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Transferência e contratransferência: os efeitos clínicos do observador no trabalho em grupos terapêuticos

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Abstract

Resumo O propósito deste artigo é refletir sobre os conceitos de transferência e contratransferência, articulando-os com a dimensão clínica do lugar do observador no trabalho em grupos terapêuticos. Inicialmente, será feito um percurso histórico sobre tais conceitos na psicanálise. Posteriormente, a noção de transferência será discutida como um vínculo que pode se manifestar pela via da expressão corporal e sensorialidade, enquanto a contratransferência será analisada a partir do campo da intersubjetividade. Esses aspectos serão ilustrados por duas vinhetas clínicas.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e190081
Psicologia USP, 2024, volume 35, e190081 1-10
Introdução
Pensar é um ato. Sentir é um fato.
(Clarice Lispector)
Historicamente, a formulação freudiana do
conceito de transferência transitou entre dois tempos.
Kupermann (2008) analisa que, no primeiro, inferiu-se
que o fenômeno seria um deslocamento inconsciente
de afetos de imagos primárias para a figura do
terapeuta, e que por isso se traduziria em uma
resistência ao processo terapêutico, já que, ao invés
de associar livremente, o paciente reviveria um afeto
em uma “falsa-ligação”. Em um segundo momento,
a repetição seria um instrumento para que existisse
a análise dos conteúdos recalcados e mecanismos de
defesa do ego do sujeito que se colocavam em cena.
A partir da última consideração, pode-se presumir
que, para Freud, Breuer – que viveu uma transferência
amorosa por Anna O. – provou que, sem a utilização
da transferência, como ferramenta analítica, não existe
a possibilidade de análise e que a ausência de tal
prática consiste em apenas responder, pessoalmente,
às demandas do analisando.
Em contraposição, a teoria e técnica ferencziana
e winnicottiana promovem, a partir da noção de
intersubjetividade, a mudança da ideia freudiana de
transferência para o sentido da “arte de um encontro”
que se dá em um espaço analítico, no qual podem existir
experiências nunca vividas pelo paciente. A partir da
relação terapêutica, a transferência, portanto, fomentaria
o acontecimento de eventos inéditos. Ferenczi e
Winnicott compreendiam o campo transferencial
Resumo: O propósito deste artigo é refletir sobre os conceitos de transferência e contratransferência,
articulando-os com a dimensão clínica do lugar do observador no trabalho em grupos terapêuticos.
Inicialmente, será feito um percurso histórico sobre tais conceitos na psicanálise. Posteriormente, a noção
de transferência será discutida como um vínculo que pode se manifestar pela via da expressão corporal e
sensorialidade, enquanto a contratransferência será analisada a partir do campo da intersubjetividade. Esses
aspectos serão ilustrados por duas vinhetas clínicas.
Palavras-chave: transferência, contratransferência, grupo terapêutico, observador.
1
Artigo
*Endereço para correspondência: maaysamsb@gmail.com
como um plano compartilhado, considerando que:
“é a qualidade do encontro afetivo que se estabelece entre
analista e analisando o que pode conduzir à produção
de sentidos na experiência psicanalítica” (Kupermann,
2008, p. 75). Para esses autores, a transferência não é só
rememoração (verbal ou em ato), é relação, vínculo, laço
e, primordialmente, experiência. A propósito das questões
levantadas, Lejarraga (2004) reflete sobre a ampliação do
conceito: “A transferência, mais que reedição do passado,
é concebida como um processo introjetivo e criador,
em que se mobilizam e se transmudam afetos com efeitos
transformadores” (p. 299).
Na leitura do texto de Zimerman (2007[1999]),
vemos que a transferência foi circunscrita em um lugar
de grande visibilidade e importância na psicanálise.
A contratransferência, em contrapartida, foi relegada
ao desprestígio, pois Freud se preocupava com o
risco de distorção da prática psicanalítica que alguns
profissionais poderiam fazer ao utilizar, de forma
irresponsável, essa ferramenta clínica. Por esse motivo,
o tema não teve um esquadrinhamento por parte do
autor e daqueles que seguiram seus postulados. Apesar
de Freud reconhecer que os afetos do paciente exerciam
efeitos sobre o analista, não realizou uma teorização
sobre tal questão. Ele acreditava que isso era um
problema que dizia respeito aos complexos infantis
mal analisados do terapeuta. Postulou, também, que essa
concepção não servia como uma ferramenta analítica,
pois apenas criava uma dinâmica resistencial entre a
dupla e que, portanto, deveria ser controlada para atingir
os resultados terapêuticos pretendidos.
Essa visão foi compartilhada, em certa medida,
por Klein e Lacan, na qual o analista fica em uma
posição de neutralidade diante do analisando. Ferenczi,
e mais adiante, Paula Heimann e Winnicott, utilizaram
Transferência e contratransferência: os efeitos clínicos
do observador no trabalho em grupos terapêuticos
Maysa Marianne Silva Bezerraa*
aMestra em piscologia clínica pelo IPUSP, Membro do LIPSIC - USP/PUC-SP e Sócia do CPPL, Recife, PE, Brasil.
Psicologia USP I www.scielo.br/pusp
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Maysa Marianne Silva Bezerra
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a contratransferência como ferramenta necessária à
compreensão de casos e de intervenções clínicas de
cuidado (Zambelli, Tafuri, Viana, & Lazzarini, 2013).
A perspectiva da transferência, na vertente dos
autores Freud, Klein e Lacan, endossa a neutralidade
como um conceito criado sobre os preceitos de uma
não-afetação no jogo da inter-relação analítica. Houve a
interpretação de termos freudianos sobre recomendações
técnicas, como a de que o lugar do analista deve
assemelhar-se à postura de um cirurgião ou espelho opaco
(Freud, 2006[1912]) para constituir-se a ideia imaginária
de uma posição de reserva absoluta, puramente técnica e
objetiva, desimplicada, isenta e sem a mediação de afetos.
No que diz respeito à contratransferência,
Ferenczi (1992[1928]) defendia que permanecer
sob uma posição ortodoxa, poderia gerar uma
insensibilidade do analista e se tornar um mecanismo
de defesa utilizado como negação dos afetos gerados
pelo paciente. O analista não deve, por conseguinte,
praticar uma “hipocrisia profissional” e encobrir
seus próprios sentimentos. Para lidar com eles, deve
recorrer às técnicas do “tato psicológico” e “sentir
com”, fazendo uso da sensibilidade clínica para o
manejo, escuta do conteúdo projetivo e dissolução das
resistências do analisando. Winnicott (2000[1947])
alinha-se a tal pensamento e acredita que o analista
deve admitir seus sentimentos contratransferenciais
para ajudar o paciente na constituição do seu self,
fazendo-o viver novos acontecimentos a partir do
vínculo, em que a identificação com o sofrimento alheio
e uma disncia psíquica saudável (identificando-se
sem se indiferenciar, subjetivamente, ao paciente)
estão em um lugar privilegiado.
Paula Heimann (1950) ampliou a noção de
contratransferência introduzida por Ferenczi a partir do
conceito de identificação projetiva da teoria kleiniana,
segundo o qual todos os afetos que o analista sente são
desdobramentos das projeções do analisando e, por isso,
devem ser utilizados na compreensão do inconsciente
deste. Dessa maneira, o psiquismo do analista passa a
ser ferramenta de análise por abrigar a comunicação
inconsciente e as trocas de afetos transferenciais.
Ou seja, a transferência e contratransferência devem ser
entendidas como fenômenos bilaterais, inter-relacionais,
e não apenas vistas em um nível intrapsíquico. A par tir desses
pensamentos, Green (1988) propõe que a contratransferência
deve ser utilizada, pois: “a contratransferência não se limita
mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos – ou não
analisados – do analista, capazes de falsear sua escuta;
torna-se correlato da transferência, caminhando ao seu lado,
induzindo-a às vezes, e para alguns, precedendo-a” (p. 19).
A transferência e a contratransferência eram
compreendidas como fenômenos que despontavam a
partir de uma psicopatologia neurótica em que a relação
terapêutica seria palco para a manifestação de desejos
e fantasias inconscientes por meio de um discurso
verbal. No entanto, é importante destacar que sujeitos
com diferentes formas de subjetivação nem sempre
utilizam desse recurso para transformar e expressar
seu mundo interno, não devendo ser apartados de tais
fenômenos por isso. Discussões mais recentes apontam
que a expressão corporal e o vínculo criado com o
terapeuta e o espaço são maneiras de lançar luz sobre
como esses conceitos se apresentam em subjetividades
que não se enquadram em uma neurose (Gonçalves,
Silva, Menezes, & Tonial, 2017).
Pensando na dinâmica trans e contratransferencial,
dentro de um grupo terapêutico – no qual a quantidade de
atores se multiplica se comparada ao setting tradicional –,
deve-se considerar a complexidade e intensidade
das trocas de afetos. O cruzamento de histórias da
dinâmica do grupo, dos terapeutas, de cada paciente
e da instituição é um dos diversos elementos que
perpassam os atendimentos. Nesse cenário, é incluído
mais um integrante, o observador de grupos, que
produz e recebe transferências e contratransferências.
Diante disso, o propósito deste texto é investigar e
discutir os movimentos clínicos e efeitos terapêuticos
da participação do observador no trabalho de terapia
em grupos sob a perspectiva de tais conceitos.
Metodologia
No espaço institucional, onde foram vivenciados
os atendimentos clínicos, os grupos terapêuticos são
formados por dois, ou mais, terapeutas e pacientes,
podendo existir a presença do observador - um estagiário
que é inserido no grupo para observar e tomar notas
do que se passa durante os atendimentos. É indicado
pela equipe que este seja “o mais objetivo” possível nos
elementos descritos e que, ao final das anotações, revele
suas impressões sobre os afetos que lhe foram gerados
para que sejam discutidos nos espaços de supervisão e
reunião clínica destinados à discussão dos casos.
Outra recomendação é que o observador se
posicione na sala, antes do horário de início do grupo,
em um ponto estratégico, a fim de ter uma dimensão
ampla do ambiente. Essa orientação é para que ele se torne
parte integrante do setting e se estabeleça como um ponto
de continuidade para os pacientes, assim como os outros
elementos que integram a sala. A função de observador
de grupos é considerada uma forma de inserção clínica,
ferramenta de análise e manejo das dinâmicas para a
equipe em relação aos pacientes.
O trabalho de observação ocorreu em dois grupos,
com sistemática semanal, em que os atendimentos
duravam 45 minutos, por um período de oito meses.
Ambos faziam parte da clínica institucional do Centro
de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL)
1
, setor
que inclui os casos mais graves de sofrimento psíquico,
a exemplo do autismo e da psicose. Do grupo que
1 Instituição que, entre outros serviços, oferece atendimentos de psicoterapia
em grupo. Para saber mais, acesse: http://www.cppl.com.br.
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Transferência e contratransferência: os efeitos clínicos do observador no trabalho em grupos terapêuticos
chamarei de A, faziam parte seis pacientes com idades
entre 17 e 40 anos, sendo três do sexo feminino e três
do masculino, coordenado por três terapeutas (Carla,
Francisco e Laura)
2
. O grupo B era formado por cinco
pacientes na faixa etária entre 10 e 14 anos, sendo um
do sexo feminino e quatro do masculino, coordenado
por três terapeutas (Aline, Rafael e Sandra). Nos dois
grupos em questão, ocupei o papel de observadora.
Como recorte de análise, me deterei especificamente
sobre dois pacientes, um do grupo A, que chamarei
de João, e outro do grupo B, que receberá o nome de
Pedro. Essa escolha se deu porque eles geraram afetos
transferenciais e contratransferências mais intensos,
cuja análise apresentará elucidação clínica e articulação,
mais clara, com a teoria. Vale ressaltar que os relatos,
apresentados a seguir, são de atendimentos realizados
em dias variados.
Relato dos casos
Grupo A
João tinha 17 anos. Era um jovem surdo com graves
comprometimentos psíquicos nos campos simbólico,
relacional e da linguagem. Ele permanecia, por muito
tempo da sessão, em grande angústia e excitação corporal.
Andava de um lado para o outro, pulava, balançava as
mãos e o corpo, sentava e deitava no chão, colocava suas
mãos sobre o rosto e gritava. Era dessa forma que João
comunicava seus sentimentos e pensamentos.
Era comum, nos relatos de observação, ser descrito
que João passou por mim e tocou no meu joelho, mão
ou que ele se aproximou do meu corpo. João fazia o
outro experimentar sentimentos ambivalentes: despertava
ternura e cuidado, mas também produzia medo e agonia
pela forma que se expressava. Parecia que o jovem
precisava fazer uso do tato, da sensorialidade, para que se
produzissem efeitos de organização em sua subjetividade.
O corpo de João – e a forma como se relacionava com
outros corpos e objetos – era personagem principal da
cena que ele construía no espaço, e, a partir desses atos,
o paciente falava de si mesmo em diversos sentidos.
Depois de descrever esses elementos, a seguir, trarei o
recorte de duas sessões para ilustrar o caso.
Sessão 1
João entra na sala e deixa a porta aber ta. Os terapeutas
pedem para ele fechá-la, mas o jovem não o faz. Passa e
mexe no ar-condicionado, depois bate, levemente, a mão
em mim. O terapeuta Francisco diz que João parece fazer
um reconhecimento da área e que, para isso, ele precisa
tocar nas coisas e pessoas. Em seguida, João pega um livro
de histórias infantis, senta, passa as páginas e começa a
manifestar estereotipias: bate na mesa, balança a cabeça
2 Todos os nomes de terapeutas e pacientes citados são fictícios.
e esfrega, repetidamente, a mão no rosto. Ele se levanta e
põe a mão próxima ao meu corpo, tentando, em um dado
momento, tocar na minha face. Ele fica em pé e coloca a
mão na boca. Depois disso, Francisco senta e João aproxima
seu corpo ao dele, olhando fixamente, como se quisesse
intimidá-lo e fosse dar-lhe uma cabeçada.
Sessão 2
Nessa sessão, a terapeuta Carla comenta que irei me
despedir do grupo. Diz que vou continuar na instituição,
mas que exercerei outras atividades. A terapeuta Laura
diz: “Ela não vai desaparecer, não vai morrer, só vai fazer
outros trabalhos. Pode ser que vocês encontrem com ela
na sala de espera”. Então, João pega uma boneca e fica
caminhando pela sala e toca duas vezes no meu joelho.
O paciente vem até mim, como se fosse aproximar o
seu rosto do meu, e faz o mesmo com a terapeuta Carla.
Em seguida, ele deita no chão e fica de bruços.
Grupo B
Pedro tinha 14 anos e um histórico de graves
problemas neurológicos. Sua fala e capacidade motora
tinham grandes comprometimentos. Andava com
dificuldade e precisava de ajuda nas brincadeiras
em grupo, como nos jogos de tabuleiro, em que um
terapeuta segurava a mão dele para jogar um dado na
mesa. Geralmente, não respondia quando se instalavam
comunicações do tipo pergunta-resposta. Permanecia
parado, calado e com o olhar, comumente, sobre a
terapeuta Sandra. Quando ela não estava na sessão,
prendia o olhar sobre a terapeuta Aline, o terapeuta
Rafael ou sobre mim. Alguns recortes de observação
confirmam esse fato:
Sessão 1
Pedro aponta para mim e fica me olhando por
alguns minutos seguidos. Aline diz que eu estou ali para
anotar as coisas e me apresenta para ele.
Sessão 2
Pedro olha para mim e sorri. Fica assim por muito
tempo, até eu desviar o olhar. Logo depois, a cena se repete
e o olhar se mantém fixo. Sandra disse que ele olhou como
se fosse para conferir se eu estava, realmente, lá.
Ao mesmo tempo em que era possível se prender
ao olhar de Pedro, a sensação de ser invadida surgia.
Parecia que ele não conhecia outra forma de existência.
Era como se ele se sustentasse, subjetivamente, pelo olhar,
em uma relação dual e simbiótica, muito violenta, que não
permitia a mediação de um terceiro. Foi assim durante
muito tempo, entre olhares e sorrisos, pois essa era a
forma de vínculo e comunicação que Pedro estabelecia
com o outro.
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Enquadramento clínico
Vivências como essas necessitam de um espaço
compartilhado de práticas discursivas para que ganhem
destinos elaborativos. É indispensável que experiências
tão intensas sejam transformadas, entre pares, a partir
da confluência entre a história de vida de cada paciente,
a dinâmica do grupo, e o que é produzido na posição dos
terapeutas e do observador, visto que esses pontos, quando
se unem, resultam em uma multiplicidade de repertórios.
Na instituição, há os espaços de reuniões e
supervisões clínicas, em que casos de sofrimento psíquico
muito comprometidos são discutidos para definir os
encaminhamentos mais adequados. No primeiro, um dos
profissionais coordena a discussão com os demais integrantes
da equipe e estagiários. No segundo, outro terapeuta ocupa o
lugar de supervisor e apenas os estagiários participam como
supervisionados, em que se fala sobre a experiência de ser
observador ou coterapeuta.
Ao pensar sobre a função desses dispositivos
clínicos, referencio que na teoria do pensar, elaborada
por Bion, a mãe, ao cuidar do bebê, consegue conter –
ser continente – as angústias e ansiedades que são
projetadas nela, sendo estes elementos contidos no
trabalho psíquico realizado a partir da maternagem.
Por meio da função rêverie, a mãe metaboliza para
o lactente esse “terror sem nome”, o que produz a
possibilidade de o bebê introjetar a capacidade de sentir
e pensar. Em outros termos bionianos, a mãe cumpre
a função alfa de simbolização para os elementos beta
do bebê, os conteúdos emocionais primitivos que estão
em estados brutos (Wolff, Carvalho, & Costa, 2012).
A função de continente, a função alfa e a
rêverie se entrelaçam com a potência e favorecimento
dos espaços clínicos citados. O continente apresenta a
potência de receber, transformar e devolver ao outro os
afetos, nomeando-os e significando-os. É nesses espaços
que há a possibilidade de acolhimento das demandas
e vivências dos terapeutas e observadores, para que,
na produção de narrativas entre interlocutores, com a
mediação da linguagem (uso de interpretações e análise),
as repetições sejam identificadas e os afetos sejam
deslocados, elaborados e ressignificados. Metaforicamente,
em termos winnicottianos, se exerce a função de holding,
que se refere a um ambiente facilitador, de sustentação e
integração para o que é experienciado pela transferência
e contratransferência, com vistas à favorecer um espaço
potencial e criativo (Naffah Neto, 2011).
Discussão
O campo: atravessamentos transferenciais no
grupo terapêutico
Analisar o fenômeno transferencial, a partir do
dispositivo de grupos, requer incluir diversos fatores. O intuito
aqui não será esmiuçar e esgotar todas as possibilidades
de análises das variáveis dos grupos em questão, mas
sim, apresentar elementos essenciais, que não devem ser
suprimidos do olhar teórico-clínico do texto. Apesar de não
ser fruto de uma pesquisa formal (lato sensu ou stricto sensu),
a teorização deste artigo foi mobilizada pelas inquietações
vividas no trabalho clínico de grupos a partir da experiência
da autora como observadora.
Isso posto, destaco que Zimerman (1993) faz
um breve apanhado sobre a transferência nos grupos
terapêuticos e descreve que o fenômeno ocorre em
níveis simultâneos, no qual um deles pode prevalecer
sobre o outro, a depender da circunstância. Elencarei
os três níveis que considero essenciais para a discussão:
o primeiro se refere a cada participante frente à figura
central do terapeuta, por meio de uma transferência
parental; o segundo trata da dimensão transferencial
do grupo como unidade e objeto total – o que seria
a transferência grupal; e o terceiro se caracteriza
como transferência de cada um em relação ao outro –
denominada de transferência fraternal. O autor
ainda menciona que os movimentos da transferência
dependerão do manejo clínico dos terapeutas e do tempo
psíquico que o grupo vive.
Sobre a transferência parental com os terapeutas,
cada paciente se dirigia com atos ou palavras de forma
muito peculiar. No grupo A, João privilegiava a relação
corporal com o terapeuta Francisco, enquanto Pedro
se prendia mais ao olhar da terapeuta Sandra, ambos
terapeutas mais velhos nos grupos. A transferência
grupal, por João, expressava-se negativamente, quando
resistia a entrar no grupo e positivamente, quando
chegava com certa animação. Pedro nunca apresentou
resistências, sempre foi um dos primeiros a entrar,
mas parecia, muitas vezes, em uma posição passiva
e estar apenas sendo conduzido para aquele espaço.
A transferência fraternal de João era expressa ao tocar
nos colegas, o que despertava incômodo ou medo.
Em alguns momentos, João se comunicava com o olhar
enquanto sorria para os demais participantes, sendo
respondido da mesma forma. Pedro, muitas vezes,
despertava impaciência ou indiferença nos outros,
tanto pela sua demora em entender e se integrar às
brincadeiras, quanto pelo seu apagamento dentro do
grupo. Em outras situações, parecia ser cuidado, pela
sua condição mais frágil.
A respeito da contratransferência nos grupos,
Castanho (2012) considera a contratransferência fraterna
um elemento de discussão em que os psiquismos dos
membros do grupo exercem influência uns sobre os
outros e sobre o próprio grupo, como unidade, o que
promove a elaboração de fantasias inconscientes comuns
e compartilhadas. Outro ponto abordado pelo autor
trata-se da contratransferência dos terapeutas com o grupo.
A depender da regressão, dos elementos arcaicos, do lugar
imaginário dos analistas e das diversas transferências postas
sobre eles, o grupo pode produzir um sentimento de cansaço
nos profissionais. Se nele existir mais de um terapeuta,
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Transferência e contratransferência: os efeitos clínicos do observador no trabalho em grupos terapêuticos
a contratransferência divide-se e cada um tende a se sentir
de uma forma diferente e cindida entre aspectos bons
e maus, em relação aos pacientes. Assim, com mais de
um terapeuta, há mais possibilidades de identificações
e elementos que fisguem, inconscientemente, cada um
deles. O autor ainda comenta sobre a contratransferência
da instituição e/ou equipe sobre o grupo, aspecto sobre o
qual não vou me deter.
Como visto, nos casos apresentados, os pacientes
tinham um sentido de continuidade da existência pela
sensorialidade (olhar e tato) e se mantinham vivos
contratransferencialmente na mente do observador,
enquanto, para os terapeutas, a dinâmica era de
desinvestimento, esquecimento, hostilidade e desistência
em relação a eles, o que se articula com o sentimento
de cansaço despertado nos terapeutas, especialmente,
quando o grupo apresenta um funcionamento
mais regredido do psiquismo. Os sentimentos dos
terapeutas em relação ao grupo, e a João e Pedro,
alternavam-se constantemente, em um revezamento
de transferência negativa, para que, ao menos um,
se mantivesse minimamente vitalizado e disponível
para a prática clínica.
João e Pedro apresentavam as condições psíquicas
mais graves em cada conjunto e quem se disponibilizasse
a cuidá-los teria que emprestar sua subjetividade de forma
muito intensa, correndo o risco de acessar angústias
primitivas, o que, conscientemente ou não, gerava grande
resistência por parte dos terapeutas, observador e, inclusive,
dos demais pacientes. Essa resistência da contratransferência
fraterna se expressava, com o paciente João, por exemplo,
quando ele começava a gritar, fazendo com que os colegas
tapassem os ouvidos ou gritassem também, deixando todos
agitados. Já Pedro, despertava impaciência. Na hora de
brincar com os jogos de tabuleiro, os demais jovens sugeriam
aos terapeutas que ele não participasse ou proferiam frases
como: “Que demora! Joga!”, pela dificuldade que Pedro
tinha de entender o jogo e manusear o dado. Algumas
vezes, ele fixava o olhar em alguém e prendia o dado com
a mão, o que causava mais hostilidade. Depois de discutir
sobre os diferentes tipos de transferências nas dinâmicas
dos grupos terapêuticos, agora vou focar em uma delas:
a transferência entre o observador e o paciente.
A dupla: o vínculo transferencial entre
observador-paciente
O observador não é menos capturado que os
terapeutas pela transferência e contratransferência no
trabalho em grupo. Precipitadamente, pode-se considerar
que essa é uma função neutra, mas, ao mesmo tempo
que está fora, o observador permanece dentro de uma
dinâmica clínica, um lugar transicional. Por isso, tudo
o que se apresenta no setting deve se tornar material de
análise, inclusive os elementos que surgem a partir da
presença física do observador. Caron, Lopes, Steibel
e Donelli (2016), ao teorizarem sobre o método Bick
de observação, trazem a importância de o observador
estar em uma postura receptiva e viver a experiência
sem interferência de conhecimentos prévios, levando
em consideração uma atenção flutuante. Consideram,
inclusive, a posição do observador solitária e sensorial,
mas ao mesmo tempo, favorável à instauração de
projeções, e, consequentemente, da transferência.
Enquanto observador, o sujeito se torna suscetível
a repetir, transferencialmente, a dinâmica do grupo nos
seguintes pontos: nos afetos dos terapeutas e/ou familiares
em relação aos pacientes, no que os outros participantes
do grupo sentem sobre determinado paciente, no que
os próprios pacientes sentem, mas que não conseguem
expressar, ou no que é gerado nos pacientes pela presença
do observador, como identificações, mecanismos de
defesas, angústias e ansiedades.
Considerando que o observador encontra-se
suscetível a construir relações transferenciais, mesmo
em uma posição de “não-interferência”, ressalto os
estudos de Safra (2005[1999]) para a compreensão dessa
questão. O autor trata da transferência correlacionando-a
à sensorialidade e considera esse conceito fora do prisma
dialógico entre discurso verbal e interpretação, pois
o paciente, mesmo com uma condição regredida do
funcionamento psíquico, pode apresentar seu self pela
via sensorial. Essa dimensão se dá na transferência,
sendo possível que o sujeito se subjetive e tenha efeitos
na constituição, organização e continuidade do seu eu.
Assim, a dimensão não-verbal correlaciona-se com a
instauração, sustentação e manejo da transferência por
ter o caráter de linguagem e discurso, mesmo não-textual,
e, para isso, o analista deve estar disponível e implicado
enquanto uma presença corporal para se deixar ser
afetado, clinicamente, pelo outro. O autor discorre que:
“fundamental que o analista possa acompanhar tanto
vivências psíquicas que se expressam pela linguagem
discursiva, quanto aquelas que emergem, por meio de
símbolos estéticos, como símbolos do self, articulados
plasticamente no campo sensorial” (p. 29-30).
Ao invés de utilizar a fala, João tomava o corpo
como protagonista da cena clínica, enquanto Pedro
fazia isso com o olhar. A expressão sensorial era uma
forma de eles serem e estarem no mundo e, ao fazer
da presença corporal componente ativo do setting,
os pacientes transmitiam seus conteúdos internos. Tanto
para João quanto para Pedro, as palavras, na relação com o
outro, eram substituídas pela dimensão da sensorialidade,
órgãos do sentido como o tato e a visão, respectivamente.
Formas consideradas mais arcaicas de comunicação, mas,
ao mesmo tempo, tão complexas e com a capacidade
de transmissão de um mundo interno rico. A exemplo
dessa questão, na análise de um caso, Januário (2008)
aponta a transferência demonstrada pelo olhar e corpo do
paciente, que utilizava tais aspectos como uma forma de
se sustentar subjetivamente no outro, na cena analítica.
Para a autora, o sentir-se atraído pelo olhar seria um estado
prévio para que o processo de simbolização ocorresse.
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Se entendermos o ego como uma projeção mental
da superfície do corpo (Freud, 1990[1923]), podemos
compreender que, inclusive na constituição do eu,
a sensorialidade ocupa um lugar central. Em ambos os
casos clínicos apresentados, havia a tentativa de uma
integração egoica, a partir do contato sensorial com
um não-eu, pela figura do observador. Dessa forma,
a constituição psíquica estaria atrelada ao campo sensorial
e suas múltiplas possibilidades de experiências.
Nesse viés, Winnicott (1996[1968]) afirma que,
para existir a comunicação interpessoal, não é preciso
que ela aconteça apenas no nível verbal, mas também em
uma dimensão não-verbal que a antecede quando se trata
do amadurecimento emocional. Por exemplo, a relação do
bebê com a mãe não se dá, necessariamente, com o uso da
linguagem verbal. Pois, por meio do olhar, toque, respiração,
entre outras expressões, há uma capacidade de identificação
e mutualidade silenciosa, por parte do cuidador, de se adaptar
às necessidades do lactente, de intuir o que está se passando
no mundo interno da criança, proporcionando o sentimento
de confiança para a construção de um si mesmo. Ou seja,
o corpo e o que se dá em relação às expressões corporais são
motes para o estabelecimento de representações que contêm
sentidos, de um vínculo identificatório e transmissão de
afetos entre as partes envolvidas.
Os elementos de identificação e mutualidade eram
traços que tinham espaço na relação observador-paciente.
As identificações mútuas serviam como bases para a
transferência: o observador não fala, não realiza demandas,
não interage, assim como Pedro e João permaneciam em
muitos momentos. A transferência possui, então, um
campo que favorece a sua instalação e comunicação de
conteúdos subjetivos do paciente. Esses conteúdos podem
ser decodificados pelo observador, através dos sentimentos
e ideias que são desenvolvidos nele mesmo.
A partir da predominância de comunicações
não-verbais e sensoriais, na análise de pacientes muito
regredidos, Dolto (2013[1985]) afirma que o analista
pode experimentar sentimentos de solidão e impotência.
No encontro com João e Pedro, estive sincronizada com
tais afetos. Pude experimentar sensações de abandono,
de não-cuidado, de desesperança e grande aflição.
O que esses sentimentos, que habitavam em mim
contratransferencialmente, falavam sobre a condição
dos pacientes e a dinâmica inconsciente que eles
provocavam nos grupos?
Para tratar disso, vamos resgatar o já citado
conceito de identificação projetiva, que é um mecanismo
de defesa primitivo e pode ser considerado como uma
ampliação da noção de contratransferência pelo seu
caráter comunicativo. A sua definição revela que,
ao se encontrar na posição esquizoparanoide, o ego
do sujeito, frente à angústias e ansiedades, utiliza
intrapsiquicamente a cisão de suas partes, expelindo-as,
projetivamente, para dentro do objeto. Este, por sua vez,
se vê invadido por esses conteúdos, enquanto o self
daquele que projeta se empobrece, pois é estabelecida
uma indistinção nas fronteiras existentes entre eu e
outro. A identificação projetiva não tem só o caráter de
comprometer o desenvolvimento emocional do indivíduo
que a produz, mas pode se apresentar, naquele que a
recebe, por meio da empatia, uma perspectiva vitalista
e benéfica do conceito (Cavallari, & Moscheta, 2007).
Bion (1991[1959]) sobreleva esse traço da
identificação projetiva e amplia o aspecto da comunicação
e ligação intersubjetiva existente nesse mecanismo. Nessa
visão, a mãe (analista-observador) se torna receptor das
projeções que o bebê (paciente) produz, oferecendo
sentido aos seus intoleráveis objetos internos. A tarefa
clínica contratransferencial seria de o analista se tornar
continente, ao acolher, processar, elaborar e transformar
os elementos (pensamentos e emoções) gerados em si,
traduzindo e devolvendo-os, a partir de um campo
simbólico, com o objetivo de oferecer a integração e
assimilação das partes cindidas do ego do paciente.
Por isso, o que surge no observador, a partir da relação
transferencial, deve ser tomado como instrumento clínico
de análise, pois há a experiência do objeto de sentir aquilo
que o sujeito vive em si mesmo.
João e Pedro construíram um laço transferencial,
através da sensorialidade, para que fosse produzida,
contratransferencialmente, uma comunicação com o
observador. A partir dessa transmissão e do que lhe é
comunicado inconscientemente, o observador utiliza o
seu inconsciente como ferramenta de análise clínica.
O que se recebe a partir da identificação projetiva pode
servir como uma bússola para o exercício da empatia
ou de construções e interpretações, em que “aquilo
que o terapeuta sente é o que o paciente o fez sentir”
(Zimerman, 1993, p. 164).
O observador deve ser, subjetivamente, capaz de
receber e suportar os estados mentais que o paciente
transfere e de estar sintônico e empático para que a
leitura analítica dos conteúdos seja feita a partir das
suas reações emotivas. O que compete ao observador
é o lugar de analista não-intérprete (Tafuri, 2003), uma
posição que considera que o “estar com” o paciente não
requer, necessariamente, o uso da palavra, existindo uma
dimensão não-intrusiva de se estar disponível para o
outro. Nesse cenário, Fontes (2006) postula: “se o analista
encontra seu lugar de recepção sensório-cinestésica,
o paciente poderá comunicar seus signos sensoriais
e tentar transmitir suas vivências de intimidade e de
estranheza” (p.115).
Ao ser depositário do conteúdo das identificações
projetivas do paciente, o observador é capaz de expressar
e analisar o que foi despertado na sua mente, entre pares,
dentro dos espaços de reunião e supervisão clínica.
Esses elementos se manifestarão por meio dos terapeutas,
nos atendimentos clínicos, que devolverão os conteúdos
ao paciente na tentativa deste se beneficiar com o que foi
elaborado nos espaços de análise, ao oferecer sentido e
integração para as partes do self que foram colocadas,
defensivamente, para dentro do observador.
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Transferência e contratransferência: os efeitos clínicos do observador no trabalho em grupos terapêuticos
Para Lam, Silveira e Silveira (2008), “Os
observadores, ao mesmo tempo em que são depositários
de transferências dos pacientes, estão em contato
com suas contratransferências, e precisam continuar
silenciosos, sendo continente do grupo e de si” (p. 52).
Assim, inicialmente, o observador se posiciona
como continente dos afetos do paciente. Em seguida,
os espaços de discussão clínica acolhem os elementos
trazidos por ele e se colocam na posição de continente
para o observador e terapeutas do grupo e esses
últimos para os pacientes, com o objetivo de realizar
uma contínua construção coletiva de elaborações
provenientes do interlúdio entre a transferência e
contratransferência vivenciadas.
Sonhar e elaborar: uma experiência onírica da
contratransferência
Ontem eu tive esse sonho
Nele encontrava com você
Não sei se sonhava o meu sonho
Ou se o sonho que eu sonhava era seu
(Nação Zumbi)
Uma das facetas da contratransferência pode ser
apresentada quando o analista sonha com o paciente.
No trabalho de observação, produzi um sonho em
que João estava machucado e atordoado, buscando
alguém que pudesse ajudá-lo. Enquanto via a cena,
me angustiava e tentava buscar socorro, sem obter
sucesso. Permaneci sozinha com João naquele estado
e com a sensação de não conseguir o amparar. Ou seja,
o que era vivido no grupo se repetiu, metaforicamente,
no sonho, em que eu observava João sem poder fazer
nada, assim como no setting terapêutico, juntamente
com sentimentos de solidão e de abandono que o paciente
despertava em mim pela via da identificação projetiva.
Portanto, qual seria o papel do material psíquico do
sonho do observador na análise da transferência e
contratransferência no setting terapêutico grupal?
Para pensar sobre esse questionamento, vamos
primeiramente utilizar as considerações de Gurfinkel
(2011), no qual reflete sobre a possibilidade dos
sonhos contratransferenciais do analista produzirem
associações analíticas com pacientes e difere os de
transferência dos de contratransferência. O primeiro
considera o trabalho onírico do paciente na sua relação
com o analista. Já o segundo, vai no sentido oposto,
são os sonhos do analista nos quais os pacientes se fazem
presentes de forma direta ou não.
Já Klautau e Winograd (2013) criaram a
noção de “sonhar com” por meio do parâmetro e
complementariedade que os autores acreditam que essa
construção tenha com o “sentir com”, ideia extraída da
teoria ferencziana. As duas elaborações expressam a
abertura sintônica e empática do analista de receber o
conteúdo não-verbal afetivo que advém do outro, pois o
sonho requer o uso da mente do analista como ferramenta
de simbolização para elementos em estado bruto.
Outra perspectiva é a de Valente (2019) que descreve
a experiência do sonhar com participantes de grupos
clínicos a partir de uma matriz relacional, pois o conteúdo
pode comunicar sobre elementos inconscientes e primitivos
com aquele que foi sonhado: “O sonho manifesto como que
ilumina o caminho, orienta o rumo sendo um indicador
dos processos da transferência e da contratransferência
integrados pela identificação projetiva, para além,
de também poder ser uma simples forma de comunicar –
o sonho objeto” (p.72).
O sonho pode ser uma modalidade de expressão
do campo intersubjetivo estabelecido entre sujeito e
objeto e pode esclarecer o movimento transferencial da
dupla analítica pelo acesso que o material onírico oferece
de estados mentais do paciente que não foram acessados
e/ou elaborados. Botella (2012) aposta no sonho como
um processo que pode auxiliar no entendimento daquilo
que acontece no encontro consciente-inconsciente da
relação analítica. Outro autor relevante é Kaës (2003),
que assinala a dimensão compartilhada do sonho e
constrói a ideia de que nele há polifonia de espaços,
tempos, significados e vozes, devendo ser visto fora de
um campo isolado e fechado:
A concepção de um espaço comum e compartilhado
entre vários sujeitos, bem como a de um espaço
onírico parcialmente aberto à presença do outro
dentro da psique do sonhador, deve ser colocada em
tensão, e não em oposição, à abordagem clássica do
sonho dentro de um quadro de cura. (p. 4-6)
Além disso, para Zanetti e Guimarães (2014),
“destaca-se um possível aspecto do sonhador: a do
porta-sonhos, que pode exercer a função de sonhar por
um outro, já que ambos se cruzam dentro do espaço
onírico comum e parcialmente compartilhado no
setting” (p. 81-82). A função de ser a "incubadora"
de sonhos para o outro pode também ser vista em
Ogden (2010), quando postula que o paciente pode
tomar, como empréstimo, a mente do terapeuta para
sonhar seus sonhos não sonhados e interrompidos,
o que se traduz na possibilidade de associar, simbolizar
e elaborar experiências psiquicamente, visto que uma
subjetividade com dificuldades pode ter a capacidade
simbólica perdida. Se o terapeuta se permitir ser
afetado e modulado pelas comunicações afetivas que o
paciente desperta, estará se defrontando com um valioso
conteúdo interno, que se expressará por sentimentos
vividos e construídos a partir do terceiro analítico
(campo da intersubjetivamente inconsciente) no vínculo
transferencial-terapêutico (Ogden, 1982). Assim, seja na
análise da identificação projetiva por devaneios diurnos
com base inconsciente, seja pelo trabalho dos sonhos na
vida noturna, a análise deve incidir sobre os processos
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que mobilizam o analista contratransferencialmente,
ou no caso tratado, sobre o observador.
Considerações nais
Se inicialmente, na história da psicanálise,
as emoções e afetos do analista eram dificultadores
do processo terapêutico, hoje são tomados como um
instrumento clínico primordial para a condução do
tratamento. Nesse sentido, a partir das vivências dos casos
clínicos, vê-se que o saber do observador não deve ser
ignorado, pois este comporta aspectos imprescindíveis
que atravessam a dinâmica dos pacientes e do grupo.
O ideal de neutralidade na análise é desmistificado a
partir dessa prática, pois evidencia que o inconsciente
e a subjetividade do analista-observador continuam
fazendo parte da cena clínica, mesmo em uma posição
assimétrica frente ao analisando.
Isso acontece em razão do dispositivo do grupo
terapêutico abarcar a dimensão de transferências cruzadas
(Barros, 2015), pois, nesse espaço, há múltiplas formas
do campo transferencial se manifestar. A transferência
do paciente pode se entrelaçar com a instituição,
o grupo em si, com os terapeutas, outros participantes,
e, inclusive, com o observador. No que compete à
contratransferência do observador, pode se dar a partir
dos mesmos componentes citados, mas o artigo se deteve
na relação deste com os pacientes.
O enquadramento do método de observação
estabelecido no espaço terapêutico considera a
presença corporal do observador, como produtor
de análises clínicas e efeitos subjetivos, com base
em uma comunicação não-verbal e sensorial que é
estabelecida com os pacientes pela via da transferência
e contratransferência. Com isso, o observador
possibilita a criação de uma identificação mútua
com casos que apresentam uma dimensão mais
regredida do desenvolvimento emocional, como
vimos nos relatos clínicos. Para quem experimenta
esse exercício profissional, há, primordialmente,
o desdobramento em ganhos no ato de expandir e refinar
a escuta clínica, visto que há a contínua prática de
ser uma presença sensível e disponível para o outro,
vivenciando uma posição de ser objeto e sujeito de
reações afetivas, corporais e imaginárias, traduzindo
para o paciente, através da função continente, conteúdos
primitivos de ordem não-verbal.
As perspectivas do observador como parte
do setting, o não-verbal como analisável, o afeto
contratransferencial como um dos protagonistas na
análise e a incidência do campo da intersubjetividade
fazem parte de um olhar não-tradicional da psicanálise,
mas com ganhos enriquecedores e relevantes na práxis
analítica. Importante destacar que a condição subjetiva
de ambos os grupos apresentados era não-típica/não-
neurótica e, se a identidade do grupo se apresentasse com
uma distinta configuração psíquica, talvez não fossem
essas as formulações e os conceitos utilizados que se
encaixassem de forma mais adequada.
Por fim, destaco que o trabalho institucional
permite que uma rede terapêutica se crie, em que
diversos atores sejam ativos, assumindo o observador o
papel potente de diluir a transferência maciça advinda
de casos de sofrimento psíquico graves pela sua
capacidade de receber, identificar e analisar os afetos
repercutidos em si, mas que retratam o mundo interno
dos próprios pacientes, promovendo mudanças nos
estados e cruzamentos trans e contratransferenciais
na dinâmica dos grupos. O norte ético da equipe
utiliza de dispositivos como a observação nos grupos,
reunião e supervisão clínica para a produção de
cuidado da subjetividade entre pares, numa dimensão
institucional, tornando-se um solo fértil para germinar
a criatividade clínica.
Transference and countertransference: the observer’s clinical eects in therapeutic groups
Abstract: This paper reects on the concepts of transference and countertransference in articulation with the clinical dimension
of the observer’s place in therapeutic groups. After a brief historical overview of these concepts in psychoanalysis, the notion
of transference is discussed as a link that can manifest itself via bodily and sensorially. Countertransference, in turn, will be
analyzed based on intersubjectivity. These aspects will be illustrated by two clinical vignettes.
Keywords: transference, countertransference, therapeutic group, observer.
Transfert et contre-transfert: les eets cliniques de l’observateur dans les groupes thérapeutiques
Résumé: Cet article reflète aux concepts de transfert et de contre-transfert en articulation avec la dimension clinique de
la place de l’observateur dans les groupes thérapeutiques. D’après un aperçu historique de ces concepts en psychanalyse,
on discute la notion de transfert en tant que lien qui peut se manifester par l’expression corporelle et la sensorialité.
Le contre-transfert, à son tour, sera analysé à partir du domaine de l’intersubjectivité. Ces aspects seront illustrés par deux
vignettes cliniques.
Mots-clés: transfert, contre-transfert, groupe thérapeutique, observateur.
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Transferência e contratransferência: os efeitos clínicos do observador no trabalho em grupos terapêuticos
Transferencia y contratransferencia: los efectos clínicos del observador en el trabajo con grupos terapéuticos
Resumen: El propósito de este artículo es reexionar sobre los conceptos de transferencia y contratransferencia articulándolos
con la dimensión clínica del lugar del observador en el trabajo con grupos terapéuticos. Inicialmente, se hará un recorrido
histórico sobre tales conceptos en el psicoanálisis. Posteriormente, la noción de transferencia será discutida como vínculo que
puede manifestarse por la expresión corporal y la sensorialidad, mientras que la contratransferencia será analizada a partir del
campo de la intersubjetividad. Estos aspectos serán ilustrados por dos viñetas clínicas.
Palabras clave: transferencia, contratransferencia, grupo terapéutico, observador.
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Recebido: 13/06/2022
Aprovado: 14/03/2023
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Article
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Este trabalho discute alguns desafios no percurso do observador ao longo dos três momentos do método Bick de observação (observação, relato da observação e supervisão em grupo), com ênfase especial na escrita. Um dos maiores desafios da escrita, neste contexto, é o de transmitir uma experiência que foi vivida predominantemente de forma sensorial e solitária. Neste contexto, o observador se vê exposto a uma série de sensações que emergem novamente no momento do relato, as quais são compartilhadas com o grupo de supervisão. Cabe ressaltar que o desafio da escrita se interpõe, no método Bick, durante todo o percurso do observador e é especialmente inquietante quando essa escrita se faz necessária para publicação.
Article
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Resumo: Os sonhos traumáticos geralmente possuem o mesmo conteúdo e são recorrentes, trazendo de volta acontecimentos que estão dissociados no psiquismo. Isolados, os conteúdos não integrados ao ego encontram, por meio da produção onírica, acesso à consciência. O objetivo deste artigo é sustentar a ideia de que a função do analista consiste em construir, junto com o paciente, um campo trans-ferencial-contratransferencial capaz de propiciar o sonhar analítico. Com o propósito de susten-tar esta ideia, examinaremos as noções de tato psicológico (FerenCzI, 1928), de construções em análise (FreuD, 1937), de contratransferência (HeImann, 1960), de regressão (WInnICOtt, 1954), de terceiro analítico (OgDen, 1996) e de espaço potencial (WInnICOtt, 1967). Palavras-chave: Sonhos traumáticos, construções em análise, contratransferência, regressão, terceiro analítico. Abstract: Traumatic dreams usually have the same content and are recurrent, thus bringing back events that are dissociated in the psyche. On an isolated basis, the content not integrated with the ego gain access to the conscience through dreaming production. The objective of this article is to support the idea that the analyst's function is to create with the patient a transference and counter-transference field in which analytic dreaming can be produced. In order to support this idea, concepts such as psychological tact (FerenczI, 1928), constructions in analysis (Freud, 1937), counter-transference (HeIMann, 1960), regression (WInnIcOTT, 1954), analytic-third (Ogden, 1996) and potential space (WInnIcOTT, 1967) will be examined.
Article
Speak of dreams, of dreaming, is something that is intrinsically linked to group analysis and to the process of maturation and growth of each one of the elements of the group. The purpose of group analysis is to recreate these people through a renewed growth that allows harmonious relationships to be possible. In this process something that can be of great help for the success of group analysis are the epiphanic moments (dreams). The clarification of these moments can show, indicate the way, the course, the place where we are. The manifest dream illuminates the path, guides the course being an indicator of the processes of transference and countertransference integrated by the projective identification, in addition, also seems to be a simple way to communicate - dream object.
Article
The article stresses the importance of the body in the origin of the psyche. This fact creates the necessity to revise the notion of body in psychoanalytic theory. The sensorial dimension gains a new dimension through the analysis of the freudien text “The ego and the id”. The contribution of two psychoanalysts F. Tustin and G Haag also highlights the sensorial aspect of the earlier psychic constitution. The transference phenomenon gains a special place because it retrieves sensible impressions. The inclusion of listening of the patient’s sensible body is the relevant factor in the attendance of the psychopathologies related to ego’s weak construction as addictive personalities, borderlines, psychosomatic illness and depressive states.
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This article is an introduction to the analysis of the oneiric experience when the relation between the dreamers and their dreams is crossed by other dreamers’ dreams. Using Freud’s metaphor, the author assumes that there are two navels of the dream: one anchored to the psychosomatic, and the other to the interpsychic mycelium. Both are based on the “unknown” where the dreams come from. From this point of view come the notions of the common and shared oneiric space, as well as the polyphony of the dream. They are put to the proof in different psychoanalytical ways: the neurotic and the borderline or psychotic’s individual healing, the group, the couple and the family.
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The main purpose of this article is to reflect the importance of the observation of the psychoanalytic-based therapeutic group as a training tool for new psychotherapists. This reflection is developed by tracking and studying the transference movements that involve trainers-observers. The observation produces a great emotional impact on the trainees, at the same time it stimulates their ability to become more affective and promotes the development of the full potential of containment and apprehension of the psychic aspects.
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Through a historico-critical analysis of the conceptions of transference presented in the writings of S. Freud, S. Ferenczi and D. W. Winnicott, we intend to show that the clinical style developed by these authors cannot be dissociated from the context in which they practice psychoanalysis, especially in regard to the forms of psychic suffering which are predominant in it. Taking neurosis as the predominant clinical structure, Freud conceives transference as the up-dating of childish unconscious complexes of the patients, their handling to be ruled by the principle of abstinence and the interpretation of the resistance and the repressed. Sándor Ferenczi and D. W. Winnicott, on the other hand, treated traumatized patients whose subjectivity was severely damaged, basing their clinical style on regression to the dependence and on playing together. They thus established that it is the quality of the affectionate encounter between the analyst and the patient which leads to sense in the psychoanalytical experience.
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This work aims at considering the unconscious communication among the participants and the therapist of a psychotherapeutic group. It is specially focused on drawing a brief account of the most relevant psychoanalytical theoretical considerations on the concept of projective identification and illustrate the discussion with a group session vignette. First, the authors focus on the formulation of the projective identification concept within Kleinian theory about the psychological development and stress its defensive function. Bion’s contributions are presented, and allows to comprehend the concept as a primitive way of communication. A group session vignette is presented to discuss the concept and to illustrate either its defensive use, once it impairs the therapist’s analytic function, and its communicational use. Finally, it is discussed the importance of investing in the therapist’s training, particularly in personal analysis and supervision, as a mean of developing and preserving its analytical skills.
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Based on contemporary psychoanalytic perspectives, the article reports how psychologists can benefit from their own psychic material, such as a dream. This article depicts an experience of a supervisor who, after having given supervision, had a dream that relates to a case taken by one of the interns. Based on authors like Bion, Ogden and Kaës, this dream is analyzed and understood as content provided from an interpsychic space developed on sessions, and later on supervision. It was concluded that whatever the analyst or, in this case, the supervisor, feels, perceives, dreams and thinks, when properly analyzed, might be enlightening for comprehending a clinical case.