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Revista EDICIC, San José (Costa Rica), v.2, n.2, p.1-13, 2022. ISSN: 2236-5753
NÃO-USUÁRIO DE INFORMAÇÃO COMO IMPLICADO(R): DESAFIOS
PRAXIOLÓGICOS PARA PESQUISA, FORMAÇÃO E PRÁTICA PROFISSIONAL
Rodrigo Rabello, Universidade de Brasília (UnB), https://orcid.org/0000-0001-7217-1608
Oswaldo Francisco de Almeida Junior, Universidade Estadual Paulista (Unesp),
https://orcid.org/0000-0003-3629-7435
RESUMO
Considerando as limitações do conceito de “usuário de informação”, objetiva-se suscitar reflexões
sobre desafios teórico-conceituais – e aplicados – no âmbito da pesquisa, do ensino e da prática
profissional em unidades e entidades de mediação da informação, tendo em vista o “não-usuário”
como implicado(r) na/da ação de mediação. Para tanto, emprega-se, heuristicamente, a diferenciação
de paradigmas da ciência dominante e emergente, bem como a distinção dos paradigmas da
informação. Complementarmente se utilizou das categorias “implicador(es)” e “implicado(s)” para
situar os sujeitos em ação. Para a descrição do diagnóstico teórico foram trabalhados os conceitos
“usuário”, “sujeito” e “não-usuário” de informação em contextos de “mediação”, onde se inserem,
como proposta, o emprego de praxiologias “receptivas” no bojo da atuação de pesquisadores, de
docentes e de profissionais “contemporâneos” à área de informação. Defende-se, ao final, alternativas
praxiológicas por meio da realização de “estudos de usuário e não-usuário”, de modo que se possa
efetivar “estudos de informação e comunidade”.
Palavras-Chave: Usuário de Informação; Não-Usuário de Informação; Mediação de Informação;
Praxiologia; Pesquisa; Formação e Prática Profissional.
NO USUARIO DE LA INFORMACIÓN COMO IMPLICADO(R): RETOS PRAXEOLÓGICOS PARA LA
INVESTIGACIÓN, LA FORMACIÓN Y LA PRÁCTICA PROFESIONAL
RESUMEN
Teniendo en cuenta las limitaciones del concepto de "usuario de la información", el objetivo es
plantear reflexiones sobre los retos teóricos y conceptuales - y aplicados - en el contexto de la
investigación, la docencia y la práctica profesional en las unidades y entidades de mediación
informativa, considerando al "no usuario" como implicado(r) en la acción de mediación. Para ello, se
utiliza, heurísticamente, la diferenciación de paradigmas de la ciencia dominante y emergente, así
como la distinción de paradigmas de la información. Además, se utilizaron las categorías
"implicador(es)" e "implicado(s)" para situar a los sujetos en la acción. Para la descripción del
diagnóstico teórico se trabajaron los conceptos de "usuario", "sujeto" y "no usuario" de la información
en contextos de "mediación", donde se inserta, como propuesta, el empleo de praxiologías
"receptivas" en el contexto de la actuación de investigadores, docentes y profesionales
"contemporáneos" en el área de la información. Se defienden, al final, alternativas praxeológicas a
través de la realización de "estudios de usuarios y no usuarios", para que se puedan realizar "estudios
de información y comunidad".
Palabras-Clave: Usuario de la Información; No Usuario de la Información; Mediación de la Información;
Praxiología; Investigación; Formación y Práctica Profesional.
NON-USER OF INFORMATION AS IMPLICATED(TOR): PRAXEOLOGICAL CHALLENGES FOR RESEARCH,
TRAINING AND PROFESSIONAL PRACTICE
Revista EDICIC, San José (Costa Rica), v.2, n.2, p.1-13, 2022. ISSN: 2236-5753
ABSTRACT
Considering the limitations of the concept of "information user", we aim to raise reflections on
theoretical and conceptual challenges - and applied - in the scope of research, teaching and
professional practice in units and entities of information mediation, considering the "non-user" as
implicated in the mediation action. To do so, it is used, heuristically, the differentiation of paradigms
of dominant and emerging science, as well as the distinction of paradigms of information.
Complementarily, the categories "implicator(s)" and "implicated(s)" were used to situate the subjects
in action. For the description of the theoretical diagnosis the concepts of "user", "subject" and "non-
user" of information in contexts of "mediation" were worked on, where the use of "receptive"
praxiologies in the context of the performance of researchers, professors and "contemporary"
professionals in the area of information are inserted as a proposal. In the end, it is defended
praxeological alternatives by means of "user and non-user studies", so that "information and
community studies" can be carried out.
Keywords: Information User; Information Non-User; Information Mediation; Praxiology; Research;
Training and Professional Practice.
1 INTRODUÇÃO
Objetiva-se suscitar reflexões sobre
desafios teórico-conceituais – e aplicados – no
âmbito da pesquisa, do ensino e da prática
profissional em unidades e entidades de
mediação da informação, tendo em vista o
“não-usuário” como implicado(r) na/da ação de
mediação.
Considera-se as limitações de um dos
conceitos consolidados na literatura da área de
informação, o qual remete a quem utiliza a
informação e que direciona os estudos de uma
subárea, ou seja, o “usuário de informação”.
Defende-se, ao final, alternativas
praxiológicas por meio da realização de
“estudos de usuário e não-usuário”, de modo
que se possa efetivar “estudos de informação e
comunidade”.
O texto apresenta direcionamentos dos
horizontes interpretativos e do marco teórico
da pesquisa, momento em que se debate,
brevemente, a ciência e suas implicações, bem
como se discute usuário, sujeito e não-usuário
como implicados. Em seguida foram
apresentados desafios para pesquisa, formação
e prática profissional, situando usuário e não-
usuário como implicadores no contexto de
mediação. Por fim, foram abordados docente-
pesquisador1 e profissional de informação como
implicadores em contextos praxiológicos da
informação.
2 HORIZONTES INTERPRETATIVOS E MARCO TEÓRICO
Considera-se, heuristicamente, a
diferenciação de paradigmas da ciência
dominante e emergente (Santos, 2008) e entre
paradigmas da informação (Capurro, 2007).
Complementarmente se utilizou das categorias
“implicador(es)” e “implicado(s)” para situar os
sujeitos em ação.
Trabalharam-se os conceitos “usuário”
(Rabello, 2013), “sujeito” (Rendón Rojas &
García Cervantes, 2012) e “não-usuário”
(Rabello & Almeida Junior, 2020) de informação
em contextos de “mediação” (Almeida Junior,
2015 & Gomes, 2020).
Conceitua-se, ao final, praxiologias
“restritiva” ou “receptiva”, diferenciando
docente-pesquisador e profissional de
informação nos âmbitos “tradicional” e
“contemporâneo” à luz da consideração do
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sujeito, do espaço de atuação e da perspectiva
praxiológica em questão.
2.1 Ciência e Implicações
Com vistas a defender a tese do
“conhecimento prudente para uma vida
decente”, Santos (2008) diferencia paradigmas
dominante e emergente da ciência, levando a
posicionamentos ético-políticos no “fazer
científico”.
O paradigma dominante ou tradicional
nega, em nome da neutralidade metodológica,
a dimensão política da ciência. Com isso, faz da
ciência e do cientista entidades autolegitimadas
na promessa de, mediante a realização de
pesquisa, acesso inequívoco à realidade.
Esse paradigma se inscreve segundo um
modo de racionalidade relacionado à ideia
burguesa de progresso. O ideário ganhou força
no século XIX sob a orientação da noção de
universalidade e do arquétipo das ciências
naturais. Ele constitui a base epistemológica do
positivismo. A dimensão dominante ou
tradicional da ciência foi responsável para o
início de uma crise, quando ela – a ciência – foi
problematizada e indagada mediante pesquisas
de caráter probabilístico, aproximativo e
provisório das classificações científicas (Santos,
2008).
O paradigma emergente reconhece a
dimensão política da ciência, suas limitações,
suas potencialidades de se autocriticar e
avançar, de se aproximar da realidade, de
aprender com o senso comum e de ser
compreensível como o senso comum, e, enfim,
de ter no horizonte, por intermédio de um
conhecimento prudente, uma vida decente.
Essa tese de Santos (2008) foi
desenvolvida por meio de quatro argumentos:
1. Todo o conhecimento científico-natural é
científico-social, problematizando uma suposta
separação das ciências naturais e sociais; 2.
Todo o conhecimento é local e total; 3. Todo o
conhecimento é autoconhecimento, sendo
autobiográfico e autorreferencial; e 4. Todo o
conhecimento científico visa constituir-se em
senso comum.
A distinção proposta por Santos (2008)
suscita reflexão sobre paradigmas (Capurro,
2007) ou modelos (Rabello, 2013)
informacionais – físico, subjetivo (ou
“sistêmico”) e social (ou “emergente”) – por
intermédio dos quais se depreendem sujeitos e
implicações resultantes de pesquisa, formação
e prática profissional na área de informação.
2.2 Usuário como Implicado
No âmbito de um paradigma ou de um
modelo tradicional, a dimensão física se
direciona à eficiência da transmissão de
mensagens no sistema de informação. O sujeito
central, no caso, é o profissional que projeta,
mantém e gerencia o sistema. O usuário, nesse
modelo, seria um “autômato” do sistema ou
“container” de informação. A dimensão
subjetiva se direciona ao processo cognitivo do
indivíduo utilizador da informação para obter
subsídios para o aperfeiçoamento do sistema. O
usuário, nessa dimensão, seria um produtor de
sentido mediante determinado
comportamento (Rabello, 2013).
No bojo de um paradigma ou de um
modelo emergente, a dimensão social se
direciona à informação como fenômeno social.
Os sujeitos, nesse modelo, produzem
conhecimento em contexto profissional ou do
cotidiano, sendo comunicativamente
compartilhado, interativo, interventivo e
intersubjetivo. Nesse modelo, o sistema
continua a ser considerado, mas não é
imprescindível. Isso porque o fenômeno
informacional, que envolve o sujeito produtor
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de conhecimento, pode ser investigado em sua
relação, p. ex., no âmbito de redes sociais
(Rabello, 2013).
Nesses modelos, o conceito de usuário
de informação é relevante, p. ex., para o campo
de “estudos de usuários”, que inclui, como
interesse, a investigação da comunidade
usuária e da satisfação do uso da informação. O
usuário, para esse campo, se caracteriza por
possuir determinados atributos. Em termos
bourdieusianos, o usuário pode gozar, p. ex., de
algum capital econômico, cultural e social que
lhe confere privilégios de classe social.
Quando pensamos em usuário de
informação [...] logo projetamos a
figura de um indivíduo com um ou
mais atributos, um sujeito alfabetizado
[...], com hábito ou familiarizado com a
leitura ou a fruição de alguma
linguagem ou manifestação estética
“socialmente” aceita [...], com certa
competência informacional em termos
educacionais, científicos, técnicos,
tecnológicos, dentre outras. Esse perfil
ideal do usuário da informação
determina, mesmo que não
explicitamente, as bases para políticas
de ações e serviços oferecidos nos
equipamentos informacionais,
somadas àquelas voltadas para o
desenvolvimento de acervos, a
organização, a recuperação, o acesso e
a disseminação da informação
(Rabello & Almeida Junior, 2020, pp.
19).
O conceito de usuário de informação é
essencial para a ação em equipamentos
culturais, sobretudo para políticas em “[...]
unidades de informação que têm como público
preferencial as classes média e alta, como é o
caso das instituições de ensino superior ou
especializadas.” (Rabello & Almeida Junior,
2020, pp. 21).
Assim, quando a unidade de informação
não medeia satisfatoriamente seus produtos e
serviços de modo a atender a missão
institucional, acaba por implicar,
negativamente, a comunidade usuária em
termos de eficiência e/ou de satisfação da
função social da instituição.
O usuário de informação constitui-se,
portanto, como aquele que se relaciona com as
unidades de informação. Conforme os atributos
considerados, o conceito enquadra e
recepciona, em grande medida, aqueles
pertencentes a classes privilegiadas (Rabello &
Almeida Junior, 2020).
2.3 Sujeito e Não-Usuário como Implicados
A acepção de usuário de informação,
mormente abordada na área de informação,
representa uma fração da comunidade, mesmo
quando com pretensões totalizadoras e
universalizantes. Para exemplificar tal
diagnóstico, faz-se oportuno, na presente
seção, apresentar os conceitos de não-usuário
de informação e de sujeito informacional. Antes
disso é necessário diferenciar “público” de
“não-público”.
O “público” é formado por “usuários de
informação” efetivo ou potencial, e o “não-
público” é formado por “não-usuários”
(Rabello, 2021). O público potencial (de
recursos culturais disponibilizados, p. ex., em
bibliotecas, museus, etc.) poderá, em algum
momento, se tornar efetivo. Já o não-público,
segundo uma conformação cultural
estabelecida no ocidente, jamais se tornaria
público (Flusser, 1980).
O caráter determinista dessa
impossibilidade foi problematizado por Flusser
(1980) quando defendeu o que chamou de
“biblioteca ação-cultural” ou “biblioteca
verdadeiramente pública”, democrática e
acolhedora também do não-público, a despeito
do que denominou de “biblioteca tradicional”,
direcionada para um público específico.
Ao realizar um cotejo entre ambas, o
autor observa que a biblioteca tradicional se
configura como um espaço de informação e de
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herança cultural mediada para um público. Já a
biblioteca ação-cultural medeia a informação
com a população, fomentando uma leitura
crítica. Na biblioteca tradicional os livros já
estão escritos. Na biblioteca ação-cultural
muitos livros estão por escrever pelo não-
público. A biblioteca tradicional é uma
instituição para a comunidade, implantada e
sujeita a rejeição. A biblioteca ação-cultural não
é para uma comunidade, mas é da comunidade.
Na biblioteca tradicional, o bibliotecário está à
disposição para auxiliar e mediar a informação
e a cultura para um público. Na biblioteca ação-
cultural, o bibliotecário, ademais, está
integrado e pertence à comunidade onde atua.
Apesar de as duas vertentes
apresentadas – a biblioteca tradicional e a
biblioteca ação-cultural – serem diferentes e se
valerem de concepções opostas, entende-se
que, para a discussão sobre ambas, deve-se
considerar mesclas e nuances intermediárias,
desconsiderando entendimentos meramente
maniqueístas. Um pretenso equilíbrio – entre as
mencionadas concepções de bibliotecas – não
existe a partir de um olhar individualizado,
pendendo para um ou outro lado.
O mencionado caráter determinista da
noção de não-público – que impediria de alçar o
não-público à condição de público – pode ainda
ser problematizado em termos de “sujeito
informacional” e de “não-usuário de
informação”.
O conceito sujeito informacional indaga
a suficiência da acepção de usuário de
informação para abranger a totalidade da
comunidade. Aquele construto busca ampliar o
estudo das necessidades de informação em
contextos sociais, inclusive do cotidiano,
conhecendo a realidade do ambiente,
identificando e visando solucionar problemas
informacionais, culturais e políticos (Rendón
Rojas & García Cervantes, 2012).
Considerando o constructo de sujeito
informacional, parte-se da concepção de que as
necessidades informacionais são investigadas à
luz de contextos sociais. Nessa direção, há o
interesse de conhecer a realidade do ambiente,
bem como almeja identificar e solucionar
dificuldades, problemas e carências culturais e
políticas.
A acepção de sujeito informacional
estende o aspecto sociológico da constituição
do sujeito, transcendendo, em tese, amarras
socioinstitucionais. Isso porque, segundo
Rendón Rojas e García Cervantes (2012), o
sujeito informacional se constitui ao se
relacionar com “entidades de informação”.
A entidade de informação se caracteriza
por fazer parte da comunidade, no sentido de
propiciar à população vulnerável e excluída “[...]
as condições necessárias para ser um sujeito
informado e, assim, poder participar na
construção de uma sociedade mais justa”
(Rendón Rojas & García Cervantes, 2012).
O construto não-usuário de informação
busca, complementarmente, problematizar a
insuficiência do conceito de usuário de
informação, assim como indagar sobre as
dimensões ético-políticas que levam à “criação”
do não-público (Rabello & Almeida Junior,
2020).
O conceito não-usuário alcança a
dimensão de classes sociais, pressuposta no
sentido de sujeito informacional, ao compor o
que foi denominado de “ralé estrutural como
não-público”.
Nesse caso, o não-público estaria
inscrito no âmbito da denominada “ralé
estrutural”, ou seja, uma classe social que,
segundo Souza (2011), constitui grande parte da
população brasileira que sofre diariamente a
humilhação de estar à margem “da sociedade”.
Sem a pretensão de ofender essa parcela da
sociedade, o autor tentou – com a utilização
daquela expressão – colocar no holofote, de
modo provocativo, aquele que seria um dos
maiores conflitos no Brasil, qual seja:
[...] o abandono social e político,
“consentido por toda a sociedade”, de
toda uma classe de indivíduos
“precarizados” que se reproduz há
gerações enquanto tal (Souza, 2011,
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pp.21).
[...] [há a] reprodução de uma sociedade
que ‘naturaliza’ a desigualdade e aceita
produzir “gente” de um lado e
“subgente” de outro (Souza, 2011, pp.
24).
Na condição de corpo e músculo,
restam a tais sujeitos “precarizados”, quando
muito, subempregos, algo que remonta ou faz
recordar aspectos da herança da escravidão em
países colonizados, como foi o caso do Brasil.
Nesse sentido, Souza demonstra que
[...] a segregação social não é de
responsabilidade apenas dos governos.
Os membros das classes privilegiadas
são, de sorte, (co)responsáveis a esses
dispositivos sociais, seja (re)produzindo
consensos na esfera pública, seja
debatendo-os superficialmente ou de
malgrado ou, ainda, optando por
conviver indiferentes com essas pessoas
que “a sociedade” se recusa a notar a
existência (Rabello & Almeida Junior,
2020, p. 10-11).
Esta acepção evidencia que – na
ausência de determinados atributos a quem
efetiva ou potencialmente utiliza produtos e
serviços ofertados por unidades de informação
tradicionais – a área de informação tende a
desconsiderar ou invisibilizar sujeitos que não
são postos no horizonte para serem
considerados no processo de mediação da
informação.
A ralé estrutural como não-público
desvela algo que as áreas de
biblioteconomia e ciência da
informação, ao priorizar o usuário de
informação, tendem a desconsiderar.
A invisibilidade e a desigualdade social
estão encobertas sob o véu do
conceito de usuário de informação
como um “tipo ideal”, um imperativo
teórico. Tal conceito sintetiza os
atributos materiais, ideológicos e
simbólicos das classes alta e média.
Nele quase não há lugar para relações
ou conflitos de classe. Nesse contexto,
quando o usuário é potencial há a
expectativa de alçá-lo a usuário real,
pois aquele, de antemão, possui algum
capital econômico e/ou cultural para
tanto (Rabello & Almeida Junior, 2020,
pp.20).
A construção social do não-usuário
transcende aspectos presentes na assimetria
das classes sociais. Mesmo as unidades de
informação tradicionais, como é o caso da
biblioteca tradicional, podem “içar” pessoas de
classes privilegiadas à condição de não-público.
Dentre os aspectos que também motivam essa
transitoriedade de condição para a “criação” do
não-usuário, estão os obstáculos e as barreiras
institucionais. Isso porque as instituições
podem ser levadas a agir a partir de
preconceitos ou da sua não adequação à
diversidade de sujeitos pertencentes à
comunidade. Dentre as barreiras institucionais,
destacam-se aquelas apontados por Silva e
Bernardino (2015):
▪
Arquitetônicas – quando existe
ausência de sinalização, de
elevador/ascensor, de rampas, ou
presença de declives, dentre outras,
dificultando ou impedindo o acesso
de pessoas com deficiência, de
idosos.
▪
Comunicacionais – quando, por
exemplo, o bibliotecário não é
proficiente em língua de sinais para
atender pessoas com deficiência
auditiva.
▪
Atitudinais – quando o profissional
age com preconceito, com
capacitismo e/ou sem alteridade.
▪
Instrumentais – quando a
instituição não dispõe de
equipamentos adequados, como é
o caso de carência de reglete para
escrever em braille.
▪
Programáticas – quando decorrem
de regulamentos inadequados que
dificultam o acesso aos produtos e
serviços oferecidos.
▪
Metodológicas – quando o
profissional não dispõe de técnicas
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adequadas, por exemplo, para o
tratamento da informação.
Portanto, o conceito não-usuário de
informação transcende o conjunto dos sujeitos
caracterizados pela situação de desigualdade,
de vulnerabilidade e de invisibilidade social.
Assim, a unidade ou a entidade de informação
podem “(re)produzir” o não-usuário.
Essa “(re)produção” do não-usuário
pode ocorrer em virtude de inadequação de
acesso ao espaço físico ou aos recursos e
serviços de informação oferecidos, bem como
quando os profissionais ou os sujeitos
envolvidos na mediação (re)produzem
preconceitos (direta ou indiretamente) junto
aos usuários reais ou potenciais e à
comunidade. Noutras palavras, mesmo aqueles
pertencentes às classes privilegiadas podem ser
“içados” à condição de não-usuários, p. ex.,
quando são vítimas de violência simbólica
(Rabello, 2021), como discriminação de gênero,
de orientação sexual, por conta da origem e/ou
da faixa etária, dentre outras.
3 DESAFIOS PARA PESQUISA, FORMAÇÃO E PRÁTICA PROFISSIONAL
Depreende-se, doravante, que não
apenas os usuários, mas os não-usuários deixam
de ser implicados e passam a, potencialmente,
direcionar mudanças na pesquisa, na formação
e na prática profissional em informação.
3.1 Não-Usuário como Implicador da Pesquisa e Formação Profissional
Em 2014 foi realizada investigação
sobre os cursos de Biblioteconomia no Brasil
que contêm, em sua estrutura curricular,
disciplinas de estudos de usuários e afins (Costa,
2014).
Um questionário foi enviado a 39
cursos, obtendo 14 questionários respondidos,
9 (nove) federais, 3 (três) estaduais e 2 (duas)
particulares. Apenas os planos enviados junto
aos questionários foram analisados. Ao serem
apreciados, à exceção de um caso, o termo
usuário consta na denominação da maioria dos
planos. Nos títulos das disciplinas não
constaram os termos “não-público” ou “não-
usuário”. O termo não-usuário apareceu em 3
(três) ementas. Destas, segundo o conteúdo
programático, apenas 1 (uma) disciplina aborda
o tema. Outras 2 (duas) disciplinas também o
fazem, apesar de o termo não constar nas suas
respectivas ementas. O termo não-público não
teve incidência nos planos de ensino.
Em 2022 foi estudada a incidência dos
termos “não-público” e “não-usuário” em
planos de ensino de disciplinas relativas a
usuário, informação e sociedade em cursos de
graduação das áreas de Biblioteconomia,
Documentação, Gestão e Ciência da Informação
no Brasil (Passos, 2022).
A pesquisa identificou 51 cursos em
atividade, dentre os quais 31 responderam e
enviaram planos de ensino das disciplinas
solicitadas; não se conseguiu realizar contato
com 15 cursos e 5 não responderam. Os 31
respondentes enviaram 60 planos de ensino. Do
total, foram identificados 12 cursos que
abordam, em 14 disciplinas, os termos “não-
público” e/ou “não-usuário” de informação.
A necessidade de se abordar o não-
usuário como sujeito acaba por transformá-lo
em “agente transformador”. Ele tensiona a
adoção de alternativas com vistas a realização
de “estudos de usuário e não-usuário” no
âmbito de “estudos de informação e
comunidade”. Os conceitos de usuário e não-
usuário de informação implicam, com efeito, o
docente-pesquisador e o profissional de
informação no âmbito do ensino e da pesquisa
para a prática profissional em mediação da
informação.
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3.2 Usuário e Não-Usuário como Implicadores em Mediação da Informação
A proposição da mediação da
informação em “presença” objetiva suscitar
reflexão no sentido de “desacelerar quando em
situações – mesmo potenciais – de vilanias ou
de atos inconsequentes em contextos
mediacionais.” (Rabello, 2022, pp. 80). Tal
proposição coloca em relevo cosmologias,
assim como a responsabilidade ético-política
dos mediadores, sejam eles atuando no âmbito
do ensino, da pesquisa e da prática profissional
em informação, sejam se fundamentando no
bojo teórico tradicional ou contemporâneo da
ciência (da informação).
Daquele estudo interessa, aqui, os
exemplos abordados em que o usuário de
informação se constitui como implicador das
práticas profissionais em mediação da
informação. Para tanto, aborda a deontologia
como preceito orientador de tais práticas, no
sentido de atender a necessidade de
informação dos sujeitos. Faz-se relevante
observar que a deontologia orienta
[...] conjunto de preceitos, de ideias, um
elenco de determinações objetivas,
instruções operacionais a serem
seguidos pelos membros de uma
categoria profissional visando garantir a
uniformidade na realização de um
trabalho e ação de grupo (Rasche, 2005,
pp. 24).
A atuação do profissional em mediação
da informação – para satisfazer,
deontologicamente, a necessidade de
informação – pode ser problematizada,
sobremaneira quando o usuário de informação
é concebido como um implicador. Dilemas
ético-políticos, nesse caso, emergem, podendo
provocar a desaceleração do processo de
mediação, sobretudo quando o profissional se
encontra diante de uma situação de possível
vilania.
Esse debate pode ser pensado no
âmbito da “infodemia”, entendida como
quantidade excessiva e variável de informações
com base em evidências ou fora de contexto
(Kalil & Santini, 2020), e sobremaneira no bojo
das vilanias evidentes ou encobertas nesse
cenário.
Dentre essa variedade de informação se
encontra a “desinformação”, sob o
entendimento de que se refere a uma
informação falsa com a intenção de enganar
(Fallis, 2015), ou nas implicações da mediação
da “misinformação” ou “pseudoinformação”,
sob o entendimento de que se referem a uma
informação falsa, mas sem a intenção de
enganar (Floridi, 2005), ou da mediação da
“informação semântica”, esta se referindo a
“[...] dados significativos e bem formados [...]
qualificados como contingentemente
verdadeiros.” (Dretske-Grice apud Floridi, 2005,
pp. 351).
Determinadas orientações de ensino,
de pesquisa e de prática profissional –
subsidiada no paradigma físico ou tradicional da
informação – têm como característica não
contextualizar a informação a ser mediada
(Rabello, 2022). Portanto, à luz de tais
orientações, mesmo quando o profissional
segue as orientações deontológicas de cumprir
com a missão institucional e de atender a
necessidade de informação de membros da
comunidade usuária, ele – o profissional – pode
não contextualizar o conteúdo semântico da
informação a ser mediada. Uma das possíveis
questões emergentes pode ser formulada do
seguinte modo: e quando os membros da
comunidade têm necessidade de consumir
desinformação?
Outros problemas ético-políticos dessa
natureza podem ser pensados no contexto da
mediação da informação, conforme o exemplo
a seguir:
Suponha-se que um usuário
especializado de uma casa legislativa,
por exemplo, um consultor legislativo,
esteja, na biblioteca ou no arquivo de
sua instituição, buscando documentos
para fundamentar a instrução de um
projeto de lei de autoria de algum
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legislador. Suponha-se, ainda, que o
profissional mediador de informação
sabe, de antemão, que o projeto pode,
por exemplo, retirar direitos da
população, desmatar e/ou destruir o
meio ambiente, aprovar medicamento
ou agrotóxico sob suspeição científica.
Como o profissional não pode se recusar
– de ofício – a atender a necessidade de
informação do usuário, os efeitos, nele,
podem ser distintos. Infere-se ao menos
dois. O profissional poderá agir, como no
caso de Adolf Eichmann, com a
serenidade de cumprir com o papel a
que se submeteu e que deverá
desempenhar, independentemente da
natureza da atrocidade autorizada pelo
regime político e/ou jurídico; ou
desacelerar, como no caso do escrivão
Bartleby, que se recusa a realizar
qualquer tarefa, respondendo “Acho
melhor não”. Quando em analogia ao
exemplo da unidade de informação
legislativa, a recusa constrange o
comando deontológico, a autoridade
hierárquica, o usuário submetido ao
legislador e o próprio legislador, bem
como expõe, “em presença”, as
possíveis consequências da ação em
questão – no caso, do projeto de lei – e
da penalidade do profissional que
desacelera, ação que poderá levá-lo a
sanções administrativas, à demissão
e/ou à perda do registro para atuação
profissional (Rabello, 2022, pp. 83).
O campo da mediação da informação
tem apresentado alternativas para se ter em
conta o não-usuário como sujeito. Essas
alternativas são empreendidas como
fundamento para o protagonismo social em
ações de interferência na ciência da informação.
Nessa direção, tem-se considerado a
dialogicidade como meio de fomentar o espírito
crítico de modo a problematizar a recepção de
informação, o desenvolvimento intelectual e a
tomada de consciência, conforme é possível
observar no conceito abaixo, que considera
mediação da informação como
[...] toda ação de interferência –
realizada em um processo, por um
profissional da informação e na
ambiência de equipamentos
informacionais –, direta ou indireta;
consciente ou inconsciente; singular ou
plural, individual ou coletiva; visando a
apropriação de informação que
satisfaça, parcialmente e de maneira
momentânea, uma necessidade
informacional, gerando conflitos e novas
necessidades informacionais (Almeida
Junior, 2015, pp. 25).
Como ação de interferência, a mediação
da informação se realiza, p. ex., em
equipamentos, unidades [e entidades]
informacionais. Fundamentando-se em autores
como Almeida Junior, Debray, Peraya, Perroti,
Pieruccini, dentre outros, propõe-se dimensões
– além da dialógica – estética, formativa, ética e
política como um fundamento para o
protagonismo social da ciência da informação
(Gomes, 2020).
[...] a efetividade da ação mediadora é
dependente da mediação consciente
que busca, cuidadosamente, alcançar
suas dimensões dialógica, estética,
formativa, ética e política, tornando
possível o desenvolvimento e
fortalecimento do protagonismo social,
e assegurando que o acesso, uso e a
apropriação da informação ocorram em
parâmetros democráticos, trabalhando
o encontro com a informação como uma
experiência fortalecedora da construção
de uma existência humana ativa,
interferente no processo de
transformação social e de
fortalecimento das lutas por inclusão e
justiça social (Gomes, 2020, pp. 20,
grifos nossos).
As questões trazidas pela intervenção
dos usuários no processo de mediação da
informação, bem como a necessidade de
consideração dos não-usuários nas demandas
por informação – tais como apontadas por
Almeida Junior (2015) e Gomes (2021) –
requerem novos desafios para o ensino, para a
pesquisa e para a atuação no âmbito
informacional, sejam em investigações para a
obtenção de diagnósticos – com a realização de
estudos de “usuários e não-usuários” –, sejam
para a intervenção de mediação no contexto
das unidades e das entidades de informação.
Revista EDICIC, San José (Costa Rica), v.2, n.2, p.1-13, 2022. ISSN: 2236-5753
Esse (re)direcionamento ou (re)posicionamento
ético-político é premente para que estudos de
“informação e comunidade” sejam realizados
de modo democrático, considerando as práticas
e os sujeitos sem segregação.
O conceito de não-usuário de
informação implica o docente-pesquisador e o
profissional de informação. Estes se deparam
com a responsabilidade de trabalhar de modo a
colocar no horizonte a existência de espaços,
ambiências e atores antes ignorados.
Ambos – docente-pesquisador e
profissional de informação – se encontram
desafiados a abordar temas e problemas que
envolvem a obtenção de diagnósticos e a
orientação do processo de mediação. Para
tanto, não prescindem de considerar, p. ex.,
situações assimétricas no âmbito de classes
sociais, relações de poder, inadequações
institucionais para acesso à informação, ou
outros modos de violência epistêmica e
simbólica, como preconceitos.
Para além da preocupação nos usuários
de unidades de informação, o “estudo de não-
usuários” requer a atuação do docente-
pesquisador e do profissional de informação à
luz de praxiologias “receptivas” de sujeitos e
suas práticas, também em entidades
informacionais, algo a ser abordado na próxima
seção.
4 DOCENTE-PESQUISADOR E PROFISSIONAL DE INFORMAÇÃO COMO IMPLICADORES NO
CONTEXTO PRAXIOLÓGICO
A seção conceitua praxiologia (Araújo,
2021) “restritiva” ou “receptiva” (Rabello, 2021)
e diferencia docente-pesquisador e profissional
de informação nos âmbitos “tradicional” e
“contemporâneo” (Rabello, 2022)2 à luz da
consideração do sujeito, do espaço de atuação
e da perspectiva praxiológica em questão.
4.1 Praxiologias “Restritiva” ou “Receptivas”
Os estudos de práticas informacionais
se apresentam como uma alternativa aos
estudos de comportamento informacional.
Objetivam investigar a identificação, a busca e o
compartilhamento da informação no cotidiano,
em fontes diversas, incluindo a influência de
fatores sociais e culturais (Savolainen, 2008).
Tais estudos trazem luz a aspectos da
realidade – então desconsideradas ou
insuficientemente investigadas – ao se
interessar pela dinâmica da relação sujeitos e
dispositivos (Araújo, 2017). Essa dinâmica têm
como fundamento a perspectiva
praxiológica/constitutiva (Araújo, 2021).
A praxiologia proposta por Louis Quéré
– situacional, contextual, pragmática e
intersubjetiva – se apresenta como “[...] uma
chave de interpretação dos fenômenos
humanos e sociais a partir da noção de
comunicação” (Araújo, 2021, pp. 83), onde o
processo é central para a construção de
interesses em comum.
A abordagem praxiológica reflete ou
contrasta “[...] a visão de mundo do pesquisador
e/ou do profissional e implica restringir ou
ampliar o escopo de sujeitos” (Rabello, 2021,
pp. 114) a serem considerados.
A praxiologia “restritiva” orienta
estudos de usuários em unidades de informação
tradicionais. A “restrição” está condicionada
aos atributos dos usuários que induzem a
desconsiderar, p. ex., aspectos relativos a
classes sociais ou à violência simbólica. O
pesquisador e/ou o profissional de informação,
nesse cenário,
[…] estuda as práticas no sentido de
atuar para o sistema de mediação ou
para o sujeito a quem a informação ou
a ‘cultura do passado’ será mediada.
(Rabello, 2021, pp.113).
Revista EDICIC, San José (Costa Rica), v.2, n.2, p.1-13, 2022. ISSN: 2236-5753
A praxiologia “receptiva” contempla
sujeitos e suas práticas em unidades e entidades
de informação, onde docente-pesquisador e/ou
profissional de informação “[...] pode(m)
investigar as práticas com vistas a atuar não
apenas para, mas também com a comunidade.”
(Rabello, 2021, pp.114, grifos do autor).
A diferenciação nos cenários
praxiológicos auxilia distinguir a perspectiva
“tradicional” da “contemporânea” no âmbito da
pesquisa, da formação e da prática profissional
à luz dos sujeitos, dos espaços e dos modos de
atuação.
4.2 Docente-Pesquisador
O docente-pesquisador “tradicional”
encontra na neutralidade metodológica um
“porto-seguro” para repulsar o que entende
como político e ideológico na pesquisa e no
ensino. Ele acredita que tais atividades estão
alheias ao contexto e a sua visão de mundo.
Com o argumento de autoridade, ele silencia
vozes desconfiadas ou dissonantes.
Compreende que sua autoridade epistêmica lhe
permite o distanciamento necessário para
abordar o objeto de pesquisa com neutralidade.
Acredita que é capaz de acessar e compreender
inequivocamente a realidade (Rabello, 2022).
O docente-pesquisador
“contemporâneo” tende a problematizar, em
termos de autoridade, a superioridade ou a
separação entre ciência e política, entre ciências
naturais e sociais, ou a separação entre sujeito
e objeto, entre atores humanos e não-
humanos. Ainda no âmbito da produção de
conhecimento, ele tende a ampliar horizontes
ao considerar outros modos de vida e de
saberes regionais ou locais. Enfim, ele tende a
indagar a neutralidade da pesquisa e do ensino,
reconhecendo a politicidade e a
situacionalidade da produção do saber (Rabello,
2022).
No contexto praxiológico-
informacional, o docente-pesquisador
“tradicional” ou “contemporâneo” igualmente
se diferenciam. O docente pesquisador
“tradicional” enfatiza o ensino e a pesquisa
voltada para “estudos de usuário de
informação”, em unidades (formais), portanto,
em praxiologias informacionais “restritivas”. O
docente-pesquisador “contemporâneo” amplia
o alcance de atuação ao se voltar para “estudos
de usuários e não-usuários” de informação, em
unidades (formais) ou entidades (informais ou
menos formais), portanto, em praxiologias
informacionais “receptivas”.
4.3 Profissional de Informação
O profissional da informação
“tradicional” se caracteriza por mediar
informação em unidades (formais) para o
usuário. No caso, a praxiologia visa a eficiência
da transmissão de mensagens no sistema de
informação. A preocupação central reside no
(re)desenho, funcionamento, gestão e
aperfeiçoamento do sistema. A eficiência
igualmente pode ser traduzida em qualidades
atribuídas à informação e/ou ao processo de
mediação, amparadas pelo princípio da
neutralidade técnica (Rabello, 2022).
O profissional da informação
“contemporâneo” medeia informação em
ambiências em unidades (formais) e entidades
(informais ou menos formais). As preocupações
estão para além da eficiência do sistema, bem
como do enfoque no usuário e no uso de
informação. Ele sabe das limitações ou dos
modos de violência simbólica inerentes aos
pressupostos que constituem o conceito de
usuário de informação e amplia o escopo de
atuação ao colocar no horizonte, igualmente, o
não-usuário (Rabello, 2022).
Revista EDICIC, San José (Costa Rica), v.2, n.2, p.1-13, 2022. ISSN: 2236-5753
O profissional da informação
“contemporâneo” trabalha com diagnósticos e
orientações praxiológicas junto a assimetrias
sociais e/ou a inadequações institucionais e
preconceitos que “criam” o não-público. Ele
atua com vistas ao uso crítico e à apropriação da
informação. Preocupa-se com os efeitos,
transcendendo a satisfação informacional. Ele
situa, junto ao sujeito, conflitos que estimulam,
p. ex., o estranhamento ou a indignação,
provocando, no sujeito, a busca por ampliação
de conhecimento (Rabello, 2022).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os desafios para pesquisa, formação e
prática profissional encontram no conceito de
não-usuário de informação uma representação
de sujeitos implicados e implicadores à luz de
mudanças em cenários de mediação.
Tais mudanças requerem que se
realizem, p. ex., “estudos de usuário e não-
usuário”, de modo que se possa efetivar
“estudos de informação e comunidade”. Existe
– ao se estudar apenas os usuários – uma
questão ético-política presente no ponto de
partida, ao se restringir sujeitos e a recepção de
suas práticas informacionais. Esses desafios
evidenciam, portanto, a necessidade de se
considerar não apenas os usuários, mas
também os não-usuários à luz de praxiologias
“receptivas”.
Enquanto a comunidade for
parcialmente considerada ou atendida, a área
de informação precisará rever suas limitações e
ser capaz de se autocriticar para que possa
avançar em intervenções teórico-sociais mais
democráticas e solidárias, enfim, para que se
busque, mediante um conhecimento científico
prudente, uma vida decente. Depreende-se,
doravante, que não apenas os usuários, mas os
não-usuários deixam de ser implicados e
passam a, potencialmente, direcionar
mudanças na pesquisa, na formação e na
prática profissional em informação.
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NOTAS
1 Conquanto na formação do profissional de
informação se destaca o docente, o pesquisador e
o docente-pesquisador, em virtude do caráter geral
da última expressão preferiu-se utilizá-la.
2 Os termos “tradicional” e “contemporâneo” serão
tratados para designar construtos no campo
informacional com alcance em instituições, em
profissionais e modo de atuação. “Tradição” por
vezes remete ao paradigma dominante de ciência,
à ciência moderna ou à ciência positivista.
“Contemporâneo” por vezes está relacionado ao
paradigma emergente de ciência, à ciência pós-
moderna e à ciência anti-positivista (Rabello, 2022).