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O conflito entre política migratória e Direito dos Refugiados na União Europeia: uma análise da (i)legalidade da externalização e da seletividade

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Abstract

O artigo tem como objetivo analisar em que medida a utilização da externalização e da seletividade pela União Europeia representa uma violação do Direito Internacional dos Refugiados. Busca-se verificar se o acolhimento conferido pelo bloco europeu aos refugiados ucranianos, após a invasão russa, representaria uma violação ao princípio da não discriminação. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa de revisão bibliográfica e jurisprudencial sobre o tema. Concluiu-se que a política migratória da União Europeia afronta o espírito da Convenção de Genebra de 1951.
Esta gina será substituída pela Capa
PESQUISAS EM DIÁLOGO
Direção Editorial
Lucas Fontella Margoni
(in memoriam)
Comitê Científico
Prof. Dr. Alexandre Cortez Fernandes
Universidade de Caxias do Sul (UCS)
Prof. Dr. João Ignacio Pires Lucas
Universidade de Caxias do Sul (UCS)
Profª. Drª. Verônica Bohm
Universidade de Caxias do Sul (UCS)
PESQUISAS EM DIÁLOGO
VOLUME 1
VIOLÊNCIAS, INTERSECCIONALIDADES E
POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO SOCIAL
Organizadores
Aline Passuelo de Oliveira
Aline Valéria Fagundes da Silva
Ana Maria Paim Camardelo
Bruno Silveira Rigon
Maíra Pereira da Costa
Diagramação: Marcelo Alves
Capa: Gabrielle do Carmo
A Editora Fi segue orientação da política de
distribuição e compartilhamento da Creative Commons
Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
P474 Pesquisas em diálogo [recurso eletrônico] / Aline Passuelo de Oliveira,
Aline Valéria Fagundes da Silva, Ana Maria Paim Camardelo,
Bruno Silveira Rigon e Maíra Pereira da Costa (orgs.).
Cachoeirinha : Fi, 2024.
407p.
Violência, interseccionalidades e possibilidades de inclusão
social, v. 1.
ISBN 978-65-85725-86-6
DOI 10.22350/9786585725866
Disponível em: http://www.editorafi.org
1. Questões sociais ViolênciaInterseccionalidade Inclusão
social - Pesquisas. I. Oliveira, Aline Passuelo de. II. Silva, Aline Valéria
Fagundes da. III. Camardelo, Ana Maria Paim. IV. Rigon, Bruno Silveira.
V. Costa, Maíra Pereira da.
CDU 303/305:316.3/.7
Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto CRB 10/1023
O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências
bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma
forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e
exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 9
Os organizadores
PARTE 1
VIOLÊNCIAS, INCLUSÃO E JUSTIÇA SOCIAL
1 17
VIDEOGAMES E NEOLIBERALISMO: UM LADO MAIS ESCURO DA
CONTEMPORANEIDADE
Aline Conceição Job da Silva
2 48
JUVENTUDES, VIOLÊNCIAS E PROJETOS DE FUTURO
Bruna Rossi Koerich
3 70
SOBRE PENSAR A POLÍCIA DESDE IMAGENS
Leandro Ferreira de Paula
4 99
MOVIMENTOS SOCIAIS E GÊNERO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS
Mariane Silva Reghim
PARTE 2
INTERSECCIONALIDADES DE GÊNERO E DE
OCUPAÇÃO LABORAL
5 119
ENSAIO ACERCA DAS CONTRADIÇÕES DA MATERNIDADE NO TRABALHO DE
MULHERES CATADORAS DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Alais Benedetti
Kátia Cardoso Nostrane
Pâmela Martins Rodrigues
6 135
ABORDAGEM ACERCA DAS IDEOLOGIAS CONSERVADORAS DESTINADAS ÀS
TRAVESTIS NO BRASIL
Bruno Silveira Rigon
Fabiana Porto Siqueira
7 162
O MARCADOR SOCIAL DE GÊNERO E SEU SIGNIFICADO NA REALIDADE DE
ADOLESCENTES CUMPRINDO MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Fernanda Nunes Setti
Ana Maria Paim Camardelo
8 178
EDUCAÇÃO SEXISTA: OBSTÁCULO PARA A SOCIEDADE DEMOCRÁTICA E
IGUALITÁRIA
Gabriela Linhar
Laís Duarte Corrêa
9 214
A CIDADANIA NO CONTEXTO DO CAPITALISMO DEPENDENTE: LIMITES PARA A
GARANTIA DE DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL
Heloísa Teles
Laís Duarte Corrêa
10 236
A MULHER NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Luísa Valim de Lima
11 251
SE NÃO CRIO, EU ADOEÇO: O TRABALHO ARTESANAL NÃO ASSALARIADO NO
CAPITALISMO E A SAÚDE DAS ARTESÃS
Shirlene Anabor
Dolores Sanches Wünsch
12 272
MULHER-VÍTIMA: REFLEXÕES SOBRE JUSTIÇA E COLONIALIDADES EM CASOS DE
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Ana Maria Paim Camardelo
Sofia Guerreiro Sangalli
13 287
MULHERES QUE ATENDEM MULHERES: A RELAÇÃO ENTRE SERVIÇO SOCIAL E A
POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Tatiana Reidel
Laís Duarte Corrêa
Caroline de Melo Pir es
PARTE 3
INCLUSÃO SOCIAL DE MIGRANTES E DE
REFUGIADOS
14 307
O REFUGIADO NO CONTEXTO MIGRATÓRIO BRASILEIRO: ENTRE VULNERABILIDADES
E OMISSÕES
Ana Cláudia Botelho Pacheco Oliveira
Thiago de Souza Modesto
15 315
IDENTIDADE NA FRONTEIRA: UMA REFLEXÃO SOBRE SER EM PACARAIMA/RR
Antonio Eduardo de Oliveira Junior
16 331
DA VENEZUELA AO BRASIL: A FEMINIZAÇÃO DA MIGRAÇÃO, LUTAS E RESISTÊNCIAS
Claudia Veronese
Mónica de La Far e
17 341
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES MIGRANTES HAITIANAS NA MÍDIA
JORNALÍSTICA
Débora Kieling Pavan
Cristina Lhullier
18 351
A CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL: MAPEANDO O
ACESSO À EDUCAÇÃO DOS IMIGRANTES NO BRASIL
Maria Cristina Alves Delgado de Ávila
Thiago de Souza Modesto
19 359
O CONFLITO ENTRE POLÍTICA MIGRATÓRIA E DIREITO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO
EUROPEIA: UMA ANÁLISE DA (I)LEGALIDADE DA EXTERNALIZAÇÃO E DA
SELETIVIDADE
Ricardo Strauch Aveline
20 388
A RETÓRICA DA INTOLERÂNCIA EM FACE DOS IMIGRANTES NA EUROPA: ENTRE
DISCURSOS E PRÁTICAS CONSTRÓI-SE UM POTENCIAL INIMIGO
Thiago de Souza Modesto
Maria Cristina Alves Delgado de Ávila
AUTORIA E ORGANIZAÇÃO 396
19
O CONFLITO ENTRE POLÍTICA MIGRATÓRIA E
DIREITO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIA:
UMA ANÁLISE DA (I)LEGALIDADE DA
EXTERNALIZAÇÃO E DA SELETIVIDADE
Ricardo Strauch Aveline 1
1. INTRODUÇÃO
O artigo trata sobre os mecanismos de externalização e de
seletividade, os quais vêm caracterizando a política migratória da União
Europeia, sendo utilizados, sem aprovação pelo Parlamento Europeu,
para restringir o acesso de refugiados ao bloco e, assim, evitar que
solicitem refúgio em território europeu.
A externalização ocorre a partir de acordos com os ditos “países
terceiros seguros”, os quais ficam encarregados de impedir que
migrantes e refugiados alcancem a União Europeia, evitando assim o
“escrutínio dos guardiões europeus dos direitos humanos”, sejam eles
políticos, tribunais, instituições nacionais de direitos humanos,
jornalistas ou organizações da sociedade civil.2
A seletividade diz respeito a práticas discriminatórias que, ao invés
de privilegiar os refugiados mais vulneráveis, divide refugiados em
“bons” e “ruins” com base em critérios raciais, religiosos, educacionais,
1Faculdade Estácio do Rio Grande do Sul.
2 CRÉPEAU, Françoise. Non-refoulment as a principle of international law and the role of the judiciary in
its implementation. Dialogue between j udges 2017. ECtHR. Strasbourg: Council of Europe, 2017, p. 12.
360 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
econômicos, culturais, políticos e geográficos.3 Ela se manifesta por
meio de práticas discriminatórias como o “apartheid de passaporte”4 e a
aplicação de normas protetivas, de caráter facultativo, a refugiados
“selecionados”.5
Ao dificultarem o acesso ao refúgio para determinadas pessoas, a
externalização e a seletividade representam “precariedades
construídas”,6 as quais fomentam a utilização de coiotes, ampliando os
riscos de afogamento, tráfico de pessoas e maus tratos,7 tornando
questionável a sua legalidade.
O problema de pesquisa envolve a identificação da contradição entre
a política migratória da União Europeia, que promove a externalização e
a seletividade, e o Direito Internacional dos Refugiados, com os princípios
da não discriminação e do non-refoulement, e o Direito Internacional dos
Direitos Humanos que prevê o direito à vida, o direito de deixar qualquer
país, o direito de buscar e gozar de refúgio, o direito à liberdade e o direito
de acesso ao Poder Judiciário. Assim, procura-se responder as seguintes
questões: em que medida a externalização e a seletividade, da forma como
vêm sendo praticadas pela União Europeia, representam violações ao
Direito Internacional dos Refugiados e ao Direito Internacional dos
Direitos Humanos?
3 HATHAWAY, James C. The Rights of Refugees under International Law. 2 ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 2021, p. 36.
4 KOCHENOV, Dimitry Vladimirovich. Ending the passport apartheid. The alternative to citizenship is no
citizenship A reply. International Journal of Constitutional Law, vol. 18, n. 4, Dec. 2020, p. 1528.
5 CARRERA, Sergio; CIGER, Meltem Ineli; VOSYLIUTE, Lina; BRUMAT, Leiza. The EU grants temporary
protection for people f leeing war in Ukraine: time to rethink une qual solidarity in EU asylum policy. CEPS
Policy Insights, n. 2022-09, Mar. 2022, p. 11.
6 CRÉPEAU, Françoise. Towards a global and diverse world: facilitating mobility as a central objective of
the Global Compact on Migration. International Journal of Refugee Law, vol. 30, n. 4, 2018, p. 656.
7 KAPUR, Ratna. Makeshift migrants and law: gender, belonging and postcolonial anxieties. New Delhi:
Routledge, 2010, p. 33.
Ricardo Strauch Aveline 361
Além disso, busca-se verificar o nível de influência das
discriminações racial, cultural, religiosa, política, econômica e
geográfica sobre a política migratória da União Europeia, identificando-
se os motivos que ensejaram uma diferenciação na qualidade do
acolhimento humanitário conferido aos refugiados ucranianos em
relação aos refugiados de outras regiões.
Para tanto, foram utilizados os métodos qualitativo e analítico,
sendo proposta a elaboração de uma análise lógica e comparativa entre
a política migratória praticada no âmbito da União Europeia e o Direito
Internacional dos Refugiados e dos Direitos Humanos.
Segundo Triviños, a abordagem de cunho qualitativo trabalha os
dados buscando seu significado, tendo como base a percepção do
fenômeno dentro do seu contexto. O uso da descrição qualitativa
procura captar não só a aparência do fenômeno como também as suas
essências, procurando explicar sua origem, relações e mudanças, e
tentando intuir as consequências.8
Para tanto, foi utilizado o nível de pesquisa descritivo, o qual,
segundo Gil, caracteriza-se pela descrição de determinado fenômeno (as
práticas de externalização e de seletividade por parte da União
Europeia), estabelecendo relações comparativas (conformidade entre as
práticas de externalização e seletividade, de um lado, e o Direito
Internacional dos Refugiados e dos Direitos Humanos, do outro).9
O artigo está estruturado em dois capítulos, o primeiro trata sobre
a externalização, analisando-se a expansão da sua utilização desde a
8 TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo da Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987, p. 128-129.
9 GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 28.
362 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
década de 1970, a sua (i)legalidade e a posição do Tribunal de Justiça da
União Europeia sobre o tema.
O segundo capítulo trata sobre a seletividade, analisando-se os
motivos que ensejaram a alteração da política migratória da União
Europeia em relação aos refugiados ucranianos à luz do princípio da não
discriminação. Nas considerações finais, os temas são retomados com
uma análise crítica.
2. EXTERNALIZAÇÃO DO ACOLHIMENTO HUMANITÁRIO NA UNIÃO
EUROPEIA
Durante a Guerra Fria, refugiados eram aqueles que fugiam de
Estados comunistas na Europa Central e Oriental, os quais não apenas
poderiam ser integrados de maneira relativamente fácil na Europa
Ocidental, ávida por mão de obra, mas também, a sua necessidade de
refúgio, fornecia evidências ideológicas da superioridade da democracia
liberal ocidental sobre o comunismo.10
Essa utilização política do refúgio durante a Guerra Fria pode ser
exemplificada com o caso da Suíça que recebeu generosamente os
checos e húngaros que chegaram em 1956 e em 1968, fugindo do regime
soviético, enquanto os chilenos que chegaram na Suíça após 1973,
fugindo do regime Pinochet, foram recebidos de forma altamente
restritiva.11 No mesmo sentido, Ferris e Donato criticam o duplo padrão
praticado pelos Estados Unidos da América ao conceder tratamento
10 GIBNEY, Matthew J. A thousand little Guantanamos: Western States and measures to prevent the arrival
of refugees. In: TUNSTALL, Kate E. Displacement, asylum, migration: the Oxford Amnesty Lectures
2004. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 144.
11 PIGUET, Etienne. The ‘refugee crisis’ in Europe: shortening distances, containment and asymmetry of
rights a tentative interpretation of 2015 16 events. Journal of Refugee Studies, vol. 34, n. 2, June
2021, p. 1587.
Ricardo Strauch Aveline 363
mais favorecido aos solicitantes de refúgio cubanos do que aos
haitianos.12
Essas experiências demonstram importantes precedentes da
utilização política do refúgio, podendo servir de subsídio para a
compreensão da atual diferenciação na qualidade de acolhimento
humanitário fornecido aos refugiados ucranianos em relação aos
refugiados não-ucranianos.
O número de refugiados que chegavam na Europa durante a Guerra
Fria era reduzido em decorrência dos controles de saídas utilizados
pelos países do bloco comunista, fenômeno conhecido pelo termo
“cortina de ferro” e pelo muro de Berlim. Além disso, a emigração para
países da chamada democracia ocidental liberal foi criminalizada pelos
Estados-Signatários do Pacto de Varsóvia, o que também restringia o
acesso aos países da Europa Ocidental.13
Nas décadas de 1960 e 1970, o número de pessoas que fugia de
países sob controle comunista foi amplamente superado pelo de
refugiados da África e da Ásia que fugiam das lutas pela
descolonização,14 o que coincidiu com o início da revolução dos
transportes que passou a garantir meios relativamente acessíveis de
transporte comercial intercontinental.15
12 FERRIS, Elizabeth; DONATO, Katharine. Refugees, migration and global governance. New York:
Routledge, 2020, p. 35.
13 PIGUET, Etienne. The ‘refugee crisis’ in Europe: shortening distances, containment and asymmetry of
rights a tentative interpretation of 2015 16 events. Journal of Refugee Studies, vol. 34, n. 2, June
2021, p. 1582.
14 HAAS, Hein de; CASTLES, Stephen; MILLER, Mark J. The age of migration. 6. ed. New York: Guilford,
2020, p. 11.
15 GIBNEY, Matthew J. A thousand little Guantanamos: Western States and measures to prevent the arrival
of refugees. In: TUNSTALL, Kate E. Displacement, asylum, migration: the Oxford Amnesty Lectures
2004. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 144.
364 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
O ingresso de pessoas da África, da Ásia e do Oriente Médio não
passou desapercebido, sendo imediatamente objeto de discriminações
raciais, religiosas e culturais, as quais se tornaram ainda mais intensas
em decorrência da crise do petróleo que afetou o desejo dos Estados-
Membros da então Comunidade Econômica Europeia por trabalhadores
migrantes.16 Como resultado, os países europeus passaram, então, a
restringir a concessão de vistos de trabalho, o que, por sua vez, provocou
um aumento no número de solicitações de refúgio.17
Para conter as solicitações indesejadas de refúgio, o Acordo de
Schengen de 1985 passou a adotar critérios e procedimentos uniformes
para emissão de vistos pelos seus 26 Estados-Signatários.18 A exigência
de vistos destinava-se especificamente para as pessoas provenientes de
países onde ocorriam graves violações de direitos humanos,
equivocadamente denominados de “países produtores de refugiados”19
e, consequentemente, de onde saiam grandes números de solicitantes
de refúgio: países da África, Ásia e do Oriente Médio.20
Tal prática veio a ser denominada “apartheid de passaporte”.21 Essa
exigência seletiva de vistos foi acompanhada pela primeira forma de
16 SINHA, Anita. Defining detention: the intervention of the European Court of Human Rights in the
detention of involuntary migrants. Colu mbia Human Rights Law Review, vol. 50, n. 3, Spring 2019, p.
196.
17 CARLIER, Jean-Yves; CRÉPEAU, Françoise; PURKEY, Anna. From the 2015 European ‘Migration Crisis’ to
the 2018 Global Compact for Migration: A Political Transition Short on Legal Standards. McGill Journal
of Sustainable Development Law, vol. 16, n. 1, 2020, p. 45.
18 HAAS, Hein de; CASTLES, Stephen; MILLER, Mark J. The age of migration. 6. ed. New York: Guilford,
2020, p. 136.
19 FRELICK, Bill; KYSEL, Ian M.; PODKUL, Jennifer. The impact of externalization of migration controls on
the rights of asylum seekers and other migrants. Journal on Migration and Human Security, vol. 4, n.
4, 2016, p. 207.
20 PEERS, Steve. Immigration and asylum. In: BARNARD, Catherine; PEERS, Steve. European Union Law.
2 ed. Oxford: Oxford University Press, 2017, p. 797.
21 KOCHENOV, Dimitry Vladimirovich. Ending the passport apartheid. The alternative to citizenship is no
citizenship A reply. International Journal of Constitutional Law, vol. 18, n. 4, Dec. 2020, p. 1528.
Ricardo Strauch Aveline 365
externalização: a externalização dos controles de passaportes e de
vistos, os quais passaram a ser de responsabilidade das empresas de
transporte nos países de origem. A regra tornou a apresentação de
passaportes e vistos indispensável para o embarque, sendo as empresas
de transporte puníveis com elevadas multas em caso de
descumprimento, além do custo do retorno dos passageiros sem visto.22
O “apartheid de passaporte” é uma forma de “precariedade
construída”, pois incentiva a utilização de transporte clandestino,23
estando relacionado diretamente com a origem da “migração de barco”
para Espanha e Itália,24 assim como, com o elevado número de óbitos
que ocorrem no Mar Mediterrâneo.
Além disso, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de
1951 prevê, no seu artigo 1º, que o solicitante de refúgio deve estar fora
do seu país de origem para poder solicitar a proteção legal do refúgio, o
que força inúmeras pessoas a pagar somas elevadas às redes de tráfico
de pessoas e a arriscarem suas vidas. Estima-se que entre 2014 e 2021,
mais de 24 mil pessoas tenham falecido por afogamento no Mar
Mediterrâneo.25
Em 1990 foi introduzida uma nova barreira ao ingresso de
refugiados na União Europeia: a regra do “país terceiro seguro”,
também conhecida como “princípio do país terceiro seguro”. Referida
regra estabelece que países de trânsito no norte da África, tais como,
22 HAAS, Hein de; CASTLES, Stephen; MILLER, Mark J. The age of migration. 6. ed. New York: Guilford,
2020, p. 136.
23 CHETAIL, Vincent. Looking beyond the rhetoric of refugee crisis: the failed reform of the Common
European Asylum System. European Journal of Human Rights, vol. 5, 2016, p. 588.
24 HAAS, Hein de; CASTLES, Stephen; MILLER, Mark J. The age of migration. 6. ed. New York: Guilford,
2020, p. 136.
25 UNHCR. Operational Data Portal. Disponível em: https://data.unhcr.org/en/situations/
mediterranean. Acesso em 24 dez. 2022.
366 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
Turquia, Marrocos, Líbia e Tunísia podem ser declarados Estados
seguros para o acolhimento de refugiados,26 o que passou a servir de
justificativa para a recusa de solicitações de refúgio por parte de Estados
europeus.
A referida regra está prevista no artigo 29 da Convenção de 1990
sobre a aplicação do Acordo de Schengen, o qual estabelece que o
Estado-Signatário não é obrigado a autorizar, em todos os casos, que o
solicitante de refúgio possa entrar ou permanecer no seu território,
prevendo o direito de rejeitar ou expulsar um solicitante de refúgio para
um país terceiro seguro.27
Da mesma forma, os artigos 33, “c”, 38, 1 e 39, 1 da Diretiva de
Procedimentos de Refúgio da União Europeia (Diretiva 2013/32/UE)
preveem que os Estados-Membros da União Europeia têm o direito de
rejeitar uma solicitação de refúgio sob o argumento de que o solicitante
poderia ter buscado proteção em um país terceiro seguro, não
pertencente à União Europeia.28
A concepção de país terceiro seguro foi construída a partir de uma
lacuna na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e tem
como objetivo externalizar a responsabilidade pelo acolhimento
humanitário para outros Estados, sob o pretexto de que o refugiado não
teria direito de escolher o local de refúgio. Neste sentido, a expressão
asylum shopping foi utilizada de forma tendenciosa para denegrir o
direito de buscar refúgio em local com melhores condições de
26 BYRNE, Rosemary; NOLL, Gregor; VEDSTED-HANSEN, Jens. Understanding Refugee Law in an enlarged
European Union. In: LAMBERT, Hélène (Org.). International Refugee Law. Surrey: Ashgate Publishing,
2010, p. 367.
27 TOMASELLI, Alessandro. Sicurezza ed Immigrazione Nell'UE: Profili di Diritto Europeo e Riflessioni
Critiche. Cross-Border Journal for International Studies, vol. 2, n. 1, 2017, p. 94.
28 EUROPEAN UNION. Access to European Union Law. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/en/TXT/?uri=celex%3A32013L0032. Acesso em: 28 dez. 2022.
Ricardo Strauch Aveline 367
integração, ignorando-se o sofrimento e os traumas inerentes aos
deslocamentos forçados e à dificuldade de adaptar-se ao novo país. Com
base na regra do país terceiro seguro, o refugiado deve solicitar refúgio
nos países mais próximos do Estado de origem, ou seja, na sua própria
região ou continente,29 introduzindo uma limitação geográfica.
Este entendimento não se baseia em qualquer dispositivo da
Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, a qual não impõe
limites geográficos e nem estabelece a obrigatoriedade de que o refúgio
seja solicitado no primeiro Estado seguro alcançado. Não há
unanimidade entre os doutrinadores sobre a violação ou não do
princípio do non-refoulement quando da remoção compulsória de
solicitantes de refúgio para terceiros Estados seguros para que
apresentem os seus pedidos lá.
Neste sentido, enquanto Chetail entende não haver óbice legal para
o referido retorno dos solicitantes de refúgio, 30 Tomaselli entende que
o mesmo representa uma violação do princípio do non-refoulement e
reforça o entendimento de que a política migratória da União Europeia
na atualidade não pode realmente ser caracterizada por ideais como
solidariedade.31 Ao contrário, para Tomaselli a razão fundamental da
regra do país terceiro seguro é de tipo excludente e, portanto,
autenticamente discriminatória.32
29 CHETAIL, Vincent. Looking beyond the rhetoric of refugee crisis: the failed reform of the Common
European Asylum System. European Journal of Human Rights, vol. 5, 2016, p. 590.
30 CHETAIL, Vincent. Looking beyond the rhetoric of refugee crisis: the failed reform of the Common
European Asylum System. European Journal of Human Rights, vol. 5, 2016, p. 591.
31 TOMASELLI, Alessandro. Sicurezza ed Immigrazione Nell'UE: Profili di Diritto Europeo e Riflessioni
Critiche. Cross-Border Journal for International Studies, vol. 2, n. 1, 2017, p. 94.
32 TOMASELLI, Alessandro. Sicurezza ed Immigrazione Nell'UE: Profili di Diritto Europeo e Riflessioni
Critiche. Cross-Border Journal for International Studies, vol. 2, n. 1, 2017, p. 94.
368 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
De fato, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951,
como tratado internacional, deve ser interpretada à luz da boa-fé, ou
seja, “com fidelidade ao contexto, objeto e propósito do tratado” e,
“buscando a sua efetividade”.33 A Convenção de 1951 prevê como
princípios a não devolução (non-refoulement) e a não discriminação,
sendo que ambos são ameaçados pelo retorno de refugiados aos países
terceiros seguros, atingindo-se o propósito da Convenção e a sua
efetividade.
Além disso, a externalização do acolhimento humanitário é uma
forma de desumanização, pois trata os refugiados como coisa, negando-
lhes os direitos humanos que fundamentam a Convenção de 1951 e o seu
propósito que é humanitário.34
A externalização praticada pela União Europeia vem servindo de
inspiração para países como a Turquia, dando início ao fenômeno da
“externalização em cadeia” com a exigência de vistos e o retorno de
refugiados aos países de trânsito.35 Se a “externalização em cadeia” se
tornar uma prática generalizada, haverá o comprometimento do
instituto do refúgio, condenando-se inúmeras pessoas a viver em locais
onde sofrem perseguições, torturas e graves violações de direitos
humanos.
A situação vem sendo agravada pelo fato de a União Europeia ter
firmado acordos que envolvem repasse de recursos para que os “países
terceiros seguros” realizem a contenção de refugiados nos seus
33 HATHAWAY, James C.; FOSTER, Michelle. The law of refugee status. 2 ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 2014, p. 5.
34 HATHAWAY, James C.; FOSTER, Michelle. The law of refugee status. 2 ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 2014, p. 6-9.
35 OVACIK, Ogr Üyesi Gamze. Chain-Externalisation of Migration Policies in the Context of EU-Turkey
Relations. Refugee Law Initiative 6th Annual Conference. London, 2022. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=VXNT2tZG7NM. Acesso em: 21 nov. 2022.
Ricardo Strauch Aveline 369
territórios, interceptem embarcações de migrantes em alto-mar (os
chamados pull backs) e recebam de volta refugiados e migrantes que
tenha ingressado na União Europeia. Neste sentido, em 18 de março de
2016, a União Europeia estabeleceu um acordo com a Turquia36 e, em
2017, com a Líbia, através dos quais, em troca de elevadas somas
financeiras, os referidos países assumiram obrigações ligadas às
práticas de contenção, interceptação e detenção mencionadas acima.37
Os acordos representam uma mercantilização do refúgio e
desumanização dos refugiados, impedindo o direito de buscar e de
usufruir de refúgio, ao mesmo tempo em que privam a liberdade de
refugiados sem que os mesmos tenham cometido qualquer crime,
submetendo-os a locais onde sofrem violência física e psíquica, por
tempo indeterminado e sem acesso à justiça.38
Os acordos que estabelecem a externalização do controle
migratório com a contenção de refugiados em países como Turquia,
Marrocos, Líbia e Tunísia ignoram que o artigo 14 da Declaração
Universal de Direitos Humanos e o artigo 18 da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01) preveem o direito de
buscar e de obter asilo em outros países. Ignoram também o fato de que
o artigo 13 da Declaração Universal de Direitos Humanos prevê o direito
de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.
A prática do “apartheid de passaporte”, por outro lado, ao impedir
que os refugiados alcancem os países de destino de forma segura,
36 RAMJI-NOGALES, Jaya. Migration Emergencies. Hastings Law Journal, vol. 68, n. 3, April 2017, p. 642.
37 CRISP, Jeff. The Syrian emergency: a catalyst for change in the international refugee regime. Journal
of Refugee Studies, vol. 34, n. 2, June 2021, p. 1450.
38 ROMEO, Jessica. Regolamentazione giuridica di migranti i rifugiati: prospettive de iure condito e de iure
condendo. Vergentis: Revista de Investigación de la Catedra Internacional conjunta Inocencio III. Vol. 10,
n. 1, 2020, p. 231.
370 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
obrigando-os a embarcarem em transportes precários e clandestinos,
coloca em risco o direito à vida e à segurança pessoal, previstos no artigo
1º da Declaração Universal de Direitos Humanos.
As práticas de pull back, realizadas pela guarda costeira da Líbia em
alto-mar, entram em conflito com o espírito da Convenção relativa ao
Estatuto dos Refugiados de 1951 que prevê, em seu artigo 33, que
ninguém deve ser expulso ou rechaçado, de maneira alguma, para o
território de um país onde a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada.
E, as detenções de refugiados e migrantes em centros de detenção
localizados em território líbio representam sérias violações do artigo 9º
que veda a detenção arbitrária, do artigo 5º que veda o tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante e do artigo 10º que prevê o
direito a uma justa e pública audiência, todos da Declaração Universal
de Direitos Humanos de 1948.
Pelo exposto acima, mencionadas práticas representam não apenas
a violação dos direitos dos refugiados, mas também daquilo que Bielefeldt
chama de núcleo dos direitos humanos: a dignidade humana.39
Assim, ao analisar as variadas formas de externalização que
compõem a política migratória da União Europeia, torna-se perceptível
que as mesmas, apesar de estarem previstas em acordos internacionais
e em diretrizes da União Europeia, representam uma séria ameaça ao
Direito Internacional dos Refugiados e ao Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
Diante de tais circunstâncias, convém analisar como se posicionou
o Tribunal de Justiça da União Europeia quando, em 2016, foi
39 BIELEFELDT, Heiner. “Hannah Arendt, die Menschenrechte und das Recht auf Asyl Mit Prof. Heiner
Bielefeldt”. Inter Homines Berlin. 16 out. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=8cxuO0p00I8&t=3173s. Acesso em: 26 nov. 2022.
Ricardo Strauch Aveline 371
questionado sobre a legalidade do acordo de externalização entre a
União Europeia e a Turquia.
2.1. JUDICIALIZAÇÃO DA EXTERNALIZAÇÃO
A legalidade do acordo entre União Europeia e Turquia foi
questionada perante o Tribunal de Justiça da União Europeia em 2016,
no caso NF e Outros v Conselho Europeu (T-192/16, T-193/16, T-257/16),
movido por dois nacionais paquistaneses e um nacional afegão, todos
localizados na Grécia.40
Os autores questionaram se o acordo da União Europeia com a
Turquia possuía validade, eis que tratava sobre tema migratório sem
prévia aprovação do Parlamento Europeu. Para analisar a sua
competência para julgar o litígio, o Tribunal dirigiu-se ao Conselho
Europeu, ao Conselho da União Europeia e à Comissão Europeia, e
perguntou sobre a autoria do acordo. As referidas instituições negaram
sua responsabilidade pelo acordo, fazendo com que o Tribunal
concluísse que o acordo havia sido aprovado pelos Estados-Membros da
União Europeia de forma individualizada e não pelo bloco. Portanto, o
Tribunal concluiu não possuir competência para decidir sobre a sua
legalidade, evitando, assim, o enfretamento do mérito.41
A decisão foi alvo de críticas. Questionou-se se seria razoável
imaginar que a União Europeia estivesse fortemente envolvida através
de suas atividades orçamentárias e operacionais com o acordo e, ao
40 FREIER, Luisa Feline; KARAGEORGIOU, Eleni; OGG, Kate. Challenging the legality of externalization in
Oceania, Europe and South America: an impossible task? Forced Migration Review, vol. 68, Nov. 2021,
p. 24.
41 FREIER, Luisa Feline; KARAGEORGIOU, Eleni; OGG, Kate. Challenging the legality of externalization in
Oceania, Europe and South America: an impossible task? Forced Migration Review, vol. 68, Nov. 2021,
p. 24.
372 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
mesmo tempo, não tivesse qualquer papel na elaboração e formalização
do mesmo.42 Além disso, o tribunal foi acusado de ter ignorado provas
que indicavam que o Conselho Europeu tinha de fato realizado o
acordo,43 o que implicaria no reconhecimento da competência do
Tribunal para julgar o mérito da ação.
Além disso, o Tribunal ignorou o fato de que os Estados-Membros
da União Europeia não têm o poder de concluir um acordo internacional
que abranja assuntos como controle fronteiriço e refúgio, já que estes
temas estão regulamentados pelo Direito da União Europeia.44
O Tribunal perdeu a oportunidade de romper com a tendência do
norte global de, nas palavras de Gammeltoft-Hansen e Hathaway,
“comportar-se de forma esquizofrênica”, ou seja, de se comprometer
com o cumprimento do Direito Internacional dos Refugiados e, ao
mesmo tempo, adotar barreiras para impossibilitar que os refugiados
cheguem às suas fronteiras.45 Ações que demonstram a intenção de
burlar as obrigações assumidas em convenções internacionais, sem
formalmente deixar de fazer parte delas.
O clima político na União Europeia na época do julgamento, com a
“crise dos refugiados”, com o crescimento dos partidos de extrema
direita e com o plebiscito do Brexit teria criado uma forte pressão
política sobre o Tribunal de Justiça da União Europeia. Segundo Davy, é
42 CARRERA, Sergio; HERTOG, Leonhard den; STEFAN, Marco. It wasn’t me! The Luxemburg Court orders
on the EU-Turkey Refugee Deal. Policy Insights, vol. 15, 2017, p. 11.
43 FREIER, Luisa Feline; KARAGEORGIOU, Eleni; OGG, Kate. Challenging the legality of externalization in
Oceania, Europe and South America: an impossible task? Forced Migration Review, vol. 68, Nov. 2021,
p. 24.
44 FREIER, Luisa Feline; KARAGEORGIOU, Eleni; OGG, Kate. Challenging the legality of externalization in
Oceania, Europe and South America: an impossible task? Forced Migration Review, vol. 68, Nov. 2021,
p. 24.
45 GAMMELTOFT-HANSEN, Thomas; HATHAWAY, James C. Non-Refoulement in a world of cooperative
deterrence. Columbia Journal of Transnational Law, vol. 53, n. 2, 2015, p. 235.
Ricardo Strauch Aveline 373
preciso coragem para defender a primazia do Direito em um
julgamento, quando as garantias legais são, em si, pontos de discórdia
que podem não ser aceitos pela política.46 No mesmo sentido, Carlier,
Crépeau e Purkey sustentam que o Tribunal de Justiça da União
Europeia prefere não intervir em questões migratórias, deixando-as sob
o domínio da gestão política.47
Percebe-se que mesmo no Tribunal de Justiça da União Europeia,
que deveria ser independente de pressões políticas, a pressão fez com
que a balança pendesse em favor de políticas migratórias restritivas em
flagrante violação do Direito Internacional dos Refugiados. A produção
de consenso pela mídia somada com o oportunismo político de partidos
populistas, teve efeitos não apenas sobre a opinião pública, mas sobre o
tribunal, colocando em risco a primazia do Direito e o instituto do
refúgio.
3. SELETIVIDADE NO ACOLHIMENTO HUMANITÁRIO E O PRINCÍPIO DA NÃO
DISCRIMINAÇÃO
Diante de tamanha sofisticação dos mecanismos de externalização
e da omissão das instituições judiciais sobre os acordos de
externalização, percebe-se a existência de um verdadeiro “concerto
europeu de externalização”, executado por diferentes instituições do
bloco, garantindo várias camadas de contenção e dissuasão que
impedem refugiados de alcançarem as fronteiras da União Europeia.
46 DAVY, Ulrike. Refugee crisis in germany and the right to a subsistence minimum: differences that ought
not be. Georgia Journal of International and Comparative Law, vol. 47, n. 2, 2019, p. 450.
47 CARLIER, Jean-Yves; CRÉPEAU, Françoise; PURKEY, Anna. From the 2015 European ‘Migration Crisis’ to
the 2018 Global Compact for Migration: A Political Transition Short on Legal Standards. McGill Journal
of Sustainable Development Law, vol. 16, n. 1, 2020, p. 43.
374 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
Tais práticas vêm justificando o emprego de termos como “Fortaleza
Europa”48 e “apartheid global militarizado”.49
Neste contexto, torna-se imperioso questionar o que está por trás
da mudança radical na política migratória da União Europeia quando do
acolhimento solidário de milhões de refugiados ucranianos, após a
invasão russa de 24 de fevereiro de 2022.
Em meio à chamada “crise dos refugiados” de 2015-2016, quando
1,3 milhão de refugiados ingressaram na União Europeia, Chetail
afirmava não se tratar de uma crise decorrente do número de
refugiados que chegavam ao bloco, mas sim, uma crise de
solidariedade.50 Na mesma linha, Carlier, Crépeau e Purkey, sinalizavam
que, em havendo vontade política, a União Europeia teria condições
territoriais e econômicas de integrar milhões de refugiados.51
Naquele período, a mídia, aproveitando-se do fato de que os
migrantes muitas vezes tomam as mesmas rotas e usam os mesmos
serviços clandestinos de transporte que os refugiados, costumava
retratar tanto os refugiados quanto os migrantes como uma ameaça à
segurança, identidade e cultura.52 Isto não ocorreu, entretanto, no caso
dos refugiados ucranianos, os quais não precisaram utilizar rotas
clandestinas, sendo acolhidos de forma solidária nas fronteiras dos
48 BERMEJO, Rut. Migration and Security in the EU: Back to Fortress Europe? Journal of Contemporary
European Research, vol. 5, n. 2, 2009, p. 207.
49 BESTEMAN, Catherine. Militarized global apartheid. Current Anthropology, vol. 60, n. 19, Feb. 2019,
p. 26.
50 CHETAIL, Vincent. Looking beyond the rhetoric of refugee crisis: the failed reform of the Common
European Asylum System. European Journal of Human Rights, vol. 5, 2016, p. 586.
51 CARLIER, Jean-Yves; CRÉPEAU, Françoise; PURKEY, Anna. From the 2015 European ‘Migration Crisis’ to
the 2018 Global Compact for Migration: A Political Transition Short on Legal Standards. McGill Journal
of Sustainable Development Law, vol. 16, n. 1, 2020, p. 45.
52 FERRIS, Elizabeth; DONATO, Katharine. Refugees, migration and global governance. New York:
Routledge, 2020, p. 3.
Ricardo Strauch Aveline 375
países vizinhos. Importantes canais da grande mídia ocidental trataram
rapidamente de diferenciá-los dos refugiados do Oriente Médio, África
e Ásia por meio de caracterizações discriminatórias, tais como, “são
cristãos e brancos da Europa”, “que se parecem conosco” e “não
islâmicos do terceiro mundo”.53
Os estereótipos discriminatórios transmitidos pelos meios de
comunicação de massa criaram um consenso favorável a recepção dos
refugiados ucranianos. De acordo com pesquisa de opinião desenvolvida
pelo Centro de Política de Migração (Migration Policy Centre) com 8525
pessoas de 8 Estados-Membros da União Europeia (Polônia, Alemanha,
Áustria, Itália, República Checa, Hungria, Eslováquia e Romênia), entre
25 de maio e 6 de junho de 2022, mesmo em países do leste europeu,
onde a opinião pública é conhecidamente contrária ao acolhimento de
refugiados, tais como Hungria, Polônia e Eslováquia, o número de
entrevistados que se posicionaram contrariamente ao recebimento de
qualquer refugiado ucraniano foi bastante reduzido. Somente 3,3% dos
poloneses se manifestaram contrariamente ao recebimento dos
refugiados ucranianos, enquanto 10,9% dos entrevistados húngaros e
12,1% dos entrevistados eslovacos se posicionaram contra o acolhimento
de refugiados ucranianos. O contraste se torna expressivo, quando a
consulta se dirige ao acolhimento de refugiados de “raça diferente”
(different race), quando 38% dos húngaros e 31% dos eslovacos se
posicionaram contrariamente ao acolhimento.54
53 BAYOUMI, Moustafa. They are civilized and look like us: the racist coverage of Ukraine. The Guardian.
2 mar. 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2022/mar/02/civilised-
european-look-like-us-racist-coverage-ukraine. Acesso em 26 dez. 2022.
54 DRAZANOVÁ, Lenka. Current attitudes towards Ukrainian refugees and the responses of European
governments. Migration Policy Centre. Round table on Ukraine. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=nt-qNPw25UA&t=1442s. Acesso em: 15 dez. 2022.
376 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
Novamente a discriminação racial aparece como principal causa
para a diferenciação no nível de solidariedade conferido em 2022 em
relação ao conferido em 2015-2016. A mudança também ocorreu em
meio à classe política, em que até mesmo os políticos que em 2015-2016
costumavam fazer campanha contra o acolhimento de refugiados,
rapidamente passaram a defender a abertura das fronteiras e o
acolhimento dos refugiados ucranianos.
Na Bulgária, o Primeiro Ministro, Kiril Petkov, justificou o
tratamento diferenciado aos ucranianos afirmando que “estas pessoas
são europeias”, “pessoas inteligentes e educadas”, “não pessoas com
passado incerto, que podem ter sido terroristas”. Com o mesmo tom
discriminatório, o Presidente da Hungria, Viktor Orban, afirmou que
não era necessário ser um cientista de ponta para perceber a diferença
entre “as massas chegando de regiões muçulmanas em busca de uma
vida melhor na Europa” e os “refugiados ucranianos que estão fugindo
da guerra”.55
Até mesmo o político italiano de extrema direita, Mateo Salvini,
conhecido por sua posição radicalmente contrária ao acolhimento de
refugiados e migrantes, deslocou-se à fronteira da Polônia com a
Ucrânia em março de 2022 para prestar apoio aos refugiados
ucranianos. Na ocasião, afirmou que “muitas empresas e famílias
italianas estão prontas a fazer a sua parte”, “seja ajudando em terra
polaca com envio de doações de todos os gêneros, seja acolhendo na
55 RELIEFWEB. The Ukraine Crisis Double Standards: Has Europe’s Response to Refugees Changed? 2 mar.
2022. Disponível em: https://reliefweb.int/report/ukraine/ukraine-crisis-double-standards-has-europe-
s-response-refugees-changed. Acesso em 28 dez. 2022.
Ricardo Strauch Aveline 377
Itália uma parte das 100 mil pessoas que diariamente escapam da
Ucrânia”.56
Como resultado, houve o ingresso de fluxos maciços de refugiados
ucranianos sem exigência de passaporte, visto ou certificado de
vacinação, e com a facilitação de acesso aos países do bloco a partir de
um sistema de caronas que incluía o trabalho de voluntários de diversos
países da União Europeia e a gratuidade no transporte férreo, restando
evidenciado um “nível desigual de solidariedade” entre a destinada a
refugiados ucranianos e não-ucranianos.57
Em apenas três meses, mais de 6,5 milhões de refugiados
ucranianos já haviam ingressado na União Europeia (UN, 2022b) sem
que se ouvisse em algum momento a expressão “crise de refugiados” na
mídia.58 Além de não aplicar mecanismos de contenção e dissuasão, a
União Europeia disponibilizou na internet um site com explicações
sobre os direitos garantidos aos refugiados ucranianos, afirmando sua
intenção de “oferecer rápida e efetiva assistência”.59
No dia 3 de março de 2022, os Estados-Membros da União Europeia
aprovaram, por unanimidade, a aplicação da Diretiva de Proteção
Temporária de 2001 (Diretiva 2001/55/CE) em benefício dos refugiados
56 COSA è andato a fare Salvigni al confine tra Polonia e Ucrania. Agenzia Italiana. Disponível em:
https://www.agi.it/politica/news/2022-03-08/viaggio-salvini-confine-polonia-ucraina-15910388/.
Acesso em: 25 dez. 2022.
57 CARRERA, Sergio; CIGER, Meltem Ineli; VOSYLIUTE, Lina; BRUMAT, Leiza. The EU grants temporary
protection for people f leeing war in Ukraine: time to rethink une qual solidarity in EU asylum policy. CEPS
Policy Insights, n. 2022-09, Mar. 2022, p. 11.
58 Segundo Chetail, diferentemente do ocorrido em 2015-2016, na atualidade vive-se uma “crise de
números” e não de solidariedade. CHETAIL, Vincent. Refugees from Ukraine: the legal and policy
challenges of protection. Global Migration Centre. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=_IByGK5Yas4. Acesso em: 26 maio 2022.
59 EUROPEAN COMISSION. Temporary Protection. Disponível em: https://ec.europa.eu/home-
affairs/policies/migration-and-asylum/common-european-asylum-system/temporary-protection_en.
Acesso em: 21 maio 2022.
378 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
ucranianos. A diretiva, criada para ser utilizada em casos de fluxos
maciços de refugiados, não foi aplicada aos refugiados em 2015-2016,
apesar do clamor de inúmeros especialistas.60 A norma assegura
proteção temporária imediata de um ano (prorrogável por mais dois
anos) e garante o direito de residência, o acesso ao mercado de trabalho,
acesso à habitação, assistência social e assistência médica nos Estados-
Membros da União Europeia, dentre outros direitos.61
Marie De Somer explica que a Diretiva de Proteção Temporária era
tida como “letra morta” antes da invasão da Ucrânia e lamenta que sua
aplicação tenha sido restringida aos ucranianos, deixando de fora
muitas pessoas que se encontravam na Ucrânia quando da invasão russa
e que foram obrigados a retornar aos seus países de origem.62
A aplicação da Diretiva de Proteção Temporária gerou críticas de
que a União Europeia se utiliza de um duplo padrão de direitos
humanos, selecionando com critérios discriminatórios, as pessoas que
serão beneficiadas pelas normas de direitos humanos. No caso
específico da guerra na Ucrânia, privilegiou-se refugiados europeus,
brancos e cristãos,63 alinhados politicamente com a Europa Ocidental e
com os Estados Unidos da América, em detrimento de refugiados que
60 CARRERA, Sergio; CIGER, Meltem Ineli; VOSYLIUTE, Lina; BRUMAT, Leiza. The EU grants temporary
protection for people f leeing war in Ukraine: time to rethink une qual solidarity in EU asylum policy. CEPS
Policy Insights, n. 2022-09, Mar. 2022, p. 11.
61 CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Proteção Temporária da União Europeia para Pessoas Deslocadas.
Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/infographics/temporary-protection-displaced-
persons/. Acesso em: 25 dez. 2022.
62 DE SOMER, Marie. EU solidarity and responsibility-sharing in light of the Ukrainian refugee emergency.
Migration Policy Centre. Round table on Ukraine. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=lTIC952k3Dc. Acesso em: 15 dez. 2022.
63 NJAI, Abdoulie; TORRES, Micaela; MATACHE, Margareta. Ukraine: the refugee double standard. Foreign
Policy in Focus. Disponível em: https://fpif.org/ukraine-the-refugee-double-standard/. Acesso em: 30
nov. 2022.
Ricardo Strauch Aveline 379
fogem de situações igualmente graves em países como a Síria, o Iraque
e o Afeganistão.
Apesar de ser uma prática discriminatória, a seletividade segue
presente nas políticas migratórias da União Europeia e, até mesmo, nos
pronunciamentos de membros do alto escalão do bloco. No dia 13 de
outubro de 2022, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia,
afirmou em seu discurso de inauguração da Academia Diplomática
Europeia, que “a Europa é um jardim” e que “o resto do mundo” “não é
exatamente um jardim, a maior parte do resto do mundo é uma selva, e
a selva poderia invadir o jardim”.64 A fala, que provocou inúmeras
críticas, dá sinais de que a mentalidade colonial, baseada no racismo e
na xenofobia, encontra-se viva e renovada em meio ao alto escalão da
União Europeia.
Isso ajuda a explicar por que ao mesmo tempo em que os refugiados
ucranianos vêm sendo recebidos de forma solidária na União Europeia,
as barreiras da “Fortaleza Europa” e as discriminações em relação aos
refugiados da África, Ásia e do Oriente Médio não param de aumentar.
Na Alemanha, por exemplo, refugiados afegãos foram despejados de
centros de acolhimento para liberar vagas para os refugiados
ucranianos,65 enquanto no Reino Unido foi firmado um acordo que
prevê que os solicitantes de refúgio não-ucranianos sejam deslocados
64 LIBOREIRO, Jorge. Josep Borrell apologises for controversial ‘garden vs jungle’ metaphor but defends
speech. Euronews. Disponível em: https://www.euronews.com/my-europe/2022/10/19/josep-borrell-
apologises-for-controversial-garden-vs-jungle-metaphor-but-stands-his-ground. Acesso em: 25 dez.
2022.
65 GERMANY to evict existing afghan refugees for clearing out accommodation centres for arriving
Ukrainians. Schengen Visa Info. Disponível em: https://www.schengenvisainfo.com/news/germany-to-
evict-existing-afghan-refugees-for-clearing-out-accommodation-centres-for-arriving-ukrainians/.
Acesso em 26 dez. 2022.
380 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
para Ruanda, onde deverão aguardar pelo resultados das suas
solicitações.66
Ao mesmo tempo em que “externaliza” o acolhimento de
refugiados para Ruanda, o Reino Unido recebe mais de 60 mil refugiados
ucranianos, os quais recebem a autorização imediata para o trabalho,
além de curso de língua inglesa e outros benefícios.67
A discriminação chegou a uma dimensão tão elevada que o Alto
Comissário das Nações Unidas para os Refugiados teve que se
manifestar sobre o assunto. Segundo Filippo Grandi, a proteção dos
refugiados ucranianos é crucial, mas “não se deve esquecer que existem
outras situações críticas no mundo que exigem atenção e recursos”.68
O acordo entre o Reino Unido e Ruanda foi descrito pelo Alto
Comissário das Nações Unidas para os Refugiados como “totalmente
errado por muitas razões”. Para Filippo Grandi, o acordo representa
uma exportação de refugiados como se mercadorias fossem,
transmitindo uma mensagem equivocada para Estados que, com muito
menos estrutura, vêm acolhendo um número muito superior de
refugiados. Tudo isso, segundo Grandi, dificulta o trabalho da agência
na proteção dos refugiados.69
Na medida em que critérios discriminatórios são adotados,
dividindo-se refugiados em “bons” e “ruins” com base em critérios
raciais, religiosos, políticos, educacionais e econômicos, tais práticas
66 ADAMS, Charley. Ukrainian refugees are now living in the UK so how is it going. BBC News. 28 may,
2022. Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-61548979. Acesso em 14 jun. 2022.
67 ADAMS, Charley. Ukrainian refugees are now living in the UK so how is it going. BBC News. 28 may,
2022. Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-61548979. Acesso em 14 jun. 2022.
68 TOP US and World Headlines. Democracy Now. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=lwBUcFohcXo. Acesso em: 24 maio 2022.
69 UK’s bid to export some refugees to Rwanda, ‘all wrong’, says UN refugee chief. UN News. Disponível
em: https://news.un.org/en/story/2022/06/1120262. Acesso em: 22 dez. 2022.
Ricardo Strauch Aveline 381
representam violações morais e jurídicas, afrontando os princípios da
dignidade humana, da não discriminação e do non-refoulement.70
O artigo 3º da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados prevê
que os Estados-Signatários aplicarão as disposições da Convenção sem
discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem. Assim,
deverão proceder ao acolhimento humanitário de forma igualmente
solidária. A doutrina explica que eventuais exceções somente seriam
possíveis se houvesse justificativa fundada em critérios convincentes e
aceitáveis.71 Motivos raciais, religiosos e de nacionalidade estão
excluídos de tais critérios, o que está expressamente previsto no
mencionado artigo 3º.
Além de ser ilegal, a seletividade na política migratória europeia
promove ressentimentos que têm o potencial de gerar radicalização no
seio da própria União Europeia,72 ao mesmo tempo em que compromete
o potencial do bloco de servir como promotor dos ideais democráticos,
humanitários e cosmopolitas.73
A discriminação é incompatível com a concepção de um processo
de integração pautado pela solidariedade, o que coloca em risco os
fundamentos, o futuro e as possibilidades de a União Europeia servir de
inspiração e referência moral e jurídica para outras regiões. 74 Faz-se
necessário que a União Europeia reveja com urgência os seus critérios
70 HATHAWAY, James C. The Rights of Refugees under International Law. 2 ed. Cambridge:
Cambridge University Press, 2021, p. 6.
71 HATHAWAY, James C. The Rights of Refugees under International Law. 2 ed. Cambridge:
Cambridge University Press, 2021, p. 102.
72 TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 74-75.
73 BLOM, Philipp. Was auf dem Spiel steht. 3 ed. München: Hanser, 2021, p. 183-184.
74 LANG, Iris Goldner. No solidarity without loyalty: why do Member-States violate EU migration and
asylum law and what can be done? European Journal of Migration and Law, vol. 22, n.1, Feb. 2020, p.
46.
382 Pesquisas em Diálogo - Volume 1
de solidariedade, tornando-os iguais para todos os refugiados,
independentemente de raça, religião, posicionamento político, cultura
ou país de origem. É preciso, acima de tudo, recordar que o refúgio é um
direito e não um ato de piedade do Estado a ser ofertado de forma
seletiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os mecanismos de externalização e de seletividade que vêm sendo
utilizados pela União Europeia demonstram a persistência de uma
concepção colonialista e remontam a regimes sombrios como o
apartheid na África do Sul e o nazi-fascismo europeu. Questões como
raça, política, religião e outros fatores estão por trás da seletividade e
da externalização, diferenciando refugiados em “bons” e “ruins”.
A seletividade migratória e o duplo padrão em direitos humanos,
evidenciados a partir do acolhimento diferenciado recebido pelos
refugiados ucranianos, em relação aos refugiados não europeus,
demonstra que as discriminações racial, cultural e religiosa não foram
superadas na Europa, mesmo após os traumas do nazismo e a
consequente elaboração dos sistemas global e regional europeu de
direitos humanos.
Tais práticas discriminatórias representam uma violação do
Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Internacional
dos Refugiados, colocando em risco a vida de milhares de pessoas que
diariamente embarcam em botes precários em busca de um local seguro
para viver.
Ricardo Strauch Aveline 383
REFERÊNCIAS
ADAMS, Charley. Ukrainian refugees are now living in the UK so how is it going. BBC
News, 28 may, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-61548979.
Acesso em 14 jun. 2022.
BAUMGÄRTEL, Moritz. Demanding rights: Europe’s supranational courts and the
dilemma of migrant vulnerability. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.
BAYOUMI, Moustafa. They are civilized and look like us: the racist coverage of Ukraine.
The Guardian. 2 mar. 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/
commentisfree/2022/mar/02/civilised-european-look-like-us-racist-coverage-
ukraine. Acesso em 26 dez. 2022.
BERMEJO, Rut. Migration and Security in the EU: Back to Fortress Europe? Journal of
Contemporary European Research, vol. 5, n. 2, p. 207-224, 2009.
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BIELEFELDT, Heiner. Hannah Arendt, die Menschenrechte und das Recht auf Asyl Mit
Prof. Heiner Bielefeldt. Inter Homines Berlin, 16 out. 2020. Disponível em:
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‘Migration Crisis’ to the 2018 Global Compact for Migration: A Political Transition
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Article
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Beginning in 2012, the Syrian refugee exodus has been one of the largest, speediest, and geopolitically significant seen in recent years. It has placed enormous pressures on host states in the Middle East, stretched the international humanitarian system to breaking point, and, of course, entailed enormous suffering for the millions of Syrian citizens who have been forced to flee from their own country. At the same time, the Syrian crisis has had a much broader impact on the global refugee regime and the way in which the international community addresses large-scale movements of displaced people. This article explores that impact, focusing on issues such as encampment and settlement strategies, the use of cash transfers, refugee employment and livelihoods, the refugee impact on host communities, the engagement of development actors in humanitarian crises and the challenge of providing safe and legal routes to people in need of protection. In these respects, the article suggests, the Syrian refugee emergency has acted as a more important catalyst for change than the high-level diplomatic activity associated with the Global Compact on Refugees.
Article
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This brief text is an attempt to answer the question what is to come in citizenship’s place, once the concept is gone. The answer proposed is: ‘the next step from citizenship is no citizenship’. The contribution focuses on the unacceptability of the passport apartheid in the contemporary world and is a reply to the critics of my little book entitled Citizenship (MIT Press, 2019), who contributed to a mini-symposium dedicated to the book in the pages of the International Journal of Constitutional Law I⸱CON (2020).
Article
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This article analyses the recent growth in asylum applications both in and at the borders of Europe. It enriches the scholarship on the so-called ‘refugee crisis’ with an emphasis on structural transformations and geographical processes. While an increase in regional violence near Europe in 2015 played a key role in triggering displacements, we suggest three longer-term factors that may have facilitated access to European borders but led to urgent and often dangerous migratory situations for asylum seekers: the ‘shortening’ of distances, the crisis of containment policies and the geographic asymmetry of rights. On this basis, we interpret the EU policy of closing borders as an attempt to (re)create a geographic buffer separating refugees from their destinations in the context of the globalization of asylum-related issues.
Book
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Cambridge Core - Human Rights - Demanding Rights - by Moritz Baumgärtel
Chapter
There are few issues more urgently in need of intelligent analysis both in the UK and elsewhere than those relating to displacement, asylum, and migration. In this volume, based on the 2004 Oxford Amnesty Lectures, major figures in philosophy, political science, law, psychoanalysis, sociology, and literature address the challenges that displacement, asylum, and migration pose to our notions of human rights. Each lecture is accompanied by a critical response from another leading thinker in the field. The volume contains lectures by Slavoj Zizek, Bhikhu Parekh, Ali A.Mazrui, Matthew J. Gibney, Saskia Sassen, Harold Hongju Koh, Caryl Phillips, and Jacqueline Rose, with critical responses from Michael Ignatieff, Seyla Benhabib, Iftikhar Malik, Melissa Lane, Christian Joppke, Rey Koslowski, Elleke Boehmer, and Ali Abunimah. This is the twelfth volume of Oxford Amnesty Lectures to be published since 1992. ‘All good citizens should probably want to buy them … simply because they are published in support of such a good cause. It turns out, though, that no self-sacrifice is involved. [These] are immensely rich, challenging, stimulating volumes … The contributors’ lists are star-studded … and each book has a clear, coherent, overarching theme, despite the extreme diversity of the individual lectures’ (The Independent, April 10, 2003).
Chapter
This chapter explores EU law on immigration and asylum. It first describes the basic legal framework for the adoption of EU rules on immigration and asylum. It then discusses the rules for visas and border control; irregular migration; legal migration; and asylum legislation.
Article
The aim of this paper is twofold. First, it will display an ever-increasing phenomenon of Member States’ infringements of EU migration and asylum law as an instance of the violation of the principle of solidarity and discuss the reasons behind it. It will be suggested that EU inter-state solidarity is just as much about respecting EU law, as it is about helping each other, as the latter cannot subsist without the former. Second, the paper will consider whether the existing mechanisms of reducing the number of violations are sufficient and discuss the new mechanisms that are being developed—particularly the rule of law conditionality and other conditionality instruments. When addressing the reasons behind the frequent violations, the text will identify two groups of reasons, the first group being applicable to the whole of EU law, and the second one specifically to EU migration and asylum law. In this context, Member States’ violations will be construed as the process of political withdrawal or retrenchment from certain parts of the commonly adopted EU migration and asylum law. This will be explained by relying on the notion of “spillback” or disintegration (as opposed to further European integration based on the neofunctionalist concept of “spillover” effect into more policy areas) and on the concepts of “exit” and “voice” conceived by Albert Hirschman and developed further by Joseph Weiler in his seminal work “The Transformation of Europe”.
Article
New regimes of labor and mobility control are taking shape across the global north in a militarized form that mimics South Africa’s history of apartheid. Apartheid was a South African system of influx and labor control that attempted to manage the “threat” posed by black people by incarcerating them in zones of containment while also enabling the control and policed exploitation of black people as workers, on which the country was dependent. The paper argues, first, that the rise of a system of global apartheid has created a racialized world order and a hierarchical labor market dependent on differential access to mobility; second, that the expansion of systems of resource plunder primarily by agents of the global north into the global south renders localities in the global south unsustainable for ordinary life; and, third, that in response, the global north is massively investing in militarized border regimes to manage the northern movement of people from the global south. The paper argues that “global apartheid” might replace terms such as “transnationalism,” “multiculturalism,” and “cosmopolitanism” in order to name the structures of control that securitize the north and foster violence in the south, that gate the north and imprison the south, and that create a new militarized form of apartheid on a global level. © 2018 by The Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research. All rights reserved.