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Multiplicidades, Narrativas de Vida e Memória Coletiva da Docência na História em Quadrinhos Fessora!

Authors:

Abstract

O artigo apresenta o quadrinho Fessora!, desenhado e escrito pela brasileira Aline Lemos, publicado de modo independente e por financiamento coletivo em 2021. A história narrada tem como enfoque a experiência pessoal da autora quando foi docente de história no ensino público por um semestre. A autora nos apresenta um conjunto de 15 histórias que abordam suas memórias pessoais com colegas de trabalho, corpo discente e pais. Neste texto, foram selecionadas seis bandas desenhadas, a fim de compreender, a partir das memórias e dos fragmentos de vida narrados, as tensões e confluências entre as vivências de trabalho acionadas pela artista. Retratam sua experiência pessoal como professora, revelando o cotidiano de professores da educação pública no Brasil. Para esta análise, usamos a ótica da narrativa de vida da linguista argentina Leonor Arfuch (2002/2003, 2013), quanto à relação entre narrativas de vida contemporâneas e o espaço biográfico; e a noção de memória coletiva (Halbwachs, 1950/1999; Bosi, 2009) para compreender a multiplicidade de experiências a partir da memória individual. Conclui-se que Aline Lemos apresenta uma obra que evidencia os desafios da educação sobre a valorização do docente e as desigualdades sociais em sala de aula.
Revista Lusófona de Estudos Culturais / Lusophone Journal of Cultural Studies, Vol. 10, N.º 2, 2023, pp. 171–192
https://doi.org/10.21814/rlec.4694
Multiplicidades, Narrativas de Vida
e Memória Coletiva da Docência na
História em Quadrinhos Fessora!
Nara Bretas Lage
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, Departamento de Linguagem e Tecnologias, Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
Conceitualização, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação – revisão e edição
Samanta Coan
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Departamento de Informação, Mediações e Cultura,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
Conceitualização, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação – revisão e edição
Resumo
O artigo apresenta o quadrinho Fessora!, desenhado e escrito pela brasileira Aline Lemos,
publicado de modo independente e por financiamento coletivo em 2021. A história narrada tem
como enfoque a experiência pessoal da autora quando foi docente de história no ensino público
por um semestre. A autora nos apresenta um conjunto de 15 histórias que abordam suas memó-
rias pessoais com colegas de trabalho, corpo discente e pais. Neste texto, foram selecionadas
seis bandas desenhadas, a fim de compreender, a partir das memórias e dos fragmentos de
vida narrados, as tensões e confluências entre as vivências de trabalho acionadas pela artista.
Retratam sua experiência pessoal como professora, revelando o cotidiano de professores da
educação pública no Brasil. Para esta análise, usamos a ótica da narrativa de vida da linguista
argentina Leonor Arfuch (2002/2003, 2013), quanto à relação entre narrativas de vida contempo-
râneas e o espaço biográfico; e a noção de memória coletiva (Halbwachs, 1950/1999; Bosi, 2009)
para compreender a multiplicidade de experiências a partir da memória individual. Conclui-se
que Aline Lemos apresenta uma obra que evidencia os desafios da educação sobre a valorização
do docente e as desigualdades sociais em sala de aula.
Palavras-chave
narrativa de vida, memória coletiva, história em quadrinho, docência, educação
Multiplicities, Narratives of Life and Collective
Memory of Teaching in the Comic Fessora!
Abstract
This article features the comic Fessora!, drawn and written by Brazilian author Aline
Lemos, published independently and through crowdfunding in 2021. The narrative focuses on
the author’s personal experience of teaching one semester of history in a public school. Aline
presents a set of 15 stories that address their personal memories with co-workers, students, and
parents. Six stories in comic format were selected in order to understand, based on the memo-
ries and fragments of life narrated, the tensions and confluences between the work experiences
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highlighted by the artist. They portray their personal experience as a teacher, the emergence of
a collective that reveals to us the daily life of public-school teachers in Brazil. In our analysis, we
used the perspective of the life narrative of the Argentine linguist Leonor Arfuch (2002/2003,
2013) on the relationship between contemporary life narratives and the biographical space, plus
the notion of collective memory (Halbwachs, 1950/1999; Bosi, 2009) to understand the mul-
tiplicity of experiences arising from individual memory. The conclusion reached is that Aline
Lemos’s work highlights the challenges of education on the valorization of the teacher and the
social inequalities in the classroom.
Keywords
life narrative, collective memory, comic book, teaching, education
1. Introdução
Fessora! é uma história em quadrinhos escrita e ilustrada por Aline Lemos1.
Publicada em 2021 de forma independente, recebeu auxílio de financiamento coletivo e
da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Na
narrativa gráfica, Lemos retrata suas vivências como professora de uma escola pública
em Minas Gerais durante o semestre em que ocupou o cargo de professora de história2.
Uma experiência de vida marcada por desafios que lhe trouxeram mais questionamentos
do que respostas, como pontua a artista no livro.
Neste trabalho, tomamos histórias em quadrinhos, a partir daquilo que Postema
(2018) postula como formas de arte e narrativa, um sistema no qual elementos frag-
mentados e distintos atuam em conjunto a fim de criar um todo, esse completo. Os
elementos dos quadrinhos, portanto, possuem partes pictóricas e partes textuais, apre-
sentando muitas vezes também um misto dos dois. Mais do que isso, nos apoiamos
em Paulo Ramos (2011, 2014) para compreender essa forma de arte e narrativa como
um hipergênero que funciona como uma espécie de “rótulo” dentro do qual se reúnem
vários gêneros comuns, e ainda assim individuais e autônomos, já que são compostos
e nomeados de maneiras diferentes. Isso porque, na compreensão do autor, esses gê-
neros autônomos são moldados em processos interativos e sociocognitivos e, por isso,
não acontecem automaticamente.
1 Artista, quadrinista e ilustradora de Belo Horizonte, Minas Gerais, autodeclarada pessoa não-binária (atende pelos pro-
nomes elu/ela). Escreveu “dezenas de zines e livros como Artistas Brasileiras (2018), publicação em parceria com a editora
Miguilim — que lhe rendeu o 31° Troféu HQ Mix (2019) na categoria Homenagem — e de publicações independentes
como Fogo Fato (2020) e Fessora! (2021), ambas possibilitadas por financiamento coletivo. Colaborou com publicações
como Folha de São Paulo, A Zica, Plaf!, Banda e Mina de HQ, e foi professora nos cursos Vidas, quadrinhos e relatos, finan-
ciado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura (BH) — este que teve como resultado um livro de mesmo nome — , e FIQ-
Jovem, da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Além disso, é membro fundadora do coletivo ZiNas (2014)
com o qual publicou as zines Transa (2014) e Aborto (2015) e o livro Vida, Quadrinhos e Relatos (2017)” (Lage, 2022, p. 292).
2 Aline possui licenciatura e mestrado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, além de formação comple-
mentar em design e artes plásticas. Como relatado na própria história de quadrinho, quatro anos após prestar um concur-
so, Aline foi convocada à sala de aula. Na ocasião, já estudava para sua caminhada em direção às artes, mas precisava de
emprego e por isso ficou um semestre na escola, experiência essa retratada em Fessora!.
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Fazem parte desse hipergênero histórias em quadrinhos (Ramos, 2011, p. 105), os
diversos quadrinhos, como: charge3, cartum, tiras, tiras cômicas, tiras seriadas, tiras li-
vres, quadrinhos digitais, graphic novels, e muitos outros. Pensando em nosso objeto de
pesquisa, nos interessamos especificamente pelos quadrinhos autobiográficos, ou seja,
as narrativas e os desenhos de si.
Associando os quadrinhos autobiográficos e/ou autorreferenciais às escritas de si
e à retórica, a pesquisadora Nataly Costa Fernandes Alves (2021) afirma que o desenho
de personagens muitas vezes faz alusões às características sociais, físicas e sexuais de
suas criadoras. A essa prática, ela dá o nome de “desenhos de si”, que são protagonistas
ilustradas com similaridades com as artistas que as concebem em aspectos fisiológicos,
sociais e cotidianos. Há nestas, ainda, o que a pesquisadora chama de “parrésia visual”
(Alves, 2021, p. 59)4. Como explica a pesquisadora, na parrésia o enunciador enuncia
sem dissimulação e diz aquilo que deseja sem adequação da verdade, sem pautar no
conforto do leitor ou ouvinte, e sem se importar com os riscos de violências e rejeição
por parte destes. Para Alves (2021), é no cotidiano que artistas se amparam para apre-
sentar as vivências de suas personagens nos desenhos de si e é também nestes que as
similaridades entre quadrinistas e protagonistas podem ser percebidas. Considerando
as ideias até aqui exploradas, entendemos que Fessora! é, portanto, um desenho de si,
assim como uma narrativa de si.
Refletindo sobre o ato de narrar a si, ao qual adicionamos o desenho de si, a lin-
guista argentina Leonor Arfuch (2002/2003) argumenta que, quem narra uma vida, não
dá conta desta em sua totalidade. Por isso, ela entende que o que importa não é tanto
a “verdade” dos fatos, e sim a maneira pela qual constroem-se as narrativas, as formas
pelas quais (se) nomeiam os relatos, e o vai-e-vem promovido pela narração, além do
ponto de vista e das escolhas entre quais fragmentos de vida serão relatados ou não.
Isso porque é por esse vai-e-vem que acionam-se lembranças e memórias de um passa-
do para dizer sobre o hoje, de maneira a atribuir sentido ao que está sendo dito. Ou seja,
esse movimento, esse caminho da narração, confere à narrativa de si uma qualidade au-
torreflexiva na medida em que permite a escolha de qual história, ou quais delas, alguém
conta de si ou de outro, tornando-a significativa (Arfuch, 2002/2003).
Em razão disso, quando olhamos para formas testemunhais e relatos de si, como
é o caso de Fessora!, o que importa são as estratégias de autorrepresentação e a constru-
ção narrativa: “tratar-se-á, além disso, da verdade, da capacidade narrativa de ‘fazer crer’,
das provas que o discurso consiga oferecer, nunca fora de suas estratégias de veridição,
de suas marcas enunciativas e retóricas” (Arfuch, 2002/2003, p. 73). Narrativas de vida,
3 A charge, segundo Paulo Ramos (2009), é um texto de humor (que pode conter imagens/ilustrações/desenhos e pala-
vras) que aborda fatos ou temas ligados ao noticiário. Segundo o autor, não é por acaso que elas geralmente são veicu-
ladas na parte de política ou opinião dos jornais. Isso porque os políticos costumam ser grande fonte de inspiração para
os chargistas, que tendem a retrata-los de maneira caricata. Assim, ao estabelecer com a notícia uma relação intertextual,
em alguma medida, as charges recriam os fatos de maneira ficcional (Romualdo, 2000).
4 De acordo com as ideias de Alves (2021, p. 59), há nesses desenhos de si uma “parréria visual” quando as artistas mulhe-
res desenham seus corpos sem adequações a um ideal de beleza vigente, sem buscar uma estética corporal dissimulada
e distante de seus corpos reais e sem se importar com a rejeição do trabalho, as críticas e as violências em decorrência
dessa escolha.
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afirma a linguista, não são livres de aspectos ficcionais. Ainda que sejam percebidas em
seus diferentes usos, a persistência de gêneros primários e os efeitos de credibilidade
acionados entram em jogo por meio dos mesmos procedimentos retóricos que estão
na constituição dos gêneros de ficção, principalmente o romance (Arfuch, 2002/2003,
p. 73). Nesse sentido, entendemos que testemunhos, relatos de si, narrativas de vida,
narrativas de si e desenhos de si fazem parte do espaço biográfico.
2. Fessora! no Espaço Biográfico Contemporâneo
O espaço biográfico, para Arfuch (2013), é uma multiplicidade de formas narrati-
vas (auto)biográficas, que englobam gêneros canônicos, como biografia, autobiografia,
cartas, confissões, memórias, diários íntimos e correspondências; e gêneros contempo-
râneos como aqueles que emergem de tecnologias digitais e da internet, aos quais ela
acrescenta dentre outras materialidades: os e-mails, as instalações de artes audiovisuais,
as imagens e entrevistas midiáticas, os talk e reality shows.
Essa multiplicidade característica do espaço biográfico, ainda que diversa, possui
um traço em comum: todas contam, cada uma à sua maneira, uma história ou experiência
de vida, conforme Arfuch (2002/2003). A pesquisadora argumenta que não existe “uma
vida” que possa ser pensada como uma via de mão única e anterior à narração. Para ela,
a vida, como forma de relato, é um resultado contingente da narração. Narramos nossas
experiências, portanto, para tentar dar sentido a elas. Por isso, relatos de si são sempre
inconclusos, recomeçados, e reservam à vivência lugar de privilégio (Arfuch, 2002/2003).
E como experienciamos novas vivências a todo o momento, estas possuem relação direta
com a vida “como um todo” na mesma medida em que são voltadas para “além de si
mesmas” (Arfuch, 2002/2003, p. 82).
É essa característica das vivências de convocar uma totalidade em um instante e ao
mesmo tempo ser unidade mínima de uma experiência que vai além de si mesma quando
se encaminha, na narração, à vida em geral — dando luz a, resgatando e recortando ex-
periências — o que Arfuch (2002/2003) acredita fazer da narrativa de vida, um dos signi-
ficantes mais valorizados do espaço biográfico na cultura contemporânea. Isso, porque a
narrativa de vida aparece “impregnada de conotações de imediaticidade, de liberdade, de
conexão com o ‘ser’, com a verdade de ‘si mesmo’, vem também atestar a profundidade
do eu, dar garantia do próprio” (Arfuch, 2002/2003, p. 82). Ou seja, ao narrar uma vida, a
nossa ou de outros, a linguista argentina entende que esta é “pinçada” de um segmento
de vida na mesma medida em que faz referência ao seu todo e para além da vida em si.
“Esse além de si mesma de cada vida em particular é talvez o que ressoa, como inquietu-
de existencial, nas narrativas autobiográficas” (Arfuch, 2002/2003, p. 39).
Nesse sentido, narrar-se no espaço biográfico contemporâneo é construir-se a par-
tir de fragmentos de vida. É articular traços como o “momento” e a “totalidade”, em
direção a novas indagações e leituras mais diversas quanto às narrativas do eu (Arfuch,
2002/2003). É o que a autora entende como a busca por identidade e identificação na qual
indaga-se sobre o caminho que guia o “eu” ao “nós”, ao mesmo tempo em que revela um
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nós no eu, não como uma somatória de individualidades, tampouco um agrupamento de
acidentes biográficos, mas articulações homogêneas de valores compartilhados no “(eter-
no) imaginário da vida como plenitude e realização” (Arfuch, 2002/2003, p. 82).
Consideramos, portanto, neste trabalho, que a história em quadrinhos em ques-
tão está inserida no espaço biográfico de que fala Leonor Arfuch (2002/2003, 2013). Isso
porque trata-se de uma narrativa autobiográfica quadrinizada, ou seja, a artista “pinça” e
escolhe vivências e experiências como professora da rede pública de ensino para cons-
truir a narrativa gráfica e dar sentido tanto a este momento de sua vida, e sua inquietude
existencial, quanto ao todo que compõe a individualidade Aline Lemos. E ao narrar-se ao
desenhar a si, Lemos (2021) extrapola o todo de sua vida revelando experiências para além
de si mesma que dizem também sobre as coletividades de professores e alunos de escolas
públicas no Brasil.
Tomando como base as palavras de Aline Lemos na sinopse do livro, onde ela diz
que narra seus “fracassos, glórias e emoções como professora novata no Ensino Médio”,
buscamos analisar a história de quadrinhos Fessora! (Figura 1) sob a ótica da narrativa de
vida de Arfuch (2002/2003, 2013), quanto à relação entre narrativas de vida contemporâ-
neas e o espaço biográfico. Assim, nosso objetivo é observar nas memórias e nos fragmen-
tos de vida narrados, as tensões e confluências entre as vivências de trabalho acionadas
pela artista para falar de sua experiência pessoal como professora, a emergência de um
coletivo, que nos revela o cotidiano de professores da educação pública no Brasil.
Figura 1.Capa do quadrinho Fessora!
Fonte. Retirado de Fessora!, por A. Lemos, 2021. Copyright 2021 por Aline Lemos.
(https://alinelemos.company.site/Livro-Fessora-p407250337)
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Para tal, partimos de fragmentos das experiências narradas em Fessora!, nos quais
a artista está, em alguma medida, lidando com questões de um eu, para delimitar ca-
minhos narrativos pertinentes a vivências de professores como um coletivo, que são
comprovados quando Aline aciona dados estatísticos e de pesquisa para reforçar um
assunto abordado. Dividimos estes caminhos narrativos em momentos em que Aline
lida com: (a) os alunos; (b) os colegas de trabalho; (c) ela mesma; e (d) os familiares
dos alunos, ou seja, a comunidade escolar. Ressaltamos que estes eixos não aparecem
de forma isolada na história de quadrinhos. Trata-se de vivências e experiências interde-
pendentes e interligadas entre si.
Sobre a estrutura de Fessora!, convém dizer que o livro possui 15 histórias cur-
tas, divididas em capítulos interligados em um contexto maior, a experiência de Aline
como professora, que podem ser lidas em conjunto dentro da lógica narrativa da auto-
ra, ou separadamente sem comprometer a compreensão de cada história. Além disso,
conta com duas entrevistas e uma dedicatória, todas elas ilustradas. É por meio dessa
estrutura que a quadrinista retrata, de forma sincera e divertida, o cotidiano de uma
professora em sua primeira experiência em sala de aula. Esgotamento, frustrações, vio-
lências, racismo, sexualidade, interações com alunos e outros professores, dificuldade
de lidar com o tempo e em demonstrar autoridade são alguns dos temas abordados
por Aline, que divide sua história de quadrinho nas seguintes histórias: “O Início”; “O
Visto”; “Kathlen”; “Semana”; “Comportamento”; “Estratégias”; “O Grito”; “Licença”;
“Tempestade”; “Ocupado”; “Turma Ruim”; “Besouro”; “Sovaco Cabeludo”; “Violência”,
“Despedida”. Todas estas palavras estão diretamente ligadas às experiências narradas
em cada capítulo.
Sem seguir um padrão de número de quadros por histórias, Aline escreve Fessora!
recorrendo ao experimentalismo gráfico. Não por acaso, o livro começa e termina com
folhas pautadas, como as de um caderno, nas quais a artista nos apresenta o “sumá-
rio” e a “lista de chamada”, respectivamente. Nesta última, ela mostra a “turma de
apoiadores” da obra, com nomes de leitores que apoiaram financeiramente a história
de quadrinho, que foi publicada com financiamento coletivo, e deixa ali um visto. Uma
clara referência à prática muito utilizada por professores em sala de aula. Prática esta
que também está presente em um dos capítulos da obra.
Além disso, os capítulos não seguem uma estrutura fechada de número e formatos
de quadros, que são explorados pela autora de acordo com as necessidades da história
relatada. Como cenário, temos principalmente as salas de aula e dos professores, mas
outros espaços da escola também são retratados. Seus desenhos seguem as particu-
laridades características de Aline, que usa traços simples de estilo cartum feitos mais
à mão livre com linhas e quadros que não seguem uma estrutura geométrica padrão.
Todas estas particularidades estão presentes também em outras de suas histórias de
quadrinhos, como Lado Bê, publicação na qual, assim como em Fessora!, ela utiliza tons
de preto e branco.
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3. Quando o Adoecimento É Coletivo: Eu Professora — Nós Professores
Pensando na unicidade e multiplicidade do eu e do nós do espaço biográfico,
Arfuch (2002/2003) entende que essas são de extrema importância na definição dos
limites entre público e privado, individual e social. Na opinião da autora, todo relato de
experiência, narrativa de si ou biografia é, em alguma medida, coletivo. Isso porque este
expressa, também, questões sobre um período, um grupo, uma geração e uma classe
que possuem uma narrativa comum de identidade. Em Fessora!, acreditamos, isso está
atrelado à performance de identidade de “professores”, ainda que em determinado mo-
mento da narrativa Aline afirme não ser “uma professora de verdade”: “não me parecia
justo com meus colegas me chamar de ‘professora’” (p. 12). Aline reflete sobre as se-
quências de fatos que a fizeram tomar posse da vaga de um concurso feito quatro anos
antes. Independentemente de Aline ter aceitado o emprego pela necessidade financeira
ou pela vontade de ser professora, bastou um semestre no ensino fundamental II — 6.o
ao 9.o ano (11 a 15 anos de idade) — para vivenciar e compartilhar alguns dos desafios
da docência no ensino público no Brasil.
A propósito da memória coletiva, Ecléa Bosi (2009) enfatiza que esta “entretém a
memória de seus membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo”
(p. 332). O quadrinho não se contenta apenas no testemunho das experiências indivi-
duais, mas nos apresenta e reforça as memórias da categoria do trabalho e do ensino
em sala de aula. As histórias pessoais de Aline criam pontos de contato com uma base
comum da memória coletiva (Halbwachs, 1950/1999). “É essa qualidade coletiva, como
marca impressa na singularidade, que torna relevantes as histórias de vida” (Arfuch,
2002/2003, p. 100). Isso acontece, reforça a pesquisadora, em narrativas de vida ex-
postas em gêneros literários tradicionais, nos midiáticos, nos das ciências sociais e no
espaço biográfico contemporâneo, dentro do qual podemos incluir Fessora!. Sentimento
esse que é, também, uma máxima coletiva.
O ponto de contato entre memória coletiva, professores e experiências em sala
de aula, portanto, começa a ser criado já na primeira página da história de quadrinho
quando “O Início” de sua trajetória como professora é retratado e a narrativa deixa a
ansiedade da “fessora” esteticamente clara, quando ela é desenhada com olhos fundos,
olheiras e boca aberta em uma expressão facial que revela sua ansiedade ao receber
tantos conselhos, como “não seja tão meiga!”, “tome cuidado!”; e verbalmente dita pela
própria Aline, no quadro que fecha a página, enquanto ela caminha em direção à sala de
aula: “acho que tô enjoada” (p. 7).
Tomando essa história em quadrinhos como uma grande narrativa de vida dentro
da qual vivências no ambiente escolar são narradas a fim de compor o todo do cotidiano
de uma professora de rede pública do Brasil, entendemos que o clímax para a exaustão
de Aline é apresentado em “O Grito”. Sem saber o que fazer para conter a turma, que
brinca e circula dentro de sala promovendo uma atmosfera caótica, e buscando de-
sesperadamente alcançar o silêncio, a professora grita “cala a bocaaa” (Figura 2). É a
sequência narrativa deste grito, na história de quadrinho, que a leva ao consultório mé-
dico, fazendo do “AAA” final de “O Grito” se tornar o “AAA” do exame médico na história
“Licença” (Figura 3). Após essa transição, a médica lhe diz: “vou te dar uma semana de
atestado, repouse a voz e fique longe do giz!” (p. 34), deixando assim transparecer os fa-
tores causadores de seu adoecimento: o uso repetitivo da voz e a longa exposição ao giz.
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Figura 2. Colagem “O Grito” e “Licença”
Fonte. Adaptado de “O Grito” e “Licença”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, pp. 32–33. Copyright 2021 por Aline Lemos.
Figura 3. História de quadrinho “Licença”
Fonte. Retirado de “Licença”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 34. Copyright 2021 por Aline Lemos.
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O problema da saúde vocal de professores da educação básica no Brasil é uma das
principais causas de afastamento de docentes da sala de aula (Reimberg et al., 2022).
O reconhecimento da enfermidade foi impulsionado com a publicação do protocolo
Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho — DVRT do Ministério da Saúde (2018). Nele
afirma-se que existe um “maior adoecimento vocal em professores do que na população
geral” (Ministério da Saúde, 2018, p. 13). Essa validação, enquanto uma doença da cate-
goria, se relaciona com o debate da saúde mental desses trabalhadores.
Ao dizer sobre um eu, portanto, a artista acaba por narrar experiências de um cole-
tivo: o esgotamento de professores do país. Isso fica ainda mais evidente quando Aline
utiliza como recurso narrativo, mais do que a sua experiência pessoal, a apresentação de
dados de uma pesquisa sobre o adoecimento do professor da educação básica no Brasil.
Tal como revelado por uma pesquisa realizada pelo Gestrado/UFMG em 2013, grande
parte dos professores no país assumem funções em mais de uma escola, além de asso-
ciar a prática docente a outras atividades para a complementação da renda (Oliveira &
Vieira, 2013). Mais do que isso, na realidade do ambiente escolar, os professores acabam
desempenhando diversos papéis e funções sociais em seu cotidiano, que extrapolam o
ensino do conteúdo para o qual são designados (Carlotto, 2010). Isso porque, afirma o
autor, se veem diante de conflitos diversos e emergentes no espaço e na dinâmica das
relações com a comunidade escolar.
Essas questões também são apresentadas por Aline, que retrata a relação direta
entre professores-alunos, professores-professores, e professores-responsáveis, tanto
em sala como em outras dependências da escola. Em um desses momentos, conhe-
cemos Antônio, o professor de geografia, que relata: “eu fiquei seis meses afastado”, e
alerta sobre a necessidade de autopreservação “antes que chegue ao limite” (p. 35). Ao
final desta narrativa, descobrimos que, ainda que de volta à escola, Antônio faz agora tra-
balhos administrativos, deixando subentendido que seu esgotamento ainda não passou.
Associando palavras como “ansiedade”, “depressão”, “esgotamento profissional”
— todas estas ligadas ao adoecimento de professores —, à pesquisa “O Adoecimento
do Professor na Educação Básica do Brasil” (Figura 3), a artista usa a sua vivência como
recurso narrativo para dizer sobre os professores como uma categoria. Isso fica cla-
ro quando, a partir dos dados levantados por Nascimento e Seixas (2020), é revelado
que a saúde física e mental dessa classe possui influências diretas da precarização do
trabalho docente no Brasil, assim como da qualidade do ensino. Ou seja, as causas do
adoecimento de professores são principalmente as questões relacionadas às condições
do trabalho. Estes dados, portanto, são usados pela artista como recurso narrativo de
comprovação, visto que aparecem de maneira a explicitar a partilha, a experiência cole-
tiva das condições a que são submetidos os educadores no país.
Para Nascimento e Seixas (2020), o resultado da combinação de todos estes fa-
tores com a sobrecarga de demanda de trabalho e a baixa remuneração, sem que haja
o amparo e o reconhecimento social necessários para o seu exercício, é o adoecimento
mental e físico. Por isso, ao lançar sobre professores a responsabilidade pela formação
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de crianças e adolescentes sem dar a devida importância à influência que as condições
de trabalho possuem em sua saúde mental, sociedade, escola e Estado contribuem para
esse adoecimento, conforme defendem Nascimento e Seixas (2020).
Sobrecarga e más condições de trabalho também são ressaltadas por Oliveira e
Vieira (2013) como queixas dos professores. Eles relatam, aponta a pesquisa, ter de
levar para casa tarefas relacionadas ao trabalho, e queixam-se sobre as condições do
ambiente da sala de aula, tanto em relação a ruído interno, quanto a sua má ventilação
e má iluminação. Além destas, os riscos psicossociais da profissão estão associados a
questões como: exigências ergonômicas, vocais e posturais; quantidade de aulas lecio-
nadas; e o mau relacionamento com os alunos, que pode gerar, por exemplo, lesões por
sintomas repetitivos (Santos et al., 2012). Dentre os problemas relacionados ao trabalho
e à saúde de professores, portanto, destacam-se fatores causadores de mal-estar, como
estresse, síndrome de burnout, ansiedade, depressão, insônia, além de outras doenças
crônicas que, quando associadas, podem levar ao agravamento da saúde, dando origem
a doenças cardíacas e circulatórias (Santos et al., 2012).
Não por acaso, ao retratar o cotidiano escolar, a representação da exaustão na
história de quadrinho é um recurso recorrente. Quer como tema central, quer como um
elemento de uma outra situação retratada. Na história “Semana”, ela aparece quando
Aline é desenhada primeiro pensativa, para, posteriormente, apresentar mudanças gra-
dativas em suas feições até que, por fim, é inserida na história envolta em uma nuvem e
com claros traços de exaustão como olheiras e olhos fundos. Traços estes que também
acompanham a história “Comportamento”. Vale mencionar que estas duas histórias
são contadas antes de “O Grito” e “Licença”, dando, portanto, à exaustão de Aline uma
trajetória linear exposta a cada página da história de quadrinho até que, finalmente, seu
corpo chega ao seu limite (Figura 4).
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Figura 4. Colagem traços de exaustão em Aline
Fonte. Adaptado de “Comportamento”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, pp. 19, 21–22. Copyright 2021 por Aline Lemos.
4. Quando o Corpo Não É “Neutro”: A Memória Política
As histórias rememoradas por Aline têm seu posicionamento político progressista
como um fio condutor. Ela, enquanto uma pessoa não-binária e bissexual, não pretende
ser “neutra” no local de trabalho. Entende-se por “memória política” (Bosi, 2009) quan-
do a pessoa que narra o passado não se contenta apenas com ser testemunha, mesmo
da própria história, mas deseja tecer a reflexão do presente com um teor ideológico que
intervem e reafirma seu posicionamento. Isso é notável na história “Tempestade”, que
relata uma conversa entre professores sobre preconceito a partir do relacionamento ho-
moafetivo de duas alunas e o comportamento de um estudante, o Kevin. Um professor
representado por um personagem branco, do sexo masculino e aparentemente mais
velho (Figura 5) desdenha da necessidade da discussão sobre “preconceito” e “homo-
fobia” contra a comunidade LGBTQIA+ com os alunos da escola. Na percepção dele,
“ninguém morreu por causa disso” (p. 38).
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Figura 5. Quadrinho “Tempestade”
Fonte. Retirado de “Tempestade”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 38. Copyright 2021 por Aline Lemos.
A nuvem nesse quadrinho reforça não apenas a atmosfera da sala dos professores,
mas também aparece no desenvolver do discurso que reproduz uma violência simbólica
— vista como a mais “sutil” das opressões (Bourdieu, 1994/1996). Segundo o autor, a
violência simbólica é uma produção social, uma vez que é construída por maneiras de
ver e pensar. Essa é, portanto, uma violência exercida a partir da cumplicidade oculta e
silenciosa de quem sofre e de quem exerce, já que ambos sofrem e exercem de maneira
inconsciente (Bourdieu, 1994/1996). No quadrinho, ao reproduzir uma fala comumente
utilizada no país para justificar atitudes preconceituosas, o professor está exercendo
uma violência simbólica contra as alunas da turma 8C, mencionadas na página anterior
de maneira que podemos concluir que ambas são LGBTQIA+. Aline, por sua vez, não
recebe a violência com apatia. Ainda que sufocada pela “tempestade”, a professora se
posiciona ao citar a realidade enfrentada pelas pessoas LGBTQIA+ com fatos históricos
até dados de violências que a comunidade enfrenta. Usa a pesquisa Transgender e o dos-
siê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais que definem: “o Brasil é campeão
no assassinato de pessoas trans. Hoje!” (p. 38).
Nesse ato, vemos não apenas a professora de história performando no ambien-
te, imagem reforçada no enquadro com livros de história na mesa, mas também por
ser uma pessoa não-binária que se vê afetada por esses discursos. Esse tema na sala
de professores evidencia como existem docentes que reproduzem preconceitos e estão
despreparados para lidar com as diferentes identidades de gênero e sexualidade do cor-
po discente. Questão esta que pode ser entendida como uma vivência coletiva dentro
das comunidades escolares do país, principalmente quando olhamos para os dados da
Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 20165 (Secretaria de Educação
da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016).
Segundo o levantamento, há nas escolas brasileiras uma generalização de comentários
contra pessoas LGBTQIA+, o que contribui para a criação de um ambiente escolar hostil
e assinala para os estudantes que eles não são bem-vindos naquela comunidade escolar.
5 Até ao momento da entrega deste trabalho, esta foi a pesquisa mais recente encontrada pelas autoras que mapeia a si-
tuação das LGBTfobia nas escolas brasileiras.
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A pesquisa revela ainda que “quase metade (47,5%) dos/das estudantes LGBT
relataram ter ouvido outros/as estudantes fazendo comentários pejorativos, tais como
‘bicha,’ ‘sapatão,’ ou ‘viado,’ frequentemente ou quase sempre na instituição educa-
cional” (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais, 2016, p. 31). Além disso, os dados levantados mostram que um
quinto desses estudantes ouviram comentários LGBTfóbicos na instituição educacio-
nal, sendo que 21,7% disseram que esse tipo de comentários eram feitos pela maioria
dos seus pares. Nesta mesma linha, mais de dois terços dos estudantes, o equivalente
a 69,1% “relataram que já ouviram comentários LGBTfóbicos feitos por professores/
as ou outros/as funcionários/as da instituição educacional” (Secretaria de Educação
da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016,
p. 31). Em contrapartida, quando professores testemunharam situações de LGBTfobia,
“poucos/as estudantes relataram que seus pares intervinham sempre ou a maioria das
vezes quando ouviam comentários LGBTfóbicos (25,6%), e mais de um terço (36,2%)
disseram que seus pares nunca tomavam qualquer providência” (p. 31).
O despreparo dos professores e da comunidade escolar é apontado na pesquisa
de 2016 como causa do sentimento de não pertencimento e de insegurança dos estu-
dantes nas instituições educacionais brasileiras. Por isso, quando questionados sobre
denunciar ou não as situações de violência e preconceito vivenciadas nesses espaços,
muitos apontaram a falta de confiança, a existência de preconceito, “vergonha, medo de
represálias e exposição pública do fato de ser LGBT, até descrença na possibilidade de a
instituição tomar alguma providência efetiva e a denúncia” (Secretaria de Educação da
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016, p. 43).
Em Fessora!, este despreparo revelado nas estatísticas nacionais está visível den-
tro de tudo o que nos é apresentado em “Tempestade”, principalmente nas falas dos
educadores. Desde as risadas da professora quanto à “imitação” de Kevin feita pelos
alunos, a banalização das violências presente no dizer de outro professor que afirma que
“preconceito, homofobia ( ... ) tempestade em copo d’água ( ... ) ninguém morre disso”
(pp. 38–39), até à negação do diretor em lidar com a questão, relegando o trabalho às
famílias ao dizer que se trata de uma questão “delicada” quando Aline se oferece para
conversar com as alunas do 8C que estão em um relacionamento.
Guizzo e Felipe (2016) analisam esses desafios das práticas escolares de professo-
res quando lidam com esse assunto em sala de aula. Há um avanço lento para propor-
cionar um debate sobre essas desigualdades ao ser definido como assunto “delicado” e
entendido como um assunto transversal que nem sempre é assimilado pelas disciplinas.
Perdem-se, assim, as possibilidades de transformações não apenas em sala de aula,
mas como também fora dela para diminuir os preconceitos e avançar na discussão que
afeta a vida de crianças e adolescentes.
Em “Tempestade”, há uma outra história que inicia e finaliza o quadrinho: a de
Kevin, o “lourinho da 9A”. O aluno é descrito pelos professores como barulhento. Eles
dizem, ainda, que Kevin é perseguido em sala de aula pelos colegas, o que, na leitura
dos educadores, acontece devido ao preconceito. Só compreendemos a história desse
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discente no final do quadrinho: ele foi flagrado pela mãe experimentando roupas femi-
ninas em casa. Depois disso, Kevin “saiu” da escola e não estava frequentando mais as
aulas (Figura 6).
Figura 6. Kevin em “Tempestade”
Fonte. Retirado de “Tempestade”, por A. Lemos, 2021, Fessora!, p. 39. Copyright 2021 por Aline Lemos.
A saída de Kevin da escola, ainda que seja uma vivência individual, não é apenas
isso, ela revela uma experiência coletiva, transpessoal, na medida em que representa
uma situação corriqueira no cotidiano de estudantes LGBTQIA+ brasileiros que enfren-
tam ambientes hostis em escolas de educação básica. Faltar à instituição educacional é
apontado na Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016 (Secretaria de
Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais,
2016) como consequência da LGBTfobia, o que pode levar à evasão escolar, dependen-
do do grau de violência e preconceitos enfrentados pelos estudantes6. Estão também
associadas às vivências de estudantes LGBTQIA+ em comunidades escolares hostis, a
queda no desempenho acadêmico, a depressão e o sentimento de não pertencimento à
instituição escolar.
Por isso, Aline desenha em poucos quadros uma memória em comum às expe-
riências de vida das pessoas transexuais e travestis na escola: a evasão involuntária.
Ainda que a violência tenha acontecido em casa, Kevin não vai muito para a escola.
Isso traz resquícios de uma vivência da “pedagogia da violência”7 (Andrade, 2012) pelos
6 De acordo com a pesquisa de 2016, “houve duas vezes mais probabilidade de os/as estudantes faltarem à instituição
educacional quando haviam vivenciado níveis maiores de discriminação relacionada à sua orientação sexual (58,9% com-
parados com 23,7%) ou à sua identidade / expressão de gênero (51,9% comparados com 25,5%)” (Secretaria de Educação
da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016, p. 47).
7 A pedagogia da violência não acontece apenas na escola, ela está em todas as instâncias da vida onde os sujeitos aprendem
discursos pré-estabelecidos como uma única verdade. Na concepção de Andrade (2012), essa expressão está ligada à
estética do preconceito e da morte. Nesse caso, quem não segue a performance hegemônica de gênero é lido como “não
natural”, “indesejado” e alvo de ódio e violência.
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discentes transexuais e travestis no Brasil. Esse processo também pode ser “induzid[o]
pela escola na qual os(as) educando(as) são, simbolicamente ou não, submetidos, por
integrantes da comunidade escolar, a tratamentos constrangedores até que não supor-
tem conviver naquele espaço e o abandonem” (Andrade, 2012, p. 247). Isso reforça a
continuidade do ciclo de exclusão desses sujeitos na sociedade que vivem a violência
em casa, na escola, no trabalho, na saúde e na política. Lima (2020), ao analisar essas
experiências de pessoas transexuais e travestis na educação, observa que a escola é
um espaço social que reflete o que a sociedade estabelece. Como efeito disso, “produz
e reproduz diferenças, distinções e desigualdades por meio de múltiplos mecanismos
de classificação, ordenamento e hierarquização que são reforçados a partir de um mo-
delo referência a ser seguido” (Lima, 2020, p. 79). Sendo este modelo de identidade
hegemônico no cotidiano escolar: homem branco, heterossexual, classe média e cristão
(Junqueira, 2015; Lima, 2020; Louro, 2000). A exaltação desses marcadores sociais,
dentro e fora da escola, vai refletir em duas experiências que são desenhadas nos qua-
drinhos “Besouro” e “Sovaco Cabeludo”.
O título do quadrinho “Besouro” é em referência ao nome do filme brasileiro, lan-
çado em 2009, que narra a vida de resistência e luta do capoeirista8 Manoel Henrique
Pereira (1895–1924), conhecido como Besouro, Besouro Preto, Besouro Mangangá ou
Besouro Cordão de Ouro. Aline apresentou em sala de aula essa história para o corpo
discente, a fim de debater sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, tema assegurado
pela Lei n.º 10.639 (2003)9. O objetivo da lei é promover as diferentes culturas do Brasil
no ensino, reforçando e valorizando as histórias de povos indígenas e de afro-brasilei-
ros que foram sistematicamente apagadas desde o processo de colonização até hoje.
Abidias do Nascimento (1978), em O Genocídio do Negro Brasileiro, evidencia o esforço
de “apagar a memória do africano” (p. 84) e dentre diferentes grupos sociais e sujeitos
que auxiliaram nesse projeto do ideário dominante estavam os historiadores, cientistas
sociais, literatos e educadores. A cultura do branco e europeu era almejada e enfatizada
na história oficial do Brasil, refletindo-se no contexto escolar. A lei busca romper a conti-
nuidade do silenciamento histórico de povos subalternizados no Brasil, mas há resistên-
cias à implementação no cotidiano escolar. Isso é nítido quando Aline apresenta a visita
de uma mãe que vai questionar a tarefa de casa sobre a história do povo negro a partir
do filme Besouro (Figura 7): “a minha filha não vai fazer essa tarefa! E vocês não deviam
ensinar essas coisas!” (p. 49).
8 Capoeira não é apenas um esporte. É compreendida enquanto “expressão estética e de luta que remonta à ancestralidade
afro-brasileira, capaz de transmitir, por meio do jogo e de suas músicas, os conteúdos negados da história e cultura do
negro no Brasil” (Amaral & Santos, 2015, p. 54).
9 Em 2008, a Lei n.º 10.639 (2003) foi modificada pela Lei n.º 11.645 que também incluiu no currículo escolar o ensino da
história e cultura indígena.
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Figura 7. Cena da mãe de uma aluna criticando a tarefa sobre o filme Besouro
Fonte. Retirado de “Besouro”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 49. Copyright 2021 por Aline Lemos.
A quadrinista conta que, ao ser “a professora branca” “nem desconfiava” dos de-
safios do ensino sobre a história de povos não-brancos, nesse caso sobre as religiões de
matrizes africanas. Ela recorre a uma pesquisa (Botelho, 2019) que define os impasses
vividos na educação a partir desse recorte temático: a exotização e folclorização dos
elementos; a demonização por não ser cristã ou com referências europeias; e o racismo.
O choque é narrado por Aline ao confrontar essa realidade na escola. Isso a fez adotar
um comentário para evitar interpretações equivocadas pelos discentes ao reforçar: “não
estou pedindo pra vocês adotarem nenhuma religião, entenderam? Estou dizendo que
todas as crenças devem ser respeitadas” (p. 51). Questão que não é colocada ao falar de
religiões cristãs em sala de aula.
O II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe (Santos et
al., 2023) evidencia o aumento de 270% na violência contra as religiões de matriz africa-
na10 no Brasil frente aos registros feitos entre 2020 e 2021. Essa intolerância busca negar,
apagar, perseguir ou demonizar a existência do outro a partir de violência simbólica, até
física, contra pessoas e templos religiosos.
Essa experiência narrada por Aline coloca luz no debate da memória em disputa
onde a escola se torna um espaço fundamental para retirar o tema do esquecimento a
partir do ensino de que existem inúmeras expressões de identidade brasileira (racial, de
gênero, grupo trabalhador, classe social, entre outras) e contar histórias para além da
10 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), 0,3% da população brasileira se declarara prati-
cante de religiões afro-brasileiras (umbanda, candomblé, pajelança e entre outras).
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oficial. Ensinar que a história das pessoas negras no Brasil não se resume ao período da
escravidão e, como bem destaca Grossman (2000),
na medida em que somente a dor é focalizada, as pessoas que viveram toda
uma experiência de sobrevivência e resistência acabam sendo reduzidas
a simples vítimas, não sendo levado em conta o fato de que também são
sobreviventes e resistentes. (p. 19)
A história do Besouro expõe a resistência e luta pelo direito de manifestar sua
própria religião, sem ser criminalizado ou perseguido. Em “Tempestade” e “Besouro”
observamos o viés da memória política, seja individual ou coletiva, para compreender os
desafios do cotidiano de uma professora de história com os discentes.
Aline também é alvo de “brincadeira” por parte de três alunas por não performar
uma feminilidade esperada de uma “mulher” e isso cria curiosidade também quanto
à sexualidade por não depilar as axilas. Os quadros iniciais da história de quadrinho
evidenciam os rostos das meninas ao verem o sovaco cabeludo da professora, gerando
surpresa e repulsa (Figura 8).
Figura 8. “Sovaco Cabeludo”
Fonte. Retirado de “Sovaco Cabeludo”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 52. Copyright 2021 por Aline Lemos.
Essa brincadeira se apoia no racismo recreativo, que é entendido como um tipo
de violência contra pessoas negras quando as piadas “retratam a negritude como um
conjunto de características esteticamente desagradáveis e como sinal de inferioridade
moral” (Moreira, 2019, p. 19). A abordagem das adolescentes com o refrão da música
“Nega do Subaco Cabeludo”, do humorista Pranchana Jack (2012), que virou meme no
Brasil em 2012, exemplifica essa desumanização. Nessa música, o racismo recreativo
é notável ao buscar mascarar o preconceito racial e de gênero com tom de “humor”.
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Associa-se essa imagem feminina à sujeira de quem negligencia a higiene. Na pesquisa
qualitativa sobre a construção da identidade negra na escola, Mizael e Gonçalves (2015)
observam o uso dessa mesma música por um aluno branco para com a colega negra que
“revela como a criança branca percebe as influências midiáticas e se apropria delas, re-
produzindo a discriminação racial” (Mizael & Gonçalves, 2015, p. 12). Aline é associada
a essa imagem negativa da mulher negra na letra.
A intenção de provocar uma reação na professora com a música não foi alcançada,
porque ela também canta para romper com a piada. Por fim, ela consegue descrever o
motivo da escolha para não se depilar e questionar os padrões estéticos postos às mu-
lheres. Ainda que as adolescentes observem que isso é um ato “anti-higiênico” e algo
que o “namorado pode achar ruim”, a professora consegue refletir com as alunas para
explicar que homens não se depilam e ninguém associa esta opção à falta de higiene; e
que o namorado não decide o que ela pode ou não fazer com o corpo. A breve conversa
termina com uma outra curiosidade respondida sobre a sexualidade de Aline: “eu falei
que ela tinha namorado!”, comenta a adolescente para a amiga.
O uso do recurso do estereótipo do que é ser mulher é usado pelas discentes.
Entende-se enquanto estereótipo um “conjunto de crenças, valores, saberes, atitudes
que julgamos naturais, transmitidos de geração em geração sem questionamentos, e
nos dá a possibilidade de avaliar e julgar positiva ou negativamente coisas e seres hu-
manos” (Chauí, 1997, p. 116). Aline nos apresenta as diferentes agressões cotidianas
com os estereótipos que promovem a discriminação e manutenção do pensamento he-
gemônico na escola com o atravessamento de gênero, sexualidade, raça e classe social.
A perpetuação desses discursos reforça a violência simbólica, a pedagogia da violência
e, consequentemente, afasta crianças e adolescentes da sala de aula quando estas não
se comportam segundo a norma hegemônica.
5. “O que Nos Parece Unidade É Múltiplo”
Ecléa Bosi (2009) compreende essa multiplicidade da memória igual ao desen-
rolar de um fio em meadas diversas, “pois ela é um ponto de encontro de vários cami-
nhos, é um ponto complexo de convergência dos muitos planos do nosso passado” (p.
413). Observando a narrativa de vida enquanto professora por um semestre, analisa-
mos alguns desses pontos discursivos que não são apenas a memória individual (uma
unidade) que está sendo lembrada, mas também uma coletiva. A comunidade escolar
representada pelos personagens do diretor, professores, alunos/as/es, mãe e faxineira
compartilham com Aline o mesmo evento, mas podem ter perspectivas e leituras dife-
rentes — seja pelo posicionamento ideológico ou pelo repertório cultural e social, por
exemplo — como foram percebidos nos quadrinhos. Histórias que fazem parte da me-
mória da categoria do trabalho e que se afastam do estereótipo do que é ser docente11
em um produto cultural como os quadrinhos.
11 Idealização observada na análise de Adriana Lemes (2005) sobre a representação social da docência, com a Professora
Dona Marocas, personagem do quadrinho Chico Bento, obra de Mauricio de Souza que se passa no ambiente rural brasi-
leiro. A feminização do trabalho, roupas e acessórios que tenciona entre a sensualidade pelas curvas do corpo e discipli-
nada a partir do coque no cabelo, uso de óculos e brincos pequenos. Além do discurso do amor incondicional à profissão
mesmo quando não é bem remunerada.
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Compreender esse potencial do trabalho feito em Fessora! a partir do ponto de vista
individual sobre a experiência da docência no ensino público é apresentar às pessoas lei-
toras parte da complexidade da educação no Brasil. Trata-se de uma realidade pautada por
questões sobre a saúde mental, desafios da escola em acolher e debater sobre identidade
de gênero e sexualidade; e promover práticas educacionais que questionem o sexismo, o
racismo e a homofobia presente no cotidiano da escola que por vezes são atenuados com
o pretexto de ser uma “brincadeira” com o colega ou que não existem tais preconceitos.
Aline, ao encerrar a história em “Despedida”, observa a própria expectativa de ser
professora: a imagem de uma figura que poderia transformar os estudantes e auxiliar na
crítica da própria realidade em um semestre. “Não sei o que eu esperava./Lágrimas?/
Festa?/Que vaidade! Achar que causaria um grande impacto!/A atingida fui eu” (p. 64)
Importante pontuar que não pretendemos, com este trabalho, esgotar todas as dis-
cussões e debates em torno de Aline Lemos, sua história em quadrinhos Fessora!, e dos
temas abordados nela. Tampouco isso é possível. O que fizemos foram escolhas e um
recorte dentro de nossos universos de pesquisa em consonância com as possibilidades
dialógicas de nossas trajetórias e investigações desenvolvidas até aqui. Incentivamos, nes-
se sentido, que pesquisadoras e pesquisadores partam de nosso trabalho em busca de
outras análises possíveis dentro deste universo observado, explorando por exemplo as de-
mais narrativas e temas presentes em Fessora! ou, ainda, a trajetória de Aline Lemos como
artista independente de quadrinhos no Brasil.
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Notas Biográficas
Nara Bretas Lage é doutora em Estudos de Linguagens pelo Centro Federal de
Educação Tecológica de Minas Gerais. Fez doutorado sanduíche no Department of
Women, Gender & Sexuality Studies na Ohio State University, nos Estados Unidos.
É mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Fez in-
tercâmbio acadêmico de mestrado no Department of Marketing Communication and
Branding da Ural Federal University. É bacharela em Jornalismo pela UFOP, e licenciada
em Letras — Língua Portuguesa pelo Centro Universitário Claretiano. Sua tese de douto-
rado Aconteceu Comigo: Mulheres, Narrativas de Vida e Violências nos Quadrinhos de Laura
Athayde, foi aprovada com louvor pelo seu programa de pós-graduação. Atualmente,
atua como pesquisadora independente e colunista da Mina de HQ. É membro do Grupo
de Estudos sobre Narrativas de Si (Narrar-se/ Centro Federal de Educação Tecológica de
Minas Gerais), do Grupo de Estudos sobre Discurso, Interseccionalidade e Subjetividade
e da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial. Foi integrante do Comics Studies
Society, do Grupo de Pesquisa em Mídia e Interações Sociais (GIRO/UFOP) e do Grupo
de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor/UFOP).
E-mail: narabretaslage@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7983-300X
Morada: Rua 76, 149, Bairro Novo Horizonte, Timóteo, Minas Gerais. Brasil.
Revista Lusófona de Estudos Culturais / Lusophone Journal of Cultural Studies, Vol. 10, N.º 2, 2023
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Multiplicidades, Narrativas de Vida e Memória Coletiva da Docência na História em Quadrinhos Fessora! . Nara Bretas Lage & Samanta Coan
Samanta Coan é doutora em Ciência da Informação (Universidade Federal de Minas
Gerais), mestre em Design (Universidade do Estado de Minas Gerais), especialista em
Design Experiencial (Universidade Federal de Santa Catarina) e graduada em Design
Gráfico (Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura). Foi co-fundadora do
site e coletivo Lady’s Comics (2010–2018), o primeiro espaço a discutir representação e
memória das mulheres quadrinistas no Brasil. Desde 2010, criaram projetos que visaram
a promoção, a profissionalização (site e encontro Lady’s Comics); educação para incen-
tivo à leitura e uso das histórias de quadrinhos na sala de aula (projeto QUATI); docu-
mentação e registro sobre mulheres e quadrinhos (minidocumentários, BAMQ! e revista
RISCA!). Desde 2018, participa do Núcleo de Estudos sobre Performance, Patrimônio
e Mediações Culturais/Universidade Federal de Minas Gerais; do Grupo de Estudo em
Design e Memória. Atualmente faz parte do coletivo Muquifu, gestor do Museu dos
Quilombos e Favelas Urbanos; e pesquisadora sobre performance, memória, cultura
material, trabalho doméstico remunerado, curadoria de museus comunitários e méto-
dos participativos de projetos culturais.
Email: coan.samanta@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5268-6970
Morada: Rua Deputado André de Almeida, 341, Bairro Ouro Preto, Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil
Submetido: 31/03/2023 | Aceite: 26/08/2023
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Atribuição 4.0.
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Trata-se da apresentação dos resultados de pesquisa referentes ao Eixo 2 (bibliográfico) do projeto “Caminhos para a melhoria das condições de trabalho e saúde dos professores na perspectiva das políticas públicas”. O objetivo específico do Eixo em questão foi identificar e analisar, por meio de levantamento em fontes distintas e complementares, estudos dedicados ao tema “condições de trabalho e saúde dos professores” em diferentes níveis e modalidades de ensino, com ênfase no panorama das condições gerais de trabalho e saúde dos professores. Para tal, utilizou-se, sobretudo, o procedimento metodológico de revisão narrativa. Como resultado, demonstrou-se que, da educação básica ao ensino superior, incluindo-se os casos específicos da docência na Educação a Distância e na Educação de Jovens e Adultos, a literatura científica dedicada ao assunto aponta para um contexto de precariedades diversas relacionadas ao trabalho dos professores, o que inclui: violência; indisciplina; desvalorização; desprestígio; baixos salários; problemas de estrutura; intensificação e sobrecarga de trabalho; avanço do trabalho sobre o tempo de descanso e lazer; imposição de lógica alheia à natureza e função social da educação; dificuldades no reconhecimento e manutenção de vínculos de trabalho; dificuldades de formação; entre outros. Em tal contexto, cansaço físico, cansaço mental e desgaste se tornam evidentes, podendo acabar em burnout, depressão e outros tipos de transtornos. Nesse sentido, a literatura consultada indicou os transtornos mentais e comportamentais, os distúrbios da voz e os distúrbios osteomusculares como os problemas de saúde mais prevalentes entre os professores. Ainda assim, referiu que os professores (evidência captada em estudos sobre professores do ensino superior) veem na relação com os alunos e na prática de pesquisa, com a possibilidade de um trabalho emancipador, fontes de satisfação e prazer no trabalho. Como conclusão, observou-se que, com base nas evidências observadas, diversas medidas visando ao saneamento dos problemas podem ser adotadas, invocando-se para tal a esfera de ação das políticas públicas. Palavras-chave: Professores; Educação; Saúde do Trabalhador; Políticas Públicas.
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O presente artigo tem por objetivo discutir sobre como os debates de gênero e sexualidade durante a educação básica podem interferir no acesso de transexuais e travestis à educação superior, com base nos dados obtidos por meio de pesquisas realizadas por iniciativas de projetos, produções acadêmicas, organizações não governamentais (ONGs), redes de apoio ou de associações, como também por notícias em mídias sociais, além das ações governamentais que têm o intuito de promover equidade e respeito às identidades de gênero na escola. De acordo com o estudo proposto, embora as questões de gênero e sexualidade tenham obtido relevância em políticas e legislações que se vinculam tanto ao campo da educação como a outros campos, estudantes transexuais e travestis ainda têm dificuldade para concluir o período de escolaridade obrigatória. Por conseguinte, propor reflexões e trabalhar conceitos nas escolas de educação básica não é o suficiente, é preciso investir na formação inicial e continuada de todo o corpo docente.
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p> Resumo : A partir das contribuições dos Estudos de Gênero e dos Estudos Culturais, os propósitos principais deste trabalho são: 1) apresentar algumas políticas públicas que mencionam as questões de gênero e sexualidade; 2) discutir aspectos que têm dificultado a inserção dessas questões nas escolas. Os resultados apontaram que tem havido um incremento de documentos que dão visibilidade às questões de gênero e sexualidade. Porém, alguns deles não chegam a ser postos em prática, em virtude da resistência de setores conservadores. Apesar disso, tem ocorrido um esforço para contemplar tais questões no currículo, embora ainda sejam apontadas algumas dificuldades que se vinculam à falta de formação docente e à resistência das famílias em permitir o trabalho com tais temáticas. Palavras-chave : Políticas Públicas. Gênero. Sexualidade. Educação. GENDER AND SEXUALITY IN CONTEMPORARY POLICIES: INTERLINKS WITH EDUCATION Abstract : Based on the contributions of Gender Studies and Cultural Studies, the main purposes of this work are: 1) to present some public policies that mention gender and sexuality issues; 2) to discuss aspects that have hindered the inclusion of these issues in schools. The results showed that there has been an increase of documents that make gender and sexuality visible. However, some of them fail to be implemented, due to resistance of conservative groups. Nevertheless, there has been an effort to contemplate these issues in the curriculum, in spite of difficulties linked to the lack of teacher training as well as to family resistance to pedagogical work with such issues. Keywords : Public Policies. Gender. Sexuality. Education. GÉNERO Y SEXUALIDAD EN LAS POLÍTICAS CONTEMPORÁNEAS: ARTICULACIONES CON EL CAMPO DE LA EDUCACIÓN Resumen : A partir de las contribuciones de los Estudios de Género y de los Estudios Culturales, los principales objetivos de este trabajo son: 1) presentar algunas políticas públicas que mencionan las cuestiones de género y la sexualidad; 2 ) examinar las cuestiones que han impedido la inclusión de estos temas en las escuelas . Los resultados mostraron que ha habido un aumento de documentos que dan visibilidad a las cuestiones de género y sexualidad. Pero algunos de ellos no llegan a ser usados y trabajados en las escuelas, debido a la resistencia de los sectores conservadores. Ha habido un esfuerzo por contemplar estas cuestiones en los planes de estudios. Sin embargo se identifican algunas dificultades que están vinculados a la falta de formación del profesorado y la resistencia de las familias para permitir el trabajo con las cuestiones de género y sexualidad. Palabras clave : Políticas Públicas. Género. Sexualidad. Educación.</p
Memoria y autobiografía: Exploraciones en los límites. Fce Fondo de Cultura Economica
  • L Arfuch
Arfuch, L. (2013). Memoria y autobiografía: Exploraciones en los límites. Fce Fondo de Cultura Economica.
Senso comum e transparência
  • M. Chauí
  • J. Lerner
Chauí, M. (1997). Senso comum e transparência. In J. Lerner (Ed.), O preconceito (pp. 115-132). Imprensa Oficial do Estado.
Quadrinizadas: O feminismo negro e as personagens de Ana Cardoso
  • N C F Alves
Alves, N. C. F. (2021). Quadrinizadas: O feminismo negro e as personagens de Ana Cardoso, Dika Araújo e Flavia Borges [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro].
Religiões afro-indígenas e o contexto de excec&#807;ões de direitos
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  • F. Cássio
Botelho, D. (2019). Religiões afro-indígenas e o contexto de exceções de direitos. In F. Cássio (Ed.), Educação contra a barbárie: Por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar (pp. 107-114). Boitempo.