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Um exame das hipóteses de Celso Furtado sobre o Crédito e o Financiamento no
Brasil Colonial*
An examination of Celso Furtado's hypotheses on Credit and Financing in
Colonial Brazil
Luiza Freitas Caldas**
Daniela Freddo***
Resumo
Neste artigo, busca-se examinar as principais fontes de financiamento do Brasil Colônia,
tendo como foco as instituições financeiras sustentadoras das atividades metropolitanas
portuguesas e das atividades mercantis coloniais. Centrou-se em investigar as hipóteses
examinas por Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil (1959), sobre o
financiamento e formação de um mercado interno nacional e a possibilidade de refutá-
las. Foram analisadas as possíveis demandas por crédito e as fontes de financiamento
durante o Brasil colonial, bem como qual foi o impacto do enfraquecimento das relações
monetárias na época, proposto por Furtado.
Palavras-chave: Celso Furtado; Brasil-colônia; Crédito; Fontes de Financiamento.
Abstract
In this paper, we seek to examine the main sources of financing during Colonial Brazil,
focusing on the financial institutions that supported Portuguese metropolitan activities
and colonial commercial activities. Therefore, we investigate the hypotheses examined
by Celso Furtado in Brazilian Economic Formation (1959), on the financing and
formation of a domestic market and the possibility of refuting them. We also analyzed,
the possible demands for credit and sources of financing during colonial Brazil, as well
as the impact of the weakening of monetary framework at that time, as proposed by
Furtado.
Key-words: Celso Furtado; Colonial Brazil; Credit; Sources of financing
* As autoras agradecem o Programa de Iniciação Científica da Universidade de Brasília (ProIC/UnB), o
qual permitiu a elaboração deste trabalho. Este insere-
herança colonial e o desenvolvimento do sistema financeiro uma abordagem histórica e pós-
e inicialmente, denominava-
** Bacharel em Ciências Econômicas e Mestranda em Ciências do Comportamento, ambos pela
Universidade de Brasília, e-mail: luiza.fcaldas@gmail.com.
*** Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, e-mail:
freddo.daniela@gmail.com
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1. Introdução
Neste artigo, busca-se examinar as principais fontes de financiamento do Brasil
Colônia, tendo como foco os intermediários financeiros sustentadores das atividades
metropolitanas portuguesas e das atividades mercantis coloniais. Por meio de revisão
bibliográfica da literatura sobre o tema, analisou-se o desenvolvimento financeiro do
Brasil durante o regime colonial e sua relação com o desenvolvimento financeiro da
metrópole portuguesa.
A análise aqui desenvolvida centrou-se em investigar as hipóteses de Celso
Furtado em Formação Econômica do Brasil (1959), sobre o financiamento e a formação
do mercado interno em diversos momentos durante o Brasil colônia, e a possibilidade ou
não de refutá-las. Foram analisadas as possíveis demandas por crédito e as fontes de
financiamento, bem como qual foi o impacto do enfraquecimento das relações monetárias
na época, proposto por Furtado.
Em um primeiro momento, questionou-se acerca da capacidade da economia
açucareira de se autofinanciar. Já, na transição entre do ciclo da cana-de-açúcar para o do
ouro, investigou-se a diminuição da capacidade de exportação da colônia e se esse
fenômeno contribuiu para o enfraquecimento monetário interno brasileiro, além da
criação de canais de financiamento autônomos. Em relação ao ciclo do ouro, analisou-se
o desenvolvimento do comércio brasileiro e do mercado interno, a demanda por crédito e
a origem das fontes de recursos: se fora atendida por financiamento português ou
estrangeiro. Por fim, com relação ao período de vinda da família real portuguesa para o
Brasil, questionou-se a possibilidade de os fatores que atravancaram o desenvolvimento
industrial da colônia no período serem os mesmos que impediram o desenvolvimento do
sistema financeiro brasileiro.
Além da presente introdução, este artigo está dividido em outras três seções. Na
segunda seção, analisa-se a manutenção e o financiamento da economia açucareira,
enquanto na terceira, os efeitos da presença do sistema de crédito na colônia. Na quarta,
tecem-se os comentários finais sobre a pesquisa.
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2. Manutenção e financiamento da economia açucareira.
No livro Formação Econômica do Brasil (1959), uma das hipóteses levantadas por
Celso Furtado é a de que a atividade de exploração da cana-de-açúcar foi mantida por
meio de lucros reinvestidos, uma vez que se verificava a viabilidade e rentabilidade da
economia açucareira no Brasil Colônia (FURTADO, 1959, p. 51). Ainda assim, Furtado
reconhece que o financiamento holandês esteve presente em todas as etapas desta
economia: na importação de mão de obra escrava, produção, refino e comercialização do
açúcar (FURTADO, op. Cit, p. 11). Para discutir a expansão da atividade açucareira e seu
financiamento via crédito estrangeiro é necessário investigar a relação entre a produção e
a comercialização das mercadorias do ciclo da cana-de-açúcar, o que será feito nos
parágrafos seguintes.
Ainda que se argumente que o crédito não visava a atender às necessidades da
produção, por características de um capital voltado à usura (LEVY, 1979, p. 70), é
possível mapear uma relação de dependência entre o crédito voltado para o financiamento
produtivo e para os processos de circulação comercial. O controle da circulação sobre a
produção na economia acontece uma vez que, numa economia pré-capitalista, com
práticas mercantilistas, os juros do capital usurário não se submetem às mesmas variações
do lucro do capital produtivo (LEVY, op. Cit.; p. 108). Esse descompasso entre produção
e circulação pode ser compreendido como um sinal da preferência pelo investimento
financiado pelo crédito.
A liberdade inicial de comércio e isenções fiscais concedidas pela metrópole
atraíram capitais para a instalação dos engenhos de açúcar no Brasil e permitiram aos
proprietários rurais portugueses acumular as funções simultâneas de produtores e
comerciantes. Apenas após o século XVI, com o crescimento da atividade econômica
açucareira, aprofundou-se a especialização entre produção (coordenada por colonos
portugueses) e comércio (coordenado por holandeses). Depois de ocorrida a
especialização entre produção e comercialização do açúcar, a divisão de funções não só
determinou a perda da gestão do processo global pelos produtores portugueses no Brasil
Colônia, mas também a intensificação das relações monetárias e a possibilidade de
maiores investimentos (LEVY, op. Cit.; p. 52).
Com a divisão de funções entre produção e comércio dentro da economia
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açucareira, observou-se a presença do intermediário financeiro, que contribuía para armar
novos navios para o transporte da carga e adiantava pagamentos mediante a garantia das
safras. A burguesia mercantil dominou a produção, por meio de agentes intermediários,
os quais em nome de seus comitentes atuaram no sentido de organizar a produção para o
mercado. Este foi o papel dos intermediários conhecidos como comissários. Os
comissários permaneciam a maior parte da gestão dos negócios na colônia (LEVY, op.
Cit., p. 52). Além desses, havia um gênero de comerciantes conhecido como Mercadores
de ida-e-vinda, que se caracterizavam pela presença física descontínua, e os feitores,
agentes de empresários permanentes na Europa1. A presença do intermediário financeiro
fez circular uma produção crescente de açúcar, que levou à absorção, cada vez maior, de
produtos europeus pela colônia. (LEVY, op. Cit., p. 52).
Os capitais oriundos da produção crescente de açúcar na colônia não foram
incorporados internamente para investimentos diretos na produção, prevalecendo o
capital mercantil em estreita associação com a aristocracia portuguesa de origem feudal
(LEVY, op. Cit., p. 41). Sobre a presença do capital mercantil, Furtado (1959) e Levy
(1979) assinalam para a importância da Holanda no processo de investimento inicial e
manutenção do controle sobre a distribuição brasileira de açúcar.
A Holanda mantinha para si a distribuição e, Portugal, ajudado pelo capital
holandês, a produção. Os obstáculos à empresa de colonização foram superados graças à
ampliação do consumo de açúcar ocorrida no século XVI. Desprovidos de uma
infraestrutura produtiva no século XVII, os lucros que cabiam a Portugal nos negócios
coloniais se reverteram para a Holanda (LEVY, op. Cit., p. 53). Furtado (1959, pp. 45-
46), sugere que a indústria açucareira obtinha lucros suficientes para duplicar a
capacidade produtiva a cada dois anos e que nos períodos favoráveis, esta deveria ter sido
a taxa de crescimento. O autor afirma serem repassadas para Portugal as necessidades
produtivas que incorriam em diminuição dos preços e obstáculos para o
autofinanciamento. No entanto, Levy (1979, p. 58) aponta que não eram aplicados os
recursos excedentes na Colônia. Uma parte considerável dos capitais aplicados na
1 Enquanto os feitores se ocupavam em administrar na Europa o patrimônio e contratos dos proprietários
rurais da colônia, os mercadores de ida-e-vinda trabalhavam na compra e venda de mercadorias,
financiamentos e concessões de crédito. Entretanto, dentre os intermediadores, sobressaem-se os
comissários, pois acumulavam as funções de compra e venda do açúcar para fornecimento a navios, venda
de equipamentos e escravos, e estabelecimento de contratos financeiros para crédito e custeio (LEVY, 1977,
p. 21).
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produção açucareira pertencia aos comerciantes e a maioria dos recursos era transferida
para o exterior. Os lucros eram encaminhados para o exterior, uma vez que levar o
dinheiro da colônia constituía uma ação livre de taxas, enquanto eram cobrados direitos
e fretes sobre a exportação dos produtos (VIEIRA, 1854, P. 343).
Para a recuperação da lavoura açucareira, os meios e formas de obtenção de
financiamento passam a ocupar lugar destacado. [...] Por essa perspectiva, as
operações de crédito não se limitaram apenas à circulação das mercadorias e
passariam a atuar na reprodução do produto social, perdendo, porém, sua
posição dominante na acumulação. [...] A reação do capital usurário às novas
ideias foi imediata. 'Cada um dos comerciantes dessa praça é em particular uma
caixa ou um fundo dos lavradores'. (LEVY, 1979, pp. 118-119).
O estudo do sistema financeiro na circulação simples de mercadorias distingue-
se do estudo do sistema financeiro que está acoplado a uma estrutura econômica
informada pelo capitalismo, em que, de um lado, a circulação foi dominada pela produção
e, de outro, integrada no processo de produção constituindo-se uma de suas fases. Como
capital financeiro [...] Essas relações se estabelecem por meio de obrigações diretas ou
indiretas com as unidades deficitárias colocando seus títulos junto aos intermediários
Mesmo futuramente no século XIX, com o desenvolvimento do setor cafeeiro, os
capitais investidos nessa área permaneceram atraídos cumulativamente para transações
comerciais e financeiras e para empates no circuito da produção, sob o controle de figuras
que ficaram conhecidas como comissários (LEVY, 1977, p. 44). Todo o comércio se fazia
a crédito por comissários volantes. A centralização do processo comercial nos portos
promoveu o aumento do número de comissários.
Os comissários de mercadores metropolitanos antecessores a outros atores da
economia, os corretores dentre outras funções, estabeleciam contratos financeiros
capazes de conceder crédito para custeio das safras. Até o século XIX, a trajetória da
importância desses comissários ou corretores foi oscilatória (LEVY, 1977, p. 21). O
comissário progressivamente foi assumindo o papel de banqueiro do grande proprietário.
Recorrendo ao crédito bancário, o comissário ficou como ponto de contato do circuito de
financiamento e produção (LEVY, op. Cit. p. 44).
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3. Efeitos da presença do sistema de crédito
O efeito mais notável da presença do sistema de crédito na colônia foi o
generalizado LEVY, op. Cit. p. 25). O impacto do crédito nas relações
monetárias ocorreu pelo endividamento e falta de credibilidade das moedas de troca.
Depois do desmoronamento do crédito, ninguém mais emprestava dinheiro, a menos que
fosse garantido p
câmbio eram repudiadas por causa das fraudes". O endividamento generalizado e a falta
de credibilidade das moedas corroboram com a hipótese de escassez de fluxo monetário
na colônia, desenvolvida por Furtado (1959).
Adicionalmente, a falta de moeda fiduciária durante o período colonial criou no
Brasil o comércio fiado, por meio do crédito, sendo o preço sempre um arbítrio de quem
o vendia. O arbítrio da determinação de preços juntamente com o crédito para consumo
intensificou o endividamento e a falta de credibilidade monetária na colônia. "Se, por um
lado, a concentração de capitais em torno das companhias ampliava as possibilidades de
reinvestimento, permitindo certa expansão nas atividades produtivas coloniais, por outro,
enrijecia-se o exclusivo metropolitano com o comércio restrito a seus acionistas". Os
investimentos das companhias de comércio eram, justamente, a origem das dívidas dos
colonos (LEVY, 1979, p. 111).
Ainda que não houvesse uma economia monetária propriamente dita, como
defende Furtado, nota-se uma preocupação com a moeda e o crédito crescente no final do
século XVIII. Foram feitas tentativas para organizar uma circulação fiduciária à base de
emissões de papel-moeda, semelhante a tentativas anteriores com as ações das
Companhias presentes na colônia. Essas tentativas podem ser avaliadas de sucesso se
colônia, foi oficializada por Portugal, onde eram impressos antes de serem enviados à
colônia portuguesa (LEVY, Op. Cit. p. 115).
Em relação à decadência do ciclo da cana-de-açúcar, depois da segunda metade
do século XVII, em função da produção concorrente nas Antilhas, Celso Furtado
argumenta que ocorreu uma queda de rentabilidade do empreendimento português na
colônia. Furtado também defende a hipótese de que houve uma migração da população
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inserida na economia açucareira para a economia de subsistência pecuária após a
decadência do ciclo da cana-de-açúcar, diminuindo a produtividade da economia colonial.
O ciclo subsequente, o ciclo do ouro, é marcado por maior dinamismo econômico no
interior da colônia. Segundo Furtado, a existência de um fluxo de renda permanente seria
uma pré-condição para o desenvolvimento do mercado interno da colônia, de forma a
permitir a existência de encadeamentos do sistema produtivo interno, como proposto na
ideia do multiplicador keynesiano (KEYNES, 1936).
O fluxo de renda permanente que desenvolve o mercado produtivo, por meio do
multiplicador keynesiano, só seria concebível para Furtado em uma economia com mão
de obra livre e assalariada. O uso da mão de obra escrava seria naturalmente um limitador
do consumo dos trabalhadores, prejudicando o desenvolvimento deste fluxo na colônia.
Após a migração de trabalhadores livres para a colônia e o início do movimento de
abolição da escravatura, estimulou-se a produção doméstica de bens de consumo não
duráveis e a pecuária no sul do país também foi incentivada e, em menor escala, no
Nordeste, tanto para a alimentação como para animais de tração para transporte. Segundo
Furtado, o fenômeno de migração da mão de obra livre, somado à exportação de ouro e à
dificuldade de importação verificadas na colônia proporcionavam uma diminuição da
concentração de renda, aumentando a demanda agregada brasileira.
Para além das relações produtivas, o crédito se alastrou para as relações de
consumo, e também causou endividamento generalizado na colônia (LEVY, 1977), como
um canal de financiamento autônomo do consumo. Tendo em consideração esse
argumento, é possível questionar a ideia de Furtado (1959) de que, devido à colônia ser
voltada ao mercado externo e ao uso de trabalho escravo, o fluxo de renda no espaço
colonial tenha sido baixo, de modo a impossibilitar o florescimento do mercado interno.
É possível que por meio do consumo em uma economia de crédito, o fluxo de renda na
colônia tenha sido levemente intensificado, ainda que as relações econômicas estivessem
restritas à inexistência de moeda fiduciária ou baixa complexidade manufatureira antes
mesmo da migração da mão de obra livre. No entanto, o endividamento generalizado na
colônia entorpeceu o mercado interno que se desenvolvia com negócios próprios
derivados da concessão de pequenas áreas de exploração que acabaram por fomentar as
ações de pequeno comércio e pulverização da renda (LEVY, 1979, p. 104).
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Entretanto, é preciso ressaltar que as evidências apontam que o uso de créditos e
débitos nas relações comerciais coloniais e o consequente alastramento do endividamento
foi fomentado pela escassez monetária. Seja pelo endividamento excessivo, seja pela
escassez monetária o desenvolvimento de um mercado interno capaz de interligar as
diferentes regiões brasileiras no período colonial não ocorreu. Para Furtado (1959), este
fato é crucial para explicar o subdesenvolvimento futuro da economia brasileira.
A baixa complexidade manufatureira na colônia é tida, para Furtado (1959), em
parte, como um reflexo da ausência de industrialização da própria metrópole portuguesa.
Dessa forma, não haveria, para o autor, demanda por crédito em razão da ausência de um
movimento industrializante e, tampouco, oferta de crédito. Levando a argumentação de
Furtado mais adiante, poder-se-ia questionar se a própria ausência de industrialização
portuguesa não entorpeceria o desenvolvimento de um sistema financeiro nacional
português. Evidência desse atraso em relação às potências europeias (Londres e
Amsterdã) é o fato de que o primeiro banco do império português ter sido fundado na
própria colônia brasileira, em 1808. Portugal teve seu primeiro banco em solo europeu, o
Banco de Lisboa, apenas em 18212. O Brasil, diferentemente do que ocorreu com os
Estados Unidos, não receberia reflexos positivos da metrópole em relação ao
desenvolvimento financeiro.
Como discutido na segunda seção, desde o período do ciclo da cana-de-açúcar até
o ciclo do ouro e a vinda da família real, os canais de financiamento de origem portuguesa
na colônia eram menos importantes do que aqueles de origem estrangeira. A presença de
financiamentos Holandeses prevaleceu sobre os financiamentos portugueses na colônia.
Uma linha de pesquisa para trabalhos futuros, seria questionar se haveria estímulos
positivos para colônia do uso de canais financiamento que não fossem metropolitanos.
Dessa forma, não necessariamente os baixos desenvolvimentos manufatureiro e
financeiro portugueses tiveram reflexos negativos colônia. Houve desenvolvimento
financeiro em solo brasileiro no período colonial, porém não o suficiente para criar um
mercado interno integrado. Como evidência desse desenvolvimento, Levy (1979, p.111)
2 Segun
em 1821, com a criação do Banco de Lisboa. Em 1835, começa a funcionar o Banco Comercial do Porto,
que passa também a partilhar com o Banco de Lisboa, a função comercial e também de banco emissor.
Pouco se sabe ainda sobre estas primeiras instituições financeiras. Elas evoluíram e transformaram-se, mas
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aponta para o fato de que as companhias de comércio eram tidas praticamente como
bancos públicos e suas ações eram consideradas quantias líquidas de seus valores que
giravam no comércio como dinheiro.
No entanto, Levy (1977) alega que antes do século XIX não havia instituições
organizadas, mas somente indivíduos exercendo funções de banqueiros - os corretores e
comissários. Até o século XIX, a estrutura financeira no Brasil teria sido menos
complexa, constituída apenas por dois tipos de instituições: bancos comerciais e Bolsas
de Valores. Apenas na segunda metade do século XX que surgiu uma série de outras
instituições especializadas em diferentes tipos de crédito. O desenvolvimento das
instituições de crédito e dos intermediários financeiros teria sido suficiente para a
transferência de propriedade de bens a acumulação, em sentido histórico, como coloca
a autora.
Enquanto isso, no século XVIII, presenciou-
instauração de instituições bancárias em Portugal. A metrópole vivenciou a ausência de
intermediadores entre a procura e oferta de capitais. O próprio desenvolvimento das
relações de crédito portuguesas não pode ser atribuído às emissões monetárias atreladas
às remessas de ouro brasileiras (LAINS e SILVA, 2005) ou relacionado com o sistema
de crédito que se desenvolvia na colônia. Assim sendo, os desenvolvimentos financeiros
da metrópole e da colônia não foram completamente atrelados.
4. Comentários Finais
Neste artigo, procurou-se investigar as teorias de Celso Furtado em Formação
Econômica do Brasil (1959) e a possibilidade de refutá-las. Investigaram-se as possíveis
demandas por crédito e as fontes de financiamento durante o Brasil colonial, como
também o impacto do enfraquecimento das relações monetárias na época, proposto por
Furtado. Em relação à transição entre o ciclo da cana-de-açúcar e do ouro, foi investigada
a diminuição da capacidade de exportação da colônia e se esse fenômeno contribuiu para
o enfraquecimento monetário interno brasileiro, além da criação de canais de
financiamento autônomos.
Mediante a revisão bibliográfica analisada, foi possível constatar uma relação de
dependência entre o crédito voltado para o financiamento produtivo e para os processos
de circulação comercial, de modo que a plena capacidade de autofinanciamento da
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produção não era utilizada, o que não corrobora com a ideia de Furtado sobre
reinvestimento dos lucros na economia açucareira. Não se contesta a ideia de que
potencialmente a economia açucareira poderia seguir via lucros reinvestidos, no entanto,
a literatura analisada aponta para o fato de que ela se financiava via uso de crédito.
Com o acúmulo de funções simultâneas de produtores e comerciantes dos
proprietários rurais portugueses, após o século XVI, com o crescimento da atividade
econômica açucareira, aprofundou-se a especialização entre produção e comércio,
respectivamente coordenados por portugueses e holandeses. A burguesia mercantil
dominou a produção, por meio de agentes intermediários, os comissários. Assim, uma
vez que os holandeses eram os principais agentes na distribuição dos produtos da
economia açucareira, parte considerável dos capitais aplicados na produção açucareira
pertencia aos comerciantes e a maioria dos recursos era transferida para o exterior.
Uma vez compreendido que a demanda por crédito e a origem das fontes de
recursos eram atendidas por financiamento predominantemente estrangeiro (holandês),
também foi analisado o desenvolvimento do comércio brasileiro e do mercado interno. O
efeito mais notável da presença do sistema de crédito na colônia foi o endividamento
generalizado da burguesia produtora em relação ao comércio. Há evidências na literatura
de que o endividamento ocorreu não apenas no escopo dos financiamentos produtivos,
mas também no consumo interno da colônia. Dessa forma, o endividamento generalizado
pode ter criado obstáculo ao desenvolvimento do multiplicador keynesiano, ainda que
tenha permitido a existência de um incipiente mercado interno, porém não integrado, com
presença inclusive de circulação de moedas à base do crédito, ainda que a economia não
fosse plenamente monetizada com papel-moeda fiduciário.
Por fim, analisou-se se o atraso na constituição de um sistema financeiro
português, em comparação com as potências europeias, teve efeitos negativos na colônia.
No entanto, após análise da literatura utilizada neste artigo, não necessariamente este teria
entorpecido o sistema financeiro brasileiro, pois o financiamento teria ocorrido sobretudo
pelo capital holandês. Entretanto, este questionamento deve ser melhor investigado
futuramente: se instituições financeiras holandesas foram predominantes em solo colonial
brasileiro, quais foram os reflexos positivos e negativos que tiveram sobre a formação da
economia brasileira? Qual a relação entre essas instituições e a formação ou não de
manufaturas na colônia?
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Por fim, pôde-se notar que houve desenvolvimento do sistema crédito colonial,
porém os estímulos para isto parecem estar mais atrelados com a escassez de moeda do
que com a própria dinâmica do mercado interno. Apesar de ser possível questionar a
hipótese de Furtado acerca do desenvolvimento de relações creditícias na colônia, não
foram encontradas evidências de que esse desenvolvimento levou à criação de um
mercado interno integrado, mas apenas incipiente.
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