Content uploaded by Gustavo Carolino
Author content
All content in this area was uploaded by Gustavo Carolino on Sep 25, 2023
Content may be subject to copyright.
1
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
CAROLINO, G. M.
A substituição de cursos de curta duração por cursos
de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de
profissionais aviadores: uma contribuição ao aumento da
segurança da aviação
Gustavo Mateus Carolino
RESUMO
Este trabalho consiste em uma investigação sobre o processo de educação de futuros aviadores. Para tal,
foi realizada uma pesquisa exploratória e bibliográfica adentrando-se nas áreas das ciências do aprendizado
e da formação atual de pilotos aviadores no Brasil. Buscou-se verificar se o curso de graduação em
Ciências Aeronáuticas pode contribuir para o aumento da segurança da prática da aviação ao substituir
cursos massivos de curta duração. Ao término desta pesquisa, verificou-se que o processo de educação
de aviadores pode ser aperfeiçoado com a obrigatoriedade dos cursos de Ciências Aeronáuticas, uma
vez que ao substituírem cursos de pilotagem de nível médio de curta duração, proporcionam ambiente
propício para o espaçamento do aprendizado, o que proporciona melhor retenção das memórias em longo
prazo. Isso permite que os profissionais retenham, evoquem e apliquem informações críticas com mais
confiança e precisão na aviação, por serem essas informações oriundas de processos de aprendizagem
mais significativos, quando colocados à disposição do mercado de trabalho.
Palavras-chave: Aviadores. Ciências Aeronáuticas. Educação. Treinamento.
ABSTRACT
This work consists of an investigation into the education process of future aviators. To that end, an
exploratory and bibliographic research was conducted, delving into the fields of learning sciences
and the current training of aviator pilots in Brazil. The objective was to ascertain whether the
undergraduate program in Aeronautical Sciences can contribute to enhancing aviation safety by
replacing massive short-duration courses. At the conclusion of this research, it was observed that the
education process for aviators could be improved through the mandatory inclusion of Aeronautical
Sciences courses. By replacing short-duration medium-level piloting courses, these courses provide
a conducive environment for spaced learning, resulting in better retention of memories in the long
term. This enables aviators professionals to retain, retrieve, and apply critical information with
Departamento de Ciências Aeronáuticas da Faculdade de Engenharia e Arquitetura, Universidade FUMEC,
FUMEC, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Replacing short-duration courses with Aeronautical Science
programs in the initial licensing of aviator professionals: a
contribution to the enhancement of aviation safety
0000-0001-5646-6721
revistaeletronica.fab.mil.br
https://doi.org/10.22480/revunifa.2023.36.532
Artigo de Revisão
2
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
A substituição de cursos de curta duração por cursos de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de profissionais aviadores: uma contribuição ao
aumento da segurança da aviação
RESUMEN
Este trabajo consiste en una investigación sobre el proceso de educación de futuros aviadores. Para ello,
se llevó a cabo una investigación exploratoria y bibliográfica adentrándose en las áreas de las ciencias de
la prendizaje y laformación actual de pilotos aviadores en Brasil. Se buscó verificar si el curso de grado en
Ciencias Aeronáuticas puede contribuir al aumento de la seguridad en la práctica de la aviación al sustituir
cursos masivos de corta duración. Al finalizar esta investigación, se comprobó que el proceso de educación
de aviadores podría mejorar se mediante la inclusión obligatoria de cursos de Ciencias Aeronáuticas. Al
reemplazar cursos de pilotaje de nivel medio de corta duración, estos cursos brindan un entorno propicio
para el aprendizaje espaciado, lo que resulta en una mejor retención de memorias a largo plazo. Esto permite
que los profesionales retengan, evocan y apliquen información crítica con más confianza y precisión en la
aviación, ya que esta información proviene de procesos de aprendizaje más significativos cuando se ponen
a disposición en el mercado laboral.
Palabras clave: Aviadores. Ciencias Aeronáuticas. Educación. Entrenamiento.
1 INTRODUÇÃO
Hoje em dia, diversas autoridades de aviação em diferentes países, incluindo o Brasil, ainda
permitem a formação prossional de pilotos-aviadores por meio de cursos de curta duração,
oferecidos por escolas de aviação de nível médio, embora não sejam elas reconhecidas e
scalizadas pelo Ministério da Educação (Carolino, 2017). Um curso de curta duração é um
programa de estudos que tem um período relativamente breve em comparação a outros cursos
mais longos, como graduações ou pós-graduações, sendo geralmente planejados para serem
concluídos em poucas semanas ou dias.
É possível encontrar no Brasil escolas de aviação de nível médio que ofertam a capacitação
teórica para a obtenção da Licença de Piloto Comercial (CPL) em um período de apenas 40
dias de aulas (cf. Voe Floripa, 2023). Essas escolas de aviação – que não são instituições de nível
superior – também são Centros de Instrução de Aviação Civil (CIAC) homologados pela Agência
Nacional de Aviação Civil (ANAC) segundo o volume nº 141 do Regulamento Brasileiro de
Aviação Civil (RBAC) e podem ser voltadas à formação e qualicação de pilotos, comissários
de voo, mecânicos de voo, despachantes operacionais de voo e mecânicos de manutenção
aeronáutica postulantes a uma licença, habilitação ou certicado requeridos por RBAC nº 61,
RBHA 63 ou RBAC que vier a substituí-lo, ou, ainda, pelo RBAC nº 65 (ANAC, 2023).
La sustitución de cursos de corta duración por programas
de ciencias aeronáuticas en la licencia inicial de
profesionales aviadores: una contribución al aumento
de la seguridad de la aviación
more confidence and precision in aviation, as this information stems from more significant learning
processes when made available in the job market.
Keywords: Aviators. Aeronautical Sciences. Education. Training.
3
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
CAROLINO, G. M.
A licença de piloto comercial é uma licença, emitida por uma autoridade de aviação civil,
para que um candidato à prossão de aviador possa, no âmbito da aviação civil, iniciar sua
atuação como piloto prossional de aeronaves1 (Carolino, 2017). Como aludido, a licença de
piloto comercial pode ser obtida por candidatos de nível médio ou candidatos que realizam
cursos de nível superior.
No Brasil, Instituições de Ensino Superior (IES), reconhecidas pela Agência Nacional de
Aviação Civil (ANAC) e pelo Ministério da Educação, estão se expandindo cada vez mais e
convivendo com essas escolas de aviação de nível médio que ofertam cursos prossionalizantes
de curta duração. As IES, por sua vez, ofertam cursos de longa duração especícos para
formação desses pilotos prossionais que – apesar das diferenças de formação e escolaridade
– compartilham entre eles um mesmo ambiente de trabalho, podendo executar as mesmas
funções e serviços (Carolino, 2017). Destaca-se aqui o curso de Ciências Aeronáuticas que
possui grande potencial para proporcionar uma formação de alto nível, com vistas à formação
de prossionais que se dedicam à prática da navegação aérea (Carolino, 2022).
Sabe-se que as transformações na indústria do transporte aéreo e as buscas por oferta,
cada vez maior, de altos índices de eciência e de segurança na aviação apontam inúmeros
desaos para os envolvidos com as atividades aéreas, tais como a crescente necessidade de
desenvolvimento de competência nos prossionais que se ocupam da prática da aviação
(Rondon et al., 2013).
Diante dessas transformações, consubstanciadas pelo constante avanço das tecnologias
embarcadas nas aeronaves, torna-se urgente que os aviadores responsáveis por gerenciar,
supervisionar e pilotar esses equipamentos possuam uma formação e trajetória acadêmica e
prossional, com vistas ao adequado desenvolvimento e à manutenção de bons índices de
segurança na prática da aviação (Basílio et al., 2013).
Embora haja consciência da sociedade brasileira de que os prossionais aviadores devam
possuir elevados conhecimentos e habilidades especícas, a exemplo da formação de médicos
e engenheiros, não existe ainda uma imposição legal no que se refere à exigência de curso
superior para o exercício da prossão (Basílio et al., 2013).
A falta de uma imposição legal sobre a questão da escolaridade e demais atributos para
o exercício da prossão de aviador, no Brasil, no âmbito das Leis Federais, por exemplo,
também está associada ao fato de que a “plena prossão”2 de aviador ainda não se encontra
1 Embora a licença de Piloto Comercial seja precedida pela licença de Piloto Privado, a licença
de piloto privado não é a licença básica para a prática prossional de aviação no Brasil, visto
tratar-se, ainda, de uma licença amadora. O curso teórico de piloto privado, no Brasil, por sua
vez, não é mandatório. Fonte: BRASIL, 2023. Serviços de Obtenção de Licença de Piloto
Privado. Governo Federal [Brasil]. Disponível em < https://www.gov.br/pt-br/servicos/obter-
licenca-para-exercer-a-atividade-de-piloto-privado-aviao-ppr-helicoptero-pph-ou-dirigivel-ppd
>. Acesso em: 19 jun. 2023.
2 Conforme Carolino (2022) uma “prossão em seu signicado pleno” possui, entre outros
atributos, educação especíca de nível superior, autorregulação prossional e código de
ética prossional.
4
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
A substituição de cursos de curta duração por cursos de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de profissionais aviadores: uma contribuição ao
aumento da segurança da aviação
3 Nota do autor: Este trabalho enfoca os estudos teóricos dos conteúdos necessários para
subsidiar a boa prática da aviação, o bom raciocínio, o julgamento e a tomada de decisão.
ocializada no país (Carolino, 2017). Falta, portanto, uma lei federal própria, que disponha
sobre o exercício da prossão de “aviador(a)” no Brasil, tal como as demais leis federais que
regulamentam os exercícios das prossões de médicos, advogados, engenheiros e outras
proeminentes prossões plenas ou liberais no país, visto que a formação de pilotos no Brasil
vem sendo orientada, administrativamente, por meio de normas infralegais.
Apesar de estudos anteriores (Basílio et al., 2013; Lima e Silva, 2018) indicarem a necessidade
e a proatividade de medidas que tornem a educação especíca de nível superior e aquisição
de novas competências mandatórias para a formação de novos membros da prossão de
aviador, ainda permanece pouco elucidada, nesta especicidade da formação prossional, a
importância da implementação de medidas que disponham do ponto de vista do desempenho
sociocognitivo e sua relação com a segurança da prática prossional da aviação, no que tange
à formação plena de prossionais aviadores para a indústria do transporte aéreo.
Nesse sentido, para norteamento deste estudo, levantou-se a seguinte questão:
Substituir um curso de curta duração por um curso de longa duração - como o curso de nível superior em
Ciências Aeronáuticas - na formação formal de novos prossionais aviadores pode contribuir para o aumento
da segurança da aviação?
Assim, neste trabalho, objetivou-se vericar se a prática prossional da aviação poderá
ser mais segura e desenvolvida com a substituição da capacitação obtida em curso de curta
duração pela formação em cursos de nível superior em Ciências Aeronáuticas, quando da
formação inicial de novos prossionais aviadores no Brasil.
Especicamente, foram analisados resultados de estudos contendo experimentos sobre
o desempenho cognitivo após longa data entre grupos de pessoas que realizaram sessões de
estudos de curta duração e sessões de estudos de longa duração em que foi possível aplicar
espaçamento ou distribuição do estudo3 ao longo de um período maior. Também foi vericado
se o treinamento de longo prazo, em relação a um treinamento de curto prazo, implica alterações
no sistema nervoso dos indivíduos e sua relação com a resolução de problemas complexos.
Esse trabalho está justicado na escassez de estudos sobre esse assunto na aviação brasileira,
apesar da relevante busca pela excelência e pelo aprimoramento da formação de pilotos na
aviação como um todo, em especial dos prossionais que se ocupam da aviação e a praticam.
2 METODOLOGIA
Inicialmente, foram realizadas a delimitação do tema e a denição do problema de pesquisa.
Na sequência dos trabalhos, realizou-se uma pesquisa exploratória, que segundo Gil (2010), tem
por objetivos principais proporcionar: (1) familiaridade com o problema; (2) o aprimoramento
de ideias; e (3) novas descobertas – levando-se em consideração os mais variados aspectos
relativos ao objeto de estudo.
5
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
CAROLINO, G. M.
No desenvolvimento do estudo, portanto, realizou-se uma pesquisa bibliográca,
valendo-se de:
• artigos científicos com abordagem de dados sobre o desempenho em estudos
massicados de curto prazo e estudos distribuídos ao longo prazo, oriundos, principalmente,
da área de ciências do aprendizado;
• outros trabalhos cientícos sobre a formação e a prossionalização de aviadores
no Brasil;
• sites ou documentos governamentais; e
• livros de campos de estudos relacionados às neurociências.
Neste trabalho, foram considerados “aviadores” os profissionais que praticam
aviação, detentores da licença de piloto comercial ou licença equivalente ou superior,
visto que, conforme Carolino (2022), “aviador(a)” é o termo coerente que designa o
nome da profissão daqueles que praticam a navegação aérea em veículos aeródinos
ou, seja, que praticam, profissionalmente, a navegação aérea em aeronaves próprias
da aviação
4
.
Os resultados da pesquisa bibliográca narrativa foram analisados e discutidos sob a luz
do referencial teórico, respondendo-se ao problema de pesquisa na forma de conclusão desta
presente investigação.
3 RESULTADOS
Vericou-se que, na aviação brasileira, quanto à apreensão de conhecimentos teóricos, é
possível encontrar duas maneiras formais de modalidades de cursos para obtenção de licenças
de Piloto Comercial (CPL) de aeronaves. São elas:
a) por meio de capacitação teórica realizada em cursos profissionalizantes de
curta duração de nível médio, até mesmo ofertados em apenas 40 dias (cf. Voe
Floripa, 2023); ou
b) por meio de cursos de graduação em Ciências Aeronáuticas, oferecidos pelo
Sistema Federal de Ensino. O Sistema Federal de Ensino Superior compreende as
Instituições Federais de Ensino Superior, as Instituições de Ensino Superior (IES)
criadas e mantidas pela iniciativa privada e os órgãos federais de educação superior
(Brasil, 2017).
Os cursos de Ciências Aeronáuticas proporcionam estudos sistemicamente
estruturados que são voltados a subsidiarem a tomada de decisão dos praticantes de
4 Conforme Carolino (2022), além das aeronaves da aviação, podem ser encontradas as
aeronaves da aerostação. São aeronaves próprias da aviação: aviões, helicópteros, girocópteros/
autogiros e planadores. Por aeronaves próprias da aerostação têm-se balões ou dirigíveis.
6
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
A substituição de cursos de curta duração por cursos de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de profissionais aviadores: uma contribuição ao
aumento da segurança da aviação
navegação aérea (Carolino, 2022). Nesse contexto, destaca-se o papel das IES, uma
vez que a sua atuação proporciona resultados eficazes na formação de aviadores,
dado o nível de capacitação dos cursos de nível superior no desenvolvimento das
habilidades cognitivas, senso crítico e humanístico dos futuros profissionais (Lima
e Silva, 2018).
Por ser um curso bacharelado, a graduação em Ciências Aeronáuticas dura, pelo
menos, 03 anos no Brasil (cf. Brasil, 2007) e requer uma carga horária mínima de 2500
horas (cf. Brasil, 2018). Nesse sentido, tornar obrigatória a formação em Ciências
Aeronáuticas, para novos membros da profissão de aviador, implicaria em substituir
cursos de formação de curta duração por cursos de formação de longa duração, com
vistas à obtenção da licença profissional de piloto comercial, condição que favorece
a distribuição dos estudos ao longo de um período, no calendário, mais extenso, se
comparado ao previsto em um curso de curta duração. Esses estudos proporcionam
desenvolvimento cognitivo, senso crítico e humanístico conforme mencionado por
Lima e Silva (2018).
Verica-se que essa distribuição ou esse espaçamento dos estudos ou treinamentos ao
longo do tempo associa-se a um melhor desempenho cognitivo dos indivíduos quando é
necessária a evocação da memória, com relação àqueles estudos, em datas futuras (Carpenter
et al., 2012). Isso decorre do fato de que experimentos que investigam a capacidade de
retenção de memórias em longo prazo demonstram que espaçar os estudos ao longo
de períodos prolongados resulta em uma melhor retenção de memórias, evidenciado
por um melhor desempenho em testes de conhecimentos teóricos realizados a longo
prazo. Além disso, foi constatado que os benefícios do espaçamento (ou distribuição)
de um determinado treino, ao longo do tempo, também se estendem para habilidades de
coordenação motora (Carpenter et al., 2012).
Por tudo isso, pessoas que espaçam ou distribuem os estudos, normalmente, apresentam
melhor desempenho cognitivo em testes sobre o aprendizado a que estiveram sujeitas,
se comparadas às pessoas que realizam esses testes sem terem aplicado o espaçamento
durante os estudos, “massicando”, portanto, esses treinamentos (Carpenter et al., 2012).
Conforme o experimento conduzido por Rohrer e Taylor (2006), cujos resultados
estão expostos na Figura 1, o espaçamento não surtiu efeito signicativo quando ambos
os grupos de estudantes foram submetidos a testes próximos da data em que ocorreu a
nalização da primeira sessão de estudos sobre aquilo em que se foi avaliado (1ª semana).
Para uma avaliação ou teste em curto intervalo de tempo após um determinado estudo,
é, portanto, possível que ambos os grupos de estudantes apresentem desempenhos
semelhantes nos testes.
Esse mesmo experimento (Figura 1) demonstrou que, na 4ª semana, o grupo que
distribuiu e espaçou os estudos ao longo de um período maior (“Spacers”) acertou em
média o dobro de questões em relação ao grupo que massicou os estudos (“Massers”)
ao não distribuir o treinamento ao longo de um período mais extenso – não se valendo
de um espaçamento nos estudos daqueles conteúdos em dias ou semanas, por exemplo,
antes do término das sessões de estudos.
7
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
CAROLINO, G. M.
Se o objetivo é alcançar ou otimizar a retenção do aprendizado por longos períodos, a preservação
do conhecimento oriundo dos estudos pode ser mais bem otimizada por meio de espaçamentos
desses estudos ao longo do tempo, até mesmo ao longo de anos de estudo (Carpenter et al., 2012).
O tempo de exposição ao treinamento de longo curso também possui efeitos na estrutura
do Sistema Nervoso Central (SNC). Esse sistema está envolvido em poderosas atividades
dependentes de mecanismos da neuroplasticidade, a exemplo dos processos que envolvem o
aprendizado e a memória (Nagerl e Helmchen, 2016).
Maguire et al. (2006) demonstraram que o hipocampo de motoristas de táxi da cidade de
Londres, na Inglaterra, é mais desenvolvido do que o hipocampo de motoristas de ônibus dessa
mesma localidade. Isso estava relacionado ao fato de que, diferentemente dos motoristas de
ônibus – que cumprem trajetos predeterminados e treinamento mais simplicado – é requerida
dos motoristas de táxis de Londres a participação em um curso preparatório por três anos,
em que deles é cobrado memorizar todas as ruas da cidade.
Devido ao treinamento, a formação hipocampal dos taxistas de Londres tornou-se mais
especializada e maior, o que aumentou a capacidade de memorização desses prossionais e
relacionou-se a alta capacidade de navegação na complexa rede urbana daquela capital, lidando-
se, assim, com mais assertividade em inúmeras situações e possibilidades de problemas de
navegação no dia a dia. O hipocampo é uma formação nervosa, presente no encéfalo, muito
importante para formar e acessar memórias complexas (Ramos, 2014).
Além da formação hipocampal, a formação de memórias de longa duração também está
relacionada ao crescimento físico dos neurônios e a um aumento no número de conexões
sinápticas (Squire e Mckee, 1995 apud Corrêa, 2010). A aquisição de aprendizado de longa
duração também está relacionada ao aumento no tamanho e no número de espinhos
dendríticos – que são estruturas especializadas que implicam no recebimento aferências
sinápticas em neurônios – e se relacionam à capacidade de aprendizado e de adaptação do
indivíduo (Bear et al., 2017).
Figura 1 - Um experimento de espaçamento de estudos de matemática.
Fonte: Rohrer e Taylor, 2006.
8
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
A substituição de cursos de curta duração por cursos de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de profissionais aviadores: uma contribuição ao
aumento da segurança da aviação
4 DISCUSSÃO
Os resultados apresentados, oriundos dos levantamentos da pesquisa bibliográca,
permitem inferir que a prática espaçada de estudos ao longo do tempo pode ajudar a explicar
por que cursos de longa duração são, geralmente, mais ecazes do que cursos de curta duração
(cursos realizados em poucos dias ou poucas semanas) em termo de nível de aprendizagem
por longo prazo.
Um curso de longa duração, como o proporcionado por uma graduação em Ciências
Aeronáuticas, geralmente é projetado para distribuir o aprendizado ao longo de um maior
período durante os estudos de um determinado conteúdo, permitindo que os alunos
pratiquem e revisem os assuntos várias vezes ao longo da formação, de forma sistematizada
e multidisciplinar. Isso signica que é mais provável de ocorrer a repetição espaçada ou
distribuída de informações estudadas e de evocação de memórias pelo estudante, o que ajuda
a melhorar a retenção e a aplicação das informações pelo indivíduo no futuro (Carpenter et
al., 2012). Desse modo, o indivíduo deve apresentar maior prociência em relação ao domínio
dos conhecimentos estudados para longo prazo em comparação aos indivíduos que realizaram
estudos de forma curta e massiva, conforme demonstrado pelo experimento de Rohrer e
Taylor(2006), sintetizado na Figura 1.
Um curso de poucos dias pode até fornecer uma grande quantidade de informações em
um curto tempo, porém pode não permitir que os estudantes revisem e pratiquem os assuntos
das disciplinas várias vezes e com o rigor metodológico mais adequado para potencializar
o aprendizado dos assuntos para longa data. Isso pode ser prejudicial, principalmente, se o
treinamento visa licenciar ou habilitar prossionais para lidar com sistemas complexos em
que, muitas vezes, a “falta de conhecimento” pode resultar em perigo para seres humanos ou
danos para equipamentos, afetando seus julgamentos mais renados.
Ressalta-se que os estudantes que frequentaram cursos massivos de curta duração (com
duração de apenas poucos dias) podem até apresentar rendimento satisfatório ou similar ao
dos alunos que estudaram em cursos de longa duração em um possível exame de avaliação de
conhecimentos teóricos da autoridade brasileira de aviação civil, por exemplo, principalmente
se os testes, com base nos mesmos tópicos abordados do programa de treinamento em análise,
forem realizados muito próximos à conclusão desses estudos, conforme demonstrado no
experimento de Rohrer e Taylor(2006) indicado pela Figura 1. No entanto, esses estudantes
podem apresentar desempenhos cognitivos mais baixos posteriormente, após um período
maior em que se requeira a evocação dos conhecimentos antes estudados, a exemplo de
quando já estivessem praticando aviação, no recebimento da instrução prática ou mesmo
após a obtenção da licença.
A duração do treinamento também esteve associada a alterações no Sistema Nervoso
Central dos candidatos em áreas especícas relacionadas à formação e acesso às memórias
complexas e com o aprendizado, como a formação hipocampal. Alterações essas relacionadas
a um treinamento de longo prazo, com vantagens a esses indivíduos em relação à capacidade
de resolução de problemas complexos se comparados aos indivíduos que passaram por um
treinamento de curto prazo de menor complexidade, conforme descritos por Maguire et al.
9
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
CAROLINO, G. M.
(2006). Além da formação hipocampal, também estão associados à aprendizagem de longo
prazo, processos físicos de crescimento neuronal e do número de espinhos dendríticos e suas
relações com a capacidade de aprendizagem e de adaptação de um indivíduo.
A aviação é um ambiente complexo em que prossionais aviadores lidam diretamente
com tecnologias, muitas vezes, avançadas e que exigem desses prossionais bom raciocínio
aeronáutico, tal como boas tomadas de decisões no adequado exercício da prossão. Esse
ambiente frequentemente pode exigir desses prossionais alta capacidade de memorização,
de aprendizagem, de adaptação e de resolução de problemas, principalmente por tratar-se
de um sistema sociotécnico complexo, em que diversas variáveis estão sujeitas a avaliações.
Falhas de julgamento podem, nesse meio, resultar em situações potencialmente catastrócas.
Além disso, o nível de aprendizado pode contribuir diretamente para a precisa identicação
e resolução de problemas do setor, colaborando para o desenvolvimento e para a segurança
geral do sistema de aviação.
Nesse contexto, entende-se que a formação básica do “prossional que se ocupa de aviação
e a prática” pode ser potencializada por meio da obrigatoriedade de cursos de nível superior
em Ciências Aeronáuticas, visto que esses cursos possibilitam – em relação à alternativa mais
rápida (capacitação massiva e de curta duração) – a obtenção de resultados de desempenhos
cognitivos melhores por parte dos futuros aviadores. Em relação ao nível de conhecimento
estudado, esses indivíduos apresentam também menores taxas de decaimento do aprendizado,
mesmo sem reforço, o que proporciona a entrega, ao mercado de trabalho, de aviadores recém-
formados mais habituados às informações necessárias de serem evocadas para a adequada
garantia da eciência e da segurança das atividades que lhes são afetas em comparação a
aviadores recém-formados oriundos de cursos de curta duração, muitas vezes, massivos e
que não proporcionam ao candidato adequado desenvolvimento humano, cognitivo, senso
crítico e humanístico ou mesmo, uma adequada cultura de estudos frente às exigências das
atividades em geral na sociedade.
5 CONCLUSÃO
Este estudo constou-se de uma pesquisa bibliográca narrativa que objetivou vericar
se a prática prossional da aviação poderá ser mais segura e desenvolvida ao substituírem-
se capacitações teóricas de curta duração por capacitações teóricas de longa duração,
como a capacitação proporcionada pela graduação em ciências aeronáuticas na formação
de aviadores no Brasil. Para tal, foi necessário conhecer resultados de estudos sobre o
desempenho cognitivo de pessoas sujeitas a treinamentos de curta e longa duração, bem
como relacionar seu desempenho cognitivo em testes de resolução de problemas sobre o
assunto para a vericação de semelhanças e diferenças entre os grupos do experimento
ou do estudo. Foi possível concluir que a retenção de memórias por longa data pode ser
mais bem processada pelos indivíduos por meio de um treinamento espaçado e de duração
mais longa, em condições em que há reexposição dos assuntos, como os possibilitados
por graduações de nível superior, em contraposição a um treinamento intensivo, massivo,
realizado somente em poucos dias ou semanas.
10
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
A substituição de cursos de curta duração por cursos de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de profissionais aviadores: uma contribuição ao
aumento da segurança da aviação
Assim, ao responder à questão-problema desta pesquisa, é possível armar que cursos
de graduação em Ciências Aeronáuticas podem contribuir para o desenvolvimento e para o
aumento da segurança da aviação ao possibilitar espaçar e intercalar os estudos das disciplinas
desta área do conhecimento formal, de maneira sistematizada, multidisciplinar e de longa
duração, favorecendo a adequada consolidação e reconsolidação de memórias que poderiam
ser utilizadas para enriquecer o repertório de prossionais aviadores e contribuir para redução
de erros ou falhas desencadeadas por “falta de conhecimentos” ou por “mal julgamento” e,
até mesmo, contribuir para aumentar o potencial de resolução de problemas do setor.
Logo, a prática espaçada durante os estudos formais e sistematizados demonstra-se uma
ferramenta ecaz para melhorar a segurança de práticas prossionais que envolvem ambientes
complexos, permitindo que os futuros prossionais retenham e apliquem informações críticas
com mais conança, renamento e precisão na aviação. Por tudo isso, tornar o curso de
nível superior em Ciências Aeronáuticas obrigatório para a formação de novos prossionais
aviadores pode aumentar a capacidade prossional do quadro de aviadores no Brasil, bem
como a operacionalidade e a segurança da aviação no país, devido ao aprofundamento do
conhecimento teórico ao longo do tempo de formação, permitindo que os estudantes dessa
área desenvolvam habilidades analíticas e críticas que são muito importantes para resoluções de
problemas e para a adequada tomada de decisão na prática prossional, além de proporcionar
adequado desenvolvimento de uma cultura de estudos por parte desses indivíduos.
Como sugestão para estudos futuros, embora os resultados dos estudos e experimentos aqui
apresentados possam ser generalizados – em função de se tratar de dados de experimentos
com seres humanos, recomenda-se a realização de outros experimentos similares aos descritos
neste trabalho em grupos de estudantes de cursos de aviação com vistas a aprimorar estratégias
no sistema de educação e prover maior desenvolvimento do capital humano nesse setor.
11
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
CAROLINO, G. M.
REFERÊNCIAS
ANAC. Agência Nacional de Aviação Civil. Regulamento Brasileiro de Aviação
Civil. Certificação e requisitos operacionais: Centros de Instrução de Aviação
Civil. Brasília, DF: ANAC. Volume nº141. 2023. Disponível em: < https://www.
anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/rbha-e-rbac/rbac/rbac-141 >.
Acesso em: 21 jun. 2023.
BASILIO, G.B.; URBINA, L.M.S.; VIEIRA, F.K.R.; MACHADO, M.C.; ROCHA,
G.C.. O curso superior em ciências aeronáuticas como requisito para
obtenção de licenças de pilotagem: uma medida proativa na prevenção de
acidentes. Revista Conexão SIPAER, Brasília, DF. 2013. v4, n.3. ISSN 2176-
7777. Disponível em: <http://conexaosipaer.com.br/index.php/sipaer/article/
view/261>. Acesso em: 6 abr. 2023.
BEAR, M.F; CONNORS, B.W; PARADISO, M.A.. Neurociências: desvendando
o sistema nervoso. 4. ed. – Porto Alegre: Editora Artmed. 2017. ISBN 978-85-
8271-433-1.
BRASIL. Resolução nº 2, de 18 de junho de 2007. Dispõe sobre carga horária
mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de
graduação, bacharelados, na modalidade presencial. Brasília, DF: Ministério
da Educação, 2007. Disponível em: <https://normativasconselhos.mec.gov.br/
normativa/pdf/CNE_RES_CNECESN22007.pdf >. Acesso em: 6 abr. 2023.
BRASIL. Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Dispõe sobre o exercício
das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação
superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema
federal de ensino. Brasília, DF: Presidência da República. 2017. Disponível em:
< https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9235.htm
>. Acesso em: 23 maio 2023.
BRASIL. Resolução nº 3, de 12 de julho de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais dos cursos de graduação em Ciências Aeronáuticas, bacharelado, e dá
outras providências. Brasília, DF: Ministério da Educação. Brasil. 2018. Disponível
em: < http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2018-pdf/90951-rces003-18/file >.
Acesso em: 8 abr. 2023.
CAROLINO, G.M.. A profissionalização da prática da aviação: uma abordagem
exploratória sobre os rumos do contexto profissional no Brasil. Revista Conexão
Sipaer, Brasilia: DF. Vol. 8, No. 1, pp. 3-9. 2017. ISSN 2176-7777. Disponível
em: < http://conexaosipaer.com.br/index.php/sipaer/article/viewFile/403/347 >.
Acesso em: 6 abr. 2023.
12
Revista da UNIFA, Rio de Janeiro, v. 36, p. 1-12, 2023.
A substituição de cursos de curta duração por cursos de Ciências Aeronáuticas no licenciamento inicial de profissionais aviadores: uma contribuição ao
aumento da segurança da aviação
CAROLINO, G.M.. Introdução às Ciências Aeronáuticas: um ponto de partida.
[s.l]. 2. ed. 2022. ISBN 9798814543318.
CARPENTER, S. K; CEPEDA, N. J.; ROHRER, D.; KANG, S. H. K., & PASHLER, H..
Using spacing to enhance diverse forms of learning: Review of recent research
and implications for instruction. Educational Psychology Review, 24, pp. 369-378, 2012.
CORRÊA, A.C.. Memória, Aprendizagem e Esquecimento: a memória através das
neurociências cognitivas. São Paulo: Editora Atheneu, 2010. ISBN 978-85-388-0100-9.
GIL, A. C.. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas. 2010. 184p.
LIMA, W.H.S; SILVA, TA.. Ciências Aeronáuticas: novas competências e
Habilidades. Revista Conexão Sipaer. Brasília, DF. Vol. 9, No. 2, pp. 21-32. 2018.
Disponível em < http://conexaosipaer.com.br/index.php/sipaer/article/view/501/415
>. Acesso em: 6 abr. 2023.
MAGUIRE, E.A; WOOLET, K.; SIPERS, H.J.. London taxi drivers and bus
drivers: a strutural MRI and neuropsychological analysis. Hippocampus Journal,
London, v. 16, n.12, pp. 1091-1101. 2006. Disponível em: < https://pubmed.ncbi.
nlm.nih.gov/17024677/ >. Acesso em: 24 maio 2023.
NAGERL, U.; HELMCHEN, F.. Biochemical compartmentalization in dendrites.
[Capítulo de livro] In: STUART, G.; SPRUSTON, N.; HAUSSER, M. Dendrites.
3.ed. Oxford University Press. 2016. ISBN 978-0-19-874527-3.
RAMOS, M. G.. Neuropsicologia e aprendizagem [livro eletrônico]. Curitiba, PR.
1.ed. InterSaberes. 2014. ISBN 978-85-443-0003-9.
ROHRER, D.; TAYLOR, K.. The effects of overlearning and distributed practice
on the retention of mathematics knowledge. Applied Cognitive Psychology, 20,
1209 – p. 1224. 2006.
RONDON, M.H.; CAPANEMA, C.F.; FONTES, R.S.. Próxima geração da aviação
profissional: competências essenciais para o aprimoramento da profissão do
piloto no Brasil. Revista Conexão Sipaer. Brasília, DF. v4, n.2. 2013. ISSN 2176-
7777. Disponível em: < http://conexaosipaer.com.br/index.php/sipaer/article/
view/242 >. Acesso em: 6 abr. 2023.
VOE FLORIPA. Cursos EAD Homologados: EAD Voe Floripa – Piloto Comercial
de Avião e Helicóptero. Voe Floripa. Disponível em: < https://voefloripa.com.br/site/
ead-voe-floripa-piloto-comercial-aviao-e-helicoptero/ >. Acesso em: 6 abr. 2023.
Recebido: 19/04/2023
Aceito: 16/08/2023
