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UMA EXPLICAÇÃO ALTERNATIVA PARA O DECLÍNIO FERROVIÁRIO DE CARGA GERAL

Authors:
  • CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA, Ribeirão Preto, Brazil

Abstract

1 Prof. Sérgio Torggler-set 2022 DECLÍNIO FERROVIÁRIO DE CARGA GERAL, ORIGEM E SOLUÇÃO RESUMO O declínio ferroviário é um fenômeno antigo, atual, nacional e global. Muitos milhares de quilômetros de ferrovias brasileiras estão ameaçados de abandono. O fardo econômico dos ramais decadentes arruína as finanças das operadoras, consumindo os lucros dos ramais produtivos. Nas comunidades acadêmicas, empresariais e governamentais, a causa mais aceita para o declínio é a falta de apoio financeiro estatal às ferrovias. Alguns chegam a argumentar sobre a existência de conluio entre governos e a indústria rodoviária. Ao contrário desse senso comum, este artigo busca demonstrar que essa ideia não encontra amparo nas evidências empíricas e teóricas. O que se encontrou são causas intrínsecas à tecnologia, isto é, o modelo operacional e a tecnologia ferroviária tradicional, ambas impõem severas restrições à qualidade do serviço. No entanto, a restauração da competitividade ferroviária no transporte de cargas gerais é uma tarefa difícil porque é um problema multifatorial e o sucesso depende da superação de todas as restrições simultaneamente. Estas múltiplas restrições explicam os inúmeros fracassos de inovações tecnológicas ferroviárias nas várias décadas passadas, essas tentativas fracassaram porque foram parciais na eliminação dos fatores de restrição. Em resumo, o sucesso de ferrovias com cargas gerais depende essencialmente de pesquisa e desenvolvimento de uma tecnologia que ofereça um serviço de alto valor para o usuário, de alta produtividade e rentabilidade para o operador ferroviário. Isso se tornar cada dia mais possível em razão da abundancia de recursos de automação que surgiram neste século XXI. ABSTRACT Railway decline is an ancient, current, national and global phenomenon. Many thousands of kilometers of Brazilian railways are threatened with abandonment. The economic burden of declining lines ruins operators' finances, consuming the profits of productive lines. In the academic, business, and government communities, the most widely accepted cause for the decline is the lack of state financial support for railroads. Some even argue about the existence of collusion between governments and the road industry. Contrary to this common sense, this article seeks to demonstrate that this idea is not supported by empirical and theoretical evidence. What was found are causes intrinsic to technology, that is, the operational model and traditional railway technology, both of which impose severe restrictions on the quality of service. However, restoring railway competitiveness in general cargo transportation is a difficult task because it is a multifactorial problem and success depends on overcoming all constraints simultaneously. These multiple restrictions explain the numerous failures of railway technological innovations in the past several decades, these attempts failed because they were partial in eliminating the restriction factors. In summary, the success of general cargo railways essentially depends on research and development of a technology that offers a high-value service for the user, high productivity and profitability for the railway operator. This becomes more possible every day due to the abundance of automation resources that have emerged in this 21st century. 1 Introdução O declínio ferroviário é um fenômeno antigo, crônico, atual e relevante. Mesmo assim, há muita controvérsia sobre as suas causas. A comunidade ferroviária defende majoritariamente que a causa principal é a falta de investimento governamental em ferrovias, também descrita como um subsídio governamental diferenciado em favor da infraestrutura rodoviária. Este artigo tenta demonstrar que esta relação de causa efeito não encontra amparo nas evidências e é inconsistente com o conhecimento das ciências que estuda a decadência de produtos. Os produtos, os negócios e os seres vivos vivem sob a lei da seleção natural, os menos aptos tendem a serem eliminados quando surge solução mais eficiente. O modelo rodoviário tomou o nicho de cargas gerais das ferrovias e nesses territórios as ferrovias caíram em decadência (a caminho da extinção ou de ocupar nichos restritos). A ferrovia virou um "fóssil vivo" tecnológico, um produto de nicho de cargas de alto volume, minérios e grãos. Este artigo
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Prof. Sérgio Torggler set 2022
DECLÍNIO FERROVIÁRIO DE CARGA GERAL, ORIGEM E SOLUÇÃO
RESUMO
O declínio ferroviário é um fenômeno antigo, atual, nacional e global. Muitos milhares de quilômetros de
ferrovias brasileiras estão ameaçados de abandono. O fardo econômico dos ramais decadentes arruína as finanças
das operadoras, consumindo os lucros dos ramais produtivos. Nas comunidades acadêmicas, empresariais e
governamentais, a causa mais aceita para o declínio é a falta de apoio financeiro estatal às ferrovias. Alguns
chegam a argumentar sobre a existência de conluio entre governos e a indústria rodoviária. Ao contrário desse
senso comum, este artigo busca demonstrar que essa ideia não encontra amparo nas evidências empíricas e
teóricas. O que se encontrou são causas intrínsecas à tecnologia, isto é, o modelo operacional e a tecnologia
ferroviária tradicional, ambas impõem severas restrições à qualidade do serviço. No entanto, a restauração da
competitividade ferroviária no transporte de cargas gerais é uma tarefa difícil porque é um problema
multifatorial e o sucesso depende da superação de todas as restrições simultaneamente. Estas múltiplas restrições
explicam os inúmeros fracassos de inovações tecnológicas ferroviárias nas várias décadas passadas, essas
tentativas fracassaram porque foram parciais na eliminação dos fatores de restrição. Em resumo, o sucesso de
ferrovias com cargas gerais depende essencialmente de pesquisa e desenvolvimento de uma tecnologia que
ofereça um serviço de alto valor para o usuário, de alta produtividade e rentabilidade para o operador ferroviário.
Isso se tornar cada dia mais possível em razão da abundancia de recursos de automação que surgiram neste
século XXI.
ABSTRACT
Railway decline is an ancient, current, national and global phenomenon. Many thousands of kilometers of
Brazilian railways are threatened with abandonment. The economic burden of declining lines ruins operators'
finances, consuming the profits of productive lines. In the academic, business, and government communities, the
most widely accepted cause for the decline is the lack of state financial support for railroads. Some even argue
about the existence of collusion between governments and the road industry. Contrary to this common sense, this
article seeks to demonstrate that this idea is not supported by empirical and theoretical evidence. What was
found are causes intrinsic to technology, that is, the operational model and traditional railway technology, both
of which impose severe restrictions on the quality of service. However, restoring railway competitiveness in
general cargo transportation is a difficult task because it is a multifactorial problem and success depends on
overcoming all constraints simultaneously. These multiple restrictions explain the numerous failures of railway
technological innovations in the past several decades, these attempts failed because they were partial in
eliminating the restriction factors. In summary, the success of general cargo railways essentially depends on
research and development of a technology that offers a high-value service for the user, high productivity and
profitability for the railway operator. This becomes more possible every day due to the abundance of automation
resources that have emerged in this 21st century.
1 Introdução
O declínio ferroviário é um fenômeno antigo, crônico, atual e relevante. Mesmo assim,
muita controvérsia sobre as suas causas. A comunidade ferroviária defende majoritariamente
que a causa principal é a falta de investimento governamental em ferrovias, também descrita
como um subsídio governamental diferenciado em favor da infraestrutura rodoviária. Este
artigo tenta demonstrar que esta relação de causa efeito não encontra amparo nas evidências e
é inconsistente com o conhecimento das ciências que estuda a decadência de produtos.
Os produtos, os negócios e os seres vivos vivem sob a lei da seleção natural, os menos aptos
tendem a serem eliminados quando surge solução mais eficiente. O modelo rodoviário tomou
o nicho de cargas gerais das ferrovias e nesses territórios as ferrovias caíram em decadência (a
caminho da extinção ou de ocupar nichos restritos). A ferrovia virou um fóssil vivo
tecnológico, um produto de nicho de cargas de alto volume, minérios e grãos. Este artigo
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defende a hipótese de que a decadência ferroviária é resultado intrínseco de sua tecnologia e
que essa incapacidade pode ser superada pela modificação do modelo operacional com
adoção de automação e outras tecnologias do século XXI.
A decadência ferroviária não é um fenômeno homogêneo, ela somente afeta as ferrovias
desprovidas de alto volume de minério ou de grãos, ou seja, as ferrovias deficientes são
aquelas que competem pelo mercado de carga geral e de passageiros, são aquelas que
deveriam diminuir a dependência logística do caminhão, mas não conseguem.
No Brasil, o declínio afeta grandes extensões da malha da RUMO e da Ferrovia Centro
Atlântica-VLI, bem como também deverá afetar a malha da Transnordestina e outras
menores. O montante de ativos em risco somam muitas dezenas de bilhões de reais. A
destruição anual de valor financeiro dos investidores é perene e contínua, da ordem de alguns
bilhões de reais anuais.
Ao longo de décadas, uma narrativa foi construída e fomentada pela indústria ferroviária para
mostra apenas o lado positivo das ferrovias. Reforçam um saudosismo romântico, quase
idealista, como se as ferrovias não tivessem problemas. Subliminarmente, colocam as
ferrovias de carga geral na figura de vítimas de uma conspiração entre a indústria rodoviária e
os governos de plantão, de tal sorte que as políticas públicas (apoio financeiro do Estado) são
direcionadas preferencialmente para a infraestrutura rodoviária, configurando uma
competição desleal.
Essas ideias de responsabilizar o Estado pela decadência são divulgadas por muitos agentes,
desde políticos da frente parlamentar ferroviária
1
, representantes das indústrias fornecedoras
2
,
das operadoras, das construtoras
3
, da Agência Nacional de Transportes Terrestres, das
universidades
4
, da imprensa especializada
5
, do ministério dos transportes, bem como agentes
menores tais como engenheiros ferroviários
6
, associações de amigos das ferrovias.
Na primeira parte deste artigo, são apresentadas as evidências contrárias ao senso comum.
Estas evidências apontam que a própria tecnologia ferroviária tradicional e seu modelo
operacional em comboios são os elementos causadores da decadência. Na segunda parte,
mostra-se um levantamento do ambiente restritivo à inovação no setor ferroviário e também
uma proposta de vagões autômatos e de como essa estratégia poderia recuperar a
competitividade das ferrovias através da criação de valor ao usuário de carga geral.
2 Evidências sobre a causa do declínio: a tecnologia ferroviária tradicional.
O modelo operacional ferroviário tradicional usa comboios com locomotivas. Esse modelo
não atende seu público com um serviço competitivo no mercado de cargas gerais. As
1
https://www.fne.org.br/index.php/todas-as-noticias/4059-frente-parlamentar-da-engenharia-discute-
situacao-das-ferrovias-brasileiras
2
ABIFER, https://abifer.org.br/entenda-como-o-brasil-ficou-dependente-dos-caminhoes/
3
ANTF, http://www.antf.org.br/historico/
4
USP, https://jornal.usp.br/atualidades/investimento-na-malha-ferroviaria-e-importante-para-economia/
5
http://www.progresso.com.br/noticias/ferrovias-desprezadas/265698/
6
https://seaerj.org.br/2018/06/12/palestra-ferrovias-brasileiras-cenrio-atual/
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evidências que explicam essa situação de declínio advêm de diversas áreas, tal como o
modelo de ciclo de vida dos produtos, a teoria das restrições, a estrutura de cadeia produtiva, a
análise estatística do desempenho ferroviário, a análise do desempenho econômico das
operadoras ferroviárias etc., descritas a seguir.
2.1 O modelo de ciclo de vida dos produtos, segundo Kotler e Keller.
A ferrovia é uma grande máquina, que existe para atender a necessidade de mobilidade de
cargas e de pessoas. Neste sentido, a ferrovia pode ser definida como um produto, tal como
apresentado por Kotler e Keller (2006), que classificava como produto qualquer artigo que
exista para satisfazer uma necessidade específica de um consumidor.
Irigaray et al. (2006) explicam também que um produto pode ser algo tangível (um bem, por
exemplo) ou intangível (um serviço ou uma marca). Alertam os autores que um produto
continuará vivo no mercado se continuar atendendo às necessidades impostas pelos
consumidores, sendo elas facilmente perceptíveis ou não tão claras. Kayo et all (2006, p.84)
mencionam que:
A teoria do ciclo de vida não se restringe apenas a produtos. Ela pode alcançar dimensões mais amplas e seus
conceitos podem ser aplicados a empresas e até a setores. Supõe-se que o ciclo de vida de um setor é
resultado da agregação dos ciclos de vida das empresas que o compõem. O ciclo de vida de cada empresa, por
sua vez, compreende vários produtos, cada um com seu próprio ciclo de vida.
Ainda, segundo Kotler e Keller (2006), ao dizer que um produto possui um ciclo de vida, faz-
se necessário compreender os seguintes fatores:
1- Os produtos têm vida limitada. 2- As vendas dos produtos passam por estágios distintos, cada um deles
com desafios, oportunidades e problemas diferentes para as empresas. 3- O lucro aumenta e diminui em
diferentes estágios do ciclo de vida do produto. 4- Os produtos necessitam de diferentes estratégias de
produção, financeira, marketing, compras e recursos humanos de acordo com cada estágio do seu ciclo de
vida.
Figura 1 - Ciclo de vida do produto. Fonte: Sandhusen,1998 apud Irigaray et al., 2006 p.59.
FALCÃO SOBRAL (2013, citando WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000) descreve a fase de
decadência nos seguintes termos:
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No declínio, as vendas podem ser reduzidas tanto de forma lenta quanto rápida. Muitas vezes, os
consumidores se voltam para produtos ou serviços substitutos. Estes substitutos possuem
características superiores, custos menores, maiores conveniências, ou trabalham com uma
tecnologia superior.
Rodrigue (2020) mostra em seu trabalho um gráfico da evolução da malha ferroviária de
carga norte-americana, o qual foi reproduzido na figura 2 a seguir. Esta figura guarda grande
semelhança ao gráfico de ciclo de vida de produto de Kotler, mostrado na figura 1.
Figura 2. Evolução da malha ferroviária norte americana. Fonte: Rodrigue (2020)
Embora na figura 1 a variável do eixo y seja vendas e lucro e na figura 2 essa variável é a
extensão da malha, pode-se afirmar que estas variáveis são ligadas, uma vez que a extensão da
malha pode ser usada como proxy de volume de vendas, na medida em que a existência da
malha é uma situação diretamente dependente da receita de serviços prestados.
Rodrigue (2020) descreve o período de decadência das ferrovias norte-americanas usando o

Racionalização (1950-2000). A era pós-Segunda Guerra Mundial foi de intensa racionalização do
transporte ferroviário. Na década de 1970, o sistema ferroviário dos Estados Unidos enfrentava
sérias dificuldades financeiras; várias empresas ferroviárias estavam falindo. Uma das falências
mais significativas foi a Penn Central em 1970, que controlava mais de 10.000 milhas. A resposta
do Governo Federal foi a desregulamentação. Em 1980, a Staggers Rail Act permitiu que as
empresas ferroviárias fixassem suas próprias tarifas, níveis de serviço, bem como abandonassem,
vendessem ou alugassem segmentos ferroviários não lucrativos. Entre 1950 e 2000, 79.300 milhas
foram abandonadas, o que deixou o sistema ferroviário com 144.500 milhas em 2000, uma
quilometragem semelhante à de meados da década de 1880. Apenas entre 1975 e 1980, 12.300
milhas foram abandonadas. O transporte ferroviário estava perdendo passageiros para os modos
rodoviário e aéreo, o que significou a perda de receitas e o abandono de numerosos serviços de
passageiros. O papel da ferrovia como suporte para viagens de passageiros de longa distância
estava em colapso. Embora houvesse cerca de 2.000 trens regulares de passageiros por dia em
1950, esse número caiu para 200 na década de 1990. Como resultado, o transporte ferroviário
tornou-se predominantemente orientado para o frete e o desenvolvimento do transporte intermodal
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de longa distância na década de 1970 justificou uma maior racionalização da indústria ferroviária,
principalmente por meio de fusões. Entre as mais significativas estava a fusão Burlington Northern
/ Santa Fe em 1995, seguida pela aquisição pela Union Pacific da Southern Pacific Railroad em
1996 e a cisão da Conrail (uma empresa criada em 1976 pelo Governo Federal para consolidar os
ativos da empresas ferroviárias falidas) entre a Norfolk Southern e a CSX em 1999. As taxas de
frete foram cortadas pela metade. Enquanto em 1960 havia 106 operadores ferroviários de Classe
I, este número caiu para 7 em 2002 e permaneceu assim desde então.
Todos os elementos descritos por Kotler para caracterizar o declínio ou decadência estão
presentes na descrição da fase de racionalização relatada por Rodrigue (2020). Assim, embora
os ferroviários relutem em usar o termo decadência ou declínio, estes são os termos
específicos utilizados na literatura clássica sobre o assunto.
A insustentabilidade econômica, em regra, decorre do surgimento de uma nova empresa, novo
produto, ou nova forma de atividade mais eficiente, que conquiste a preferência da demanda
do mercado. Assim, o declínio se expressa nas seguintes frases:
A Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, e a Idade do Petróleo terminará muito antes de o
mundo ficar sem petróleo. (Zaki Yamani)
existe um chefe: o cliente. E ele pode demitir todas as pessoas da empresa, do presidente ao
faxineiro, simplesmente levando seu dinheiro para gastar em outro lugar. (Sam Walton)
Estas afirmações são amplamente aceitas no ambiente de negócios como verdadeiras e
expressam uma relação de causa e efeito entre declínio e mudança da preferência do
consumidor por opção melhor. Delas pode-se deduzir que a idade de ouro das ferrovias o
acabou por falta de ferrovias, mas foi sim por que os usuários encontraram transporte melhor.
Neste sentido, o declínio das ferrovias de carga demonstra-se como um fenômeno totalmente
aderente ao modelo de ciclo de vida de produto de Kotler e as causas são as limitações
tecnológicas determinantes da qualidade do serviço ao usuário. O valor do serviço ferroviário
foi e é destruído pelas limitações da tecnologia ferroviária tradicional.
Não foi encontrado qualquer estudo sobre a percepção de qualidade do serviço ferroviário
pelo usuário de carga geral. É estranho que ao longo de muitas décadas de declínio
ferroviário, a questão da qualidade do serviço ferroviário fique ausente nas discussões
sobre a decadência de ramais e de ferrovias.
2.2 Modelagem da cadeia produtiva ferroviária de carga geral.
Outra análise que demonstra a inconsistência da relação causa-efeito entre a falta de apoio
governamental e a decadência é a modelagem da cadeia produtiva das ferrovias de carga
geral. O mapeamento do fluxo de recursos, de materiais e de serviços, é especialmente útil
para analisar a criação de valor e para identificar o papel dos agentes privados e públicos no
contexto geral do setor. Segundo Castro et al (2002) uma das finalidades da analise da cadeia
produtiva é a identificação de fatores críticos à melhoria do desempenho, numa visão
sistêmica.
Em primeiro lugar, é preciso entender que a cadeia produtiva ferroviária é um elo logístico
intermediário no fluxo de outras cadeias produtivas, tais como as cadeias de minérios, de
cereais e de cargas gerais.
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O relevante no entendimento das cadeias produtivas é verificar que elas são formadas por dois
fluxos de sentidos opostos. No sentido de fornecedores aos consumidores finais, o fluxo é
constituído de produtos e de serviços. No sentido oposto, dos consumidores aos fornecedores,
o fluxo é constituído de recursos financeiros e de informações. Veja na Figura 2, uma
representação da cadeia produtiva das ferrovias de carga geral.
Figura 2. Cadeia produtiva das ferrovias de carga geral. Fonte: elaborado pelo autor.
Na cadeia produtiva das ferrovias brasileiras, os principais elos são os fornecedores, o
governo federal, as operadoras e os usuários. O governo federal é praticamente o único
proprietário dos ativos ferroviários. As operadoras são concessões, apenas tem o direito de
uso das malhas para exploração comercial.
Os usuários, os clientes ou os consumidores finais são a fonte de sustentação econômica de
qualquer cadeia produtiva. A finalidade dos agentes envolvidos é a conquista da liderança no
mercado de usuários para garantir o suprimento de recursos necessários para o crescimento
dos negócios. O declínio, na cadeia produtiva ferroviária, surge da incapacidade das
operadoras conquistarem clientes de carga geral.
Além disso, a informação recebida de clientes é um recurso importante para se avaliar o
quanto a atividade cria ou destrói valor. Ela serve para eleger estratégias que promovam o
desenvolvimento e a melhoria da competitividade das entidades envolvidas. Assim, a
informação sobre a percepção de valor do usuário é um recurso chave para orientar a evolução
dos negócios.
Embora a percepção do cliente seja um importante elemento no planejamento dos negócios,
não estudos sobre a satisfação dos clientes de carga geral com o serviço ferroviário. A
única informação que se tem é a crônica falta de clientes. Embora os clientes não verbalizem
suas opiniões, a recusa de fazer negócio por si só já significaria que os clientes ou não gostam
ou encontram barreiras ao serviço ferroviário.
No Brasil, o argumento da falta de políticas públicas como fator responsável pela decadência
das ferrovias não se ajusta ao modelo de cadeia produtiva, isso porque se o governo fosse
responsável pela decadência, ele deveria ocupar a posição de usuário final, mas de fato, o
governo ocupa a posição intermediária na cadeia, atua principalmente como investidor. Se a
sustentabilidade da cadeia depende dos usuários, não cabe dizer que a decadência é por culpa
de falta de recursos governamentais.
Forne-
cedores Opera-
doras Usuá-
rios
produtos e
serviços serviços
R$ e
informação
União
Gover.
produtos e
serviços
R$ e
informação R$ e
informação
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2.3 Decadência ferroviária e o subsídio à infraestrutura rodoviária.
Muitos ferroviários insistem na defesa da tese de que uma concorrência desleal por parte
do modal rodoviário. Apontam existir subsídio ao rodoviário na forma de investimento
governamental a fundo perdido na infraestrutura rodoviária, enquanto os operadores
ferroviários arcam com toda manutenção e expansão de sua infraestrutura. Alegam que este
diferencial de custo é a causa do abandono, nos seguintes termos:
Pneu é infraestrutura zero, ninguém vai instalar trilho p/ rodar um vagão autônomo sozinho com
uma carga que pode ir em um caminhão que não depende de trilho... ...É por isso que o decauville
e as ferrovias de cargas leves caíram em desuso.
No entanto, esta proposição não se mostra verdadeira em muitas situações, tais como:
a) Grandes ramais decadentes ocorrem no planalto paulista (parte da malha Paulista, a
Sorocabana, a malha Oeste da Rumo), um dos maiores territórios de carga geral do
país.
b) O custo rodoviário no Estado de São Paulo é acrescido dos pedágios, um dos maiores
do país.
O custo dos pedágios é o custo da infraestrutura bancado pelo transporte rodoviário, isto é,
pelos usuários do transporte rodoviário. Em termos de comparação, o custo do pedágio no
estado de São Paulo chega a representa algo como 40% da tarifa ferroviária da Rumo, tal
como mostra a tabela 1, a seguir. Por outro lado, a tarifa ferroviária é muito próxima do custo
de frete da tabela de frete mínimo da ANTT.
As rodovias que cobram pedágio são aquelas de grande tráfego de carga e, quase sempre, são
rodovias paralelas a alguma ferrovia desativada ou subutilizada.
Tabela 1. O custo dos pedágios paulistas em termos de reais por TKU e a sua relação com
custo do frete ferroviário da Rumo.
Tarifa quilômetro (Tkm) pedágios paulistas (R$/eixo)
Sistema
Dupla
Simples
Julho/19
0,222882
0,195022
0,139301
Tkm média ida (R$)
0,15
Tkm média volta (R$)
0,15
Tkm por viagem
0,30
Carga por eixo (t)
6,5
Custo pedágio por TKU (tonelada quilômetro útil)
0,0462
Tarifa ferroviária (sem impostos) Rumo 2T20 (R$/TKU)
0,1113
Custo relativo do pedágio em relação ao frete ferroviário
41%
Assim, nem sempre pneu é custo zero de infraestrutura. No caso de SP, está muito longe
disso. Na verdade o usuário arca com o custo do frete mais o custo do pedágio. O custo do
pedágio chega a equivaler a algo como 40% do frete ferroviário.
A arrecadação consolidada dos pedágios paulistas é uma informação indisponível na agência
controladora (ARTESP), mas algumas informações esparsas indicam que a receita das
concessões deve na casa das dezenas de bilhões de reais anuais. Em 2019, o ISS-QN
recolhido aos municípios paulistas
7
somaram R$ 545 milhões, o investimento em obras e
7
https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/iss-sobre-o-pedagio-rende-mais-de-r-545-milhoes-para-municipios-em-2019/
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manutenção (CAPEX) somaram 6,6 bilhões. da Autoban, a receita de pedágio foi de 2,2
bilhões.
O alto custo rodoviário mais o custo do pedágio deveriam ser um forte incentivo para
aumentar a demanda do serviço ferroviário pelas cargas gerais, mas isto não ocorre. Deveria
haver filas de usuários nas estações ferroviárias paulistas, mas o que se encontra são pátios
vazios.
2.4 A decadência ferroviária não é problema de custo
Os materiais ferroviários têm propriedades físicas muito superiores aos materiais rodoviários.
O atrito de rolamento do material ferroviário é 1/20 (5%) do rodoviário, a vida útil é muito
superior (se consomem mais lentamente) e carregam muito mais carga por unidade de
investimento em material rodante. O diferencial de consumo energético, principal custo
variável na mobilidade, é mostrado pelas Figuras 9, a seguir, que apresenta as áreas relativas
de deformação entre roda de caminhão e roda ferroviária e apresenta um gráfico com curvas
de demanda energética no deslocamento.
Figura 9. Ilustração do diferencial de deformação e de atrito de rolamento dos materiais.
Fonte: BHRA (2012)
As propriedades superiores dos materiais conferem às ferrovias a possibilidade de operar com
um custo ferroviário muito competitivo, e isto deveria ser um forte atributo para que
conquistassem o mercado. As ferrovias deveriam estar prosperando, deveriam dominar o
mercado de cargas gerais. Mas isto não acontece. O que se encontra é a decadência e o
abandono. Todo o poder superior dos materiais ferroviários está sendo perdido.
No mercado ferroviário de cargas gerais, o declínio acontece porque quem decide é o cliente.
O cliente compara valor com o custo, e haverá negócio se o valor do serviço for igual ou
superior ao custo.
Valor é uma avaliação subjetiva do usuário, relativa a outras oportunidades. Se o custo
ferroviário, que é financeiro, é muito inferior ao rodoviário, e mesmo assim faltam clientes,
isto quer dizer que o problema não é de custo, mas sim de valor. Baixo valor ferroviário é
lentidão, custos de transbordo, carga mínima muito grande, dificuldade de acesso, etc. Em
outras palavras, o baixo custo ferroviário é uma vantagem insuficiente para conquistar
preferencia do usuário.
Deste entendimento, pode-se esperar que a pesquisa tecnológica tradicional que busquem
redução de custo terá pouco ou nenhum efeito na melhoria da relação entre a ferrovia e o
mercado de cargas gerais.
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2.5 Correlação estatística entre diversidade de cargas e desempenho econômico
A Figura 3, a seguir, é uma representação gráfica da diversidade de cargas das companhias
ferroviárias na forma de curvas de Lorenz. Essas curvas são construídas ao se acumular a
participação percentual de cada tipo de carga dispostas em ordem crescente de participação,
isto é, da relação entre o volume de TKU de cada tipo carga em relação ao total de TKU da
ferrovia. Nessa figura duas áreas, A (branco) e B (cinza) que somadas formam a área do
triângulo abaixo da diagonal. Quanto maior a área de A e menor será a de B.
Figura 3. Curvas de Lorenz para as cargas das ferrovias brasileiras em 2003 e 2004.
O índice de homogeneidade de cargas, análogo ao coeficiente de Gini, foi calculado pela
divisão da área de B pela soma das áreas de A e B (Índice = B/(A+B)), ou seja, quanto menor
o índice, mais heterogênea é a carga transportada. O índice varia de zero (heterogênea) a um
(homogênea).
Figura 4. Gráfico de dispersão de dados ordenados entre volume e índice de homogeneidade.
Os índices de homogeneidade de cargas foram pareados aos dados de desempenho
econômico, tais como NOPAT, ROI e volume de carga. Os resultados da análise estatística
apresentaram R superiores aos valores críticos da tabela de Person, conforme Triola (2013), o
que significa que as correlações encontradas são estatisticamente significativas.
A Figura 4, na página anterior, apresenta a correlação positiva entre homogeneidade de carga,
aumento de volume e resultado. A mesma correlação positiva, por outro lado, pode ser
interpretado como uma confirmação de que o modelo ferroviário tradicional não está
preparado para operar com cargas heterogêneas.
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A análise estatística realizada com índice de homogeneidade de cargas indica que a condição

companhias ferroviárias dependem da oferta de carga no território onde atuam, quando só
cargas heterogêneas, o desempenho econômico/operacional é ruim. Essa é uma condição não
administrável, externa a operadora. Isto sugere que a decadência de ramais ferroviários está
relacionada à incapacidade da tecnologia ferroviária tradicional de competir no mercado de
cargas gerais no território onde estão instaladas.
2.6 Análise da estatística operacional das ferrovias de carga brasileiras
Na análise da estatística operacional das ferrovias brasileira encontram-se dois grupos de
operadoras, um formado pelas ferrovias produtivas e rentáveis, as quais transportam minérios
e grãos para portos e as ferrovias improdutivas, aquelas desprovidas de carga homogênea e
em alto volume. A figura 5, a seguir, mostra essa diferença expressiva do indicador de
produtividade medida na forma de milhar de TKU por vagão anual.
Figura 5. Produtividade dos vagões em TKU. Fonte: autor com dados da ANTT (2017).
Os ramais malha tramo sul (RMS) e tramo oeste (RMO) são exemplos de ferrovias
desprovidas de minério ou grãos. O ramal paulista (RMP) aparece com baixa produtividade,
mas não pode ser considerado como um ramal de carga geral, pois forma um corredor de
exportação junto com o ramal malha norte (RMN).
A produtividade medida pelo percurso médio, mostrada na figura 6, demonstra a que a
diferença fica maior ainda entre ferrovias de corredor de exportação e aquelas de carga geral.
Esse parâmetro está diretamente relacionado à capacidade da geração de receita e lucro da
frota.
Figura 6. Produtividade mensal do vagão. Fonte: autor com dados da ANTT (2017).
-
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
7.000
8.000
9.000
MRS EFVM EFC RMS RMO RMP RMN VLI
TKU mil/Vagão/ano
PRODUTIVIDADE VAGÃO 2017
11
Prof. Sérgio Torggler set 2022
Ao analisar a produtividade da malha, conforme a figura 7, na página seguinte, em termos de
milhares de TKU por quilômetro de linha, as diferenças de produtividade ficam maiores
ainda. Esta relação é uma proxy da sustentabilidade econômica da via permanente, pois
relaciona receita e margem de contribuição ao investimento na malha e também está
relacionada a capacidade dar manutenção e reposição dos ativos depreciáveis da malha.
Figura 7. Produtividade da malha, em TKU MM por km de malha.
Fonte: autor com dados da ANTT (2017).
O baixo volume de carga nos ramais decadentes não significa ausência de carga no mercado.
Por exemplo, a malha sul (RMS) apresenta uma das mais baixas produtividades, no entanto
ela está estabelecida paralela a um dos maiores corredores de cargas gerais do país, entre
Porto Alegre e São Paulo, mas na ferrovia quase nada é transportado no sentido norte sul.
Quando se analisa em detalhe a operação da malha sul verifica-se que o serviço não é
homogêneo em toda rede, uma grande parte do volume transportado se apenas em porção
modesta da malha, em trajetos oeste-leste, nos corredores de exportação entre o interior e os
portos. Neste sentido, mesmo que de forma indireta, esta situação corrobora a tese de que a
tecnologia ferroviária é incapaz de competir por cargas gerais.
2.7 Análise econômica comparativa das operadoras do setor ferroviário brasileiro e
norte americano.
Este tópico se dedica a revisar conceitos e métricas relacionadas ao desempenho econômico
corporativo e a sua aplicação aos dados das operadoras ferroviárias brasileiras e norte-
americanas.
Segundo o modelo de análise econômico-financeira das empresas de Assaf Neto (2020), todas
as empresas são entidades intermediadoras de recursos, elas captam recursos com os credores
(passivos e patrimônio líquido) e aplicam no negócio (ativos). Os credores se dividem em três
tipos: os credores de renda variável, chamados de sócios ou acionistas, os quais são
remunerados pelo lucro distribuído e/ou pela variação patrimonial; os credores de renda fixa,
aqueles que são remunerados pelos juros cobrados sobre o capital emprestado; e os credores
de funcionamento, aqueles cuja remuneração está embutida no preço do recurso vendido para
a entidade.
Os recursos necessários ao negócio são chamados de investimento, abrangem bens materiais,
bens intangíveis e bens financeiros, todos sob o controle da entidade e dosados para
maximizar as receitas e o resultado. Para cálculo financeiro, o investimento corresponde à
soma das dívidas dos credores de renda fixa com as dívidas dos credores de renda variável.
12
Prof. Sérgio Torggler set 2022
A atividade operacional consome recursos para manter-se em funcionamento, consumo este
denominado de despesas. As despesas representam uma variedade ampla de consumo de
recursos, tais como o consumo de ativos materiais (estoques e depreciação de ativo
permanente), de ativos intangíveis (amortização de ágio), de gastos com serviços de terceiros
(energia, telecomunicações, internet, mão de obra), de remuneração de capital de terceiros
(alugueis e juros), de obrigações tributárias (impostos, taxas, licenças) etc.
Relevante também destacar que o consumo de recursos na atividade operacional se dá de duas
formas, de forma variável e de forma fixa. O consumo variável de recursos é aquele
proporcional ao serviço, à produção ou à receita da entidade, também chamado de despesas
variáveis. Exemplos de despesas variáveis são os impostos sobre vendas, as mercadorias
entregues aos clientes, as comissões, etc. O consumo fixo de recursos não depende da
quantidade de mercadoria ou do volume de serviço transacionado, mas sim apenas do tempo
que o recurso ficar disponível. Temos neste grupo as despesas fixas com salários, aluguéis,
depreciação, juros, tributos sobre patrimônio e lucro, taxas e as licenças, etc.
Embora os custos também se comportem como fixos e variáveis, os custos não são despesas,
elas são recursos consumidos nas transações internas de entidade, aquelas dedicadas à
transformação de insumos em produtos e serviços prontos para venda. Os custos não
representam recursos permutados com clientes para obter receita e por isso não são
computadas no resultado.
A receita é o registro do ato do cliente aceitar o preço e demais condições comerciais
ofertadas. O lucro ou prejuízo surge da confrontação entre as receitas e as despesas incorridas
num período contábil. Essa confrontação é demonstrada no relatório chamado Demonstração
do Resultado do Exercício.
A revisão de conceitos contábeis foi apresentada para podermos explicar o significado dos
principais indicadores de desempenho econômico, a saber:
ROI - é a taxa de rendimento do investimento no negócio. Ele é obtido pela divisão do
lucro antes das despesas financeiras, líquido de impostos (NOPAT), pelo montante
inicial de investimento no negócio, ou seja, a soma das dívidas de credores de renda
fixa e de renda variável, no início do período contábil.
Ki - é a taxa média do custo das dívidas dos credores de renda fixa, ele é obtido pela
divisão das despesas financeiras líquidas do benefício tributário pelo montante inicial
das dívidas com os credores de renda fixa.
RSPL - é a taxa de rendimento dos credores de renda variável, ele é calculado pela
divisão do lucro líquido pelas dívidas inicial dos credores de renda variável.
Os credores de renda variável são os investidores que mais riscos incorrem no negócio. Eles
não têm data para resgate do capital e o rendimento é residual, ou seja, recebem apenas a
sobra, depois de se remunerar todos os demais credores. Para os credores de renda variável
não interessa qualquer lucro, o lucro é satisfatório quando o RSPL for superior ao
rendimento dos credores de renda fixa (Ki) e for igual ou superior ao custo de oportunidade
em outros negócios de risco semelhante (Ke).
13
Prof. Sérgio Torggler set 2022
A alavancagem financeira se faz pela captação de recursos com credores de renda fixa para
aumentar o investimento no negócio. Este mecanismo de captação de recursos para
crescimento é compensador quando o rendimento do investimento (ROI) é superior ao
custo das dívidas de renda fixa (Ki).
Após a revisão dos conceitos, podemos interpretar os indicadores obtidos com dados
financeiros das principais ferrovias brasileiras e das ferrovias class one norte-americanas, tal
como apresentado na tabela 1, a seguir.
A primeira informação que se destaca na Tabela 2, a seguir, é a grande diferença de tamanho
entre ferrovias brasileiras e norte-americanas. As receitas das operadoras norte-americanas
chegam a ser dezenas de vezes maiores que as receitas das operadoras brasileiras. A receita da
menor ferrovia norte-americana é maior do que a receita do maior grupo de ferrovia brasileira,
a Rumo.
Tabela 2. Análise de indicadores econômicos das demonstrações contábeis das principais
ferrovias brasileiras e norte americanas.
FERROVIA
EXER-
CÍCIO
RECEITAS
LÍQUIDAS
R$ MM
ROI
Ki
RSPL
FERROVIA
EXER-
CÍCIO
RECEITAS
LÍQUIDAS
US$ MM
ROI
Ki
RSPL
MRS
2019
3.201
11,0%
8,6%
14,0%
UPR
2018
22.832
17,4%
3,7%
61,0%
EFVM
2018
2.194
5,2%
10,9%
2,9%
BNSF
2018
23.855
10,0%
4,7%
19,2%
EFC
2018
7.723
14,1%
4,0%
43,0%
CSX
2018
12.250
15,7%
4,3%
51,1%
VLI-FCA
2019
2.417
0,7%
5,0%
-2,0%
NSR
2018
11.458
13,2%
5,3%
29,2%
VLI-FNSTN
2019
876
12,4%
0,8%
14,3%
KCS
2018
2.714
9,3%
3,6%
20,8%
VLI Multimodal
2019
2.646
4,0%
8,7%
0,4%
CNR/GTC
2018
14.321
18,4%
4,0%
47,5%
RumoMS
2018
1.372
-0,7%
13,0%
-21,6%
CPR/SLC
2018
7.316
17,3%
5,3%
63,9%
RumoMO
2018
89
-34,0%
7,6%
29,6%*
RumoMP
2018
1.866
2,2%
5,4%
657,8%*
RumoMN
2018
3.846
12,2%
7,1%
27,2%
Rumo-CONTR.
2018
645
4,2%
8,2%
3,4%
Rumo-CONSOL.
2018
6.585
6,6%
8,4%
3,4%
BRASIL
33.461
USA
94.746
Fonte: autor com base nas demonstrações contábeis das empresas brasileiras (ANTT) e relatórios K10 das empresas norte-americanas.
Câmbio médio de 2018 foi de 3,65 R$/US$ e 2,77 R$/CN$. * = Os patrimônios líquidos da Rumo MO e da Rumo MP são negativos.
A rentabilidade superior das operadoras norte-americanas é segunda informação relevante.
Em todas as ferrovias class one, o ROI supera o Ki, com isso, o efeito positivo na
alavancagem financeira produz RSPL em níveis muito elevados, alguns superam 60% ao ano.
No lado brasileiro, a situação é oposta, em muitas delas o ROI é inferior ao Ki, o que faz com
que o RSPL seja negativo ou menor que o Ki.
Os dados das operadoras norte-americanas devem ser utilizados apenas como referência
(benchmark) de rentabilidade. Toda essa diferença é o reflexo de uma gama muito ampla de
fatores, tais como o processo histórico, o ambiente econômico, social, institucional e
regulatório. Além do que, até o final do século XX, os norte-americanos abandonaram 56% da
malha que existia no início do período.
O motivo principal desta análise é demonstrar que a decadência é um fenômeno ainda não foi
superado nas ferrovias brasileiras. Isso fica evidente em diversas operações ferroviárias em
razão da baixíssima rentabilidade, algumas com resultado negativo, situação que permite
afirmar que estas ferrovias tem sua continuidade ameaçada em razão da insustentabilidade
econômica da operação.
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Prof. Sérgio Torggler set 2022
Em 2018, as principais operações ferroviárias eram organizadas em quatro grupos
controladores distintos: Vale (EFC e EFVM), VLI Multimodal (FCA e FNSTN), Rumo
(RMS, RMO, RMP e RMN) e MRS Logistica.
As malhas da Rumo formam duas operações distintas. Um corredor de exportação de grãos
chamada de operação norte, formada pela malha Paulista e malha Norte. Estas malhas devem
ser tratadas em conjunto, como se uma única ferrovia fosse. A malha Sul e Oeste são
operações dedicadas ao mercado de cargas gerais, elas são muito deficitárias. A análise do
consolidado da Rumo apresentou um ROI de apenas 6,6% em 2018, o RSPL dos credores de
renda variável foi de apenas 3,4% ao ano, menos da metade do rendimento dos credores de
renda fixa (Ki) que foi de 8,4%.
A RUMO já tentou abandonar a malha Oeste, mas teve de retoma-la para não perder o direito
de renovar antecipadamente o direito de concessão da malha Paulista e manter o corredor de
exportação com a malha Norte. Essa malha será devolvida à União ao término do contrato de
concessão atual, em 2004. Muito provavelmente, não haverá interessado em nova licitação.
As malhas Paulista e Norte não podem ser analisadas em separado, porque ambas formam um
corredor de grãos entre o Mato Grosso e o porto de Santos, todas as cargas embarcadas no
Mato Grosso com destino ao porto de Santos trafegam por ambas as malhas. As receitas são
registradas pelas malhas de origem, por isso as receitas de da malha paulista são baixas,
porque os vagões em grande parte voltam vazios para o Mato Grosso.
Outra observação relevante é destacar que vários ramais da malha Paulista não participam do
corredor de exportação, ou seja, o desempenho da malha Paulista é afetado negativamente
pela manutenção de uma expressiva malha deficitária.
Em razão do corredor de grãos, a maior parte dos investimentos do projeto de renovação da
concessão da Rumo será aplicada na operação norte. Os investimentos devem promover a
eliminação de importantes gargalos para aumentar a velocidade média de trânsito e a
produtividade geral. Realmente, esta é a melhor estratégia para aumentar substancialmente a
produtividade e a rentabilidade da operação norte.
Os novos investimentos na malha Sul e na malha Oeste dependem em grande parte de
investidores estrangeiros. As malhas Sul e Oeste, correspondente a 76% da malha total da
RUMO, caso os novos investimentos não aconteçam, estarão ameaçada de abandono, pois são
ferrovias muito deficitárias.
O modelo de concessão aplicado na RUMO provoca uma distorção no mercado. Os clientes
da operação Norte acabam subsidiando os usuários da operação Sul. É um esquema de
subsídio cruzado.
A VLI Multimodal, controladora da FCA e FNSTN também padecem do mesmo problema da
Rumo. Operam rentáveis corredores de exportação na FNSTN e parte da FCA. No entanto, a
FCA carrega na sua operação algo como 4 mil quilômetros de malhas deficitárias.
A decadência é consequência da insustentabilidade econômica, que por sua vez é
consequência da falta de cargas e da falta de clientes. Além disso, o que se percebe em
algumas malhas decadentes, tal como a malha Sul da Rumo, é que uma abundância de
15
Prof. Sérgio Torggler set 2022
cargas gerais no mercado, mas a ferrovia é preterida pelos usuários pelo uso do caminhão.
Então, o que se pode deduzir é que nestes casos, o problema é tecnológico, pois cargas,
mas a qualidade e a forma do serviço ferroviário não atende o desejo do mercado.
2.8 A decadência ferroviária não é problema de baixas tarifas, mas de baixa
produtividade.
Uma forma de se comparar tarifas é utilizar a unidade de receita por TKU (tonelada
quilômetro útil) de mercadorias transportadas, ou seja, divide-se a receita anual pelo volume
de carga transportada em TKU. A Tabela 3 mostra a comparação entre as tarifas unitárias das
empresas brasileiras e norte-americanas, após conversão pelo câmbio médio do período de
2017. A média ponderada da tarifa unitária das operadoras norte-americanas é 46% maior
que a tarifa equivalente das operadoras brasileiras. Essa diferença poderia explicar a
dificuldade de algumas operadoras brasileiras?
Tabela 3. Tarifa unitária de 2017 das operadoras brasileiras e norte americanas em reais.
FERROVIA
SERVIÇO
ANUAL
RECEITA
LÍQUIDA
ANUAL
RECEITA POR
TKU
FERROVIA
SERVIÇO
ANUAL
RECEITA
LÍQUIDA
ANUAL
RECEITA POR
TKU
TKU MM
R$ MM
R$/TKU
TKU MM
R$ MM
R$/TKU
MRS
63.909
3.493
0,055
UPR
750.954
63.280
0,084
EFVM
73.518
2.567
0,035
BNSF
1.071.510
65.095
0,061
EFC
155.538
6.021
0,039
CSX
334.876
35.004
0,105
RMS
13.556
1.283
0,089
NSR
324.136
33.658
0,104
RMO
858
KCS
55.642
8.176
0,147
RMP
3.444
4.440
0,126
CNR/GTC
381.491
31.617
0,083
RMN
31.663
CPR/SLC
229.347
15.456
0,067
FCA
24.429
2.125
0,087
FNSTN
7.315
681
0,093
USA
3.147.957
252.285
0,080
BRASIL
375.080
20.609
0,055
USA/BR
8,4
12,2
1,46
Ao se compara as tarifas das operadoras brasileiras deficitárias com as norte-americanas,
verifica-se que a diferença de tarifa não explica a diferença de resultado econômico, pois as
tarifas das operadoras brasileiras deficitárias não diferiam das tarifas das operadoras norte-
americanas.
Outra observação a se fazer sobre a relação entre tarifa e produtividade é verificar uma
correlação inversa moderada, isto é, quanto mais produtiva a ferrovia, menores são as tarifas,
tal como ilustrado na Figura 7, a seguir.
Figura 7. Gráficos de dispersão que relaciona tarifa e volume de carga das ferrovias brasileiras
e norte-americanas.
y = -5E-07x + 0,0999
R² = 0,5215
-
0,050
0,100
0,150
- 50.000 100.000 150.000 200.000
R$/TKU
TKU/ano
brasileiras
y = -6E-08x + 0,1183
R² = 0,4511
-
0,050
0,100
0,150
0,200
- 500.000 1.000.000 1.500.000
R$/TKU
TKU/ano
norte-americanas
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Prof. Sérgio Torggler set 2022
Outra forma de interpretar esta relação é dizer que quanto menor a produtividade o serviço é
tende a ficar mais caro para os usuários, ou seja, a improdutividade desperdiça os benefícios
superiores dos materiais ferroviários.
A tarifa da EFVM era 72% menor que a tarifa da Rumo. Muito provavelmente, a Rumo cobra
uma alta tarifa em seu melhor negócio, o corredor de exportação para o porto de Santos,
porque a concorrência rodoviária é onerada pelos pedágios. Com isso, a Rumo consegue
promove um subsídio cruzado para sustentar ramais decadentes.
O que se verifica pela Tabela 4, a seguir, é que a produtividade é o verdadeiro fator de
sucesso do negócio ferroviário, na Tabela 3 medida na forma de volume de TKU por vagão e
por quilômetro de malha.
Tabela 4. Produtividade da malha e da frota de vagões nas operadoras brasileiras e norte-
americanas em 2017.
2017
Malha
própria
Vagões
Serviço
anual
Produ-
tividade
malha
Produ-
tividade
vagão
Malha
própria
Vagões
Serviço
anual
Prod. u-
tividade
malha
Produ-
tividade
vagão
km
UNID.
TKU MM
TKU
M/km
TKU
M/V
km
UNID.
TKU MM
TKU
M/km
TKU
M/V
MRS
1.686
18.779
63.909
37.906
3.468
UPR
51.695
64.191
750.954
14.527
11.699
EFVM
895
19.099
73.518
82.143
3.978
BNSF
37.015
72.369
1.071.510
28.948
14.806
EFC
978
19.008
155.538
159.036
8.360
CSX
25.144
60.151
334.876
13.318
5.567
RMS
7.223
9.742
13.556
1.877
1.389
NSR
23.675
62.554
324.136
13.691
5.182
RMO
1.973
896
858
435
944
KCS
4.595
20.538
55.642
12.110
2.709
RMP
2.055
3.699
3.444
12.583
945
CNR/GTC
31.376
nd
381.491
12.159
Nd
RMN
735
6.160
31.663
5.112
CPR/SLC
20.099
35.952
229.347
11.411
6.379
FCA
7.223
17.883
24.429
3.382
1.372
FNSTN
723
2.401
7.315
10.118
3.328
EFTC
163
448
206
1.262
463
FTL
4.295
1.781
645
150
356
USA
193.599
315.755
3.147.957
16.260
8.761
BRASIL
27.949
99.897
375.080
13.420
3.755
USA/BR
6,9
3,2
8,4
1,21
2,33
A produtividade de carga por quilômetro de via também é muito distante entre as empresas
rentáveis das deficitárias. Este indicador tem relação com a capacidade da atividade gerar
lucro para remunerar o investimento na via permanente e promover sua renovação.
2.9 As barreiras à qualidade do serviço ferroviário de carga geral.
A meta de atendimento aos clientes de carga geral deveria ser trata-los como se passageiros
fossem. Marcar hora, embarcar e viajar até o destino num tempo semelhante ou inferior ao do
concorrente direto, o rodoviário. Acontece que, no modelo produtivo das ferrovias
tradicionais, essa meta de tratamento é impossível de ser realizada devido às diversas
restrições do processo produtivo.
Em outros termos, o desafio da qualidade é multifatorial e a teoria das restrições de Goldratt,
tal como apresentada por Guerreiro (1996), aponta que quando muitos fatores críticos
impedem o cumprimento da meta, a meta será atingida se todas as restrições forem
eliminadas simultaneamente.
Essa condição explica porque todas as tentativas de fazer a ferrovia competitiva com cargas
gerais fracassaram. Elas falharam porque não se eliminaram todos os fatores de restrição
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simultaneamente. Ora se eliminava uma restrição, ora outra, mas a qualidade final pouco se
alterou.
A demanda do mercado de cargas gerais é caracterizada pela carga embarcada em caminhão
ou em contêiner, bem como se caracteriza como carga heterogênea, tanto em tipos como em
termos de origens e destinos, uma operação em malha ramificada com múltiplas entradas e
saídas, trecho de percurso de curto a longo. A mobilidade da carga geral é orientada para a
distribuição e para a captação de cargas em grandes espaços geográficos bidimensionais.
O modelo ferroviário tradicional é preparado para trajetos lineares, funciona bem se for
dedicado a corredor de exportação, para atender poucos tipos de carga, em alto volume e de
longa distância. As exceções existem quando restrição geográfica ou climática ao uso do
rodoviário.
Para resgatar os ramais deficitários é preciso que a ferrovia produza um serviço de alta
qualidade ao mercado de cargas gerais. Assim, é necessário que a tecnologia ferroviária se
transforme para superar simultaneamente as seguintes restrições:
a) 
entregam na porta de destino. Para atender ao mercado de carga geral, a carga passa
obrigatoriamente pelo rodoviário nas duas extremidades do percurso. Esta restrição
onera a operação com o custo de transbordos.
b) A inviolabilidade da carga. O transbordo de carga embarcada em caminhões
adicionam perdas de manuseio e violam cargas que exigem segurança e controle. O
uso de contêiner minimiza estes problemas.
c) A dificuldade e a demora de embarque e desembarque. Além do custo de embarque e
desembarque, o tempo de operação corrói o valor do serviço ferroviário.
d) Peso mínimo de embarque. O dimensionamento das cargas ferroviárias evoluiu através
do tempo para altas capacidades de carga, hoje varia de 80t a 120t por vagão.
Acontece que a carga geral padrão do mercado é da ordem de 6,5t por eixo rodoviário
e a carga total de um caminhão de 7 eixos fica por volta de 32t. O cliente precisa
juntar 3 cargas rodoviárias para ocupar um vagão.
e) O peso mínimo de transporte elevado, a diminuição da frequência e a lentidão do
transporte aumentam o tempo de giro de estoque da mercadoria do usuário, e esse
aumento de tempo aumenta a demanda de capital de giro (opex / NIG), forte restrição
na decisão do usuário.
f) Por motivos operacionais, apresentado no item d, a ferrovia exige que haja uma
ocupação mínima de carga bem alta nos vagões, e cobra pela ocupação disponível não
utilizada. Isso também pesa na decisão do cliente.
g) O tráfego em composições com locomotivas. O tráfego em composições demanda
uma rígida ordem de pesos dos vagões. Os vagões mais pesados devem ficar próximo
da locomotiva e os vazios devem ficam longe. Esta regra existe para não haver
descarrilamento quando houver compressão/estiramento das composições, uma vez
que os vagões vazios no meio da composição de cheios são facilmente 
h) Cassemiro et ali (2019) relatam a rigidez das composições e a complexidade de fatores
na alocação de locomotivas:
 
de uma maneira padrão para determinado trem tipo. ... Este grupo de vagões faz vários ciclos
de viagens, carregando, transportando, descarregando e retornando a origem sucessivas vezes.
18
Prof. Sérgio Torggler set 2022
Em sua grande maioria, são cíclicos, pois eles partem de determinado local e retornam ao
mesmo, na maioria das vezes, com a mesma composição
a) A organização das composições por peso cria dois problemas aos negócios com carga
geral. O primeiro é exigir peso mínimo         
segundo problema é o aumento de tempo nos pátios, isso porque em todo pátio onde
haja entrada e saída de vagões na composição, esta deverá ser desmontada e
remontada na ordem de peso. Enquanto um vagão é remanejado, os outros esperam. O
aumento do tempo de percurso destrói o valor do serviço.
b) O conflito de tráfego nos pátios lineares. Os tradicionais pátios ferroviários de traçado
linear promovem conflitos de tráfego quando se faz necessário reorganizar
composições por destino e peso. Enquanto uma unidade trafega por uma chave do
pátio, as demais unidades precisam ficar esperando. Por isso, as operações de
organização de composições consomem muito tempo de pátio.
c) A especificidade de ativos. As cargas gerais são caracterizadas pela diversidade de
produtos e também pela diversidade de carrocerias e dispositivos de armazenamento
especiais. Assim, o usual é que as cargas gerais exigem um tipo de carroceria especial
para cada tipo de carga, tais como produtos químicos, gases, madeira, bebidas,
refrigerados etc. No modelo tradicional, a ferrovia precisaria dispor de tais
dispositivos especiais para cada tipo de carga, mas essa oferta de vagões especiais é
inviável de ser feita pelas ferrovias. Haveria duplicação de ativos para um serviço que
usa somente um no rodoviário. Assim, exigência de ativos especiais é uma das
maiores barreiras de acesso do mercado de cargas gerais ao uso de ferrovias.
d) O tráfego em linha singela. O trafego em linha singela exige um rigoroso controle de
horários de passagem. Perdas de tempo no aguardo de janelas de passagem aumentam
o tempo de percurso o que reduz o valor do serviço.
Os fatores de restrição à melhoria da qualidade do serviço são os verdadeiros elementos que
promovem a decadência ferroviária, pois são eles que impedem as ferrovias de conquistar
clientes no mercado de cargas gerais.
A não remoção de todos os fatores de restrição torna a qualidade do serviço ferroviário
insuportavelmente ruim para os usuários.
2.10 Resumo dos argumentos sobre as causas da decadência ferroviária
Ao longo de décadas, muitos agentes relacionados ao mercado ferroviário alegam que a
decadência é um fenômeno provocado pela falta de investimento público na modernização da
infraestrutura.
Hoje, a má qualidade das linhas pode até ser um grande fator limitante, mas a visão de que o
declínio é por falta de apoio governamental precisa ser contestada. O entendimento que
precisa prevalecer é que a tecnologia ferroviária tradicional é imprópria para o mercado de
carga geral e o declínio é uma consequência da tecnologia nos seguintes termos:
a) A sequência verdadeira dos fatos é que o transporte rodoviário drenou as cargas do
mercado e as ferrovias ficaram com as sobras. O abandono e a falta de manutenção da
via permanente foram consequências da falta de receitas e da crise de liquidez das
operadoras.
19
Prof. Sérgio Torggler set 2022
b) O investimento público na recuperação da via permanente e na renovação da frota será
insuficiente para recuperar a sustentabilidade econômica da ferrovia, a renovação da
malha e da frota não altera a qualidade do serviço.
c) Se o sucesso ferroviário dependesse apenas dos ativos novos, investidores surgiriam
espontaneamente para apoiar revitalização de ramais decadentes, mas isto não
acontece.
d) Não se pode alegar falta de carga, pois cargas existem, o que não existe são cargas de
minérios e de grão em alto volume para as ferrovias decadentes. Como podem ser
improdutivos os ramais ferroviários que cortam os estados mais ricos do país? Não há
cargas nesse mercado?
e) A ideia de uma desleal falta de apoio governamental ao setor é uma resposta fácil para
um problema complexo, pode ser atraente e útil, mas ela não se sustenta quando se
observa que o declínio ferroviário foi um fenômeno mundial, isto é, para que a ideia
do conluio fosse válida, seria necessária uma conspiração global, na qual quase todos
os governos no mundo participaram (EUA, Inglaterra, Alemanha, etc), o que é pouco
crível.
f) Na cadeia produtiva ferroviária, os governos atuam como investidores, enquanto que a
sustentabilidade das ferrovias é uma função dependente da demanda de usuários,
portanto, o sucesso das ferrovias não depende dos governos.
g) Por fim, as evidências apontam é que o serviço ferroviário tradicional é de baixo valor
aos olhos dos clientes. Assim, a verdadeira causa da decadência ferroviária é a própria
tecnologia tradicional ferroviária, ela impõe severas restrições operacionais à melhoria
do serviço ao mercado de cargas gerais. A qualidade do serviço da tecnologia
ferroviária do século XIX é incompatível com a demanda do mercado de cargas do
século XXI.
3 A decadência em andamento e os ativos em risco
A decadência não é uma situação que surge de forma instantânea. Ela advém da
insustentabilidade econômica da atividade e de seus efeitos cumulativos de longo prazo.
Começa com receitas e margens insuficientes, seguida de falta de liquidez que resultam na
falta de investimento na reposição dos ativos depreciáveis. Então, chega um dia em que todos
os ativos estão no fim da vida útil e não recursos para adquirir novos, e quando faltam
recursos para honrar compromissos correntes, os credores, na intenção de resgatarem seus
recursos, entrem na justiça com pedido de falência. Os efeitos da decadência podem demorar
muitos anos ou até mesmo décadas para se tornar agudo, mas o processo é inexorável.
A insustentabilidade econômica pode ser definida como a incapacidade da atividade em
remunerar seus investidores satisfatoriamente, ou seja, remunerar os investidores por uma
taxa igual ou superior ao custo de oportunidade do capital.
Diversas operadoras passaram por essa história no passado. Hoje, algumas grandes operadoras
ainda caminham nessa trilha. O montante de ativos ferroviários em risco somam muitas
dezenas de bilhões de reais.
Em razão da decadência, as ferrovias foram estatizadas entre os anos 50 e 70. As ferrovias de
minério, que eram as únicas lucrativas, ficaram no setor privado, tal como Ferrovia Vitória
Minas. Na época, os volumes de grãos para exportação ainda não eram tão expressivos.
20
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nos anos 90, o governo não mais suportava sustentar as ferrovias deficitárias. Como o
abandono das ferrovias era uma decisão politicamente desgastante, foi criado o programa de
privatização. Esta iniciativa foi fundamentada na tese de que o prejuízo das ferrovias era
resultado da má gestão pública, de que bastaria um choque de gestão privada para as ferrovias
recuperarem sua rentabilidade. Somou-se a esse discurso o forte crescimento do mercado de
grãos para exportação, o que tornava a privatização um negócio atraente. Na imprensa,
notícias sobre gestão pública das ferrovias eram recorrentes. Havia uma grande
expectativa de a privatização promover a prosperidade no setor.
O ambiente era favorável, os leilões de privatização foram um sucesso. Empreendedores,
entre eles Olacir de Morais (o rei da soja dos anos 80-90), assumiram importantes malhas,
grande parte com apoio do BNDES e BNDESPar. O governo federal fez uma grande
arrecadação e ao mesmo tempo se livrou do fardo das ferrovias. No entanto, a privatização
não foi suficiente para resolver o problema de sustentabilidade. Muitas ferrovias continuaram
deficitárias. O modelo de privatização juntava em cada pacote de leilão ferrovias rentáveis
com outras decadentes. Quem quisesse adquirir uma concessão ferroviária promissora era
obrigado a assumir outras decadentes.
Até hoje, os efeitos desse modelo de privatização produzem seus efeitos. A rentabilidade das
operadoras ferroviárias é de sofrível a ruim, não porque os corredores de exportação sejam
ruins, mas sim porque as operadoras carregam o peso morto dos ramais deficitários. A
operação norte da Rumo, que forma um corredor de exportação com a junção da malha
Paulista e malha Norte é produtiva e rentável. Já, a operação sul, que é formada pelas malhas
Sul e a malha Oeste, é deficitária, tornando o resultado global da Rumo insatisfatório. O
mesmo ocorre com as operações da VLI Multimodal, ela opera um corredor de exportação
rentável, mas o resultado global é prejudicado pelo peso morto de milhares de quilômetros de
malha deficitária.
No Brasil a malha em risco de abandono é algo entre 15 a 20 mil quilômetros. Segundo
Camporez (2020), a Associação Nacional dos Usuários de transporte apontam que 18 mil
quilômetros de malha estão sob risco de abandono. Por exemplo, a RUMO é responsável por
um pouco mais de 9 mil km de ramais subutilizados ou improdutivos. A FCA é responsável
por algo como quatro mil quilômetros de malha deficitária.
As malhas Sul e Oeste respondem por 73% da extensão da via permanente da RUMO, ou
seja, as operações deficitárias ocorrem em quase três quartos da malha da operadora. Estes
ativos em risco, se hoje fossem construídos, custariam algo como R$ 80 bilhões.
O modelo de privatização ferroviária adotada no país licitou as ferrovias em grupos, juntando
ramais produtivos e com improdutivos num mesmo pacote. Neste modelo, os usuários dos
ramais produtivos devem pagar um frete mais caro de tal modo que sustentem também os

4 Recomendações para a melhoria da eficiência econômica das ferrovias.
As estratégias para a melhoria do desempenho econômico das ferrovias deve se diferenciar
entre as estratégias para corredores de exportação e as estratégias para ramais deficitários.
Não se deve pensar em solução única para negócios com perfil de usuários tão diversos.
21
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4.1 Recomendações para melhoria dos corredores de exportação
Nos corredores de exportação de minério e grãos, as estratégias devem ser o de
aperfeiçoamento gradual do modelo ferroviário tradicional: aumento da capacidade de carga
dos vagões, aumento das composições, aumento da velocidade de trânsito das composições,
melhoria da via permanente, melhoria da sinalização, mudar traçado para fora de áreas
urbanas, etc. Este artigo não tem por objetivo relatar estas recomendações porque elas são
amplamente conhecidas e muito bem estudadas pela engenharia ferroviária tradicional.
4.2 Recomendações para melhoria dos ramais decadentes automação e outras
inovações
O foco deste trabalho é fazer recomendações para se recuperar a sustentabilidade econômica
dos ramais decadentes, aqueles que não participam de corredores de exportação.
A comunidade ferroviária brasileira apresenta três alternativas à insustentabilidade
econômica: subsídios governamentais; abandono; ou subsídios cruzados.
Nos EUA, uma alternativa adicional, operar os ramais deficitários na forma de short line,
ou seja, operar sob um regime operacional mais maleável em relação às normas técnicas e de
segurança, o que resulta num menor custo operacional e menor exigência de investimento.
Durante mais de 70 anos, até a virada do século XX, não havia recursos materiais e
tecnológicos para promover as modificações necessárias. Agora estamos no término da
segunda década do século XXI. Automação, inteligência artificial, revolução digital, energias
alternativas, motorização elétrica e híbrida, hiper-capacitores, células de energia. Um mundo
de novas tecnologias surge a cada dia. Recursos de toda sorte existem para se testar novas
estratégias.
As perguntas que precisam ser respondidas são: Como produzir um serviço de alto valor para
o usuário de carga geral com material ferroviário? O que testar? O que ainda não foi feito?
Como superar todos os fatores de restrição à melhoria da qualidade do serviço ferroviário?
As tecnologias não existem para si mesmas, elas existem para conquistar usuários e clientes.
Se a tecnologia atual não consegue conquistar usuários, ela precisa ser recriada ou, se não
houver solução, abandonada.
O diagnóstico da decadência que acomete as ferrovias dependentes de carga geral aponta a
existência de muitos fatores de restrição que destroem o valor do serviço ferroviário. Se a
missão da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico é restaurar a utilidade dos ramais
decadentes, a P&D deve contemplar a eliminação simultânea de todas as restrições apontadas
no item 2.8 para promover a melhoria da qualidade no atendimento aos clientes de carga
geral.
É conveniente frisar que a automação de vagões sozinha não será suficiente promover a
eliminação de todas as restrições ao serviço de qualidade desejado pelos clientes de carga
geral. Além da automação de unidades será necessário o desenvolvimento de sistema de
controle de tráfego, de docas de acesso rápido e de projeto que resolva o conflito de tráfego
nas manobras dos pátios, duplicação parcial da rede, entre outros que podem surgir no
processo.
22
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4.2.1 A automação de vagões
A proposta base, para desenvolvimento de um protótipo de automação de vagões viável, será
usar as seguintes adaptações: motorização híbrida de trólebus de 210 kW, transmissão por
cardam rodoviário com correntes, sistema de freios a disco controlados por eletro-válvula; e
sistema de comunicação por satélite. Uma das metas da primeira etapa é demonstrar que uma
motorização digitalmente controlável será possível de ser feita consumindo menos recurso
que a motorização tradicional, quando computado o investimento de motorização por unidade
de vagão.
Espera-se que a automação distribuída permitirá superar cinco das restrições à qualidade. A
meta é tratar a carga embarcada, o contêiner embarcado ou o contêiner, cada um destes
como se passageiros fossem. Neste sentido, a unidade automatizada será formada por um
vagão plataforma adaptado para transportar o caminhão com sua carga, ou o caminhão com
um contêiner ou apenas o contêiner. Desta forma eliminam-se as seguintes restrições:
A restrição da   será eliminada pois o caminhão sempre participará do
transporte de cargas gerais, transportar o caminhão com a carga, transformará o
caminhão de concorrente em cliente;
A exigência de alto volume, transportar a carga com o caminhão é adaptar a ferrovia
ao volume de carga padrão do mercado de cargas gerais;
O transbordo da carca, seu alto custo e o longo consumo de tempo, simplesmente
elimina-se a atividade de transbordo de carga;
A carga não é inviolada;
A necessidade de ativos ferroviários especiais é eliminada, os ativos especiais ficam
por conta do transportador rodoviário, como é hoje. Elimina-se uma das maiores
restrições de acesso do cliente de carga geral ao modal ferroviário.
O embarque do caminhão e sua carga no vagão autômato abrirá a ferrovia para qualquer carga
geral do mercado. Além da superação das restrições ao bom atendimento aos clientes, a
motorização distribuída promoverá uma ruptura em diversas restrições construtivas e
operacionais das ferrovias, tanto em termos de raio de curva, como nível de rampa, velocidade
comercial etc. Uma das oportunidades que a automação distribuída poderá permitir será o uso
compartilhado dos trilhos para a mobilidade de cargas e de passageiros, com elevado nível de
qualidade e segurança.
4.2.2 O sistema de controle e automação distribuída
Hoje não restrição de recursos materiais e tão pouco de softwares para se promover uma
automação de alta qualidade. recursos de comunicação digital, de sistemas inteligentes, de
hardwares poderosos e de sensores de todos os tipos.
Os algoritmos podem controlar a velocidade, aceleração e frenagem dezenas de vezes por
segundo. O headway, o intervalo entre unidades autônomas, poderá ser virtualmente
eliminado com a automação. O sistema de controle deverá seguir rígidas regras de segurança,
especialmente no que tange ao conflito de tráfego e risco de colisão. Duplicidade ou até
mesmo triplicidade de fontes de informação sobre posição e deslocamento devem garantir
máxima segurança.
23
Prof. Sérgio Torggler set 2022
Em linhas singelas, o tráfego não é livre, sempre haverá uma grade de janelas para viajar num
sentido e depois noutro. Nessa condição, a meta da automação é que as unidades autônomas
funcionem como uma composição virtual. Diversos vagões se deslocam muito próximos um
dos outros sem precisar haver contato físico entre eles. Nos pátios as unidades se agrupam por
destino e partem juntas.
A automação também orientará as atividades de embarque e desembarque, viagem de retorno
vazio, paradas solicitadas pelo usuário e idas à manutenção. Os sistemas de automação
garantirão alta qualidade e segurança, serviço contínuo, sem restrição de horário.
A KRRI, empresa de pesquisa tecnológica ferroviária sul coreana desenvolve sistema de controle de unidades
autônomas. Em notícia de divulgação de seus trabalhos destacam o grande salto de qualidade que as operações
ferroviárias podem conseguir com essa estratégia, conforme relato de notícia
8
a seguir:
Os testes começaram em abril e o sistema encurta a distância segura entre os trens, permitindo a
comunicação direta entre os veículos. A tecnologia leva em conta a posição do trem precedente na
linha e variáveis como a posição do trem, velocidade e distância de frenagem para permitir o ajuste
automático das margens de segurança.
O sistema opera de acordo com um modelo de controle distribuído, através do qual cada trem é
controlado automaticamente por meio de comunicação direta trem a trem e relatórios de
posição. Nos sistemas de controle atuais, a tomada de decisões é realizada por meio de um centro
de controle central e apenas a posição atual do trem é considerada.
A KRRI afirma que seu sistema pode resultar em reduções significativas na quantidade necessária
de equipamentos de sinalização de via e aumentar a capacidade das linhas em até 30%. Além
disso, o instituto afirma que a tecnologia pode reduzir o impacto do erro humano, reduzir os custos
de investimento nas instalações e melhorar o trabalho de manutenção, e que a tecnologia pode ser
usada no futuro para controlar interruptores em cruzamentos.
      
         -seung, presidente da KRRI. 
futuro, a ferrovia será capaz de aproveitar a inovação inteligente para um transporte conveniente,

O sistema de controle ora em desenvolvimento pela KRRI é voltado ao transporte de pessoas,
mas que seria aplicável com as mesmas vantagens no transporte de cargas gerais com vagões
autômatos.
4.2.3 Docas de transbordo rápido
O desenvolvimento de docas de acesso rápido é uma necessidade para que o haja muita
perda de tempo, pois o tempo de viagem é um dos principais atributos de valor que os clientes
consideram na hora de escolher entre a rodovia ou a ferrovia.
A meta é fazer o embarque ou desembarque em minutos e de forma que não manipule ou
modifique a carga. A solução inicial proposta é que o caminhão embarque e desembarque
diretamente do vagão. Assim, a doca deve ser modificada para que o embarque seja frontal,
pelas extremidades do vagão. O embarque deve ser análogo ao embarque em balsas, rápido,
seguro e feito pelo usuário.
8
https://revistaferroviaemfoco.com/krri-testa-trens-autonomos-com-tecnologia-5g/
24
Prof. Sérgio Torggler set 2022
4.2.4 Trafego em linha singela - Aumento de trechos duplicados de ultrapassagem
O tráfego em linha singela cria uma grande restrição ao livre trânsito. Para superar esta
barreira à melhoria da qualidade e obter-se uma velocidade média elevada nos dois sentidos
da via, haverá necessidade de uma duplicação periódica da via de tal forma que os
cruzamentos se façam em janelas mais estreitas e frequentes.
A necessidade de duplicação é estimada em algo entre 5% e 8% da via permanente atual. As
duplicações intercaladas com trechos singelos com extensão devem proporcionar percursos de
duração entre 25 e 30 minutos a uma velocidade cruzeiro de 70 km horários.
4.2.5 Automatização de pátios
A operação de pátios na ferrovia tradicional é uma das maiores restrições à qualidade do
serviço no transporte de cargas gerais. As cargas gerais exigem que em cada pátio a
composição tradicional seja reorganizada com entradas e saídas de vagões. O processo de
separação de vagões usando locomotivas é extremamente lento, consume muitas horas em
cada pátio do trajeto de uma composição.
Uma das possibilidades para se resolver esta restrição é o uso da separação de vagões em
pátios em rampa, (hump yard)
9
:
Uma instalação de engenharia localizada em pátios de classificação em algumas estações de frete
ferroviário para a organização de trens de carga e agrupamento de vagões de acordo com o tipo e a
carga. Essa facilidade torna possível aumentar o volume de comutação.
Um pátio de lombada é uma área artificialmente elevada dentro de um pátio de classificação onde
a força da gravidade é usada para mover vagões ao longo de uma rede de trilhos de classificação.
Um exemplo típico consiste em uma seção de abordagem, o topo da lombada e a área de liberação,
que se ramifica em dezenas de trilhos de organização. A seção de liberação inclui rampas
intermediárias e de alta velocidade, uma seção de frenagem e uma área de manobra inclinada.
Um vídeo mostra uma separação automática de vagões em pátio ferroviário do leste europeu,
provavelmente na Rússia, no qual 83 vagões, em 24 lotes, são separados e reorganizados no
pátio num tempo de 2 minutos
10
.
A solução do hump yard é importante porque demonstra que a automação da separação de
cargas no pátio é possível, existe. Também mostra os enormes benefícios da automação na
separação de vagões nos pátios, a automação permite fazer um serviço de horas em minutos.
O maior problema dos operadores ferroviários não é o custo direto variável, que por sinal são
relativamente baixo em razão das propriedades do material. As margens de contribuição das
ferrovias são elevadas, superam frequentemente a 70% da receita. O maior problema das
operadoras são os enormes custos fixos, de tal sorte que para a atividade ser sustentável
economicamente, é preciso que se tenha alta produtividade. Para o usuário, o tempo de
9
https://encyclopedia2.thefreedictionary.com/Hump+Yard
10
https://www.youtube.com/watch?v=hBtkIl8dECs
25
Prof. Sérgio Torggler set 2022
percurso também é a principal variável de criação de valor. Simplesmente, a tecnologia
ferroviária tradicional destrói o valor do serviço aos olhos dos usuários.
A solução hump yard foi desenvolvida justamente para que a operação ferroviária conseguisse
obter alta produtividade em mercados de carga geral e consequentemente resultado
econômico sustentável. No vídeo, aparecem vagões com diversos tipos de carga. A
automação da operação faz com que a ferrovia fique mais atraente para os usuários ao
oferecer um serviço mais rápido e ágil. Permite a entrada e saída de cargas das composições
de forma rápida, operação ajustada ao que o mercado exige.
A principal barreira ao uso do hump yard nas ferrovias brasileiras é que ela exige elevado
custo de modificação da geometria dos pátios atuais e instalação de chaves automáticas.
O uso de vagões autômatos dispensaria a reforma da geometria dos pátios uma vez que os
vagões autômatos independem da gravidade para se locomover nos pátios. Ela permitiria
obter a mesma velocidade de separação de vagões de hump yard, exigindo apenas o uso de
chaves automáticas e desenvolvimento de software de gestão dos vagões nos pátios.
Alternativa adicional, para obter alto desempenho na separação de cargas, seria o uso pátio
com traçado para fluxo circular, o qual eliminaria o conflito de tráfego em direções opostas,
na medida em que o tráfego e a seleção de vagões se fazem num fluxo contínuo voltado
apenas numa direção. O traçado para fluxo circular, devido ao raio de curva, não pode ser
usado com composições tradicionais, este aceitaria tráfego de unidades autônomas.
Exemplo na figura 8, a seguir.
Figura 8. Esquema de pátio de manobras e plataformas de embarque seguindo um modelo
para tráfego.
4.2.6 A resistência à inovação tecnológica disruptiva em ferrovias
A doutrina da melhoria do negócio ferroviário tradicional é voltada ao mercado de grãos e
minérios. Nela predominam as recomendações de aumento do volume e da produtividade
através do aumento de capacidade de carga do vagão, do aumento do tamanho das
composições e do aumento da velocidade média de percurso. Nesse sentido, a tecnologia
ferroviária nunca deixou de evoluir e se aprimorar. No entanto, cada vez que a eficiência desta
tecnologia aumenta nesta direção, a ferrovia fica mais distante do mercado de cargas gerais.
26
Prof. Sérgio Torggler set 2022
Acontece que o modelo de história de vida dos produtos indica que uma saída sustentável para
as ferrovias de carga geral seria adotar a estratégia de reciclo escalonado de produtos, tal
como descrito Kotler e Keller (2006) e ilustrado na Figura 9 a seguir.
Figura 9. Reciclo e ciclo escalonado Fonte: Kotler, 2000 apud Irigaray et al., 2006
Kotler relata que o comportamento escalonado é aquele quando o produto vai ganhando
diferentes tipos de utilização acompanhada consequentemente de um aumento das vendas.
Um exemplo pode ser o nylon que foi ganhando outras formas de utilização e aumentando sua
participação no mercado.
O modelo de Kotler e Keller preconiza é que a ferrovia precisaria ganhar outras formas de
utilização, precisaria oferecer um serviço de maior valor ao mercado de cargas gerais.
No entanto, este tipo de estratégia aparenta não fazer parte das pesquisas da indústria
ferroviária e da academia. No setor, quase toda pesquisa e desenvolvimento no setor são
alinhadas ao ganho de escala com aumento de volumes e a redução de custo no transporte de
cargas uniformes. Não estudos que questionem o modelo operacional nem tão pouco se
oriente pela promoção de uma ferrovia voltada para cargas gerais.
Uma das causas que explicaria o conservadorismo da indústria ferroviária seria o ceticismo
sobre novas tecnologias para carga geral. Este sentimento se desenvolveu em razão dos
inúmeros fracassos que se sucederam ao longo de muitas décadas. Nenhuma tecnologia
prosperou ao ponto de se tornar um benchmark comercial. A descrença é tanta que a
recomendação dominante para os ramais decadentes é o aporte de subsídio ou abandono.
O conservadorismo do setor ferroviário também pode ser explicado como fruto das
particularidades do mercado ferroviário que inibem a competição, tal como mostrado no
Quadro 1, na página seguinte.
O que se percebe é que as barreiras ao empreendedorismo tecnológico no modal ferroviário
são relativamente muito maiores que as equivalentes barreiras no modal rodoviário. Essas
diferenças ambientais, econômicas e institucionais são fortes fatores que dificultam o
surgimento de inovações disruptivas no setor ferroviário.
27
Prof. Sérgio Torggler set 2022
Quadro1. Diferenças entre ambientes de inovação rodoviário e ferroviário.
RODOVIÁRIO
FERROVIÁRIO
Clientes da
indústria de
material
rodante
O mercado é aberto a qualquer
investidor que queira comprar um
caminhão. Qualquer um pode ser
cliente da indústria automotiva.
O mercado é concentrado em poucos
clientes, somente governo ou operadoras
são clientes da indústria ferroviária.
Quantidade de
indústrias
fornecedoras
diversas indústrias fornecedoras
que competem entre si com produtos
semelhantes.
poucas indústrias fornecedoras,
indústrias se posicionam em sub-nichos,
pouco concorrido.
Evolução
tecnológica
É uma necessidade chave das
indústrias para conquistar mercado.
A evolução tecnológica é importante mas
não primordial para os negócios.
Orientação da
pesquisa
Evolução orientada ao mercado de
cargas gerais.
Evolução orientada a melhoria da
eficiência do modelo tradicional de alto
volume para minério, grãos etc.
Novos
entrantes
Poucas barreiras a entrantes,
inovadores independentes.
Grandes barreiras a inovadores
independentes.
A venda
Depende muito da qualidade e do
preço do produto, e pouco de
relacionamento político.
Depende pouco da qualidade e do preço
do produto e muito de relacionamento
político.
Usuários
Aberto a todos os tipos de carga.
Restrito a cargas de alto volume.
Via
permanente
A tecnologia da via pouco interfere na
tecnologia do material rodante.
A tecnologia da via é interdependente
com a tecnologia do material rotante.
Sistema de
tráfego
Aberto, entrada e saída de livre, pistas
de duplo sentido, tráfego contínuo.
Fechado, linha majoritariamente singela,
tráfego intermitente e em horários fixos.
Fonte: elaborado pelo autor.
As evidências e as teorias apontam que a recuperação da sustentabilidade econômica das
ferrovias dependentes de cargas gerais será possível por meio de inovação disruptiva que
construa uma ferrovia que ofereça um serviço de qualidade superior aos usuários. Uma dessas
possibilidades será através da automação de vagões.
No entanto, este tipo de proposta não é acolhido pelo setor. O modelo de negócio da indústria
ferroviária e sua burocracia se assemelha a China antiga. Segundo Mokyr, citado por Jones
(2000 p.127), o poder político forte, consolidado, centralizado e reacionário, pode enxergar o
desenvolvimento de novas tecnologias como um problema e não um caminho para solução,
nos seguintes termos:
A China era e continua sendo um império sob estrito controle burocrático. Guerras ao estilo
europeu entre unidades políticas internas eram raras na China após 960 d.C. A ausência de
competição política não significa que o progresso tecnológico não pudesse ter lugar, mas
implicava que um tomador de decisão poderia administrar-lhe um golpe mortal. Imperadores
interessados e esclarecidos incentivavam o progresso tecnológico, mas governos reacionários do
final do período Ming preferiam claramente um ambiente estável e controlável. Os inovadores e
transmissão de ideias estrangeiras eram considerados criadores de caso e foram suprimidos. Na
Europa também existiram esses governantes, mas como nenhum controlava todo o continente, eles
não fizeram mais do que transferir o centro de gravidade econômica de uma região para outra.
A semelhança não é coincidência. Os domínios das ferrovias são territórios fechados à
competição pela própria natureza do negócio. poucas e grandes indústrias fornecedoras,
cada uma com seu feudo de componentes ferroviários que atendem uma demanda de um
28
Prof. Sérgio Torggler set 2022
modelo único. Uma inovação disruptiva, embora possa produzir grande benefício para a
sociedade, é vista mais como uma ameaça ao poder das indústrias estabelecidas.
4.2.7 Respostas a questionamentos
Ao longo de quinze anos, muitos argumentos contrários à automação foram levantados para
questionar a capacidade de se atingir a meta de recuperar a competitividade das ferrovias no
transporte de cargas gerais. Os principais foram:
a) A automação exigira um investimento maior que a ferrovia tradicional.
Uma das primeiras reações contrárias à automação de vagões foi acusa-la de que exigirá um
investimento muito alto, maior que investimento exigido na ferrovia tradicional. Essa ideia
mostra-se um preconceito porque ainda não se sabe exatamente o custo final da automação e
também não se sabe o quanto o custo de automação pode se reduzir com ganhos de escala.
A ideia da automação também se mostra promissora quando se analisa a estatística das
operadoras ferroviárias norte-americanas. Nessas empresas, verifica-se que uma relação
entre o aumento de cargas heterogêneas e o aumento do uso de locomotiva na frota. Este
aumento relativo do uso de locomotiva aparece como uma tendência histórica, ou seja, é a
estratégia que as operadoras encontraram para operar com alta produtividade as cargas gerais,
usar pequenas composições com cargas uniformes. Na Union Pacific Railroad a relação
chegou em 2017 a ser de 7,5 vagões por locomotiva, como ilustra a tabela 5, a seguir. A
média ponderada de todas as operadoras é de 11,4 vagões por locomotiva.
O uso intensivo de locomotivas implica em se afirmar que a motorização tradicional já é um
investimento razoavelmente elevado. Se o custo de uma locomotiva nova é da ordem de R$ 9
milhões, em algumas operadoras norte-americanas o investimento em motorização tradicional
já supera a R$ 1 milhão por vagão.
Tabela 5. Relação vagões por locomotiva nas operadoras norte-americanas.
2017
VAGÕES
LOCOMOTIVAS
VAGÕES POR LOCOMOTIVA
UNID.
UNID.
V/L
UPR
64.191
8.573
7,5
BNSF
72.369
8.359
8,7
CSX
60.151
4.166
14,4
NSR
62.554
4.089
15,3
KCS
20.538
1.069
19,2
CNR/GTC
nd
1.548
nd
CPR/SLC
35.952
1.430
25,1
USA
315.755
29.234
11,4
Fonte: autor com dados dos relatórios K-10 das operadoras.
No pré-projeto de um protótipo de vagão autômato, o custo completo da automação com
motorização híbrida, freios, transmissão e comunicação foi algo próximo da metade desse
valor. Desta forma, ao contrário do que se imagina, a automação de vagões pode prover uma
29
Prof. Sérgio Torggler set 2022
ferrovia com um investimento muito menor por unidade produtiva (vagão) do que a
tecnologia tradicional.
A automação de vagões permitirá uma série de economias em ativos além da motorização. O
peso médio bruto carregado na automação será muito menor que o padrão atual, algo entre 50
a 70 t. Todos os dispositivos relacionados ao peso dos vagões poderão ser redimensionados na
reposição para essa menor exigência. A principal redução de investimento será no uso de
trilhos mais leves na renovação da malha.
b) Short line pode resgatar ramais da decadência?
Uma das estratégias utilizada no mercado ferroviário para dar destinação a ramais deficitários
é transformá-los em short lines, que nada mais é do que operar o ramal por empresa
ferroviária de menor porte, sob regras operacionais e de segurança menos severas do que as
exigidas de grandes companhias.
No entanto, o estudo da decadência ferroviária aponta que a origem do problema ferroviário é
uma incompatibilidade operacional da ferrovia tradicional com a forma que o mercado de
cargas gerais deseja ser servido. Essa incompatibilidade é formada pelas barreiras de acesso e
pelas restrições operacionais:

A inviolabilidade da carga.
A demora de embarque e desembarque.
O custo de embarque e desembarque.
Peso mínimo de embarque.
O tráfego em composições físicas com locomotivas.
O conflito de tráfego nos pátios lineares.
A especialidade de ativos (barreira invisível).
Linha singela (tráfego restrito)
As barreiras explicam porque quase a totalidade do mercado de cargas gerais prefere o
transporte rodoviário, independente do baixo custo ferroviário.
Se a decadência é fruto da incapacidade da ferrovia superar as restrições simultaneamente,
não será a operação em short line capaz de fazer isso também. A operação na forma de short
line apenas reduz a exigência de investimento em CAPEX (capital expenditure) recorrente e
diminui o custo fixo com pessoal e manutenção, isso. Pouco ou quase nada muda na
relação entre a ferrovia e o mercado de cargas gerais. Pouco ou quase nada muda na qualidade
do serviço prestado ao cliente de carga geral.
Posto isso, a viabilidade de operar short line também vai ficar restrita a demanda de carga
homogênea e abundante ou em condições geográficas que impeçam a competição direta com
o caminhão. Assim, short line tem viabilidade em operações como a ferrovia Tereza
Cristina. Se short line competir por carga geral com caminhão para sobreviver, a short line
continuará sofrendo as mesmas dificuldades da operação na forma de ramal de rede, isto
porque o problema das ferrovias não é de custo, mas de valor.
2
Prof. Sérgio Torggler set 2022
c) Como se obterá lucro com a automação se as cargas serão menores?
A carga útil esperada para o vagão autômato será da ordem de 35 t a 45 t, menor que a metade
da carga de vagões de minério atuais, dimensionados para carga de 100 t a 120 t. A tarifa a ser
cobrada será a mesma da ferrovia atual. Nessas condições, a rentabilidade será conquistada
com um grande aumento da produtividade, tal como demonstrado pela análise de Custo-
Volume-Lucro, nos seguintes termos da fórmula 1:
  󰇛 󰇜 󰇛󰇜
Da fórmula do resultado (1) podemos desenvolver a fórmula do quantidade meta (TKU), nos
sentes termos da fórmula 2:
  
󰇛 󰇜󰇛󰇜
O lucro desejado pode ser estimado como um rendimento mensal de 1,0% a.m. sobre o
investimento de uma unidade produtiva, valor de um vagão mais o valor corresponde à fração
da infraestrutura relativa a um vagão. Se o vagão automatizado custar R$ 1 milhão e o valor
da infraestrutura relativa a um vagão for também de R$ 1 milhão, o investimento total a ser
remunerado por um vagão será da ordem de R$ 2 milhões e o rendimento mensal desejado
será de R$ 20.000,00.
Conforme Tabela 6, na página seguinte, o custo fixo médio mensal por vagão pode ser
estimado como sendo o valor máximo da média das ferrovias brasileiras de 2017, ou seja R$
11.800,00 por vagão.
Como pode ser visto na fórmula 3, na página seguinte, se a margem de contribuição do TKU,
a diferença entre tarifa e custos variáveis, for de R$ 0,06 por TKU, o volume de carga
necessário será da ordem de 530 mil TKU mensais por vagão ou 6,36 milhões de TKU por
vagão ano, uma produtividade meta semelhante ao obtido pelos vagões das operadoras
norte-americanas.
Tabela 6. Relação entre os custos fixos e a quantidade de vagões e extensão das malhas.
Ferrovia
MALHA
PRÓPRIA
VAGÕES
CUSTOS FIXOS
Ferrovia
MALHA
PRÓPRIA
VAGÕES
CUSTOS FIXOS
POR
KM
POR
VAGÃO
POR
KM
POR
VAGÃO
km
UNID.
R$ M / mês
km
UNID.
R$ M / mês
MRS
1.686
18.779
83,3
7,5
UPR
51.695
64.191
15,0
12,1
EFVM
895
19.099
103,1
4,8
BNSF
37.015
72.369
20,1
10,3
EFC
978
19.008
150,4
7,7
CSX
25.144
60.151
21,7
9,1
RMS
7.223
9.742
23,1
11,8
NSR
23.675
62.554
16,6
6,3
RMO
1.973
896
KCS
4.595
20.538
21,7
4,9
RMP
2.055
3.699
CNR/GTC
31.376
nd
11,6
nd
RMN
735
6.160
CPR/SLC
20.099
35.952
8,4
4,7
FCA
7.223
17.883
15,2
6,1
FNSTN
723
2.401
25,0
7,5
USA
193.599
315.755
16,4
BRASIL
27.949
99.897
USA/BR
6,9
3,2
 
󰇛󰇜 (3)
3
Prof. Sérgio Torggler set 2022
Se a carga média do vagão for de 40 t, o percurso necessário para atingir a quantidade meta
será da ordem de 13 mil km mensais, percurso modesto para parâmetros rodoviários. Com
esta produtividade se obterá um ROI de aproximadamente 9% ao ano, suficiente para produzir
um spread de alavangem positivo e remunerar o acionista com taxas superiores ao ROI.
Por sua vez, se o percurso médio alcançar 18 mil km mensais, o montante de serviço por
unidade será de 720 mil TKU/mês ou 8,8 milhão TKU/ano. Com essa produtividade, a
margem de contribuição do vagão será de R$ 43,2 mil, o lucro será de R$ 31,4 mil e o ROI
será de 1,57% ao mês ou 18,8% ao ano. Com uma boa alavancagem operacional, os acionistas
poderão ser remunerados a taxas equivalentes ou superiores ao retorno das ferrovias norte-
americanas.
O objetivo da automação será a eliminação de toda atividade que destrói valor do serviço
ferroviário para cargas gerais, ou seja, eliminar o tempo perdido em manobras nos pátios e o
tempo perdido no transbordo nas plataformas e minimizar o tempo perdido nos cruzamentos
de fluxo.
Se as metas de eliminação das atividades improdutivas forem atingidas, os vagões autômatos
deverão contar com uma carga horária superior a 60% do tempo mensal para se dedicar ao
deslocamento, ou seja, operar em deslocamento por mais de 432 horas mensais, se a
velocidade média de for de 50 km/h, o limite máximo de percurso médio mensal será algo
como 21 mil quilômetros mensais. Isto significa que a rentabilidade poderá ser aumentada ou
repassar os benefícios do ganho de escala aos usuários.
Outro aspecto favorável da automação será a alta velocidade de cruzeiro e a rápida aceleração
dos vagões autômatos. A velocidade média de serviço deverá ser superior a 70 km horários. O
fato de o vagão ficar disponível para trafegar praticamente 18 horas por dia permitirá em tese
que o vagão autômato cumpra um percurso médio mensal muito superior a 15.000 km
mensais carregado com uma carga média de 40 t. Desta forma, a produtividade do vagão
autômato deverá superar 8.100 mil TKU anuais, produtividade equiparável aos valores das
melhores ferrovias do mundo.
A margem de contribuição das ferrovias tradicionais é superior a 70%. A automação deverá
obter uma margem de contribuição inferior, isto é, o custo variável será maior. Mas percebam,
estratégias de redução de custo são limitadas quando o problema do negócio ferroviário é a
qualidade. O que importa é que o ganho de produtividade seja muito maior que a perda de
margem.
Para um negócio ser de sucesso é necessário que ele seja visto pelo usuário como a opção de
mais alto valor no mercado e visto pelos investidores como uma atividade altamente rentável
e de baixo risco. A facilidade de acesso e a alta velocidade de percurso são as qualidades
chave para a conquista de usuários. A produtividade é a variável responsável pela
rentabilidade. A automação de vagões tem o potencial de oferecer as duas qualidades
simultaneamente: alto valor para os usuários e alta rentabilidade para os operadores.
5 Recomendações
A sustentabilidade econômica de qualquer atividade depende da conquista de receitas de
clientes que seja suficiente para atender ao consumo de recursos operacional mais o consumo
4
Prof. Sérgio Torggler set 2022
de recursos para remunerar os credores de renda fixa e de renda variável de forma não inferior
ao custo de oportunidade.
Tanto faz se a ferrovia é estatal ou privada, a sustentabilidade existe se houver suficiente
quantidade de usuários que prefiram pagar pelo uso da ferrovia. São os clientes que dizem se
a ferrovia tem mais valor frente a outras opções do mercado. Hoje, a situação é ruim, os
usuários abandonaram as ferrovias e a insustentabilidade é uma situação regra.
Quando uma atividade é improdutiva, ela não destrói riqueza só de seus investidores, ela está
contribuindo para o empobrecimento de toda a sociedade. No caso específico brasileiro, os
maiores investidores das operadoras ferroviárias são fundos de pensão, BNDES e BNDES-
Par. A destruição de riqueza destes investidores significa que seremos mais pobres no futuro,
os aposentados perderão renda ou haverá mais tributos, em qualquer das alternativas a vida
será mais difícil.
Uma das alternativas para manter operações deficitárias é promover o subsídio cruzado, forma
que não deixa de empobrecer a sociedade. Os usuários de ferrovias rentáveis, aquelas
dedicadas a grãos e minério, arcam com o ônus da ineficiência dos ramais decadentes. O
subsídio cruzado encarece a logística do exportador de grãos e de minério.
As recomendações para buscar a sustentabilidade do setor são:
Ferrovias novas com tecnologia tradicional vincular viabilidade de novos projetos a estudo
que só utilizem carga uniforme e de alto volume, tais como minérios e grãos. Desde o início,
deve haver forte probabilidade do volume de carga atingir o ponto de equilíbrio econômico
em poucos anos. Não se deve utilizar externalidades para se justificar a viabilidade.
Ferrovias produtivas e corredores de exportação estimular investimentos que eliminem
gargalos que impeçam o aumento da produtividade.
Ferrovias deficitárias se a inviabilidade for permanente, se a demanda do mercado for muito
distante da necessidade para sustentar a ferrovia, deve-se recomendar a desativação. Os
subsídios direto ou cruzado para manter estes ramais oneram a sociedade. Os agentes políticos
precisam ser pragmáticos ao decidir se sustentam a ineficiência ou se desativam os ramais. Os
recursos públicos são limitados.
As evidências indicam que a decadência é um problema da tecnologia ferroviária. Ela é
incapaz de produzir um serviço de alto valor ao mercado de cargas gerais. Neste sentido, a
estratégia de operação simplificada tipo short line não deve resolve a questão da qualidade,
apenas reduzirá a necessidade de subsídios. Talvez se justifique em casos particulares.
Na fronteira do desconhecido, não restrição teórica para se investir em pesquisa e
desenvolvimento de um novo modelo ferroviário voltado a produzir um serviço de mais alto
valor ao mercado de cargas gerais. Nunca existiram condições tão favoráveis para se obter
sucesso nesta empreita. As barreiras de restrição à qualidade podem ser superadas com as
novas tecnologias de motorização e de automação que surgiram e surgem a cada dia.
5
Prof. Sérgio Torggler set 2022
O investimento no desenvolvimento de uma nova tecnologia ferroviária consumiria um
montante de recurso irrisório em comparação com a destruição de riqueza das ferrovias
deficitárias.
No caso de sucesso de uma operação ferroviária inovadora, salvaríamos milhares de
quilômetros de malha ferroviária do abandono e produziríamos uma grande redução no custo
logístico para o país, na medida em que se ofereceria para à sociedade um serviço de baixo
custo em razão das propriedades físicas muito superiores dos materiais ferroviários.
O entendimento dos verdadeiros fatores do fracasso são os alicerces para que os
empreendedores e os gestores públicos se dediquem a uma estratégia que transforme a
decadência em sucesso, e assim se ofereça os benefícios das ferrovias para toda sociedade.
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A AUTOMAÇÃO DISTRIBUÍDA PARA O RESGATE DE RAMAIS FERROVIÁRIOS DECADENTES Prof. MS Sérgio Pinheiro Torggler 1. INTRODUÇÃO As ferrovias de carga que operam em mercados de carga geral sofrem de decadência crônica a aguda desde o início do século passado. Em razão dessa decadência, muitos ramais já foram abandonados e ainda há um grande perigo de dezenas milhares de quilômetros de ferrovias serem abandonados à ferrugem nos próximos anos. Em novembro de 2015, foi abandonado o maior trecho da Malha Oeste. O setor produz continuamente VEA 1 negativo para seus investidores; são perdas avaliadas em 2015 num montante que supera de 3 bilhões de reais anuais. A Malha-Sul da Rumo e mais quase 5 mil quilômetros da malha da FCA-VLI são deficitárias. A FIOL, sem a mina de ferro, está condenada ao abandono. A Transnordestina, um projeto de cunho político, também se encontra ameaçada. O patrimônio público em risco de abandono, se avaliado ao custo de reposição, pode superar uma centena de bilhões de reais. Pela magnitude dos recursos em risco, o fracasso econômico das ferrovias de carga geral deveria ser considerado o maior problema ferroviário brasileiro. 1 Valor Econômico Adicionado, se negativo, representa a riqueza destruída dos investidores. No caso das ferrovias, os maiores investidores são fundos de pensão e o BNDES.
Introdução à Teoria do Crescimento Econômico
  • C I Jones
JONES, C.I. Introdução à Teoria do Crescimento Econômico. Rio de Janeiro, 6ª ed. Elsevier, 2000.
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REIS M.A.S E MACHLINE C. As dificuldades para o transporte de carga geral na cabotagem Brasileira. CELog -Centro de Excelência em Logística e Cadeias de Abastecimento -FGV -EAESP.
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RODRIGUE JEAN-PAUL. The Geography of Transport Systems. Quinta edição, Nova York: Routledge, 456 páginas. ISBN 978-0-367-36463-2, 2020. Disponível no site https://transportgeography.org/?page_id=1954, acessado em out/2020.
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TORGGLER, S.T.; NAGANO, M.S.; SUEN, K.S. Vagões autômatos, uma solução para aumento da produtividade ferroviária no transporte de múltiplas cargas. CONINFRA 2012 -6º Transportation Infrastructure Conference, 2012 São Paulo -Brasil.
Autovagão: a automação ferroviária para a logística sucro-canavieira. II Congresso de Automação e Inovação Tecnológica Sucroenergética
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TORGGLER, S.T.; NAGANO, M.S.; SUEN, K.S.; DE MORAIS, F.T. Autovagão: a automação ferroviária para a logística sucro-canavieira. II Congresso de Automação e Inovação Tecnológica Sucroenergética. ISA Sertãozinho Seccion, 2014 Sertãozinho -Brasil.
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