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O legado saxofonístico de Elise Hall: arquivo musical para o instrumento

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Abstract and Figures

The saxophone is a relatively new instrument as it was introduced in the late nineteenth century in the year 1846 by Adolphe Sax. In its early years, the saxophone was not very successful and few were the composers interested in writing music for it. This article analyzes the main pieces commissioned by Elise Hall, an amateur saxophonist who commissioned renowned composers to write for the saxophone. This article presents the similar characteristics that these pieces have, as well as their pedagogical level that music teachers can work with in individual saxophone lessons.
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O legado saxofonístico de Elise Hall: arquivo musical para o instrumento.
Miguel Clemente Rubio ; Manuel Falleiros ; José Fornari Junior !
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Resumo: O saxofone é um instrumento relativamente novo pois foi criado no final do século
XIX, no ano 1846, por Adolphe Sax. Nos primeiros anos, o instrumento não obteve grande
sucesso e poucos foram os interessados em escrever música para este novo instrumento
musical. O presente artigo traz uma análise das principais peças encomendadas pela
saxofonista Elise Hall a fim de compor o seu arquivo pessoal. Hall, que era uma saxofonista
entusiasta, e com muitos recursos financeiros, encomendou muitas peças e assim possibilitou
com que compositores renomados escrevessem para o saxofone. Tem-se como resultados
apresentados por este artigo as características em comum entre as peças que compõem este
repertório, bem como o nível pedagógico (dificuldade técnica) com que os professores podem
utilizar estas peças dentro das aulas individuais de saxofone.!
Palavras-chave: Elise Hall; Saxofone sinfônico; Acervo musical.!
The saxophone legacy of Elise Hall’s musical archive
Abstract: The saxophone is a relatively new instrument as it was introduced in the late
nineteenth century in the year 1846 by Adolphe Sax. In its early years, the saxophone was not
very successful and few were the composers interested in writing music for it. This article
analyzes the main pieces commissioned by Elise Hall, an amateur saxophonist who
commissioned renowned composers to write for the saxophone. This article presents the
similar characteristics that these pieces have, as well as their pedagogical level that music
teachers can work with in individual saxophone lessons.!
Keywords: Elise Hall; Classic saxophone; Music collection.!
1. Introdução !
Podemos considerar que a cena musical para o saxofone se iniciou tão logo se
deu a sua invenção, na metade do século XIX, quando"seu inventor,
Adolphe"Sax,"apresentou o saxofone de forma pública."Elisabeth Swett Coolidge Hall
(1853-1924) foi a segunda divulgadora, após o inventor, notável intérprete do saxofone.
Filha de um importador, Elise Hall costumava tocar piano e violino em suas horas livres e
4
quando já estava com mais de quarenta anos de idade, após recuperar-se de uma febre
tifóidea sofrida numa viagem, encontrava com uma perda de audição. Seu marido,
Doutorando em Música no Instituto de Artes, Unicamp, miguelclementesaxo@gmail.com
1
Pesquisador (PQ) CIDDIC, Unicamp, mfall@unicamp.br
2
Pesquisador (PQ) NICS, Unicamp, tutifornari@gmail.com
3
Mecenas do saxofone da alta sociedade económica da época que encomendou o total de 22 peças para
4
o saxofone destacando: Divertissement Espagnol, Rhapsodie (1900) e Ballade carnavalesque (1903) do
compositor Charles Loeer; Premier Concerto (1902) de Paul Gilson; Choral varié (1903) de Vicente d’Indy;
Légende et Impression d’automne de André Caplet; Légende (1918) de Florent Schmitt; Rhapsodie
(1903-1911) de Claude Debussy; Suite de Gabriel Grovlez; Poème élégiaque de Philippe Gaubert; Andante
et Concertstück de Jean Huré; Fantaisie Mauresque de François Combelle; Légende de Georges Sporck;
Siberia et Octuor de Henry Woolett; Pastorale de Léon Moreau; Impression (1902) de Georges Londy;
Rhapsodie op. 26 de Jules Mouquet; Chant de Paul Dupin.
144
Richard Hall, doutor importante da época, lhe recomendou que estudasse um
instrumento de sopro para melhorar sua respiração. Assim ela decidiu aprender saxofone
e investir sua grande fortuna num repertório para o instrumento (aproximadamente no
ano 1850) (CHAUTEMPS; KIENTZY; LONDEIX, 1990, p 21-22; CAPISTRANO, 2008, p. 5). !
Segundo Chautemps: Viúva no ano de 1897, Elise Hall, em Boston, decidiu
dedicar seu tempo, paixão e fortuna a promover a Orquestra Club, que ela mesma
fundou e dirigiu. (CHAUTEMPS; KIENTZY; LONDEIX, 1990, p. 21). Para enriquecer os
programas da orquestra, Hall encomendou obras de concerto para o saxofone a George
Longy, Paul Gilson, Claude Debussy, André Caplet, Vincent d’Indy, Florent Schmitt, entre
vários outros importantes compositores da época. Ao todo, foram vinte e duas obras
escritas e muitas delas estreadas por Hall, entre os anos de 1900 e 1918 (CHAUTEMPS;
KIENTZY; LONDEIX, 1990, p 21-22; CAPISTRANO, 2008, p. 5). !
Pouco antes da sua morte em 1924, Hall teve a satisfação de ouvir uma
orquestra, do mesmo tipo daquela de Gustav Bumcke de Berlin, que se caracterizava
5
por ser composta apenas por saxofones, sob a direção de Abdon Laus, em Boston, EUA.
Em outros países, como os EUA e a França, também foram criadas outras orquestras
apenas de saxofones. Como exemplo podemos citar as seguintes orquestras de: David
Gornston, Michel Guerra e Sigurd Rascher. Para este tipo de formação, na época,
múltiples peças musicais, por compositores de diversos países (CHAUTEMPS; KIENTZY;
LONDEIX, 1990, p. 21-22). !
O trabalho aqui apresentado tem o objetivo de realizar uma análise crítica
sobre quatro significativas obras das principais, encomendadas por Hall. Como
resultado, são aqui apresentados os dados mais significativos catalogados, sobre este
acervo, contendo o nome da obra, ano, bem como o nível de dificuldade de execução da
obra, e gravações que foram feitas. Nos debruçarmos mais detidamente sobre a
análise de uma das peças mais representativas do repertório saxofonístico encomendada
por Hall: a "Rapsodie" escrita por Debussy. Para nos basearmos na avaliação do nível da
dificuldade e na execução das peças, é usada um valor de catalogação, que vai de grau
um (menor dificuldade técnica interpretativa) até grau cinco (máxima dificuldade técnica
interpretativa) esta escala está baseada na American Band College Music Grading Chart ,
6
escala usada comumente para composição de peças de banda de música, na qual se
estabelecem cinco graus de dificuldade baseados em aspectos como métrica musical,
Saxofonista e compositor alemão (1848-1921) pioneiro em levar o saxofone na Alemanha e primeiro
5
fundador da orquestra de saxofones da Alemanha.
Disponível em: http://www.bandworld.org/pdfs/GradingChart.pdf. Acesso em 5 jun. 2019
6
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registro do instrumento, ritmos, dinâmicas, ornamentos, etc. Serão analisadas 4 obras
das 22 que compõem o catálogo de peças comissionadas por Elise Hall, grande
mecenas do instrumento. Estas peças fazem parte de dois álbuns que tomamos como
referência, gravados por expoentes saxofonistas da atualidade. Em primeiro lugar o
saxofonista holandês Arno Bornkamp, no seu álbum intitulado Boston-Paris: The Elisa
Hall Collection , dedicado à memória de Elise Hall. Neste álbum, Bornkamp interpreta as
7
obras mais significativas que a saxofonista encomendou, as quais se tornaram um marco
do repertório sinfônico do saxofone. Em segundo lugar, podemos citar outro álbum,
também dedicado a Hall, realizado por Claude Delangle (Professor do Conservatório
Superior de Paris) em 1999, intitulado A saxophone for a Lady no qual Delangle gravou,
8
algumas peças importantes, como a Légende de Caplet, com uma boquilha de madeira e
saxofone da época simulando o estilo e sonoridade usado na época.!
2. Análise histórica e pedagógica de 4 obras do acervo.
Este trabalho destaca e analisa as peças consideradas aqui como sendo as
mais representativas do acervo de Elise Hall. Para isto, foram escolhidas quatro peças
representativas do catálogo de obras encarregadas pela saxofonista onde se mostram os
elementos gerais das composições, bem como o estilo saxofonístico que Hall promoveu
através das suas encomendas. !
#As encomendas de obras saxofonísticas feitas por Elise Hall, começaram quando
esta senhora promoveu e organizou sua estreia ao saxofone, no Boston Orchestral Club,
dirigida por seu professor, Georges Longy. Como o repertório do saxofone era muito
escasso, ela decidiu encomendar um novo repertório de peças para o saxofone,
realizando assim um catálogo impressionante de peças até hoje muito representativas
para o repertório do saxofone (LONDEIX, 2003). !
Em primeiro lugar neste artigo se realiza uma análise da obra Divertissement
Espagnol , Rhapsodie do compositor Charles Loeer (1861-1935), que foi provavelmente
9
a primeira encomenda realizada por Hall. Na sua forma apresenta elementos suaves
misturando serenatas indulgentes. Consta de três movimentos: Moderato, Andante e
Allegro Moderato. Trata-se de uma peça composta na tonalidade Eb (Mib maior) e que
teve sua estreia no dia 29 de janeiro de 1901, em Boston, mais precisamente no
Borkamp et al. Boston-Paris: The Elisa Hall Collection. Orquestra:Netherlands Radio Symphony. Regente:
7
Jean-Bernard Pommier, 2007.
Delangle Claude e Delangle Odile. A saxophone for a lady. BIS-CD-1020. Sweeden, 1999.
8
Partitura: https://imslp.org/wiki/Divertissement_espagnol_(Loeer%2C_Charles_Martin) Audio: https://
9
www.youtube.com/watch?v=tSZxsuakkZ4
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Chickering Hall (teatro da época na cidade de Boston durante os anos 1901-1912) e na
oportunidade, o solo de saxofone foi justamente realizado pela Elise Hall, com a regência
a cargo do maestro e seu amigo pessoal Georges Longy (importante oboísta da época,
regente e compositor francês que migrou para EUA). A escrita do Loeer remete às
caraterísticas do romantismo tardio com a exacerbação sentimental e elementos
considerados de tradição folclórica hispânica. Como é de se esperar neste tipo de
estética, o instrumentista tem espaço para desenvolver uma representação de seu
individualismo, dando ampla liberdade à expressão da solista. Segundo análise
comparativa com os parâmetros da American Band College Music Grading Chart, a peça
apresenta várias mudanças de compassos, começando com um 12/8 e misturando ao
longo da peça com um 3/8, 6/8 e finalmente 4/4. Destaca-se que nesta obra Pode-se
observar que na peça (Figura 1) não aparecem tempos rápidos o que provoca que o
estudante possua grandes técnicas virtuosas que toda a peça é lenta. Pode-se
observar que a tessitura da sonoridade do saxofone não sobrepassa o registro utilizado é
comparável com o grau 4 de dificuldade técnica da American Band College Music
Grading Chart. Encontramos diante de uma peça que poderia ser interpretada por um
aluno de nível intermediário no saxofone. Esta peça propõe elementos didáticos muito
ricos para o aluno que inicia o trabalho com orquestra sinfônica, além disso este permite
a aprendizagem e o uso de elementos expressivos no instrumento, como é o caso do
vibrato . Este divertimento poderia ser interpretado por um estudante de saxofone com
10
o objetivo de entrar em contato com a música sinfônica de orquestra na qual pode solar
sem necessidade do uso de recursos altamente complexos e habilidades altamente
virtuosísticas. Pode-se ressaltar também a capacidade de desenvolvimento da respiração
permitindo o aperfeiçoamento dos ataques de notas lentas, partindo do diafragma e
obtendo assim capacidade de trabalho e limpeza dos diferentes ataques que acontecem
ao longo da obra.!
Figura 1: Exemplo da parte do saxofone da Divertissement Espagnol
!
Fonte: https://imslp.org/wiki/Divertissement_espagnol_(Loeer%2C_Charles_Martin)
É um efeito de caráter expressivo gerado com a boquilha e a palheta. Realiza-se partindo de pequenos
10
movimentos no lábio inferior e movimentos no diafragma para gerar uma oscilação sonora no som do
instrumento.
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A segunda peça aqui analisada é obra intitulada "Rapsodie", do compositor
francês Claude Debussy (1862-1918). Debussy quase não conhecia o instrumento e
declinou a ordem imediatamente. Um ano depois, Hall veio a Paris para solicitar
pessoalmente (LONDEIX, 2003). !
Na época da encomenda, Debussy não estava escrevendo muitas peças e
considerou o pedido de Hall, a bostoniana burguesa, absurdo. Finalmente, após a
insistência da senhora Hall, ele reconsiderou e compôs uma Rapsódia para saxofone e
orquestra com o título inicial de "Rapsódia Árabe", também chamada de "Rapsódia dos
11
Mouros"), sendo esta uma de suas composições mais experimentais e exóticas, segundo
alguns críticos, a qual enviou para Elise Hall. Noyes (2010) aponta no seu trabalho sobre
a peça que Debussy apenas lhe enviou um rascunho para saxofone e piano sem
orquestração. Uma outra versão garante que Debussy nunca deu a Elise ou mostrou a
ninguém, e que a obra "viu a luz" quando Debussy morreu e sua esposa entregou o
manuscrito a Jean Roger Ducasse, um renomado orquestrador da época. Com algumas
modificações, A Rapsodie” foi estreada em Paris, em 1919, antes de Hall receber a
partitura original. Muitos biógrafos do compositor francês insistem que a tarefa paga a
Debussy por uma "senhora ridícula, em um vestido rosa, que tocava um instrumento de
aparência duvidosa" tinha sido uma tarefa desagradável para o compositor. Segundo
Noyes (2010) as cartas deixadas por Debussy, são dúbias, variando de acordo com seu
humor, enquanto algumas afirmam, outras negam. Como exemplo, segue um trecho de
uma carta que ele escreveu a Lilly, sua primeira esposa, em maio de 1903: Parece que
Longy e a dama do saxofone estão em Paris ... tentarei terminar sua maldita peça o mais
rápido possível. Ultimamente, as ideias musicais tomam um cuidado especial para fugir
de mim, como se fossem borboletas brincando (...). O fato é que eu gostaria de obter algo
muito bom, para poder recompensá-los por sua paciência, embora isso apenas agrave a
situação”. Debussy duvidou muito das habilidades performáticas da Elise Hall e também
se mostrou pouco conhecedor do instrumento (BOSTON MASS, 1910). Atualmente a
versão estudada pelos saxofonistas é a da editora Lemoine na qual o saxofone tem
12
maior presença que a versão que Debussy deixou. Segundo análise comparativa com os
parâmetros da American Band College Music Grading Chart pode-se enquadrar esta
peça com o grau de dificuldade técnica 5 da escala devido às constantes mudanças de
tempo, o que necessita uma preparação rítmica e um controle do instrumento devido à
Partitura: https://imslp.org/wiki/Rapsodie_for_Orchestra_and_Saxophone_(Debussy%2C_Claude); Áudio:
11
https://www.youtube.com/watch?v=giCssJ9MyXo
Editora. Versão editada em 2001 por Vicent David para saxofone e piano.
12
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questão de que em determinados momentos a peça chegar a registros superagudos, que
são tratados em cursos mais avançados de saxofone. As mudanças de tom são
variadas onde algumas partes analisadas forçam o saxofone a mudar subitamente de
três sustenidos para seis bemóis, algo que impõe uma grande dificuldade para um aluno
com pouca prática no instrumento. Aparecem todo tipo de acentos (Figura 2), desde
staccato até acentos como os mordentes e demais recursos ornamentais. Desde o ponto
de vista pedagógico é uma peça que pode ser aplicada e trabalhada em alunos que
encontram-se realizando uma transição entre o nível técnica interpretativo intermediário e
o nível técnica interpretativo avançado. Mostram-se um grande número de elementos
expressivos do saxofone onde este não brilha de forma virtuosística. Pedagogicamente a
obra possui escalas diferentes a serem tratadas por separado, partes expressivas que
requerem certa habilidade virtuosística com o instrumento, além de dinâmicas extremas
que requerem controle da embocadura e limpeza sonora (SELIGSON, 1988).!
Figura 2: Exemplo da parte do saxofone da “Rapsodie” de Debussy.!
!
Fonte: https://imslp.org/wiki/Rapsodie_for_Orchestra_and_Saxophone_(Debussy%2C_Claude)!
Em terceiro lugar, tem-se, “Légende , a peça encomendada pela saxofonista
13
americana Elise Hall a F. Schmitt (1870-1958). Esta é considerada como sendo uma das
peças mais elaboradas do repertório para saxofone. Ao contrário do "Rapsodie" de
Debussy, também encomendada por Hall. Desde a análise comparativa realizada através
dos parâmetros da American Band College Music Grading Chart, comparamos os níveis
propostos, esta peça se enquadra dentro do grau 5 de dificuldade técnica, segundo os
parâmetros deste grau, devido às diferentes e constantes mudanças de andamento, a
Partitura: https://imslp.org/wiki/Légende%2C_Op.66_(Schmitt%2C_Florent); Áudio: https://
13
www.youtube.com/watch?v=Mv4Aa9toWVQ
149
abundância de aspectos de polirritmias e grupos de figuras irregulares, além de
diferentes articulações de difícil execução, assim como trechos de extrema capacidade
virtuosística e domínio do saxofone. Desta forma, a Légende” requer uma técnica mais
sólida e depurada que a Rapsodie” comentada anteriormente, o que a faz ser
recomendada para estudantes avançados, aconselhada para concertos e recitais de final
de curso. Parece assim que Schmitt não se importava ou não conhecia as habilidades da
saxofonista, ao contrário de Debussy que limitou suas peças mais tecnicamente,
temendo que Hall não a conseguisse executar. Schimitt escreveu como quis, sem
preocupações e o resultado foi excelente, criando assim uma das peças tecnicamente
mais ricas e habilidosas (STREET, 1983). !
“Légende” também poderia ser chamado de Rapsodie”, que se trata de uma
peça de um único movimento, que metaforicamente da uma sensação que flui como uma
improvisação, como que livremente, da calma e da serenidade a momentos mais
intensos sem, no entanto, apresentar transições percetíveis. A Légende” trata-se duma
orquestração de inspiração impressionista, na que predomina a temática oriental, mas
ainda assim pessoal produzindo uma nova linguagem compositiva na que se
representam o uso leve dos elementos polirrítmicos e o uso da politonalidade criam uma
atmosfera fluida e sinistra sobre a qual o saxofone transmite auditivamente uma
sensação de que flutua, livre para expressar as emoções mais profundas do compositor.
Tudo é voltado para dar ao público a sensação de que a Légende” é improvisada, mas
ao mesmo tempo esta é uma peça de complexa dificuldade para o estudo do
saxofonista. !
Figura 3: Exemplo da parte do saxofone da “Légende”.!
!
Fonte: https://imslp.org/wiki/Légende%2C_Op.66_(Schmitt%2C_Florent)!
Em quarto lugar tem-se a análise da peça composta por Vicent d’Indy
150
(1851-1931) intitulada "Coral Varié pour saxophone et orchestre" que é uma peça
14
impressionista estreada em 1903 pela Elise Hall em Boston. Esta é uma peça simples que
pedagogicamente pode ser interpretada por uma orquestra de estudantes que estão
concluindo um nível básico de saxofone, perfeita para o desenvolvimento da capacidade
de recursos técnicos, do controle na embocadura, respiração e demais aspectos
expressivos, como é o vibrato. A peça de d’Indy desenvolve-se um movimento em forma
musical de passacaille que compõe-se partindo do baixo contínuo e adornado. É um
15
gênero trabalhado à perfeição por Bach, durante o período Barroco (STREET, 1983). Esta
peça segue um padrão mais expressivo do que rítmico, assemelhando-se a um coral.
Encontramos uma peça na que a linha melódica transmite uma sensação metafórica na
que parece que o saxofone flutua também sendo constantes os elementos expressivos
dentro da peça aparecendo e desaparecendo sendo como um veículo às dinâmicas que
d’Indy propõe ao longo da peça. Como sugestão pedagógica pode ser considerada uma
adaptação desta peça para orquestra de saxofones, a qual é uma obra ideal para o
trabalho em conjunto do instrumento, melhorando a afinação, a sincronia dos ataques
em conjuntos e a exploração de dinâmicas. Segundo análise comparativa com os
parâmetros da American Band College Music Grading Chart podemos enquadrar a peça
dentro dos parâmetros do grau 3 de dificuldade técnico interpretativa (Figura 4). Nesta
peça de d’Indy vemos que na parte do saxofone não aparecem grandes mudanças de
armadura de clave sendo a mais complexa com três sustenidos, o que faz com que as
modulações que aparecem na peça sejam de caráter simples. Nesta obra não se
encontram muitas mudanças de tempo e quando estas se produzem são sempre através
do uso de valores rítmicos e tempos lentos, mudança de fórmula de compasso de 3/4
para 3/2. Predominam assim as semibreves, mínimas e semínimas, havendo ao longo da
peça algumas tercinas, pelo que não se mostra com uma grande dificuldade técnica à
hora da interpretação. Em referência ao registro utilizado vemos que a obra finaliza na
última nota com mi, sendo a nota mais aguda em referência do grau 3 da tabela de
análise utilizada. Portanto, podemos utilizar esta peça para o estudo com alunos que
estão saindo de um nível básico, que já tenham formada uma embocadura e coluna de ar
consistente para o desenvolvimento da expressão e possibilidade de realizar
performance com uma orquestra. !
Partitura: https://imslp.org/wiki/Choral_varié%2C_Op.55_(Indy%2C_Vincent_d%27) Áudio: https://
14
www.youtube.com/watch?v=s704svmR_IQ
É uma forma musical de ritmo animado e de origem popular espanhola do início do século XVII,
15
interpretada por músicos viajantes (por trair sua própria etimologia: atravessar a rua; a palavra espanhola
deu origem às formas passacaglia italiana e pasacaille francesa com as quais também é conhecido).
151
152
Figura 5: Resultado obtidos através da comparação das peças com a tablea American Band College Music
Grading Chart.
Fonte: Elaboração própria!
4. Conclusões
É inquestionável o valor do legado para o saxofone fomentado pelo apoio
financeiro e artístico de Elise Hal. Sem dúvidas uma curiosidade é que a senhora Hall
teve influência nos pedidos, tendo que a maior parte das peças têm em comum o tema
dos elementos e sonoridades referentes a temas exóticos ou folclóricos (como a
utilização de temática oriental, espanhola, russa) característica típica do período
impressionista, ao longo do começo do século XX. Entre as peças do acervo musical
repetem-se títulos de forma habitual, como o título Légende (3 das 22 peças
encarregadas) ou o título de Rapsodie (em 4 ocasiões).!
Em relação às peças do acervo da Elise Hall denotam um caráter lírico, expressivo,
elementos tanto do período pós-romântico como dos detalhes mais sofisticados do
impressionismo, são peças nas quais destaca-se a expressão em contrapartida do
aspecto virtuoso do saxofonista. O saxofone se mostra como um veículo expressivo
muito forte que permite explorar a riqueza da sua sonoridade. #!
Existem poucos estudos envolvidos com esta mecenas do instrumento, neste
sentido dificuldades de procurar conexões entre as diferentes peças. Um dado
importante, segundo a avaliação realizada neste artigo algo que ressalta é que os
compositores que realizaram as peças de maior dificuldade, segundo a literatura utilizada
neste trabalho, não tiveram um grande contato com a senhora Hall. No caso, Gilson,
Hemke e Schmitt não conheciam pessoalmente as habilidades da saxofonista daí que
Elise Hall não interpretou essas peças nem estreou, já que não possuía nível técnico alto.
Em outras ocasiões talvez se mostra que as peças não tenham sido um trabalho para
Nome da obra (Data
aproximada)
Compositor
Dificuldade
Divertissement Espagnol,
Rhapsodie (1900)
Charles Loeffler
4
Choral varié (1903)
Vicente d’Indy
3
Légende (1918)
Florent Schmitt
5
Rhapsodie (1903-1911)
Claude Debussy
5
153
solista e orquestra senão que o saxofone fizesse parte da orquestra como é o caso da
"Fantaisie Mauresque" de François Combelle (1920).!
Pode-se afirmar que estas obras contribuíram notavelmente à permanência do
saxofone como instrumento musical, sendo o acervo de Elise Hall uma ponte entre o
criador do instrumento, Adolphe Sax, e uma das figuras mais reconhecidas dentro do
panorama saxofonístico, Marcel Mule, que foi o segundo professor do Conservatório
Superior de Paris, formando milhares de saxofonista e permitindo a continuidade do
repertório, sendo também o dedicatório de uma infinidade de obras, como é o caso do
exemplo mais representativo, o “Concerto op. 109”, para saxofone e orquestra de corda,
de Alexander Glazounov, quem já havia composto anteriormente uma obra para quarteto
de saxofones por ter interessado pela sonoridade particular deste instrumento (ASENSIO
SEGARRA, 2004).!
Esperamos que o presente estudo possa contribuir em relação ao estudo do
saxofone, uma vez que atualmente não existe nenhum catálogo com dados extraídos
sobre análises de peças e a relevância que Hall, como saxofonista, tenha trazido para o
instrumento, contribuído com a análises e a aplicação pedagógica de quatro peças de
diferentes dificuldades nas quais se propõem estratégias didática para seu uso e
aplicação nas aulas de saxofone. Pretende-se realizar análise de peças futuras assim
como adaptar peças para orquestra de saxofone, devido a que é de grande relevância
para que os alunos conheçam obras do repertório saxofonístico e muitas deles possuem
grande importância para estudo de afinação e trabalho de música de câmara.!
Referências !
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<https://www.academia.edu/34817889/Worlds_first_concerto_for_saxophone_-
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CAPISTRANO, Rodrigo. Apostila sobre o saxofone. Versão 06/08. Disponível em:
<https://rodrigocapistrano.mus.br/download/Apostila%20Completa.pdf> Acesso em: 12
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tradução de Carles Lobo I Sastre. Barcelona: Labor, 1990. !
154
LONDEIX, Jean-Marie. A Comprehensive Guide to the Saxophone Repertoire. Cherry
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NOYES, James. Elise Hall: Rapsodie for orchestra e saxophone. 2010. Disponível em:
<http://www.jamesnoyes.com/pdf/elise_hall_sj_ma-new.pdf> Acesso em: 5 jun. 2019.!
SELIGSON, Robert Jan. The Rapsodie for orchestra and saxophone cy Claude
Debussy: A comparison of two performance editions. 1988. DMA dissertation, U. of
North Texas, 1988.!
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of the arts. Teses de doutorado, Northwestern University, 1983.
155
Copyright © by organizador, 2019
Elaboração da ficha catalográfica Realização
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Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural -
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Tiragem: Eletrônica (E-book)
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
Biblioteca do Instituto de Artes – UNICAMP
Bibliotecária: Silvia Regina Shiroma – CRB-8ª/8180
2019
ISBN: 978-65-00-00686-5
Si57a Simpósio CDMC 30 anos : documentação, criação e performance.
Música Contemporânea em debate.
Anais do Simpósio CDMC 30 anos: documentação, criação e
performance. Música Contemporânea em debate / organizador:
Manuel Falleiros – Campinas, SP: UNICAMP, 2019.
206p.
ISBN: 978-65-00-00686-5
1. Música Séc. XX. 2. Música contemporânea. 3. Música
História e Crítica I. Falleiros, Manuel (Org.). II. Título.
23a CDD – 780.904
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Article
Text of a lecture recital presented July 25, 1988, at the Recital Hall, University of North Texas. Thesis (D.M.A.)--University of North Texas, Dec., 1988. Includes photoreproductions of printed programs of the lecture recital and recitals given Apr. 25, 1977, Apr. 14, 1980, Apr. 20, 1981. Includes bibliographical references (leaves 44-46). Microfiche. UMI no.: 89-08936.
World's first concerto for saxophone -Paul Gilson
  • K Bertles
BERTLES, K. World's first concerto for saxophone -Paul Gilson. 2019. Disponível em: <https://www.academia.edu/34817889/Worlds_first_concerto_for_saxophone_-_Paul_Gilson> Acceso em: 5 jun. 2019.
El saxofón, su medio de expresión musical
  • Elise Boston Mass
  • Hall
BOSTON MASS. Elise Hall: El saxofón, su medio de expresión musical. 1910. Disponible em <http://www.jamesnoyes.com/pdf/EliseHall-1910.pdf> Acceso em: 5 jun.
Apostila sobre o saxofone. Versão 06/08
  • Rodrigo Capistrano
CAPISTRANO, Rodrigo. Apostila sobre o saxofone. Versão 06/08. Disponível em: <https://rodrigocapistrano.mus.br/download/Apostila%20Completa.pdf> Acesso em: 12 set. 2019.
A Comprehensive Guide to the Saxophone Repertoire
  • Jean-Marie Londeix
LONDEIX, Jean-Marie. A Comprehensive Guide to the Saxophone Repertoire. Cherry Hill: Roncorp Publications, 2003.
Rapsodie for orchestra e saxophone
  • James Elise Noyes
  • Hall
NOYES, James. Elise Hall: Rapsodie for orchestra e saxophone. 2010. Disponível em: <http://www.jamesnoyes.com/pdf/elise_hall_sj_ma-new.pdf> Acesso em: 5 jun. 2019.
America's first female concert saxophonist : her life as performing artist, pioneer of concert repertory for saxophone and patroness of the arts
  • William Elise Street
  • Boyer Hall
STREET, William. Elise Boyer Hall: America's first female concert saxophonist : her life as performing artist, pioneer of concert repertory for saxophone and patroness of the arts. Teses de doutorado, Northwestern University, 1983. Copyright © by organizador, 2019