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Militão de Bessa Ribeiro: Os anos do Brasil

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Abstract

Factos pouco conhecidos da vida de Militão de Bessa Ribeiro, desde o seu nascimento, em 1896, até ao seu julgamento, em 1935, são o tema deste artigo. Emigrante no Brasil desde muito jovem, operário tecelão, futebolista e dirigente desportivo, sindicalista e dirigente sindical, comunista e dirigente do Partido Comunista do Brasil são facetas deste homem notável, bem-parecido e jovial, um revolucionário cuja vida foi tão bela como trágica.
Militão de Bessa Ribeiro
Os anos do Brasil
Jorge Rezende
ORCID iD 0000-0001-7606-7306
jorgerezend@gmail.com ou jmrezende@fc.ul.pt
Grupo de Física-Matemática da Universidade de Lisboa
Resumo. Factos pouco conhecidos da vida de Militão de Bessa Ribeiro, desde o seu nascimento, em 1896,
até ao seu julgamento, em 1935, são o tema deste artigo. Emigrante no Brasil desde muito jovem, operário
tecelão, futebolista e dirigente desportivo, sindicalista e dirigente sindical, comunista e dirigente do Partido
Comunista do Brasil são facetas deste homem notável, bem-parecido e jovial, um revolucionário cuja vida
foi tão bela como trágica.
Notas prévias e agradecimentos
Este artigo baseia-se, quase exclusivamente, em documentos dos arquivos públicos e em notícias dos jornais
brasileiros acessíveis através da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Brasil, disponível na rede. Os
arquivos consultados foram: Arquivo Nacional, Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN, acessível
na rede), arquivo das Polícias Políticas no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Arquivo
Histórico do Itamaraty e Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM), no Brasil; Arquivo
Nacional Torre do Tombo, Arquivo Distrital de Vila Real, Arquivo Histórico Diplomático e Arquivo Histórico
Militar, em Portugal.
Neste artigo mantêm-se a ortografia e o vocabulário dos textos originais. Há um século, no Brasil, a ortografia
era muito diferente daquela que veio a ser a ortografia no início dos anos 1940, esta mais parecida com a
actual; as palavras quase não eram acentuadas, mas usava-se o til e a cedilha; o acento grave era substituído
pelo agudo. O vocabulário também era diferente; as palavras usadas no futebol eram quase todos de origem
inglesa; a palavra «desporto» (do actual português de Portugal) podia aparecer nas formas «sport»,
«esporte» ou «desporto». Os textos contêm erros que não são corrigidos, a não ser que possam levar o leitor
ao engano; por exemplo, não se corrige «afim» se o que devia estar é «a fim», corrige-se «1934» se o que
devia estar é «1935».
São devidos agradecimentos a: Ellen Cristine Monteiro Vogas, que fez, a meu pedido, todo o trabalho de
pesquisa nos arquivos brasileiros; Arquivo Distrital de Vila Real, na pessoa do seu director, Paulo Mesquita
Guimarães; Arquivo Nacional Torre do Tombo, na pessoa do seu director, Silvestre de Almeida Lacerda; Paula
Bessa e Susana Bessa, sobrinhas-netas de Militão de Bessa Ribeiro; Regina Maria Hori, neta de Lino Pinto
Teixeira; Albano Nunes, Jorge Aires e Margarida Santos.
Notas biográficas
Murça é uma vila, sede do concelho com o mesmo nome, pertencente ao distrito de Vila Real, que faz parte
da região de Trás-os-Montes e Alto Douro (o nordeste de Portugal). O rio Douro, vindo de Espanha, atravessa
Portugal de leste para oeste, indo desaguar no Atlântico. Nas margens da sua foz há duas cidades: o Porto,
a norte, e Vila Nova de Gaia, a sul. No Alto Douro é produzido o famoso vinho do Porto que, nos finais do
século XIX, princípios do século XX, descia o rio em barcaças, até à foz, para depois ser armazenado,
distribuído e exportado.
Registo do baptismo realizado pelo «Abade e Cónego José Maria Pinto Jou»:
«Aos vinte e nove dias do mez de Agosto do anno de mil oitocentos e noventa e seis, nesta Egreja parochial
de Santa Maria, da Villa e Concelho de Murça, Diocese de Lamego, baptizei solemnemente um indivíduo do
sexo masculino a quem dei o nome de Militão, que nasceu nesta freguezia no dia treze dos presentes mez e
anno, filho natural de Barbara de Jesus, solteira, trabalhadora, natural e residente nesta freguezia, neto
materno de avô incógnito e de Maria de Jesus.»
Era péssima a caligrafia do «Abade e Cónego», o que torna difícil decifrar o nome dos padrinhos, um casal,
que vinha logo a seguir neste texto. O documento, que tem apenas a assinatura do padre, pode ser
consultado no Arquivo Distrital de Vila Real, disponível na rede.
Na margem lateral esquerda deste registo está escrito: «faleceu na freguesia de S. S. Pedreira, na Cidade de
Lisboa, em dois de Janeiro de mil novecentos e cincoenta». «S. S. Pedreira» é São Sebastião da Pedreira, a
freguesia da Cadeia Penitenciária de Lisboa / Estabelecimento Prisional de Lisboa, local onde Militão faleceu.
Quando Militão nasceu, o registo oficial do nome das crianças nascidas em meios populares, isto é, não
aristocráticos, ficava por aqui, pelo registo do baptismo, que tinha apenas o nome próprio:
«Com a generalização dos registos paroquiais a partir de finais do século XVI, será possível obter uma
imagem de conjunto segura, passível de inquisição em futuras investigações. Em todo o caso, o mais
frequente parece ser nos registos de baptismo os nascituros aparecerem identificados apenas pelo nome
próprio, mas já nos registos de casamentos e de óbitos surgirem quase sempre com um sobrenome associado
ao nome próprio. O sobrenome podia ser tomado de uma alcunha (em gerações ulteriores eventualmente
transformado em apelido), ter uma origem toponímica (o que parece ser frequente até muito tarde), ser
constituído por um segundo nome próprio, ter uma base patronímica ou, por fim, retomar apelidos, tomados
dos progenitores, dos padrinhos ou até (no caso de criados ou de escravos) do senhor.» (Monteiro 2008, 54)
Só a partir de 1911 a forma de dar os nomes às crianças se começou a aproximar do que é hoje.
Militão viria a assinar, sistematicamente, «Militão de Bessa Ribeiro». Este «de» em «de Bessa Ribeiro» tem
a sua importância visto que o pai de Militão também o utilizava.
A família
A mãe de Militão, Bárbara de Jesus, teve cinco filhos, tendo um deles morrido nos primeiros tempos de vida.
Os outros quatro são: Beatriz (nascida em 29 de Março de 1894), Militão (nascido em 13 de Agosto de 1896),
António (nascido em 4 de Setembro de 1898) e Noé (nascido em 16 de Maio de 1904). Todos eles eram
«filhos naturais», netos maternos «de avô incógnito e de Maria de Jesus». A mãe era «trabalhadora», no
caso de Militão, e «jornaleira», nos casos de Beatriz e de António. No registo de Noé não aparece a profissão
da mãe e a madrinha é Beatriz Ribeiro, solteira. Em todos eles o padre é o «Abade e Cónego José Maria Pinto
Jou».
Se o padre não regista o nome do pai dos filhos de Bárbara de Jesus, embora talvez soubesse quem ele era,
já a polícia política portuguesa, a avaliar pelos documentos existentes, estava muito interessada em anotar
a filiação completa de Militão. Assim, é nos documentos da polícia política que vem que o pai de Militão é
Francisco [de] Bessa Ribeiro (a polícia não usava o «de»).
«O pai, natural de Vila Meã, comprou, entre outros, os bens do mosteiro beneditino feminino de Murça
quando estes foram vendidos em duas parcelas, em hasta pública, nos finais do século XIX, tornando-se um
importante produtor de vinho, vinho do Porto e azeite. Em Vila Meã, nos anos 1980, ainda existia o solar dos
Bessas. É provável que o meu bisavô fosse um "filho segundo" que teve que adquirir terras fora do seu local
de nascimento; foi-me dito que foi também um Bessa quem comprou em hasta pública o mosteiro de
Travanca; talvez fosse uma solução encontrada nesta família. Assim, o pai de Militão teria sido um gestor
agrário/agricultor, com actividade comercial relativa aos produtos referidos, uma vez que vendia vinho do
Porto a comerciantes ingleses (que detestava e tratava com desprezo) e exportava vinhos e azeite para o
Brasil. Segundo a tradição familiar, quando o tio Militão foi para o Brasil (por não suportar o pai), os seus
primeiros contactos no Brasil foram com clientes do pai.
O meu avô [António] teve três filhos, Heitor Alves Bessa, Francisco Bessa Ribeiro e Mário Bessa Ribeiro.»
[Depoimento de Paula Bessa, filha de Heitor Alves Bessa, que assinala não se basear em fontes documentais
mas em transmissões orais que a memória pode trair ou que pode não ter entendido bem.]
Reproduz-se, em seguida, três trechos do livro «O Concelho de Murça (Retalhos para a sua História)» sobre
Francisco de Bessa Ribeiro. O primeiro é, justamente, sobre a compra da «Quinta da Cerca» por parte de
Francisco de Bessa Ribeiro:
«Pouco a pouco, o convento [o mosteiro das freiras beneditinas] vai desaparecendo por inanição. Certamente
já sem colaboradoras, a madre Henriqueta do Amor Divino, da família Ferreira Pinto, requer autorização ao
arcebispo de Braga para poder sair da área clausurada. Este responde-lhe que sim, pondo-lhe como condição
o ser acompanhada por um clérigo ou uma senhora de respeito.
Por volta de 1870, a cerca do mosteiro é atravessada pela estrada real rasgada pela política fontista. Tanto
a parte norte quanto a parte sul são arrematadas, em 21 de Outubro de 1885, em Lisboa, no ministério da
Fazenda, pelo comerciante murcense Francisco Bessa Ribeiro. A sua inscrição no Registo de Descrições
Prediais de Murça faz-se sob o n.° 2 279 e com o valor de 1 201 000 réis, para a parte norte, e sob o n.° 2 278
e com o valor de 800 500 réis, para a parte sul.» (Costa 1992, 146-147)
O segundo é sobre a nomeação de Francisco de Bessa Ribeiro para a Comissão Administrativa do Município
de Murça em 1908:
«Mais: em 12 de Dezembro de 1907, [João Franco] fez publicar o decreto, com força de lei, que dissolvia, a
partir do próximo dia 31, os corpos administrativos (juntas de paróquia, câmaras municipais e comissões
distritais) eleitos para o triénio de 31 de Janeiro de 1905 a 31 de Janeiro de 1908, substituindo-os, a partir
dessa data, por comissões administrativas por si nomeadas. Vejamos o que se passou em Murça com a
Câmara Municipal.
Era uma quinta-feira. Corria o dia 2 de Janeiro de 1908. A manhã estava de frio e de chuva. Pelas nove horas,
apresentaram-se nos paços do concelho o administrador interino, Ilídio Augusto Martins, o secretário da
Câmara Municipal, Manuel Correia da Fonseca, convocado pelo primeiro, e os cidadãos (simpatizantes do
franquismo? progressistas?) dr. Basílio Constantino de Almeida Sampaio, Francisco de Bessa Ribeiro, António
de Castro Correia de Lacerda e João António Gonçalves, nomeados pelo governador civil de Vila Real, dr. Luís
de Freitas Viegas, para constituírem a nova Comissão Administrativa Municipal. José Mendes da Silva não
compareceu, recusando, assim, a sua nomeação. Uma força militar, requisitada pelo administrador, protegia
o edifício. (…)
Entretanto, na sala das sessões, o administrador Martins recebia o juramento do novo executivo municipal,
que, de seguida, elegia o dr. Basílio Sampaio para seu presidente e Bessa Ribeiro para seu vice-presidente e
fazia a distribuição dos pelouros da instrução primária, polícias, higiene, expostos e obras públicas.» (Costa
1992, 256)
O terceiro é sobre a eleição de Francisco de Bessa Ribeiro para integrar os corpos gerentes do Centro
Republicano Murçaense:
«Em 19 de Março [de 1911], fazem-se as primeiras eleições para os corpos gerentes do Centro [Republicano
Murçaense]. Os resultados são os que seguem:
Assembleia Geral: Dr. Manuel José Águia (presidente), Francisco Bessa Ribeiro (1.° secretário) e José B.
Teixeira Martinho (2.° secretário).
Direcção: Carlos Cutelo (presidente), José Baptista Lobo (secretário) e António de Castro Correia de Lacerda
(tesoureiro); substitutos: António José de Castro, José Augusto Fonseca e José Mendes da Silva.
Conselho Fiscal: Dr. João Augusto Seixas, dr. Basílio Sampaio e António Luís Cabral de Lacerda; substitutos:
António de Sousa, Domingos Pinheiro e Justiniano Pinto.» (Costa 1992, 268)
Nos finais do século XIX, Francisco de Bessa Ribeiro assina frequentemente como testemunha ou exerce as
funções de tabelião interino do Cartório de Murça. Nos dois Livros de Notas, 46 e 47, de 1888, sendo tabelião
Guilherme José de Sousa, e no Livro de Notas 9 de 1898, sendo tabelião Eduardo Alberto Monteiro Barreto,
que podem ser vistos no Arquivo Distrital de Vila Real, assina como testemunha e, por vezes, também «a
rogo» testamentos, escrituras, etc. Provavelmente no impedimento do tabelião, é ele, Francisco de Bessa
Ribeiro, «casado, proprietário», que escreve e assina como «tabellião interino neste julgado de Murça» ou
«tabellião publico de notas interino neste conselho e julgado de Murça». Nestas ocasiões usa expressões
como «nesta Villa de Murça e em meu escriptorio» ou «nesta Villa de Murça e meu Cartorio». A caligrafia,
contrariamente à do padre, é excelente. A assinatura, embora mais desenhada, é parecida com a do filho,
Militão.
Militão obteve o seu passaporte ainda não tinha 12 anos. No Arquivo Distrital de Vila Real, sob o «Nº 508»
está registada a respectiva concessão:
«Em 13 de 3 de 1908 se concedeu passaporte por – dias para o Brazil, sahindo pela barra de Lisboa ou porto
de Leixões, a Militão Bessa Ribeiro» de «Murça»; «Idade: 11 annos».
O porto de Leixões fica na foz do rio Leça, concelho de Matosinhos, vizinho e a norte da cidade do Porto.
Lisboa, a capital de Portugal, fica cerca de 300 quilómetros mais a sul.
Militão partiu para o Brasil muito novo, no princípio da adolescência. Não foi caso único ou raro. Os escritores
Ferreira de Castro (1898–1974) e Miguel Torga (1907–1995) emigraram para o Brasil com 12 e 13 anos,
respectivamente. Foi também com 12 anos que Álvaro, da novela «O filho natural» (1876), de Camilo Castelo
Branco (1825–1890), emigrou para o mesmo destino. Era assim que, naqueles tempos, muitos rapazes se
faziam homens e se faziam à vida.
Biografia encontrada num arquivo
Em 14 de Agosto de 1962, em Buarcos, Figueira da Foz, é preso o dirigente comunista António Dias Lourenço.
Por vezes aparece escrito, erradamente, que a prisão de António Dias Lourenço se deu em Junho de 1962.
Em 30 de Junho de 1962 estava ele na Doca do Bom Sucesso, em Pedrouços, a ajudar à fuga de Agostinho
Neto (Serra 1997, 136). Na ocasião da prisão, a polícia política portuguesa, a famigerada PIDE (Polícia
Internacional e de Defesa do Estado), apreende-lhe um documento intitulado «DADOS BIOGRÁFICOS DE
MILITÃO BESSA RIBEIRO» que pode ser lido consultando o «Processo GT 238» existente na Torre do Tombo.
Uma folha, anexada pela PIDE, esclarece:
«PIDE – Mod. 1 – G. T. Documento apreendido no arquivo de Antonio Dias Lourenço, pseudónimo “João”, em
14/8/962, autoria de “Antonio” Militão Bessa Ribeiro.»
O documento está todo escrito à máquina excepto as linhas finais, escritas à mão, introduzidas
posteriormente. A parte escrita à máquina terminava assim: «Foi finalmente amnistiado em 1945 e regressou
a Lisboa para reingressar imediatamente de novo no trabalho partidário, motivo porque sofreu, com esta, a
sua 4ª prisão.» É provável que tenha sido escrita entre 25 de Março de 1949 (a data da prisão) e o final desse
ano.
Eis o texto do documento apreendido a António Dias Lourenço:
«É natural de Murça em Trás-os-Montes. Partiu para o Brasil, como emigrante com 13 anos de idade.
Trabalhou nos primeiros anos como marçano em casa dum conterrâneo. Revoltou-se contra os maus tratos
que sofria e abandonou a casa do conterrâneo, sendo recolhido ainda muito jovem em casas duns operários
brasileiros muito pobres, onde passou a ser considerado como pessoa de família. Empregou-se como operário
numa fábrica têxtil de algodão, onde trabalhou muitos anos como tecelão. Conduziu várias lutas
reivindicativas na sua fábrica, que tinha mais de 1.000 operários, e foi um dirigente sindical da sua classe.
Filiou-se no Partido Comunista do Brasil, onde em breve foi chamado para os seus quadros e onde travou
conhecimento com alguns dos seus actuais dirigentes. A luta que conduziu em defesa do povo brasileiro
chamou sobre si as atenções da polícia federal, que o expulsou do Brasil e o enviou sob prisão, no paiol da
amarra dum barco brasileiro, para Portugal. Sabendo que à sua chegada a Portugal seria entregue às
autoridades portuguesas pelo comandante do barco, Militão conseguiu convencer um tripulante a abrir-lhe
a porta quando o barco tivesse fundeado em águas portuguesas, e assim conseguiu desembarcar
clandestinamente, sem ser preso. Seguiu para a sua terra natal, onde começou a fazer propaganda e a
organizar as lutas do campesinato. Foi por esse motivo preso pela polícia portuguesa e atirado para o Forte
de Peniche. Em Peniche, revoltou-se com alguns outros presos contra uma ordem arbitrária do comandante
da Fortaleza, pelo que foi deportado para a Fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo.
Permaneceu na fortaleza de Angra desde 1935 [no original está “1933”] a 1936, data em que seguiu com
muitos outros presos a inaugurar o Campo de Concentração do Tarrafal. (…) Militão esteve no Campo de
Concentração do Tarrafal desde 1936 até 1940, data em que foi amnistiado, depois de ter 6 anos a mais da
pena a que fora condenado pelo Tribunal Militar Especial de sinistra memória. Uma vez em liberdade, Militão
participou activamente na reorganização partidária de 1942, fazendo parte do SC do Partido, cargo que
ocupava quando da sua prisão em 1942 (…). Depois de uma longa incomunicabilidade e de perto de um ano
de permanência no Aljube, e dum julgamento acidentado, foi de novo atirado para o Campo de Concentração
do Tarrafal. Uma vez no Tarrafal, o seu organismo muito debilitado pela estadia e maus tratos sofridos
anteriormente, e minado pelo paludismo, resistiu multo mal, e esteve às portas da morte. Foi finalmente
amnistiado em 1945 e regressou a Lisboa para reingressar imediatamente de novo no trabalho partidário.
[Aqui esta biografia continua mas manuscrita] Participou na direcção das greves dos lanifícios da Covilhã,
Tortozendo, Gouveia, [Aldeia do] Carvalho e outras localidades, no II Congresso Ilegal e fazia parte do
Secretariado Central na altura da s/ [sua 4ª] prisão, em Março [no original está “Abril”] de 1949. Submetido
a nove meses de rigorosa incomunicabilidade e violências, maus tratos e torturas, veio a morrer no dia 2 de
Janeiro de 1950.»
A última visita
A última visita (e, talvez, a única) que Militão recebeu na prisão antes de falecer foi feita pelo seu sobrinho,
Heitor. Quando regressa ao Porto, escreve ao seu irmão Francisco.
«Foi uma carta escrita em circunstâncias terríveis; depois de – julgo – semanas a tentar localizar o tio, o meu
pai, então um estudante de arquitectura, resolveu ir a Lisboa, à sede da PIDE, julgo que já em António Maria
Cardoso, declarando que não sairia dali sem saber onde estava o tio e sem o ver. E conseguiu ir vê-lo como
descreve. Julgo que esta carta demonstra o choque e a urgência de informar o irmão e a família do estado
terrível em que se encontrava o tio; a perturbação e a pressa estão demonstradas na caligrafia e na própria
redacção.» [Depoimento de Paula Bessa]
Eis a carta (PCP 2010, 50-51) de Heitor para Francisco:
«Porto, 2 de Janeiro de 1950
Chico:
Acabo de chegar de Lisboa onde fui visitar o tio, Militão.
O seu estado é horrível. Apresenta o aspecto físico dos internados dos campos de concentração nazis. Só tem
pele e osso. Atrofiado de todo. A visita foi interrompida pela polícia, tendo durado cerca de 5 minutos.
As palavras proferidas pelo tio foram estas:
Estou nos últimos dias.
Tenho lutado e pedido para ser visitado.
Deveis vender o bocado e dividir por todos.
Não te deves impressionar pelo ambiente da cela e da fruta que está sobre a mesinha de cabeceira, pois ela
foi colocada antes de tu chegares.
A polícia interrompeu insultando-o e chamando-lhe mentiroso, e aconselharam-me a mim a não acreditar.
O tio afirmou que eu era sobrinho e que bem sabia ser verdade o que afirmava.
Em seguida esforçou-se por levantar da cama e acusou os polícias que me ladeavam e a polícia em geral de
o terem envenenado e posto no estado em que se encontrava. A polícia impediu então que a visita
continuasse, exigindo que eu me retirasse da cela.
Abracei o tio por mim e pela família, ou antes o feixe de ossos que o representavam. O tio chorou e eu
também, dizendo-me ser talvez a última vez que o via. O que eu não duvido, e anotei ao polícia que fiscalizou
a visita.
Amanhã voltarei a escrever-te. Informa desta carta aos parentes e amigos do tio. O Chico e a Inês devem
estar aí. Devo ir aí esta semana ou para a outra.
Um abraço para a avó e todos do teu irmão amigo
Heitor»
«O Chico e a Inês» são, provavelmente, os filhos de Beatriz.
Militão de Bessa Ribeiro faleceu no dia em que esta carta foi escrita. Tinha 53 anos e pesava 32 quilos.
A paixão do «football»
um século, no Brasil, travava-se uma luta de classes em inesperados locais: os campos de futebol.
Anteriormente, o desporto favorito dos cariocas tinha sido o remo, que ainda era, obviamente, muito
popular. Foi para essa modalidade que, em 17 de Novembro de 1895, foi fundado o Clube de Regatas do
Flamengo; mantendo-se sempre pluri-disciplinar, é actualmente mais conhecido pelo futebol. O mesmo se
pode dizer do Club de Regatas Vasco da Gama, fundado em 21 de Agosto de 1898 por portugueses.
No século XIX, princípios do século XX, o desporto estava reservado, quase exclusivamente, para a nata da
população carioca. O futebol foi levado para o Brasil por «estrangeiros», não portugueses, nos finais do
século XIX; diz-se que foi um inglês, Charles Miller, que levou a primeira bola em 1894. Era a população
privilegiada que jogava e assistia.
O futebol era um jogo fácil de jogar e os deserdados da vida eram muitos e ansiosos por conquistarem o
direito à sua prática. Foi assim que, na década de 1910, começaram a aparecer, como cogumelos, clubes de
futebol nos bairros do Rio de Janeiro. Operários, empregados no comércio, funcionários e outros
trabalhadores de várias profissões, brancos, negros, mestiços, desempregados, analfabetos e alfabetizados,
jovens de diversas nacionalidades juntavam-se todos na alegria de usufruirem o prazer do desporto.
No princípio do século XX já existia a «Liga Metropolitana de Football» (LMF) («Gazeta de Noticias» de
8/8/1906), tendo mudado o nome, em Fevereiro de 1907, para «Liga Metropolitana de Sports Athleticos»
(LMSA). Era esta liga que organizava o Campeonato Carioca, que envolvia os principais clubes do Rio de
Janeiro. Em 1917 mudou o nome para «Liga Metropolitana de Desportos Terrestres» (LMDT). Como já vimos,
nesta época, o desporto era elitista: classista e racista.
É deste modo que em 1907 foi fundada a «Liga Suburbana de Football» («O Paiz» de 6/4/1907 e «Jornal do
Brasil» de 15/4/1907), envolvendo clubes menos importantes, oriundos das zonas mais pobres do Rio de
Janeiro. Outras «ligas menores», que podiam coexistir, se formaram depois, como a seguir se exemplifica.
A «Liga Municipal de Football» foi constituída em 1916 («O Paiz» de 10/2/1916 e «O Imparcial» de
11/2/1916).
Segundo os jornais, a «Associação Brasileira de Desportos [ou “Sports”] Terrestres» existiu, pelo menos,
desde 1918 («O Imparcial» de 11/8/1918).
A «Liga Leopoldinense de Football» foi fundada em Fevereiro de 1921 («O Imparcial» de 26/2/1921).
A «Liga Brasileira de Desportos», uma sub-liga da Liga Metropolitana, foi também fundada em 1921 («O
Paiz» de 3/5/1921 e «Correio da Manhã» de 6/5/1921).
O classismo e o racismo estavam destinados a sairem derrotados pela força da realidade: os mais pobres
eram muitos; só operários tecelões havia mais de vinte e três mil no Rio de Janeiro, como veremos.
Quando o Vasco da Gama, que tinha ascendido ao Campeonato Carioca, dele saiu vitorioso em 1923, os
clubes elitistas, com o Fluminense à cabeça, abandonaram a Liga Metropolitana e fundaram a «Associação
Metropolitana de Esportes Athleticos» (AMEA) em 1924. Para que os clubes pudessem entrar na AMEA, esta
impôs condições draconianas. O Vasco da Gama, por exemplo, tinha que se ver livre de doze jogadores, o
que levou o seu presidente de então, o português José Augusto Prestes, a escrever ao presidente do
Fluminense e da AMEA, Arnaldo Guinle, um ofício, que ficou conhecido como a «resposta histórica», em que
afirmava que, dadas as condições impostas, o clube desistia de fazer parte da AMEA.
José Augusto Prestes nasceu em Lisboa, na freguesia de Nossa Senhora das Mercês, em 10 de Novembro de
1870, filho de Augusto António Prestes e de Adelaide da Conceição Prestes (Torre do Tombo). Faleceu no
Rio de Janeiro em 8 de Julho de 1952. Este engenheiro republicano era uma figura de grande prestígio na
sociedade carioca e ainda hoje é venerado pelo Vasco da Gama. A propósito da sua morte, os jornais
brasileiros publicaram biografias suas incidindo sobre a sua vida no Brasil: «A Noite», «Diario Carioca» e
«Diario de Noticias» de 9/7/1952; «Jornal do Brasil» de 26/7/1952. Ver ainda «Jornal dos Sports» de
8/8/1957 e 10/7/1958.
A «resposta histórica» pode ser lida na rede ou em «O Imparcial» de 15/4/1924 e «O Paiz» de 16/4/1924. A
resposta de Arnaldo Guinle vem no «Jornal do Brasil» de 18/4/1924 e «O Jornal» de 20/4/1924. Eis um
excerto dessa resposta: «Finalmente, dissemos a v. ex. que embora estivessemos promptos a attender aos
reclamos do vosso club a este respeito, alimentavamos a esperança de que, para o futuro, elle fizesse todos
os esforços para constituir “equipes” genuinamente portuguezas, porquanto ao nosso vêr o havia em
nosso meio outra colônia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma
demonstração sportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular.»
Na segunda metade dos anos 1920, as barreiras começaram a cair no futebol brasileiro. Em 1929, através
do «Correio da Manhã» de 22/11, no artigo «SERÁ A ULTIMA? Vasco e America jogam depois de amanhã a
terceira partida da melhor de tres», percebe-se que Vasco da Gama e Bemfica (então o clube de Militão) já
fazem parte da AMEA.
O esquema táctico usado nos primórdios do futebol no Brasil era o 2-3-5 (ou «pirâmide»): 2 defesas recuados
(ou defensores), 3 defesas médios (ou meio-campistas) e 5 atacantes avançados. A linguagem usada
habitualmente era o inglês; assim, temos: 2 center back (ou full back); left halfback, center halfback e right
halfback; left winger, inside forward left, center forward (ou striker), inside forward right e right winger. O
guarda-redes (o goleiro) era o keeper (ou goalkeeper). Militão era um dos praticantes e jogava
habitualmente a center halfback.
No parágrafo seguinte listam-se alguns (apenas alguns!) clubes de futebol com os quais Militão se envolveu
(clubes pelos quais jogou, ou pode ter jogado, ou que defrontou, ou pode ter defrontado, por exemplo).
Aparentemente, Militão participou sempre nas «ligas menores» e nunca no principal campeonato carioca.
Entre parêntesis estão a data de fundação e o bairro ao qual pertenciam. Abreviaturas: «A.» – «Athletico»
ou «Athletica», «A. A.» – «Associação Athletica», «C.» – «Club», «F.» – «Football», «S.» – «Sport».
[Fontes:
Rio de Janeiro State - Minor Leagues 1907-1934: https://www.rsssfbrasil.com/tablesr/rjminor.htm
História do Futebol: https://historiadofutebol.com/blog/
Jornais brasileiros]
America Suburbano F. C. (1917, Bento Ribeiro). A. Jacarepaguá (1915, Jacarepaguá). Americano F. C. (1907,
Riachuelo Sampaio). Andarahy A. C. (1909, Andarahy). Argentino F. C. (1916, Cascadura). Bemfica S. C.
(1921, Bemfica). Bomsucesso F. C. (1913, Bomsucesso). Botafogo A. C. (1913, Aldeia Campista, em Vila
Isabel). Botafogo F. C. (1904, Botafogo) [Em 1942 fundiu-se com o Club de Regatas Botafogo, dando origem
ao actual Botafogo de Futebol e Regatas]. C. Dramatico do Realengo (1912, Realengo). Cattete F. C. (1905,
Cattete). Civil S. C. (1919, Olaria) [Fundado por guardas civis do Rio de Janeiro]. C. de Regatas Vasco da Gama
(1898, Saúde). Confiança A. C. (1915, Andarahi). Del Castilho F. C. (1914, Del Castilho). Eclair F. C. (1914,
Bemfica). Engenho de Dentro A. C. (1912, Engenho de Dentro). Fidalgo F. C. (1914, Madureira). Irajá A. C.
(1912, Irajá). Jardim F. C. (1907, Jardim Botânico). Magno F. C. (1913, Madureira). Mangueira F. C. (1917,
Mangueira). Mauá F. C. (1913, Centro – Saúde). Mavilis F. C. (1913, Caju) [O nome do clube foi composto a
partir das letras iniciais do nome de Manuel Vicente Lisboa, um dos directores da Companhia América Fabril
e incentivador do desporto]. Modesto F. C. (1913, Quintino Bocaiúva). Municipal F. C. (1912, Santo Cristo).
Navarro F. C. (1913, Catumbi – Rio Comprido). Olaria F. C. (1915, Olaria) [A partir de 1920 passa a chamar-se
Olaria A. C.]. Palmeiras A. C. (1911, São Christovão). Pereira Passos F. C. (1913, Centro Saúde). Real
Grandeza F. C. (1910, Botafogo-Copacabana). Rio F. C. (1916, Tijuca). River F. C. (1914, Centro). S. C. Bemfica
(1921, Bemfica). S. C. Mackenzie (1914, Todos os Santos – Meier). Sampaio F. C. (1906, Sampaio). S. C. Santa
Cruz (1912, Santa Cruz). A. A. São Christovao (1916, São Christovão). Sao Paulo e Rio F. C. (1910, Centro). Sul
America F. C. (1910, Engenho Velho). Tiradentes A. C. (1914, Aldeia Campista Maracanã). Victoria F. C.
(1915, Caju – São Cristóvão). S. C. Ypiranga (1916, Vila Isabel).
«Eclair Football Club»
O Eclair Football Club foi fundado em 1914 e existiu apenas até ao final de 1920. Aí jogou Militão desde 8 de
Agosto de 1915, pelo menos, até à extinção do Eclair. Habitualmente, dos três jogadores centrais, ele era o
do meio. Eis uma lista dos jogadores mais utilizados pelo Eclair F. C. nesses anos:
Alcino, Andy F. Dias, Antonio Nunes, Arthur Peixoto, Aylton Paiva, Belmiro Machado, Bernardino Fernandes,
Bororó, Cantuaria, Elviro Ribeiro, Ernesto Julianelli, Eugenio Julianelli, Francisco Lopes, Jayme de Carvalho,
João Lamego, João Lopes, João Silva, Joaquim Gonçalves, José (Zé) Maria, Militão Ribeiro, Octavio,
Raymundo.
É importante que o leitor observe com atenção esta lista, porque alguns destes companheiros de Militão vão
aparecer a jogar, com ele, por outros clubes.
«Eclair × Amazonas» é o título da notícia do jornal «O Paiz» de 2/10/1918 da qual se transcreve o seguinte
trecho:
«Afim de ser disputada a posse da taça “Alvaro Mathias”, encontraram-se domingo ultimo,, as equipes dos
clubs cujos nomes encimam estas linhas, encontro esse que levou ao local da pugna, o bem tratado campo
da rua Capitão Felix, uma assistencia numerosíssima, que applaudiu, durante todo o prelio, os lances
arrebatadores de que foi fertil esse match. (…)
É justo salientar-se o jogo calmo e intelligente desenvolvido por Militão Ribeiro, um center-médio digno de
figurar em qualquer dos nossos melhores quadros. A elle deve, em grande parte, o Eclair a sua brilhante
victoria. (…)
Eis o team vencedor: Gustavo; Bernardino I e Bernardino II; Jayme, Militão e Aylton; Andy, Arthur, Belmiro,
Alcino e Eugenio.»
O excerto seguinte é da notícia com o título «Eclair F. C. × Tiradentes A. C.» que saiu no jornal «O Paiz» de
24/12/1918:
«Na bella praça de sports da rua Capitão Felix, realizou-se ante-hontem este importante encontro, o qual
levou ao local da pugna uma assistencia numerosissima. (…)
Ás 4,10 era dado o “jolace-kick” [sic], saindo o Tiradentes A. C, que investe celere contra o rectangulo
adversario, mantendo durante alguns minutos um breve dominio, o qual foi quebrado por Militão, que se
apossando da pelota, leva-a até ao campo antagonico, onde foi brilhantemente repellido por Albertino que
envia a bola aos seus deanteiros. (…)
Salientaram-se pelo Eclair: Militão Ribeiro, um “center-half” perfeito, e de uma tenacidade a toda a prova;
Bernardino Fernandes, e J. Lopes, um excellente arqueiro.»
Excerto de «Eclair F. C. × Mauá F. C.», notícia saída no jornal «O Paiz» de 8/7/1919:
«Depois de varias avançadas de parte a parte, Elviro recebendo a bola de Militão, centra-a magistralmente
a Andy, que, com um “tiro” formidável enviezado, manda a bola á rêde do Mauá, marcando desta forma o
segundo goal do Eclair.
Posta a bola ao centro, o Mauá sae e investe resolutamente ao posto de J. Lopes, o qual é bem defendido por
Bernardino, Arthur e Militão Ribeiro. (…)
Do team vencedor destacaram-se: em primeiro plano, Elviro, incontestavelmente é o primeiro center-forward
da A. B. D. T. [no original está «A. B. S. F.»], Militão Ribeiro, um center-médio calmo e intelligente e
Bernardino Fernandes, um “fullback” vigoroso.»
«O CAMPEÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESPORTOS TERRESTRES» é o título da seguinte notícia do
«Jornal do Brasil» de 30/3/1920:
«Mais um grande titulo pôde juntar ao seu actlvo o valoroso gremio de Bemfica.
A directoria da A. B. D. T. (…) resolveu considerar o Eclair Football Club (…) campeão da Associação Brasileira.
(…)
Em nome da directoria do Eclair usou da palavra o distinto sportman Sr. Alvaro Mathias, presidente do
Gremio tricolor que produziu uma brilhante allocução de saudação aos players campeões. Em nome destes
fallou, agradecendo, o footballer Jayme de Carvalho, que produziu bella oração.
São os seguintes os campeões do Eclair:
João Lopes, goal keeper, é o veterano no gremio de Alvaro, por onde sempre jogou e do qual é um dos mais
esforçados baluartes.
Bernardino Fernandes, fullback right, é a alma da defesa do Eclair, por onde sempre jogou.
Aylton Paiva, é um dos novos da équipe, tendo se revelado ultimamente um excellente player, quer no
ataque, quer na defesa. É eximio no jogo de cabeça.
Militão Ribeiro, center-half. É o pivot da equipe tricolor. É veterano na equipe do Eclair, onde joga desde a
fundação. Já defendeu com brilhantismo as côres do Vasco da Gama, na Liga Metropolitana e as do Victoria,
na Liga Municipal.
Jayme de Carvalho, half-right, apezar de novato, é um dos optlmos elementos do team campeão.
José Maria, half-left. Esforçado e intelligente player.
Andy F. Dias, wing-right. O mais antigo dos jogadores do Eclair, do qual é sócio fundador. É um player
esforçado e cavado.
Luiz Coelho (Lillo), é um player veterano, porém novo na equipe de Eclair, fez-se jogando pelo antigo S. João.
José Silva, center-forward. É tambem novo na equipe. Jogava primeiramente de in-side-left. Actualmente
occupava com brilho o centro da linha atacante.
Arthur Peixoto, in-side-left. É veterano. Jogando bem em qualquer posição.
Eugenio Julianelli, wing-left. É o melhor player do team. De espantosa velocidade e forte shoot. Eugenio é o
terror das defesas inimigas.
Fizeram tambem parte da equipe campeã os players Elviro Ribelro, Ernesto Julianelli e Raymundo.»
Foram as seguintes as pessoas que integraram directorias do Eclair F.C., estando entre parêntesis os cargos
que ocuparam em diferentes ocasiões:
Adalberto Mello Mattos (captain), Alcino Pinho (2º secretario), Alvaro Mathias (vice-presidente, presidente),
Andy Cesar Fernandes Dias (captain, secretario e captain, secretario), Antonio Coelho Moreira (1º
thesoureiro), Antonio Gomes Teixeira (2º procurador), Ary César de Souza Pinto (2º secretario), Aylton A.
Paiva (2º thesoureiro), Elviro Ribeiro (vice-captain), Ernesto Antonio Julianelli (2º fiscal, 2º secretario,
secretario), Herculano Rocha (1º thesoureiro), Jayme Alves de Carvalho (1º fiscal, thesoureiro,
secretario, 1º secretario), Jayme Barreiros da Rocha (procurador, commissão desportiva), João Carvalho (1º
fiscal), João Corporal (cobrador), João Lamego (2º thesoureiro), Joaquim Ferreira Pinto (vice-presidente),
José Freitas (procurador), José Guimarães (1º secretario), Justino da Silva (presidente), Luciano dos Santos
Cardoso (vice-presidente), Luiz Alves (2º thesoureiro), Manoel Antunes (representante da ABDT), Manoel da
Silva (vice-presidente), Militão Ribeiro (1º procurador, vice-captain, commissão desportiva, captain, captain
geral, representante da ABDT), Moysés Augusto Lopes (2º thesoureiro, thesoureiro, vice-presidente),
Napoleão Cavalcanti (presidente), Octavio Dias da Silva (2º procurador, procurador), Raul dos Santos
Cardoso (commissão desportiva, thesoureiro, secretario, secretario, presidente, presidente e
thesoureiro).
ABDT: Associação Brasileira de Desportos Terrestres.
Referências: «O Imparcial» de 25/3/1916, 10/3/1917, 15/12/1917 e 16/3/1918. «O Paiz» de 1/2/1919,
8/3/1919, 22/3/1919 e 4/6/1919. «O Imparcial» e «O Paiz» foram «órgãos officiais do club» (ver «O
Imparcial» de 16/3/1918 e «O Paiz» de 22/3/1919).
«Sport Club Bemfica»
Notícia do jornal «O Paiz» de 7/4/1921 com o título «Foi fundado o S. C. Bemfica»:
«Communica-nos:
“Sr. redactor sportivo d’O Paiz”. Saudações. – Amigo e Sr. Levo ao vosso conhecimento, que no dia 21 de
março de 1921, foi fundado nesta capital, á rua Jockey Club numero 2 – um club de football com o nome de
Sport Club Bemfica, sendo eleita a seguinte directoria:
Presidente, Alvaro Mathias; vice-presidente, Herculano da Rocha; secretario, José Paradanta;
secretario, Alberto Francisco dos Santos; 1º thesoureiro, Francisco Vieira Borba Junior; 2º thesourelro, A. J.
de Queiroz; procurador, Bernardo Teixeira Carvalho Junior.
Cobrador – Bernardo Teixeira de Carvalho Junior.
Ao seu dispor, subscrevo-me com elevada estima e consideração – Pelo Sport Club Bemfica, José Paradanta,
1º secretario.»
O «Jornal do Brasil» do dia seguinte publica notícia com o mesmo teor.
Em Novembro de 1926 a Rua Jockey Club passou a chamar-se Rua Licínio Cardoso («Jornal do Commercio»
de 11/11/1926). Veremos, mais adiante, que, dez anos mais tarde, a polícia política brasileira registava ser
nessa rua que morava Militão Ribeiro.
Sob o título «O S. C. BEMFICA ESTREARÁ HOJE NAS LIDES DESPORTIVAS COM UM FESTIVAL» o jornal «O Paiz»
de 7/9/1921 traz a seguinte notícia:
«Será finalmente hoje que o novel tricolor de Bemfica levará a effeito um festival com que iniciará a sua
carreira sportiva.
Esse novo centro de sports conta em seu seio sportsmen da velha guarda, vindos, na sua maior parte, do
extincto Eclair, e, com esses elementos organizou tres poderosas équipes que, sem exagero, são as mais
homogeneas do bairro de São Christovão.
O seu quadro social, já bastante numeroso, conta com o concurso do capitalista Francisco Vieira Borba Júnior
e os negociantes Manoel Augusto Lopes e Herculano da Rocha Vianna, que formam a junta governativa do
club.
Á frente da commissão de sports estão os players Militão Ribeiro e Jayme de Carvalho, dois nomes que se
recommendam pela sua bagagem sportiva.
O campo da lucta será o ground do Pedregulho F. C., á rua Jockey Club.
Além de varias provas de athletismo, serão realizados quatro importantes matches de football. (…)
A commissão de sports do S. C. Bemfica escalou os seguintes teams que deverão jogar na festa:
1º – João, Bernardino, Eduardo, Jayme, Militão, Peres, João Silva, Bibi, Lamego, Elviro e Eugenio.
2º – Oswaldo, Waldemar, Ernesto, Carlos, Avelino, Domingos, Sylvio, Manteiga, Delcaro, Corisco e Luiz.»
Notícia do «Jornal do Brasil» de 10/9/1921 com o título «A SOIRÉE DO SPORT CLUB BEMFICA»:
«Esteve encantadora a soirée com que o gremio de Manuel Augusto Lopes, encerrou a serie dos seus
brilhantes festejos do 7 de Setembro ultimo.
O magnífico salão da séde achava-se lindamente ornamentado notando que o bello sexo ali se achava farto
e lindamente representado por graciosas senhoritas que emprestaram ao salão um cunho ainda mais
encantador.
Ao som de uma afinada orchestra que, sempre animadíssimas prolongaram-se até á madrugada, correndo
a festa no mais communicativo enthusiasmo, deixando em todos que a ella assistiram agradabilíssima
impressão.
Jayme do Carvalho, Militão Ribeiro, os Lopes, e outros proceres do Bemflca foram encansaveis em gentilezas
para com seus convidados.
Entre o grande numero do senhoritas que emprestaram o concurso do seu encanto á festa conseguimos notar
as seguintes:
Luiza e Sylvia Moraes, Rosa e Amelia Fernandes, Florinda Borba, Alice Pereira, Laura Rocha, Cacilda Fonseca,
Maria Matheus, Alcina Mathias, Ondina Rodrigues, Maria TorteroIli e muitas outras cujos nomes nos
escaparam.»
Na «Gazeta de Noticias» de 29/11/1921, sob o título «O FESTIVAL DA LIGA LEOPOLDINENSE. Bemfica ×
Cajuense.», pode ler-se:
«Foi uma luta de titans. Os campeões da Alliança Sportiva Municipal e os players do gremio tricolor de
Bemfica empregaram-se com ardor, na conquista da palma da victoria. Lamego, Militão, Flavio, Eugenio e
Jayme, pelo Bemfica, (…) empolgaram a assistencia com seus lances brilhantes.»
Tanto a «Gazeta de Noticias» como o «Jornal do Brasil» de 5/1/1922, sob o título «A NOVA DIRECTORIA DO
S. C. BEMFICA», trazem a seguinte notícia de que se publica um excerto:
«A directoria eleita foi a seguinte: presidente, Francisco Vieira Borba; vice-presidente, Luiz Cupertino;
secretario. Ernesto Julianelli; secretario, Alvaro Carrapatoso; thesoureiro, José Paradanta;
thesoureiro, Militão Bessa Ribeiro; procurador, João Corporal.
Conselho fiscal: Justino da Silva, Manoel Rodrigues e Lauro Cavalcanti.
Commissão de syndicancia: Manoel Dias, Francisco Simões e Domingo Miranda Fernandes.
Commissão de sports: Manoel Augusto Lopes, Jayme Alves de Carvalho e Ernesto Perez.»
«A NOVA DIRECTORIA DO S. C. BEMFICA» é o título de uma notícia do «Jornal do Brasil» de 27/7/1922. Eis
um excerto:
«Presidente, Francisco V. Borba Junior, vice-presidente, Luiz Cupertino; secretario, Manuel A. Lopes;
secretario, José Paradanta; thesoureiro, Francisco Slmões; thesoureiro, João Corpora!; procurador,
Herculano R. Vianna.
Conselho Fiscal: Egberto Augusto Gouvêa, Bernardo T. de Carvalho e Militão Bessa Ribeiro.
Commissão sportiva: Jayme de Carvalho, João Silva e Ernesto Julianelli.»
Pelo menos até 1924, Militão jogou pelo S. C. Bemfica, geralmente a avançado, mas nem sempre no «1º
team». Jogaram também Aylton, Bororó, Ernesto, Eugenio, J. Silva, Jayme e João (a «keeper»), os mesmos,
provavelmente, que tinham jogado pelo Eclair F. C. também um Alipio que pode ser Alipio José de
Medeiros que vai aparecer, em 1931, interrogado pela polícia política, suspeito de estar ligado politicamente
a Militão.
Notícia do «Jornal do Brasil» de 30/4/1929, sob o título «O S. C. BEMFICA PASSAR O SEU
ANIVERSÁRIO»:
«O dia de hoje, é de intenso júbilo para o glorioso tricolor da Liga Brasileira que passar mais um
anniversario da sua gloriosa existencia.
Por esse motivo, os seus elegantes salões, vão abrir-se logo mais á noite, para commemorar brilhantemente
esta data com uma imponente soirée dansante.
Club fundado em 30 do Abril de 1921, pelos elementos esparsos do extincto Eclair F. C., conta o
anniversariante com um passado cheio de glorias, que o tornam respeitado entre os seus co-irmãos.
Disputando no mesmo anno da sua fundação, varios encontros amistosos, viu enriquecer o seu patrimonio,
com lindos trophéos, que eram outras tantas victorias.
Filiando-se em 1922 á Liga Leopoldinense de Football, teve nesse anno actuação destacada, assim como na
temporada seguinte.
Em 1924, com as suas equipes bem constituidas, levantou galhardamente o titulo de campeão dos 1º, 2º e
3º quadros.
Em 1925, depois de ser proclamado campeão do Torneio Initium, da mesma entidade, disputou alguns jogos
do campeonato de onde retirou para ingressar na Liga Brasileira de Desportos.
Estreando em 1926 na Sub-Liga tornou-se o vice-campeão do Initium, conseguindo vencer o torneio dos
terceiros quadros da sua serie, sem um unico empate.
Disputando a eliminatoria com o de egual categoria do S. Club União, campeão da serie A, logrou vence-lo
pelo score de 3×2.
Em 1927, promovido á serie principal, estreou contra o veterano Municipal, a quem venceu nos tres quadros.
Ainda nessa temporada chegou em primeiro logar, empatado com o mesmo Municipal, de quem perdeu no
desempate por 4×2.
Vencedor do torneio dos segundos quadros, perdeu para o Vascaíno, campeão da serie B, em condições
duvidosas.
Venceu ainda na classe dos terceiros teams, com um só empate. tendo vencido, o Mil Cores na eliminatoria
pelo score de 4×1.
Na temporada de 1928 collocou-se em segundo logar no campeonato tendo empatado o torneio dos
segundos teams com o Jardim F. C. de quem perdeu, depois tres successivos empates.
Venceu ainda a classe dos terceiros quadros, sem ponto algum perdido, tornando-se tri-campeão sem uma
unica derrota.
Possuidor de corpo social elevado, tem o S. C. Bemfica uma sede modelar.
A sua directoria é composta de veteranos sportmen, nella se destacando as figuras de Eduardo Pinto da
Fonseca Filho, José Paradanta, Justino da Silva, Militão Bessa Ribeiro, Alipio de Medeiros e tantos outros.»
«Alipio de Medeiros» é Alipio José de Medeiros que vai aparecer, em 1931, interrogado pela polícia política,
suspeito de estar ligado politicamente a Militão.
Em 1929, Militão fez, pelos menos, um jogo pelo S. C. Bemfica. Jogaram também Aylton, Eugenio, J. Silva e
Jayme, mas nenhum deles jogou pelo «1º team» («Jornal do Brasil» de 13/7/1929).
«O S. C. Bemfica e a sua brilhante jornada no campeonato da Sub-Liga» é o título do artigo de «A Manhã»
de 3/10/1929, de que se reproduz um excerto:
«Quando ao iniciar-se o campeonato da Liga Brasileira, os adeptos do valoroso gremio do largo de Bemfica,
não escondiam o seu antecipado contentamento, em verem a sua équipe optimamente constituida, que com
o aproveitamento dos futurosos elementos vindos do terceiro quadro, entrava na liça com justas pretenções
ao titulo máximo. (…)
São os seguintes, os campeões invictos da Brasileira:.
José Santos Conceição (Zézé): É o keeper que ha quatro annos vem actuando na esquadra principal.
Nelson Barbosa, back direito: Vindo do terceiro quadro, onde se tornou tri-campeão, ingressou este anno na
equipe principal.
Alberto de Carvalho, back esquerdo: Formava com o seu companheiro a zaga do terceiro team, e como elle
promovido á esquadra principal.
Danneman Araujo, médio direito: É elemento antigo no club, por onde joga ha sete annos.
Luiz Delavale (Allemão), vindo do Mauá F. C., é o center-half da équipe campeã, por onde joga desde o inicio
da temporada.
Aldhemar José Coutlnho (Corisco), medio esquerdo: É elemento antigo no club e um dos jogadores mais
efficientes.
Oswaldo Araujo, extrema direita: Foi feito no Bemfica, por onde sempre jogou.
Firmino de Souza, meia direita: Vindo do Bomsuccesso F. C. é um optimo atacante.
Belmiro Machado (Bibi): O habil commandante da linha tricolor, é o jogador mais antigo do S. C. Bemfica,
por onde joga desde a sua fundação. É um exímio opportunista.
Horacio Augusto de Souza, meia esquerda: Pertencia ao Olaria A. C. por onde jogava parte sómente nos
ultimos quatro jogos, revelando-se um optimo marcador.
Antonio Florencio Pereira do Lago, extrema esquerda: Ex- player do Andarahy, tomou parte nos ultimos
jogos, demonstrando ser um optimo ponteiro.
Além destes ja mencionados, alcançaram o título de campeões por terem tomado parte em diversos jogos,
os seguintes amadores:
João Lopes da Silva, Manoel Fernandes Garcia, Militão de Bessa Ribeiro, Annibal Pereira Monteiro, Francisco
Ferreira, Heitor Pacheco, Luiz Silva, Theodosio Martins Teixeira e Oliveira Bittencourt.»
Outros clubes
Já vimos que o «Jornal do Brasil» de 30/3/1920 diz que «Militão Ribeiro (…) já defendeu com brilhantismo as
côres do Vasco da Gama, na Liga Metropolitana e as do Victoria, na Liga Municipal.» Outras notícias dos
jornais confirmam isso.
No C. R. Vasco da Gama intervinham jogadores com os nomes Alipio, Jayme, Lamego e Militão. Ver: «O Paiz»
de 17/12/1917, 9/6/1918 e 19/1/1921; «O Imparcial», de 7/4/1918, 2/6/1918, 22/1/1921 e 23/1/1921;
«Gazeta de Noticias» de 21/1/1921 e 24/1/1921; «Correio da Manhã» de 24/1/1921, 29/1/1921 e
20/2/1921; «Sport Illustrado» de 29/1/1921.
No Victoria F. C. Militão jogava a atacante e J. Lamego, que tinha as funções de «captain», a center-médio.
Ver «O Imparcial», edições de 28/1/1917, 22/4/1917 e 18/7/1917.
O Olaria F. C., que mais tarde mudou o nome para Olaria A. C., contou com um jogador chamado Militão
que, geralmente, alinhava a avançado. Um Eugenio participou num jogo e um Bernardino em dois. Ver «O
Paiz» de 3/4/1918, 21/4/1918, 9/3/1919, 21/3/1919, 28/3/1919, 21/4/1919 e 14/6/1919; «O Imparcial» de
6/4/1918, 25/5/1918, 5/4/1921, 24/7/1921 e 9/11/1921; «Gazeta Suburbana» de 5/4/1919 e 31/5/1919;
«Epoca Sportiva» de 3/5/1919; «O Jornal» de 14/3/1920. Sob o título «MILITÃO NÃO JOGARÁ PELO OLARIA»,
o «Jornal do Brasil» de 11/6/1921 escreve: «Podemos asseverar que o valoroso player Militão Ribeiro não
jogará mais pelo Olaria A. Club.» Em 12/11/1921 «O Imparcial», na notícia com o título «LIGA SUBURBANA
DE FOOTBALL (Sub-Liga da Metropolitana)», convoca «Militão Ribeiro, do Olaria» para um jogo de treino de
uma selecção da Liga Suburbana.
O «Jornal do Brasil» de 13/3/1920, sob o título «Irajá Athletic Club», convoca jogadores para um «match
training» do clube. Entre eles um Lamego e um Militão. O mesmo jornal, mas de 25/3/1920, informa:
«Figurarão este anno na équipe alvi rubra do glorioso Irajá os players João Lamego, Jayme de Carvalho o
Militão Ribeiro que pertenciam ao team do valoroso Eclair.» O título da notícia precedente é «TRES PLAYERS
DO ECLAIR NO IRAJÁ». Ainda o «Jornal do Brasil» de 3/4/1920 traz uma notícia com o título «COMO A
PHALANGE “RUBRA” DO IRAJÁ ENFRENTARÁ O MAGNO»: «O glorioso Irajá apresentará amanhã no ground
do Riachuelo a sua invencível equipe para enfrentar o Magno, no festival organizado peja Liga Suburbana.
(…) De full back figurará o player Moraes. Militão Ribeiro, o exímio campeão da Associação Brasileira, será o
centro dianteiro e o afamado campeão João Lamego occupará o centro da linha média.» Em 16/4/1922, o
«Jornal do Brasil» informa que um Militão joga pelo Irajá, como defesa, contra o Magno.
Os jornais «Correio da Manhã» de 4/7/1918 e «O Imparcial» de 11/1/1920 dão notícia de um clube chamado
«Parisiense Team». João Lamego era o «captain» e «director sportivo do Parisiense Team» e jogava à defesa.
Jogavam ainda Bororó, Ernesto, Eugenio, Jayme e Militão, cada um deles na posição que ocupava no Eclair
F. C.
Nos jornais brasileiros há, ainda, notícias de jogos em que participa um jogador de nome Militão, envolvendo
os seguintes clubes: Atlas, Bento Lisboa, Cattete, Frontin, Itamaraty, Mackenzie, Mavilis, Metropolitano,
Novo Mundo, Phenix, Retiro Saudoso, São Christovão, Tiradentes, Triangulo, Tupy, União. É provável que,
nalguns casos, este Militão seja Militão de Bessa Ribeiro.
Juiz e representante
Em diversos jogos «Militão Ribeiro, do S. C. Bemfica» assume as funções de «juiz», ou seja, de árbitro: ver
«A Noite» de 9/2/1922, «O Imparcial» de 9/2/1922, «Correio da Manhã» de 11/11/1923, «O Brasil» de
14/3/1924, «Jornal do Brasil» de 23/3/1924 e «O Paiz» de 23/3/1924. O jornal «A Noite» de 15/9/1923
informa que o «Conselho Fiscal» da «Liga Leopoldinense de Football» resolveu «multar em 5$000, por ter
violado o art. 42, o juiz Militão Bessa Ribeiro».
Noutros jogos «Militão Ribeiro, do S. C. Bemfica» assume as funções de «representante» da «Liga
Leopoldinense» (por vezes chamada, indevidamente, «Leopoldina»): ver «Gazeta de Noticias» de 30/5/1923,
«A Rua» de 21/6/1923 e «Jornal do Brasil» de 29/7/1923.
Viagens a Portugal
O jornal «Epoca Sportiva» de 12/4/1919 traz a seguinte notícia: «CASAMENTOS. – Militão Ribeiro, o valoroso
”center-half” do Eclair, acaba de contratar casamento com a gentil senhorinha Angelita Sancho.» A ser
verdade o que o jornal diz, deve tratar-se de uma espécie de noivado. Em todos os documentos posteriores
Militão é dado como solteiro.
O mesmo jornal, «Epoca Sportiva», mas de 17/5/1919, informa: «– Militão Ribeiro, center-half do Eclair F.
Club, partirá brevemente para Portugal, sua terra natal.» Na mesma página está uma fotografia com a
seguinte legenda: «Senhorinha Angelita Sancho, gentil torcedora do Eclair».
Aparentemente, as duas notícias, a do «casamento» e a da viagem, podem estar relacionadas entre si. Se a
viagem se fez ou não, é algo que está por esclarecer.
Anos mais tarde, Militão esteve em Portugal, como se pode ler no seguinte excerto do livro «O Concelho de
Murça (Retalhos para a sua História)»:
«O clube de futebol de Murça constituiu-se em 1924. (…)
Os problemas, a princípio, foram muitos. Em Outubro de 1926, os mais graves eram a falta de dinheiro, o
desânimo e o baixo nível técnico e físico dos atletas. Duma reunião então realizada em casa de Militão Bessa
Ribeiro saiu uma nova Direcção, assim constituída: dr. Morais Fonseca (presidente), José Maria Teixeira
Chaves (secretário), Caetano de Almeida Sampaio (tesoureiro), Alexandre Sol seria o cobrador das quotas,
Militão Bessa Ribeiro o director desportivo e Francisco Areias o capitão da equipa.» (Costa 1992, 296)
O facto de Militão ter aceitado um cargo na direcção do clube parece indicar que planeava ficar bastante
tempo em Portugal. O autor não esclarece qual a origem desta informação, de modo que é difícil confirmar
a data (Outubro de 1926) atribuída à reunião em sua casa. Terá ele ficado até final de 1928? É que no Arquivo
Distrital de Vila Real, sob o «Nº 1019» está registada a concessão do seguinte passaporte:
«Idade 32 annos. Altura 1,65. Cabellos pretos. Olhos castanhos escuros. Bilhete de identidade 16740
Porto. Em 14 de Dezembro de 1928 se concedeu passaporte por 23 dias para o Brazil, sahindo pela barra de
Lisboa ou porto de Leixões, a Militão de Bessa Ribeiro, solteiro, comerciante da Vila sede do Concelho de
Murça.»
O documento contém uma fotografia de Militão usando um laço e selos no valor de 18 escudos e 10
centavos.
Pseudónimo «Castilho»
No início do século XX, no Brasil, havia importantes correntes anarquistas nos meios operários. Em 1917, a
revolução russa teve um enorme impacto em todo o mundo e levou à formação de partidos comunistas em
muitos países. Foi o caso do Brasil. O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado em 25 de Março de 1922
por Abílio de Nequete (barbeiro de origem libanesa, de Porto Alegre, com ligações à III Internacional),
Astrojildo Pereira (jornalista do Rio de Janeiro), Cristiano Cordeiro (contador de Pernambuco), Hermogênio
da Silva Fernandes (electricista e ferroviário da cidade de Cruzeiro, São Paulo), João da Costa Pimenta (gráfico
de São Paulo), Joaquim Barbosa (alfaiate do Rio de Janeiro), José Elias da Silva (sapateiro do Rio de Janeiro),
Luis Peres (vassoureiro do Rio de Janeiro) e Manoel Cendón (alfaiate de origem espanhola), representando
73 militantes. Quase todos estes nove fundadores vinham de correntes anarquistas.
Nos anos 1920 tiveram lugar diversos levantes político-militares no Brasil, os movimentos «tenentistas», o
mais importante dos quais foi o que ficou conhecido pelo nome de «coluna Prestes» ou «coluna Miguel
Costa – Prestes». Em Outubro de 1924, iniciou-se uma insurreição em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul,
sob o comando do capitão Luís Carlos Prestes (1898–1990), à frente do 1º Batalhão Ferroviário. De várias
partes vieram mais militares que acabaram por formar a Coluna Prestes a que se juntaram revoltosos de São
Paulo comandados por Miguel Costa. Nos quase dois anos e meio seguintes os 1500 homens percorreram
25000 km. No final tinham cerca de 750 baixas, sobretudo devido a doenças. Os principais integrantes
partiram para o exílio. Luís Carlos Prestes tornou-se, mais tarde, comunista.
Em 1 de Março de 1930 foram realizadas eleições presidenciais no Brasil ganhas por Júlio Prestes. Todavia,
este nunca chegaria a tomar posse em virtude do golpe de estado que seria desencadeado em Outubro
desse ano e que levou ao poder o candidato derrotado, Getúlio Vargas (1882–1954), em 3 de Novembro.
Dava-se assim início à ditadura de Getúlio Vargas que viria a assumir um carácter fascista com simpatias
declaradas pelos regimes de Portugal, Itália e Alemanha.
Sindicalista
Militão foi sindicalista no sindicato dos tecelões, a «União dos Operários em Fábricas de Tecidos». Para a
história da sua fundação, socorremo-nos de um artigo de Leila Pires. Eis um excerto, logo no seu início:
«A proposta deste artigo consiste em analisar a organização da associação dos têxteis denominada União
dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT). Enfocamos na agência dos dirigentes da associação nos anos
de 1917 e 1918 que comungavam de ideologias contestadoras da ordem vigente, como a anarquista e a
sindicalista revolucionária. Os dirigentes foram os responsáveis pela elaboração dos estatutos e da
articulação das questões operárias junto ao patronato e autoridades do Estado. A UOFT estabeleceu
sucursais e esteve em atividade nas décadas de 1920 e 1930.
A UOFT era uma das associações confederada a União Geral dos Trabalhadores (UGT). A UOFT e a UGT
funcionavam na mesma sede (…). Antes de sua fundação, os operários têxteis não tinham uma sede e para
se reunirem utilizavam a sede de outras associações. Os têxteis desde o fechamento do Sindicato dos
Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, no ano de 1914, ficaram sem um sindicato oficial (…). O sindicato da
categoria retornava em primeiro de janeiro de 1917. Porém a data oficial para a sua criação, reconhecida
por seus membros, foi quatro de agosto de 1917.» (Pires 2014, 1)
No dia 19/5/1920 o jornal «Voz do Povo» insere a seguinte notícia:
«União dos Op. em Fabricas de Tecidos. LISTA Nº 1 – “Secretaria”. Quantia publicada, 92$600; José Coelho
Cecilio, 5$000; O Presidente, 8$000. LISTA 8 “Villa Isabel”. Quantia publicada, 30$200; Albino Santa
Rosa, 5$000. Somma, 35$200. LISTA Nº 12 – “Fabrica Bompastor”. Antonio Mendes, 6$000; Antonio Mendes,
(Cant.), 9$000-15$000; Ignacio Lello, 5$000; Enegene Sabbourg, 5$000; Militão Ribeiro, 5$000; Rubens de
Carvalho 3$000; Rubens de Carvalho, (Cant.), 12$000-15$000; Manoel de Jesus, 5$000; Quintino Pinto,
3$000; Antonio Leal, 3$000. Quantia publicada até hoje, 1.031$800. NOTA: - Nesta lista subscreveu-se ainda
o camarada Alvaro A. Teixeira com 5$000; pôde vir pagar na Secretaria. O Thesoureiro.»
Este artigo informa que Militão trabalhava na «Fabrica Bompastor». Consultando a Hemeroteca Digital do
Brasil dá-se com este anúncio publicitário:
«Companhia Fabrica de Tecidos Bom Pastor. Tecelagem de casimiras finas, flanellas, sarjas, chales, cachenez,
etc. Especialidade: Mesclas e mongol. Escriptorio: Candelaria, 93. Fabrica: Bom Pastor, 33. Presidente: Conde
de Avellar. Secretario-Thesoureiro: Noé Pinto de Almeida. Gerente: Francisco Graça.» («Almanak Laemmert:
Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ)» 1915, p. 1695).
A fábrica chamava-se «Bom Pastor» e situava-se na Rua Bom Pastor, 33. Já não existe, já nada resta. O seu
dono era o capitalista António Gomes de Avellar (1855–1932), que nasceu em São Martinho do Porto
(Alcobaça) e faleceu no Rio de Janeiro.
Nesse mesmo ano, 1920, um outro rapaz transmontano obtém o passaporte para poder emigrar para o
Brasil, como se pode verificar consultando o Arquivo Distrital de Vila Real, disponível na rede:
«Nº 2490. Idade 17 annos. Altura 1,63. Cabellos c. e. Sobr’Olhos c. e. Olhos c. SIGNAIS PARTICULARES Sig. de
var. no rosto.
Em 23 de 12 de 1920 se concedeu passaporte por – dias para o Brazil, sahindo pela barra de Lisboa ou porto
de Leixões, a Lino Pinto Teixeira s. sup., de Vila Pouca.»
No seu registo de baptismo, existente no mesmo arquivo, consta que Lino [Pinto Teixeira] nasceu em Vila
Pouca de Aguiar no dia 20 de Julho de 1903 e era filho legítimo de Manuel Pinto Teixeira, sapateiro, e Carolina
Augusta de Souza Moraes. Embora no registo esteja 20 de Julho, Lino comemorava o seu aniversário no dia
20 de Junho [Depoimento de Regina Maria Hori].
Vila Pouca de Aguiar é um concelho localizado bem no centro do distrito de Vila Real. O concelho de Murça,
onde nasceu Militão, é seu vizinho, está pegado a Vila Pouca de Aguiar, a sudeste.
Lino Pinto Teixeira emigra para o Brasil em Janeiro de 1922, como veremos. Em 16 de Maio de 1925 nasce
Lobélia, Lobélia Pinto Teixeira, filha de Lino e de Regina Amélia Teixeira (SIAN).
Nos anos 1920 estava também no Rio de Janeiro um outro transmontano, Rodrigo Carlos Guedes Pinheiro,
alfaiate, que, quando é citado em documentos, aparece ora como Rodrigo Guedes Pinheiro, ora como
Rodrigo Carlos Pinheiro. Consultando o seu registo de baptismo, existente no Arquivo Distrital de Vila Real,
sabe-se que nasceu em Murça em 14 de Dezembro de 1897, tendo sido baptizado no dia 7 de Janeiro
seguinte. Quase sempre ele aparece como tendo nascido em 1898, mas o registo de baptismo não engana,
ele nasceu em 1897. Rodrigo tinha, portanto, uma idade intermédia entre as dos irmãos Militão e António e
é quase certo (para não dizer que é certo) que se conheciam desde a infância. Companheiros de brincadeiras,
portanto. Tinha vários irmãos, um dos quais era Manuel Luís Guedes Pinheiro, de que ainda falaremos. O pai
era Manuel Pinheiro e a mãe era Maria do Carmo Guedes, «casados, naturais, proprietários e residentes
nesta freguesia [de Murça]». O nosso já conhecido padre José Maria Pinto Jou acrescentava que eles eram
«netos paternos de José Pinheiro e de Anna Alves e maternos de António Bernardino Guedes e Antónia
Joaquina Alves».
Rodrigo casou com Maria de Jesus Moraes (filha de Antonio Joaquim Moraes e Maria da Luz Moraes) de
quem teve uma filha, chamada Maria do Carmo, nascida em 16 de Abril de 1922, no Rio de Janeiro.
(FamilySearch ancestors)
No registo de nascimento da filha, Rodrigo dá como morada o nº 16 da Travessa do Oliveira (actual Rua Júlia
Lopes de Almeida). O «Jornal do Brasil» de 13/8/1920 traz a seguinte notícia: «PRECISA-SE um socio de
alfaiate com ou sem pratica para obra grande, prefere-se que trabalhe com boa conducta, trata-se á travessa
do Oliveira 16, esquina Vasco da Gama.» Lendo «O Brasil» de 25/4/1922 fica-se a saber que nessa morada
funcionava também uma «Fabrica de moveis». O «Jornal do Brasil» de 9/3/1927 diz que, nessa fábrica, um
menor de 12 anos, colhido por uma serra circular, ficou sem uma mão.
Do jornal «A Classe Operaria» de 13/6/1925:
«Estatistica fabril
I FABRICAS DE TECIDOS DE ALGODÃO
Segundo informações particulares, ha 2.000 operarios na fabrica Alliança, 1.000 na Botafogo, 150 na Bocheu,
600 na Bomfim, 1.600 na Corcovado, 1.800 na Carioca, 730 no Cotonificio Gávea, 2.854 na Cruzeiro, 1.920
na Confiança Industrial, 810 na Esperança, 831 na Santa Heloisa, 1.600 na Mavilles, 1.100 no Moinho Inglez,
3.000 na Progresso Industrial, 510 na Rio de Janeiro e 209 na S. João.
II LINHO
Ha na Sapopemba 1.000 operarios.
III LÃ
Ha 200 operários na Aurora, 200 no Lanificio, 503 na Botafogo, 100 na Bom Pastor, 56 na Covilhã, 180 na
Minerva, 130 na Manchester, 100 na Tijuca, 120 na Nossa Senhora da Victoria, 90 na Nossa Senhora da
Gloria, 73 na Babylonia e 100 na Maracanã.
IV DUAS PERGUNTAS
Perguntamos aos companheiros de cada uma destas fabricas: Estarão certos esses numeros? E quantos
operarios organizados existem em cada uma dessas fabricas?»
O «Diario Carioca» de 16/6/1929 diz que Lino Pinto Teixeira, o «rapaz» de Vila Pouca de Aguiar, é «garçon
de restaurant» e que é proposto para «1º Secretário» numa lista candidata à «Directoria» do «Centro
Cosmopolita» composta de maneira a «pacificar as duas correntes»; o «Centro Cosmopolita» era uma
«associação dos trabalhadores em hotéis, cafés e estabelecimentos congéneres (…) fundada em 31 de Julho
de 1903» (Fernández 2012); «as duas correntes» eram, provavelmente, a comunista e a anarquista.
Veremos mais adiante que o prontuário 15992 (ver o Anexo 1), que a polícia política brasileira lhe dedica,
diz que, em 12 de Junho de 1929, Lino Pinto Teixeira foi «prêso pela Secção de Ord. Pol. E Soc. Da 4ª Del.
Auxiliar, na séde do Centro Cosmopolita, como medida de repressão ao movimento comunista e posto em
liberdade no dia imediato.»
Lino e Militão, ambos portugueses, ambos transmontanos e de concelhos vizinhos, ambos sindicalistas,
muito provavelmente conheciam-se bem. Serão ambos julgados, no Porto, no Tribunal Militar Especial, em
6 de Abril 1935, como veremos.
[Nota: Em certas biografias de Militão aparece, erradamente, Lino Pinto Teixeira como Lino Teixeira Pinto.]
O «Jornal do Brasil» de 26/6/1929 traz a seguinte notícia:
«UNIÃO DOS OPERÁRIOS EM FABRICAS DE TECIDOS – Em 20 [?] do corrente mez, devem estar reunidos em
nossa sede social, os representantes das fabricas Botafogo, L. Ideal, Confiança, Minerva, Nova America,
Aurora, Bompastor, Covilhã, Moinho Inglez em convenção para escolher a chapa da directoria que deverá
reger os destinos da União, no período do 4 de Agosto de 1929 a 4 de Agosto de 1930.
Ficou escolhida a seguinte chapa com os nomes dos seguintes camaradas por gozarem da confiança da
maioria da classe.
Presidente, Manuel lgnacio de Castro; Secretario, Militão Ribeiro; Secretario, Narciso da Cunha Le-
Gentil; Thesoureiro, José Clemente; Procurador, Gabriel Perez – A. Cardoso, Secretario.»
Noticiam também esta eleição o «Jornal do Brasil» de 6/7/1929, «A Manhã» de 7/7/1929, a «Gazeta de
Noticias» de 1/8/1929 e o «Jornal do Brasil» de 6/8/1929.
Notícia de «A Manhã» de 13/8/1929:
«UNIÃO DOS OPERARIOS EM FABRICAS DE TECIDOS. Séde: Rua Camerino n. 66. Fone N. 5754. De ordem do
camarada presidente, convidam-se todos os associados a comparecerem sabbado, 14 do corrente, ás 19
horas, para tomarem parte na assembléa geral que se effectuará em segunda convocação. – Militão Ribeiro,
secretario.»
Actualmente, na Rua Camerino, 66 [Centro, Rio de Janeiro RJ, 20080-010, Brasil] fica o Centro Cultural
Sindicato dos Rodoviários do Município do Rio de Janeiro.
Convocatórias de teor semelhante, assinadas por «Militão Ribeiro, secretario», para outras reuniões, foram
publicadas nas edições do «Jornal do Brasil» de 6/9/1929, 14/9/1929 e 25/10/1929 e de «A Manhã» de
25/10/1929.
No «Jornal do Brasil» de 19/10/1929 pode ler-se:
«UNIÃO DOS OPERARIOS EM FABRICAS DE TECIDOS — De ordem do camarada presidente convida-se a todos
os camaradas a reunirem-se hoje, ás 19 horas, afim de tratarem da greve do Barreto e assumptos que se
referem ao nosso interesse social.
Espera-se que os camaradas não faltem e bem assim previne-se que a reunião terminará ás 22 horas.
Militão Ribeiro – Secretario.»
O Barreto é o bairro mais a norte do município de Niterói, que eslocalizado, relativamente ao Rio de
Janeiro, do outro lado da baía da Guanabara. Publicam notícias sobre a «greve do Barreto»: O «Diario
Carioca» de 5/10/1929 («Um communicado do Bloco Operario sobre a gréve do Barreto. OS OPERARIOS NAO
PRETENDEM DYNAMITAR AS FABRICAS») e de 12/10/1929 («MAIS UM ACTO ILLEGAL DA POLICIA
FLUMINENSE») e «A Manhã» de 8/10/1929 e de 9/10/1929 («Ainda a prisão violenta e atrabiliaria dos
intendentes Minervino de Oliveira e Octavio Brandão, em Nictheroy»).
O «Jornal do Commercio» de 10/10/1929, nas suas páginas 12-14 publica a acta da reunião de 9 de Outubro
da «Sessão ordinaria» do «CONSELHO MUNICIPAL». Entre outros, falaram Octavio Brandão e Minervino de
Oliveira. O longo discurso, de que se publica um excerto, do eleito municipal («intendente») Octavio Brandão
é esclarecedor:
«No dia 2 de Outubro, os camaradas dirigentes da Confederação Geral do Trabalho realizaram um comicio
em Nictheroy. Houve cinco prisões. Entre os presos encontravam-se duas operarias. Os camaradas Grazini e
Caetano Machado ainda se encontram presos desde o dia 2 mettidos num xadrez immundo, dentro do qual
estive.
O motivo da prisão de Grazini e Caetano, das duas operarias e mais um companheiro, foi por terem realizado
um comicio de protesto, no Barreto, contra a innominavel exploração da Companhia Manufacturadora
Fluminense. Essa Companhia pretende estabelecer o horario de 9 horas e 36 minutos e a reducção de 40%
nos salarios. Deseja implantar o regimen da fome. Os operarios que não produzirem muito serão despedidos.
Tal Companhia visa a racionalização da producção em proveito da classe capitalista, ao passo que na União
Sovietica a racionalização se faz em proveito da classe proletaria.
Apoiamos, apoiamos e apoiaremos os grévistas do Barreto, porque somos membros da classe proletaria,
porque representamos o proletariado. Tudo quanto fizermos por elles estaremos fazendo por nós proprios,
pela nossa classe, cujos interesses temos de defender. (…)
No comicio do dia 7 de outubro houve 4 prisões: a de Minervino, a minha, a da companheira e a do operario
Roberto Morena, qua a policia politica de Nictheroy e o jornal fascista “A Noite” entenderam que é italiano
e se chama Paschoal Morena, mas que é brasileiro, mais brasileiro que os lacaios do imperialismo
estrangeiro, que estão vendendo o Brasil aos banqueiros de Londres e Nova York.»
Luta, prisão e expulsão
«Um inexplicavel assalto á Embaixada Mexicana» é um dos títulos da primeira página do «Diario da Noite»
de 21/1/1930. Diz a notícia: «A sede da embaixada do Mexico (…) foi, na tarde de hontem, apedrejada por
um grupo de cerca de 50 individuos. (…) Os motivos (…) são quasi desconhecidos, tanto mais que nenhum
dos manifestantes foi detido». Mas, logo a seguir, o jornal lança acusações contra «elementos filiados ás
idéas communistas». Diz depois que «o palacete da Legação, (…) por ficar um tanto retirado da rua, (…) teve
apenas duas vidraças partidas»… O jornal publica um manifesto da «Federação da Juventude Comunista do
Brasil» dirigido «A TODOS OS TRABALHADORES» acusando o «Governo do Mexico» de ter assassinado
«summariamente 25 operarios e prender centenas delles». Os jornais informam que apedrejamentos
idênticos já tinham ocorrido em Buenos Aires e Washington. As acusações são lançadas sobretudo contra os
comunistas, mas também contra os mexicanos exilados; houve até um chileno que foi preso por ser tomado
como mexicano. O «Correio da Manhã» de 22/1/1930 informa que, no dia anterior e nessa noite, tinham
sido presos vinte comunistas. Veremos mais adiante que um deles foi Militão. Os presos acabariam por ser
libertados por falta de provas.
Carta de Armando Costa de 18 de Agosto de 1930 dirigida provavelmente a Astrojildo Pereira (está arquivada
no CEDEM):
«São Paulo, 18/8/930. Caros Camaradas do B. P. do P. C. B.
hoje, felizmente, tive occasião de ler a carta enviada por Pedro, na qual communicava aos camaradas
d’aqui a minha missão. Já não era sem tempo. Perdemos varios dias de precioso trabalho para o nosso P.
Mas, desde hoje, iniciou-se as “démarches” para a immediata reorganização do nosso trabalho aqui. Depois
de amanhã, quarta-feira, iremos reunir todos os “homens” existentes e faremos a eleição de uma nova
direcção e sobretudo subteremos a estudo um plano de trabalho a ser apresentado aos camaradas. Esse
trabalho será elaborado préviamente por mim e o Castilho e conterá os pontos essenciaes para um trabalho
pequeno, porém, seguro e efficiente. Mandaremos detalhes logo apóz da reunião convocada. Sinto, portanto,
confortado por encontrar que a confiança renasceu nos camaradas e ser cercado aqui do que eu precisava:
pessôas que quizessem trabalhar com coragem para o levantamento da nossa obra.»
Em 3 de Janeiro de 1931, o vapor «Almanzora», da «Mala Real Inglesa», «sob o commando de Frank. S.
Hannan», vindo de Buenos Aires, chega ao porto de Santos, no Brasil. Transporta «Militão Bessa Ribeiro»,
«Portugues», de «24» anos de «IDADE», solteiro, «Profissão: commercio», «Procedência: Montevideo»,
viajando em terceira classe (SIAN). Claro que Militão tinha 34 anos, e não 24. O que ele foi fazer ao Uruguai
está por apurar.
No arquivo das Polícias Políticas, situado no APERJ, pode ser consultado o «Prontuário GB 16.228» relativo
a Militão, que tem cinco páginas.
A primeira página deste prontuário diz o seguinte:
«MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES
DEPARTAMENTO FEDERAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
D.P.P.S.
PRONTUARIO N. 16.228
Nome MILITÃO BESSA RIBEIRO
DATAS ANOTAÇÕES DIVERSAS
22-1-930
Prêso, nesta data, em consequencia do apedrejamento da Embaixada Mexicana, em que se supõe esteve
envolvido.
23-1-930
Restituido á liberdade, visto não ficar comprovada a sua participação no mencionado apedrejamento.
13-6-930
Prêso como medida do repressão ao comunismo.
16-6-930
Posto em liberdade, por determinação do Sr. 4º Delegado Auxiliar.
19-3-931
Ofício nº 1.756 do Serviço de Investigações de Belo Horizonte ao Sr. 4º Delegado Auxiliar, comunicando que,
segundo apurou a Polícia de Juiz de Fora, o prontuariado, residente nesta Capital, á rua Licinio Cardoso nº 1,
é quem está enviando aos operários daquela cidade material e jornais de propagada comunista. (Doc. nº 2)
19-3-931
Em vista do ofício supra, da Polícia de Belo Horizonte, foi o prontuariado mais uma vez prêso, afim de prestar
declarações. Na busca realizada por esta Polícia em sua residencia, foi encontrada grande quantidade de
jornais, livros e impressos de propaganda comunista.
Posto em liberdade, posteriormente.»
«D.P.P.S.» é, provavelmente, «Divisão (ou Departamento, ou Delegacia) de Polícia Política e Social».
A 4ª Delegacia Auxiliar foi criada pelo Decreto nº 15848, de 20 de Novembro de 1922, disponível na rede, e
era ela que se ocupava da repressão política.
A segunda página do prontuário tem o ofício 1756 referido na primeira página:
«POLICIA DE MINAS GERAES
N. 1.756
J.O.
Secção de Expediente e Archivo Geral
SERVIÇO DE INVESTIGAÇÕES
Bello Horizonte, 4 de março de 1931
Illmo. Sr. Dr. 4º Delegado Auxiliar
– Districto Federal –
Para os devidos fins, communico-vos que, segundo apurou a polícia de Juiz de Fóra, o individuo MILITÃO
RIBEIRO residente nessa Capital, á rua Licinio Cardoso 1, é quem está enviando aos operários daquella
cidade material e jornaes de propaganda communista.
Segundo se apurou, o citado individuo é ainda conhecido por CASTILHO, recebendo elle tambem
correspondencia nessa Capital na casa de Alipio Medeiros, avenida Suburbana nº 55.
Saudações cordiaes
Miguel Gentil
Delegado de Segurança Pessoal e de Ordem Politica e Social»
Entre «Illmo. Sr. Dr. 4º Delegado Auxiliar» e «- Districto Federal -» está escrito, à mão, «Á Secção de O. P. e
S. Rio, 9-III-31» e com uma assinatura: João Coelho Branco.
Ao alto tem um carimbo que diz:
«POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. D.E.S.P.S. Pront. 16228. ARQUIVO GERAL». «D.E.S.P.S.» significa
«Delegacia Especial de Segurança Política e Social». Claro que este carimbo foi já aposto no Rio de Janeiro.
A Delegacia Especial de Segurança Política e Social foi instituida pelo Decreto nº 22332, de 10 de Janeiro de
1933, substituindo a 4ª Delegacia Auxiliar. Aparentemente o carimbo foi aposto após essa data.
A terceira página do prontuário tem fotografias de Militão, uma de frente, outra de perfil. Tem o nome dele,
«Militão Bessa Ribeiro», e diz que é de nacionalidade «Portuguêsa» e de «Traz os Montes». Tem o nome da
mãe, mas não tem o nome do pai e diz que é «solteiro» e «Tecelão». Ao fundo da página tem uma tira,
colada, com as dez impressões digitais de Militão.
A quarta página do prontuário é o verso desta tira e tem a assinatura do «prontuariado»: «Militão de Bessa
Ribeiro».
A quinta página do prontuário parece referir-se ao que Militão tinha nos bolsos na altura da prisão:
«Cinco reproduções fotograficas de individuais datiloscopicas.
Alguns boletins e papeis manuscritos.
Dois exemplares de “O TRABALHADOR DO BRASIL”.
Uma carteira profissional.
Uma carteira da Liga Brasileira de Desportes
Um passaporte
Uma fotografia.»
Como já vimos, antes de Novembro de 1926, a Rua Licínio Cardoso chamava-se Rua Jockey Club; existia
um campo de futebol. A Avenida Suburbana chama-se agora Avenida Dom Hélder Câmara.
Na época o Rio de Janeiro era a capital do Brasil. O Distrito Federal era a cidade do Rio de Janeiro e a sua
área rural. O Estado do Rio de Janeiro existia e não incluia o Distrito Federal; tinha a capital em Niterói. O
actual Estado do Rio de Janeiro inclui os dois territórios e tem cerca de metade da área de Portugal. O Estado
de Minas Gerais está colado ao Estado do Rio de Janeiro e tem como capital Belo Horizonte; a sua área é
cerca de seis vezes a de Portugal, é a área da Península Ibérica.
Juiz de Fora fica em Minas Gerais mas perto da fronteira com o actual estado do Rio de Janeiro; Juiz de Fora
dista da cidade do Rio de Janeiro menos (185 km) do que de Belo Horizonte (262 km). Na época de Militão
já havia comboio (desde 1875) ligando o Rio de Janeiro a Juiz de Fora.
Miguel Gentil, o delegado que denunciou Militão à polícia federal, chamava-se Miguel Gentil Gomes
Cândido. Era bacharel em direito. O jornal «Correio da Manhã» de 5/11/1943 informa que «faleceu em Belo
Horizonte a senhora Nilza Campos Gentil, esposa do dr. Miguel Gentil Gomes Cândido». Através dos jornais
pouco mais se sabe deste homem para além da sua rotina quotidiana como polícia. «O Jornal» de 14/4/1931,
precisamente da altura da prisão de Militão, traz a notícia com o título «DECLARARAM-SE EM GREVE OS
MOTORISTAS DE BELLO HORIZONTE». A finalizar, com o subtítulo «AS PROVIDENCIAS DA POLICIA», pode ler-
se:
«BELLO HORIZONTE, 13 (Da succursal d’O JORNAL, pelo telephone) Na Secretaria do Interior fomos
informados de que a attitude da policia é de espectativa.
Apesar de se tratar de uma greve passifica, as ruas estão cheias de investigadores, sob a chefia do dr. Miguel
Gentil, afim de serem evitadas perturbações da ordem.
Acha-se, tambem, nas ruas, um piquete de cavallaria, para attender a qualquer eventualidade.
Até o presente momento não se vê um só carro de praça em transito.»
Através do prontuário 16228 ficamos a saber que Militão foi denunciado por um ofício de 4 de Março e que
foi preso no dia 19 de Março. Entre estas duas datas, no dia 13, a polícia prendeu Alipio José de Medeiros,
como se verá a seguir.
A polícia política brasileira dedica a Alipio José de Medeiros o prontuário 15777 que pode ser consultado no
seu arquivo no APERJ. A página onde estão as duas fotografias do prontuariado, de frente e de perfil, diz que
ele é brasileiro, nascido no Distrito Federal no dia 19 de Junho de 1896, filho de João José de Medeiros e de
Maria José de Jesus, que é casado, que tem a instrução primária, que é tamanqueiro e que reside no Largo
de Benfica, nº 13. Diz ainda que o «motivo» pelo qual o estão a fichar é por ele pertencer ao «Sindicato da
Industria de Tamancos» e que tem 47 anos. Esta página foi escrita em 1944, no final da ditadura de Getúlio
Vargas. A forma como está escrito o prontuário, nomeadamente a palavra «Benfica», mostra que, nessa
época, já a ortografia brasileira se aproximava da actual. No verso desta página lê-se:
«É portador da Carteira de identidade nº 47.849–92.048– do Gab. Ident. Estatistica, datada de 15.5.918; é
casado com d. Altina José Mathias, brasileira, tendo 2 filhos, brasileiros; é proprietário de uma fábrica de
tamancos, situada no Largo do Benfica, 13, 6 anos. esteve detido nesta Polícia, em 1931, por
suspeitas de manter relações com o comunista MILITÃO BESSA RIBEIRO, nada ficando apurado entretanto;
daquela época até à presente data jamais foi incomodado pela Polícia. Compareceu a esta Delegacia Especial
em virtude de fazer parte do “Sindicato da Industria dos Tamancos”, tendo sido eleito para o cargo de
tesoureiro.
Rio–20.3.944»
Junto a esta folha estão outros documentos, entre os quais o registo das declarações de Alipio de Medeiros,
quando foi preso em 1931:
«Policia do Districto Federal
Termo de declarações que presta Alipio José de Medeiros, na forma abaixo.
Aos quatorze dias do mez de março do anno de mil novecentos e trinta e um neste Districto Federal e na
Quarta Delegacia Auxiliar onde se achava o respectivo Delegado, Doutor João Coelho Branco, commigo
escrevente adeante declarado, presente Alipio José de Medeiros, filho de João José de Medeiros e de Maria
José de Jesus, natural do Districto Federal, com trinta e cinco annos de idade, estado civil casado, profissão
commercio, residente á Avenida Suburbana, cincoenta e cinco, trabalhando á rua Alvaro de Miranda,
dezenove, e sabendo ler e escrever, o qual, inquirido, disse que o declarante é amigo de Militão Bessa Ribeiro,
com quem convive há cerca de dez annos; que Militão é de nacionalidade portuguesa e reside no Brasil há
mais de vinte annos; que Militão tem ideias communistas, lendo e escrevendo muito sobre este credo politico;
que Militão Bessa Ribeiro recebe cartas de São Paulo, cartas essas que o declarante acredita que seja sobre
assumptos communistas; que o declarante teve opportunidade de por diversas vezes ver Militão lêr o jornal
communista denominado “A Classe Operaria”; que o declarante é absolutamente contra o communismo,
nunca tendo, nem por curiosidade, lido qualquer livro ou folheto com referencia ao communismo. E mais não
disse e sendo-lhe lido e achado conforme, assigna com o Doutor Delegado. Eu Isildo José Jorge, escrevente,
o escrevi.»
Seguem-se as assinaturas: «João Coelho Branco» e «Alipio José de Medeiros». No início deste documento
tem um carimbo que diz: «POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. D.E.S.P.S. Pront. 15777. ARQUIVO
GERAL». «D.E.S.P.S.» significa «Delegacia Especial de Segurança Política e Social».
Naquela época, na rua Álvaro Miranda, 19, havia uma tamancaria cujo proprietário era Alberto José Lage
(«Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ)» 1931, Vol. I, p. 1832). Era um
estabelecimento comercial, não era uma fábrica.
No arquivo do Itamaraty:
«Secretaria da Policia do Districto Federal
2ª Secção
N. 565–J
Rio de Janeiro, 17 de Abril de 1931
Exmo. Snr. Ministro das Relações Exteriores
Devendo ser expulsos do territorio nacional, por se terem constituido elementos nocivos á tranquillidade
publica e á ordem social, os individuos Manoel Marques e Militão Bessa Ribeiro, portuguezes; Nathan Dias
ou Affonso Diogo, francez, natural de Dakar; Girali Alexandre, húngaro; Saul Gliker, allemão, e Jacob
Brodfeld, rumeno, rogo que V. Ex. se digne de providenciar afim de que, pelos respectivos representantes
diplomaticos junto ao governo brasileiro, sejam emittidos os passaportes necessários ao embarque de taes
individuos, cujas photographias e individuaes dactyloscopicas a este acompanham.
Reitero a V. Ex. os protestos de minha alta estima e distincta consideração.
Pel’O Chefe de Policia
(Joaquim Pedro Salgado Filho)
4º Delegado Auxiliar»
Em cima tem o carimbo «COPIADO PARA EXPEDIENTE» e várias anotações manuscritas entre as quais «Á
Embaixada Portugal, PB/32 de 21-4-931». Mais abaixo, igualmente manuscrito, tem «7(42).(00)18».
Em 4 de Novembro de 1930 foi empossado para dirigir a Delegacia Auxiliar, aquela que se ocupava da
repressão política, Joaquim Pedro Salgado Filho (1888–1950), nomeado pelo Chefe de Polícia João Baptista
Lusardo (1892–1982), igualmente empossado nesse dia pelo ministro da Justiça e Negócias Interiores,
Oswaldo Aranha (1894–1960) («Correio da Manhã» de 5/11/1930). O Chefe de Polícia era o homem que
tutelava todas as polícias. Em Março de 1931, em virtude do impedimento de algumas semanas de Baptista
Lusardo, é Salgado Filho que o substitui interinamente; por sua vez, João Coelho Branco substitui Salgado
Filho na 4ª Delegacia Auxiliar («Correio da Manhã», «Jornal do Commercio» e «Diario Carioca» de 4/3/1931).
É por causa desta situação que, nos documentos, tanto aparece Salgado Filho como Delegado Auxiliar,
como aparece João Coelho Branco na mesma função. Em Março de 1932 Baptista Lusardo demite-se e, no
dia 4, é, mais uma vez, Salgado Filho que o substitui interinamente («Correio da Manhã» de 5/3/1932). No
dia 8 de Abril Salgado Filho toma posse como Ministro do Trabalho e, na mesma data, João Alberto Lins de
Barros (1897–1955), conhecido como «João Alberto», toma posse como Chefe de Polícia («Correio da
Manhã» de 9/4/1932).
Apenas foi possível obter informações sobre três dos homens, além de Militão, mencionados neste ofício de
Salgado Filho. Em 31 de Agosto de 1931 a Secretaria de Estado das Relações Exteriores envia «ao Senhor
Landulpho Borges da Fonseca, Consul Geral do Brasil em Lisboa», um ofício em que diz que «o portuguez
Manoel Marques foi pronunciado, em São Paulo, (…) com 18 entradas , como ladrão e desordeiro incorrigivel,
além de 7 condemnações por furto, roubo e vadiagem, havendo sido expulso do territorio nacional»
(Itamaraty). Affonso Diogo pode ser que seja um jovem que os jornais retratam como ladrão e arruaceiro
(«O Paiz», «O jornal» e «Jornal do Commercio» de 5/9/1923, «A Rua» de 8/6/1927, «O Brasil» e «A Manhã»
de 9/6/1927). O «Diario Carioca» de 28/1/1931 anuncia a prisão de Jacob Brodfeld, cognominado o «Rei dos
Caftens»; era, portanto, um proxeneta; «A Noite» de 27/1/1931 e «O Jornal» de 28/1/1931 anunciam,
igualmente, esta prisão; tinha ligações à «Zwi Migdal», organização internacional que traficava mulheres
para a prostituição.
No Arquivo Histórico-Diplomático, em Lisboa, podem ser vistos quatro documentos relativos à expulsão do
Brasil de Militão de Bessa Ribeiro.
O primeiro é uma ficha dactiloscópica, numa tira de papel, de 30 de Março de 1931 (S161.E24P2 – D16 M3
P4 – 93709). Está escrito num dos lados, em que o que é manuscrito está sublinhado:
«Registro Geral N. 37621
Nome Militão Bessa Ribeiro Vulgo [vazio]
Idade 34 annos Naturalidade Vila Real – Portugal Côr Branca
Pae Incognito Mãe Barbara de Jesus
Profissão operario Instrucção sim Estado solteiro Res. Av. Suburbana, 55
Guia do Off. 4565 da 4ª Auxar Á disposição do [vazio]
Motivo Expulsão do T. Nacional
Identificado em 30–3–931
Observações: [vazio]
FIRMA DA PESSOA IDENTIFICADA
Militão de Bessa Ribeiro»
O outro lado da ficha dactiloscópica tem as impressões digitais dos dez dedos das mãos e os seguintes
dizeres:
«Gabinete de Identificação e Estatistica Criminal do Districto Federal
Brasil
SYSTEMA VUCETICH
REGISTRO GERAL N. 37621»
O segundo documento (S2.E33.P2 – RJ-268, 41106) é de 22 de Abril de 1931:
«Em 22 de Abril de 1931.
PE/32/7(88)(42)18
Senhor Embaixador,
Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excellencia que o Governo Provisorio da Republica vae
expulsar do territorio nacional os individuos de nacionalidade portugueza Manoel Marques e Militão Bessa
Ribeiro, visto se terem os mesmos constituido elementos nocivos á tranquillidade publica e á ordem social.
2. Venho solicitar de Vossa Excellencia a fineza, que de antemão agradeço, de providenciar junto ao
Consulado Geral de Portugal nesta Capital, no sentido de serem concedidos aos deportandos os passaportes
necessários aos seus embarques, dentro de breves dias.
3. Envío a Vossa Excellencia, para os fins convenientes, as fichas dactyloscopicas e as photographias dos
referidos individuos.
Aproveito a opportunidade para reiterar a Vossa Excellencia os protestos da minha mais alta consideração.
[assinatura] A. de Mello Franco
A Sua Excellencia o Senhor Doutor Duarte Leite Pereira da Silva, Embaixador da Republica Portugueza.»
Em baixo, à esquerda, está «R. C. P.» A meio da carta, à esquerda, está «./4». Em cima da carta, escrito à
mão, está «14 – 24-4-931».
O terceiro documento (S161.E24P2 – D16 M3 P4 – 93709) é de 24 de Abril de 1931:
«Embaixada de Portugal
N. 14
Proc. 14
Rio de Janeiro, 24 de Abril de 1931
Exmo. Snr. Consul Geral de Portugal
Rio de Janeiro
Rogo a V. Exa. conceda passaportes aos cidadãos portugueses MANUEL MARQUES e MIlLITÃO BESSA
RIBEIRO, que vão ser expulsos do território brasileiro por se haverem tornado nocivos á tranquilidade pública
e á ordem social.
Incluo as fichas datiloscópicas e as fotografias necessárias para identificação dos expulsandos.
Saúde e Fraternidade
[Assinatura]»
Os nomes MANUEL MARQUES e MIlLITÃO BESSA RIBEIRO estão sublinhados a lápis vermelho. No cimo,
escrito à mão, tem «Proc. 33/31. 28/4/931». «Proc. 33/31» refere-se à pasta onde estão várias expulsões
num período de muitos meses.
O quarto documento (S2.E33.P2 – RJ-268, 41106) é igualmente de 24 de Abril de 1931:
«Rio de Janeiro, 24 de abril de 1931
Senhor Ministro
Tenho a honra de acusar recepção da nota PE/32/7(88)(43)18. de 22 de abril corrente, na qual Vossa
Excelencia me comunica que o Governo Provisorio vai expulsar do território nacional os cidadãos portugueses
Manuel Marques e Militão Bessa Ribeiro, por estes se terem constituido elementos nocivos á tranquilidade
pública e á ordem social.
2 Nesta data dei instruções ao Consulado Geral de Portugal nesta Cidade para que aos expulsandos sejam
concedidos os passaportes necessários para o seu embarque.
Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excel os protestos da minha mais alta consideração.
A Sua Excelencia
O Senhor Doutor Afrânio de Mello Franco
Ministro das Relações Exteriores»
Os jornais «Correio da Manhã», «Diario de Pernambuco», «O Jornal», «Jornal do Commercio» e «A Batalha»
de 1/5/1931 e «Gazeta Popular» de 4/5/1931 trazem a seguinte notícia:
«Assignou o chefe do governo provisorio os seguintes decretos: (…)
Na pasta da Justiça: (…)
Expulsando do território nacional o francez Nathan Dias ou Affonso Diogo, natural de Dakar; o hungaro Girali
Alexander; o portuguez Militão Bessa; o portuguez Manoel Marques; o allemão Saul Gliker; por se terem
constituido elementos nocivos á tranquillidade publica e á moralidade administrativa.»
Infelizmente não foi possível saber qual a data exacta do regresso a Portugal de Militão, preso e expulso do
Brasil. Todavia, é possível considerar hipóteses bastante concretas. Consultando os jornais brasileiros «Diario
de Noticias» e «Jornal do Commercio», do período que vai de 20 de Abril a 30 de Junho, e admitindo que
Militão regressou a Portugal num navio brasileiro (como diz a biografia apreendida pela PIDE a António Dias
Lourenço), chega-se à descoberta das seguintes possibilidades para o vapor que o transportou: «Bagé»,
saído a 29 de Abril, «Siqueira Campos», saído a 15 de Maio, «Ruy Barbosa», saído a 30 de Maio, «Cuyabá»,
saído a 15 de Junho e «Almirante Alexandrino», saído a 29 de Junho. Todos eles pertenciam à «Companhia
de Navegação Lloyd Brasileiro» e faziam o trajecto Santos Hamburgo, com as seguintes escalas: Rio de
Janeiro, Vitória, Bahia, Recife, Lisboa (Leixões, com transbordo para passageiros em Lisboa), Vigo, Havre,
Antuérpia e Roterdão. Eram estes cinco barcos que operavam nesta linha marítima, demoravam dois meses
e meio a fazer o circuito completo. O mais provável é que tenha sido o «Siqueira Campos» o barco que
transportou Militão; é bastante provável que Militão tenha chegado a Murça em Junho, como veremos. O
«Diario de Noticias», o jornal publicado em Lisboa, nas suas edições de 25 e 26/5/1931, traz um anúncio da
«Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro» que diz que o «Siqueira Campos» era esperado no dia 2 de
Junho tendo como destino final Hamburgo.
Aparentemente, os jornais brasileiros não falam dos expulsos que, nesta viagem, o «Siqueira Campos»
transportava. Mas há notícias a propósito da anterior viagem.
«Campanha contra o communismo Chegaram 16 individuos presos no Ceará e foram expulsos é um
título do jornal «A Noite» de 28/2/1931. Com o subtítulo «Os que foram expulsos, hoje», diz o seguinte:
«No paquete “Siqueira Campos”, que parte para Hamburgo, regressam, hoje, deportados pelas nossas
autoridades, por serem communistas, os individuos de nacionalidade portugueza e lithuana: José Antonio
Gomes, Manoel Ferreira Braga, Antonio de Souza, Antonio Accioly e Boniones Juosas.»
A propósito destas expulsões, o «Diario de Noticias» de 13/3/1931 traz a crónica «A expulsão de
estrangeiros», de «MAURICIO DE LACERDA». Na parte que tem o subtítulo «UM CASO DOLOROSO», vem que
dois destes homens eram casados, um com uma brasileira e o outro com uma portuguesa; cada um deles
tinha duas filhas, a mais novita tinha quatro anos. Eis um excerto da crónica:
«No dia seguinte, pelas oito horas da manhã, no vapor que por signal se chamava “Siqueira Campos”,
embarcavam cinco estrangeiros expulsos. A scena da despedida entre as crianças que são brasileiras e os
degredados foi tão lancinante que o pessoal do navio e até do caes procurava com o dinheiro que arranjara
consolar as infelizes crianças que diziam do caes chorando: “Adeus, papae! adeus, papae!”»
O prontuário 15992 (ver o Anexo 1), respeitante a Lino Pinto Teixeira, informa-nos que «Nesta data
[19/5/931], embarcou o prontuariado para Lisbôa, no vapôr Darro, em companhia de sua familia.» É possível
que o facto das viagens de Militão e Lino terem sido aproximadamente na mesma data, não seja uma simples
coincidência. Foram ambos julgados no Porto, no Tribunal Militar Especial, em 6 de Abril de 1935.
Em data desconhecida, mas por altura da viagem de Militão, também o alfaiate Rodrigo Carlos Guedes
Pinheiro partiu para Portugal, o que, igualmente, não será coincidência.
Isto vai obrigar-nos a acompanhar um pouco mais a vida destes transmontanos e «brasileiros», até eles
seguirem diferentes rumos. Rodrigo regressará ao Brasil logo no final de 1932. Julgado à revelia, Lino
regressará ao Brasil em 1935. Militão iniciará o seu calvário nas prisões fascistas.
«Construtor do Partido Comunista do Brasil»
Militão faleceu no dia 2 de Janeiro de 1950. No jornal «Voz Operária» de 20/5/1950, Astrojildo Pereira
escreve um seu elogio fúnebre. Lembremos que «Astrojildo Pereira» é Astrojildo Pereira Duarte Silva (1890–
1965), escritor e jornalista, fundador do Partido Comunista do Brasil (PCB). O texto tem por título «Militão
Bessa Ribeiro» [no original está, sistematicamente, «Beça»] e dele se transcrevem dois excertos:
«Militão Bessa Ribeiro não era um desconhecido da classe operária brasileira, pois viveu no Brasil largos
anos, aqui trabalhou e revelou-se um lutador de boa têmpera. Era operário tecelão e por sua inteligência,
firmeza e coragem se fez um líder de seu sindicato. O sindicato dos tecelões – a maior, mais poderosa, mais
combativa organização sindical que existiu no Brasil antes de 1930 era um baluarte da classe operária e
conservava bem viva ainda a lembrança das grandes lutas dos anos de 1918 – 1920. Ao calor das tradições
gloriosas de um passado recente, que havia culminado com a greve revolucionária de 18 de Novembro de
1918, é que Militão surgiu no movimento operário brasileiro, logo se impondo como um de seus dirigentes
mais capazes.
Eu pessoalmente o conheci bem de perto aí pelos anos de 29 e 30, quando ele chegou à direção do Partido.
Teria então uns trinta anos de idade e revelava energia e decisão por todos os poros. Militão Bessa Ribeiro
foi, sem dúvida, um dos melhores dirigentes operários que o Partido já teve. (…)
O operário tecelão Militão Bessa Ribeiro, membro da direção do Partido, participou ativamente desse
processo áspero e fecundo de formação do Partido. Cabe-lhe, por isso mesmo, de pleno direito, o título de
construtor do Partido Comunista do Brasil.
Expulso do Brasil, algum tempo depois, Militão continuou em Portugal a sua tarefa de proletário e
revolucionário. No seu posto de líder sindical da classe operária portuguesa, enérgico e incansável, o
alcançou a mão assassina da Gestapo salazarista, ora a serviço dos amos anglo-americanos.
Mas o nome de Militão não será jamais esquecido e seu sacrifício constitui um incentivo poderoso para a
formação de novos combatentes do povo português, em luta implacável contra o regime de Salazar.»
«PELA PAZ, PELA LIBERTAÇÃO NACIONAL» é o título do «Informe Político de JOÃO AMAZONAS ao Pleno do
Comitê Nacional do P. C. B.» O jornal «Voz Operária» de 23/6/1951 transcreve o documento e mais
informações sobre a reunião. Diz a notícia que foi prestada uma significativa homenagem a Militão:
«O Pleno do Comitê Nacional escolheu para o presidio de honra o nome de Militão Bessa Ribeiro, destacado
dirigente comunista português, dois anos assassinado nas prisões fascistas de Salazar. Militão Bessa
Ribeiro, líder operário, foi também um dos dirigentes do Partido Comunista do Brasil durante os vários anos
em que viveu em nosso país.»
O julgamento dos «transmontanos»
Quando Militão regressou a Portugal em Maio-Junho de 1931, expulso do Brasil, vivia-se em plena ditadura
militar, saída do golpe de estado de 28 de Maio de 1926. António de Oliveira Salazar era Ministro da Finanças.
Em 5 de Julho de 1932 assume a chefia do governo e torna-se ditador absoluto até 1968. O regime nutria
francas simpatias pelo nazismo alemão e pelo fascismo italiano. Salazar tinha em cima da sua secretária uma
fotografia de Mussolini, trazida de Roma por António Ferro. Uma nova Constituição entrou vigor em 11 de
Abril de 1933. O «Estatuto do Trabalho Nacional», inspirado pela «Carta del Lavoro» italiana, é publicado em
23 de Setembro do mesmo ano. Em 29 de Agosto de 1933 é criada a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
(PVDE), a partir das já existentes Polícia Internacional Portuguesa e Polícia de Defesa Política e Social. Em 22
de Outubro de 1945 a PVDE muda o nome para Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Muda o
nome mas não muda a sua natureza brutal. Ao serviço do PVDE, no final de 1933, já existia a fortaleza de
São João Baptista, em Angra do Herísmo, no arquipélago dos Açores. O Forte de Peniche, situado na costa a
cerca de 100 km a norte de Lisboa e 200 km a sul do Porto, que já era desde 1926 prisão política, passa em
1934 para a tutela da PVDE. Em 23 de Abril de 1936 é inaugurado, em Cabo Verde, arquipélago atlântico ao
largo de África, o Campo de Concentração do Tarrafal, conhecido como Campo da Morte Lenta; aí morreram
mais de 30 presos, entre os quais Bento António Gonçalves (1902–1942), secretário-geral do Partido
Comunista Português.
O que segue, quando nada mais é referido, resulta do consulta do Processo n.º 202/1934 relativo a Militão
de Bessa Ribeiro (CX 57, 3 Volumes) arquivado no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.
1932. «Auto de investigação»
Logo em 14 de Janeiro de 1932 Lino Pinto Teixeira é «preso (…) por professar as ideias avançadas (Processo
58)». Em 8 de Fevereiro de 1932 é «restituído à liberdade.» (Cadastro nº 1359, Torre do Tombo)
No dia 5 de Maio de 1932, em papel timbrado da Câmara Municipal de Murça, «o Administrador do
Concelho», Alfredo de Barros, dirige, ao «Governador Civil do Districto de Vila Real», um ofício dando-lhe
«conhecimento de (…) factos graves que ultimamente se teem desenrolado». Diz, entre outras coisas, que
«apareceram escritos, nas paredes de muitos prédios e Quartel da Guarda Nacional Republicana,
incitamentos, ameaças e morras á Autoridade, etc., etc.» e que «na manhã de hontem (…) foi encontrado no
quadro da frontaria da Egreja, desta vila, que é destinado ao afixamento de editaes, um pasquim que já tive
ocasião de entregar a V. Exª». Queixa-se ainda que «a perturbação da ordem publica» começou a «ter maior
vulto desde que pelo Governo da Dictadura, foi fixada residencia nesta Vila ao Tenente Francisco Freirinha e
ao estudante de Medicina Manuel Guedes Pinheiro, que, conjunctamente com Militão Bessa Ribeiro e
Rodrigo Guedes Pinheiro, estes expulsos do Brasil (…) indesejáveis, tem feito nesta vila propaganda (…)
incitando o operariado ao Bolchevismo com referencias desprimorosas e subversivas ao Governo da
Dictadura.» Diz ainda que Antonio Fernandes Chaves também faz parte do «grupo bolchevista». Finaliza o
ofício pedindo que o Governador Civil «se digne promover a vinda de um habil Agente de Investigação» e a
sua «imediata substituição por um Oficial do Exercito de grande envergadura para apuramento de
responsabilidades.»
Consultando o respectivo registo de baptismo, existente no Arquivo Distrital de Vila Real, fica-se a saber que
Manuel Guedes Pinheiro se chamava Manuel Luís Guedes Pinheiro e nasceu em Murça em 29 de Abril de
1904, tendo sido baptizado exactamente um ano depois. Fica-se também a saber que Manuel Luís faleceu
no dia 5 de Março de 1997.
Manuel Luís tornou-se num bem conhecido médico antifascista, cuja actividade está documentada na
extensa ficha da PIDE/DGS existente na Torre do Tombo, disponível na rede. Até o jornal brasileiro «Gazeta
Popular» de 29/6/1931 lhe faz referência na notícia «O GRITO DE REVOLTA DOS ESTUDANTES DO PORTO
CONTRA O GOVERNO DA DICTADURA». Também o jornal «Avante!» nº 202, de Julho de 1955, diz que ele foi
uma das testemunhas no julgamento da Comissão Central do M.N.D.
Quanto ao seu irmão Rodrigo Carlos que, obviamente, muitíssimo mais nos interessa, por ser próximo de
Militão, o panorama é diferente sabe-se pouca coisa. O «Auto de Investigação» diz que ele é «alfaiate,
casado». Nem em Portugal nem no Brasil se encontrou registo de ele ter sido expulso pelas autoridades
brasileiras; o mais provável é que não tenha sido expulso. Também os jornais brasileiros não fazem
referência a qualquer actividade sindical de Rodrigo; o sindicato respectivo era a «União dos Alfaiates e
Classes Annexas».
E o que dizia o tal «pasquim» «encontrado no quadro da frontaria da Egreja»? Eis o que foi possível decifrar
a partir do original, já muito apagado e que, provavelmente, não foi escrito por Militão:
«VIVA A DITADURA PROLETARIA. A BAIXO A BURGUESIA. A BAIXO A TIRANIA. POVO, ALERTA, ACABAI COM
OS OPRESSORES. VOS SOIS, OS OPREMIDOS. PORQUE NÃO SAVEIS A FORÇA QUE TINDES. POIS NOS TEMOS
A FORÇA. DEVEMOS EMPREGALA PORQUE SÓ TEM DIREITO A VIDA QUEM TRABALHA E POR ESSE MOTIVO
DEVEMOS NOS ARMAR DE ESPINGARDAS MAXADOS E SAIR PARA A RUA. DEIXAI O CORAÇÃO EM CASA.
VAMOS LUTAR E LIBERTAR (…)»
O «Auto de investigação» começou passados dois dias, em 7 de Maio de 1932, na secretaria da Câmara
Municipal de Murça. Para proceder ao inquérito foi nomeado, pelo Governador Civil, o tenente «Pedro
Augusto Afonso Cardoso Dias, Oficial do Exercito e Administrador do Concelho de Alijó». Foram ouvidas 38
testemunhas. Uma das primeiras testemunhas afirmou «que o Militão veio do Brasil juntamente com o
Rodrigo e logo que chegou, no mez de Junho do ano findo, fazia propaganda das doutrinas bolchevistas»; as
outras testemunhas, ao fazerem os seus depoimentos, repetiam quase todas que Militão e Rodrigo tinham
regressado há aproximadamente um ano do Brasil. Militão também foi ouvido; declarou «que veio do Brasil,
não como indesejavel, mas unica e simplesmente por ser contrario ao Governo». No final veio o veredicto:
«Em face do depoimento das testemunhas ouvidas nestes autos, está provado que Militão Bessa Ribeiro,
Rodrigo Guedes Pinheiro a Antonio Augusto Fernandes Chaves, fizeram propaganda dissolvente, incitando o
operariado à rebelião e o povo a não pagar contribuições, ordeno a detenção dos tres arguidos para os
devidos efeitos.»
Em 21 de Maio de 1932 Militão foi «preso em Vila Real, ficando à disposição do Governador Civil do Distrito,
sendo solto em 23 do mesmo mês e ano.» (Processo nº 238/GT, Torre do Tombo)
Em 18 de Julho de 1932 Lino Pinto Teixeira é «preso (…) por assistir a reuniões políticas e receber dinheiro do
partido comunista (Processo 100)». Em 23 de Julho de 1932 é «restituido à liberdade.» (Cadastro nº 1359,
Torre do Tombo)
No Arquivo Distrital de Vila Real, sob o «Nº 138», está registada a concessão do seguinte passaporte a
Rodrigo Guedes Pinheiro:
«Bilhete de identidade nº 202735 – Porto. Nascimento: 14 de Dezembro de 1898. Idade 33 anos. Altura 1,52.
Cabellos castanhos escuros. Sobr’olhos idem. Olhos castanhos. Em 26 de Novembro de 1932 se concedeu
passaporte por 25 dias para o Brazil, sahindo pela barra de Lisboa ou porto de Leixões, a Rodrigo Carlos
Pinheiro, casado, alfaiate, Concelho de Murça.»
Tem uma fotografia e selos no valor de 18 escudos e 10 centavos. Aqui diz-se que nasceu em 1898, o que
não é verdade, que é absolutamente certo ele ter sido baptizado em Janeiro desse ano. Como se vê, é
pouco provável que Rodrigo tenha sido expulso do Brasil, visto que tencionava lá regressar.
Efectivamente, Rodrigo Carlos chegou ao Brasil no dia 27 de Dezembro de 1932 (ver o Anexo 2).
1934. Prisões por fazerem parte do Socorro Vermelho Internacional
O concelho de Chaves, do distrito de Vila Real, está situado a norte do de Vila Pouca de Aguiar, com o qual
faz fronteira; a fronteira a norte é a da Galiza, em Espanha. Em Chaves nasceu Francisco de Barros Cachapuz,
no dia 1 de Janeiro de 1914. Foi preso em 28 de Junho de 1934 «por andar a organizar um grupo comunista
em Chaves» (Ficha da PIDE, Torre do Tombo). Levaram-no para o Aljube do Porto.
Igualmente em 28 de Junho de 1934, «por ser dirigente do Socorro Vermelho Internacional», foi preso
Antero Alves Moreira, nascido em Cristelos, Lousada, distrito do Porto, em 17 de Novembro de 1908.
Também o levaram para o Aljube do Porto. (Ficha da PIDE, Torre do Tombo)
A 2 de Julho de 1934 é a vez de Lino Pinto Teixeira ser «preso (…) por fazer parte do Socorro Vermelho
Internacional.» (Cadastro nº 1359, Torre do Tombo)
Militão foi preso em 13 de Julho de 1934 «por fazer parte do Socorro Vermelho Internacional». Levaram-no
para o Aljube do Porto. (Ficha da PIDE, Torre do Tombo)
Antero Alves Moreira, Francisco Cachapuz, Lino Teixeira e Militão Ribeiro seriam julgados, com outros, em 6
de Abril de 1935, no Tribunal Militar Especial, no Porto.
Os interrogatórios aos presos (Antero, Cachapuz, Lino, Militão e outros) decorreram de 4 a 14 de Julho de
1934. Foram feitos pelo director adjunto da PVDE (a sinistra polícia política que em 1945 mudaria a sua sigla
para PIDE), Francisco do Passo, e pelo «investigador» João Júlio Moraes Taveira d’Azevedo na presença de
duas testemunhas que eram dois agentes da própria PVDE…
Consultando o processo no Arquivo Histórico Militar, percebe-se que era Antero Alves Moreira quem, a
partir do Porto, coordenava as actividades do Socorro Vermelho Internacional (SVI) no norte do País. Se não
era só ele, era também ele. Foi ele quem convidou Lino Pinto Teixeira a aderir ao SVI e foi Lino Pinto Teixeira
quem convidou Militão. Isto mostra que Lino e Militão se conheciam perfeitamente, provavelmente desde
os tempos do Brasil. O material apreendido a ambos pela PVDE indica claramente que a actividade deles ia
muito para além da militância no SVI: Lino pertencia ao Partido Comunista Português e Militão, muito
provavelmente, também.
Uma carta apreendida pela polícia a Lino Teixeira é dirigida aos «prezados camaradas» e faz várias
observações e queixas. Por exemplo, queixa-se das dificuldades «que o nosso organismo tem em fazer
concientes todos os camaradas que assumam uma responsabilidade dentro de uma Celula do P. C.» Termina
dizendo: «Sem outro assumpto brevemente darei minha tarefa concluida fazendo-me ao mesmo tempo
substituir por outro camarada para que eu possa desenvolver outra tarefa de mais interesse ao P. C.» Talvez
se estivesse a referir ao trabalho dele no Socorro Vermelho Internacional. Assina: «Labarêda».
A polícia foi a casa de Militão no dia 11 de Julho de 1934:
«Auto de Busca e apreensão:
Aos onze dias do mês de Julho do ano de mil novecentos e trinta e quatro, nesta vila de Murça e casa da
residencia de Militão Bessa Ribeiro, solteiro, proprietario, onde se achava o Excelentissimo Comandante da
Policia de Segurânça Publica do distrito de Vila Real, Manuel Soeiro de Faria, capitão de Infantaria, comigo
Antonio Gouveia, guarda de segunda classe numero vinte e cinco; e estando igualmente presentes o referido
cidadão Militão Bessa Ribeiro e as testemunhas José Augusto Gomes, guarda de segunda classe numero vinte
e quatro do Corpo de Policia de Vila Real e Damião de Almeida, soldado numero quarenta e cinco da Sexta
Companhia do Batalhão numero quatro da Guarda Nacional Republicana, em serviço no posto de Murça, se
procedeu a uma busca nesta mesma casa tendo sido apreendidos os papeis constantes do embrulho lacrado
e rubricado que vai ser junto ao auto e bem assim uma maquina de escrever com que, segundo se presume,
foram dactilografados manifestos de propaganda comunista, maquina essa que tem a marca “Tipo Visible
N-F [ou “V-F”?]”. E para constar e devidos efeitos se lavrou o presente auto que, depois de lido, vai ser
assinado pelo Excelentissimo Comandante, pelo cidadão Militão Bessa Ribeiro, pelas testemunhas
referidas e por mim Antonio Gouveia, que o escrevi.»
A máquina de escrever, encontrada em casa de Militão, pertencia a seu cunhado, António Francisco Vicente,
o marido de Beatriz. Dois documentos apreendidos a Militão mostram maior maturidade e responsabilidade.
O primeiro está batido à máquina:
«ANALISE RESUMIDA DA SITUAÇÃO POLITICA ACTUAL E TAREFAS ESSENCIAIS
Depois do esmagamento da tentativa de Greve Geral Revolucionaria, dir-se-ha que o movimento de oposição
à Ditadura foi extreminado. Isto se formos dar credito aos governantes e toda a imprensa burguêsa, que
todos os dias vem fazendo a apologia ao “Estado Novo”. Por outras palavras, quem desconhecer como
acontece à maioria das nações estrangeiras o estado miséria e opressão em que vivem as massas
trabalhadoras neste pais, julgará que Portugal é um paraiso entre o inferno capitalista.
As prisões, condenações e deportações em massa, juntamente com o Evoé! em todos os festins pelos
governantes e seus comparsas, não são o suficiente para abafar o descontentamento, cada vez mais
crescente, entre as massas.
OS PROBLEMAS FUNDAMENTAIS CONTINUAM INSOLUVEIS:
Desemprego e vida cara, provocado pelo agravamento dos impostos; crise vinicola e conserveira, base da
nossa iconomia; tentativas para organizaçâo corporativa do Estado etc. Todos estes problemas continuam
pendentes e agravando-se de dia a dia. Isto trará como consequência, a desilusâo e radicalização do sector
pequeno-burguês, que é onde os governantes procuram apoio, visto terem encontrado resistencia nas
massas.
CHEGANDO A ESTA DEDUÇÃO, PORQUE NÃO CAMINHA O MOVIMENTO REVOLUCIONARIO? OU POR OUTRA,
PORQUE NÃO APARECE? VISTO QUE AS CONDIÇÕES OBJECTIVAS LHE SAO FAVORÁVEIS
Ao dar conta da gravidade da situação, a burguesia reagiu de forma violenta contra o seu inimigo: Fechou
todas as associações de tabalhadores e corporações liberais de tendências revolucionarias, proibiu a
imprensa proletaria e censura a liberal, proibiu a demonstração e a greve unicas formas de combate da classe
trabalhadora.
PORQUE NÃO REAGIU A CLASSE TRABALHADORA AS INVESTIDAS DA SUA INIMIGA?
Porque os derigentes proletrios com uma mentalidade pequeno-burguêsa não deram conta da gravidade do
momento; continuaram com as formas antigas de organização, enquanto que, a burguesia, aprefeiçoava o
seu aparelho de repressão.
QUAIS AS PRESPECTIVAS DA CLASSE TRABALHADORA NESTE MOMENTO?
A constituição da forma ilegal na organização, tendo por base a celula e nucleo. Em toda a fabrica, oficina,
bairro e concentração de trabalhadores, devem-se constituir esses orgãos.
Como trabalho inicial fazer a maxima agitação e propaganda, tendo por base as reivindicações mais sentidas
pelas massas, pela palavra e imprensa escrevendo nos locais do trabalho e por meio de panfletos escritos de
qualquer forma, mas compreenciveis.
Este trbalho deve ser feito duma forma racional, e concreta. É preciso que cada celula e nucleo tenham vida
própria; convencer-se que são a parte integrante de um todo. Actuar em cada local segundo as condições o
exijam, mas, seguindo a linha geral.
So com o cumprimento destas tarefes fazendo um auto-critica verdadeiramente proletaria a todos os nossos
erros é que poderemos integrar a organizaçâo para os seus verdadeiros fins.
do C. L. M.»
O segundo documento está escrito à mão por Militão em papel barato, talvez papel costaneira. Alguns
trechos estão danificados ou ilegíveis:
«Relatorio do C. L. M.
Tem este C. desenvolvido a sua actividade, não nesta localidade como procura (…) influênciar a outras
localidades.
O trabalho executado até esta data tem sido deficiente e diminuto se olharmos às grandes responsabilidades
que nos encumbem. As causas principais desta deficiência são:
1º A falta de um organismo central capaz de comprir a sua tarefa, quer no campo da agitação, propaganda
e organização;
2º A necessidade desse organismo se manter em estreita ligação com a base.
Sem a constituição destas duas condições, as mais essenciais, nada de prodotivo e concreto se poderá fazer.
A ida de um camarada nosso a esse local para tentar a aproximação com os camaradas não tinha outro
objectivo, senão estudar as formas para a realização dessas condições, mas, os obstaculos apresentados
impediram-no.
Alem disso, podemos afirmar que a acção dos camaradas tem sido deficiente: tem-se limitado à cobrança de
selos, reuniões em cafés e nada mais. A causa de todas estas deficiencias são a falta de contacto com a base.
Os camaradas actuam como qualquer grupo pequeno-burguez e estão todos influênciados por essa
ideologia, que os impede de ver a gravidade da situação. Isto não quer dizer que entre os camaradas [não]
existam elementos capazes de realizar um trabalho concreto.
Mas sem uma auto-critica proletaria a todos estes erros, levada atá à base, não é possivel constituir um
orgão capaz de executar (…) tarefas que lhe encumbem. (…)
(…) para o recrutamento de aderentes (…) inicio de uma campanha pro liberdade dos presos politicos e
principalmente os do ultimo movimemto – por meio de manifestos, volantes, comicios nas portas das fabricas
e nos locais de concentração de trabalhadores, e sendo possivel na praça publica. Para estes comicios devem
se preparar os oradores, grupos de auto-defêsa e os locais onde os mesmos se devem realizar;
2º Criação de um boletim semanal do orgão central dando enformes da linha e tarefas a executar, e fazendo
ao mesmo tempo uma auto-critica a todos os erros cometidos.
deste forma se poderá iniciar um forte movimento de massas e integrar os seus elementos à linha
bolchevique.
Sem o comprimento destas duas taréfas nada de concreto se poderá fazer, a não ser que os camaradas não
queiram passar da fraseologia aos actos.
Este C. chama a atenção dos camaradas, ainda para o seguinte:
Perdominando nesta região a pequena propriedade, não a concentração de trabalhadores base de
nossos movimentos – a não ser em casos excecionais, como por ocasião das colheitas. Esta condição impede,
por assim dizer a agitação e propaganda pela palavra, a não ser individualmente ou entre um pequeno (…)
de trabalhadores. (…) verdadeira agitação e propaganda pela palavra, e fora destas epocas, pela imprensa.
A difusão de alguns milhares de manifestos com as nossas palavras de ordem seriam nesta ocasião a
preparação para um movimento de massas para a proxima ceifa do pão.
Não possuindo este C. as possibilidades para a impressão dos referidos manifestos, deixa ao cargo dos
camaradas esta tarefa.
Espera este C. que as sugestões apresentadas sejam postas em pratica pelos orgãos competentes.
Saudações proletarias
Do C. L. M.»
Entretanto, em 2 de Agosto de 1934, Lino Pinto Teixeira «fugiu (…) do hospital onde se encontrava
hospitalizado» (Cadastro nº 1359, Torre do Tombo). Ele tinha ficado «numa cela muito pequena, onde não
tinha como ficar de pé. Ficava com as costas apoiadas na parede e com os joelhos semiflexionados.
Desenvolveu úlceras varicosas nas pernas e minha avó [Regina Amélia] conseguiu tirar ele de lá [do hospital],
disfarçado com bigode, o que fez minha mãe [Lobélia, que tinha 9 anos] chorar (…) pois não reconheceu o
pai.» [Depoimento de Regina Maria Hori]
1935. Porto. Tribunal Militar Especial
No dia 6 de Abril de 1935 o tribunal, presidido pelo «Coronel de Artilharia Adriano da Costa Macedo»,
condenou Antero, Cachapuz, Lino, Militão e mais quatro (Adelino Teixeira Pires, Agenor Augusto Fernandes
Pinto, Álvaro Pereira de Campos e Francisco Soares) a «12 meses de prisão correccional». Álvaro da Cunha
Pereira de Souza e Viriato Rodrigues de Melo foram condenados a «10 meses de prisão correccional». Lino
Pinto Teixeira e mais outros dois (Álvaro Pereira De Campos e Francisco Soares) foram julgados à revelia.
Antero, Cachapuz, Militão e outros (como Adelino Teixeira Pires) foram «transferidos para Peniche» em 20
de Abril de 1935. Antero Alves Moreira viria a ser «restituido à liberdade» em 10 de Julho de 1935. Adelino
Teixeira Pires, Francisco de Barros Cachapuz e Militão seriam «transferidos para a Fortaleza de Angra do
Heroismo», no arquipélago dos Açores, em 8 de Junho de 1935; acompanha-os um jovem de vinte anos,
mais novo ainda do que Cachapuz, Sérgio de Matos Vilarigues (1914–2007). Em 9 de Março de 1936 e em 23
de Dezembro de 1938, Cachapuz e Adelino, respectivamente, são «restituídos à liberdade». Francisco de
Barros Cachapuz viria a ser, em 1973, um dos fundadores do Partido Socialista (português).
[Francisco Cachapuz ainda foi preso pela PVDE em 8 de Janeiro de 1941, sendo «restituído à liberdade» em
8 de Abril do mesmo ano (ficha da PIDE, Torre do Tombo). Acabou por se exilar no Brasil, onde chegou em 7
de Março de 1946, viajando no «Serpa Pinto». Na «Ficha Consular de Qualificação» vem que ele era «Emp.
Comercial» (FamilySearch cards). Escreveu crónicas no jornal brasileiro «Diario de Noticias» e exerceu outras
actividades similares. Faleceu no Brasil em 13 de Novembro de 1993 («Jornal do Brasil» de 16/11/1993). O
mesmo jornal diz que ele tinha sido «conselheiro cultural da Embaixada de Portugal». O «Tribuna da
Imprensa» de 7/2/1994 dedica-lhe a primeira página do seu caderno «Tribuna BIS».]
No jornal brasileiro «Diario de Noticias», de 23 de Dezembro de 1956, Paulo de Castro, pseudónimo de
Francisco de Barros Cachapuz, escreve a crónica «Imagens do Natal» em que fala de António Maria Malva
do Vale (médico), Ilídio Alves, Bento António Gonçalves, Militão de Bessa Ribeiro [no original está «Beça»] e
outros mais ou menos anónimos. É a propósito de Militão o seguinte curioso trecho:
«Vejo o Castelo de São João Batista, roqueiro, antiga fortaleza na ilha Terceira em pleno mar dos Açores.
Aí passamos o Natal de 1935 [no original está “1934”].
Éramos 60 numa caserna para 30, úmida, abaixo do nível do solo, as paredes gotejavam, a luz era frouxa, a
cela tinha sido comprada por nós que para o professor Salazar, nosso eminente e supremo carcereiro,
pertencíamos ao mundo do paganismo anterior à Revelação. Mesmo assim pagãozinhos de fazer
comemorámos com uma parca ceia o dia de Natal.
A mesa era grande e como ninguém quis presidir, pois mesmo os velhotes gostavam de ser jovens sentamo-
nos ao acaso, enquanto os “eleitos” para servir-nos olhavam de soslaio, duvidando, como sempre acontece,
do resultado das “urnas”. (…)
Do outro lado estava um operário que vivera no Brasil, bom, duro de um sectarismo infantil, de uma lealdade
perfeita. Era o Militão Bessa Ribeiro, falava para nós uma linguagem estranha, um português mesclado de
carioca com acento doce. Foi o primeiro a quem ouvi contar as “histórias do português”, que correm por aqui.
Foi uma delícia e a grande novidade da noite. O professor Ilídio Alves versado em linguística além de medicina
e física tomava notas e Informa-se junto de Militão das estranhas locuções do falar no Brasil. Decididamente
o dr. Ilídio era o nosso Topsius.»
Em 23 de Outubro de 1936 Bento António Gonçalves, Militão de Bessa Ribeiro e Sérgio de Matos Vilarigues,
presos em Angra do Heroísmo, são enviados para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.
São eles e outros que inauguram o chamado Campo da Morte Lenta. Aí morreria Bento Gonçalves, em 11 de
Setembro de 1942, com apenas 40 anos, devido aos maus-tratos sofridos e à falta de assistência médica, o
mesmo que sucedeu a Militão anos mais tarde.
Militão e Sérgio Vilarigues (e outros, como Pedro dos Santos Soares) regressariam a Portugal em 15 de Julho
de 1940 e seriam «na mesma data restituidos à liberdade por terem sido amnistiados». Uma «amnistia» que
ocorreu muitos anos depois de terem completado as penas a que tinham sido condenados. Ambos viriam a
ser importantes dirigentes do Partido Comunista Português.
[Sobre as datas constantes destes dois últimos parágrafos, ver: Fichas da PIDE, Torre do Tombo, de Bento
António Gonçalves, Militão de Bessa Ribeiro e Sérgio de Matos Vilarigues.]
ANEXO 1
Sobre a vida de Lino Pinto Teixeira após 1935, através dos jornais e dos arquivos brasileiros:
Os jornais «A Noite» de 13/8/1945 e «Correio da Manhã» de 15/8/1945 publicam um «convite» da
«comissão iniciadora do movimento anti-fascista português» para «todos os portugueses democratas (…)
comparecerem» a uma «grande reunião» a realizar no dia 16. Um dos objectivos é a «eleição da comissão
diretiva do movimento anti-fascista português». Assinam a convocatória: «Lúcio Pinheiro dos Santos,
professor; Antonio F. Azenha, marceneiro; Lino Teixeira, do comércio hoteleiro; Osvaldo Granado Ferreira,
comerciário; Adriano Augusto Lourenço, motorista; Raimundo Sousa Santos, gráfico.» O «Diario Carioca» de
17/8/1945 informa sobre a reunião da véspera. A «diretoria eleit«ficou assim constituída: Presidente:
Lúcio Pinheiro dos Santos; Vice-presidente: Lino Teixeira; Secretário-geral: Franklin Alves; Tesoureiro: José
Rodrigues Piranga.» (Rezende)
Em Outubro de 1945 sua filha Lobélia assina um telegrama, com outros «moradores em São Cristóvão»,
dirigido ao «Presidente Getulio Vargas», para que intercedesse «em prol de Zapirain e Alvarez, dois lutadores
anti-fasclstas ameaçados de morte pelo regime falanglsta de Franco» («Tribuna Popular» de 11/10/1945);
as vidas destes galego e basco acabariam por ser salvas devido à campanha internacional em seu favor.
«Eleições fascistas em Portugal. Um comício de protesto» é o título de uma notícia do «Correio da Manhã»
de 6/11/1945 referindo-se às eleições que decorreriam em Portugal no dia 18 de Novembro de 1945 e a um
comício, a realizar nesse mesmo dia 18. O «Diario de Noticias» de 20/11/1945 diz que foram oradores
Hermes Lima, que presidiu, e ainda Lúcio Pinheiro dos Santos, Francisco das Dores Gonçalves, o comandante
Átila Soares (PSD Partido Social Democrático), Homero Pires (representante da Esquerda Democrática),
Moura Pinto, o comandante Sarmento de Beires, o jornalista Novais Teixeira, Lino Teixeira, Tomás Ribeiro
Colaço, o ex-sargento combatente Hilton Lobato (em nome da FEB – Força Expedicionária Brasileira), Pedro
Motta Lima (PCB), Figueiredo Lima e outros. (Rezende)
O «Tribuna Popular» de 9/1/1946 faz referência a Lino Pinto Teixeira numa notícia sobre a preparação do
«Congresso» do «Sindicato dos Hoteleiros».
O mesmo jornal de 28/4/1946 informa que Lino Pinto Teixeira integra a delegação do «Sindicato dos
Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares do Rio de Janeiro» ao «Congresso Sindical dos Trabalhadores
do Distrito Federal».
O «Cine Reporter Semanário Cinematográfico» de 31/7/1954 informa que «O empresário Lino Pinto
Teixeira deverá incorporar brevemente mais um cinema ao seu circuito. Trata-se do “Cine Vera Cruz”,
localizado no elegante bairro niteroiense da Icaraí, cuja inauguração ocorrerá nos próximos dois meses. As
poltronas serão Brafor. Lotação: 1.350 lugares.»
O jornal «O Fluminense» de 19/12/1954 diz que «Lino Pinto Teixeira» é «proprietário do Hotel Cassino
Icaraí».
O «Imprensa Popular» de 11/10/1955, a propósito da proibição do filme «Rio, 40 Graus» de Nelson Pereira
dos Santos, «ouviu o exibidor Lino Pinto Teixeira, proprietário de um circuito de estabelecimentos
cinematográficos de Niterói e São Gonçalo.»
Lino Pinto Teixeira casou segunda vez com uma senhora chamada Maura de quem teve um filho.
[Depoimento de Regina Maria Hori]
O «Correio da Manhã» de 1/5/1957 tem a seguinte notícia: «VIAJANTES. Seguiu ontem pelo “Alcântara” o
sr. Lino Teixeira Pinto e sua esposa d. Maura Teixeira Pinto, proprietários do Hotel Cassino Icaraí e d. Julia
Thuler Costa, que vão à Europa em viagem de recreio por dlversos países do Velho Mundo.»
O «Diario Carioca» de 7/3/1964 traz a notícia de um acidente automóvel em que esteve envolvido «Lino
Pinto Teixeira (60 anos, hoteleiro, Rua Maxwell, 348)».
Na coluna «Falecimentos», do jornal «O Fluminense» de 25/5/1979, aparece «Lino Pinto Teixeira, 75 anos.»
Consultando o SIAN (Sistema de Informações do Arquivo Nacional) fica-se a saber do processo de
naturalização de Lino Pinto Teixeira em 1954. Esse processo, arquivado no Arquivo Nacional, foi iniciado em
25 de Agosto de 1953. As informações que constam do processo são as seguintes: morava no «apartamento
601 do edifício do Casino Icaraí, à rua Miguel de Frias de nos [números] 1 a 9, da cidade de Niterói»; «está
residindo no Brasil desde 1922, e já por várias vezes tem ido em viagem de passeio ao seu país natal, sendo
que a última foi em 1935»; «por tempo de cinco anos residiu à Avenida 22 de Novembro 220, bairro do
Fonseca, da dita cidade»; «é casado pelas leis brasileiras, tendo o seu casal uma filha». Mais adiante, o
«Boletim de Sindicâncias para Naturalização» informa que Lino: tem «instrução secundária»; «tem dois
filhos brasileiros, sendo um natural do Distrito Federal e o outro do Estado do Rio de Janeiro»; «Procedente
de Potugal, desembarcou no Brasil em 1/922, no porto do Rio de Janeiro. Ausentou-se em 1930 para Portugal,
regressando em 1/935»; é «socio dos cinemas Santa Rosa, São Jorge, Vera Cruz e do Hotel e Cinema do Casino
Icaraí, Niterói.» Em 14 de Maio de 1954 Lino Pinto Teixeira obtém a nacionalidade brasileira. O processo tem
vários erros, como a data de nascimento ou o ano de 1930 como o da viagem para Portugal (que foi em 19
de Maio de 1931).
No arquivo das Polícias Políticas, situado no APERJ, estão dois prontuários dedicados a Lino Pinto Teixeira: o
de nº 15992 e o de nº 26026, ambos com três páginas.
A primeira página do prontuário nº 15992 diz o seguinte:
«MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES
DEPARTAMENTO FEDERAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
D. P. P. S.
PRONTUARIO 15.992
Nome LINO PINTO TEIXEIRA
DATAS – ANOTAÇÕES DIVERSAS
12/6/929
Prêso pela Secção de Ord. Pol. E Soc. Da Del. Auxiliar, na séde do Centro Cosmopolita, como medida de
repressão ao movimento comunista e posto em liberdade no dia imediato.
19/5/931
Nesta data, embarcou o prontuariado para Lisbôa, no vapôr Darro, em companhia de sua familia.
29/11/951
Inf. 16.508 Arquivo em ref. ao doc. prot. sob 17.052/51, transmitindo os antecedentes do
prontuariado. Doc. 2»
No alto desta página um carimbo que diz: «POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. D. P. P. S. ARQUIVO
GERAL». As iniciais «D. P. P. S.» podem querer dizer «Divisão de Polícia Política e Social» que por vezes se
abrevia «D. P. S.».
A segunda página do prontuário nº 15992 diz:
«MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES
DEPARTAMENTO FEDERAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
D. P. S.
S. I. – Sr/2
Nº 16508
Ref. Pret. nº 17.052/51
Com nome idêntico aqui fica registado: -
LINO PINTO TEIXEIRA – Português, foi prêso em 12-6-1929 na séde do Centro Cosmopolita, como medida de
repressão ao comunismo, sendo solto no dia imediato. Em 19-5-1931, embarcou para Lisbôa, com a familia.
Em 29-11-1951
[assinatura/rubrica]
Chefe de Setor»
Ao alto desta página tem, escrito a lápis vermelho: «15992. SiV». Ao lado da assinatura/rubrica está um
carimbo que diz: «D. F. S. P. – D. P. S. Pront. Nº 15992. S/I – ARQUIVO».
A terceira página do prontuário nº 15992 tem apenas as fotografias de frente e de perfil.
A primeira página do prontuário nº 26026 é a «capa» e diz o seguinte:
«ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SECRETARIA DE SEGURANÇA PUBLICA
Nº 26.026 - Gav. 311
1965
Requerente LINO PINTO TEIXEIRA
Assunto EX-PROPRIETARIO DO CASSINO ICARAÍ»
A segunda página do prontuário nº 26026 diz:
«INFORME – RESERVADO
LINO PINTO TEIXEIRA
Nacionalidade Portuguesa
Naturalizado Brasileiro
Ex-arrendatário do Casini Icaraí ex-comerciante na Lapa e ex-dono do Restaurante dos Estudantes do
Estado da Guanabara – era socio do 1º Secretário do P.C.R.J. Rubem Guya Wanderley e do Medico Armando
Leão Ferreira financiador da ação comunista e amigo pessoal de Luiz Carlos Prestes comerciante no
Estado de São Paulo – meses atraz sofreu um desastre de carro na Estrada Rio São Paulo – a sua fortuna foi
canalizada para o Partido Comunista, estando atualmente com suas finanças abalada – viajou para a Rússia
a cerca de 5 anos atraz, via Portugal-França – por varias vezes – hospedou Luiz Carlos Prestes.
Atualmente é visto com assiduidade no Bar situado na Rua Cel. Gomes Machado, que fica nos fundos do
Banco do Estado do Rio – estando sempre em companhia do Dr. Rodoval Brito de Menezes – ex-Delegado de
Policia.»
Em cima tem, escrito a lápis, «26.026» e «311». Em baixo tem algo escrito e uma rubrica.
A terceira página do prontuário nº 26026 diz:
«Estado do Rio de Janeiro
Secretaria de Segurança Pública
S.C.D.
INFORME nº 0/6/65
Consta que o cidadão LINO PINTO TEIXEIRA, es-proprietário de Cassino Icarai, é sócio de Rubem Guayer
Wanderlei, dirigente comunista no Estado do Rio, e atualmente asilado na Bolivia.
Consta ainda que o referido cidadão mantem ligações com Luiz Carlos Prestes, e por varias vezes foi seu
anfitrião.
Sabe-se que Lino Pinto Teixeira, é atualmente dono de um restaurante, localisado na Gavêa, Estado da
Guanabara.
[assinatura]
Neline Lopes dos Santos
Comissário»
Ao lado, na margem esquerda, e em baixo tem instruções relativas ao documento, com as datas 10/3/65 e
4/8/65, respectivamente.
Em 1979 sua filha Lobélia seria perseguida pela ditadura militar no âmbito do combate à «infiltração
comunista na SEPLAN/PR» (SIAN).
ANEXO 2
Sobre a vida de Rodrigo Carlos Guedes Pinheiro após 1932.
Rodrigo Carlos chegou ao Brasil no dia 27 de Dezembro de 1932, tendo viajado no vapor «Holbein» (SIAN).
A lista de passageiros não tem nem a esposa nem a filha dele, mas diz que é «alfaiate» e que mora na Rua
Teófilo Otoni, 132 (na época escrevia-se «Theophilo Ottoni»).
Relativamente a essa morada, o «Jornal do Commercio» de 30/12/1936, em «FIRMAS INDIVIDUAIS», diz:
«De José Antunes, para o commercio de officina de alfaiate, á rua Theophilo Ottoni n. 132, com capital de
5:000$000.» A revista «O Cruzeiro» de 6/2/1937, em «DIVERSOS», diz: «Casemiras nacionaes e estrangeiras,
o Antunes confecciona ternos pelos menores preços.» A mesma revista de 13/3/1937, em «DIVERSOS», diz:
«Faça o seu terno na Alfaiataria de Mattos & Antunes em brins e casemiras.» «O Jornal» de 24/10/1937:
«ALFAIATARIA ANTUNES. As melhores camisas. Os menores preços.»
No arquivo das Polícias Políticas, situado no APERJ, localiza-se um prontuário com duas páginas referente a
Rodrigo. A primeira página tem o seguinte conteúdo:
«MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES
DEPARTAMENTO FEDERAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
D. P. P. S.
PRONTUARIO 5.285
RODRIGO CARLOS PINHEIRO
DATAS ANOTAÇÕES DIVERSAS
20-5-941
Figura o prontuariado aquí registrado desde agosto de 940, quando foi objeto de sindicâncias por parte do
S. R. desta DESPS, em face de uma denúncia que o acusava de desenvolver atividades em favor do Partido
Comunista e de servir de agente de ligação entre elementos filiados a esse Partido. Nas aludidas sindicâncias
nada de positivo foi apurado que pudesse comprometer o referido indivíduo, entretanto, de acôrdo com
informações colhidas, é êle comunista militante e elemento de ligação entre membro do aludido Partido.
26-5-941
Detido pelo S. R., para averiguações em virtude de haver fornecido dinheiro a Diocesano Martins, destinado
ao Socorro Vermelho, alegou o prontuariado desconhecer que o referido dinheiro fosse destinado aquele fim.
3-7-941
Posto em liberdade.
Ao alto tem um carimbo que diz:
«POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. D.E.S.P.S. – ARQUIVO GERAL».
A outra página do prontuário tem uma fotografia de Rodrigo. Tem o nome dele, «Rodrigo Carlos Pinheiro»,
e diz que é de nacionalidade «Português» e de «Mursa». Tem o nome do pai, «Manoel Pinheiro», e da mãe,
«Maria do Carmo Guedes Pinheiro»; diz que nasceu em «14 de dezembro de 1898», que é «casado» e
«alfaiate» e que mora na «rua Buenos Aires, 171, 2º andar».
Ao alto tem um carimbo que diz:
«POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. Prontuario Nº 5285 – ARQUIVO GERAL».
O «Jornal do Brasil» de 27/3/1940 traz o seguinte anúncio: «ALUGA-SE parte de uma sala para alfaiate morar
e trabalhar; á rua Buenos Aires n. 171, 2º andar.»outros anúncios do mesmo género nas edições de 1940
e 1941 deste jornal. Informam-nos também que no 1º andar igualmente se trabalhava como alfaiate.
Há ainda outro documento do arquivo das Polícias Políticas, situado no APERJ, já muito deteriorado, que é
um «DOSSIER» de «DILIGENCIAS CONTRA O P.C.B.» Nele existe uma «RELAÇÃO DE ELEMENTOS COMUNISTAS
PARA “FUTURAS DILIGENCIAS”» Em quarto lugar na lista aparece: «RODRIGO CARLOS PINHEIRO – Trabalha
na rua Buenos Ayres nº 171, 2º andar e reside á Estrada Capitão Barbosa nº 51 (Ilha do Governador).»
Actualmente esta «estrada» chama-se «rua».
No arquivo das Polícias Políticas ainda dois cartões com fotografias de Rodrigo, ambos de 1941, com o
nome «Rodrigo Carlos Pinheiro». Um tem uma fotografia aparentemente bastante anterior a 1941. O outro
tem as habituais fotografias usadas pela polícia, uma de frente e outra de perfil, tiradas aquando da sua
prisão.
Maria de Jesus Moraes, doméstica, esposa de Rodrigo Carlos Pinheiro, residente na Rua General Pedra
263, faleceu no dia 14 de Agosto de 1948, na sequência de uma operação a um cancro. O registo do óbito
6370 diz que timha 51 anos de idade. Está sepultada no cemitério de São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro.
(FamilySearch ancestors)
Rodrigo Carlos Pinheiro, alfaiate aposentado, morador na Estrada do Maracanã, 316, faleceu no dia 6 de
Julho de 1982, de «insuficiência repiratória aguda, pneumonia». O registo do óbito 20453 diz ainda: «Deixa
um filha maior e não deixa bens». Está sepultado no cemitério de São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro.
(FamilySearch ancestors)
A filha de Rodrigo Carlos, Maria do Carmo, faleceu no dia 19 de Janeiro de 1984. (FamilySearch ancestors)
BIBLIOGRAFIA
COSTA, António Luís Pinto da. 1992. O Concelho de Murça (Retalhos para a sua História). Murça: Câmara
Municipal de Murça.
FAMILYSEARCH ANCESTORS. Find your ancestor in the world's largest shared Family Tree.
https://ancestors.familysearch.org/en/LJT6-QDH/manuel-alves-pinheiro-1868-1950
FAMILYSEARCH CARDS. Brazil, Rio de Janeiro, Immigration Cards, 1900-1965.
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https://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/26925-o-centro-cosmopolita-de-rio-de-
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https://www.pcp.pt/sites/default/files/documentos/brochura_militao.pdf
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. 2008. Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica.
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https://journals.openedition.org/etnografica/1599
PIRES, Leila Cristina Pinto. 2014. A organização da União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT) entre
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http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400284770_ARQUIVO_ArtigoAnpuhLeilaPire
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REZENDE, Jorge. O estrangeiro indesejável: O Brasil e António Aniceto Monteiro. A publicar.
SERRA, Jaime. 1997. Eles Têm o Direito de Saber. Lisboa: Editorial «Avante!».
Este artigo, «Militão de Bessa Ribeiro: Os anos do Brasil», foi publicado na revista «Vértice»
202 (de 2022), páginas 66-124. Aqui aparece revisto e aumentado.
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Lino Pinto Teixeira «fugiu (…) do hospital onde se encontrava hospitalizado» (Cadastro nº 1359, Torre do Tombo)
  • Entretanto
Entretanto, em 2 de Agosto de 1934, Lino Pinto Teixeira «fugiu (…) do hospital onde se encontrava hospitalizado» (Cadastro nº 1359, Torre do Tombo). Ele tinha ficado «numa cela muito pequena, onde não tinha como ficar de pé. Ficava com as costas apoiadas na parede e com os joelhos semiflexionados.
Militão e outros (como Adelino Teixeira Pires) foram «transferidos para Peniche
  • Cachapuz Antero
Antero, Cachapuz, Militão e outros (como Adelino Teixeira Pires) foram «transferidos para Peniche» em 20
Adelino Teixeira Pires, Francisco de Barros Cachapuz e Militão seriam «transferidos para a Fortaleza de Angra do Heroismo», no arquipélago dos Açores, em 8 de Junho de 1935; acompanha-os um jovem de vinte anos, mais novo ainda do que Cachapuz
  • De Abril De
de Abril de 1935. Antero Alves Moreira viria a ser «restituido à liberdade» em 10 de Julho de 1935. Adelino Teixeira Pires, Francisco de Barros Cachapuz e Militão seriam «transferidos para a Fortaleza de Angra do Heroismo», no arquipélago dos Açores, em 8 de Junho de 1935; acompanha-os um jovem de vinte anos, mais novo ainda do que Cachapuz, Sérgio de Matos Vilarigues (1914-2007). Em 9 de Março de 1936 e em 23
Cachapuz e Adelino, respectivamente, são «restituídos à liberdade». Francisco de Barros Cachapuz viria a ser, em 1973, um dos fundadores do Partido Socialista (português)
  • De Dezembro De
de Dezembro de 1938, Cachapuz e Adelino, respectivamente, são «restituídos à liberdade». Francisco de Barros Cachapuz viria a ser, em 1973, um dos fundadores do Partido Socialista (português).
Faleceu no Brasil em 13 de Novembro de 1993 («Jornal do Brasil» de 16/11/1993). O mesmo jornal diz que ele tinha sido «conselheiro cultural da Embaixada de Portugal». O «Tribuna da Imprensa» de 7/2/1994 dedica-lhe a primeira página do seu caderno «Tribuna BIS
  • Comercial
Comercial» (FamilySearch cards). Escreveu crónicas no jornal brasileiro «Diario de Noticias» e exerceu outras actividades similares. Faleceu no Brasil em 13 de Novembro de 1993 («Jornal do Brasil» de 16/11/1993). O mesmo jornal diz que ele tinha sido «conselheiro cultural da Embaixada de Portugal». O «Tribuna da Imprensa» de 7/2/1994 dedica-lhe a primeira página do seu caderno «Tribuna BIS».]
Azenha, marceneiro; Lino Teixeira, do comércio hoteleiro
  • F Antonio
Antonio F. Azenha, marceneiro; Lino Teixeira, do comércio hoteleiro;
Da 4ª Del. Auxiliar, na séde do Centro Cosmopolita, como medida de repressão ao movimento comunista e posto em liberdade no dia imediato
  • Prêso Pela Secção De Ord
  • Pol
  • Soc
Prêso pela Secção de Ord. Pol. E Soc. Da 4ª Del. Auxiliar, na séde do Centro Cosmopolita, como medida de repressão ao movimento comunista e posto em liberdade no dia imediato.
A segunda página do prontuário nº 26026 diz
  • Lino Requerente
  • Ex-Proprietario Do Pinto Teixeira Assunto
  • Cassino Icaraí
Requerente LINO PINTO TEIXEIRA Assunto EX-PROPRIETARIO DO CASSINO ICARAÍ» A segunda página do prontuário nº 26026 diz:
026» e «311». Em baixo tem algo escrito e uma rubrica. A terceira página do prontuário nº 26026 diz
  • Tem Em Cima
Em cima tem, escrito a lápis, «26.026» e «311». Em baixo tem algo escrito e uma rubrica. A terceira página do prontuário nº 26026 diz:
para averiguações em virtude de haver fornecido dinheiro a Diocesano Martins, destinado ao Socorro Vermelho, alegou o prontuariado desconhecer que o referido dinheiro fosse destinado aquele fim
  • S R Detido
Detido pelo S. R., para averiguações em virtude de haver fornecido dinheiro a Diocesano Martins, destinado ao Socorro Vermelho, alegou o prontuariado desconhecer que o referido dinheiro fosse destinado aquele fim.