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Cognitivismo neoliberal e o trabalho de usuário no Design de UX

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Abstract

Este trabalho dá continuidade às pesquisas que buscam preencher uma lacuna nos estudos críticos e transdisciplinares sobre as implicações político-econômicas e psicossociais do design de UX. Para isso, a partir de uma revisão de literatura integrativa, elaboramos elementos para uma crítica imanente das teorias, técnicas e tecnologias deste campo. Encontramos antigas crenças acerca da redução da ontologia do ser social às leis da natureza enquanto uma argumentação para nossa cognição falível, o que justificaria a criação de arquiteturas de contextos, decisões e atividades para os usuários de mercadorias digitais. Utilizando a própria literatura de base do design de UX (ciências cognitivas, interação humano-computador e marketing), demonstramos o caráter ideológico e pouco científico desses pressupostos, bem como o seu papel mediador para a cooperação compulsória dos usuários na produção de dados digitais. A partir das teorias sócio-históricas da subjetividade, concluímos (1) que essas determinações são "encriptografadas" pelo design de UX, fazendo as tecnologias digitais, seu trabalho e seu intelecto geral aparecerem na forma fetichizada de mercadorias digitais; e (2) que isso exige ações políticas organizadas para a regulação democrática deste mercado
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, e6580, novembro 2023.
https://doi.org/10.18617/liinc.v19i2.6580
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ARTIGO
Cognitivismo neoliberal e o trabalho de usuário no
Design de UX
Neoli beral cognitivism and user work in UX desi gn
Luís Henrique do Nascimento Gonçalves a, *
RESUMO: Este trabalho dá continuidade às pesquisas que buscam preencher uma lacuna nos estudos
críticos e transdisciplinares sobre as implicações político-econômicas e psicossociais do design de UX. Para
isso, a partir de uma revisão de literatura integrativa, elaboramos elementos para uma crítica imanente
das teorias, técnicas e tecnologias deste campo. Encontramos antigas crenças acerca da redução da
ontologia do ser social às leis da natureza enquanto uma argumentação para nossa cognição falível, o que
justificaria a criação de arquiteturas de contextos, decisões e atividades para os usuários de mercadorias
digitais. Utilizando a própria literatura de base do design de UX (ciências cognitivas, interação humano-
computador e marketing), demonstramos o caráter ideológico e pouco científico desses pressupostos,
bem como o seu papel mediador para a cooperação compulsória dos usuários na produção de dados
digitais. A partir das teorias sócio-históricas da subjetividade, concluímos (1) que essas determinações são
"encriptografadas" pelo design de UX, fazendo as tecnologias digitais, seu trabalho e seu intelecto geral
aparecerem na forma fetichizada de mercadorias digitais; e (2) que isso exige ações políticas organizadas
para a regulação democrática deste mercado.
Palavras-chave: Design de UX; Trabalho de Usuário; Modelo do Gancho; Fetiche da Mercadoria.
ABSTRACT: This work continues the research that aims to fill a gap in critical and transdisciplinary studies
regarding the political-economic and psychosocial implications of UX design. To achieve this, based on an
integrative literature review, we have developed elements for an immanent critique of the theories,
techniques, and technologies within this field. We have identified long-standing beliefs about reducing the
ontology of social being to the laws of nature as an argument for our fallible cognition, which would justify
the creation of architectures for contexts, decisions, and activities for users of digital commodities.
Utilizing the foundational literature of UX design (cognitive sciences, human-computer interaction, and
marketing), we have demonstrated the ideological and unscientific nature of these assumptions, as well
as their mediating role in compelling users' cooperation in the production of digital data. Drawing from
socio-historical theories of subjectivity, we conclude that (1) these determinations are "encrypted" by UX
design, causing digital technologies, their labor, and their general intellect to appear in the fetishized form
of digital commodities; and (2) this necessitates organized political actions for the democratic regulation
of this market.
Keywords: UX Design; User Work; Hook Model; Commodity Fetish.
a Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
* Correspondência para/Correspondence to: Luís Henrique do Nascimento Gonçalves. E-mail:
luishng72@gmail.com.
Recebido em/Received: 14/08/2023; Aprovado em/Approved: 22/11/2023.
Artigo publicado em acesso aberto sob licença CC BY 4.0 Internacional
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INTRODUÇÃO
Uma característica das máquinas cibernéticas é a necessidade de explicitação do seu
estado imediato de funcionamento (temperatura, energia, falhas etc.) para que seus
operadores continuamente possam tomar novas decisões de comando e controle
(Wiener 1970). Com o crescente desenvolvimento e generalização das máquinas
cibernéticas de computação durante o século XX, mais elementos de interface entre
elas e seus operadores se tornaram necessários, o que fez surgir na década de 1950 os
primeiros estudos da Interação Humano-Computador (IHC) (Carroll 1997).
Ainda que o uso de qualquer máquina ou ferramenta dependa da subjetivação do seu
modelo de funcionamento pelo seu operador (Vigotsky 2004; Norman 2008), a
natureza da interação humano-computador aumenta objetiva e subjetivamente a
complexidade desse processo. Por causa desta característica, “as primeiras
abordagens teóricas utilizadas para investigar fenômenos de IHC nasceram na
psicologia” (Barbosa et al. 2021, p. 50). Exemplos dessas abordagens para “modelar e
prever o desempenho humano” (Barbosa et al. op. cit., p. 45) são as leis de Hick-Hyman
(para o tempo de reação de escolha) e a lei de Fitts (para a capacidade de
processamento de informação do sistema motor humano). Exemplos como estes
localizam a IHC no interior da tradição da indústria capitalista voltada para o aumento
da produtividade do trabalho (Marx 2013; Taylor 2004). Na verdade, "ao se obter
concorrencialmente uma média de tempo para certas operações em função de limites
cognitivos e fisiológicos" (Gonçalves 2023 p. 230), as ciências do comportamento são
instadas a criar "modelos, leis, arquiteturas de decisão, interfaces e seus estímulos"
(op. cit., p. 230) capazes de aumentar essa produtividade.
Adicionalmente, certas implicações do período neoliberal da crise estrutural do
capitalismo (Mészáros 2020) vão participar dessas modelagens do desempenho
humano. Dentre aquelas que determinam mais fortemente nosso debate, há o caráter
financeirizado do capitalismo (Harvey 2012), em especial em sua forma plataformizada
(Srnicek 2019); que tal financeirização forja, por um lado, a contenção do relativo
Estado de bem-estar social (Collington 2021) e, por outro a sua crescente substituição
pelo solucionismo tecnológico das big techs (Morozov 2018); que o contínuo hiper-
consumo (Mészáros 2002) conjuga-se ao aumento do usufruto de valores de uso
através de serviços (em contraste com a posse de mercadorias) (Fontenelle e Oliveira
2000; Santos 2013); o que adiciona à acumulação capitalista tanto a renda
informacional (Dantas 2019), quanto a mercantilização de registros interpretativos de
atividades humanas os dados digitais enquanto valores de uso para essa
acumulação (Cukier e Mayer-Schoenberger 2013; Sadowski 2019).
O encontro entre essas determinações, suas contradições e a disseminação das TIC nas
esferas do consumo, da individuação e da sociabilidade produziu novas
transformações na IHC durante o século XXI. Com elas, as aplicações práticas deste
campo passam a ser mais conhecidas pelo amplo conceito de design de UX (user
experience) (Carroll 2013). Nesta passagem, as teorias psicológicas de IHC
diversificaram-se em relação aos paradigmas do homo economicus (Simon 1955),
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arrastando ainda mais a experiência do usuário para dentro das contradições do
complexo da alienação capitalista. Sob este complexo, a atividade, sua experiência, sua
significação e valoração são ainda mais estruturadas pela forma-mercadoria e o fetiche
da mercadoria respectivamente, fenômenos psicossociais nos quais os produtos do
trabalho existem contraditoriamente enquanto utilidade e capital, e onde os poderes
de humanização são transferidos do trabalho para os seus próprios produtos (Marx
2013). Em termos práticos, no design de UX, a interação humano-computador torna-se
em última instância um recurso de marketing, tanto no sentido comercial (Shapiro e
Varian 1999), quanto no ideológico (Zuboff 2021; Ward 2022).
Tudo isso se desdobra em um complexo teórico, técnico e tecnológico que chamamos
de cognitivismo neoliberal (Gonçalves 2023), que buscaremos descriptografar aqui em
seus aspectos mais essenciais. Assim, além desta Introdução, esta crítica imanente a
partir de uma revisão de literatura integrativa se divide em quatro seções, além da
Conclusão. Na primeira seção, discutiremos o reducionismo ontológico, o pressuposto
filosófico fundamental do trabalho coagido (Cotrim, 2008) e do cognitivismo
neoliberal. Na segunda seção, detalhamos o complexo do cognitivismo neoliberal,
onde o ser social é apresentado como limitado cognitivamente por vieses (Kahneman
2014), previsivelmente irracional (Ariely 2008) e dependente do paternalismo libertário
(Thaler e Sunstein 2003) de governos e big techs para transcender essas fraquezas. Na
terceira seção, descrevemos o padrão-ouro do design de UX, onde todos esses
pressupostos são aplicados, o chamado Modelo do Gancho (Eyal 2014). Nele, somos
habituados a consumir mercadorias digitais
1
para evitarmos a dor e alcançarmos o
prazer a partir de um ciclo de estímulos e recompensas com efeitos psicossociais,
neuroquímicos e político-econômicos. A quarta seção examina o estágio final do
Modelo do Gancho, o trabalho de usuário. Para isso, descreveremos sinteticamente
como hardwares e softwares transformam a atividade de consumo em atividade de
produção de dados digitais, bem como demonstraremos que este trabalho é a
contrapartida para o usufruto de mercadorias e serviços digitais "gratuitos" o que
consideramos aqui como uma falsa troca simples (Marx 2011).
Por fim, na Conclusão, amarraremos todos os pontos desta discussão, argumentando
que, ao nos pôr a fazer algo que não faríamos de outra forma, o design de UX: (1)
contribui para o trabalho de produção de dados necessários ao aumento do fluxo de
acumulação de capitais e da velocidade da sua circulação; e (2) pode ter como
mediações e resultados certos fenômenos como a desinformação, o extremismo
político, a exposição excessiva na internet, além de sofrimentos psicossociais como
ansiedade e solidão.
1
Para fins de simplificação, “‘Mercadoria’ aqui será empregada no sentido dos objetos (físicos ou não)
ofertados no mercado e apropriados mediante sua compra (ex: dispositivos médicos digitais), e
[também] à forma do usufruto do produto mediante prestação de serviço (ex: IA embarcada em
dispositivos médicos). Nestes casos, o produto e seus efeitos seguem existindo sob a forma-mercadoria
(simultaneamente enquanto utilidade e capital)” e sob seu fetiche (GONÇALVES et al., 2022). Nestes
termos, mercadoria digital abarca aqui dispositivos, softwares/aplicativos, pacotes de dados e afins.
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REDUCIONISMO ONTOLÓGICO E COOPERAÇÃO
Uma antiga polêmica na Filosofia da Ciência refere-se à hipótese de que as leis sociais
podem ser reduzidas às leis da biologia (Skinner 1974) e/ou da física (Castellano,
Fortunato e Loreto 2009). De certa maneira, ao criar a cibernética, Wiener (1970)
unifica essas teorias com sua hipótese da homeostase social. Nela, (1) dado que toda a
matéria tende a entropia; (2) que as entidades biológicas buscam retardá-la através da
homeostase; (3) e se a sociedade é um conjunto de entidades biológicas, (4) logo
vivemos em um estado de homeostase social. Isto é, o ser social tende à conservação
do seu estado anterior e, para transcender esse looping e ter a capacidade de
transformação, Wiener (op. cit.) propõe uma cibernética social. Aqui, uma classe de
agentes autodeclarados isentos e racionais cientistas, Estados e mercados aparta-
se da sociedade para poder guiá-la melhor do que ela faria democraticamente (Conte
et al. 2012; Pentland 2012).
Segundo o paleoantropólogo Steve Mithen (2002), a pré-história dessas relações
sociais de comando e controle surgiu há 12 mil anos quando, para fins instrumentais,
deu-se nossa fluidez cognitiva. Isto é, quando passamos a correlacionar objetiva e
subjetivamente diferentes esferas da vida natural e social. Na principal dessas
correlações, se “(...) os objetos físicos podem ser manipulados a vontade para
qualquer propósito que se deseja”, cria-se “(...) a possibilidade de aplicar esse tipo de
pensamento às pessoas” (Mithen op. cit., p. 322). Já para o filósofo Alfred Sohn-Rethel
(1978), essas relações sociais e as teorias supracitadas posteriormente amadurecem
com o florescimento da filosofia grega, que justificava e instruía o modo de produção
escravocrata e a separação entre o trabalho manual e o intelectual.
Em todos esses casos, a questão de fundo é que o reducionismo ontológico raças,
patriarcado, classes e, como veremos, também o usuário tende a atuar como uma
dimensão subjetiva da realidade que busca mediar a cooperação coagida nas sociedades
da apropriação sem trabalho (Sohn-Rethel, 1978; Farias 2022). Ou seja, as sociedades da
cooperação compulsória de uma classe social para a produção de excedentes
apropriados privadamente por outra classe. Este é um ponto importante, pois se é
através da produção e usufruto de riquezas sociais que se realiza a humanização
2
(Marx
2004), a possibilidade do domínio do trabalho alheio permite uma espécie de super-
humanização (Gonçalves 2023). Isto é, o surgimento de necessidades, classes e modos
de produção especiais e exclusivos que, em diferentes formas sócio-históricas,
dependem da transversão do ser em um objeto mediador (Aristóteles 2003; Heller
1976).
Assim, do escravagismo ao assalariamento, a co-ação para a apropriação sem trabalho
o reducionismo ontológico objetivado não depende apenas da sua imposição pela
violência. Ela também exige uma superestrutura (leis jurídicas ou científicas,
propriedade intelectual, desinformação etc.) que a naturalize, legitime e organize
2
Por humanização nos referimos ao processo de criação da realidade social. Como já argumentamos
(Gonçalves 2023, p. 66), a humanização é posta "historicamente pelos seres sociais seja na arte ou na
guerra, na civilidade antiga ou na barbárie atual".
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(Gramsci 2017). Por tudo isso, a co-operação é um tema de interesse de diversos
autores. Foucault (1994, p. 1604) chama de governamentalidade “(...) o encontro entre
as técnicas de dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si”. Lukács (2013,
p. 62) vai adiante, referindo-se a essa possibilidade como “ação sobre outros homens”,
uma “(...) tentativa de induzir outra pessoa (ou grupo de pessoas) a realizar, por sua
parte, pores teleológicos concretos” quase sempre na forma de riquezas sociais. E,
como fundamento de sua cibernética social, Wiener (1970) vai chamar esse tipo de
comando e controle de "o uso humano de seres humanos".
Mas é o psicólogo soviético Lev Vigotsky (2004) quem identifica a mediação fundante
para as formas superiores da cooperação e da consciência, as "ferramentas
psicológicas". Isto é, os objetos artificiais (apito de fábrica, post it, data centers,
notificações do WhatsApp ou do Waze
3
) através dos quais somos lembrados, por nós
ou pelos outros, do que deve ser feito, podendo assim controlar nosso próprio
comportamento ou o alheio (Vigotsky, op. cit.).
A partir de toda essa discussão, chamamos a atenção para o fato de que, enquanto um
tipo de ferramenta psicológica, a IHC/design de UX permite que o usuário por sua
própria orientação ("Ok, Google"
4
) ou pela de outros (Trello
5
) (co)opere por meio da
interface dos computadores como no caso das affordances
6
e suas promessas,
solicitações, exigências, incentivos, desencorajamentos, recusas ou permissões (Davis
2020).
COGNITIVISMO NEOLIBERAL
No complexo de eventos entorno da crise de acumulação capitalista (Harvey 2011), da
sua resposta neoliberal e do avanço da computação e da neurociência (Malabou 2009),
alguns cientistas comportamentais fizeram um upgrade nas definições do
reducionismo ontológico e do uso humano de seres humanos que chamamos aqui de
cognitivismo neoliberal (Gonçalves 2023). Ao descobrirem tardiamente que o conceito
de indivíduo racional era idealista (Simon, 1955; Ariely 2008), eles propuseram que, na
verdade: (1) o ser social é um mônada falível e limitado cognitivamente, porque ele
frequentemente faz escolhas baseadas em heurísticas não-racionais e/ou emocionais
3
"Waze é uma aplicação para dispositivos móveis, baseada na navegação por GPS e que contém
informações de usuários e detalhes sobre rotas, dependendo da localização do dispositivo portátil na
rede". Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Waze#cite_note-1. Acesso: 8 ago. 2023.
4
"Ok, Google" é o comando de voz que aciona o Google Assistente, que “(...) está disponível em mais
de 90 países e em mais de 30 idiomas e é usado por mais de 500 milhões de usuários mensalmente”.
Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Google_Assistant>. Acesso em: 22 fev. 2022.
5
"O Trello é a ferramenta de gerenciamento de trabalho em que os times podem criar planos, colaborar
em projetos, organizar fluxos de trabalho e acompanhar o progresso com visualização, produtividade e
gratificação". Fonte: https://trello.com/about. Acesso: 8 ago. 2023.
6
Affordances são as “(...) propriedades percebidas e reais de um objeto, principalmente as fundamentais
que determinam de que maneira o objeto poderia ser usado” (NORMAN, 2008, p. 34). Davis (2020) cita
como exemplo a interface do Tinder, na qual deslizar fotos de pessoas para um lado ou para o outro é a
affordance pela qual as rejeitamos ou cortejamos.
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os vieses cognitivos , seja por preguiça, pressa ou para poupar esforço mental
(Kahneman 2012); (2) ele assim o faz porque, em última instância, seu comportamento
é guiado pela busca do prazer e a evitação da dor (Eyal 2014; Kahneman op. cit.); e (3),
ainda, o ser social é previsivelmente irracional
7
(Ariely 2008), pois tanto os vieses
quanto os contextos em que eles são eliciados existiriam de forma relativamente
padronizada, de modo que poderiam tanto ser previstos, quanto preditos.
Herdeiros das crenças ontorreducionistas, esses cientistas se propuseram, de
diferentes formas, a desenvolver teorias, técnicas e tecnologias alegadamente
capazes de identificar “fontes de mudança sejam elas inovações de negócios,
tendências sociais, crises econômicas ou convulsões políticas” (George, Haas e
Pentland 2014, p. 323). A partir dessa visão autodeclarada racional, "de fora" e do
"outro" (Zuboff 2021), esses cientistas e seus financiadores buscariam "sintonizar"
(Pentland 2012) ou "linearizar" (Wiener 1978) o comportamento de indivíduos e
populações "para o bem de todos".
O cognitivismo neoliberal chama essa abordagem de paternalismo libertário (Thaler e
Sunstein 2003; 2018). Isto é, o direito e o poder social de cientistas, Estados e mercados
pré-organizarem o repertório possível de atividades, escolhas e seus contextos de
modo que indivíduos e populações sejam estimulados e guiados às melhores escolhas
(segundo eles), sem que outras alternativas sejam vedadas. São notórios e anedóticos
os exemplos desse paternalismo, como colocar alimentos saudáveis em primeiro plano
e não saudáveis em segundo plano numa lanchonete (Thaler e Sunstein 2019).
Dentre outras formas, o paternalismo libertário se torna realidade no design de UX a
partir de outros dois conceitos. Em primeiro lugar, segundo Thaler e Sunstein (2018),
na medida em que todos somos um pouco Homer Simpsons, precisamos de Dr. Spocks
que selecionem e hierarquizem nossos fluxos de decisões através de pressões, nudges
(empurrõezinhos) e recompensas mais ou menos sutis, para nosso próprio bem a
chamada arquitetura de escolhas (Thaler, Sunstein e Balz 2013).
Em segundo lugar, essa influência pode ser exercida por dentro dessa arquitetura
manipulando-se os Sistemas 1 e 2 do nosso cérebro (Kahneman, 2012). Extrapolados da
Teoria do Sistema Dual (Samson e Voyer, 2012), os sistemas 1 e 2 seriam,
respectivamente, a parte da nossa mente que toma decisões rápidas e heurísticas,
principalmente como forma de economia de energia, enquanto que com o sistema 2
tomamos decisões mais racionais e embasadas, mas mais trabalhosas (Kahneman, op.
cit.). Dessa forma, se os paternalistas libertários nos apresentarem as "melhores"
escolhas contornando nosso sistema 2 e direcionando-as para o sistema 1, aumentaria-
se a probabilidade de nós adotarmos esse comportamento previamente idealizado
7
Kahneman (2012) ainda afirma que somos cegos a este fato e dá como exemplo o experimento
(Simons; Chabris 1999) onde os participantes foram orientados a contar em uma filmagem o número de
passes entre jogadores de basquete apenas de um time e não de outro. Ocorre que, distraídos pela
tarefa, 70% dos participantes não perceberam que, durante o vídeo, uma pessoa fantasiada de gorila
caminhou entre os jogadores, denotando a nossa incapacidade racional e cognitiva de perceber
elementos da realidade. Retornaremos a esse exemplo para concluir este tópico.
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(Nodder 2013; Ward et al. 2017; Ward 2022) como se engajar, comprar ou acreditar
em algo.
Ocorre que há alguns problemas com o castelo teórico do cognitivismo neoliberal e da
sua matriz, o reducionismo ontológico. Em primeiro lugar, quando um entregador de
aplicativos passa fome enquanto sua mochila está farta de nutrientes
8
, demonstra-se
justamente como uma lei social (a propriedade privada) pode superar e negar uma lei
da natureza (a homeostase). Em segundo lugar, Vieira Pinto (2002) corrige Wiener ao
lembrar que, na verdade, não somos meramente homeostáticos, mas sim
heterostáticos, pois negamos nossa entropia de forma peculiar, transformando a
natureza e nos transformando na história através das relações sociais de criação e
distribuição e das suas contradições. E, em terceiro lugar, quando outros cientistas
tentam reproduzir os experimentos que deram origem a algumas dessas teorias,
frequentemente os resultados não se replicam a chamada crise de replicação (Yarkoni
2020). Ironicamente, como parte dessa crise, o fato dessas teorias reunirem tantas
evidências a seu favor deveria-se justamente a um viés o de publicação no qual,
como apenas os experimentos bem-sucedidos são publicados, a imagem real da sua
replicabilidade fica distorcida (Francis 2012).
Além disso, como explicam as próprias ciências cognitivas: o cognitivismo neoliberal
"carece de precisão, refinamento e progresso em nível teórico” (Fiedler e Sydow 2015);
é particularmente eficaz quando reitera "características e motivações psicológicas
únicas das pessoas (...)”, de forma que “(...) o que convence uma pessoa a se
comportar da maneira desejada pode não fazê-lo para outra” (Matz et al. 2017, p. 2); e
o p-hacking o recurso estatístico que lhes permite validar a generalidade de uma
amostragem "(...) não é tão confiável nem tão objetivo quanto a maioria dos
cientistas supõe” (Nuzzo 2014, p. 150).
Mas o cognitivismo neoliberal tem ainda dois aspectos apontados pelas ciências
cognitivas e a neurociência que têm implicações estruturantes para o tema que
queremos caracterizar neste trabalho a relação entre a cooperação compulsória e o
design de UX das mercadorias digitais. Por um lado, segundo a revisão de Eysenck e
Keane (2017, p. 563), "o uso do sistema 1 e do sistema 2 depende mais de como a
informação é apresentada (p. ex., breve ou longamente) do que de seu conteúdo".
Por outro lado, além da forma, o grande e rápido volume de informações, solicitações
e recompensas emitidas por essas mercadorias (Carr 2020) podem provocar o
fenômeno neuropsicológico da distração epistêmica (Miller 1970). Ela, torna mais difícil
“(...) integrar associações entre muitas experiências diferentes para detectar
estruturas comuns” que “(...) formam abstrações, princípios gerais, conceitos e
simbolismos" necessários para objetivos estruturantes (Miller op. cit., p. 603). Isso, por
8
“Você sabe quanto é tortura um motoboy com fome tendo que carregar comida nas costas?”.
Depoimento do entregador por aplicativos Paulo Galo em 21/3/2020. Disponível em:
<https://youtu.be/UqLNJmg_gzE>. Acesso em: 11 abr. 2022.
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sua vez, pode favorecer alternativas de escolhas ricas em afeto, soluções simples,
concessões de atributos e a maior incidência de vieses cognitivos (Ward et al. op. cit.).
Esse conjunto de achados das próprias ciências cognitivas nos sugerem duas
conclusões iniciais. (1) Seriam a arquitetura de escolhas e o tipo de fluxo informacional
(rápido ou devagar, atencional ou distrator) que podem exigir uma ou outra estratégia
gnosiológica por parte dos indivíduos, e não meramente a pré-existência de sistemas
cognitivos velozes (sistema 1) e preguiçosos (sistema 2). (2) Com isso, em certos casos,
ao invés de estarmos sujeitos por natureza a errarmos em nossos julgamentos, seriam
as estruturas projetadas pelo cognitivismo neoliberal que buscariam evocar a
ocorrência dessas falhas o que pode implicar, por exemplo, no aceite de condições
abusivas e intrusivas em troca do direito de usar mercadorias digitais, especialmente
as "gratuitas" (como veremos a seguir). Assim, o cognitivismo neoliberal revela-se mais
como uma ciência da influência do comportamento do que uma ciência capaz de
compreendê-lo e prevê-lo em condições não-controladas. Ou, a partir do exemplo da
nota 7, esta não é a ciência que explica porque não vemos o gorila na quadra de
basquete, mas sim a ciência de esconder o gorila o neoliberalismo.
MODELO DO GANCHO
A necessidade de o capitalismo obter cada vez mais cooperação e consumo, junto com
a possibilidade deles serem obtidos com a ajuda de formas arbitrárias de apresentação
da realidade, das atividades e escolhas no uso de mercadorias digitais, criam um
mercado específico para essa finalidade o design de UX. Nesse mercado, aqueles que
chamamos de desenvolvedores designers, programadores, psicólogos, engenheiros,
marqueteiros, advogados e investidores capitalistas (Gonçalves 2023), concorrem
entre si para aplicar as abordagens acima descritas nos mais de 2,5 milhões de
aplicativos disponíveis em lojas virtuais
9
para os quase 5 bilhões de usuários de
internet, num mercado onde apenas os maiores players faturaram cerca de US$ 1,41
trilhão
10
em 2021.
O padrão-ouro dessas psicotecnologias é o Modelo do Gancho (Bentes 2022),
desenvolvido pelo psicólogo, designer e investidor Nir Eyal (2014). Segundo o modelo,
a melhor forma de obter clientes de modo duradouro é os habituar a evitar a dor e
buscar o prazer através do uso de suas mercadorias digitais (Eyal op. cit.; Krug 2006).
Para isso, primeiramente os desenvolvedores investem na proliferação de gatilhos, isto
é, de estímulos relacionáveis principalmente a necessidades psicológicas (tédio,
aceitação, medo, solidão etc.), de modo que sua ocorrência provoque desconforto no
usuário. Como explica o designer de UX Chris Nodder (2013, p. 79), "deixe as pessoas
9
Segundo o site businessofapps.com há cerca de 2,56 milhões aplicativos disponíveis no mundo
acessíveis pela Apple Store ou Google Play Store. Disponível em:
<https://www.businessofapps.com/data/app-statistics/>. Acesso em: 09 mar. 2022.
10
Soma do faturamento global das empresas Apple, Alphabet, Meta, Amazon, Jingdong e Alibaba.
Fonte: FORTUNE (2022). GLOBAL 500. Disponível em: https://fortune.com/global500/2021/. Acessado em:
3/12/2022.
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com medo e mostre a elas como remover esse medo usando seu produto". Este não é
um fenômeno novo, mas, agora, a administração desses gatilhos ocorre de forma
algorítmica, massiva e instantânea graças à crescente monopolização das mediações
sociometabólicas (trabalho, saúde, entretenimento etc.) pelas plataformas digitais
(Wu 2017; Zuboff 2021; Ward 2022).
Como segundo passo do Gancho, vem a disponibilização imediata de uma ação, o “(...)
comportamento feito em antecipação a uma recompensa” (Eyal 2014, p. 10). Tanto o
gatilho como a ação são fenômenos psicossociais, sociotécnicos mas também
neuroquímicos. Por exemplo, se a escassez de engajamento em minhas postagens
num grupo de Whatsapp (em combinação com a profusão de curtidas num perfil
alheio) atuam como um gatilho de baixa aceitação social, o desconforto psicossocial
daí produzido corresponde a uma queda disfuncional na produção de dopamina, o
neurotransmissor da motivação (Lembke 2021). Neste momento, os desenvolvedores
devem apresentar uma ação rápida e simples que coloque o usuário na direção do
prazer, o que aumenta a produção de dopamina (Eyal op. cit.) por exemplo,
compartilhar um link sobre prevenção e cura caseira para a COVID durante a
pandemia
11
, como uma tentativa de obter popularidade (Altay et al. 2022).
O terceiro passo do Modelo do Gancho é a recompensa variável. Ela tem esse nome
porque essa variabilidade (ganhar mais engajamento hoje e menos ou nenhum
amanhã) aumenta a produção de dopamina, motivando ainda mais o usuário a buscar
melhor sorte na repetição do uso da mercadoria (Schüll 2012). Entretanto, como
explica Eyal (2014, p. 19), o objetivo aqui não é saciar a necessidade do usuário.
Na realidade, a experiência da qual estamos falando é mais
semelhante a uma "coceira", uma sensação que se manifesta
na mente e causa desconforto até que seja satisfeita. Os
produtos formadores de hábito que usamos existem
simplesmente para fornecer algum tipo de alívio.
Assim, tal como situamos na Introdução, as mercadorias digitais se tornam uma
confusa combinação entre necessidades percebidas ou sugeridas, utilidades legítimas
e recursos psicotecnológicos da acumulação capitalista.
TRABALHO DE USUÁRIO E A FALSA TROCA SIMPLES
O último passo do Modelo do Gancho é o investimento. Depois de ser habituado ao
consumo de uma mercadoria digital, esta é a fase onde "o usuário faz um pouco de
trabalho” ao colocar “algo de valor no sistema”, como “tempo, dados, esforço, capital
social ou dinheiro” (Eyal 2014, p. 11). Mas a qual tipo de trabalho Nir Eyal está se
referindo?
11
Segundo Galhardi et al. (2020), esse foi o teor de 85% das notícias falsas sobre a COVID compartilhadas
no WhatsApp, Facebook e Instagram (17 de março a 10 de abril de 2020).
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, e6580, novembro 2023.
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Este é um tema com muitas sutilezas e descaminhos, o que nos exige alguns passos
atrás para tentar compreendê-lo mais adequadamente. Primeiro, é interessante rever
a categoria do trabalho em sua forma simples (Marx 2013), ou seja, a atividade (manual
e intelectual), previamente idealizada, que produz objetos físicos ou não
(smartphones, dados etc.) ou efeitos úteis (audiência publicitária, hesitação vacinal
12
etc.). Nestes termos, independente do grau de consciência do ser social (Lukács 2013),
sua atividade é trabalho toda vez que ela envolver um meio de produção que, seja qual
for a sua forma,
(...) tiver a capacidade técnica e científica de determinar a atividade
humana a ser realizada; se puder ser ativado pela e absorver a força
de trabalho objetivando neste processo um resultado previamente
idealizado que transforma objetos em outros objetos (...)
(Gonçalves e Furtado 2021, p. 187)
Conforme seguimos "descriptografando" as mercadorias digitais, descobrimos que,
por um lado, o design de UX, as arquiteturas de escolhas e suas “coçadas” gramatizam
as expressões dos usuários de modo a inscrever os produtos dessas atividades em
unidades muito formalizadas (Gerlitz; Reider 2018) para "viabilizar seu armazenamento
e intercâmbio na lógica da datificação, além de induzir mediações algorítmicas
baseadas em métricas de engajamento” (D'Andréa, 2020, p. 50).
Por outro lado, ao observarmos a maquinaria por trás dessas interfaces, descobrimos
que, dentre outros componentes, ela é composta por hardwares como sensores,
memória RAM, GPS, processadores e IA, além de softwares como SDK, API, cookies,
scripts, trackers
13
. Conectados entre si, esses componentes interpretam e registram
tanto os dados inseridos pelo usuário em suas atividades de consumo, quanto a
telemetria, localização, movimento e posição, temperatura, frequência cardíaca,
gestos, comportamento do toque e da voz do usuário, dentre outros, durante este
mesmo processo
14
.
Em diferentes formatos, todos esses dados são formalizados e empacotados dentro
dos dispositivos e enviados para data centers de empresas como a Alphabet em média
40 vezes por hora (Leith 2021). Lá, eles são combinados por IA e outros algoritmos com
outros dados, muitas vezes com o objetivo de produzir padrões probabilísticos que
podem ser correlacionados a indivíduos e populações (Pentland 2012). Grosso modo,
esses padrões têm dois principais valores de uso: (1) eles podem retroagir sobre a
12
Segundo Roozenbeek et al. (2020, p. 12), "a suscetibilidade à desinformação pode ser um fator
significativo para influenciar (...) o aumento da hesitação vacinal podendo reduzir as taxas de vacinação
e comprometer a imunidade do rebanho".
13
Tracker “[...] é um software cuja tarefa é coletar informações sobre a pessoa que usa o aplicativo,
como ela o usa ou sobre o smartphone que está sendo usado. (...) SDK (Software Development Kit), é
uma espécie de kit de ferramentas pronto, com o objetivo de facilitar a vida dos desenvolvedores de
aplicativos”. Disponível em: <https://reports.exodus-privacy .eu.org/en/info/trackers/>. Acesso em: 21
mai. 2021. Logs são registros em formato texto, da sequência cronológica de certas ocorrências num
software. Cookies são pacotes de dados (ex: senhas gravadas, itens adicionados no carrinho de compras
etc.), registrados por um site no navegador do usuário quando este o visita.
14
Fonte: Google, 2019. DIsponível em: <https://developer.android.com/guide/topics/sensors
/sensors_overview?hl=pt-br>. Acessado em: 26/7/2023.
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, e6580, novembro 2023.
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mercadoria e seu design de UX em geral, em busca da redução de atritos de
navegação e no incremento da satisfação do usuário (nos termos dos
desenvolvedores) (Norman 2008; Zuboff 2021); (2) e também são úteis, em última
instância, para a tomada de decisão de agentes capitalistas em busca da redução dos
custos e do aumento da velocidade e volume de circulação de seus capitais como
investidores de risco, seguradoras, operadoras de saúde, bancos, indústria, comércio
etc. (Srnicek 2017; Dantas 2019; Sadowski 2019).
Por último, muitas vezes os valores de uso das mercadorias digitais "gratuitas"
15
sejam eles do estômago (uma pizza no Ifood) ou da imaginação (likes no TikTok)
podem ser usufruídos pelos usuários sob algum tipo de equivalência com a sua
produção de dados
16
. Nestes casos, por exemplo a satisfação de necessidades de
pertencimento social pode depender da quantidade e qualidade das atividades de
exposição do usuário em redes sociais (Facebook 2020). Aqui pode ocorrer o que, a
partir de Marx (2011), chamamos de uma falsa troca simples que juridicamente
assentimos quando clicamos em "concordo" nos Termos de Uso das mercadorias
digitais, em especial as "gratuitas". Por exemplo, segundo os Termos do Facebook,
para que possa usufruir deste software de propriedade da Meta, você lhes concede
uma licença "(...) para hospedar, usar, distribuir, modificar, veicular, copiar, executar
publicamente ou exibir, traduzir e criar trabalhos derivados de seu conteúdo (...).
(Facebook 2020, grifos nossos).
Feita a caracterização do trabalho em sua forma simples, e a partir das
contextualizações subsequentes, podemos olhar agora para algumas das muitas
características do trabalho em sua forma capitalista concreta. Por certo, Marx (2013)
deu destaque àquela mais importante, que é a sua capacidade de gerar mais-valor, o
trabalho produtivo para o capital e não-pago ao trabalhador. Em contraste, ele
descreveu como trabalho não produtivo aquele que não gera mais-valor. Dentre as
muitas possibilidades desta última forma, o trabalho ainda se torna útil para o capital
quando ele atua na reprodução das condições do trabalho produtivo. Por exemplo,
este é o caso do trabalho de comércio e marketing, que busca a transformação do valor
desde a sua forma-mercadoria até sua forma-dinheiro (Marx 1978). Assim,
considerando por exemplo o caráter concorrencial da valorização de capitais, certas
formas de trabalho improdutivo não apenas são úteis, como também cada vez mais
necessárias para o circuito de produção e acumulação capitalista (Antunes 2018).
Nestes termos, ao juntarmos esta característica do trabalho capitalista não produtivo
com a citada troca que fazemos com o Facebook, parafraseamos Marx (2011) para
sugerir que, para o usuário, a finalidade desta troca "(...) é o objeto imediato da
15
Segundo o site statista.com, em dezembro de 2021, 97% dos aplicativos do Google Play Store eram
gratuitos. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/266211/ distribution-of-free-and-paid -
android-apps/>. Acesso em: 09 mar. 2022.
16
Em contraste, em alguns casos, segundo o navegador Brave, ao usar seus recursos de bloqueio de
produção de dados, “(...) os sites quebram se o código relacionado ao rastreamento for bloqueado. Isso
pode ser resultado de uma escolha intencional por parte dos desenvolvedores do site ou um efeito
colateral não intencional de outras escolhas”. Disponível em: <https://brave.com/privacy-updates/1-web-
resource-replacements/>. Acesso em: 21 out. 2022.
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necessidade, não o valor de troca enquanto tal” (Marx op. cit., p. 352). Tal
apresentação pode fazer com que o usuário então se encontre “(...) nessa troca como
igual frente ao capitalista, (...) ao menos de acordo com a aparência” (Marx op. cit., p.
352). Isso porque, ao olharmos com mais atenção para esta troca a permissão para a
apropriação da atividade gramatizada do usuário que gera dados digitais em troca da
satisfação de sua necessidade , o capitalista pode, em certas situações, na verdade
estar recebendo o próprio trabalho do usuário enquanto "força reprodutiva do capital,
uma força pertencente ao próprio capital” (Marx op. cit., p. 338).
Uma outra característica do trabalho sob o capitalismo é que, geralmente, ele é
fragmentado em “operações parciais e mutuamente complementares”, onde "muitos
indivíduos trabalham de modo planejado uns ao lado dos outros e em conjunto, no
mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes porém
conexos” (Marx 2013, p. 498). Então, olhando para as atividades de consumo dos 4,9
bilhões de usuários de internet
17
em interação com os citados componentes presentes
em nossos 6,5 bilhões de smartphones
18
, elas poderão se configurar num conjunto de
ações parcializadas (um log, um post, 15 minutos de corrida com o Nike Run Club
19
);
intermitentes (abrindo o WhatsApp cerca de 25 vezes por dia
20
); intensivas (cerca de 7
horas por dia
21
); massivas (4,2 bilhões de curtidas no Instagram por dia
22
);
complexamente cooperadas (milhões de usuários coproduzindo o mesmo perfil
psicométrico).
Quando juntamos as peças desse quebra-cabeças, percebemos que (1) as atividades
sociometabólicas encontram-se cada vez mais convertidas em atividades de consumo
digital que, entretanto, não se realizam exclusivamente pelas trocas convencionais
entre o valor na forma-dinheiro e seu equivalente na forma-mercadoria. (2) Na
realidade, tal metamorfose põe essas novas mediações sociometabólicas enquanto
"rotas de suprimento" não exatamente de dados como supõe Zuboff (2021) , mas
da atividade humana de produzi-los, já que muitas vezes eles não existem previamente
para serem apenas cedidos. (3) Todo esse complexo processo pode estar nos
colocando diante de uma nova e estranha morfologia do trabalho capitalista que
precisa ser melhor compreendida.
Ao fim de toda essa discussão, podemos olhar novamente para o investimento ou o
“engajamento não solicitado” (Eyal 2014, p. 104) do usuário de mercadorias digitais
"gratuitas". Agora podemos perceber que os usuários “(...) não apenas agregam valor
17
Digital 2022: Global Overview Report (2022). Disponível em: <https://datareportal.com/ reports/digital-
2022-global-overview-report>. Acesso em: 20 dez. 2022.
18
Fonte: <https://statista.com/statistics/330695/number-of-smartphone-users-worldwide/>. Acesso em: 13
mar. 2022.
19
Nike Run Club é um aplicativo de gerenciamento de corridas da Nike com mais de 1 milhão de usuários.
20
Fonte: <https://www.digitalmarketing.org/blog/how-much-time-does-the-average-person- spend-on-
social-media>. Acesso em: 11 mar. 2022.
21
Idem nota 18.
22
Fonte: <https://siteefy.com/instagram-statistics/>. Acesso em: 11 mar. 2022.
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, e6580, novembro 2023.
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no final do processo; eles são ‘um recurso operante’ (...), ‘um parceiro colaborativo
que cocria valor com a empresa’” (Humphreys; Grayson 2008, p. 5-6); e “(...) a moderna
subsunção da força de trabalho subjetiva tem seu reverso na intensificação da
dimensão produtiva do consumidor final” (Cava 2018, p. 747). Por tudo isso, o trabalho
de usuário "integra assim um conjunto de fenômenos que chamamos de diluição do
trabalho pela diversificação e intensificação de práticas de consumo" (Gonçalves 2023, p.
136).
CONCLUSÃO O FETICHE DAS MÁQUINAS AUTOMÁGICAS
Neste trabalho, o design de UX revelou-se nos próprios termos de seus
desenvolvedores estruturado em teorias psicológicas que insistem em reduzir a
ontologia do ser social como justificativa para a cooperação compulsória na produção
de dados em troca de uma suposta “(...) existência em harmonia com as exigências da
acumulação” (Boltanski; Chiapello 2009, p. 43) mediada por mercadorias digitais.
Mas, por assim dizer, falta ainda um último "token" para terminarmos de
"descriptografar" o funcionamento dessa estranha maquinaria. Na medida em que a
realidade humano-social existe biunivocamente na objetividade e na subjetividade
(Marx e Engels 2007; Lukács 2013; Mészáros 2012; Furtado 2011; Bock e Gonçalves
2009), a compreensão adequada do seu funcionamento, depende de captarmos tal
dialética. Isto é, além das abordagens cognitivistas e neurocientíficas brevemente
descritas, há outras leis e fenômenos da dimensão subjetiva da realidade que precisam
ser consideradas para compreendermos como e por que participamos dos circuitos
político-econômicos do capitalismo de plataformas.
Nos referimos aos dois elementos superestruturais (intersubjetivos) indicados na
Introdução, a forma-mercadoria e o fetiche da mercadoria. No primeiro caso, o fato de
que o produto do trabalho precisa realizar um valor de uso e, ao mesmo tempo, ser o
corpo para uma abstração real o valor (Sohn-Rethel 1978; Marx 2013), faz com que
esta última qualidade não interfira e domine forma e conteúdo da produção.
"Possuído" desde o início por esta abstração real, o produto tem uma materialidade
social (existência e função) que é, também, invisível, impalpável, não controlável pelo
produtor-consumidor (como no caso do entregador de aplicativo faminto) e, por isso,
pouco compreendida por ele, agindo mesmo de forma misteriosa. Isso força a
subjetividade do ser social a buscar e criar sentido em representações igualmente
confusas e contraditórias do produto e das relações em seu entorno. Estas
representações não não captam todas as suas implicações como as ilusionam,
erodindo a capacidade do ser social de externalizar sua personalidade na sua produção
e de enriquecê-la no seu consumo (Marx 2004; 2011; 2013; Heller 1976).
No caso do fetiche da mercadoria, o fato de que: (1) os fatores de produção (incluindo
a força de trabalho) aparecem como dados e alheios ao produtor (Marx 1978); e (2)
que a citada interdição da externalização na produção e o direcionamento ao consumo
fazem com que o processo real seja subjetivado de modo invertido (Furtado e
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, e6580, novembro 2023.
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Svartman 2009). A saber, que o poder de humanização provido pelo trabalho social se
transfira psicossocialmente nas relações de produção, nas relações sociais e nos
significados sociais para os próprios produtos desse trabalho (Marx 2013). Nesses
termos, "(...) a humanização começa na loja, seja ela a Google PlayStore, a Amazon ou
o Carrefour" (Gonçalves 2023, p. 116).
Todas essas contradições entre atividade e consciência (Vigotski 1980), dentre outros
resultados, tendem a provocar no ser social uma inevitável incompletude o
estranhamento (Entfremdung) (Marx 2013). Por sua vez, seu sofrimento tanto o
impelirá a tentar resolvê-la, como ela mesma poderá ser mediação para a sua
reprodução, por exemplo através da desinformação, ou pelas determinações do
marketing impressas no design de UX.
Na verdade, o estranhamento "o rolar infinito na tela que não sacia nossa ansiedade
e muito menos as necessidades sociais mais profundas" (Gonçalves 2023, p. 291) são
as coceiras a que se refere Eyal (2014) e a cegueira mistificada por Kahneman (2012)
23
.
Parafraseando Marcondes Filho (1985, p. 184), o design de UX impõe "diante dos
homens [sic], inúmeras séries de imagens, que buscam assemelhar-se a espelhos, que
procuram empatia, que aspiram observar seu íntimo, trazer segredos à superfície e
espalhá-los por ela". Manipulando algoritmicamente esses segredos, o design de UX
produz os efeitos psicossociais e neuroquímicos descritos, de modo que sua
interface "atua como se anunciasse a satisfação" (op. cit., p. 184) através de picos de
alta e baixa de dopamina. Por meio dos dados previamente idealizados pelos
desenvolvedores e produzidos por nós em nossos atos de consumo, se "adivinha os
desejos das pessoas, através de seus olhos, e os traz à luz na superfície" (op. cit., p.
184) das mercadorias digitais. Por fim, indaga o autor: "como se comporta e,
principalmente, como se transforma (...) alguém que, permanentemente, obtém o que
deseja mas o recebe só como aparência?" (op. cit., p. 184).
Com tudo isso, ainda que os dispositivos digitais continuem sendo ferramentas
psicológicas, valores de uso para nossa humanização, intelecto geral coletivamente
produzido, sob as espessas camadas do estranhamento e do seu fetichismo, eles são
transfigurados em máquinas automágicas (Gonçalves 2023). De modo geral, não
podemos viver sem elas, elas sugerem e formalizam nossas esperanças, só podemos
acessá-las mediante uma dissimulada falsa troca simples que nos impele a fazer o que
não faríamos de outra forma o trabalho coagido de produção de dados.
Como conclui Ward (2022, p. 69), “(...) o mundo moderno é principalmente o Sistema
2, vestido como o Sistema 1”. Essa contradição entre as atividades realmente realizadas
e a consciência desse processo podem não ser sempre racionalmente percebidas, mas
essa contradição se desloca e se manifesta em efeitos psicossociais crescentemente
documentados, seja a exposição excessiva em redes sociais (Nadkarni e Hofmann
2012), o compartilhamento de desinformação ou a radicalização política
23
Ver nota 7.
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, e6580, novembro 2023.
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(Lewandowsky, Ecker e Cook 2017; Cesarino 2022) e a quebra de vínculos comunitários
em troca de likes (Comor 2011).
Curiosamente, é o próprio cognitivismo neoliberal que mostra o ponto fraco e o
antídoto capaz de evitar ou quebrar seus encantamentos. Por exemplo, “(...) o efeito
de framing
24
pode ser eliminado quando os indivíduos são instados a refletir
cuidadosamente sobre as opções disponíveis” (Eysenck; Keane 2017 p. 567). Por isso,
Kahneman (2012, p. 444) admite que "se qualquer número que esteja sobre a mesa
teve um efeito de ancoragem em você, e se o que está em jogo é muito valioso, você
deve se mobilizar (mobilizar seu Sistema 2) para combater o efeito". E, mais
importante, ele reconhece que “(...) pouca coisa pode ser feita [para ‘melhorar os
julgamentos e decisões’] sem um considerável investimento de esforço (...), tanto dos
nossos próprios como os das instituições a que servimos e que estão a nosso serviço
(Kahneman op. cit. p. 444, grifos nossos).
Este é o ponto. Por certo, os usuários podem e devem ser diligentes para se opor às
psicotecnologias aqui descritas e suas determinações econômicas. Mas, delegar essa
tarefa exclusivamente aos indivíduos pode ser inviável, e reitera abordagens liberais e
atomistas. Esta é uma tarefa coletiva, o que envolve tanto a ação política e organizada
dos produtores-consumidores, quanto a ação regulatória dos Estados,
democraticamente construída.
FINANCIAMENTO
Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPQ).
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24
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enunciado de um problema) que seriam irrelevantes para uma boa tomada de decisão” (Eysenck e
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Article
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As heterogêneas e contraditórias estruturas do capitalismo global vêm moldando de diferentes formas os significados sociais acerca da Saúde Digital e, com isso, também seu desenvolvimento e regulação. Para uma melhor compreensão destas questões, nesta revisão de literatura destacamos que tais estruturas contêm certas dimensões subjetivas que precisam ser investigadas de forma mais detida. Para isso, analisamos como a Saúde Digital se torna um espaço tanto de expansão das potencialidades humanas quanto para o acirramento dessas contradições estruturais. Discutimos como os modos de governamentalidade capitalista seriam atualizados junto a esses movimentos, moldando subjetivamente patologias, pacientes e o cuidado em saúde. Analisamos como esses processos podem se desdobrar em técnicas comportamentais que podem ser embarcadas em dispositivos e aplicativos de saúde e bem-estar, bem como suas consequências e riscos potenciais, o que exige atenção regulatória com participação social
Article
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Why would people share news they think might not be accurate? We identify a factor that, alongside accuracy, drives the sharing of true and fake news: the ‘interestingness-if-true’ of a piece of news. In three pre-registered experiments (N = 904), participants were presented with a series of true and fake news, and asked to rate the accuracy of the news, how interesting the news would be if it were true, and how likely they would be to share it. Participants were more willing to share news they found more interesting-if-true, as well as news they deemed more accurate. They deemed fake news less accurate but more interesting-if-true than true news, and were more likely to share true news than fake news. As expected, interestingness-if-true differed from interestingness and accuracy, and had good face validity. Higher trust in mass media was associated with a greater ability to discern true from fake news, and participants rated as more accurate news that they had already been exposed to (especially for true news). We argue that people may not share news of questionable accuracy by mistake, but instead because the news has qualities that compensate for its potential inaccuracy, such as being interesting-if-true.
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Welfare state bureaucracies the world over have adopted far-reaching digitalisation reforms in recent years. From the deployment of AI in service management, to the ‘opening up’ of administrative datasets, digitalisation initiatives have uprooted established modes of public sector organisation and administration. And, as this paper suggests, they have also fundamentally transformed the political economy of the welfare state. Through a case study of Danish reforms between 2002 and 2019, the analysis finds that public sector digitalisation has entailed the transfer of responsibility for key infrastructure to private actors. Reforms in Denmark have not only been pursued in the name of public sector improvement and efficiency. A principal objective of public sector digitalisation has rather been the growth of Denmark’s nascent digital technology industries as part of the state’s wider export-led growth strategy, adopted in response to functional pressures on the welfare state model. The attempt to deliver fiscal stability in this way has, paradoxically, produced retrenchment of critical assets and capabilities. The paper’s findings hold important implications for states embarking on public sector digitalisation reforms, as well as possibilities for future research on how states can harness technological progress in the interests of citizens – without hollowing out in the process.
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Misinformation about COVID-19 is a major threat to public health. Using five national samples from the UK (n= 1050 and n= 1150), Ireland (n = 700), the USA (n = 700), Spain (n= 700) and Mexico (n= 700), we examine predictors of belief in the most common statements about the virus that contain misinformation. We also investigate the prevalence of belief in COVID-19 misinformation across different countries and the role of belief in such misinformation in predicting relevant health behaviours. We find that while public belief in misinformation about COVID-19 is not particularly common, a substantial proportion views this type of misinformation as highly reliable in each country surveyed. In addition, a small group of participants find common factual information about the virus highly unreliable. We also find that increased susceptibility to misinformation negatively affects people's self-reported compliance with public health guidance about COVID-19, as well as people's willingness to get vaccinated against the virus and to recommend the vaccine to vulnerable friends and family. Across all countries surveyed, we find that higher trust in scientists and having higher numeracy skills were associated with lower susceptibility to coronavirus-related misinformation. Taken together, these results demonstrate a clear link between susceptibility to misinformation and both vaccine hesitancy and a reduced likelihood to comply with health guidance measures, and suggest that interventions which aim to improve critical thinking and trust in science may be a promising avenue for future research.
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Misinformation has been identified as a major contributor to various contentious contemporary events ranging from elections and referenda to the response to the COVID-19 pandemic. Not only can belief in misinformation lead to poor judgements and decision-making, it also exerts a lingering influence on people’s reasoning after it has been corrected — an effect known as the continued influence effect. In this Review, we describe the cognitive, social and affective factors that lead people to form or endorse misinformed views, and the psychological barriers to knowledge revision after misinformation has been corrected, including theories of continued influence. We discuss the effectiveness of both pre-emptive (‘prebunking’) and reactive (‘debunking’) interventions to reduce the effects of misinformation, as well as implications for information consumers and practitioners in various areas including journalism, public health, policymaking and education.
Chapter
We investigate what data iOS on an iPhone shares with Apple and what data Google Android on a Pixel phone shares with Google. We find that even when minimally configured and the handset is idle both iOS and Google Android share data with Apple/Google on average every 4.5 mins. The phone IMEI, hardware serial number, SIM serial number and IMSI, handset phone number etc. are shared with Apple and Google. Both iOS and Google Android transmit telemetry, despite the user explicitly opting out of this. When a SIM is inserted both iOS and Google Android send details to Apple/Google. iOS sends the MAC addresses of nearby devices, e.g. other handsets and the home gateway, to Apple together with their GPS location. Users have no opt out from this and currently there are few, if any, realistic options for preventing this data sharing.
Article
Most theories and hypotheses in psychology are verbal in nature, yet their evaluation overwhelmingly relies on inferential statistical procedures. The validity of the move from qualitative to quantitative analysis depends on the verbal and statistical expressions of a hypothesis being closely aligned—that is, that the two must refer to roughly the same set of hypothetical observations. Here I argue that many applications of statistical inference in psychology fail to meet this basic condition. Focusing on the most widely used class of model in psychology—the linear mixed model—I explore the consequences of failing to statistically operationalize verbal hypotheses in a way that respects researchers' actual generalization intentions. I demonstrate that whereas the "random effect" formalism is used pervasively in psychology to model inter-subject variability, few researchers accord the same treatment to other variables they clearly intend to generalize over (e.g., stimuli, tasks, or research sites). The under-specification of random effects imposes far stronger constraints on the generalizability of results than most researchers appreciate. Ignoring these constraints can dramatically inflate false positive rates, and often leads researchers to draw sweeping verbal generalizations that lack a meaningful connection to the statistical quantities they are putatively based on. I argue that failure to take the alignment between verbal and statistical expressions seriously lies at the heart of many of psychology's ongoing problems (e.g., the replication crisis), and conclude with a discussion of several potential avenues for improvement.