ArticlePDF Available

Entre a crítica do iberismo e a adesão ao desenvolvimentismo: a interpretação da história pelos liberais da República de 1946

Authors:

Abstract

This article discusses how the liberals of the Republic of 1946 interpreted Western History and, within it, the History of Brazil. It contributes to the literature on the history of political thought, having as its main theoretical influences Reinnhart Koselleck’s interpretation of the concept of progress in the philosophy of the history of modernity and John Pocock’s considerations on the relationship between langue and parole in the study of political languages. We argue that the context surrounding the logic of administrative centralization and economic planning that emerged during that context gave Brazilian liberalism a specific shape, which cannot be sublimated by looking at the ideology from a long-term perspective. Those affiliated with liberalism during this period shared the understanding that achieving progress would be to overcome the problems of historical formation bequeathed to Brazil, and their interpretation of history can be seen in both the criticism and praise of policies adopted between 1946-1964. This study is relevant not only because it helps to understand the long-standing dilemmas associated with Brazilian liberalism, but also because it seeks to show how specific contexts can change political language. Keywords Liberalism; Brazilian Political Thought; Intellectual History; History of Historiography; Republic of 1946
876Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | www.revistatopoi.org
Entre a crítica do iberismo e a adesão
ao desenvolvimentismo: a interpretação da
história pelos liberais da República de 1946
Helio Cannone*
RESUMO
O presente artigo trata da interpretação dos liberais da República de 1946 sobre a História
ocidental e, dentro dela, da História do Brasil, inserindo-se nos estudos da História do pen-
samento político. Tendo como principais aportes teóricos a interpretação de Reinhart Kosel-
leck sobre o conceito de progresso na  loso a da história da modernidade e as considerações
de John Pocock sobre a relação entre langue e parole no estudos das linguagens políticas,
apontamos que o contexto de emergência de uma lógica de centralização administrativa e de
planejamento econômico vivida naquele período deu ao liberalismo brasileiro conformação
especí ca, que não pode ser sublimada pelo entendimento da ideologia em longa duração.
Entendemos que tanto a crítica quanto o elogio das políticas adotadas entre 1946-1964
podem ser acessados através da interpretação da história produzida por agentes históricos
liados ao liberalismo, os quais compartilhavam o entendimento de que atingir o progresso
seria superar os problemas de formação histórica legados ao Brasil. Consideramos que este
estudo se faz relevante não só porque auxilia na compreensão dos dilemas do liberalismo
brasileiro no decorrer do tempo, mas também porque busca evidenciar como contextos es-
pecí cos podem alterar linguagens políticas que lhe são anteriores.
Palavras-chave: liberalismo; pensamento político brasileiro; História Intelectual; História
da Historiogra a; República de 1946
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02405413
Artigo recebido em 25 de maio de 2022 e aceito para publicação em 14 de setembro de 2022.
* Pesquisador da Universidade Federal da Bahia / Faculdade de Filoso a e Ciências Humanas, Salvador, BA
– Brasil. E-mail: helio.cannone@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8774-4197.
E         :     
  R  
Helio Cannone
877Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
Between the Critique of Iberism and the Adherence to Developmentalism:
e Interpretation of History by the Liberals of the Republic of 1946
ABSTRACT
is article discusses how the liberals of the Republic of 1946 interpreted Western History
and, within it, the History of Brazil. It contributes to the literature on the history of political
thought, having as its main theoretical inuences Reinnhart Koselleck’s interpretation of
the concept of progress in the philosophy of the history of modernity and John Pocock’s
considerations on the relationship between langue and parole in the study of political
languages. We argue that the context surrounding the logic of administrative centralization
and economic planning that emerged during that context gave Brazilian liberalism a specic
shape, which cannot be sublimated by looking at the ideology from a long-term perspective.
ose aliated with liberalism during this period shared the understanding that achieving
progress would be to overcome the problems of historical formation bequeathed to Brazil,
and their interpretation of history can be seen in both the criticism and praise of policies
adopted between 1946-1964. is study is relevant not only because it helps to understand
the long-standing dilemmas associated with Brazilian liberalism, but also because it seeks to
show how specic contexts can change political language.
Keywords: Liberalism; Brazilian Political Thought; Intellectual History; History of
Historiography; Republic of 1946
Entre la crítica del iberismo y la adhesión al desarrollismo: la
interpretación de la Historia por los liberales de la Republica de 1946
RESUMEN
El presente artículo aborda la interpretación de los liberales de la República de 1946 sobre
la Historia occidental, y dentro de ella, la Historia de Brasil, involucrando los estudios
de la Historia del pensamiento político. Teniendo como principales aportes teóricos la
interpretación de Reinhart Koselleck sobre el concepto de progreso en la losofía de la
historia de la modernidad y las consideraciones de John Pocock sobre la relación entre langue
e parole en los estudios de los lenguajes políticos, apuntamos que el contexto de emergencia
de una lógica de centralización administrativa y de planicación económica vivida en aquel
periodo dio al liberalismo brasileño conformación especíca, que no puede ser exaltada
por el entendimiento de la ideología en larga duración. Entendemos que tanto la crítica
como el elogio de las políticas adoptadas entre 1946-1964 pueden ser aclaradas a través de
la interpretación de la historia producida por agentes históricos aliados al liberalismo, los
cuales compartían el entendimiento de que alcanzar el progreso sería superar los problemas
E         :     
  R  
Helio Cannone
878Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
de la formación histórica ligados a Brasil. Consideramos que este estudio se hace relevante
no sólo porque ayuda en la comprensión de los dilemas del liberalismo brasileño a lo largo
del tiempo, sino que también busca evidenciar cómo contextos especícos pueden alterar
lenguajes políticos que le son anteriores.
Palabras Clave: liberalismo; pensamiento político brasileño; Historia Intelectual; Historia
de la Historiografía; República de 1946
Introdução
Para além de uma agenda consolidada internacionalmente nos estudos de História do
pensamento político e de Teoria da História (POCOCK, 2003; KOSELLECK, 2006; KO-
SELLECK et al., 2013), a questão dos usos políticos da história ou da interpretação por ela
feita por ideologias políticas tem chamado a atenção de cientistas sociais e historiadores
brasileiros nos últimos anos (LYNCH, 2016; BAUER; NICOLAZZI, 2016; OLIVEIRA,
2021). Do ponto de vista da produção sobre ideologias políticas, a literatura se concentra em
estabelecer as linhagens (BRANDÃO, 2010) ou o núcleo conceitual (FREEDEN, 2006)
que permite compreender os supostos elementos perenes de uma vertente do pensamento
político. Nessa empreitada, é comum o entendimento de que determinada visão de história
tende a ser compartilhada por agentes liados a determinada ideologia política.
No caso do liberalismo, o esforço de perceber uma interpretação da história – que por
vezes soa ela mesma fora do tempo – crítica à presença forte do Estado ou que dá agência
ao mercado como motor da mudança enubla outras percepções possíveis. Em um contexto
histórico como a República de 1946 brasileira não é consenso entre os liberais do país que
o mercado é um mecanismo que sempre operou positivamente na história. Também não
aparece a ideia de que o Estado necessariamente produzia distorções. Sem querer descar-
tar o esforço de entendimento do liberalismo por uma longa duração – que aqui também
não excluímos– pretendemos demonstrar como contextos especícos podem modicar essa
ideologia política, a m de que os liados a ela possam responder às questões que se apre-
sentam em seu tempo.
Pretendemos neste artigo apontar que não há apenas uma interpretação da história do
Ocidente e do Brasil entre os liberais entre 1946 e 1964. Embora existam semelhanças per-
ceptíveis, há juízos com sentidos opostos e protagonistas distintos selecionados como impor-
tantes na história do país e do bloco do mundo a que ele supostamente pertenceria. O que
une os liberais do período é seu compartilhamento de uma losoa da história (KOSELLE-
CK, 2006) que entendia o progresso em sentido linear cujo telos era o aumento contínuo do
bem-estar e das liberdades individuais, no qual a Inglaterra e depois os EUA são apontados
como indutores do processo que, em casos especícos – como Afonso Arinos –, dividem este
E         :     
  R  
Helio Cannone
879Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
papel com a França. O Brasil é geralmente tratado como desvio ou caso singular desta regra,
um país atrasado e impedido por forças internas de se desenvolver. A crítica à colonização
ibérica costuma ser o principal motivo apontado para o problema, com maior destaque para
os defensores da via do desenvolvimento liberal neste ponto. Todavia, existem diferenças
importante sobre o entendimento do processo histórico nacional e de quais os problemas
nele presentes que precisariam de correção. Os remédios indicados igualmente variam. A
partir da análise de texto publicados no período por Eodoro Berlinck, Raymundo Faoro,
Afonso Arinos de Melo Franco e Roberto Campos, buscaremos sustentar nossa interpreta-
ção a partir da divisão do liberalismo do período em duas grandes correntes. A primeira é
aquela crítica ao iberismo e entusiasta do conceito de sociedade civil. A outra reúne os que
aderiram ao ideário desenvolvimentista do período e visaram conciliar sua liação liberal a
ideias circulantes, como as de nacionalismo e de planejamento.
A escolha dos autores teve como critério mobilizar atores que ao mesmo tempo fossem
paradigmáticos do liberalismo da República de 19461, tal como apontado pela bibliograa
especializada (CHALOUB, 2015; LATTMAN-WELTMAN, 2005; BIELSCHOWSKY,
2004; SILVA, 2006; PEREZ, 2021; LYNCH, 2021; VIANNA, 2009), mas que buscassem
intervir no debate público a partir tanto desta liação quanto como intelectuais. Os autores
selecionados – Eodoro Berlinck, Raymundo Faoro, Afonso Arinos de Melo Franco e Rober-
to Campos – se autoidenticavam enquanto liberais e escreviam textos nos quais articula-
vam esta linguagem e advogavam qual era o sentido dela em seu tempo. Ao mesmo tempo,
eles participaram das instituições políticas da República de 1946, como ministro de Estado
(Campos), parlamentar (Arinos), membros do partido União Democrática Nacional (Arinos
e Berlinck) ou procurador do Estado (Faoro). A seleção especíca destes autores se deu por
eles serem aqueles que uniam esse conjunto de critérios. Já seleção dos textos teve como fun-
damento destacar as análises mais próximas do objeto em questão, ou seja, a interpretação
da história feita por estes autores. Portanto, mesmo nos casos em que os originais eram tex-
tos de intervenção conjuntural e não sistemática, adotamos as edições em livros das obras.
Uma vez que alguns destes autores – como Afonso Arinos e Roberto Campos2 – decidiam
1 O conceito de paradigma que mobilizamos é o de omas Khun, no qual ele diria respeito ao conjunto de
referenciais linguísticos, losócos e de ideias que orientam a produção de conhecimento em determinado
período. Nesse sentido, os autores são paradigmáticos do liberalismo da República de 1946 por fazerem parte
dessa linguagem e a mobilizarem para as questões do seu tempo, tal como buscaremos demonstrar no decor-
rer do texto. Cf. Khum (2017).
2 Cabe apontar que os textos de Arinos e de Campos selecionados não são análises de conjuntura ou colunas
de comentários do tempo presente. Embora os textos de Arinos tenham sido publicados originalmente no
periódico Digesto Econômico, eles faziam parte de uma série do autor de textos de história econômica, que
depois ele reuniu e publicou em livro. No caso de Roberto Campos, os textos são colunas no Correio da Ma-
nhã, palestras em conferências acadêmicas e ensaios publicados em periódicos acadêmicos. Diferentemente
de outros textos do autor, os escolhidos tratavam de processos mais amplos nos quais ele entendia seu tempo
como parte de uma diacronia. O economista também reuniu esse conjunto de textos e o publicou na forma
de livro. Isso não implica dizer que entendemos esses textos como menos políticos, pelo contrário, armamos
E         :     
  R  
Helio Cannone
880Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
publicar seus textos como parte de uma obra, eles se colocavam não só na função de atores
políticos, mas de intelectuais que se julgavam capazes de entender os processos em curso de
forma sistemática. Para tal, a visão deles sobre a história era fundamental, porque vista como
o legado que deniu o modelo de intervenção no presente.
O aporte teórico que mobilizamos para compreender as publicações destes autores en-
quanto discursos de atores políticos é o de Quentin Skinner (1969) e John Pocock (1981;
2003). Do primeiro, recepcionamos a mobilização feita da teoria dos atos de fala de John
Austin (1990) para pensar textos enquanto performance de linguagem, cujo efeito ilocucio-
nário seria o de transmitir uma mensagem que ao mesmo tempo realiza uma ação, enquanto
o perlocucionário se daria na intenção de gerar efeitos no leitor (FERES JR., 2005)3. Portan-
to, estes intelectuais eram atores políticos não só porque tiveram cargos dentro das institui-
ções do regime, mas porque interviam no debate público a partir de seus textos e buscavam
convencer seus leitores de quais deveriam ser os caminhos – liberais – do Brasil, a partir da
interpretação da história do país.
Do diálogo construído por Joao Feres Jr. entre Skinner e Ricoeur, mas também de Poco-
ck, nos apropriamos da percepção de que o analista do pensamento político lida com textos
entendidos como discursos, ou seja, como sequência de atos de fala que funcionam como
a linguagem performada por atores de uma estrutura social, linguagem política e contexto
histórico (FERES JR., 2005; POCOCK, 1981). Para ele, entre as tarefas do historiador do
pensamento político estariam as de descobrir a quais linguagens os textos-discursos per-
tencem e compreender de que modo eles são alterados pelo contexto. Trazendo para nosso
objeto, em um período marcado pelo auge da ideia de planejamento estatal da economia
(BIELSCHOWKY, 2004), como a República de 1946, identicamos uma alteração con-
textual que modicou a linguagem política liberal brasileira, que teve de responder a este
desao. Nos textos dos autores aqui analisados, identicamos duas formas discursivas de
fazê-lo, uma pela rejeição à intervenção do Estado e outra que tenta conciliar liberalismo e
desenvolvimentismo. Nas próximas seções, elas serão exploradas.
Crítica ao iberismo: em busca de uma sociedade civil brasileira
A crítica ao chamado “iberismo” (VIANNA, 1997, p. 151) é comum ao pensamento
liberal brasileiro ao menos desde o século XIX. Personagens como Aureliano Tavares Bastos
(1975) já apontavam em suas Cartas do solitário, de 1863, a colonização portuguesa como
um mal do nosso atraso que precisava ser corrigido por descentralização administrativa e
que mesmo estes escritos expressam o pertencimento destes autores a uma linguagem política liberal a partir
de uma visão de história orientada nesse sentido.
3 João Feres Jr. (2005) é crítico à ideia de que a losoa da linguagem de Austin e a teoria dos atos de fala
seriam aplicáveis ao texto escrito. No entanto, não percebemos elementos de incompatibilidade fundamental.
E         :     
  R  
Helio Cannone
881Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
formação de uma sociedade liberal de mercado (FERREIRA, 1999; VIEIRA, 2021). Outras
expressões do liberalismo crítico ao Estado e que mobilizavam a chave de crítica ao iberismo
surgiram na República de 1946. Esses autores pensam tais questões em chave que aqui clas-
sicamos como via de desenvolvimento liberal, com preocupação mais diretamente atenta
para o vocabulário jurídico e ao político-econômico que emergia naquele paradigma.
A República de 1946 é um momento da emergência do paradigma acima referido de-
vido ao otimismo com as políticas macroeconômicas encabeçadas nos anos anteriores por
Getúlio Vargas (BIELSCHOWISKY, 2004; LEOPOLDI, 2007). Naquela experiência do
Estado Novo, houve uma aceleração da industrialização brasileira, com centralização admi-
nistrativa no poder executivo e consequente aumento da participação do poder público na
economia. Todavia, também no contexto internacional, os conceitos de desenvolvimento e
de planejamento ganharam centralidade que não tinham antes da Segunda Guerra Mun-
dial. Como aponta Tony Judt:
A noção de que era preferível deixar tais questões ao exercício do interesse próprio esclarecido
e do funcionamento do livre mercado, para bens e ideias, era considerada nos círculos
hegemônicos europeus (políticos e acadêmicos) uma exótica relíquia da era pré-keynesiana:
na melhor das hipóteses, o conceito traduzia a incapacidade de aprender com a Depressão;
na pior, tratava-se de um convite e um apelo aos instintos humanos mais primitivos (JUDT,
2007, p. 368).
Esta mudança contextual forçou atores políticos e intelectuais de distintas liações a
pensarem o problema da relação entre Estado e economia. Aqueles que já davam centralida-
de à questão, chegaram a referi-la como “problema do século” (FURTADO, 1962, p. 92).
De fato, o tema mobilizou à época conservadores como Juarez Távora e Golbery do Couto
e Silva (TÁVORA, 1962; SILVA, 1981) e socialistas de distintas matizes, como o trabalhista
Alberto Guerreiro Ramos (1963) e o comunismo de corte pecebista de Nelson Werneck So-
dré (1963). Dentro desse contexto linguístico desenvolvimentista que se formava, os liberais
não estavam excluídos, havia aqueles como Afonso Arinos de Melo Franco e Roberto Cam-
pos, que almejavam conciliar essas mudanças no plano doméstico e no internacional com
o seu ideário liberal e, outros, que viam a intervenção do Estado na economia como avesso
a sua ideologia e visão de mundo, como o udenista Eodoro Berlinck, e o jurista Raymundo
Faoro. Em todos estes casos, os liberais vinculavam a sua posição sobre o desenvolvimen-
tismo e o planejamento a uma leitura da história ocidental, fosse para condenar ou elogiar
estas medidas.
Dois anos após o m do Estado Novo, o jurista paulista e ligado à UDN Eodoro Lin-
coln Berlinck (1948) publicou Fatores adversos na formação brasileira. O volume é dedicado
à memória de Manuel Bonm e Tavares Bastos, sem esconder as predileções ideológicas do
E         :     
  R  
Helio Cannone
882Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
autor. Chegando a se referir ao segundo como “verdadeiro sociólogo” e o mobilizando como
fonte principal em suas leituras sobre o Império brasileiro:
Pode parecer que tudo isso seja queixume de bacharel em direito com fumaças de liberalismo,
mas o grande espírito de Tavares Bastos mergulha no âmago da sociedade brasileira e nos traz
de lá, não ores de retórica demagógica, mas fatos profundamente chocantes e contristadores.
Ele fotografa o Império em todos os ângulos possíveis.
(…)
Esse foi um “sketch” do Império feito por um verdadeiro sociólogo. Como se vê o quadro
não era risonho. Dentro do desenvolvimento histórico, depois de eliminados os legítimos
revolucionários da independência e da democracia, pelos que desejavam a todo o custo
conservar o passado, logicamente não poderíamos encontrar coisa melhor que Tavares Bastos
escalpelou (BERLINCK, 1948, p. 208-209).
O conteúdo do livro é uma interpretação culturalista do Brasil, que parte de ponto de
vista liberal e que apresenta feição weberiana. Ele atribui o atraso brasileiro à manutenção de
uma mentalidade portuguesa, que impediu a formação de uma sociedade liberal de mercado
e de sociedade civil. O nosso colonizador nos teria legado um tipo social que não valorizaria
o trabalho e a cultura, seria reverente para com o Estado e que almejaria enriquecer se co-
lando às autoridades ao invés de valorizar o próprio esforço. Para resolver o problema seria
preciso uma ação do Estado, mas não de intervenção na atividade econômica – porque ela
poderia se desenvolver naturalmente – mas na correção dos problemas que a colonização ge-
rou. O autor defende investimento público em educação e em obras de infraestrutura como
medidas corretivas dos males da formação nacional que poderiam fazer o Brasil se parecer
mais com os EUA.
O livro é em sua maior parte uma longa digressão historiográca com intenções so-
ciológicas (BERLINCK, 1948, p. 85) de demonstrar os efeitos considerados nefastos do
iberismo no Brasil. Assim, o texto vai desde a formação do Estado português no medievo,
passando pela expansão marítima, a vinda da Corte e o Império, para diferenciar nossa co-
lonização lusa daquela realizada pela Inglaterra. Como o próprio título anuncia, a intenção
é a de demonstrar “os fatores adversos que entravam o livre desenvolvimento no nosso país”
(BERLINCK, 1948, p. 86). O ovo da serpente estaria nas invasões bárbaras aos romanos,
que teriam substituído uma civilização por uma cultura atrasada. Na península ibérica, o
espírito guerreiro herdado teria sido mantido pelo conito com os árabes, mantendo uma
mentalidade entre o Estado e as classes sociais de subserviência, por medo e necessidade
de proteção. Nesta concepção, “tudo pertencia ao Rei, chefe da reconquista”. Esse poder
funcionaria como direito pessoal que era transmitido hereditariamente e que era comparti-
lhado com os companheiros de guerra. A partir daí que teria se formado o “patrimônio real”
E         :     
  R  
Helio Cannone
883Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
(BERLINCK, 1948, p. 37). Com a revolução de Avis, esta concepção se petricou, impe-
dindo que se gerasse uma sociedade livre de mercadores, produtores e aberta ao comércio
internacional – tal como se iria congurando na Inglaterra.
Com esse espírito que haveria se empreendido a expansão marítima, de modo que
seu signicado político teria sido a junção da cultura medieval de liderança em torno de
um chefe com uma ambição ampliada a todos de enriquecimento fácil. Portugal cada vez
mais se demonstraria atrasado na marcha do progresso, sedimentando-se em uma men-
talidade atrasada para a Idade Moderna. Esses entraves foram transferidos para o Brasil,
que haveria reproduzido o descaso pela educação, pela liberdade individual, pela relação
com outros países e pela submissão para com o Estado como forma de obter privilégios. O
lusitano e depois o colono brasileiro teriam se acostumado a conar no Estado como pro-
vedor. O incentivo de procura para riquezas fáceis e a concepção de que o Brasil e a Índia
eram propriedades do rei, que podia distribuir as partes, não estimularam na mentalidade
portuguesa e depois brasileira o espírito de valorização do trabalho, fosse agrícola ou in-
dustrial. O autor chega a comparar o sentimento de lealdade e a relação de paternalismo
para com a Coroa portuguesa à lealdade ao Fuher do nazismo. Tratar-se-ia da mesma
“psicose” (BERLINCK, 1948, p. 57).
Entre os séculos XVI e XVIII, Portugal teria progressivamente ampliado seu descom-
passo na marcha da civilização e do desenvolvimento, movimento continuado pela vinda da
Corte e o estabelecimento nestas terras da fonte de “opressão política” (BERLINCK, 1948,
p. 86). Uso de escravos, exploração predatória das índias, cobrança tirânica de impostos e
a ambição de obter riquezas a qualquer custo seriam expressões disso. Já os supostos efeitos
positivos da presença da Corte no século XIX seriam insignicantes perto do mal que teriam
feito pela repressão de qualquer esforço local de autonomia: “No campo político e no cam-
po econômico, o brasileiro estava denitivamente amarrado à opressão colonial, apesar da
vinda de missões artísticas, estabelecimento de museus, jardins botânicos, aulas de pintura
e escultura etc.” (BERLINCK, 1948, p.107). Com medo de perder riquezas, a atividade mi-
neradora e a agricultura não foram deixadas livres. Esses monopólios originados no século
XVIII teriam permanecido no século XX, pelo controle do açúcar pelo Instituto do Açúcar
e Álcool e do Sal pelo Instituto do Sal. O resultado diagnosticado é o mesmo, a produção
sofreria entraves, o mercado negro cresceria e a demanda interna seria incapaz de ser suprida
sem importações.
Já a independência teria sido a “ponte passagem” das tradições lusas e seus vícios para
a nação brasileira, visto que o processo foi realizado pelo “alto funcionalismo português”
(BERLINCK, 1948, p. 178), sem nenhuma mudança na ordem estabelecida. Ela seria mero
conjunto de manobras políticas para manter uma forma de administração pública de tipo
colonial, que teria perdurado no tempo até aqueles anos em que Berlinck escrevia. Dom
Pedro I é representado como “elemento perturbador da independência brasileira” (BER-
E         :     
  R  
Helio Cannone
884Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
LINCK, 1948, p. 196) que contribuiu para o continuísmo com Portugal e a manutenção do
Brasil como uma sociedade escravocrata e sem capacidade de desenvolver uma classe média
(análoga à ideia liberal de sociedade civil) que reivindicasse direitos e pressionasse o Estado
para concedê-los.
Enquanto isso, os casos de resistência ao processo são classicados como nobres movi-
mentos da sociedade civil em lugares em que teria havido condições econômicas e sociais
para formá-la. Portanto, a Revolução de 1817 em Pernambuco, seus movimentos contra o
processo de independência e a Confederação do Equador são para Berlinck (1948, p. 192)
reações de uma “classe culta, educada no idealismo liberal” contra aquele estado de coi-
sas. Já a revolta farroupilha, teria sido um movimento de uma província economicamente
dinâmica, com relações horizontais entre senhores e empregados e com pouco uso de mão
de obra escrava. A província teria aprendido a exercer sua liberdade e elevar seu tipo humano
através dos conitos pelos quais passou localmente. O Rio Grande do Sul haveria se levan-
tado contra o “partido retrógrado” (BERLINCK, 1948, p. 201) em nome de sua autonomia
para indicar o presidente da própria província. Todos estes levantes foram impedidos pela
força opressora do Estado arcaico de origem portuguesa.
Para além de expor o sentido repressor e avesso ao desenvolvimento da formação de
Portugal e do Brasil, Eodoro Berlinck ocupa-se de compará-lo ao maior caso exemplar de
sucesso, que havia seguido uma via de desenvolvimento liberal. O modelo anglo-saxão teria
sentido inverso ao nosso, tal como demonstrado no sumário do capítulo especíco do tema:
SUMÁRIO
Diferenças de origem. Diferenças de povo. Diferenças de objetivos. Diferenças de regime
político. Diferenças de regime scal Diferenças de cultura. Reexos na mãe pátria. Reação
nal contra uma possível tirania econômica e política (BERLINCK, 1948, p. 122).
O “contraste máximo” entre a colonização brasileira e da América do Norte haveria se
dado “no regime econômico e político” (BERLINCK, 1948, p. 134). A colonização feita
pelos anglo-saxões não teria sido vontade política da Coroa e resultado de seu dirigismo, mas
fruto da iniciativa privada. Enquanto a colonização brasileira teria seguido no inuxo da
mentalidade gerada no saque das índias, contrária ao andar da civilização, a mentalidade do
colono norte-americano se orientaria no entendimento de que o enriquecimento precisava
vir de seu trabalho e inteligência próprios. As companhias de comércio inglês teriam indu-
zido o desenvolvimento dos EUA com uma forma de administração típica das empresas e
não do Estado. Isso só poderia ter ocorrido porque a Coroa britânica não insistiu na “mania
de pesquisar ouro” (BERLINCK, 1948, p. 123), portanto tanto as companhias quanto os
colonos locais aprenderam a prosperar pelo seu próprio trabalho. Na organização política, os
locais eram igualmente livres para seu autogoverno, em uma sociedade horizontal. A partir
E         :     
  R  
Helio Cannone
885Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
das constantes querelas com a Coroa, aquele povo havia se educado para a contestação e a
participação política.
Como a América do Norte não teve política de fechamento dos portos para os estran-
geiros, os colonos permaneceram em contato com o avanço da civilização europeia. Com
o passar do tempo, aquelas terras teriam se convertido em uma vitrine da liberdade contra
os conitos europeus, resultando no aumento da imigração entre os séculos XVII e XVIII.
Quando lá chegavam, os trabalhadores eram contratados em regime livre, sem escravidão4.
Portanto, não se fez uma cultura de aversão ao trabalho manual, e tanto patrões quanto
empregados empenhavam esforços. Ao mesmo tempo, a tolerância religiosa teria permitido a
vinda de homens cultos, que eram inseridos na sociedade quando lá chegavam. Diferentes de
nós, desde o século XVII os Estados Unidos contariam com universidades. A independên-
cia dos EUA é tida como consequência deste espírito educado, pois no momento em que a
Coroa decidiu aumentar os impostos e o controle em um nível muito inferior ao que ocorria
no Brasil, os colonos criados na cultura da liberdade teriam reagido de maneira incisiva com
protestos. Infelizmente, nossa realidade era outra: não seguimos esta via de desenvolvimento
liberal protagonizado pela sociedade civil livre, portanto precisávamos nos emancipar deste
entulho cultural que nos foi transmitido pelo Estado português:
Na impossibilidade de juntar toda a população brasileira e colocá-la a bordo de um gigantesco
‘May Flower’, e recomeçar todo trabalho de colonização de 4 séculos, temos que aceitar o
que está aqui e procurar corrigir todos os erros da colonização portuguesa, que não tinha a
nalidade de construir uma nação livre e adiantada nestas plagas, mas apenas sugar recursos,
para sustentar o velho Portugal (BERLINCK, 1948, p. 292).
O texto clássico que consolidou no imaginário social brasileiro a interpretação da polí-
tica brasileira por chave crítica ao iberismo foi publicado por outro jurista, dez anos depois
de Berlinck. Em Os donos do poder, Raymundo Faoro (1958) lança sua leitura dos erros da
formação nacional em chave crítica ao protagonismo do Estado no processo. Pelo ano de sua
divulgação ao público, a obra pode ser tida como uma crítica sociológica ao plano de Metas
e a aos órgãos de administração paralela, como Sumoc, Sudene e o Conselho de Desenvol-
vimento, durante o governo Juscelino Kubitschek. Modelo este que pode ser considerado
como cristalização do modelo desenvolvimentista de intervenção do Estado na economia
(ARAÚJO; MATTOS, 2020, p. 183).
4 Embora seja muito crítico dos efeitos da escravidão no Brasil, o autor não faz qualquer referência no livro a
sua presença no sul dos EUA.
E         :     
  R  
Helio Cannone
886Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
Segundo Carlos Pinkusfeld Bastos e Pedro Vasconcellos Costa5 (apud AR JO;
MATTOS, 2020) no governo JK estava consolidada a ideia de que cabia ao Estado criar
diagnósticos sobre os entraves para o desenvolvimento e prover a infraestrutura e os insumos
necessários à industrialização, tida como crucial para o desenvolvimento econômico. Neste
projeto, o principal ponto de partida foi a criação do Conselho do Desenvolvimento, em 1°
de fevereiro de 1956, que deu origem ao Programa (ou Plano) de Metas. Dentro dele, havia
cinco áreas prioritárias: energia, transportes, indústria de base, alimentação e educação. Isto
teria sido implementado por meio de uma estrutura paralela da burocracia estatal, ligada
diretamente ao Executivo Federal. Já o nanciamento era prioritariamente público, com
participação do setor privado nacional e estrangeiro.
Escrita nesta conjuntura, a análise de Raymundo Faoro não é tão distinta nos seus ns
da feita por Eodoro Berlinck em 1948: ambas partem da leitura de que a estrutura do Estado
português legou uma administração e uma relação opressora entre Estado e sociedade – e,
por consequência, com a economia – que impediu o desenvolvimento do Brasil por uma
via anglo-saxã. O livro parte de uma descrença do aparelho estatal como forma de produzir
modernização e desenvolvimento e aposta na via que aqui chamamos de desenvolvimento
liberal. Entretanto, seu viés é mais progressista que Berlinck. Diferente deste último, na obra
de Faoro o motor da história não é o mercado desregulado, mas a sociedade civil autônoma,
cujo ente econômico era sua consequência. Ela teria sido constantemente boicotada pela es-
trutura autoritária herdada da Península Ibérica e continuada até aqueles anos. Seu conteúdo
parte de uma “viagem redonda”6 por retas paralelas em que a Inglaterra e os EUA têm sua
história ocorrendo ao mesmo tempo da de Portugal e do Brasil, mas nunca se encontrando.
Os donos do poder pode ser tido, então, como uma continuação da crítica liberal que existia
no Brasil desde o século XIX e que passou por Tavares Bastos e Eodoro Berlinck.
5 Segundo os autores, as áreas que recebiam maior atenção eram ligadas à indústria de base, com ênfase no se-
tor automobilístico. O crescimento acelerado gerado pelo Plano de Metras resultou em uma mudança estru-
tural que deslocou trabalhadores do setor agrícola para o industrial, aumentando a importância da indústria
e do setor de serviços na força de trabalho e no PIB. As áreas de maior destaque foram as de metas relativas à
produção de energia elétrica (83%), petróleo (78%), cimento (99%) e na produção de carros e caminhões. No
entanto o processo acabou produzindo inação, ampliação do desequilíbrio regional e desatenção para pautas
de cunho social, como previdência, educação, saúde pública, habitação e assistência social.
6 O “capítulo nal” sobre a viagem redonda não existia na edição original de Os donos do poder e a discussão
sobre o período republicano era menor. O tamanho da obra de uma edição para a outra difere consideravel-
mente, enquanto a original apresenta menos de 300 páginas, a segunda aproxima-se das 1.000. Para além de
novos capítulos, o texto inclui mais fontes primárias e referências bibliográcas. Enquanto em seu contexto
original o texto era uma crítica ao nacional-desenvolvimentismo de JK e dos governos que o antecederam, ele
foi recepcionado de forma diferente na sua republicação em 1976, como crítica à ditadura militar. Cf. Vianna
(2009). Já para uma visão comparada entre as duas edições, ver Jasmin (2003).
E         :     
  R  
Helio Cannone
887Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
Embora nos outros autores também se possa perceber uma leitura weberiana da moder-
nidade, Raymundo Faoro inova ao basear todo o livro em conceitos explicitamente ligados
ao autor alemão. Dentre eles, o mais célebre é o do tipo de dominação7 (WEBER, 1999)
patrimonialista para se referir ao modelo do Estado brasileiro. O juízo se assemelha ao de
Berlinck, que igualmente entende sua origem em um modelo feudal de administração no
qual Rei toma as riquezas do reino como seu patrimônio e as distribui a partir de critérios
personalistas em benefício de seus escolhidos. Todavia, é apenas em Raymundo Faoro que
esta prática é classicada como patrimonialista e sua classe de apoio de estamento burocrá-
tico. Esta, por sua vez seria o “pecado original da formação portuguesa [que] ainda atua em
suas inuências, vivas e fortes, no Brasil do século XX” (FAORO, 1958, p. 12). Segundo
análise de Pedro Marreca (2020), a teoria do patrimonialismo que vinha no inuxo do
pensamento político liberal do Brasil opunha um desenvolvimento orgânico do capitalismo,
no qual “sem interferência política, os atores sociais tornavam-se capazes de organizar seus
interesses segundo as regras impessoais de mercado” (MARRECA, 2020, p. 45) ao capi-
talismo politicamente orientado que teria nos marcado. Por consequência, nossa formação
econômica e política seria um desvio na história da modernidade.
Diferentemente de Berlinck, ao tratar do medievo, Faoro não opõe a dominação romana
à dos povos germânicos, pois as considera igualmente atrasadas. O amálgama de ambas é o
que teria possibilitado, com a Revolução de Avis, a consolidação do estamento burocrático.
Mobilizando mais uma vez a concepção weberiana, ele distingue classe (posição econômica,
vinculada à economia de mercado) e estamento (diferenciação por critérios sociais de estima
e não econômicos, vinculada à economia feudal ou patrimonial), para apontar que D. João
teria engessado Portugal ao organizar de cima para baixo o Estado português e seu funcio-
nalismo pelos critérios arcaicos herdados das sociedades atrasadas de tipo patrimonial. Deste
modo, permitiu-se o enrijecimento da “regulação material da economia” (FAORO, 1958,
p. 213) que se desenvolveu dentro do mesmo molde com o absolutismo e com a “aventura
marítima” (FAORO, 1958, p. 13). A partir desta empreitada, Faoro aponta o mesmo que
Berlinck: que a gana por riqueza fácil teria feito com que os ibéricos se desligassem do cul-
tivo de seu mercado interno e de uma cultura racional de trabalho. Durante cinco séculos,
o Estado teria permanecido barroco (FAORO, 1958, p. 45), centralizador e congelado por
um estamento burocrático mantido por privilégios. Para agravar, o catolicismo dessa nação
serviria como um incremento para a condenação da riqueza. Como espelho invertido, havia
7 Para Max Weber, patrimonial é toda forma de dominação originalmente orientada pela tradição e que se
exerce pelo poder pessoal. No patrimonialismo, a administração poderia ser gerida por um estamento que,
neste caso, está de posse de todos os meios de administração ou ao menos suas partes mais fundamentais. Na
análise do sociólogo, o patrimonialismo inibiria a economia racional, pois o tradicionalismo não permitiria
a criação de estatutos formalmente racionais, impedindo a construção de quadros técnico de funcionários
especializados e deixando amplo espaço à vontade puramente pessoal do senhor ou do corpo administrativo
por ele escolhido dentro destes critérios tidos como contrários aos da burocracia racional-legal (WEBER,
1999, p. 152).
E         :     
  R  
Helio Cannone
888Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
outra realidade, cujo processo seria impulsionado pela economia não regulada e pela auto-
nomia da sociedade civil, governado de baixo para cima. Isso havia lhe permitido o desen-
volvimento da agricultura e da indústria:
Na Inglaterra, as coisas se passaram de outra forma, prevalecendo uma transação, selada com a
cabeça de um rei. Essa discrepância histórica seria particularmente favorável ao orescimento das
liberdades políticas e foi responsável pelo estabelecimento do parlamentarismo. A classe média
urbana, de industriais e comerciantes, aliada à aristocracia dos campos limitou, com o Parlamento,
o poder real, freando seus excessos e impulsos centralizadores (FAORO, 1958, p. 40).
Nas respectivas colônias, as distintas práticas teriam sido igualmente perpassadas aos
colonos e colonizadores. No caso português, o Brasil teria sido resultado de um transplante
do estamento burocrático, no qual as capitanias hereditárias foram entregues ao estamento
por critérios pessoais e a m de enriquecer a Coroa, sem haver sequer autonomia no culti-
vo, visto que a economia era amparada e orientada pelo Estado (FAORO, 1958, p. 52). Já
a divisão de terra, era feita por latifúndios igualmente ligados ao interesse do Estado. En-
quanto isso, na colonização dos EUA “prevaleceu, efetivamente, a iniciativa particular, sem
nenhuma sombra de agenciamento e regulamentação estatais” (FAORO, 1958, p. 53), em
regime de pequena propriedade, com autonomia local. Desse modo, os Estados Unidos são
mobilizados como exemplo bem-sucedido por ter seguido uma via de desenvolvimento libe-
ral, no qual o Estado era protetor dos interesses individuais e expressão da sociedade civil. A
economia seria desregulada e voltada para os interesses daqueles indivíduos que, por gozar
desse alto grau de liberdade também nessa esfera, prosperaram e aumentaram a riqueza da
nação como um todo.
No decorrer da história do Brasil, a mesma tônica ibérica teria permanecido, sem a
consolidação de uma cultura política liberal. A vinda da Corte com o príncipe regente
D. João teria coroado de vez o divórcio entre Estado e sociedade, quando este “ganhou o
caráter denitivo de uma carapaça” (FAORO, 1958, p. 130). Qualquer possibilidade de
formação de sociedade civil por aqui teria sido enterrada a partir daí. A sociedade perma-
neceu alheia aos negócios públicos, que eram resolvidos em gabinete e, por isso, não se
politizou. Já o Estado não se oxigenou porque era incapaz de perceber as mudanças so-
ciais. Não ocorriam eleições e cargos públicos não eram escolhidos por critério impessoal
de mérito.
A independência feita pela casa de Bragança seria mais um continuísmo com a velha
tradição lusa, e o Segundo Reinado seria o auge da centralização, com um monarca de alto
poder pessoal que governava para os seus. De modo comum ao tipo de pensamento liberal
a que aqui liamos Faoro, ele também compartilha de uma visão dicotômica da história,
reunida de um lado pelos próprios liberais e de outro por todas as formas de pensamento que
E         :     
  R  
Helio Cannone
889Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
não o eram. Em sua classicação, este outro construído tratava-se da ideologia cujo nome
mais ocorrente é centralismo:
A história brasileira é atravessada, desde Tomé de Sousa até os dias atuais, pelo choque de duas
ideologias opostas: liberalismo e centralismo, ou federalismo e unitarismo, ou democracia e
monarquia, ou autonomismo e centralismo (FAORO, 1958, p. 177 e 178).
Os movimentos de resistência liberal eram em suma os mesmos apontados por Berlinck,
como a revolta de Pernambuco e as da regência. Contudo, apesar de episódicas vitórias, o
liberalismo jamais teria triunfado entre nós, sempre tendo seus representantes ou cooptados
ou reprimidos pelo Estado. Em seus raros momentos de algum sucesso, teriam controlado
as ambições absolutistas de D. Pedro I – tal com teria buscado agir Tavares Bastos – e
conseguido depois com o Ato adicional de 1834 algum empoderamento provisório para os
municípios até a reação centralizadora do regente Araújo Lima.
Na mesma linha, para Faoro, seria um equívoco considerar a Primeira República um
regime de caráter liberal na política e na economia, tendo em vista que esta doutrina teria
progressivamente sido enfraquecida pelo estamento burocrático em nossa história, até quase
desaparecer. Em outros termos, a Primeira República não havia sido liberal de verdade. Isto
seria muito diferente do que ocorreu na Europa, onde o liberalismo econômico teria surgido
como ideia associada a outras liberdades, ao mesmo tempo que sua faceta política. Durante
a revolução industrial, o empresário formado em um espírito capitalista e racional era um
ator contra o intervencionismo estatal, porque queria garantir sua previsibilidade e seu in-
vestimento, sem a insegurança de sofrer intervenções que modicassem seu ritmo. Já nestas
terras de colonização ibérica, o liberalismo econômico teria chegado como ideia estrangeira
que encantava homens letrados, mas sem lastro na realidade. Na prática política ele seria de
pura conveniência e associado ao capital comercial que historicamente foi favorecido pelo
Estado e anexado ao estamento burocrático. Ele era, então, distinto do tipo industrialista
anglo-saxão. Daí, que na Primeira República não teria havido laissez-faire, mas favorecimen-
to dos produtores de café e outros mercados, além de políticas de interferência na emissão
monetária e no câmbio, como o encilhamento.
Nesta chave de leitura da história nacional, a revolução de 1930 não representou ruptura,
mas continuação da mesma tendência de intervenção. As autarquias econômicas criadas por
Vargas teriam o mesmo intuito de regulação material da economia. O Código de Águas é
citado como “eivado de xenofobismo” (FAORO, 1958, p. 252) que impediu o capital estran-
geiro de empreender no setor de energias de modo mais racional e eciente do que consegui-
ria o poder público. O ditador teria sido uma gura representante do Estado patrimonial,
que distribuiria favores sem obedecer às normas ou direitos existentes. Ele seria herdeiro do
modelo de gestão econômica materialmente regulada que só na aparência se assemelhava a
E         :     
  R  
Helio Cannone
890Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
um socialista moderno, porque sua ideologia verdadeira seria a do patrimonialismo e seu
interesse não poderia se confundir com o do povo. A classe média urbana e a rural permane-
ceriam vítimas do Estado patrimonial e de sua condução irracional da economia. A mesma
estrutura permanecia viva e “o liberalismo econômico e a liberdade de iniciativa têm, por
consequência, no Brasil, uma curta história. A tutela do Estado, desde D. Fernando, com
a participação do governo nas atividades econômicas, persistiu no Império e na República”
(FAORO, 1958, p. 253).
Liberalismo e desenvolvimentismo: nacionalismo pragmático e o Estado como
necessidade histórica
Na longa duração do pensamento político brasileiro, percebe-se que nacionalismo e libe-
ralismo são ideias dicilmente associadas, visto o caráter cosmopolita da segunda (LYNCH,
2013). Todavia, em um período como a República de 1946 e no inuxo da experiência desen-
volvimentista dos anos 1930, a própria ideia de nacionalismo ganha entre os liberais certa to-
nalidade cosmopolita. Como aponta Andrew Vincent (2013), o nacionalismo é uma ideologia
plástica, possível de ser preenchida de conteúdo diverso. Ao analisarmos o período aqui estu-
dado, ela pode ter feição conservadora a partir de uma visão ontológica de nação (SILVA, 1981;
VORA, 1962) ou de esquerda, seja trabalhista (RAMOS, 1963) ou comunista (SOD,
1963), associando-se a uma luta percebida como anticolonial e por um projeto de desenvolvi-
mento ligado à ideia de revolução brasileira. Nos liberais o conceito é igualmente disputado,
daí que podemos entender o envolvimento de Roberto Campos na fundação do ISEB, fato de
que ele demonstra arrependimento em texto de 1960, quando arma se tratar de “instituição
que, num momento de loucura, ajudei a criar” (CAMPOS, 1964, p. 17)
O conceito de nacionalismo pragmático aparece nominalmente em Roberto Cam-
pos (1963a, p. 195, 201; 1963b, p. 121, 128), mas também na ideia que Afonso Arinos
tem da ideologia como método mobilizador “de conseguir objetivos realmente nacionais”
( FRANCO, 2005, p. 50) dando sentido e propósito para os brasileiros. Esta percepção está
em consonância com a de Vincent (2013) sobre o nacionalismo liberal, que seria vertente
cuja armação da nação é tida forma de realizar o horizonte político do liberalismo, sinte-
tizado em torno das ideias de sociedade de mercado, democracia liberal e capitalismo. O
economista e assessor com estatuto de ministro de Juscelino Kubistcheck e um dos formu-
ladores do Plano de Metas (BIELSCHOWISKY, 2004; PEREZ, 2021), Roberto Campos
também tinha sua leitura sobre a história da modernização capitalista, embora não tenha
se ocupado de descrevê-la com a ênfase na história nacional. Diferentemente também da
leitura weberiana de Berlinck e Faoro, o autor não percebia o processo como uma ruptura
com a Idade Média. Em sua narrativa hegeliana, o capitalismo teria sido levado à frente por
E         :     
  R  
Helio Cannone
891Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
ideias-força desde as cruzadas religiosas, que reabriram o mediterrâneo. Depois, com a ex-
ploração de novos territórios na expansão marítima e, em seguida, o imperialismo do século
XIX ( CAMPOS, 1963a, p. 86-87). Roberto Campos, assim, se inscrevia com maior força
na tradição de pensamento liberal conectada a uma losoa da história (KOSELLECK,
2006). Nesta concepção linear de progresso – que na história do pensamento ocidental
podemos remeter desde Adam Smith e Immanuel Kant – o telos a ser atingido era a autono-
mia dos indivíduos e a sua liberdade. Ela se expressaria tanto na tendência ao aumento da
liberdade de criar, quanto da liberdade de não ser impedido por outros (BERLIN, 2002).8
Em uma perspectiva que dá maior protagonismo ao mercado que ao Estado no pro-
cesso, o autor aponta que no século XX o caminhar linear do progresso teria se alterado.
O capitalismo estaria em crise na sua inovação ideológica, até que o socialismo surgiu com
a ideia força da justiça distributiva. A reação antitética do capitalismo foi, então, a de criar
uma ideia-força que respondeu à eliminação da desigualdade entre os indivíduos com a di-
minuição das desigualdades econômicas entre as nações. Segundo Campos, esta ideia-força
era a de desenvolvimento. Assim, o Estado teria ganhado função de ator econômico para
além de regulador e scalizador, uma vez que dele deveria sair o planejamento que guiaria
as nações para o seu bem-estar.
Os EUA seriam para ele um caso exemplar disso, constituindo-se como liderança ocidental
na iniciativa e que auxilia com empréstimo o desenvolvimento dos demais. Era por esta via que
Roberto Campos defendia a cooperação do Brasil com o seu irmão do Norte, de modo que o
planejamento de seu processo de desenvolvimento fosse feito com auxílio de capital estrangei-
ro. No entanto, dado o nosso lugar de subdesenvolvido, não caberia uma isenção do Estado
brasileiro no processo, que deveria exercer sua função planejadora através das melhores teorias
e técnicas internacionais. Apesar do remédio ser distinto, Campos se aproxima dos demais li-
berais aqui analisados ao apontar como motivos de nosso atraso o mesmo diagnóstico de Faoro
e Berlinck, de que o grande culpado seria a colonização portuguesa: “A península ibérica cou
à margem da revolução industrial e se achava em pleno capitalismo mercantil e num semifeu-
dalismo agrário, quando a Inglaterra, a França e a Holanda se entregaram às manufaturas no
albor da Revolução Industrial” (CAMPOS, 1963b, p. 113).
Naqueles primeiros anos da República de 1946, muito diferente era a interpretação
histórica sobre a formação do mundo moderno de outro quadro udenista, Afonso Ari-
nos de Melo e Franco. Talvez este seja um dos motivos que o levaram a defender a via
8 Importante ressaltar que existe uma longa literatura de crítica a esta concepção linear de progresso e a sua
leitura liberal. Para uma leitura que percebe um suposto desencaixe entre estas ideias e a realidade socioeco-
nômica brasileira, cf. Schwarz (1992). Para uma crítica de época dos autores analisados sobre os problemas
de uma concepção de desenvolvimento que via o mercado como um m, cf. Furtado (1964). Já na literatura
internacional, para uma leitura que visa desnaturalizar a visão liberal sobre a história do capitalismo, cf. Po-
lanyi (2021). Do ponto de vista da análise das ideias, cf. Hoover (2003).
E         :     
  R  
Helio Cannone
892Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
liberal-desenvolvimentista9, com presença atuante do Estado no planejamento. Segundo
Jorge Chaloub (2015), o posicionamento da liderança do partido era mais comum tanto
na UDN quanto no liberalismo brasileiro anterior a 1964, no qual o conceito de mercado
seria periférico (CHALOUB, 2015, p. 48). Estes autores e atores políticos teriam uma vi-
são politizada da economia e, portanto, liam o processo histórico de modo que fazia jus a
esta ontologia e epistemologia. A economia política dos bacharéis da UDN – como a do
próprio Afonso Arinos, Prado Kelly e Aliomar Baleeiro – percebia a economia como um
subsistema do social que dependia da decisão política e da construção de políticas públicas
para se concretizar. Portanto, conceitos como o de mercado não tinham centralidade em
seu liberalismo (CHALOUB, 2017) e, consequentemente, não era protagonista da história
segundo Afonso Arinos.
Embora formado intelectualmente em um paradigma no qual o direito e não a economia
servia como ciência social aplicada por excelência a ser mobilizada por políticos e intelectuais
públicos (CHALOUB, 2015, LATTMAN-WELTAN, 2005), ele havia percebido a altera-
ção nas formas de explicação da realidade e de solução dos problemas. Afonso Arinos arma
isso em texto publicado no Digesto Econômico em 1953, por ocasião do centésimo número
do periódico. Ele diagnostica uma mudança de orientação dos estudos brasileiros, na qual
os temas econômicos teriam ganhado “o primeiro plano”, resultando em uma “uma nova
mentalidade econômica” brasileira, com um rigor cientíco que até então seria inédito nos
nossos estudos e em nossa historiograa (FRANCO, 1961, p. 227). O autor elogia, entre
outros, a Faculdade de Ciências Econômicas da FGV, Caio Prado Jr. e Roberto Simonsen
como expoentes deste novo paradigma. Foi dentro desta percepção que o jurista realizou
seu esforço de inserção no paradigma desenvolvimentista, aumentando o protagonismo da
questão econômica em seus textos pós-1946. Ele tenta conciliar o seu bacharelismo guiado
pelo direito com as novas interpretações econômicas da realidade que ele percebia.
Mantendo a percepção que ele já apresentava em obras anteriores (FRANCO, 1933;
1934; 1936), o bacharel da UDN concebia a história em uma chave reformista-conservadora,
com forte presença das elites10. Ao invés do mercado desregulado em uma concepção clássica
de economia (RICARDO, 1996), para Afonso Arinos de Melo Franco, os processos que
formaram o Ocidente moderno (e o Brasil dentro dele como parte periférica) foram dirigidos
politicamente por guras esclarecidas que souberam direcioná-lo para a evolução que cada
tempo exigia, os “estadistas” (LATTMAN-WELTMAN, 2005, p 60). Em suas palavras:
9 O termo não é original nosso, mas recepcionado de Jorge Chaloub (2015), que o utiliza em chave similar
para se referir ao pensamento de Roberto Campos. Segundo o autor, ele retirou o texto da autobiograa do
economista, que o usa para se referir a sua ação durante o Plano de Metas. Vericamos a referência e ela é
condizente com o texto original. Cf. Campos (1994).
10 Segundo Lattman-Weltman (2005), as elites eram guras centrais também nos discursos políticos de
Afonso Arinos enquanto parlamentar, sendo característica forte de sua visão de mundo o entendimento delas
como centrais nos processos políticos.
E         :     
  R  
Helio Cannone
893Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
“Os grandes movimentos históricos do Brasil foram, invariavelmente, controlados, orientados
e inspirados pelas elites, que souberam compreender com generosidade as necessidades popu-
lares e canalizar com sabedoria o seu desenvolvimento” (FRANCO, 2005, p. 147)
Esta interpretação é perceptível nos seus textos de história econômica do Brasil publica-
dos em Estudos e discursos (FRANCO, 1961), mas que datam desde 1946. Em um primeiro
texto da série, o jurista preocupa-se em esclarecer o leitor sobre seu ponto de partida teórico
como analista da história econômica. Ele aponta que seria preciso diferenciar o estudo que
pretende realizar com uma leitura economicista da própria história – comum em perspectiva
materialista e marxista. Ele arma que a economia é a instituição social como as outras, e,
por isso, estaria em relação à política, à sociedade e à cultura, sem ser variável explicativa de
nenhuma delas. Nos textos seguintes, Afonso Arinos se mostra coerente com seus pressupos-
tos, apontando para uma primazia do político. Para além de artigos sobre momentos de crise
e sua solução direcionada pelos quadros políticos do Império e da República, havia também
aqueles dedicados ao elogio de personagens célebres.
Diferentemente do juízo radicalmente negativo contido em Berlinck e Faoro, o jurista
considera a história brasileira como ilustrada de grandes personagens. Ao se referir aos qua-
dros que zeram a independência, ele não reproduz a visão de que se tratava de indivíduos
portadores de uma mentalidade atrasada. Eles seriam inuenciados pelas mesmas ideias
que circulavam na Europa, sem diferir de seus contemporâneos. Isto não signica que ele
não considerasse haver países mais adiantados do que outros. Para ele, a modernidade tinha
dupla paternidade: a França e a Inglaterra. Do primeiro, teriam sido legados os valores da
liberdade, cuja concepção ética e política teria servido de molde e inspiração para os de-
mais. Já da ilha britânica, veio o incremento de produtividade, o espírito de trabalho e o
avanço técnico que possibilitaram o aumento de bem-estar. O autor se considerava adepto
de ambos, em suas palavras: “Sou um liberal do século XX, isto é, um homem para quem a
concepção moderna de organização social se expressa pelo binômio “trabalho e liberdade”
(FRANCO, 1961, p. 58). Entretanto, ele compreendia o porquê de uma gura ilustre como
o Visconde de Cairu – a quem o texto em questão é dedicado – tivesse espécie de horror da
França, anal em sua época ele só teria visto a violência causada pelo país, sem ter vivido
para ver os efeitos positivos da revolução.
Embora não hesite em armar suas convicções republicanas, em texto sobre a economia
do Império, ele se demonstra aborrecido com leituras que viam em D. Pedro II um inepto
favorecedor de burocratas. O imperador seria gura culta e com habilidade política que o
permitiu catapultar na segunda metade do século XIX o desenvolvimento brasileiro. A visão
do imperador como um autoritário desinteressado para com a modernização seria falsa e pre-
cisaria ser desfeita pelos historiadores econômicos. Em sua interpretação, o apogeu do reinado
de D. Pedro II foi um dos períodos mais dinâmicos da vida econômica brasileira. Naqueles
anos haveriam se realizado obras de infraestrutura que eram demandadas para dar conta da
E         :     
  R  
Helio Cannone
894Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
mudança na estrutura social e econômica, como estradas de ferro, embarcações a vapor, telé-
grafo e iluminação a gás. No direito, igualmente o período soube processar as exigências do
tempo: criou-se a lei das sociedades, zeram-se reformas bancárias e o Código do Comércio.
Na república, sua leitura é igualmente atenta para o papel de lideranças políticas para
resolver problemas de ordem econômica. Ele enfatiza, a partir do episódio da crise cafeeira,
como o convênio de Taubaté foi um esforço acertado das elites políticas de solucionar a
questão que se impunha. Isto porque a abolição haveria feito os produtores substituírem a
mão de obra escrava por trabalhador assalariado, enquanto o país tinha alto endividamento
externo e baixo crédito. Sem a intervenção do Estado pelo Convênio, por meio de guras
que o sabiam dirigir, a crise não poderia ter sido resolvida.
Apesar de seu prestígio para com a história nacional, o udenista não foge de um diag-
nóstico do atraso. O Brasil tinha uma história meritória, mas com defeitos intrínsecos em
sua formação. Ao apontar as diferenças de nossa história para com os EUA, ele destaca não
só a diferença de clima e vegetação como importantes, mas as origens da colonização. En-
quanto os norte-americanos partiriam de um protestantismo de tonalidade capitalista, nós
vínhamos de um catolicismo ibérico que funcionou “como força paralisadora do progresso
econômico” (FRANCO, 1961, p. 89).
Em texto sobre a modernização do comércio, ele arma que até ns do século XVIII,
este setor era atrasado no Brasil, tal como o modelo português que o comandava. A abertura
dos portos realizada por D. João com a vinda da Corte teria representado a possibilidade da
moderna inuência inglesa no comércio. Com esta medida, ele teria se dinamizado e diver-
sicado sua oferta de produtos, tal como sua organização, que com o espírito anglo-saxão
passou a ter feição mais próxima do progresso capitalista. Afonso Arinos é mais moderado
e menos fatalista sobre a questão, no entanto partilha com outros liberais – como Eodoro
Berlinck e Raymundo Faoro – o raciocínio de tipo weberiano, no qual opõe uma lógica
anglo-saxã, protestante, racional e baseada no trabalho à outra, ibérica, católica, aventurei-
ra, burocrata e avessa às liberdades. Para além dos resultados econômicos, isto teria o efeito
político do caudilhismo latino-americano. Em trecho de texto de 1957 sobre sua evolução
para o parlamentarismo, isto co expresso:
A América Latina tende para a forma de governo caudilhista, que, tomada na sua essência, é
menos o sistema em que governa um caudilho, do que o regime em que predomina politicamente
a força armada. Esta é a tradição ibérica, que visivelmente se transmitiu aos Estados latinos
do Novo Mundo. Suas causas têm sido perquiridas por historiadores e sociólogos e, de resto,
pouco interessam ao presente escrito. No fundo, essas causas se integram em um complexo
de fatores. A expansão geográca luso-espanhola foi mais baseada na aventura dominadora e
estatal do que no trabalho organizado e privado, que marcou preferencialmente as colonizações
holandesa e inglesa. A preocupação das minas, posta acima da produção de bens de consumo,
E         :     
  R  
Helio Cannone
895Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
foi outro elemento de singularização da expansão ibérica, em contraste com a amenga e
saxônica. Além disso, deve-se contar com os resultados das inuências contrastantes do
protestantismo e do catolicismo. Todas essas causas convergiam para constituir, na América
ibérica, mercantilista e católica, um ambiente mais propício à criação de uma classe dominante
burocrática e militar, governando uma massa pobre e despreocupa da das liberdades individuais.
Do lado protestante, privatista e saxônico, ao contrário, cedo se revelou uma forte classe média
independente do Estado, desconada da militança, concentrada nas atividades privadas e ciosa
das suas liberdades (FRANCO, 1961, p. 186-187).
Considerações nais
No esforço de entender uma linguagem ou ideologia política, o analista encontra-se
com a problemática de ao mesmo tempo reconhecer o vocabulário e contexto linguístico
que compõe seu objeto e compreender que contextos especícos podem modicá-lo. Tal
questão foi formaliza por John Pocock (2003) como a diferença entre a langue e a parole.
Neste artigo, partimos do pressuposto da existência de uma langue, o liberalismo, mas não
com o intuito de conrmar a sua perenidade. A partir da reconstituição da parole de libe-
rais da República de 1946, buscamos compreender como o contexto pode modicar uma
ideologia, a partir de novas questões que surgem com as mudanças que ocorrem no mun-
do. A ascensão do desenvolvimentismo e da ampliação do papel do Estado na atividade
econômica empurrou os liberais a repensar este conjunto de questões, dando centralidade
a elas em suas narrativas.
A análise da interpretação histórica destes autores é objeto particularmente propício
para esta percepção. Partindo da reexão sobre o que já passou, os agentes históricos da
República de 1946 interpretavam a história a partir de questões do seu tempo, a conferin-
do de sentidos especícos. Assim, pode surgir um juízo crítico da planicação econômica
de Berlinck e Faoro, que buscam as origens deste suposto mal nas raízes ibéricas do Brasil.
Há condições igualmente para emergir um olhar elogioso do nacional-desenvolvimentis-
mo, como o de Afonso Arinos – que o vê como a continuação de uma tendência histórica
bem-sucedida – ou de Roberto Campos, que o percebe como síntese dialética necessária
àqueles tempos.
Em sua época, essas ideias se inseriram em um contexto de radicalização ideológica e
de guerra fria (SANTOS, 2003) em que estes liberais percebiam as ideias mais à esquerda
– como o trabalhismo e o comunismo – como avesso à concretização de seu modelo de de-
senvolvimento. Em 1964, todos os autores analisados neste trabalho apoiaram o golpe civil-
-militar, por mais que durante a ditadura tenham se demonstrado arrependidos, ao perceber
que aquele regime era avesso às suas doutrinas.
E         :     
  R  
Helio Cannone
896Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
Já no tempo presente, ainda existe em parte do pensamento liberal este conjunto de
leituras do processo histórico, sobretudo aquela que vê o Estado como um empecilho ao
desenvolvimento. Pegando por exemplo textos do ministro da Economia do governo Jair
Bolsonaro, Paulo Guedes (2003; 2019) percebemos uma leitura da formação brasileira como
atrasada porque boicotada pelo iberismo e pelo Estado patrimonial (GUEDES, 2003, p.
9). O Brasil só não seria uma país desenvolvido porque teria apostado em uma via estatista
equivocada (GUEDES, 2019, p. 1). Ao mesmo tempo, aparece de maneira latente uma ideia
de que o telos da história é a realização de um projeto liberal, onde o futuro é o lugar da
economia de mercado, em um padrão perceptível desde a antiguidade clássica (GUEDES,
2003, p. 3). Por mais que neste artigo enfatizemos a necessidade de entender como o con-
texto altera as ideologias, não desprezamos que existem repertórios diacrônicos. Talvez o
desao seja compreender qual é o contexto hodierno que permite que este conjunto de ideias
ainda tenha repercussão na esfera pública.
Referências
ARAÚJO, Victor Leonardo; MATTOS, Fernando Augusto Mansor de (orgs.). A economia
brasileira de Getúlio a Dilma: novas interpretações. São Paulo: Hucitec, 2020.
AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Arte Médicas, 1990.
BASTOS, Aureliano Tavares. Cartas do solitário. São Paulo: Companhia das Letras, 1975.
BAUER, Caroline Silveira; NICOLAZZI, Fernando Felizardo. O historiador e o falsário:
usos públicos do passado e alguns marcos da cultura histórica contemporânea. Varia História,
Belo Horizonte, v. 32, n. 60, p. 807-835, set./dez. 2016.
BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: HARDY, Henry; HAUSHEER, Roger
(orgs.). Estudos sobre a humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
BERLINCK, Eodoro Lincoln. Fatores adversos na formação brasileira. São Paulo: Ipsis, 1948.
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do
desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo: Hucitec,
2010.
BURKE, Edmund. Reexões sobre a revolução na França. São Paulo: Edipro, 2014.
CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.
CAMPOS, Roberto de Oliveira. A moeda, o governo e o tempo. Rio de Janeiro: APEC, 1964.
CAMPOS, Roberto de Oliveira. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro:
APEC, 1963a.
E         :     
  R  
Helio Cannone
897Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
CAMPOS, Roberto de Oliveira. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro:
APEC, 1963b.
CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. A economia política dos bacharéis udenistas. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, p. 1-18, 2017.
CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a
República de 1946. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Estudos Sociais e
Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Rio de
Janeiro; Porto Alegre; São Paulo: Globo, 1958.
FERES JR., João. De Cambridge para o mundo, historicamente: revendo a contribuição
metodológica de Quentin Skinner. DADOS Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.
48, n. 3, p. 655-680, 2005.
FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização no Império: o debate entre
Tavares Bastos e visconde de Uruguai. São Paulo: 34, 1999.
FONSECA, Pedro César Dutra; SALOMÃO, Ivan Colangelo. O sentido histórico do
desenvolvimentismo e sua atualidade. Revista de Economia Contemporânea, n. esp., p. 1-20,
2017.
FONSECA, Pedro César Dutra. Desenvolvimento: a construção do conceito. Texto para
Discussão, Rio de Janeiro, IPEA, n. 2103, jul. 2015.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Evolução da crise brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks,
2005.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Estudos e discursos. São Paulo: Comercial, 1961.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1936.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Preparação ao nacionalismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1934.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Introdução à realidade brasileira. Rio de Janeiro:
Schmidt, 1933.
FREEDEN, Michael. Ideologies and Political eory: a Conceptual Approach. Nova York:
Oxford University Press, 2006.
FURTADO, Celso. A Pré-Revolução Brasileira. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962.
FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
GUEDES, Paulo. Discurso de posse como ministro da Economia, durante cerimônia de
transmissão do cargo. 2 jan. 2018. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2019/01/
Discurso-Paulo-Guedes-1.pdf . Acesso em: 19 ago. 2022.
E         :     
  R  
Helio Cannone
898Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
GUEDES, Paulo. A síndrome de Judas Escariotes. Blog No Calor das Ideias, 2003. Disponível
em: http://nocalordasideias.com.br/2019/04/22/paulo-guedes/. Acesso em: 19 ago. 2022.
HOOVER, Keneth R. Economics as Ideology: Keynes, Laski, Hayek, and the Creation of
Contemporary Politics. Oxford: Rowman & Litltleeld, 2003.
JASMIN, Marcelo. A viagem redonda de Raymundo Faoro. In: ROCHA, João César de
Castro (org.). Nenhum Brasil existe. Rio de Janeiro: Topbooks; Eduerj, 2003. p. 357-366.
JUDT, Tony. Pós-guerra: uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva,
2007.
KOSELLECK, Reinnhart; MEIER, Chrisrtian; GUNTHER, Horst; ENGELS, Odilo. O
conceito de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
KOSELLECK, Reinnhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006.
KHUM, omas S. A estrutura das revoluções cientícas. São Paulo: Perspectiva, 2017.
LATTMAN-WELTMAN, Fernando. A política domesticada: Afonso Arinos e o colapso da
democracia em 1964. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.
LEOPOLDI, Maria Antonieta Parahyba. A economia política do primeiro governo Vargas
(1930-1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: DELGADO, Lucília
de Almeidas Neves; FERREIRA, Jorge (orgs.) O Brasil republicano: o tempo do nacional-
estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 241-286.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Nada de NOVO sob o sol: teoria e prática do neoliberalismo
brasileiro. Insight Inteligência, Rio de Janeiro, ed. 91, out./dez. 2021.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Cartograa do pensamento político brasileiro: conceito,
história, abordagens. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 19, p. 75-119, jan./
abr. 2016.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Por que pensamento e não teoria? A imaginação político-
social brasileira e o fantasma da condição periférica. DADOS – Revista de Ciências Sociais,
Rio de Janeiro, v. 56, n. 4, p. 727-766, 2013.
MARRECA, Pedro Paiva. Teoria política e nacionalismo periférico na obra de Hélio Jaguaribe,
Alberto Guerreiro Ramos e Celso Furtado: epistemologia, história e política (1953-1964). Tese
(Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, 2020.
OLIVEIRA, Rodrigo Perez. A mobilização das tópicas do pensamento social brasileiro na
historiograa comercial consumida no Brasil em tempos de crise democrática (2013-2020).
Tempo e Argumento, v. 13, p. 204, 2021.
PEREZ, Reginaldo Teixeira. A sociologia de Roberto Campos e a construção de uma ordem
liberal no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, p. 1-27, 2021.
E         :     
  R  
Helio Cannone
899Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
POCOCK, John Greville Agard. Linguagens do ideário político. São Paulo: Edusp, 2003.
POCOCK, John Greville Agard. e Reconstruction of Discourse: Towards the
Historiography of Political ought. Comparative Literature, v. 96, n. 5, p. 959-980, dez.
1981.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens políticas e econômicas de nossa época.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2021.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Mito e verdade da revolução brasileira. Rio de Janeiro: Zahar,
1963.
RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O cálculo do conito: estabilidade e crise na política
brasileira. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Ed. UFMG; Iuperj, 2003.
SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política nacional o poder executivo & Geopolítica do
Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
SILVA, Ricardo. Uma ditadura contra a república: política econômica e poder político em
Roberto Campos. Revista Sociologia Política, Curitiba, n. 27, p. 157-170, nov. 2006.
SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) – Instituto de Filosoa e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
1998.
SKINNER, Quentin. Meaning and Understanding in the History of Ideas. History and
eory, v. 8, n. 1, p. 3-53, 1969.
SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à revolução brasileira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1963.
SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. In: SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as
batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas
Cidades, 1992.
TÁVORA, Juarez. Uma política de desenvolvimento para o Brasil. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1962.
VIANNA, Luiz Werneck. Raymundo Faoro e a difícil busca do moderno no país da
modernização. In: BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Um enigma chamado
Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de
Janeiro: Revan, 1997.
VIEIRA, Lidiane Rezende. Dilemas da condição periférica: formação dos estados argentino,
brasileiro e chileno. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Estudos Sociais e
Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2021.
E         :     
  R  
Helio Cannone
900Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, p. 876-900, set./dez. 2023 | ww w.revistatopoi.org
VINCENT, Andrew. Modern Political Ideologies. Chichester: Blackwell Publishing, 2010.
VINCENT, Andrew. Nationalism. In: FREEDEN, M. et al. e Oxford Handbook of
Political Ideologies. Oxford: Oxford University Press, 2013.
WEBER, Max.A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo:Companhia das
Letras, 2004.
WEBER, Max. Economia e sociedade, v. 1. Brasília: UNB, 1999.
ResearchGate has not been able to resolve any citations for this publication.
Article
Full-text available
O objetivo deste artigo é examinar as interpretações do Brasil desenvolvidas nos livros que, evocando a identidade genérica historiográfica, encontraram grande sucesso no mercado editorial nesses anos de crise democrática. A hipótese do trabalho sugere que estes textos mobilizaram topos interpretativos produzidos pelos autores que aprendemos a chamar de “intérpretes do Brasil”, que ao longo do século XX tentaram inventariar as causas do atraso brasileiro em ensaios de sínteses da história nacional. Ao final do texto, especulo a possibilidade de esses best-sellers da historiografia comercial terem colaborado para modular comportamentos políticos na sociedade civil na conjuntura da crise democrática ainda em curso no Brasil. Palavras-chave: Pensamento social brasileiro; Signo do atraso; Historiografia comercial; Crise democrática.
Article
Full-text available
Resumo: Este artigo tem como objeto o ideário social do diplomata, economista e político Roberto Campos (1917-2001). Com assumido viés ensaístico, e tendo-se como principal norte metodológico a análise conceitual, pretende-se tecer o entrecho desta peça textual indagando-se sobre o caráter da Sociologia desse ideólogo. Fundamenta-se esta escritura em face (i) da distância entre o notório relevo público e o (até agora) quase desprezo acadêmico-universitário conferidos a esse intelectual; (ii) de Campos ser reconhecido antes como um pensador do Estado. A resposta à indagação que preside o enredo deste artigo deverá auxiliar no esclarecimento: (i) de seus juízos - quiçá uniformes em toda a sua trajetória - sobre os elementos constituintes da sociedade brasileira, com destaque aos mecanismos conducentes, ou limitadores, à sua incorporação de uma ordem liberal burguesa; (ii) da exegese que busca descerrar as vestes ideológicas dos dois principais projetos que mobilizaram os economistas desde a metade do século XX no Brasil - o desenvolvimentista e o liberal (vertente econômica).
Article
Full-text available
A publicação recente de Linguagens do Ideário Político, uma coletâ-nea de textos de J.G.A. Pocock (2003), tornou disponível pela pri-meira vez em língua portuguesa parte da contribuição desse autor ao debate metodológico sobre a história do pensamento político. É inte-ressante notar que, enquanto esses textos chegam agora ao leitor brasi-leiro, contribuições metodológicas mais centrais à metodologia histo-ricista, da qual Pocock esposa, ainda não foram traduzidas para o por-tuguês. Refiro-me aqui, principalmente, aos trabalhos de Quentin Skinner e também a outras contribuições que procuraram, de alguma maneira, elucidar aspectos metodológicos daquela que foi posterior-mente rebatizada pelo próprio Skinner de abordagem collingwoodia-na 1 ao estudo da história do pensamento político (Skinner, 2001). Essa lacuna se torna ainda mais significativa se considerarmos que os prin-cipais trabalhos historiográficos do autor já foram traduzidos (idem, 1996a; 1996b), e que seus escritos, assim como os de Pocock, integram os programas de cursos de história, teoria política e filosofia política por todo o país.
Article
Full-text available
The article presents the historical formation of the Brazilian developmentalism and discusses its relevance for the Brazilian economy. Therefore, recovers its origins, showing that results from the confluence of interventionists, nationalists and in defense of industrialization ideas that coalesced in the last quarter of the nineteenth century, during the agro-export period. Then, from the developmentalist concept it argues that this as a historical phenomenon, able to adapt itself to the changes in the Brazilian economy during the twentieth century, not being restricted to the import substitution industrialization period. Thus, we conclude that today’s challenge is its update face to the economic changes in recent decades, particularly with regard to deindustrialization. KEYWORDS: developmentalism; Brazilian industrialization; Brazilian economy in the 21st century
Article
Full-text available
This essay proposes a reflection on different approaches of the uses of the past through two distinct episodes: the controversy involving the Catalan historian, Enric Marco Battle, in the first decade of the twenty-first century, in Spain; and the public intervention of the Brazilian historian, Marco Antonio Villa, on civil-military dictatorship, in Brazil. We discuss issues related to the contemporary historical culture, above all, to the study of traumatic past, including the testimony, the truth and truthiness of historical narratives, the uses and abuses of the past. The argument focuses on the idea that, beyond the issues of epistemological order, the subject of public uses of the history has led historians to think on their own practice, considering the social function and its political consequences. Therefore, the narratives and interpretations of the past can be located in a frontier zone, whose limits are not fully perceptible, between the forger's labor and the historian's craft.
Article
Full-text available
O artigo propõe um mapa da área acadêmica de estudos do pensamento político brasileiro (PPB) no âmbito da ciência política brasileira. Na primeira seção, o trabalho explica as razões da sua indeterminação terminológica e indaga seus significados conceituais como objeto e disciplina. Como objeto, em sentido lato, o PPB alude ao conjunto de ideologias de que a cultura política do Brasil é composta, apresentadas em um estilo de escrita "periférico". De um ponto vista estrito, o PPB se refere aos "clássicos" de nossa teoria ou ciência política, escritos antes da institucionalização universitária na década de 1970. Na última seção, considera-se o pensamento político como disciplina universitária dedicada ao estudo da história das ideias políticas no Brasil, descrevendo-se seu desenvolvimento, suas interpretações, seus pesquisadores mais notáveis e seus principais grupos de pesquisa: o mannheimiano, o lukacsiano e o gramsciano. O artigo conclui sugerindo o estreitamento das relações entre PPB e teoria política geral.