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Capítulo Paulo Tiago
Aldeia da Terra – caso de estudo: – Início de uma atividade artesanal/artística.
Iniciei o meu trabalho na cerâmica figurativa por casualidade.
Paulo Tiago Cabeça
Licenciado em Artes Visuais Multimédia, Mestre em Práticas Artísticas, pela Escola de Artes da
Universidade de Évora. Aluno de Doutoramento e membro integrado no CHAIA - Centro de História da
Arte e Investigação Artística um centro de investigação do IIFA - Instituto de Investigação e Formação
Avançada da Universidade de Évora. Bolsa de Doutoramento FCT - HERITAS GD / 15754/2020 / P1
desde 2020/2021. Orientadores de doutoramento: Luis Filipe Soares Afonso e Manuel Francisco Soares
do Patrocínio. Artista, ceramista, caricaturista e artesão com mais de vinte anos de carreira. Obra plástica
distinguida com inúmeros prémios nacionais e autor de vários projetos artísticos, alguns financiados com
fundos europeus (PRODER) e declarados institucionalmente de interesse cultural e turístico
respetivamente pela ERT- Entidade Regional de Turismo do Alentejo e pelo Ministério da Cultura de
Portugal. https://aldeiadaterra.wixsite.com/meusite-1 ORCID: 0000-0001-6002-2752 tgcabeca@uevora.pt
Introdução
Este artigo, parte integrante de um relatório de mestrado em Artes Visuais, escrito na
primeira pessoa, descreve o processo pessoal de criação de uma carreira artesanal e
artística de figurado em barro e caricaturas, pelo autor, que sem nunca antes se ter
dedicado à arte o começa a fazer por um misto de deslumbre e necessidade. Além do
percurso artístico e profissional, onde descreve processos, sucessos e dificuldades
mostra-nos o que foram a conceção e edificação de projetos como a Galeria Oficina e
posteriormente a Aldeia da Terra. Se a primeira se tratava de um pequeno atelier
artístico aberto ao publico turístico na cidade de Évora, Portugal, a segunda tratou-se de
um projeto de autor de maior envergadura. Um pequeno parque temático jardim de
esculturas de esculturas cerâmicas com 3.000m2 pelo autor Tiago Cabeça, que
reproduzia e caricaturava uma aldeia rural imaginada, cheia de personagens, casinhas,
veículos e idiossincrasias do quotidiano. Como uma banda desenhada a três dimensões
elaborada em barro. Este projeto, levado a cabo com apoios europeus do PRODER para
o desenvolvimento das regiões rurais, teve lugar em Arraiolos, distrito de Évora, região
Alentejo, em Portugal. Esteve aberto de 2011 a 2017, contou com mais de sessenta mil
visitantes pagantes no período. Foi declarado de “Interesse Cultural” pelo Ministério da
Cultura, por quatro biénios consecutivos e por quatro Ministros da cultura portugueses
diferentes. O autor encerrou-lhe portas em 2017 desencantado, e desde então tem usado
também esta experiência e informação no desenvolvimento da sua investigação em
História de Arte, na tese “O “Artesanato” como processo criativo: o exemplo da
Barrística. Contributo para uma reflexão sobre a criatividade”.
Em 1998 era trabalhador-estudante, frequentava a licenciatura de Engenharia de
processos e energia, na Universidade de Évora, ao mesmo tempo trabalhava como empre-
sário em nome individual para a EDP
1
como agente de leituras e fiscalizações.
O curso não me atraia particularmente e o rendimento da profissão era
relativamente escasso. A partir de uma brincadeira com o meu sobrinho Afonso, em
plasticinas, e inspirado por uma reportagem sobre artesãos contemporâneos na TV,
resolvi tentar elaborar objectos em barro que se pudessem eventualmente vender. A ideia
era tentar produzir pequenas loiças, como cinzeiros ou pratos e depois participar em feiras
de artesanato, onde a inscrição é relativamente barata, para os comercializar, uma vez
que não possuía estabelecimento próprio.
Fig.1. Mestre Orlando Guimarães Fig. 2. Mestre Gaspar Velho (Velhinho)
Nas olarias artesanais de S. Pedro do Corval tentei adquirir barro para o efeito e
logo me deparei com a relutância da classe, onde não só os “segredos” da arte eram
ciosamente guardados como a própria venda da matéria-prima era recusada a estranhos.
1
Electricidade de Portugal.
Em quase todas me deparei com esse problema e desconfiança. Conheci, no entanto,
na Olaria Guimarães/Velho, os mestres Gaspar Velho (Mestre Velhinho) e Orlando
Guimarães, sócios artesãos dedicados à sua arte, que me dispensaram dois ou três troços
para eu começar a minha experiência. A partir daí e com a generosa partilha e orientação
do Mestre Velhinho e a cética trocista de Mestre Orlando, iniciei informalmente a
atividade.
Primeiras peças: a expressão do corpo, a linguagem latente.
Levei o barro para casa e logo comecei a tentar fazer os tais cinzeiros e pratos que
ti- nha visto na reportagem da TV. Tudo saia torto e sem um mínimo de apelo estético.
Dificilmente vendável. Na frustração de mais um plano de vida irrealizável comecei a
fazer outras coisas: figuras. Como caras e expressões eram difíceis tentei apenas corpos.
Em movimento, ou pose. O resultado enchia-me de satisfação. Parecia-me eviden- te que
ninguém compraria tal coisa, no entanto sentia-me feliz. Leve como há muitos anos não
acontecia. Mal podia esperar terminar o dia de trabalho para me fechar em casa a modelar.
Fig. 3. Fig. 4. A procura de um corpo – Terracota
Aprox. 20x10cm, 1998-1999.
Coleção particular Profª Dr.ª Ana Maria Silva.
Voltava com frequência a S. Pedro do Corval onde o Mestre Velhinho, no seu entusi-
asmo simpático, me ensinava os detalhes do manuseio do barro, os tempos das seca- gens
e cozeduras, os segredos da arte. Orlando, de ambos, era o que menos continha os trejeitos
perante os “bonecos marrecos que não se pareciam com coisa nenhuma”. Eram eles que
me coziam as peças no meio das suas loiças que produziam para reta- lhistas nas lojas do
Algarve e resto do país.
A notícia e o interesse nas minhas produções espalhou-se entre os amigos mais próxi-
mos e família, a quem ofereci algumas coisas. Uma amiga
2
40, encomendou-me a primei-
ra peça que vendi: um rosto antropomórfico de pássaro para uma colega na Universi- dade
que colecionava corujas. A partir desse momento percebi que certos objectos eram mais
apetecidos que outros.
Se os “corpos sem rosto” eram uma arte mais abstrata que nem a todos agradava,
outros temas como “Alentejanos”, “Vikings” e “Animais” agradavam a mais pessoas.
Eram objetos mais percetíveis.
Poderia dizer que havia uma diferença entre a expressão e temática que “nascia” natu- ral
em mim e o que me pediam para fazer. Talvez se pudesse traçar aqui, no meu ino- cente
início de carreira autodidata, dois diferentes possíveis percursos ou uma encruzi- lhada no
caminho: expressão ou comercial? Arte do sentir ou arte vendável?
Foi nessa altura que soube que a Universidade de Évora já tinha curso de Artes Plásti-
cas. Era o início da Escola de Artes no polo dos Leões. A curiosidade levou-me lá onde
conheci a professora Maria José Brito que lecionava escultura em barro. Esta docente
permitiu que eu, entusiasmado, frequentasse as aulas mesmo sendo estudante de en-
genharia. Cheguei a participar em exposições coletivas dos alunos do primeiro ano do
primeiro curso de Artes Plásticas. Pedi transferência para este curso no ano seguinte.
Uma amiga
3
artista plástica em Évora, desafiou-me para uma exposição conjunta.
A sua pintura e as minhas esculturas. Cético e inseguro de início fui-me convencendo que
poderia ser interessante. A curiosidade dos habitantes do Bairro, que todos os dias
espreitavam pela janela da nossa sala – transformada em meu atelier – afastou-me
renitências e, ainda em dezembro de 1998, acabei por fazer um pedido de espaço ex-
positivo na divisão de cultura da Câmara Municipal de Évora. Foi-nos reservado o pos-
to de turismo da praça de Giraldo em Évora para o mês de maio de 1999. Fizemos um
pequeno catálogo. A inauguração esteve repleta de amigos de ambos e curiosos (fui
também buscar os Mestres Velhinho e Orlando a S. Pedro do Corval, a Maria José Brito
também compareceu) e foi um sucesso. Vendemos tudo.
2
Verónica Nabiço
3
Marta Rego
Presépios e santos, a escolha de um caminho
Uma visitante desta exposição
4
, proprietária de uma loja de artesanato, sugeriu-
me fazer uma exposição
de Presépios e Stº Antónios e nesse entusiasmo a ideia de que poderia realmente obter um
rendimento a partir desta atividade consolidou-se. O posto de turismo na Praça do Giraldo
estava já com calendarização completa e apenas tinha vagas no ano seguinte.
Alguém me sugeriu a sala de exposições da Pousada dos Loios, virada ao Templo
Romano. Era um excelente local de passagem também para o turismo. Falei com a vice-
gerente
5
que me acedeu agendar para outubro de 1999 o espaço. Foi a minha primeira
exposição individual e já com objetivos claramente co- merciais. O título foi A Paixão de
Cristo, um trabalho realizado e inspirado na obra O Messias de Handel, e para cuja
investigação tive a ajuda do, na altura, vice-reitor
6
do Seminário de Évora. Parte dessa
pesquisa também realizei nos arquivos da diocese de
S. Brás, em Évora. O tema coincidente com o Dia de Todos os Santos foi uma
interpre- tação minha daquele que mais tarde percebi ser o tema mais retratado no
figurado barrístico em Portugal: o religioso. Nesta exposição surgiram as figuras das
Carpideiras, uma das minhas imagens mais conhecidas, bem como Presépios, St.
Antónios, Cristos e outros. A coleção Martírios, uma representação da morte de Cristo e
seus discípulos, adquirida por um dos maiores colecionadores atuais do meu trabalho
7
,
foi das mais comentadas pelas peças: Cristo nu e S. Pedro invertido na cruz.
4
Antónia Casas Novas Figueiredo
5
Maria Gabriel Oliveira
6
Padre Carlos da Silva
7
Fernando Teixeira da Silva
Fig. 5. Cristo Nu – Terracota
e pau de oliveira. Primeiro
prémio Artesanato
Contemporâneo FIA 2000
8
Esta exposição permitiu-me, também a aquisição do meu primeiro forno cerâmico
e sedimentar a esperança de criar uma profissão que me permitiria o sustento a fazer algo
que realmente gostava.
8
FIA – Feira Internacional de Artesanato de Lisboa
Fig. 6. A Alma branca dos anjos
9
- Instalação Para FIA
10
2003.
Fig. 7. A Alma branca dos anjos - Detalhe
9
Metáfora à profissão de Oleiro: Os anjos (oleiros) elaboram gradualmente a obra que, terminada, está
rodeada pelos anjos caídos (desaparecimento da profissão). Peça (jarros) elaborada em conjunto com os
Mestres Orlando e Velhinho para tema da FIA 2003: Barro – ouro da terra sonho das mãos, onde foi
distinguida com Menção Honrosa.
10
FIA – Feira Internacional de Artesanato de Lisboa. Ocorre anualmente no Parque das Nações. Organizada
pela Feira Internacional de Lisboa e pelo Instituto Emprego e Formação Profissional (IEFP) Divisão de
Comunicação.
Primeiras caricaturas solicitadas.
A partir daqui sucederam-se as exposições e participações em feiras de artesanato
várias como a FIAPE em Estremoz, a Feira de S. João em Évora e a FIL Artesanato em
Lisboa, onde por três anos consecutivos venci as edições do concurso na categoria Prémio
de artesanato contemporâneo. A instalação A Alma branca dos anjos na Fig. 18.1.1
foi uma das várias distinguidas. Aliás foi justamente na FIL artesanato que des- cobri que
esta atividade, aparentemente desenquadrada de quaisquer raízes históricas ou escolas
tradicionais, teria uma designação: Artesanato contemporâneo. Nesta feira nacional
também se realiza a edição bienal do Prémio Nacional de Artesanato, promo- vida pelo
Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que também venci com a peça
Polaroid da Boda, em 2001.
Nos quatro anos consecutivos em que participei na FIA
11
obtive as maiores
distinções nacionais no chamado Artesanato contemporâneo
12
.
Entretanto aos temas mais comuns do figurado cerâmico que me era solicitado come- çam
a surgir as primeiras encomendas de peças personalizadas. As caricaturas de pes- soas
nas suas profissões e rotinas. Sem mestria da forma que me permitisse retratos
minimamente semelhantes aceitava com relutância enfatizando que poderia retratar
situações e não rostos. Além de que seguir descrições não permitia muita criatividade no
trabalho final. Esse tipo de encomendas foi crescente por si mesmo. Várias vezes pensei
desistir das caricaturas. Recusar as encomendas. Na realidade nunca o pude fazer. Todas
as atividades têm os seus custos e encargos. As contas têm de ser pagas. Hoje, caricaturas,
é a esmagadora maioria dos trabalhos que faço e imagem de marca do meu trabalho. São
trabalhos solicitados, portanto por encomenda, onde além de fotos dos caricaturados os
clientes me trazem descrições dos mesmos, físicas, psicoló- gicas, de gostos ou atividades
profissionais. As caricaturas assim representam mais que fisionomias. São quadros
momento. Instantâneos da vida de pessoas, como bandas desenhadas a três dimensões em
que cada ‘retrato’ representa uma história.
Assim inadvertidamente iniciei a representação de instantâneos da vida
contemporâ- nea, humorísticos por inerência de deformação ou interpretação, nunca
demasiado abrasivos, para que cliente ou representado não se sentissem melindrados ou
11
FIA – Feira Internacional Artesanato de Lisboa.
12
1º Prémio Nacional de Artesanato Contemporâneo FIA2000; FIA2001; FIA2002. 1º Prémio Nacional
Bienal de Artesanato Contemporâneo IEFP – Ministério Cultura 2001/2003
descon- fortáveis, mas sempre com aquela pontinha de irreverencia e sarcasmo (há quem
lhe chame sensibilidade) de lhe aplicar a dose suficiente, mas não excessiva de olho cínico
pela mão que a elabora. Esta dose certa não é, de facto, algo apenas medido e calcula- do
por objetivos comerciais. Detesto conflitos e a minha profissão, a que escolhi e construi,
mais que propósitos financeiros é para mim um prazer diário. Imaginar e con- ceber peças
originais e únicas e ver a felicidade, satisfação e por vezes a emoção de quem as
encomenda não tem preço. É uma realização pessoal muito gratificante. Na minha
infância e adolescência era um consumidor ávido de banda desenhada em qua- dradinhos.
Tinha coleções de BD Disney, onde me abstraia do resto do mundo e seus problemas.
Ganhar a vida a fazer banda desenhada em barro é um modo de vida feliz certamente.
Fig. 8. Jantar de Família. Terracota e tintas acrílicas. 45x35x20cm
A Galeria Oficina
Apostei sempre em peças únicas e originais das quais a Fig. 8 é um exemplo. De
modo que as peças de artesanato que elaborava nunca eram iguais. Se fazia dez presépios
fazia-os diferentes uns dos outros. O mesmo para os St. Antónios, ou para as outras peças.
As exposições, feiras e prémios trouxeram visibilidade. Com esta visibilidade vieram
encomendas, a ritmo regular, para particulares e retalho e coloquei a hipótese de abrir um
estabelecimento em Évora. Os preços dos espaços praticados na altura na cidade eram
proibitivos para iniciantes de modo que o melhor que consegui, na rela- ção
localização/preço, foi um espaço completamente devoluto na rua de Raimundo 51ª que
acabei por conseguir recuperar mais tarde e que se pretendia um Atelier gale- ria. Atelier
porque numa parte da área era a oficina onde trabalhava.
Galeria porque noutra zona enfatizava o conceito de peça única, colocando cada
trabalho em desta- que sobre peanhas iluminadas individualmente por focos.
Fig. 9 e 10 Galeria Oficina da Terra, na Rua do
Raimundo 51ª em Évora
Foi, tanto quanto tenho registo, percursor de muitos espaços de autor que hoje são
comuns no país, mas que na altura não existiam. Este conceito de peças de arte popu- lar
destacadas como obras de arte confundiu visitantes de início, mas agradou visivel- mente
no geral. Cada peça era valorizada em si mesma. Cada compra era, por parte do cliente,
uma aquisição relevante e especial. Logo então imaginei que poderia colocar também a
possibilidade de vendas on-line Anexo 4, sobretudo como uma medida comple- mentar
de garantir mais retorno que permitisse fazer face a demais despesas.
Fiscalidade artística ou a definição de uma atividade.
Por vários anos depois da abertura da loja e do lançamento do site, paguei IVA à
taxa máxima (na altura) de 20%, como se de um comércio convencional se tratasse. Passei
por três empresas de contabilidade e pela reforma e aperfeiçoamento do atendimento via
internet do aparelho do estado, até que por minha iniciativa em 2008 e num email para a
Direção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI) descobri que, afinal como artista
plástico que era (e não artesão) beneficiava de IVA à taxa reduzida de 5%. Foi uma
revelação. Não apenas descobrir que pagava menos IVA. Sobretudo foi descobrir- me
artista plástico.
De: Maria Emília Alves Pimenta [mailto:mepimenta@dgci.min-
financas.pt] Enviada: terça-feira, 12 de agosto de 2008 10:38
Para: oficinadaterra@oficinadaterra.com
Assunto: FW: FW: Solicitação de Contacto: CAE - ARTISTA
PLASTICO Tendo por referência o mail de V.Ex.ª., informo o
seguinte:
No que se refere ao IVA (Imposto sobre o valor acrescentado), o
Decreto-Lei nº 199/96, de 18 de outubro, regulamenta o regime
especial, nomeadamente dos objectos de arte, de coleção e
antiguidades. Nos termos do referido diploma, consideram-se
“obras de artes” (anexo A ao diploma) os “Exemplares únicos de
cerâmica, inteiramente executados à mão pelo artista e por ele
assinados”. Assim, se for esta a situação em apreço, a venda das
obras efetuada pelo próprio artista é tributada a 5% (art.º. 15º do
citado diploma), caso contrário, a venda é tributada a 20%.
Relativamente à questão do código CAE ou do código da tabela
anexa ao Código do IRS, bem como do beneficiou fiscal, não é
matéria da competência desta Direção de serviços, pelo que se
reenvia o presente mail para a Direção de serviços do IRS, que
responderá.
Com os melhores cumprimentos
A Diretora de Serviços (em substituição) Maria Emília Pimenta.
Portanto e devido a este email cheguei à conclusão de que não era apenas artesão,
mas sim artista plástico, pois as características do meu trabalho eram justamente es- sas.
Da mesma forma em sede de IRS beneficiava de um regime especial onde apenas 50%
da matéria coletável seria alvo de tributação. O curioso nesta situação é que não foram os
meus pares, críticos ou especialistas em arte ou artesanato que o fizeram. Não foram três
gabinetes de contabilidade ou a repartição de finanças de Évora. Foi, portanto, a DGCI
on-line que definiu concretamente o meu trabalho e atividade escla- recendo o que era de
facto esta minha profissão e vocação autodidata. O Tiago Cabeça descobriu que não era
apenas um artesão. Era um artista plástico. Mais que a questão de grau ou estatuto, que
embora importante para mim era relativamente irrelevante (uma vez que trabalhava de
facto no que gostava) esta nova realidade trouxe-me uma significativa diferença em
termos de alívio de encargos e despesas.
Certificados
Enquanto estudante na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), onde fui bolseiro de 1987 a 1992 sempre achei curioso o facto de a maior parte
dos objectos e bens, vendidos nas lojas (de brinquedos a máquinas fotográficas, passando
por ele- trodomésticos ou utensílios), terem “certificado”.
Fig. 11. Fig 12. Samovar souvenir turístico russo, em madeira, com certificado assinado
13
.
Normalmente uma etiqueta simples, em papel pardo que ostentava, independente-
mente do quanto massificada fosse a produção do item, número de série e assinatura ou
rubrica do “proletário responsável” pelo objeto.
Esta curiosidade em si incongruente por uma, certamente, produção em escala e
qua- lidade duvidosa, tinha um quê de inocência poética para mim. Um toque de
13
Fotos gentilmente cedidas por Carla Patrício.
humaniza- ção singelo que contrastava com a produção de qualidade, também
massificada, mas impessoal, dos objectos no ocidente “desenvolvido”. Como que
conferia “alma” a cada objeto. Imaginar uma fábrica que debita milhões de casacos, malas
de senhora ou guarda chuvas e o respetivo funcionário a rubricar com uma esferográfica
diligente- mente cada “certificado” era qualquer coisa de surreal e reconfortante.
Resolvi emitir também certificados numerados, de cada peça que fazia e vendia.
Já trabalhava há quase três anos quando iniciei esta prática e nunca mais a deixei. Impri-
mi um modelo de flyer com os contactos da Oficina da Terra (mais tarde da Aldeia da
Terra) e alguns detalhes gerais, espaços em branco para assinatura e data. Passei a
numerar cada um com um carimbo rotativo e a rubricar individualmente a esferográfi- ca,
sem pretensões de registo de peças ou base de dados.
Fig. 13. Modelo de Certificado usado até
dezembro de 2017
Fig.14. Modelo de Certificado usado a partir de
2018 já com a Aldeia da Terra em Évora
Hoje vou em mais de dez mil emitidos e não há cliente que não faça questão de
levar o certificado junto com a sua peça, valorizando-os aparentemente de igual forma.
Foi um modo excelente de divulgar os contactos e manter, também, clientes em ligação
mais ou menos permanente, pois que quando se lembravam de uma prenda para um
familiar ou amigo, mesmo que afastados há anos, rapidamente tinham a forma de chegar
até ao meu trabalho e localização. Todos se lembram onde guardaram o certifi- cado
daquela obra de arte que em alguma altura, quando passaram por Évora, adquiri- ram.
Caricaturas, uma abordagem contemporânea profana.
As caricaturas com o passar dos anos foram melhorando no seu traço e forma. Os
cli- entes que insistiam em trazer-me fotografias dos caricaturados, além da sua descrição,
também me forneceram milhares de detalhes e pormenores da vida e hábitos de lar- gas
centenas de pessoas. De animais de estimação a Primeiros-ministros já retratei quase tudo
e a forma não contundente ou não critica como o faço dita eventualmente o sucesso desta
minha forma de arte. Ou então será apenas porque as pessoas na rea- lidade gostam de se
ver retratadas pelos olhos dos outros. Será uma forma de dizer algo, sem palavras, mas
mais sinceramente, porventura.
Por norma levo 30 dias a terminar um trabalho, já retratei famílias inteiras, grupos
de amigos (Fig.28), veículos de estimação, lugares especiais (Fig.52 a 54). As seguintes
imagens (Fig. 29 a 51) são exemplos deste tipo de trabalhos.
15. Família Fernandes. Terracota e tintas acrílicas. Dezembro
de 2018.
Fig.16. Exemplos de caricaturas encomendadas.
Fig. 17
Fig. 18
Fig. 19
Elaboração e finalização da maquete caricaturada do Monte do Ramalho Terracota, tintas acrílicas, inertes
e material orgânico. 2,5x1,5m
O Zé Pevide
No meu trabalho do projeto Aldeia da Terra reintroduzo a figura do desbocado Zé
Po- vinho, rebatizado (por motivos óbvios de autoria) Zé Pevide, que essencialmente é a
figura criada por Rafael Bordalo Pinheiro, agora eleito Presidente da Junta de Freguesia
da Aldeia da Terra, munido de computador e Facebook, sempre numa refilada toada
sarcástica contra as angústias que as dificuldades do projeto lhe causavam. Em suma
Zé Pevide era um Alias das minhas dores.
Fig. 20 Blogue Noticias da Aldeia da Terra
14
Lancei o Blog Noticias da Aldeia da Terra que, embora inicialmente, tivesse por
objeti- vo divulgar curiosidades do quotidiano do projeto, na realidade cedo se
transformou um escape para poder desabafar frustrações, por não conseguir ver o projeto
concreti- zar-se como o tinha imaginado, e intervir perante um “sistema” que, sentia, nem
sem- pre se compadece com esforços líricos ou artísticos.
A Câmara Municipal de Arraiolos e a sua presidente (mas não apenas) eram figuras de
recorrentes artigos, mais ou menos justos confesso que é discutível, quer pela indife-
rença a que votavam o projeto quer pelas dificuldades, que na minha opinião, lhe le-
vantavam. Muitos destes acabei por apagar mais tarde porque visivelmente origina- vam
por parte da autarquia, comunista desde o 25 de Abril de 1974, um crescendo de
indiferença e má vontade para com o projeto, que contribuiu para o culminar da mi- nha
desmotivação, o seu encerramento e mudança para Évora.
14
https://noticiasdaaldeiadaterra.blogspot.pt/
Fig. 21. E 22. Zé Pevide Presidente de Junta. Zé Pevide e adjunto:
Cinzento Pevide.
O Zé Povinho é uma figura que ultrapassa o seu criador (Bordalo). Tornou-se um
sím- bolo nacional do Ser Português. Convertê-lo no Zé Pevide foi socorrer-me da
personagem para poder exprimir e lamentar o que me atormentava, mais que um tributo
consciente a Bordalo. Nunca considerei a minha expressão plástica uma continuidade
fosse do que fosse (barrística estremocense, caldense, caricatura Bordalliana ou outra) até
pelas difusas referências que tinha e só recentemente verdadeiramente compre- endi e
relacionei. Creio que o percurso que fiz tem muitos paralelos com todas as ex- pressões
referidas, mas isso acaba por acontecer de forma espontânea. O caminho que escolhi,
mais ou menos inadvertidamente, foi o da barrística. As dificuldades que fazem esse
caminho, regra geral, certamente são comuns a todos os que, mais tarde ou mais cedo, o
percorram, creio.
Se a figura do Zé Povinho ultrapassou o seu criador a Aldeia da Terra, nos seis
anos que esteve de portas abertas em Arraiolos, já me começava também a ultrapassar,
senti-o. E é verdadeiramente estranho sentir essa dualidade. Sobretudo de muitas das
gentes da terra que, se por um lado não apreciavam a divulgação das dores e humores de
Zé Pevide, nunca muito abonatórias para a Câmara ou para o concelho, por outro lado
usavam a referência do projeto para os mais diversos fins, desde o destaque e promoção
imobiliária de propriedades contiguas, a localização geográfica ou cultural na pro- moção
e divulgação do concelho. Passando por referências em periódicos, programas televisivos,
blogues, páginas de internet, ou mesmo no passa-palavra do dia-a-dia.
Esta relação de amor/desamor por vezes deixava-me a sensação de que os locais
não se importariam nada de ficar com a Aldeia da Terra, chutando o seu criador (e alter
ego) para outras paragens. A angústia, a existir nomeadamente por parte do executivo
camarário, era a constatação de que não o poderiam fazer.
E assim o crescendo de críticas do Zé Pevide tinha como resposta um crescendo
de silêncio por parte da autarquia que, na minha opinião, fechava gradualmente a tornei-
ra das visitas turísticas à Aldeia da Terra (proibição de cartazes no Posto de Turismo,
ausência de referencias ao projeto em publicidade institucional, não licenciamento de
publicidade exterior, inexistência de sinalética na via publica ou inexistente estaciona-
mento, etc…) mas mantinha a sua utilização para os fins quando e onde lhe eram con-
venientes (alguma promoção do concelho, feiras de turismo, etc…). Creio que isso de-
monstrava de certa forma, na minha perceção, também uma certa autonomia do projeto.
O tal “ultrapassar do criador”. O sentimento que isso me provocava era ambíguo, entre a
satisfação e a frustração, como é evidente.
Outras referencias do autor:
Cabeça, Paulo. 2018. Uma nova abordagem à barrística portuguesa: a influência do
projeto "Aldeia da Terra" na conceção de uma nova linguagem artística. Tese Mestrado.
Universidade de Évora. http://hdl.handle.net/10174/23337
Cabeça, Paulo; Rodrigues, Paulo; Carrolo, Mariana. 2020. A criatividade como
processo do consciente e subconsciente na Arte. A Barrística como caso de estudo. In
Antologia de Ensaios LABORATORIO COLABORATIVO: Dinâmicas Urbanas,
Património, Artes. VI Seminário de Investigação, Ensino e Difusão. Publisher:
DINÂMIA’CET-ISCTE. Pp. 295. http://hdl.handle.net/10071/20764
Cabeça, P.T. 2022. The natural Art. Artists of diferent species. Academia Letters,
Article 4879. https://doi.org/10.20935/AL4879
Cabeça, P.T. (2021). The Venus of our anxiety. The first art was visceral. Academia
Letters, Article 454. https://doi.org/10.20935/AL454.
Cabeça, Paulo. 2020. Creativity. A biological weapon?. Repositório da Universidade de
Évora. http://hdl.handle.net/10174/29711
Cabeça, P.T. (2021). Loewenmensch. The lion woman. Academia Letters, Article 1665.
https://doi.org/10.20935/AL1665
Cabeça, Paulo. 2021. Da peça imaginada à peça criada. Revista Inverso. Universidade
de Évora. http://hdl.handle.net/10174/30936
Cabeça, Paulo. Rodrigues, Paulo. Carrolo, Mariana. 2020. A verdadeira natureza da
imagem. Recensão a Teoria do acto icónico de Horst Bredekamp.
10.13140/RG.2.2.23157.40167
Cabeça, P.T. (2021). Loewenmensch. The lion woman.
Academia Letters, Article 1665. https://doi.org/10.20935/AL1665
Cabeça. Paulo. 2021. Creativity in clay. A theory on the nature of art.
Academia Courses. https://www.academia.edu/courses/D1amB1?tab=0&v=YD01mb
Cabeça, Paulo. Mira, Antonieta. 2011. Visita à Aldeia da Terra. Edições Poejo
ISBN: 978-989-97411-1-9
https://www.academia.edu/43277367/Visita_%C3%A0_Aldeia_da_Terra
Cabeça, Paulo. 2018. Aldeia da Terra, um universo singular.
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_Oficina_da_Terra