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A pedra de uma tonelada: como o rock ‘n’ roll ficou pesado

Authors:

Abstract

O presente artigo apresenta pesquisa bibliográfica, dentro do campo de estudo de gêneros musicais, acerca do desenvolvimento do que convencionou-se chamar de som “pesado” (heaviness) ao longo de aproximadamente sete décadas da história do rock. Embora em sua origem essa característica da estética sonora ainda não fosse determinante, o artigo mostra como ela foi se evidenciando progressivamente com o passar do tempo, tornando-se uma preocupação constante de muitos músicos e até mesmo uma característica definidora de diversos subgêneros do rock.
10.5965/2525530408022023e0103
ORFEU, v.8, n.2, junho de 2023
P. 1 de 25
A PEDRA DE UMA TONELADA:
Como o Rock ‘n’ Roll Ficou Pesado
THE ONE-TON STONE:
How Rock ‘n’ Roll Became Heavy
Leonardo Porto Passos1
Nics-Unicamp
https://orcid.org/0000-0001-9152-2514
leonardo.passos@nics.unicamp.br
Manuel Silveira Falleiros2
Nics-Unicamp
https://orcid.org/0000-0001-8553-0921
mfall@unicamp.br
Submetido em 29/06/2023
Aprovado em 29/08/2023.
Leonardo Porto Passos
Manuel Silveira Falleiros
A Pedra de Uma Tonelada: Como o Rock ‘n’ Roll Ficou Pesado
ORFEU, Florianópolis, v. 8, n. 2, p.2 - 25, jun. 2023.
Resumo
O presente artigo apresenta pesquisa
bibliográfica, dentro do campo de estudo
de gêneros musicais, acerca do desenvol-
vimento do que convencionou-se chamar
de som “pesado” (heaviness) ao longo de
aproximadamente sete décadas da histó-
ria do rock. Embora em sua origem essa
característica da estética sonora ainda não
fosse determinante, o artigo mostra como
ela foi se evidenciando progressivamen-
te com o passar do tempo, tornando-se
uma preocupação constante de muitos
músicos e até mesmo uma característica
definidora de diversos subgêneros do rock.
Palavras-chave: peso (heaviness),
música pesada, rock, guitarra, saturação.
1 Docente na graduação em Cinema e Audiovisual da Unimep. Mestre e doutorando em Música pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas (IA-Unicamp). Pós-graduando em Processos Didático-Pedagógicos para Cursos na Modalidade a Distância pela Univesp. Pós-graduado
em Formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz (2013). Graduado em Letras pela Unip (2008). Pesquisador do Nics. Membro dos grupos de
pesquisa C4 e Genecine. Pesquisas nas áreas de composição musical, design de som (sound design), trilha sonora, comunicação sonora para games
(game audio), design e desenvolvimento de games, ludologia (game studies), programação de áudio, música computacional, cognição musical,
processamento de sinal de áudio (ASP), acessibilidade, gêneros musicais, sonologia (estudo do som), musicologia sistemática, etnomusicologia e
narratologia. https://www.leoportopassos.com.br/
2 Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora da Unicamp - NICS/Unicamp. Professor Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Música do I.A./UNICAMP. Pesquisador carreira PQ-UNICAMP, CIDDIC/COCEN. Compositor, improvisador, saxofonista. Desenvolve
pesquisa em improvisação musical, práticas musicais contemporâneas, análise de música improvisada, criatividade e processos criativos. Coordena
o grupo Improvisação Contemporânea, Processos Criativos e Cognição Musical dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5225053539670789. Dirige o grupo
de música experimental Coletivo Improvisado. manufalleiros.com
Abstract
The present article presents bibli-
ographical research, within the field of
study of musical genres, about the devel-
opment of what is conventionally called
“heaviness” sound over approximately seven
decades of rock history, which in its origin
did not have such a characteristic of sound
aesthetics, but which gradually became ev-
ident over time, becoming a constant con-
cern of many musicians or even a defining
feature of several rock subgenres.
Keywords: heaviness, heavy music,
rock, electric guitar, saturation.
Leonardo Porto Passos
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Introdução
Neste artigo, a partir do viés histórico do rock ‘n’ roll (daqui em diante referido como
rock”), analisaremos a constituição e a importância para esse gênero musical de uma
qualidade psicoacústica que é distintiva, geralmente referenciada como “som pesado”. A
ideia de “peso” (do inglês heaviness) para designar determinadas qualidades particulares
de timbre envolve diversas estratégias, entre elas, o uso de recursos de saturação sonora,
como as distorções, utilizadas ostensivamente no gênero.
Com mais de sete décadas de existência, amplamente difundido e apreciado
por diversas faixas etárias (ao contrário de ser “música para adolescente”, como será
abordado adiante) e por diferentes culturas, perspectivas políticas, gêneros e classes
sociais, o rock é um dos gêneros musicais mais populares do planeta (tendo em vista
o tamanho do público dos shows, a quantidades de festivais realizados no mundo
todo, a venda de mídias e merchandising e a influência do gênero na vida das pessoas)
e têm se beneficiado esteticamente dessa imensa variedade de apreciadores e artis-
tas. Uma vez que sua inerente característica de crítica, que recai sobre seus próprios
dogmas, tem afetado a velocidade com que surgem seus inúmeros subgêneros, já
que a ampla aceitação evoca diversidade, assim como autocrítica, o que faz do rock
um gênero disruptivo e sujeito à inovação. E mesmo diante de tamanha diversida-
de, existem elementos unificadores que permitem que se caracterize essa produção
musical no esteio do que consideramos o gênero rock. Um deles – e talvez o mais sig-
nificativo criativamente, com uma força agregadora que extrapola a musicalidade em
si, mas também se expressa no comportamento, vestuário e demais valores sociais – é
a noção de “som pesado”. Embora não seja indissociável do rock (ou seja, não neces-
sariamente precisa fazer parte de uma música para que seja pertencente ao gênero),
é uma característica concebida e definida pelo rock.
Ainda que alguns de seus subgêneros possam ser considerados como música
“suave”, o estilo se caracteriza, em algum grau, por aquilo que se entende por “som
pesado”. Mesmo que muitas vertentes priorizem uma expressão de agressividade, nem
sempre o rock foi representado por tal característica, contando com outros recursos
para denotar irreverência, indiferença, rebeldia ou qualquer outro tipo de contesta-
ção ao status quo. No início de seu desenvolvimento, o rock era caracterizado como
um estilo energético e dançante, como define o Cambridge Dictionary: “Um estilo
popular de música dançante que começou na década de 1950 nos Estados Unidos,
com pulsação acentuada e enérgica e melodias simples e repetitivas”3 (ROCK…, 2023,
n.p., trad. nossa). O rock surgiu como verdadeira manifestação popular (COVACH;
FLORY, 2018), sem que houvesse um grupo organizado, com valores predefinidos em
um manifesto, por exemplo. Assim, não havia uma unidade geradora; ao contrário, di-
versas foram as influências para a formação do rock, o que resultou em características
estéticas distintas, dependendo do artista e de sua cultura.
3 “A style of popular dance music that began in the 1950s in the US and has a strong, loud beat and simple repeated tunes.
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O rock e suas características primevas
Diversos autores consideram que a base musical do rock tem relação com expressões
populares da música afro-americana, como o blues, o gospel e o rhythm & blues (um blues
mais dançante, com ritmo mais marcado, que chegou a ser tratado como sinônimo de
rock), junto com influências variáveis de música branca norte-americana, como country,
folk e pop (CHACON, 1989; COVACH, 2014; COVACH; FLORY, 2018; FRIEDLANDER, 2018;
MUGNAINI JR., 2022). Dentre suas principais características, neste estágio inicial, é pos-
sível apontar, segundo o professor emérito de Música da California State University, Paul
Friedlander (2018): o segundo e o quarto tempos dos compassos eram enfatizados, batida
rítmica usual no jazz desde os anos 1920 e chamada pelos norte-americanos de beat
(pulsação); melodias simples, com escalas pentatônicas inspiradas no blues; solos, quase
sempre de guitarra, velozes, expressivos e de caráter ríspido; bateria com linha rítmica
enfática e direta; e contrabaixo e guitarras pulsantes. Os vocais, geralmente agressivos ou
sensuais em termos de recepção, costumavam ser carregados de expressividade artística,
ou eram até mesmo gritados. O conteúdo lírico costumava abordar temas como roman-
ces, diversão, música, dança, sexo (de forma um tanto comportada), escola e cotidiano,
sempre por uma perspectiva adolescente. Esse conjunto de características incitava mo-
vimentos corporais nos ouvintes, de forma diferente do que ocorria em outros gêneros
musicais dançáveis, por instigar danças mais sensuais, frenéticas e livres, em próxima in-
tegração entre os músicos e o público, não exigindo passividade por parte deste, e sim
interação, para que todos dançassem e cantassem juntos (CHACON, 1989).
O rock também pode ser considerado como um caso exemplar de expressão musical
direcionada exclusivamente para um faixa etária que até então não pudera constituir e
afirmar o seu espaço social. Na década de 1950, os adolescentes norte-americanos eram
considerados como “pós-crianças” ou “pré-adultos”, sem que ainda houvesse, naquela
época, uma compreensão das características peculiares dessa fase da vida, tampouco um
tratamento adequado às descobertas, aos anseios e às paixões típicas da adolescência. De
acordo com Covach e Flory:
O surgimento do rock and roll, em meados da década de 1950, está ligado à
ascensão do ‘adolescente’ nos Estados Unidos e ao desenvolvimento da cultura
jovem, que incluía não apenas novos gostos musicais, mas também modas dis-
tintas, gírias e filmes que tratavam de temas adolescentes.4 (COVACH; FLORY,
2018, p. 79, trad. nossa).
Desde seus primórdios, o rock recebeu a definição de uma música-símbolo da
rebeldia adolescente. Sua origem ligada à cultura marginal pode ser a razão para que
se tenha fomentado nos adultos brancos uma espécie de paranoia, que os levava a crer
que o rock era uma influência perigosa, que estimulava a delinquência juvenil e práticas
comportamentais tidas como inaceitáveis para a época, como os movimentos de quadril
4 “The emergence of rock and roll in the mid-1950s is linked with the rise of the ‘teenager’ in the United States and the development of youth culture,
which included not only new musical tastes but also distinct fashions, slang, and movies dealing with teen themes.
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e pernas de Elvis Presley (COVACH, 2014; COVACH; FLORY, 2018). Esses elementos
contrapunham um símbolo juvenil de rebeldia e inquietação à rigidez e banalidade de
uma era dominada pelo conservadorismo (FRIEDLANDER, 2018).
De acordo com Gisele Cristina Luiz (2022, p. 29), o conceito de “juventude” surgiu
no meio do século XX a partir da legitimação não deliberada de instituições como “[…]
a família, a escola, o exército e o local de trabalho.”, e só passou a ser consolidado
por conta de fatores como “[…] as políticas de bem-estar social, a crise de autoridade
patriarcal, a expansão dos espaços de consumo juvenis, o prolongamento da escola-
ridade, o alcance dos meios de comunicação de massa e a moral do consumidor mais
relaxado […]”, sociável e moderno. Com isso, os jovens passaram a ser o grupo social
mais presente em diversas atividades sociais, como apresentações musicais, cinemas,
bares, esportes, jogos, casas noturnas, festas, shoppings etc. Segundo Luiz (2022, p.
29), “O rock & roll trouxe um novo ideal de vida para esses jovens, ao mostrar um lado
menos careta de se viver e que de alguma forma poderia os distinguir das outras faixas
etárias por meio de seu comportamento inovador e antes de mais nada contestador.”.
A música costuma ser um marcador potente e sintético de manifestações com-
portamentais que agregam diversas expressões de comunicação social, por meio das
vestimentas, linguagem verbal e corporal etc. Essa dinâmica se observa desde a gênese
do rock, que além de apresentar uma nova sonoridade musical, também inovava em
sua comunicação visual: vestimentas, corte de cabelo, maquiagem e comportamento
social, em uma imagética que expressava um ideal de rebeldia e de quebra com os
padrões vigentes que fascinaram a juventude, que agora se via representada e perten-
cente a um grupo, que traçava as fronteiras simbólicas que o distinguia dos demais
grupos, como ocorre até os dias de hoje (LUIZ, 2022). Essa nova forma de se expressar
acabou se tornando um estereótipo de rebeldia ou delinquência juvenil – inclusive
explorada em filmes de Hollywood. Muito se deve ao fato de contestarem os valores
vigentes, por conta da insatisfação com a política, as religiões, as tradições, o pa-
triarcado etc.; e se, por um lado, isso passou a incomodar as camadas mais conser-
vadoras da sociedade, por outro, tornou-se uma herança para as gerações seguintes,
aos jovens que preferem ser “[…] vistos como rebeldes por não concordarem com os
padrões vigentes.” (LUIZ, 2022, p. 32).
Em sua gênese, com as músicas de Sister Rosetta Tharpe5 (pioneira no uso da gui-
tarra e que foi uma grande influência para a ascensão do electric blues e para o surgi-
mento do rock), Fats Domino, Bill Haley & His Comets, Jackie Brenston & His Delta Cats,
Chuck Berry, Little Richard e Bo Diddley, as danças desimpedidas, o ritmo acelerado, os
vocais gritados e as letras irreverentes davam conta de representar o questionamento
social e a rebeldia juvenil do rock, e em comparação com o contexto atual, o então
5 Ver: <https://www.jstor.org/stable/30041982>, <http://www.beacon.org/Shout-Sister-Shout-P1936.aspx>, <http://www.bbc. co.uk/
programmes/b00xf8k7> e <https://www.rockhall.com/inductees/sister-rosetta-tharpe>.
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novo gênero ainda não poderia ser considerado “pesado”, uma vez que eram presentes
as sonoridades das guitarras “limpas”, sem saturação.6
Definição de peso (heaviness)
Em sua definição lexical (HOUAISS, 2009), a palavra ‘pesado’ tem, entre outras, as
seguintes acepções: que tem muito peso; muito denso; carregado; grosso, espesso;
tenso, opressor; desajeitado, deselegante, desgracioso; exagerado; indelicado, grosseiro,
ofensivo; profundo, intenso; com alto poder de destruição; poderoso; de digestão difícil.
Tais significados são consonantes com a compreensão musical de pesado, “[…]uma
metáfora ontológica existente no nível básico da percepção, com mapeamento conceitual
empregado para processar cognitivamente uma experiência auditiva para a qual não
existem conceitos linguísticos.”7 (HERBST; MYNETT 2022a, p. 17, trad. nossa), que pode
soar como muitas das definições lexicais apresentadas, a depender de quem ouve.
O jornalista musical britânico J. R. Moores apresenta sua definição de “pesado”,
relacionada com a característica transgressora do rock:
Nossa definição de pesado será esta: uma combinação de poder sonoro e
emoção sincera, de todos os tipos e dentro de vários gêneros, executada por
aqueles que valorizam a textura e a densidade do som acima das proezas técnicas
convencionais. Embora o mundo do peso seja vasto e variado, ele tende a ser
sobre ris, densidade do som (muitas vezes via distorção) e ser profundo e grave.
Quase sempre é feito por um conjunto, sejam duas pessoas ou mais, que criam
seu som como uma unidade coesa, não como um meio para destacar os talentos
de um cantor ou músico que se aproveita dos holofotes. A música que depende
demais do virtuosismo e da ostentação, pode-se argumentar, corre o risco de
perder, obscurecer ou diminuir a pureza e a alma de seu peso.8 (MOORES, 2021,
p. 27, trad. nossa).
Moores faz questão de destacar que, em sua acepção, o “peso” se relaciona mais
à simplicidade e sinceridade do que ao virtuosismo exibicionista. Tal afirmação se rela-
ciona com o fato de que o uso massivo de saturação pode comprometer a definição das
notas executadas com a guitarra, além de contrastar com a rebeldia do rock e também
com sua simplicidade – ou despojamento – característica, evidenciada com o uso de
power chords conforme o rock foi se tornando cada vez mais “pesado”.
6 “Efeitos de saturação, ou de ganho, são aqueles utilizados para provocar algum grau de distorção harmônica no sinal de áudio. O exemplo
clássico e original é a distorção gerada pela saturação das válvulas do amplificador. Nesse caso, o processo ocorre da seguinte forma: todo
amplificador possui um limite além do qual é incapaz de reproduzir com fidelidade o sinal de entrada, ou seja, aquele enviado pelo instrumento
a ele conectado. A partir desse limite, o amplificador irá saturar, provocando uma clipagem da onda sonora e produzindo assim a distorção do
sinal de áudio. O som é comprimido, sofrendo a adição de harmônicos até então aparentemente ausentes no som original. Daí o nome ‘distorção
harmônica’.” (FALCÃO, 2022a, p. 138). Exemplos: booster, fuzz, overdrive e distortion.
7 “[…] an ontological metaphor existing at the base level of perception, with conceptual mapping employed to cognitively process an auditory experience
for which no linguistic concepts exist.
8 Our definition of heavy will be this: a combination of sonic power and sincere emotion, of all kinds and within various genres, performed by those
who value texture and density of sound above conventional technical prowess. While the world of heaviness is vast and varied, it tends to be about riffs,
thickness of sound (often via distortion), deep and bassy. It’s almost always made by an ensemble, be this two people or more, who create their sound
as a cohesive unit, not as a conduit to underscore the talents of one spotlight-hogging star singer or player. Music that relies too much on virtuosity and
showboating, it will be argued, risks losing, obscuring or diminishing the purity and soulfulness of its heaviness.”
Leonardo Porto Passos
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Berger (1999, p. 59, trad. nossa) afirma que “[…] qualquer elemento do som musical
pode ser pesado se evocar poder ou qualquer uma das emoções mais sombrias […]”,9
o que vai ao encontro do que apontam Wallach, Berger e Greene (2012) e Weinstein
(2000), de que o “peso” é relacionado ao empoderamento. Ademais, ainda que também
tenha caráter pessoal, o empoderamento é principalmente sociológico (HERBST;
MYNETT, 2022b). A relação com a representação do poder tem seu papel de destaque no
que se refere aos anseios da juventude diante daquele gênero musical, revelando suas
dimensões subjetivas, relacionadas a qualidades emocionais e associativas. Uma vez
que o “peso” pode ser compreendido como uma “[…] categoria discursiva que implica
uma coleção de características sonoras e abordagens de performance/composição.”10
(MYNETT, 2019, p. 66, trad. nossa), cabe-nos aprofundar a investigação para chegarmos
a uma noção mais calcada em suas características sonoras.
Como ponto de partida, tomamos a afirmação de que “O peso [heaviness] musical é
comumente caracterizado pelo peso [weight] sonoro, alcançado por meio de um espectro
distinto de baixa frequência […].”11 (HERBST; MYNETT, 2022b, p. 17, trad. nossa). Ou seja,
“Descer a afinação da guitarra é altamente eficaz para estender seus graves, escurecer o
timbre e ganhar potência.”12 (MYNETT, 2013, p. 44, trad. nossa). A utilização de afinações
mais baixas (down-tuning) que a comumente utilizada na guitarra (E standard, com as
cordas afinadas na seguinte sequência, da mais grave para a mais aguda: E, A, D, G, B, e) é
muito comum em gêneros como o sludge e o doom metal, que têm como característica
o “peso” levado a níveis extremos, além de andamentos lentos.
O volume alto (WALSER, 1993; WILLIAMS, 2015) e o uso de efeitos de distorção
(BERGER, 1999; BERGER; FALES, 2005; MYNETT, 2013), principalmente em guitarra
rítmica,13 também são intimamente relacionados com o “peso”, já que a “[…] distorção
simula a conversão da guitarra de um instrumento pinçado para um instrumento com
sustentação ou condutor, e essa transformação pode ser parte da correlação acústica
com a experiência perceptiva de peso.”14 (BERGER; FALES, 2005, p. 194, trad. nossa).
Na guitarra elétrica, diversos elementos são responsáveis pela distorção do sinal,
a começar pela vibração das cordas; passando pelos captadores, cabos, pedais de
efeito15 (overdrive, distorção e fuzz), válvulas do pré-amplificador e do amplificador de
9 “[…] any element of the musical sound can be heavy if it evokes power or any of the grimmer emotions […].
10 “[…] discursive category that implies a collection of sonic characteristics and performance/compositional approaches.”
11 Musical heaviness is commonly characterized by sonic weight, achieved through a distinctive low-frequency spectrum […].
12 Tuning down the guitar is highly effective to extend its low-end, darken the timbre and gain power.”
13 Em uma banda, a guitarra rítmica se ocupa do ritmo na música ao invés da melodia, que é tocada pela guitarra solo (lead guitar): “A guitarra
base é uma parte fundamental da seção rítmica de uma banda, que impulsiona a música, a batida e a melodia. A seção rítmica de uma banda
marca o tempo e dá a batida à música, desacelerando ou acelerando o andamento em momentos críticos, trabalhando em conjunto como uma
unidade. (Rhythm guitar is a key part of a band’s rhythm section that propels the song, beat, and melody forward. A band’s rhythm section keeps time and
gives the song its beat, slowing down or speeding up the tempo at critical times, working together as a unit.)” (NEMEROFF, [s.d.], n.p.).
14 “[…] distortion simulates the conversion of the guitar from an impulsive to a sustained or driven instrument, and this transformation may be part of
the acoustic correlate to the perceptual experience of heaviness.”
15 “Pedais de efeito […] são processadores de efeitos compactos que apresentam o formato de pequenas caixas com circuitos eletrônicos
projetados para produzirem um ou mais efeitos de áudio. Em geral, apresentam controles rotativos (knobs) e, mais raramente, controles desli-
zantes (sliders), alguns contam com chaves (switches) e apresentam um ou mais footswitches [botões acionados com os pés] de acionamento. São
Leonardo Porto Passos
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potência; alto-falante, o tipo de gabinete e o tipo do microfone e seu posicionamento
diante dos alto-falantes (HERBST, 2017a). Mynett (2017, p. 9) afirma que a distorção
costuma ser associada a “[…] peso, tamanho e densidade. […] volume/amplitude, poder,
agressividade, energia, emoção e intensidade.”,16 já que os seres humanos costumam
exceder as capacidades de suas cordas vocais em situações de altos níveis de emoção,
energia ou agressão, com gritos ou berros, em que a distorção vocal é observada. Ou seja,
os estados emocionais percebidos com o “peso” da guitarra podem estar associados,
por analogia, aos que são relacionados com a “saturação” da voz humana, como poder,
agressividade, energia e intensidade.
O “peso” também é resultado de frequências agudas penetrantes, grande pressão
sonora (loudness), dissonância harmônica e certa quantidade de ruído (WALSER, 1993;
WEINSTEIN, 2000; MYNETT, 2013; WILLIAMS, 2015; BERGER; FALES, 2005), parâme-
tros que também são afetados pela distorção: “A distorção comprime o sinal e produz
parciais harmônicos e inarmônicos, sustentação e um envelope dinâmico mais plano.
Esses efeitos acústicos resultam em um som mais brilhante, rugosidade e flutuações
de amplitude, que são percebidos como ruído ao redor do tom.”17 (HERBST, 2018, p.
96, trad. nossa). O ruído sempre foi explorado no desenvolvimento do rock (GRACYK,
1996), independentemente do uso de distorção, seja como feedback aleatório advindo
dos amplificadores, como os ruídos resultantes dos golpes contundentes nas cordas da
guitarra ou o volume sonoro exacerbado praticado recorrentemente.
O correto ajuste do espectro de frequências também é fundamental para repre-
sentar a noção de “peso” (heaviness). Frequências agudas contribuem para representar a
agressividade (HERBST, 2017a), o que influenciou no incremento das frequências agudas
das guitarras, que aumentaram de cerca de 5 kHz na década de 1970 para 8,3 kHz na
década de 1990 (BERGER; FALES, 2005). Já as frequências graves são responsáveis pela
sensação de peso (weight) sonoro, e é um desafio ajustá-las corretamente para que não
se perca a transparência e a definição do som (MYNETT, 2012).
A palhetada também é uma questão a ser considerada. Ela pode ser realizada
de maneira rápida e com pouca intensidade para permitir maior velocidade, como a
técnica da palhetada tremolo,18 ou pode ser executada de forma mais intensa e forte,
principalmente nas partes mais cadenciadas ou lentas, como os breakdowns (uma
“quebra” – em tradução livre – no andamento da música), ou na técnica de palm
mute19 (“mutar com a palma da mão”). Essa técnica realça levemente os médio-graves
e intensifica as frequências mais graves (low-end bass), o que produz um som pode-
roso e extremamente pesado quando combinado com saturação intensa (HERBST,
normalmente dispostos no chão, individualmente ou em pedalboards [pedaleiras para disposição dos pedais], e acionados com os pés [no caso dos
footswitches, que ligam/desligam os pedais] pelo instrumentista;” (FALCÃO, 2022a, p. 16).
16 “[…] weight, size, and density. […] loudness, power, aggression, energy, emotion, and intensity.”
17 Distortion compresses the signal and produces harmonic and inharmonic overtones, sustain and a flatter dynamic envelope. These acoustic effects
result in a brighter sound, roughness and amplitude fluctuations, which are perceived as noise surrounding the tone.”
18 Ver: <https://www.guitarworld.com/lessons/how-melt-faces-combining-tremolo-picking-and-tapping>.
19 Técnica que consiste em abafar parcialmente as cordas, na região próxima à ponte, com a lateral da mão para produzir um som mais
percussivo, com ataque acentuado e decaimento curto e mais silencioso (HERBST, 2017b).
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2017a), modo como é mais comumente utilizado. As palhetas para guitarra, apesar de
serem um acessório extremamente simples, sem muitas possibilidades de evolução,
atualmente vêm recebendo atualizações que visam contribuir para o aumento da ve-
locidade ou da intensidade.20
Além disso, andamentos muito lentos ou rápidos e tonalidades específicas foram ad-
quirindo, pelo seu uso e reforço na cultura, a qualidade de percepção de “peso” (BERGER,
1999; HAGEN, 2011). Um exemplo apontado por Walser (1993) é a percepção de que
modos específicos, especialmente os menores, como o dórico, eólio, frígio e lócrio, são
empregados em subgêneros considerados mais “pesados” ou “sombrios”. Outro aspecto
que pode ser associado ao peso é a estética (proposital ou não) lo-fi (contração de low-fi-
delity: baixa fidelidade) (HAGEN, 2011; REYES, 2013), muito comum nas bandas de rock da
década de 1960 e depois resgatada nas cenas punk e hardcore da década de 1980 e nas
cenas de metal extremo e grunge da década de 1990. Essa estética é caracterizada pelo
uso, muitas vezes deliberado, de características que geralmente são percebidas como
imperfeições indesejáveis em gravações ou performances, ou seja, daquilo que é inter-
pretado ou considerado normativamente como imperfeições, com ênfase particular nas
imperfeições na própria tecnologia (HARPER, 2014).
Podemos elencar algumas das experiências pioneiras em relação à construção
de uma sonoridade específica que pudesse representar musicalmente as pretensões
estilísticas que diversos músicos e grupos buscavam atingir. Eddie Cochran, com
músicas como “Summertime Blues” e “C’mon Everybody”, ambas de 1958, já fazia
seus primeiros experimentos com gravação multipista, overdubbing (empilhamento
de camadas de áudio) e distorção. Em “Somethin’ Else” (1959), também de Cochran, o
peso e agressividade são mais evidentes, rivalizando com a instrumental “Rumble”, de
Link Wray (1959), que utilizava efeitos de distorção e tremolo e chegou a ser banida
de certas rádios da época. Em 1962, Dick Dale & His Del-Tones lançou a influente
“Misirlou”, versão de uma música folclórica da região do Mediterrâneo Oriental, que
dentro de seu contexto, foi entendida como uma expressão de virtuosismo, com sua
técnica de palhetada tremolo, sonoridade que foi incorporada em gêneros mais extre-
mos da atualidade, como grindcore e black metal. Dois anos depois, The Kinks lançou
“You Really Got Me” (1964), tida como uma das precursoras do que viria ser a base do
heavy metal, ou proto-metal (TRASH THEORY, 2020). Os Rolling Stones, com “(I Can’t
Get No) Satisfaction” (1965), o The Who, com “My Generation” (1965) e “Substitute”
(1966), e o 13th Floor Elevators, com “You’re Gonna Miss Me” (1966), também fizeram
uso de saturação e enfatizaram a energia na execução das músicas, o que contribuiu
para o aumento daquilo que se percebe como “agressividade”. O ano de 1967 marcou
o lançamento da música “Sunshine of Your Love”, do The Cream, com considerável
uso de overdrive, além do lançamento do álbum Are You Experienced, de The Jimi
Hendrix Experience, que explorou os limites do que se considerava pesado para a
época, com volume sonoro alto e grande quantidade de fuzz, principalmente na faixa
“Purple Haze”. No ano seguinte, 1968, os Beatles lançaram seu álbum homônimo,
20 Ver: <https://attakpik.com/> e <https://rombopicks.com/>.
Leonardo Porto Passos
Manuel Silveira Falleiros
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também conhecido como “White Album”, que continha a música “Helter Skelter”, até
então “[…] a faixa de rock ‘n’ roll mais atrevida, barulhenta, ridícula e ruidosa já grava-
da.”21 (MOORES, 2021, p. 19). Em 1967, a banda norte-americana Blue Cheer gravou a
cover de “Summertime Blues”, de Cochran, incluindo-a no disco Vincebus Eruptum,
lançado no ano seguinte; a banda Steppenwolf lançou “Born To Be Wild”; a banda Iron
Butterfly apresentou a música “In-A-Gadda-Da-Vida” e a banda Deep Purple lançou
seus dois primeiros discos, Shades of Deep Purple e The Book of Taliesyn.
Em 1969, alguns eventos marcantes na sociedade americana são considerados deci-
sivos para se estabelecer uma diferenciação relacionada à estética musical no estilo. Entre
eles, o assassinato da atriz Sharon Tate, cometido pelos discípulos de Charles Manson,
que se dizia influenciado pelo White Album dos Beatles, em especial pela música “Helter
Skelter”. O trágico acontecimento foi considerado um dos eventos que simbolizam o fim
da era hippie e o início de uma época mais pessimista, cínica, sombria e mórbida (MOORES,
2021). Nesse mesmo ano, o Led Zeppelin apresentou Led Zeppelin e Led Zeppelin II, seus
dois primeiros discos, culminando, um ano depois, nos dois primeiros discos da banda que
se tornou o ícone do rock pesado, mais precisamente do heavy metal, o Black Sabbath,
com Black Sabbath e Paranoid.
De todas essas experiências relatadas, podemos observar a importância, desde
os pioneiros do estilo, do uso recorrente do artifício da extrapolação de limites com
objetivo de obter saturação de elementos sonoros, ora com uso do volume, ora do
processamento de sinal, ora da velocidade pelo virtuosismo, entre outros. Isso pode
representar e exemplificar como a constituição do rock, em termos de sonoridade,
absorveu esses elementos que, independentemente de seu modo, dão sua contri-
buição na sensação de peso, no sentido de “suportar” uma quantidade limítrofe de
informações musicais.
Amplificadores e guitarras elétricas
Para entender a evolução do conceito de “pesado” na história do rock, é indispensável
despender alguma atenção àquela que é provavelmente a epítome do gênero musical em
questão, ou ao menos o instrumento que proporcionou a sua gênese e desenvolvimento
tal qual o conhecemos hoje. Ainda que não tenha sido criada com tal propósito, a guitarra
foi um verdadeiro pivô para as transformações iniciadas na década de 1950 em torno da
juventude; um instrumento novo que não precisou emprestar valores de uma tradição;
mais aberto a inovações e experimentos; e que teve em um também novo gênero musical
o ambiente adequado para o desenvolvimento criativo conjunto, em mútua contribuição
para a concepção de uma nova linguagem estética, que até hoje tem nesse instrumento
musical um símbolo.
As guitarras elétricas surgiram inicialmente para responder a uma necessidade
específica, relacionada à projeção sonora, já que muitos violonistas sentiam que o
som de seus instrumentos “sumia” durante as apresentações musicais diante de ins-
trumentos com maior potência sonora ou diante dos ruídos provocados pelo público,
21 “[…] the most raunchy, loud, ridiculous and noisy rock ‘n’ roll track yet recorded.”
Leonardo Porto Passos
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o que demandava maior amplitude sonora.22 Tal desenvolvimento só foi possível por
conta de George Beauchamp, inventor do primeiro captador eletromagnético de gui-
tarra totalmente funcional. Esse componente, que pode ser considerado um dos mais
(senão o mais) importantes de uma guitarra; é responsável por converter as vibrações
das cordas em sinais elétricos que podem ser amplificados (TOLINSKI; DI PERNA, 2017).
A partir de sua invenção, Beauchamp trabalhou com Adolph Rickenbacker na criação da
primeira guitarra elétrica, a Rickenbacker Electro A-22,23 mais conhecida pelo apelido
de Frying Pan.24
Mas os captadores não teriam qualquer utilidade se não existissem os amplifica-
dores, que por sua vez, não existiriam sem os tubos a vácuo (vacuum tubes). Conhe-
cidos popularmente no Brasil como “válvulas” – assim como no Reino Unido, onde
são chamados de valves –, esses dispositivos foram desenvolvidos pelo engenheiro
Lee De Forest em 1907 para amplificar correntes elétricas fracas. Semelhantes a uma
lâmpada, as válvulas são constituídas por um cilindro de vidro fino selado a vácuo com
um fio metálico transpassado por onde percorre o sinal elétrico. O fluxo de elétrons
torna-se mais potente por um sistema de pequenas placas de metal aquecidas dentro
da válvula. Esse aumento de potência é regulado por um componente chamado
“grade”, com voltagem elétrica variável para controlar o fluxo de elétrons aquecidos,
semelhante ao funcionamento de uma torneira (por isso o nome “válvula”). Quando o
knob de volume de um amplificador de guitarra valvulado é girado em sentido horário,
a tensão da grade é aumentada, o que aumenta o fluxo de elétrons aquecidos e torna
o som mais alto, com mais amplitude (TOLINSKI; DI PERNA, 2017, p. 13).
Em 1921, Chester W. Rice, da General Electric Corporation, e Edward W. Kellogg,
da AT&T, criaram o primeiro alto-falante com cone de papel, o que permitiu uma in-
crível ascensão ao rádio e às vitrolas, que na época emitiam som por meio de uma
pesada buzina acústica. O alto-falante de Rice e Kellogg proporcionou considerável
melhoria sonora, e seu design pode ser considerado basicamente o mesmo até hoje.
O dispositivo emprega uma bobina eletromagnética para converter sinais elétricos
de um amplificador valvulado em vibrações sonoras que são transferidas ao cone de
papel ressonante. O resultado é um som com faixa de frequência consideravelmente
mais completa que a dos antigos alto-falantes, principalmente após a adição do gabi-
nete de madeira no qual é montado, o que conferiu ainda mais alcance de frequência,
com graves mais proeminentes (TOLINSKI; DI PERNA, 2017, p. 13-14).
Diante desse panorama de inovações, George Beauchamp foi visionário ao vislum-
brar as possibilidades de uso dos amplificadores valvulados, o que serviu de inspiração
para a criação dos captadores e, consequentemente, das guitarras elétricas: “Se você pode
22 Mais tarde, seria descoberto que volume alto é um dos principais componentes para a obtenção do som pesado (WALSER, 1993; WEINS-
TEIN, 1991; WILLIAMS, 2015).
23 Ver: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/729575> e <https://youtu.be/wNnYdsITnrw>.
24 O instrumento foi finalizado em 1931, lançado comercialmente em 1932 pela Ro-Pat-In Company (depois renomeada como Rickenbaker),
registrado em 1934 e patenteado em 1937 (TOLINSKI; DI PERNA, 2017).
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amplificar ondas de rádio, […] por que não amplificar ondas de vibração?”25 (TOLINSKI; DI
PERNA, 2017, p. 16, trad. nossa). Seu invento foi bem-sucedido, e como a Frying Pan só
foi patenteada cinco anos após seu lançamento comercial, muitas empresas puderam
lançar produtos similares sem que houvesse problemas judiciais por conta de viola-
ção de patente. Assim surgiram muitas novas guitarras elétricas no mercado, como a
da Vivi-Tone, em 1932; os modelos da Gibson, Volu-Tone e Dobro, em 1933; Regal e
a linha Electar da Epiphone (que foi adquirida pela Gibson em 1957), em 1935; Vega,
Slingerland e Sound Projects, em 1936; e Audiovox, no início de 1937. A maioria dessas
guitarras possuía captadores com design muito próximo ao criado por Beauchamp.
Mais adiante, começaram a surgir guitarras com alguma inovação em relação a
Frying Pan e suas sucessoras. São marcas e modelos famosas até hoje, como a Gibson
ES-150,26 de 1936, uma semiacústica com apenas um captador de bobina única (single-
-coil) próximo ao braço (neck) (as guitarras anteriores vinham com captador próximo
à ponte (bridge); a Fender Telecaster,27 com dois single-coils, sendo que o captador
da ponte trazia um voicing (sonoridade) bem característico, com bastante twang
(onomatopeia para expressar um timbre particular), e foi a primeira guitarra a ter o
braço parafusado ao corpo, sendo comercializada como uma opção popular, mais
econômica; a Gibson Les Paul,28 de 1952, a primeira guitarra com corpo sólido e dois
captadores (ponte e braço) de bobina dupla (humbuckers), com som mais “quente” e
encorpado; a Gretsch 6120,29 de 1954, semiacústica que inicialmente vinha com dois
captadores single-coils (Dynasonics) e a partir de 1957 passou a ter também a opção
de dois humbuckers (Filtertrons); e a Fender Stratocaster,30 de 19554, com três single-
-coils, na configuração ponte, meio e braço (TOLINSKI; DI PERNA, 2017).
O surgimento da saturação
De acordo com Glenn D. White e Gary J. Louie (2005), em todo dispositivo de
áudio, como um amplificador ou gravador, o sinal de saída (output) não é uma réplica
perfeita, sem nenhuma alteração, do sinal de entrada (input). Devido ao sistema não ser
perfeitamente linear,31 o sinal de saída sempre terá alguma distorção em comparação
ao sinal de entrada, ao menos em sua forma mais básica, o que ocasiona a distorção
25 If you can amplify radio waves, […] why not amplify vibration waves?
26 Ver: <https://www.vintageguitar.com/36268/the-original-es-150/>.
27 Ver: <https://www.premierguitar.com/gear/1950-fender-broadcaster>. Originalmente, era chamada de Broadcaster, e teve seu nome alte-
rado por conta de conflito de marca registrada com a rival Gretsch, que possuía um modelo chamado Broadkaster.
28 Ver: <https://www.gibson.com/en-US/page/gibson-les-paul>.
29 Ver: <https://www.vintageguitar.com/16687/earliest-gretsch-6120/>.
30 Ver: <https://www.musicradar.com/news/guitars/in-praise-of-the-fender-stratocaster-521292>.
31 “Diz-se que um sistema, circuito ou componente é linear se satisfizer as condições de proporcionalidade e aditividade, ou seja, se o seu nível
de saída varia suavemente em proporção às alterações do nível de entrada, e se a entrada x causa a saída X e a entrada y causa a saída Y, então x
+ y na entrada deve causar X + Y na saída.” (A system, circuit, or component is said to be linear if it meets the conditions of proportionality and additivity,
that is, if its output level changes smoothly in proportion to input level changes, and if input x causes output X and input y causes output Y, then x + y at the
input must cause X + Y at the output.) (WHITE; LOUIE, 2005, p. 214-215, trad. nossa).
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harmônica, com harmônicos do sinal de entrada adicionados ao sinal de saída. Cada
dispositivo apresenta tipos variados de distorção harmônica: um gravador de fita ana-
lógico adiciona, quase exclusivamente, harmônicos de ordem ímpar (principalmente
o terceiro), enquanto um amplificador adiciona harmônicos de ordem par e ímpar.
Amplificadores valvulados adicionam harmônicos de ordem inferior, já os transisto-
rizados tendem a adicionar harmônicos de ordem superior. Em partes, isso é o que
causa as diferenças de som entre dispositivos de áudio distintos. Amplificadores e
pré-amplificadores causam esse tipo de distorção quando sobrecarregados, o que é
explorado por guitarristas para aumentar o punch (“soco”, “força” ou “impacto”, termo
que se refere à dinâmica dos transientes).
No fim da década de 1940, os músicos de blues, quando saíram do campo e foram
para as cidades grandes, como Chicago, viram-se obrigados a substituir violões por
guitarras elétricas e amplificadores para que pudessem ter mais amplitude para tocar
nas ruas e nos bares (TOLINSKI; DI PERNA, 2017; MOORES, 2021). Tais músicos eram
de origem bastante humilde, pois até pouco tempo, viviam as atrocidades da escravi-
dão nos EUA, e assim não possuíam condições financeiras para comprar equipamentos
mais sofisticados. Com isso, precisavam recorrer a modelos baratos, que eram peque-
nos, com baixa potência e pouco headroom.32 Amplificadores com pouco headroom
saturam facilmente, principalmente quando o knob de volume precisa ficar no máximo,
ou próximo disso, para que a música possa ser ouvida em ambientes ruidosos, como
ruas de grandes centros urbanos ou em meio às conversas e agitação de bares. Mas o
que poderia ser um problema resultante das limitações tecnológicas da época, logo
passou a ser adotado como recurso estético, dando origem ao overdrive. Decorrente da
clipagem33 do sinal de áudio produzida pela saturação das válvulas do amplificador, esse
efeito se torna parte fundamental da linguagem da guitarra. Sobre esse tópico, Marcos
Falcão observa que:
É curioso, e revelador, notar como o rock, enquanto gênero musical que apresen-
ta a guitarra como instrumento central, teve seu período considerado hoje como
“clássico” (de meados dos anos 1960 a meados da década de 1970) exatamente
durante a primeira “época de ouro” dos efeitos de áudio. O que não se trata, evi-
dentemente, de mera coincidência. No rock, a criatividade e a tecnologia musical
sempre andaram de mãos dadas, a ponto de podermos afirmar que sua estética
32 Headroom é a diferença entre o nível mais alto presente em um determinado sinal e o nível máximo que o dispositivo pode suportar sem
distorção perceptível (WHITE; LOUIE, 2005). Ou seja, é a quantidade de potência e volume proporcionada pelo amplificador antes que ele comece
a distorcer. Amplificadores com pouco headroom, geralmente de baixa potência, com até 15 watts RMS, tendem a produzir saturação a partir de
volume médio, ao contrário dos amplificadores de alta potência, acima de 30 watts RMS, que só começam a saturar com altos níveis de volume.
33 Se um sinal de áudio é enviado a um dispositivo, como um amplificador ou pedal de efeito, que não pode acomodar seus requisitos máximos
de voltagem ou corrente, há o efeito de clipagem, ou seja, a forma de onda (waverform) é “cortada” em suas extremidades/picos, o que resulta
em grande quantidade de distorção harmônica, soando de forma dura e áspera (rough and harsh). Portanto, a clipagem é o que normalmente
ocorre quando a saída de um amplificador está sobrecarregada ou seu estágio de entrada está saturado por um pedal, por exemplo. Pode ocorrer
clipagem severa (hard clipping), em que o corte dos picos da onda é muito evidente e quadrado, produzindo alto conteúdo harmônico; ou clipagem
suave (soft clipping), com corte de picos mais ameno e arredondado, soando de modo menos duro e agressivo, pois contém menos frequências
altas. No caso de amplificadores de potência (power amp), os valvulados tendem a clipar de forma mais suave quando sobrecarregados do que
os transistorizados. Amplificadores de sinal pequeno, como pré-amplificadores (preamp) de microfone, geralmente produzem clipagem severa,
especialmente os transistorizados (WHITE; LOUIE, 2005). “O termo clipagem se refere ao corte que ocorre nas extremidades de uma onda so-
nora, quando um circuito é exigido além de sua capacidade de reproduzir com fidelidade um determinado sinal, provocando o que chamamos de
‘distorção harmônica’.” (FALCÃO, 2022, p. 188).
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evoluiu, em grande parte, em função da exploração dos recursos tecnológicos
disponíveis em cada época. Em contrapartida, o desenvolvimento da tecnologia
musical sempre foi fortemente estimulado por uma intensa demanda por parte
dos músicos do gênero. (FALCÃO, 2022b, p. 294).
Um amplificador pode proporcionar distorção de três formas distintas (FALCÃO,
2022a): 1) pré-amplificador (preamp): a mais comum, produzida pela saturação das
válvulas do preamp, facilmente obtida em amplificadores com circuito de volume
global (master),34 com o aumento do controle de ganho; 2) amplificador de potência
(power amp): mais difícil de ser obtida, é produzida pela saturação das válvulas de
saída, e portanto, só é alcançada com volume elevado, e tende a oferecer punch e
clareza; 3) alto-falantes: acompanha a distorção do power amp e costuma adicionar
harmônicos ímpares, mas atualmente é menos usual do que foi no passado.
No início da década de 1950, quando ainda não existiam efeitos de saturação, era
relativamente comum que músicos tirassem proveito de equipamentos danificados. Em
1951, orientado pelo produtor musical Sam Phillips para que utilizasse um amplificador
cujo cone do alto-falante havia sido danificado no transporte para o estúdio, o guitar-
rista Willie Kizart obteve um timbre “sujo” com sua guitarra para a gravação da música
“Rocket 88”, 35 de Jackie Brenston & His Delta Cats (que eram Ike Turner e os Kings of
Rhythm), uma das primeiras gravações de rock da história (FALCÃO, 2022a). A partir de
então, alguns músicos passaram a danificar propositalmente os cones dos alto-falantes
para que o som soasse distorcido, à semelhança do que depois veio a ser conhecido
como overdrive ou fuzz. Com o advento do rock, artistas como Link Wray elevavam ao
máximo o volume de seus amplificadores e furavam os cones dos alto-falantes para que
produzissem distorção, como ficou registrado na gravação de sua música “Rumble”,36
de 1958 (LUX; ORKIN, 2021).
A explosão de transformadores defeituosos deu origem ao efeito de fuzz. O
incidente se deu durante 1960, quando o vocalista e guitarrista Marty Robbins estava
gravando sua música “Don’t Worry”37 no Quonset Hut Studio, em Nashville, e o baixista
Grady Martin estava com seu baixo de seis cordas plugado em uma nova mesa de
mixagem que o estúdio havia adquirido recentemente. Sem que ninguém soubesse,
havia transformadores com defeito no aparelho, que explodiram durante a sessão
de gravação, o que passou a causar distorção no som do contrabaixo. Por sugestão
do engenheiro de som, Glenn Snoddy, a gravação foi mantida com o equipamento
defeituoso, o que deu origem ao primeiro efeito de fuzz da história (LUX; ORKIN, 2021).
De acordo com Falcão (2022a), o termo fuzz se refere a um efeito de saturação de
clipagem severa do sinal de áudio, com corte brusco das extremidades da onda sonora,
que sofre um achatamento (compressão), aproximando-se da forma de onda quadrada.
34 O knob “volume” controla a amplitude de sinal logo no início do processo de amplificação, no pré-amplificador, enquanto o knobmaster
define a amplitude final, no amplificador de potência.
35 Ver: <https://youtu.be/eAwUesMFM1E>.
36 Ver: <https://youtu.be/ucTg6rZJCu4>.
37 Ver: <https://youtu.be/NgZAoJQSNW4?t=86>.
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A distorção produzida geralmente realça os harmônicos ímpares, soando mais agressiva,
“suja” e ruidosa que a de um overdrive (“ultrapassar”, “extenuar”).
Nesse período incipiente da gravação musical, a distorção era vista como uma
aberração sônica, um erro que precisava ser contido, corrigido e eliminado para se obter
o som mais nítido e limpo que tecnologia permitisse. Foi então que alguns músicos,
principalmente de rock, perceberam que tal “acaso” ou “efeito colateral” soava muito
interessante e poderia ser utilizado de forma criativa, inovadora (MOORES, 2021).
Ainda em 1960, Martin gravou, com o mesmo pré-amplificador defeituoso, uma
música instrumental que foi intitulada como “The Fuzz”.38 Outros artistas manifestaram
interesse ao Quonset Hut quanto ao timbre criado acidentalmente pelo console, que
já não estava mais funcionando. Diante disso, Snoddy contatou Revis V. Hobbs, técnico
em eletrônica que estava interessado em transistores (componentes eletrônicos que
amplificam sinais elétricos, em substituição às válvulas), para solicitar a criação de um
dispositivo que pudesse recriar aquele timbre da sessão de gravação com Robbins e
Martin. O projeto de um circuito de pedal de efeito com três transistores de germânio
foi apresentado à Gibson em 1961. Assim surgiu, em 1962, o Maestro FZ-1 Fuzz-To-
ne,39 o primeiro pedal de fuzz da história e também o primeiro pedal de saturação.
Mas o Fuzz-Tone não alcançou o sucesso comercial esperado, até que, três anos após
seu lançamento, a banda inglesa Rolling Stones lançou o single “Satisfaction”. A partir
de então, o FZ-1 se tornou um sucesso, o que levou outros designers a criarem seus
próprios circuitos de fuzz, dando origem a novos pedais de saturação, como o Sola
Sound Toner Bender (1965). Projetado por Gary Hurst, o pedal apresentava também
três transistores de germânio, mas com o diferencial de possuir mais sustentação que
seu antecessor e concorrente. O sucesso deu origem a duas novas versões no ano se-
guinte: o Toner Bender “MK1.5”,40 sem qualquer identificação de ser uma nova versão,
e que agora vinha com dois transístores de germânio; e o Toner Bender Professional
MKII,41 também com circuito de três transistores, que foi utilizado por Jimmy Page nas
gravações do primeiro disco homônimo do Led Zeppelin, de 1969 (LUX; ORKIN, 2021).
A partir de então, os pedais de fuzz ficaram muito populares entre guitarristas, e assim
surgiram dezenas de novos modelos no mercado. Os pedais de saturação se tornaram
padrão no universo do rock, agora consideravelmente mais forte e agressivo.
Todos esses pedais de fuzz apresentam a característica comum de possuírem tran-
sístores de germânio em seu circuito, elemento químico inconsistente e imprevisível por
ser bastante suscetível a mudanças climáticas, além de ser relativamente caro. A partir
desse problema, alguns fabricantes passaram a utilizar transístores de silício, por serem
38 Ver: <https://youtu.be/m57QOAjwOjk>.
39 Ver: <http://www.vintageguitar.com/17397/maestro-fuzz-tone/> e <https://www.maestroelectronics.com/en-US/Pedal/Fuzz-Tone/
MOCFTP>.
40 Versão esta que serviu como base para o Arbiter Fuzz Face, lançado também em 1966 por Ivor Arbiter e que ficou extremamente popular por
conta de seu mais famoso usuário, Jimmy Hendrix, a quem seu amigo, o engenheiro Roger Mayer, desenvolveu o pedal Octavia (1967), inovador
por reproduzir o sinal de entrada da guitarra uma oitava acima mixado com o sinal original adicionado de fuzz. Ver: <https://www.roger-mayer.
co.uk/octavia.htm> e <https://youtu.be/WGoDaYjdfSg?t=72>.
41 Ver: <https://www.macaris.co.uk/sola-sound-pro-mkii-tone-bender-by-david-main/p/p173>.
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mais baratos e estáveis, e com timbre mais áspero, como o Tone Bender MKIII (1968), em
algumas unidades específicas, e o Fuzz Face (1969). Outra grande adição aos pedais de
fuzz, o Electro-Harmonix Big Mu Pi,42 foi projetado por Mike Matthews e Bob Myer em
Nova Iorque, lançado oficialmente em 1969 e “Reverenciado por guitarristas contem-
porâneos e lendas do rock por sua sustentação rica, cremosa e semelhante a um violino
[…].”43 (BIG…, [s.d.], n.p., trad. nossa). O pedal apresenta som grande e encorpado, acentu-
ação de graves, agudos suaves, atenuação nas frequências (scooped, “escavado”) e som
bem definido diante de características aparentemente contraditórias (JOUAUD, 2022). O
prestígio entre guitarristas resultou em mais de três dezenas de versões, com diversos
tipos de variações que, desde então, são utilizadas em apresentações e gravações por
incontáveis artistas do mundo todo.
O Big Mu usa quatro estágios de transístores de silício. O primeiro estágio realiza
o clean boost (“impulso/reforço limpo”), os próximos dois estágios de clipagem são res-
ponsáveis pela distorção. O quarto e último estágio é responsável pela recuperação de
timbre, que resgata a perda de volume pois seu tone stack44 é passivo e o pedal perde
algum volume por conta disso (JOUAUD, 2022). Ou seja, dois transistores amplificam o
sinal de entrada e saída e os outros dois lidam com os estágios de clipagem de distorção
(RAE, 2020). O circuito do Big Mu é baseado em um projeto de amplificador comum,
com clipagem de diodo/feedback loops. Os estágios de clipagem em circuitos de amplifi-
cadores não eram novidade no mundo dos pedais de efeito quando o Big Mu foi criado.
O que torna único o seu circuito são as duas seções quase idênticas de clipagem em linha
e as mudanças sutis nos valores do capacitor e do resistor para atenuar e moderar o sinal
conforme ele passa pelos dois estágios (RAE, 2012). Tecnicamente, o Big Mu não é um
fuzz, e sim uma distorção, mas na prática, devido aos seus dois estágios de clipagem, o
som resultante é tão saturado e comprimido que se aproxima mais das características de
um fuzz (JOUAUD, 2022). De todo modo, a fabricante afirma tratar-se de um “distortion
sustainer”, e os projetistas Myer e Matthews relatam:
O Big Mu foi projetado após análise dos pedais de distorção em uso na época.
Ele é uma forma de obter sustentação com distorção aceitável usando diodos
como limitadores suaves. [...] O Big Mu gera harmônicos do sinal de entrada
que são filtrados pelo circuito e produz as diferenças no som.45 (MYER, 2010
apud RAE, 2020, n.p., trad. nossa).
Quando recebi o protótipo de Bob, adorei a longa sustentação. Isso foi feito pela
cascata do circuito em seções adicionais, cada uma com clipagem por diodos
gêmeos. Porém, quando há a clipagem, o timbre pode ficar um pouco áspe-
ro… Então passei alguns dias trocando capacitores para diminuir a distorção nos
agudos, e finalmente encontrei o melhor timbre com longa sustentação, que era
42 Ver: <https://www.ehx.com/products/triangle-big-muff-pi/>, <https://anasounds.com/big-muff-history/> e <http://www. bigmuffpage.
com/>.
43 Revered by contemporary guitarists and rock legends for its rich, creamy, violin-like sustain […].
44 Um tipo especializado de filtro de áudio incorporado ao circuito de um amplificador de áudio para alterar sua resposta de frequência.
45 The Big Muff was designed after analyzing the distortion units in use at that time. It is one way of getting sustain with acceptable distortion using
diodes as soft limiters. […] The Big Muff generates harmonics of the input signal which are filtered by the circuit design and produce the differences in the
sound.”
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o “doce som de um violino”, feito com três capacitores em diferentes partes do
circuito […].46 (MATHEWS, 2007 apud RAE, 2020, n.p., trad. nossa).
Na década de 1960, para manter as características tonais do seu setup na obten-
ção de um som saturado, alguns guitarristas recorreram aos pedais de boost ao invés
do fuzz. Esses pedais reforçam o sinal da guitarra “empurrando” o amplificador para a
saturação, com a vantagem de manter boa parte das características do timbre original
do instrumento. Nas décadas de 1960 e 1970, os treble boosters (“impulsionadores/
reforçadores de agudos”), que reforçam principalmente frequências médias e agudas,
foram amplamente utilizados por guitarristas britânicos em conjunto com os primeiros
amplificadores ingleses, como Vox e Marshall, que despertaram a atenção de músicos por
apresentar sonoridade mais velada(FALCÃO, 2022a). Os pedais de boost podem ser uti-
lizados de duas formas: como boost de volume, com o mínimo de ganho, para somente
aumentar a intensidade (amplitude) do sinal enviado ao amplificador (ou de outro pedal
de saturação posicionado antes do booster); ou como booster de ganho, com o knob de
ganho em nível mais elevado, para aumentar a saturação do amplificador (ou do pedal de
saturação posicionado após o booster).
No início da década de 1970, surgiram novas opções para saturar o som da guitarra.
Os amplificadores com volume master ofereciam mais distorção a um volume reduzido
por meio da saturação das válvulas do pré-amplificador. Em 1971, a Mesa/Boogie lançou
o Boogie Mark I,47 o primeiro amplificador com múltiplos estágios de ganho; a DiMarzio
inovou ao lançar o Super Distortion,48 o primeiro captador de alta saída para guitarra, que
funcionava como um booster, ajudando a “empurrar” o amplificador para a distorção;
também surgiram os primeiros pedais de overdrive com op-amps, como o MXR M-104
Distortion+49 (1973) e o DOD Overdrive Preamp 25050 (1976), que proporcionavam sa-
turação mais suave que os pedais de fuzz, mas apresentam clipagem mais severa que os
demais tipos de overdrive.
Os overdrives clássicos, como o Boss OD-1 OverDrive51 (1977) e o Ibanez TS808
Tube Screamer52 (1979), eram muito utilizados para empurrar amplificadores ou outros
pedais de saturação, e simulavam o som saturado de um amplificador vintage para além
de seu limite de reproduzir o sinal da guitarra com fidelidade e transparência, assim, o
amplificador com as válvulas “sobrecarregadas” satura e provoca a clipagem do sinal
de áudio, o que comprime a onda sonora e altera seu conteúdo harmônico(FALCÃO,
2022a). Portanto, um pedal de overdrive busca reproduzir esse efeito causado nos
46 When I got the prototype from Bob, I loved the long sustain. This was done by cascading the circuit into additional sections, each one clipped by twin
diodes. However, when you clip, the tone can be a bit raspy… So I spent a couple of days changing capacitors to roll off distortion in the highs, and eventually
found that the best long sustaining tone that was a ‘sweet violin like sound’ was done by having three capacitors in different parts of the circuit […].
47 Ver: <https://legacy.mesaboogie.com/support/out-of-production/mark-i.html>.
48 Ver: <https://www.dimarzio.com/pickups/high-power/super-distortion>.
49 Ver: <https://www.jimdunlop.com/mxr-distortion/>.
50 Ver: <https://digitech.com/dp/overdrive-preamp-250/>.
51 Ver: <https://www.boss.info/br/products/od-1x/>.
52 Ver: <https://www.ibanez.com/na/products/detail/ts808_99.html>.
Leonardo Porto Passos
Manuel Silveira Falleiros
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amplificadores valvulados ao provocar a clipagem do sinal em seu circuito. Mas se
por um lado guitarristas buscavam overdrives para ter uma saturação mais amena, por
outro havia aqueles que queriam o oposto, ou seja, timbres agressivos, mas menos
caóticos que os proporcionados por pedais de fuzz.
De modo geral, o termo distorção é comumente utilizado para designar o conjunto
de efeitos de ganho ou drive que causam saturação do sinal de áudio: fuzz, overdrive, dis-
tortion, booster, preamp ou o canal “sujo” de um amplificador. Mas de modo mais especí-
fico, distorção é um tipo de efeito de saturação, mais drástico do que um overdrive, com
clipagem mais severa do sinal de áudio, mas menos ríspida e radical que a de pedal de fuzz
(FALCÃO, 2022a). Todos os tipos de distorção estendem, em maior ou menor grau, a faixa
de frequência da guitarra53 (WALSER, 2014). Este fato pode ser tido como uma justificativa
para a utilização de saturação, para que o guitarrista possa explorar o alcance expandido
de frequências, principalmente quando se trata de conseguir timbres pesados. Além do
mais, o uso de distorção amplia consideravelmente a sustentação das notas (BERGER;
FALES, 2005; HERBST, 2017), o que se adequa a subgêneros de andamento mais lento,
como o grunge, o sludge e o doom metal.
Além de pedais de distorção, o efeito pode ser conseguido com preamps, amplifi-
cadores ou a soma de efeitos de saturação de baixo ou médio ganho, como dois pedais
de overdrive ou um amplificador “empurrado” por um pedal de boost ou overdrive. O
efeito de distorção é muito comum em gêneros como heavy metal e punk rock.
Entre os pedais de distorção tradicional, vale mencionar os clássicos Boss DS-1
Distortion54 (1978), o ProCo Rat55 (1981) e o Marshall Guv’nor56 (1988). Mas além dos
clássicos, há também as distorções de alto ganho (high gain), que utilizam o conceito de
“ganho em cascata”, com múltiplos estágios de ganho para níveis mais elevados de sa-
turação do que o obtido com as distorções clássicas (FALCÃO, 2022a). Alguns modelos
atingem níveis tão intensos que são chamados de super ou ultra high gain, muito usuais
em gêneros mais extremos, como death metal ou hardcore. Amplificadores como os
Mesa/Boogie Rectifier,57 os EVH,58 o Diezel VH4,59 o Marshall JVM410H60 e o Orange
Rockerverb MKIII61 entregam essa quantidade abundante de ganho.
53 Que pode ir de 50 Hz nos graves a cerca de 12 kHz, pelo menos, nos agudos (HERBST, 2017a; 2018).
54 Ver: <https://www.boss.info/br/products/ds-1/>.
55 Ver: <https://www.ratdistortion.com/>.
56 Ver: <https://marshall.com/amps/products/pedals/guvnor>.
57 Ver: <https://www.mesaboogie.com/en-US/Collection/rectifier-amplifiers>.
58 Ver: <https://www.evhgear.com/gear/amplifiers>.
59 Ver: <https://www.diezelamplification.com/vh4/>.
60 Ver: <https://marshall.com/amps/products/amps/jvm/jvm410h>.
61 Ver: <https://orangeamps.com/rockerverb-100-mkiii-head/>.
Leonardo Porto Passos
Manuel Silveira Falleiros
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O poder dos acordes simplificados (power chords)
De acordo com Robert Walser (2014), The Kinks foi a primeira banda a lançar um hit
construído sobre power chords, “You Really Got Me”, de 1964. A música se tornou muito
influente não somente pelo amplo uso de power chords, mas também pelo seu timbre
“sujo” e agressivo para a época. O efeito foi realizado pelo guitarrista Dave Davies ao
cortar o cone do alto-falante de seu amplificador Elpico com uma lâmina de barbear e
conectá-lo a outro amplificador, um Vox AC30 para a gravação, o que deixou o volume
muito mais alto (SIMPSON, 2013).
Power chords são acordes simplificados que possuem apenas a fundamental e a
quinta justa (por vezes, também é adicionada uma terceira nota: a fundamental uma
oitava acima). Por não possuírem a terça, sua qualidade de acorde (maior ou menor) é
indeterminada, e essa ausência pode causar uma certa sensação de ambiguidade do
modo. De acordo com os pesquisadores Mcdonald (2000), Juchniewicz e Silverman
(2013), essa ambiguidade modal se adequa às aspirações estéticas de gêneros como
o rock psicodélico, heavy metal, punk e rock alternativo, por conta de suas relações
com efeitos alucinógenos, com o misticismo, com a subversão e introspecção. Além
disso, proporciona maior velocidade na troca de acordes e altos níveis de saturação.
De acordo com Jan-Peter Herbst (2019), o nível de saturação e a complexidade das
relações intervalares de um acorde afetam sua agradabilidade sensorial. Um teste de
audição demonstrou que power chords são significativamente percebidos como mais
agradáveis do que acordes menores e dominantes alterados quando tocados com
alto nível de saturação, o que “[…] ajuda a explicar por que acordes harmonicamente
simples são comumente preferidos a acordes mais complexos quando tocados com
guitarra distorcida.”62 (HERBST, 2019, p. 335, trad. nossa), e por isso power chords são
tão relevantes para o rock, gênero que tem na guitarra distorcida uma de suas princi-
pais características estéticas.
Efeitos de saturação alteram as propriedades acústicas dos acordes na guitarra
e amplificam características mais comumente percebidas como desagradáveis,
com alterações tímbricas que tendem ao ruído, gerando rugosidade e aspereza. A
saturação reduz a transparência e a claridade de acordes mais complexos, como
tríades ou tétrades (principalmente se forem menores ou diminutos). Devido às
relações intervalares menos complexas e mais próximas da série harmônica, os
power chords, quando utilizados com níveis elevados de saturação, produzem menos
características acústicas que podem ser percebidas como dissonantes e desagradáveis
(HERBST, 2019). Ademais, a percepção acerca dos power chords se relaciona com a
espectromorfologia, conceito de Smalley, Gras e Aragão (2021, p. 1) que se refere “[…]
às maneiras pelas quais espectros de frequência são moldados ao longo do tempo. As
respostas dos ouvintes a sons e música derivam de respostas psicológicas à identidade
energética, ao comportamento e à organização dos tipos de som nos contextos das
estruturas sonoras.”. E ainda, a simplicidade estrutural dos power chords favorece
62 “[…] help explain why harmonically simple chords are commonly preferred to more complex chords when played on the distorted guitar.
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a rápida execução (tantos na troca de acordes quanto nas palhetadas) das partes
harmônicas da música (base ou ris) em andamentos muito rápidos (HERBST, 2018)
(que em determinados subgêneros do rock pode facilmente ultrapassar 200 BPM).
Um dos principais efeitos da distorção em power chords é a expansão do espectro
de frequência percebido no som da guitarra. A utilização de saturação na guitarra
aumenta consideravelmente a complexidade harmônica da onda sonora resultante,
com maior quantidade de parciais superiores audíveis, o que confere um timbre mais
denso e cheio (MCDONALD, 2000). Por um lado, a distorção com power chords produz
“sons resultantes”: a impressão percebida de energia abaixo da fundamental acústica
das cordas vibrantes; por outro lado, a distorção fortalece os harmônicos superiores da
faixa de frequência da guitarra. Além disso, os timbres percebidos como mais “pesados”
aumentam significativamente os harmônicos superiores em comparação aos timbres
percebidos como mais “leves” (BERGER; FALES, 2005). Por conta de um fenômeno
acústico particular, os power chords podem suscitar um robusto som resultante
produzido na frequência que é a diferença entre as frequências dos sons principais. Por
exemplo, em um power chord de A5 (Lá: 110 Hz e Mi: 165 Hz), o Lá uma oitava abaixo
(165 – 110 = 55 Hz) soa de forma proeminente como som resultante mesmo não sendo
efetivamente tocado, e aliás está abaixo da tessitura da guitarra (abaixo do alcance real
do instrumento) (WALSER, 2014; LILJA, 2015). Estruturalmente, o power chord contribui
para o “peso” porque a distorção intensifica os harmônicos parciais uma oitava abaixo
da tônica. Consequentemente, a distorção estende o sinal da guitarra na projeção dos
agudos e graves, o que o torna um fator central para a expressão do “peso” (WALSER,
2014; LILJA, 2015). É justamente por isso que são quase sempre utilizados com algum
tipo de distorção, raramente com guitarra “limpa” (sem efeitos), já que, sem distorção,
há apenas os parciais das notas fundamentais (LILJA, 2015).
Conforme o professor de musicologia e diretor do Centro de Estudos de Música
Popular da Case Western Reserve University, Robert Walser (2014), o power chord pode
ser percussivo e rítmico ou sustentado indefinidamente. É um som complexo, com-
posto de sons e harmônicos resultantes constantemente renovados e energizados por
feedback. Pode parecer simples e rudimentar, mas depende de tecnologia sofisticada,
afinação precisa e controle habilidoso. Seu som saturado evoca excesso e transgressão,
mas também estabilidade, permanência e harmonia.
Atualmente, com os extremos de saturação, agressividade, minimalismo e anda-
mento (seja na vagareza ou na celeridade) praticados em gêneros como grindcore, death
metal, black metal, crust punk, entre outros, o rock pesado busca se manter distante da
polidez em termos de produção e composição musical, conforme aponta Moores:
A verdadeira música pesada tem tipicamente um carácter ‘low art’ e uma crueza.
Feito de forma relativamente barata e desorganizado por natureza, vangloria-
-se de sua própria desorganização e imperfeições. Seus artistas geralmente são
avessos a produções comerciais lustrosas, limpas, excessivamente manipuladas,
propositalmente comerciais e técnicas de mixagem em shows. Eles dão a im-
pressão de buscar algo intangível, místico, no ensaio, gravação e recital dessa
música – catarse, libertação, meditação, liberdade, o que quer que seja – ao
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invés de simplesmente querer atrair adoração, aplausos e riquezas.63 (MOORES,
2021, p. 29-30, trad. nossa).
Conclusões
O “som pesado” não era uma característica estética do rock em sua gênese, mas
o “peso” já dava os seus primeiros sinais em composições dos pioneiros do gênero
e até mesmo de seus predecessores, o que pode ter causado a evolução e o desen-
volvimento ao que conhecemos hoje como rock “pesado”. Essa evolução não se deu
exclusivamente por meio do som, mas em conluio com traços comportamentais, com
a dança (do rebolado ao pogo ou moshing ou slam dancing / slamming), o vestuário
(das jaquetas de couro às roupas pretas, calças rasgadas, coturnos etc.), os adereços
(dos lenços no bolso traseiro da calça ao rebites), as tatuagens (dos pequenos dese-
nhos inocentes no braço às tatuagens que cobrem grande parte do corpo, inclusive
no rosto), o corte de cabelo (dos topetes aos moicanos), a maquiagem (dos lápis de
olho ao corpse painting), o comportamento social (das brigas em estacionamentos de
lanchonetes às manifestações sociopolíticas em larga escala) e as linguagens verbal
(de alguma gírias corriqueiras a “dialetos” urbanos) e corporal (do cigarro no canto da
boca a estilos específicos de comportamento que representam nichos).
Nossa pesquisa revelou que, ao longo da evolução do rock, o “peso” (heaviness)
foi se delineando a partir de diversas características técnicas e tecnológicas: amplitude,
saturação (fuzz, overdrive e distorção), power chords, intensidade na palhetada, amplo
espectro de frequências, afinações baixas (down-tuning), dissonância harmônica, certa
quantidade de ruído, estética lo-fi (baixa fidelidade) e uso de modos menores (dórico,
eólio, frígio e lócrio).
Atualmente, todos esses recursos, ou grande parte deles, são utilizados para a obten-
ção do tão almejado “som pesado”, principalmente quando se trata de subgêneros mais
extremos do rock, como é o caso do doom metal, caracterizado por ser extremamente
“pesado” e com andamentos lentos. Como desdobramento deste artigo, será realizada
uma pesquisa acerca das características sonoras, estéticas, líricas e comportamentais do
doom, além de sua origem e evolução até os dias de hoje, aos sair dos recônditos mais
profundos do underground e alcançar certo nível de popularidade, ainda que distante do
mainstream por suas características intrinsecamente extremas.
Referências
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experience. Hanover: Wesleyan University Press, 1999.
63 Real heavy music typically has a ‘low art’ grubbiness and a rawness to it. Relatively cheaply made and ramshackle in nature, it glories in its own
messiness and imperfections. Its artists are usually averse to glossy, clean, overly manipulated and archly commercial production and live-mixing techniques.
They give the impression of searching for something intangible, mystical, in the rehearsal, recording and recital of this music – catharsis, release, meditation,
freedom, whatever it may be – rather than simply wishing to attract adoration, applause and riches.
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Metal music studies defines "heaviness" as the genre's sonic signature but has rarely explored the sonics or the related discourse. This study analyzes message boards to determine how music producers and musicians use the "heavy" metaphor in their discussions. Practitioners' strategies employed to achieve heaviness are scrutinized to learn about what considerations influence their decisions. The findings suggest that while heaviness is based on a core set of musical features, it is open to appropriation, modification, and development. Heaviness has become a suitable impetus for the genre's evolution and iconically represents what metal music stands for to its community.
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“Heaviness” has been one of metal music’s defining features in three decades of metal scholarship. Research acknowledged its essential quality, but no comprehensive definition of musical heaviness was developed. This article, therefore, elaborates a preliminary framework of musical heaviness by identifying its constituent production, performance, and compositional components, including their relationships. The findings suggest that while structural and performative components provide the necessary foundation for heaviness, metal has been increasingly driven by its production. Since musicians reach limits, technology has become one of the primary means to produce ever heavier metal music in the genre-defining quest for greater heaviness.
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Espectromorfologia refere-se às maneiras pelas quais espectros de frequência são moldados ao longo do tempo. As respostas dos ouvintes a sons e música derivam de respostas psicológicas à identidade energética, ao comportamento e à organização dos tipos de som nos contextos das estruturas sonoras. Arquétipos instrumentais são uma útil base de referência inicial, a partir da qual uma variedade mais ampla de modelos morfológicos e combinações pode ser elaborada. Isso leva a uma discussão sobre tipos de movimento, que, na mente ouvinte, podem estar ligados à experiência real ou imaginária. O movimento é expresso através de tendências orientadas a metas, de contornos externos (evocando, a noção de gesto), ou através de comportamentos texturais internos. A formação e o movimento dos arquétipos espectromorfológicos fornecem modelos para a definição de funções estruturais e processos de estruturação: interpretamos a importância das ações combinadas dos participantes estruturais à medida que ouvimos por períodos mais ou menos prolongados. Finalmente, são discutidos os aspectos espaciais da espectromorfologia e a influência do ambiente de escuta.
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Because of the use of guitar distortion, chords used in heavy metal are much more complex than the fingered guitar positions would indicate. Due to harmonic partials generated by distortion most chords have a major quality. However , heavy metal is mostly constructed on minor modes regarding the scalar construction. This creates an apparent modal dichotomy between the vertical and the horizontal harmonic construction. This article discusses acoustic characteristics of distorted guitar chords and a variety of compositional strategies that have been used in dealing with the major and minor thirds in "proto" and "classic" heavy metal (ca. 1965-1985).
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Research on rock harmony accords with common practice in guitar playing in that power chords (fifth interval) with an indeterminate chord quality as well as major chords are preferred to more complex chords when played with a distorted tone. This study explored the interrelated effects of distortion and harmonic structure on acoustic features and perceived pleasantness of electric guitar chords. Extracting psychoacoustic parameters from guitar tones with Music Information Retrieval technology revealed that the level of distortion and the complexity of interval relations affects sensorial pleasantness. A listening test demonstrated power and major chords being perceived as significantly more pleasant than minor and altered dominant chords when being played with an overdriven or distorted guitar tone. This result accords with musical practice within rock genres. Rather clean rock styles such as blues or classic rock use major chords frequently, whereas subgenres with more distorted guitars such as heavy metal largely prefer power chords. Considering individual differences, electric guitar players rated overdriven and distorted chords as significantly more pleasant. Results were ambiguous in terms of gender but indicated that women perceive distorted guitar tones as less pleasant than men. Rock music listeners were more tolerant of sensorial unpleasant sounds.