em %)
65,3
32,0
2,8
0
10
20
30
40
50
60
70
Público federal Público subnacional Privado
Fonte: GeoCapes.
Do que foi exposto nos parágrafos anteriores, pelo menos seis aspectos merecem
ser destacados para sintetizar as principais mudanças ocorridas no contexto do
ensino superior do Agregado Territorial da PNDR nestes dois decênios iniciais
do século XXI, conforme a seguir descrito.
1) O crescimento das atividades de graduação e de pós-graduação no
Agregado Territorial da PNDR foi em ritmo mais acentuado do que o
observado na escala nacional, fazendo com que a sub-região ganhasse
maior relevância no sistema de ensino superior do país.
2) O processo de expansão da rede de IES, das matrículas em cursos
presenciais e dos programas de pós-graduação foi menos concentrado
em termos espaciais, dando maior capilaridade geográca ao sistema
sub-regional de ensino superior, que passou a abranger maior
número de localidades no âmbito do Agregado Territorial da PNDR.
Consequentemente, a assimétrica conguração espacial do sistema
nessa sub-região foi relativamente atenuada.
3) O setor privado reforçou a predominância nas atividades de graduação
presencial, ampliando sua presença no Agregado Territorial da PNDR
por meio de dois movimentos principais: i) a expansão da rede de IES
em direção às classes de municípios de menor expressão econômica; e
ii) a expansão das matrículas de graduação presencial nos escalões de
municípios mais desenvolvidos. Assim, as decisões de investimento
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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399
adotadas pelos grupos privados de ensino buscaram combinar duas
estratégias básicas: fortalecer posições em mercados previamente
existentes e já em exploração e, ao mesmo tempo, abrir novas frentes de
expansão, para o aproveitamento de oportunidades emergentes.
4) O setor público federal também ampliou a sua presença no Agregado
Territorial da PNDR, principalmente por meio da expansão das
matrículas em cursos de graduação presencial nas classes de municípios
de menor dimensão econômica, visando ampliar o acesso à educação
terciária e atenuar as suas desiguais condições espaciais de oferta.
5) O setor público subnacional, diferentemente dos demais atores
institucionais, teve trajetória marcada pela retração acentuada da
participação no sistema sub-regional de ensino superior e pela
concentração espacial de sua atuação, cujo foco foi redirecionado para
a classe de municípios de maior expressão econômica do Agregado
Territorial da PNDR.
6) Nas atividades de pós-graduação acadêmica, que abrigam grande parte
da pesquisa cientíca e tecnológica realizada no país, o setor público
manteve larga predominância, sendo responsável por pouco mais de
97% dos programas de mestrado e doutorado existentes no Agregado
Territorial da PNDR. A liderança nessas atividades permaneceu com
as IES federais, mas as IES públicas subnacionais também detiveram
posição relevante, sendo responsáveis por cerca de um terço do total de
programas acadêmicos de pós-graduação.
Em resumo, é possível constatar que o contexto do ensino superior no
Agregado Territorial da PNDR passou por transformações de grande extensão
neste século XXI. As atividades de graduação presencial e de pós-graduação
ganharam maior escala orgânica e alcance espacial, dotando essa área geográca
periférica e subalternizada de uma potente estrutura geradora de conhecimento
em bases mais robustas e organizadas, o que criou circunstâncias mais promissoras
de desenvolvimento. Contudo, a despeito de tais avanços, persistem grandes
incertezas e desaos a serem ainda equacionados a m de constituir os vínculos
necessários entre essa potente estrutura intensiva em conhecimento e a reali-
dade socioeconômica do Agregado Territorial da PNDR, condição essencial
para dar concretude às perspectivas de transformações estruturais que foram
virtualmente estabelecidas.
No que se refere estritamente ao ensino superior e às suas possibilidades
de inserção territorial nessa sub-região e de articulação qualicada com os
objetivos da PNDR, efetivando um padrão de engajamento socioespacial
signicativo, tal como conceituado anteriormente, três questões, em especial,
são de suma importância.
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
400
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A primeira envolve a posição dominante do setor privado no subsistema
de ensino superior do Agregado Territorial da PNDR, e que foi reforçada neste
início de século XXI, gerando tensões, incertezas e contradições importantes para
a constituição de formas signicativas de engajamento socioespacial. Em razão de
estratégias orientadas pelo cálculo nanceiro, que condiciona todas as atividades
de ensino, pesquisa e extensão, a inserção das IES privadas na realidade periférica
do Agregado Territorial da PNDR é problematizada. Sendo orientada, sobretudo,
pelas perspectivas de lucro, tal inserção socioespacial não é necessariamente – e
tende a não ser – compatível nem compromissada com os objetivos de transfor-
mações socioeconômicas e de atenuação das desigualdades regionais.
A segunda diz respeito às mudanças que ocorreram na atuação das IES pú-
blicas subnacionais, que reduziram a presença no Agregado Territorial da PNDR,
além de redirecionar o foco de suas atividades para os núcleos urbanos de maior
expressão econômica, criando, com isso, maiores diculdades para se alcançar um
padrão signicativo de engajamento socioespacial do ensino superior na sub-região.
Isso porque, entre as categorias de IES, são as instituições subnacionais – controladas
pelos governos estaduais e, em alguns casos, municipais – que têm vínculos
identitários, culturais, sociais e territoriais inerentes, densos e mais estreitos. Assim,
a estratégia adotada pelas IES subnacionais de reduzir e concentrar seletivamente as
atividades em determinadas localidades do Agregado Territorial da PNDR restringe
e enfraquece os processos de interação – efetivos e potenciais.
Uma terceira questão se relaciona à complexa espacialidade das atividades
de ensino superior, para a qual já se chamou atenção anteriormente. Congurado
como um âmbito de interseção de diferentes forças sociais (multi-scalar crossroads),
o sistema de ensino superior envolve, ao mesmo tempo, vários atores, com seus
interesses e projetos estratégicos próprios, vinculados às escalas local, regional,
nacional e global. Nesse contexto bastante contraditório, os compromissos, elos
e identidades territoriais das IES são diluídos, fragilizados ou permanecem sub-
sumidos, implicando barreiras para a ativação de formas signicativas de engaja-
mento socioespacial.
Essas três questões desaadoras e não triviais revalorizam o papel da política
pública, de modo geral, e, mais especicamente, o da PNDR, à medida que
requerem iniciativas governamentais especícas endereçadas ao seu equaciona-
mento, a m de desobstruir e induzir processos signicativos de engajamento
socioespacial das atividades de ensino superior nessa extensa área geográca
periférica do país.
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
|
401
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, buscou-se examinar a expansão do sistema de ensino superior
do país a partir das transformações que foram desencadeadas na área geográca
de ação prioritária da PNDR. Essa escolha de perspectiva não foi aleatória, mas
motivada por dois fatores principais. O primeiro deles decorre do entendimento
de que a PNDR atribui papel relevante para as IES nas estratégias direcionadas a
reduzir as demarcadas desigualdades regionais do país. Os objetivos, princípios e
eixos setoriais de intervenção estabelecidos pela PNDR estão entrelaçados com as
atividades de ensino, pesquisa e extensão das IES, abrangendo diferentes campos
de conhecimento. Assim, o sistema de ensino superior está habilitado a incidir
em praticamente todas as dimensões da PNDR. O segundo fator que motivou
a escolha metodológica deste estudo está relacionado com a natureza da própria
área geográca de ação prioritária da PNDR, que condensa a problemática regional
contemporânea brasileira, proporcionando, portanto, os elementos principais
para entender melhor os limites e potencialidades da inserção do ensino superior
no desenvolvimento dos espaços periféricos e subalternizados nos processos de
geração e apropriação de excedentes.
Conforme os argumentos expostos, essa inserção das IES nos territórios
periféricos não pode seguir um padrão geral e abstrato, mas deve ser ajustada
às especicidades locais e aos grandes desaos e problemas advindos do quadro
de precariedades e vulnerabilidades prevalecente. Deve ser um tipo de engaja-
mento socioespacial signicativo, capaz de gerar/induzir impactos sistêmicos
sobre a realidade, criando condições mais promissoras de transformações estru-
turais, de modo a requalicar a posição desses espaços marginalizados na divisão
inter-regional do trabalho, que organiza hierarquicamente a economia. Espera-se
uma vinculação das IES ao contexto social mais amplo, fazendo com que elas
passem a estar imbricadas nesse ambiente territorialmente instituído.
Nos dois decênios abordados neste capítulo, foi possível constatar mudanças
importantes nessa grande e diversa área geográca periférica, que abrange 368
microrregiões de 26 estados da Federação e inclui nas suas delimitações os
recortes regionais da Amazônia Legal e do Semiárido, sendo composta majori-
tariamente por pequenos aglomerados populacionais e econômicos – dos 3.363
municípios localizados nesse Agregado Territorial da PNDR, 97% têm menos de
100 mil habitantes e 92% contam com PIB abaixo de R$ 1 bilhão.
Neste início de século XXI, essa fração geográca subalternizada acumulou
crescimento consolidado acima da média nacional, de modo que assumiu maior
relevância econômica, ampliando a sua participação no PIB do país (ganho de
2,2 p.p. entre 2000 e 2018). Mas, como demonstrado, esse processo consistiu
apenas em mudança de posição relativa no conjunto da economia brasileira, sem
Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
402
|
requalicar a inserção do Agregado Territorial da PNDR nos circuitos de geração
e apropriação de excedentes organizados historicamente no Brasil.
No mesmo momento, a sub-região foi favoravelmente impactada pelo ciclo
expansivo recente da educação terciária brasileira e experimentou acelerado au-
mento das atividades de graduação presencial e de pós-graduação. Como exami-
nado na quinta seção, o crescimento da rede de IES, do total de matrículas e dos
programas acadêmicos de mestrado e doutorado situados no Agregado Territorial
da PNDR foi expressivo e teve ritmo mais intenso do que a média nacional, am-
pliando a sua importância relativa no sistema de ensino superior do país. Ademais,
essa expansão foi acompanhada pelo aumento da capilaridade da rede de IES,
cujas atividades de ensino e pesquisa ganharam maior alcance espacial: entre 2000
e 2019, a abrangência geográca da graduação presencial cresceu de 341 para 567
municípios, enquanto a da pós-graduação foi de 7 para 96 municípios.
Tais mudanças, contudo, foram insucientes para engendrar transformações
de cunho sistêmico, como sugere a trajetória da estrutura produtiva do Agregado
Territorial da PNDR, que permaneceu praticamente inalterada ao longo do período
analisado; na realidade, observaram-se até mesmo tendências regressivas: ao mesmo
tempo em que o setor industrial reduziu sua contribuição na geração do VAB local,
as atividades primárias (extrativa mineral e agropecuária) da sub-região aumentaram
sua importância relativa em escala nacional.
Pode-se dizer que as mudanças observadas nos anos recentes nessa grande
área geográca periférica caram incompletas, não sendo possível gerar encade-
amentos potentes e virtuosos que proporcionassem a emergência de um ciclo
duradouro e sustentável de transformações de ordem estrutural. Essas debilidades
e insuciências reetiram, em grande medida, os impasses na implementação da
PNDR, que segue sem conseguir se estabelecer como uma política estatal efetiva.
Traduzem também a ausência de vínculos mais densos e interações mais articu-
ladas entre a estrutura de ensino superior e as bases socioeconômicas e institu-
cionais localizadas no Agregado Territorial da PNDR; vale dizer, traduzem o não
engajamento socioespacial signicativo do sistema de ensino superior montado
nessa grande área geográca periférica.
Da análise deste capítulo, emergem, portanto, pelo menos dois desaos cru-
ciais da agenda de desenvolvimento regional brasileiro: estabelecer bases institu-
cionais e operacionais robustas para tornar a PNDR uma política estatal efetiva
e, ao mesmo tempo, acionar os meios necessários para induzir o engajamento
socioespacial signicativo das IES, tendo como eixo estruturante a superação das
demarcadas e históricas assimetrias regionais do país.
A Universidade Vai à Periferia: análise da evolução do ensino superior na
área de ação prioritária da PNDR
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Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas
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