ArticlePDF Available

Contexto ibero-americano da enfermagem: construindo e compartilhando conhecimento

Authors:
1
Rev Bras Enferm. 2024;77(1): e770101https://doi.org/10.1590/0034-7167.2024770101pt 3
de
EDITORIAL
VERSÃO ON-LINE ISSN: 1984-0446
À Associação de Enfermagem Comunitária (AEC) e à
Associação Latino-Americana de Escolas e Faculdades de
Enfermagem (ALADEFE), por sua contribuição na
construção do conhecimento de enfermagem.
“La realidad será lo que seamos capaces de construir”
“Dispara, yo ya estoy muerto” (2013), Julia Navarro*
Na próxima semana, acontecerão dois grandes eventos científicos em
Madri e Granada (Espanha). Serão atividades internacionais, específicas e de
forma muito especial, embora não exclusivas do campo ibero-americano,
organizadas e desenvolvidas por duas sociedades científicas de enfermagem
muito importantes, como a Associação de Enfermagem Comunitária (AEC)
e a Associação Latino-Americana de Escolas e Faculdades de Enfermagem
(ALADEFE), com implementação e influência internacional.
A AEC, com quase 35 anos de evolução, celebra aquele que será o seu VII
Congresso Internacional com o lema Vulnerabilidade e Saúde Comunitária:
uma nova era para os determinantes da saúde como parte dos seus princípios
com a saúde da comunidade, das famílias e das pessoas a quem presta cui-
dados. Nessa ocasião, centra especial atenção na resposta às necessidades
de cuidados das populações vulneradas e vulneráveis, ao mesmo tempo que
analisa e reflete sobre a importante influência exercida pelos determinantes
de saúde. Sem entrar em detalhes sobre os diferentes aspectos que serão
abordados nas mesas, no workshops, colóquios, que compõem o Congresso,
merece destaque a importância de realizar uma abordagem abrangente,
integrada e integrativa da saúde como a que é realizada e que envolve uma
perspectiva de enfermagem que, além disso, é compartilhada com outras
perspectivas disciplinares para tentar identificar as necessidades que essas
comunidades têm, mas também propor quais podem ou devem ser as res-
postas que, como enfermeiros, lhes damos em um contexto que transcende
o local ou o nacional, para se estender globalmente à esfera ibero-americana.
A ALADEFE, por sua vez, com uma história semelhante à da AEC, de 37 anos,
propõe como tema da sua XVII Conferência Ibero-Americana de Educação
em Enfermagem: Pesquisa em Educação em Enfermagem: construindo um
contexto ibero-americano para o cuidado às pessoas. Nesse caso, os enfermei
-
ros levantam a necessidade de debater o que e como deve ser a formação
dos futuros enfermeiros, em uma perspectiva global que permita também
a construção de um contexto de enfermagem ibero-americano que atenda
às necessidades de cuidados dos indivíduos, das famílias e da comunidade
a partir de uma perspectiva de transculturalidade, transdisciplinaridade e
transsetorialidade que facilita abordagens centradas nas pessoas.
Em relação à coincidência temporal (na semana de 23 a 28 de outubro)
e espacial (Espanha), considero fundamental unir a complementaridade
* Jornalista e escritor espanhol (1953)
Contexto ibero-americano da enfermagem:
construindo e compartilhando conhecimento
José Ramón Martínez-RieraI
ORCID: 0000-0002-4926-6622
I Universidad de Alicante, Professor Titular Departamento
de Enfermagem Comunitária, Medicina Preventiva e Saúde
Pública e História da Ciência. Alicante, Espanha.
Como citar este artigo:
Martínez-Riera JR. Ibero-American nursing context:
constructing and sharing knowledge.
Rev Bras Enferm.2024(1):e770101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167.2024770101pt
Autor Correspondente:
José Ramón Martínez Riera
E-mail: jr.martinez@ua.es
2
Rev Bras Enferm. 2024;77(1): e770101 3
de
Contexto ibero-americano da enfermagem: construindo e compartilhando conhecimento
Martínez-Riera JR.
que ambas as abordagens científicas fazem, de uma realidade
que exige respostas rigorosas, próximas, eficazes e eficientes,
como aquelas que os enfermeiros ibero-americanos, compro-
metidos com a sua profissão, mas de forma muito especial com
a sociedade e o seu direito a uma saúde digna e acessível, estão
dispostos e são capazes de propor e contribuir.
A configuração de um mapa de conferências, congressos,
conferências, simpósios deve ser vista e assumida como uma
oportunidade e uma força na construção do conhecimento,
compartilhando experiências, vivências, evidências, e não apenas
mais um caminho de fazer turismo, tal como acontece com outras
vertentes como a gastronômica, a cultural, a enológica. Os eventos
científicos devem constituir uma decisão ponderada e transcen-
dente de quem os organiza, identificando e levantando questões
atuais e de interesse profissional, disciplinar e científico que, em
cada momento, são mais relevantes e prioritárias, realizados com
rigor e inovação, bem como de quem decidem optar por um ou
outro para reforçar o seu desenvolvimento científico profissional,
não só com a sua assistência, mas também com o compromisso
de realizar uma participação ativa e real no seu âmbito.
A nossa contribuição para a saúde dos indivíduos, das famí-
lias e da comunidade vai muito além da prestação sistemática,
padronizada ou rotineira de cuidados da aplicação de técnicas
diagnósticas, terapêuticas ou exploratórias, da gestão de recursos
ou cuidados ou do ensino de enfermagem. Como enfermeiros
e, portanto, profissionais de uma ciência e de uma disciplina,
independentemente da área em que atuamos como tal, temos a
obrigação moral, ética e estética de fazê-lo com o mais estrito rigor
científico que garanta a prestação de cuidados, ensino ou gestão
dos mesmos com a qualidade que merecem e devem ser oferecidas
às pessoas com quem interagimos, seja na saúde ou na doença,
no centro de saúde ou no hospital, na escola ou no trabalho, em
casa ou na comunidade onde estão integrados para promover ou
manter a sua saúde, prevenir ou cuidar da sua doença, promover a
sua recuperação e integração ou acompanhá-los no luto.
Isso significa que temos que adquirir o compromisso de nos
envolvermos na nossa formação permanente, contínua e conti-
nuada ao longo da vida. Pensar que se pode atuar como enfer-
meiro simplesmente por ter um diploma que o credencia como
tal é um erro imenso e uma atitude inaceitável e irresponsável.
O diploma universitário qualifica você oficialmente para atuar
como enfermeiro, mas ser e sentir-se enfermeiro, com tudo o
que isso significa, vai muito além de ter capacidade legal para o
fazer. Representa uma responsabilidade profissional, científica,
social e humana que devemos assumir e, assim, manter-nos
sempre ativos.
Com base no que foi dito, a participação em atividades cientí-
ficas profissionais deve ser identificada como parte fundamental
do nosso desenvolvimento. Aprender, apreender e compartilhar
conhecimentos é inerente ao ser, sentir e agir como enfermeiro.
Não o fazer é uma fraude à profissão e à sociedade, que confia
na nossa atitude e aptidão para prestar cuidados profissionais
de qualidade.
Nesse sentido, é paradoxal que se proponha, como está sen-
do feito, a necessidade de aumentar o número de cursos que
constituem o curso de enfermagem, ou o número de anos de
formação nas especialidades. Porque essa abordagem esbarra no
lamentável fato de, independentemente da duração dos estudos
ou da formação especializada, não conseguirmos identificar,
respeitar e promover a experiência e as competências adqui-
ridas, fazendo-os apenas com base na antiguidade no cargo e
ignorando o envolvimento e compromisso individual para se
manter sempre atualizado, dinâmico e adaptado à evolução
científico-profissional e social. Continuar mantendo a crença
e a atitude, falsamente solidária, de que um enfermeiro tem a
mesma capacidade de resposta, conhecimento ou rigor, ou a
mesma capacidade de lidar com os complexos problemas de
saúde que enfrenta diariamente, independentemente de poder
provar essa capacidade ou conhecimento, apenas em virtude de
ser enfermeiro, leva-nos a uma deterioração coletiva do nosso
desenvolvimento e posterior reconhecimento acadêmico, pro-
fissional ou científico. Não se trata de estabelecer hierarquias,
mas sim de tentar justificar que somos todos iguais pelo fato de
termos um diploma ou pelo número de anos necessários para
o obter. É essencialmente uma absoluta falta de maturidade
profissional e científica que exige uma mudança imediata de
atitude que permita lançar as bases da enfermagem. Se quisermos,
claro, ter o respeito e a consideração da comunidade científica e
profissional e da sociedade como um todo, devemos considerar
seriamente amadurecer e atingir o nível que nos corresponde
como ciência e disciplina. O contrário leva-nos inevitavelmente
à mediocridade e à inconsequência que, logicamente, não são
combatidas com o choro infrutífero do lamento vitimista(1-2).
Portanto, e para além das considerações temporais de dura-
ção dos estudos ou formação especializada, o que devemos ter
presente é a necessidade imperiosa de analisar os conteúdos
que compõem os atuais planos de estudo para identificar se
eles realmente respondem às atuais necessidades e demandas
de cuidados ou, pelo contrário, obedecem a critérios de oportu-
nidade relacionados às demandas dos sistemas de saúde que se
constituem como os principais empregadores de enfermeiros.
Não podemos continuar a permitir que a formação de futuros
enfermeiros seja sequestrada por interesses que se afastam do
verdadeiro objetivo, ao qual, como enfermeiros, devemos atender.
Ou seja, devem ser respondidas as dinâmicas sociais que regulam
a procura de cuidados com base em determinantes de saúde,
ativos de saúde ou objetivos de desenvolvimento sustentável
(ODS), que devem ser identificados e valorizados na dimensão
que representam e na qual, sem dúvida, o enfermeiro tem a
obrigação de dar um contributo singular, específico e autônomo
a partir do trabalho transdisciplinar. Não fazer isso contribui para
alimentar e perpetuar o atual modelo medicalizado baseado no
bem-estar social e fragmentado e assumir um papel subsidiário
em que o cuidado é relegado à esfera doméstica de onde não
é visível, nem reconhecível, nem valorizado, não atendendo às
necessidades da população.
Tudo isso significa que a coincidência dessas duas atividades
científicas a serem realizadas na próxima semana adquire um
significado que vai além da sua celebração, configurando-se
uma referência fundamental que não só lhes confere grande
potencial de construção de conhecimento, mas também com-
plementam suas abordagens, objetivos e desafios futuros para
compartilhá-los e poder empreender essa construção necessária
do contexto ibero-americano da enfermagem.
3
Rev Bras Enferm. 2024;77(1): e770101 3
de
Contexto ibero-americano da enfermagem: construindo e compartilhando conhecimento
Martínez-Riera JR.
Embora seja verdade que a sobreposição de datas inviabiliza,
nesse caso, a desejável ubiquidade que nos permitiria estar em
ambos os espaços ao mesmo tempo, não é menos verdade que as
conclusões alcançadas em ambos os eventos devem ser comparti
-
lhadas para enriquecer a contribuição final da AEC e da ALADEFE.
A construção do conhecimento de enfermagem deve contri-
buir para o amadurecimento necessário do enfermeiro - e não
da enfermagem, embora logicamente seja alimentado pelas
suas contribuições -, compartilhando-o, pois não é propriedade
exclusiva de ninguém. Somente através da generosidade ao
compartilhar conhecimentos poderemos construir um contexto
tão desejável e necessário como o contexto da enfermagem
ibero-americana. Da formação ao cuidado direto, passando por
gestão e pesquisas que possibilitem a visibilidade e valorização
do cuidado profissional de enfermagem como forma de sustentar
nosso referencial científico-profissional e alcançar o respeito que
merecem com a oferta de qualidade, carinho e humanidade que
nós enfermeiros oferecemos.
A AEC e a ALADEFE nos oferecem um cenário favorável para a
construção do contexto ibero-americano da enfermagem. Agora
cabe ao enfermeiro saber aproveitá-la para exercer uma liderança
transformadora que assuma a responsabilidade necessária, sendo
criativo, inovador, proativo, assertivo, arriscado, otimista e lutador
por uma sociedade melhor. Deve-se valorizar o contributo da
enfermagem no cuidado profissional; formar enfermeiros para
a comunidade; identificar e valorizar uma área de competência
própria e autônoma que leve em conta os aspectos do cuidar
na, com e para a comunidade, assumindo a responsabilidade
pelas nossas competências; gerar espaços saudáveis, acompa-
nhando as pessoas, as famílias e a comunidade para alcançar o
seu empoderamento em um processo compartilhado de criação
de saúde; articular os recursos comunitários, identificando as
necessidades de cuidados sentidas; promover a autonomia e
o autocuidado; colocar o foco da atenção nas pessoas e na sua
saúde, promovendo a participação ativa da comunidade no
desenvolvimento de competências para a vida; promover a mu-
dança de comportamentos e hábitos saudáveis; e transformar o
sistema de saúde em uma perspectiva salutogênica, respeitando
a transculturalidade, favorecendo a transsetorialidade e traba-
lhando transdisciplinarmente(3).
A identificação das diferenças nos ambientes que compõem
o contexto ibero-americano da enfermagem deve ser vista como
uma oportunidade de enriquecimento e nunca como um obs-
táculo à sua construção.
Por sua vez, a AEC e a ALADEFE, em conjunto com outras
sociedades científicas, organizações ou representantes profissio-
nais, devem promover espaços de análise, reflexão e construção
coletiva do conhecimento em enfermagem para compartilhá-lo
e possibilitar o progresso, que nos permite agir com decisão,
firmeza e segurança, apoiado no nosso próprio conhecimento
que, necessariamente, deve ser compartilhado com os de outras
disciplinas e com os da própria sociedade, que deve participar
na tomada de decisões sobre a sua saúde.
Parabéns à AEC e à ALADEFE, pelo trabalho, esforço e fé no que
deveria ser uma referência internacional no cuidado profissional,
e ao CONTEXTO IBERO-AMERICANO DE ENFERMAGEM.
REFERÊNCIAS
1. Benner P. Using the Dreyfus model of skill acquisition to describe and interpret skill acquisition and clinical judgment in nursing practice
and education. Bull Am Soc Inf Sci. 2004;24(3):188-99. https://doi.org/10.1177/0270467604265061
2. Benner P, Tanner C, Chelsa C. Expertise in nursing practice: caring, clinical judgment and ethics. 2.ed. N.York: Springer; 2009. https://doi.
org/10.1891/9780826125453
3. Martínez-Riera JR. La importancia Trans. Blog Enferm Comun. 2023 http://efyc.jrmartinezriera.com/2023/10/12/la-importancia-trans/
Article
Descrever a sistemática empregada no compartilhamento de conhecimentos com colaboradores recém-admitidos em um hospital universitário público de grande porte, no momento da admissão. Trata-se de um relato de experiência que aborda práticas de recepção e acolhimento implementadas desde maio de 2022 até o período atual. Observou-se que a estratégia de compartilhamento, desenvolvida em um espaço singular denominado Estação do Conhecimento Florence Nightingale, favorece não apenas o acolhimento inicial dos recém-admitidos, mas também promove a integração entre equipes, o fortalecimento do senso de pertencimento institucional, a comunicação interpessoal e a disseminação de boas práticas em saúde e Enfermagem. Essa abordagem tem contribuído significativamente para a familiarização com instrumentos institucionais, a segurança do paciente e a melhoria de indicadores de qualidade assistencial. A Estação do Conhecimento Florence Nightingale configura-se como uma iniciativa ambiciosa e inovadora, que tem demonstrado êxito na materialização de seus objetivos. Por meio dela, a qualidade do cuidado de Enfermagem alcança novos e promissores patamares, de modo a reforçar o compromisso com a excelência na assistência à saúde.
Article
Full-text available
Three studies using the Dreyfus model of skill acquisition were conducted over a period of 21 years. Nurses with a range of experience and reported skill-fulness were interviewed. Each study used nurses’ narrative accounts of actual clinical situations. A subsample of participants were observed and interviewed at work. These studies extend the understanding of the Dreyfus model to complex, underdetermined, and fast-paced practices. The skill of involvement and the development of moral agency are linked with the development of expertise, and change as the practitioner becomes more skillful. Nurses who had some difficulty with understanding the ends of practice and difficulty with their skills of interpersonal and problem engagement did not progress to the level of expertise. Taken together, these studies demonstrate the usefulness of the Dreyfus model for understanding the learning needs and styles of learning at different levels of skill acquisition.
La importancia Trans
  • Martínez-Riera JR
Expertise in nursing practice: caring, clinical judgment and ethics. 2
  • P Benner
  • C Tanner
  • C Chelsa
Benner P, Tanner C, Chelsa C. Expertise in nursing practice: caring, clinical judgment and ethics. 2.ed. N.York: Springer; 2009. https://doi. org/10.1891/9780826125453
  • J R Martínez-Riera
Martínez-Riera JR. La importancia Trans. Blog Enferm Comun. 2023 http://efyc.jrmartinezriera.com/2023/10/12/la-importancia-trans/