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OrtogOnLineMag
ISSN: 2764-9466, Vol. 4, nº 1
Cicero Moraes Everton da Rosa Rodrigo Dornelles
Blank
OrtogOnLineMag
Volume 4, número 1
Julho de 2023
Semestral
EXPEDIENTE
Editor Cientíco e Diagramação
Cicero Moraes
Conselho Editorial
Everton da Rosa
Rodrigo Dornelles
Colaboradores
Moacir Elias Santos
Luca Bezzi
Alessandro Bezzi
Francesco Maria Galassi
Jiří Šindelář
Elena Varotto
Michael Habicht
Thiago Beaini
Idioma da Publicação
Português
www.ortogonline.com/doc/pt_br/OrtogOnLineMag/index/Publicacoes.html
cogitas3d@gmail.com
ortogonline@ortogonline.com
Cicero André da Costa Moraes
Sinop-MT
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Sumário
1 A Aproximação Facial 3D de Zuzu (≈9600 AP) Baseada em Marcadores Modernos 1
1.1 Introdução .................................................... 1
1.1.1 O Parque Nacional da Serra da Capivara ............................... 1
1.1.2 O Fóssil Zuzu e os seus Mistérios ................................... 1
1.1.3 A Motivação para o Projeto de Aproximação Facial ........................ 2
1.2 Materiais e Métodos ............................................... 2
1.3 Resultados e Discussão ............................................. 4
1.4 Conclusão ..................................................... 5
1.5 Agradecimentos ................................................. 5
2 A Aproximação Facial do Crânio de Nazlet Khater 2 7
2.1 Introdução .................................................... 7
2.2 Materiais e Métodos ............................................... 8
2.3 Resultados e Discussão ............................................. 9
2.4 Conclusão ..................................................... 11
2.5 Agradecimentos ................................................. 11
3 A Aproximação Facial Digital 3D do Homo oresiensis Baseada em Deformação Anatômica 13
3.1 Introdução .................................................... 13
3.1.1 Homo oresiensis ............................................ 13
3.1.2 As Mostras Faces da Evolução e FACCE ................................ 14
3.2 Materiais e Métodos ............................................... 14
3.3 Resultados .................................................... 15
3.4 Conclusão ..................................................... 19
3.5 Agradecimentos ................................................. 19
4 A Aproximação Facial Digital 3D de Ava (Escócia, ~3806 AP) 21
4.1 Introdução .................................................... 21
4.2 Materiais e Métodos ............................................... 22
4.2.1 Conceitos, Soware e Hardware ................................... 22
4.2.2 Aproximação Facial 3D ......................................... 22
4.3 Resultados .................................................... 23
4.4 Conclusão ..................................................... 25
4.5 Agradecimentos ................................................. 25
5 A Aproximação Facial Digital 3D de Zlatý kůň 1 (45.000 AP) 27
5.1 Introdução .................................................... 27
5.2 Materiais e Métodos ............................................... 28
5.2.1 Conceitos, Soware e Hardware ................................... 28
5.2.2 Reconstrução Tridimensional do Crânio .............................. 28
5.2.3 Aproximação Facial Forense ..................................... 29
5.3 Resultados e Discussão ............................................. 30
5.4 Agradecimentos ................................................. 33
Referências Bibliográcas 35
i
ii
Capítulo 1
A Aproximação Facial 3D de Zuzu (≈9600 AP)
Baseada em Marcadores Modernos
Moacir Elias Santos
Arqueólogo, Museu de Arqueologia Ciro Flamarion
Cardoso, Ponta Grossa-PR
Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil
Data da publicação: 25 de janeiro de 2023
ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
DOI: 10.6084/m9.gshare.22129316
O presente trabalho tem por objetivo apresentar os
detalhes acerca da aproximação facial do Zuzu, um
fóssil de 9.600 anos descoberto em 1997 no sítio ar-
queológico da Toca dos Coqueiros, localizado no Par-
que Nacional da Serra da Capivara, Brasil.
Atenção: Este material utiliza a seguinte licença
Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional
(CC BY 4.0).
1.1 Introdução
1.1.1 O Parque Nacional da Serra da Capivara
O Parque Nacional da Serra da Capivara, criado em
1979, é uma unidade de conservação brasileira e pa-
trimônio cultural da humanidade pela UNESCO [A1]. A
sua área se distribui dentro dos limites municipais de
São Raimundo Nonato, Coronel José Dias, João Costa
e Brejo do Piauí, todos eles na região sudeste do es-
tado do Piauí, onde o clima semiárido e a vegetação
de caatinga marcam a paisagem. O complexo trata-
se de um dos mais ricos conjuntos de patrimônio ar-
queológico e paleontológico da América do Sul com
mais de 1300 sítios reportados. Os trabalhos de pros-
pecção na região iniciaram na década de 1970 com a
arqueóloga Niède Guidon, sob os auspícios da Missão
Franco-Brasileira e da Fundação do Homem Ameri-
cano (FUMDHAM) [A2]. Ao longo de todas essas déca-
das tais prospecções têm fornecido um vasto acervo
de itens que compreende os períodos do Pleistoceno
ao início do Holoceno [A3] [A6] [A7].
1.1.2 O Fóssil Zuzu e os seus Mistérios
No ano de 1997 foi descoberto no sítio arqueológico da
Toca dos Coqueiros (um dos mais de 1300 pertencen-
tes ao Parque Nacional da Serra da Capivara) um en-
terro solitário, contendo o esqueleto em posição fetal
de um indivíduo adulto que, por conta dos seus tra-
ços delicados recebeu o nome de Zuzu. Em um pri-
meiro momento, um estudo publicado em 2002 in-
dicava que se tratava de uma mulher, falecida en-
tre os 35 e 45 anos, há 11.600 AP, por datação indi-
reta (LESSA e GUIDON 2002) [A4]. No entanto, com
o passar do tempo outras abordagens foram efetua-
das, atualizando os resultados. No ano de 2005, um
estudo apontou que o esqueleto poderia ter perten-
cido na verdade a um indivíduo do sexo masculino
(NELSON 2005) [A5], tendo outro estudo de 2007 re-
forçado tal abordagem (HUBBE 2007) [A6]. O último
estudo analisado pelos autores deste material, publi-
cado em 2022 (MENÉNDEZ et. al. 2022) [A7], aponta
também para o sexo masculino, com algumas ressal-
vas, além de indicar uma datação por radiocarbono
feita diretamente em um dos dentes que revelou uma
idade mais acurada do fóssil, em 9.603 AP.
Tabela 1. Estudos e resultados relacionados ao sexo
do Zuzu.
1
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Lessa e Gui-
don
Nelson Hubbe et
al.
Menéndez
et al.
2002 [A4]2005
[A5]
2007 [A6]2022 [A7]
Feminino Mascu-
lino
Mascu-
lino
Masculino
Mesmo com a atualização dos estudos, dúvidas ainda
pairam sobre os dados, posto que, no caso da data-
ção por carbono o que foi informado se trata da data
mínima, logo, há uma chance do fóssil ser alguns sé-
culos ainda mais antigo. No caso do sexo, os autores
do último estudo atestam que a aferição efetuada por
eles não é conclusiva [A7], mantendo a questão ainda
em aberto.
1.1.3 A Motivação para o Projeto de Aproxi-
mação Facial
No ano de 2022, um grupo de arqueólogos e entusi-
astas do estado brasileiro do Paraná, viajou ao Par-
que Nacional da Serra da Capivara para conhecer o
Museu da Natureza [A8]. Durante a visita um dos au-
tores (M.E.S.) observou que a forma em que o crâ-
nio do Zuzu foi exposto, permitia uma sequência de
fotograas própria para um processo de digitaliza-
ção/escaneamento 3D, conhecido como fotograme-
tria. Tendo o autor já participado de projetos de
aproximação facial forense [A9], imaginou que tal
abordagem poderia ser utilizada para aquele crânio
e fotografou-o de vários pontos de vista. Uma vez
que as fotos foram armazenadas, propôs ao outro au-
tor (C.M.) o projeto de aproximação independente, de
modo a revelar a face daquela gura tão misteriosa
e tão importante para a história brasileira. Aceita a
proposta, os dois se organizaram de modo a colocar o
projeto em prática.
1.2 Materiais e Métodos
A reconstrução facial forense é uma técnica auxiliar
de reconhecimento facial que utiliza o crânio como
base para aproximar a face do indivíduo em vida. A
história de tal técnica sempre foi envolta em contro-
vérsias [A10], principalmente pela diculdade em de-
nir o que é cientíco (objetivo) e o que é arte (sub-
jetivo) em sua abordagem. O presente trabalho evita
o uso do termo reconstrução, substituindo-o por ou-
tro mais coerente com a sua realidade, ou seja, apro-
ximação facial forense [A11]. Não se trata apenas de
adequar o nome, mas de utilizar abordagens comple-
mentares, baseadas em análise de dados extraídos
em indivíduos vivos, como será exposto mais adiante,
de modo a resultar em uma face apoiada no máximo
de referências objetivas, restando pouco espaço para
intervenções subjetivas pelo lado dos pesquisadores.
Figura1.1: Fotograas originais (acima) versus imagens recortadas
(abaixo).
Como comentado anteriormente, um dos autores
procedeu com uma sequência de capturas fotográ-
cas. Ao todo foram efetuadas 57 fotograas em torno
do crânio, com alturas diferentes, levando um tempo
total de 2 minutos e 9 segundos para a captura. Cada
imagem, capturada com um smartphone iPhone 11
Pro Max, foi congurada com as dimensões de 3024
x 4032 px (pixel ou píxeis), ou 12,19 MP (megapixel)
[A12]. Dado que a algoritmo de fotogrametria, ou di-
gitalização 3D por fotos, utiliza os dados de todos os
píxeis presentes na imagem e dado também que a
cena contava com alto tráfego de indivíduos, o que
poderia confundir o algoritmo, as fotos foram recor-
tadas no soware de edição de imagens Gimp (https:
//www.gimp.org/), de modo a isolar a região de inte-
resse composta pela superfície do crânio, resultando
em 57 imagens de 2000 x 2000 px, ou 4 MP (Fig.1.1).
Figura1.2: Etapas da complementação estrutural e ajuste do crânio.
As 57 imagens segmentadas, presentes em um dire-
tório separado, foram processadas no add-on Orto-
gOnBlender [A13], que fornece um módulo de fotogra-
metria baseado nas bibliotecas OpenMVG e OpenMVS
[A14]. Os parâmetros do D Factor e do Smooth Factor
foram reduzidos para 4 e o tempo total da digitaliza-
ção levou 21 minutos e 58 segundos em um notebook
dotado de um processador Intel Core i7-8565U, com 20
GB de memória RAM e dispositivo de armazenamento
2 Capítulo 1
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SSD m2.
Na sua atual conguração o OrtogOnBlender permite
ao usuário digitalizar um objeto já na escala, bas-
tando apenas posicionar uma etiqueta com códigos
visuais ArUco ao lado do modelo [A15], no entanto isso
não foi possível no caso do crânio em questão, posto
que o mesmo se encontrava protegido por uma es-
trutura vítrea. Mesmo com tal limitação a superfí-
cie resultante se mostrou de boa qualidade (Fig.1.2,
A) e, por não conter dados da escala, o redimensiona-
mento precisou ser feito a partir de dados disponíveis
em Hubbe et al. (2007) [A6]. Com o crânio na escala,
a região de interesse foi segmentada resultando ape-
nas na estrutura óssea (Fig.1.2, B,C,D).
Ao se analisar o crânio pela órbita 3D, atestou-se a au-
sência de algumas regiões e o desgaste físico de ou-
tras, como aquele que acometeu as arcadas dentá-
rias. Em face da metodologia a ser utilizada para a
aproximação facial, que envolve além das projeções
clássicas, a deformação anatômica [A16], e como esta
segunda depende de um doador virtual e os disponí-
veis contavam com arcadas signicativamente me-
nos desgastadas, os autores optaram por reconstruir
as regiões faltantes, recuperando a arcada dentária
completa e assim, permitir uma aproximação mais
coerente com uma estrutura anatômica real, ao passo
que evita a estranheza da aproximação de face curta
(desdentado ou semidesdentado) em indivíduo signi-
cativamente jovem, como já foi efetuado nos fósseis
pertencentes ao povo de Lagoa Santa, a exemplo o
Apiúna [A17] e Diarum [A18].
O crânio do Zuzu foi copiado e espelhado no eixo X
(Fig.1.2, E), de modo que tal espelhamento construísse
partes faltantes dos dois lados, ao passo que denun-
ciasse eventual assimetria, fruto de uma montagem
manual defeituosa. A análise do modelo espelhado
revelou que não havia diferença signicativa entre os
lados, o que permitiu que o crânio fosse complemen-
tado graças a um doador virtual [A19] (Fig.1.2, F,G).
Durante o processo de complementação estrutural a
mandíbula foi segmentada e rearranjada (Fig.1.2, H)
segundo a oclusão dental projetada.
Figura1.3: Cluster populacional com o posicionamento do Zuzu em
preto.
O crânio do doador virtual foi escolhido a partir de ou-
tro com características semelhantes ao do Zuzu. A
técnica empregada para a busca da peça mais com-
patível foi a mesma publicada em um estudo sobre
clusters populacionais [A20], que leva em considera-
ção a distância entre os pontos orbitais frontomala-
res (fmo-fmo no eixo X), a distância lateral das órbitas
até a ponta do osso nasal (eixo Y) e a distância entre
a glabela e o násio (eixo Y). Ao se posicionar os dados
do Zuzu no gráco do estudo (Fig.1.3), atesta-se que
ele está próximo ao núcleo médio das populações de
vietnamitas modernos e crânios arqueológicos ame-
ricanos, estes últimos contam com indivíduos de La-
goa Santa, sambaquis e outros representantes de po-
pulação natural brasileira compreendendo o período
colonial, regredindo até mais de 10.000 anos AP. Além
disso há também uma proximidade com a população
de malaios modernos, ou seja, a estrutura pesquisada
tem grande anidade com o grupo dos asiáticos.
Figura1.4: Etapas iniciais da aproximação facial forense.
Com as partes faltantes recuperadas e o crânio ali-
nhado ao plano de Frankfurt, uma série de marca-
dores de espessura de tecido mole foi distribuída ao
longo da superfície (Fig.1.4, A). O conjunto de 32 mar-
cadores foi baseado em um estudo com brasileiros vi-
vos, cujo a média das medidas foi levantada a par-
tir da tomograa de 50 indivíduos do sexo masculino
[A21]. Ainda que tais marcadores cubram parte signi-
cativa do crânio, algumas regiões não são contem-
pladas, pois naquelas partes outros tipos de proje-
ções são efetuadas. No caso do nariz, a projeção res-
peitou uma série de passos, baseados em dados es-
tatísticos extraídos de tomograas computadoriza-
das (Fig.1.4, B) e dada a anidade com o grupo asiá-
tico, seguiu os dados de um estudo efetuado em ma-
laios [A22]. O passo-a-passo da técnica está aberta-
mente disponível em texto [A23] e em videoaula [A24].
Outras projeções como a dimensão frontal do nariz,
a dimensão dos olhos, o posicionamento dos globos
oculares, o tamanho dos lábios e das orelhas e ou-
tros (Fig.1.4, C), seguiram uma abordagem baseada
em média e proporções extraídas de mensurações
Materiais e Métodos 3
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
em tomograas computadorizadas [A25]. O passo-
a-passo da técnica está abertamente disponível em
texto (completamente manual) [A26] e em duas vi-
deoaulas (semi automático) [A27], uma abordando o
traçado frontal e outra o posicionamento dos globos
oculares [A28]. Além da informação acerca do tecido
mole, o sistema semiautomático também apresenta
a altura dos pontos nasoespinale, dos incisivos supe-
riores e do mento. No caso do primeiro e do segundo
não houve grande diferença em relação à média e pro-
porção, já no caso do terceiro, ou seja, o mento, a pro-
jeção mostrou que a mandíbula é signicativamente
menor do que a média e a proporção média (Fig.1.4,
D). Mesmo com a cobertura oferecida pelos mercado-
res de espessura de tecido mole e as projeções esta-
tísticas, muitas regiões ainda não são assistidas, de
modo que, ainda que tais técnicas garantam proje-
ções dentro de uma média ou amplitude esperada em
partes como o nariz, lábios, orelhas e ans, existem
regiões que não contam com boa documentação para
predição, de modo que a deformação anatômica pre-
enche tais deciências ao passo que interpola os da-
dos fornecido pelos marcadores e demais projeções.
Uma tomograa de um doador virtual foi importada,
reconstruindo as malhas correspondentes ao tecido
mole e o crânio [A29]. As duas malhas foram unidas
em um só objeto e alinhadas ao crânio do Zuzu (Fig.1.4,
E). As duas malhas foram deformadas de modo aos
crânios se compatibilizarem, ao passo que tal defor-
mação inuenciava o tecido mole externo (Fig.1.4, F).
Ao se observar a malha deformada, atesta-se que a
mesma se adequou a quase todos os marcadores e
projeções estatísticas (Fig.1.4, G), além da linha proje-
tada do perl (Fig.1.4, H) e do globo ocular (Fig.1.4, J),
mas apresentou uma signicativa diferença em rela-
ção aos marcadores da região do queixo (Fig.1.4, I). Tal
retraimento se deve à estrutura retraída da mandí-
bula e foi revelada graças à deformação anatômica,
que por ser mais coerente com a estrutura real de
uma face foi escolhida como parâmetro, de modo que
descartou-se o traçado baseado na média dos marca-
dores de espessura de tecido mole naquela região.
Apesar da malha da tomograa computadorizada
conter importantes informações acerca da anatomia
nal, a mesma apresenta uma série de irregularida-
des estruturais, buracos e não é texturizada. Para
agilizar o processo uma malha do Homem de Pe-
rak [A30], já modelada com os parâmetros corretos,
como faces com quatro lados [A31], texturização e
conguração de cabelos, foi importada e sofreu alte-
rações de modo que se compatibilizasse com a estru-
tura do Zuzu (Fig.1.5, A, B). Os parâmetros de escul-
tura digital foram resetados e um detalhamento pos-
terior foi efetuado de modo a criar detalhes e mar-
cas de expressão compatíveis com a idade do crânio
aproximado (Fig.1.5, C). A colorização da textura foi
adaptada e a iluminação adicionada, de modo a va-
lorizar a expressão e vivacidade facial (Fig.1.5, D). Os
cabelos foram recongurados e penteados, de modo
Figura1.5: Etapas nais da aproximação facial forense.
a harmonizarem-se com a face (Fig.1.5, E).
1.3 Resultados e Discussão
Figura1.6: Aproximação facial forense com elementos modernos e
especulativos (cabelos, cor dos olhos e da pele).
A imagem nal do processo foi gerada com o ren-
derizador Cycles, presente nativamente no Blender.
Tal renderizador permite que se “tire fotograas” da
cena, com dados de iluminação, reexão, refração e
demais fenômenos ópticos. Uma imagem sequen-
cial foi montada, apresentando as fases do projeto,
desde o crânio original, passando pela recuperação
volumétrica do mesmo, a sobreposição da aproxima-
ção facial sobre o crânio e nalmente a face nal
(Fig.1.6). Tal face, no entanto, reete um indivíduo
dentro dos padrões populacionais modernos, uma vez
que os marcadores de espessura de tecido e a tomo-
graa computadorizada do doador virtual vieram de
indivíduos atuais e não da população do rosto aproxi-
mado. Compreende-se então, que tal aproximação é
a face do Zuzu completa, sem as características pre-
sentes no momento da morte, ou seja, caso ele vivesse
nos dias atuais, com o padrão atual das populações,
a aparência muito provavelmente seria aquela, ainda
que contenha elementos especulativos como a con-
guração dos cabelos, a cor dos olhos e da pele.
Todavia, a realidade dele não era a mesma e, uma vez
4 Capítulo 1
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura1.7: Aproximação facial forense com elementos objetivos.
que a aproximação seguiu os parâmetros de um crâ-
nio completo, foi possível aos autores adequar a face
ao crânio do Zuzu, ajustando a estrutura à realidade
do mesmo no momento do óbito. O rosto foi ligei-
ramente emagrecido, a mandíbula retraída para se
compatibilizar com a oclusão real, os lábios se ana-
ram, posto que, além da supressão estrutural de uma
face curta a ausência dos dentes cooperou com tal ca-
racterística, além de rebaixar o nariz, rotacionando-o
em direção aos dentes faltantes (Fig.1.7). Os cabelos e
a sobrancelhas foram retirados, pois não se tem cer-
teza plena das suas congurações e o mesmo se aplica
aos olhos. Apesar do crânio ter anidade com uma
população de asiáticos, entre indivíduos de tal ances-
tralidade há um grande número de diferenças estru-
turais, que são contornadas ao se cerrar as pálpebras.
A imagem também foi renderizada em escala de cinza
(preto e branco), pois não há informações precisas so-
bre a cor da pele. Logo, tal imagem seria a que mais
se aproxima do que poderia ser o rosto real.
Figura1.8: Segmentação do endocrânio a partir da estrutuda adap-
tada do doador virtual.
Uma vez que a estrutura do crânio foi completamente
reconstruída, a mesma foi utilizada para a extração
do endocrânio aproximado (Fig.1.8) [A19], resultando
em um volume de 1472 ml o que se mostrou compatí-
vel com estudo efetuado em crânios de humanos atu-
ais, com média de 1328 (± 164 ml) [A32].
1.4 Conclusão
Ainda que não ofereça uma versão denitiva do rosto
do Zuzu, o presente trabalho fornece aos interessados
uma abordagem fundamentada em elementos robus-
tos de projeção anatômica, extraídos de tomograas
de indivíduos vivos.
1.5 Agradecimentos
Ao Dr. Dong Ngoc Quang por ceder a tomograa utili-
zada como doador virtual.
Conclusão 5
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
6 Capítulo 1
Capítulo 2
A Aproximação Facial do Crânio de Nazlet Khater 2
Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil
Moacir Elias Santos
Arqueólogo, Museu de Arqueologia Ciro Flamarion
Cardoso, Ponta Grossa-PR
Data da publicação: 22 de março de 2023
ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
DOI: 10.6084/m9.gshare.22557598
O presente trabalho tem por objetivo apresentar
os detalhes acerca da aproximação facial do crânio
de Nazlet Khater 2, um fóssil de aproximadamente
35.000 anos descoberto em 1980 no Vale do Nilo, Egito.
Atenção: Este material utiliza a seguinte licença
Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional
(CC BY 4.0).
2.1 Introdução
No ano de 1980 um esqueleto quase completo, com ex-
ceção das partes distais dos pés e das mãos, foi encon-
trado no sítio Nazlet Khater 2 (NK2), localizado no Vale
do Nilo (Egito), durante os trabalhos do Projeto Pré-
histórico do Médio Egito Belga [B1] [B2] [B3]. Junto
aos restos mortais foi encontrado também um ma-
chado de pedra muito semelhante a outros escava-
dos no sítio Nazlet Khater 4 (NK4), cuja datação de
C14 em nove amostras posicionou os achados entre
35.000 e 30.000 AP. Ainda na década de 1980, os pes-
quisadores tentaram efetuar a datação diretamente
no esqueleto, o que não foi possível face à fragmenta-
ção óssea [B1], logo, utilizaram os dados das datações
do sítio NK4 e estabeleceram a idade do esqueleto em
≈33.000 AP [B4]. Atualmente, baseado em um estudo
de datação por ressonância de spin do elétron (ESR)
realizado em fragmentos dos dentes, estima-se que o
esqueleto tenha aproximadamente 38±6ka AP (Grün
2005, comunicação pessoal) [B2] [B3] [B5].
Análises antropológicas efetuadas no esqueleto, afe-
riram que se tratava de um indivíduo do sexo mascu-
lino, entre 17-20 anos (ou 20-29), entre 161-165 cm de
altura, sugestiva ancestralidade africana (negroide) e
capacidade craniana de 1400 cm³ [B2] [B6] [B4]. Em
linhas gerais o crânio foi considerado moderno, mas
conta com alguns elementos documentados como ar-
caicos, a saber o grande ramo respiratório da mandí-
bula, retidão da sutura escamosa e prognatismo alve-
olar. A estrutura óssea apresenta perfuração da fossa
olecraniana, o que indicaria trabalho pesado em vida,
inclusive, pela curvatura da diáse femoral, aventou-
se a possibilidade dos esforços físicos como carrega-
mento de peso terem sido uma constante desde a in-
fância de NK2 [B6]. Tais características, unidas a le-
sões vertebrais presentes nos ossos, poderiam indi-
car uma intensa atividade de mineração durante a
vida, o que corroboraria com as evidências do sítio
NK4 ser um local de mineração de cherte e a ferra-
menta para tal atividade o machado bifacial, presente
tanto no sítio NK4, quanto próximo à cabeça do esque-
leto, encontrado no sítio NK2 [B1] [B2] [B4].
7
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
2.2 Materiais e Métodos
A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação
facial forense (AFF) [B13] é uma técnica auxiliar de re-
conhecimento, que reconstrói/aproxima a face de um
indivíduo a partir do seu crânio e é utilizada quando
há escassa informação para a identicação de um in-
divíduo [B14]. Nota-se que a técnica não se trata de
identicação, como aquelas oferecidas por DNA ou
análise comparativa de arcos dentários, mas sim de
reconhecimento que pode levar à posterior identi-
cação.
O presente trabalho utiliza o mesmo passo-a-passo
abordado em Abdullah et al. (2022) [B15], iniciado
com a complementação das regiões faltantes do crâ-
nio, seguindo com a projeção do perl e estruturas
da face a partir de dados estatísticos, gerando o vo-
lume do rosto com o auxílio da técnica de deforma-
ção anatômica e o acabamento com o detalhamento
da face, conguração dos cabelos e geração das ima-
gens nais.
Inicialmente buscou-se levantar os dados volumétri-
cos do crânio de Nazlet Khater 2, posto que tal peça é
fundamental para o processo de aproximação facial.
Durante uma visita ao Egito e ao Museu Nacional da
Civilização Egípcia, em Fustad (https://nmec.gov.eg/),
um dos autores (M.E.S.), capturou duas sequências
de vídeo em fullhd da porção lateral mais completa
do crânio NK2. Os vídeos foram processador no add-
on OrtogOnBlender (http://www.ciceromoraes.com.
br/doc/pt_br/OrtogOnBlender/index.html), onde fo-
ram convertidos em uma sequência de imagens, das
quais 72 foram selecionadas para o processo de foto-
grametria [B7].
Figura2.1: Etapas da fotogrametria do crânio e deformação anatô-
mica inicial, resultando na recuperação estrutural do crânio, parte
da aproximação facial e a segmentação do endocast.
No entanto, a qualidade não foi suciente para evi-
denciar as estruturas, de modo que as imagens re-
sultantes do processo foram utilizadas para a foto-
grametria efetuada no soware Metashape (https:
//www.agisoft.com/), gerando resultados mais pre-
cisos [B8] e informações de superfície 3D mais de-
talhadas. A malha resultante da fotogrametria foi
exportada como um arquivo .OBJ e importada no
soware Blender 3D (https://www.blender.org/), que
abriga o add-on OrtogOnBlender, supracitado (Fig.2.1,
A). O crânio foi então alinhado ao plano horizontal de
Frankfurt e como a porção direita da estrutura apre-
sentava uma grande região faltante, foi copiado e es-
pelhado no eixo X (lados), de modo a fornecer parte
da estrutura necessária para a recuperação total do
crânio (Fig.2.1, B). A fotogrametria sem referências de
escala não informa o tamanho do objeto, sendo assim
as medidas devem ser efetuadas no crânio para pos-
terior redimensionamento. Para colocar o crânio na
escala, recorreu-se às medidas disponíveis no traba-
lho de Thoma (1984) [B6]. Ao observar o modelo 3D
resultante da fotogrametria, percebeu-se uma apa-
rente redução da estrutura superior do crânio em re-
lação a fotograas apresentadas em outros trabalhos
[B2] [B5] [B6]. O trabalho de Bruner & Manzi (2002)
[B9] forneceu dados estruturais do crânio em vista la-
teral sem a deformação de perspectiva (vista ortogo-
nal), graças à análise do volume a partir de uma to-
mograa computadorizada efetuada na peça (Fig.2.1,
C). Ao se comparar as estruturas atestou-se que, de
fato, o crânio advindo da fotogrametria apresentava
uma região superior menor do que a vista ortogonal
da peça tomografada, além disso o encaixe da man-
díbula do modelo 3D parecia um pouco mais retraído,
avançando a região do pório, o que ocultava um qua-
dro de prognatismo mandibular (classe III), mais cla-
ramente visível na projeção 2D da visão ortográca da
tomograa (Fig.2.1, D). Os erros estruturais podem ser
resultantes de alguma alteração estrutural da peça
ou colagem que tenha alterado a sua conguração an-
terior. Tal situação é evidenciada pela compatibili-
dade em relação à maioria das estruturas do crânio ao
se comparar a fotogrametria com a vista lateral orto-
gráca da tomograa, exceto na parte superior onde
há perda de volume, bem como a posição da mandí-
bula, as linhas tendem a se sobrepor quase perfeita-
mente. Uma vez que o crânio estava corrigido e ajus-
tado à escala real, além de conter informações da re-
gião faltante graças ao espelhamento estrutural, foi
possível informar alguns pontos anatômicos que for-
necem projeções de média e proporcionalidade, re-
sultantes de estudos efetuados em tomograas de in-
divíduos vivos [B10] [B11]. Ainda que tal projeção fosse
suciente para mostrar uma série de linhas de estru-
turas a serem colocadas futuramente, como os globos
oculares, estrutura frontal o nariz etc., e tenha mos-
trado um crânio dentro das dimensões esperadas no
eixo Z nas regiões da maxila e mandíbula (Fig.2.1, E),
as mesmas não foram completas, uma vez que fal-
tavam alguns dados como os forames infra orbitais,
forames mentais, ponto nasoespinal etc. Para en-
contrar a posição das estruturas faltantes e corrigir
o volume da região superior do crânio, foi necessá-
8 Capítulo 2
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
rio proceder com uma técnica intitulada deformação
anatômica, abordada em Moraes et al. (2023) [B12].
Para efetuar tal técnica, inicialmente importa-se a
malha de um doador virtual composta pelo tecido ós-
seo (crânio), tecido mole (face) e endocast segmen-
tado (Fig.2.1, F). Tal estrutura é alinhada ao crânio a
ser recuperado/aproximado (Fig.2.1, G). Uma série de
deformações estruturais são efetuadas, grosso modo,
como se se tratasse de uma estrutura com exibili-
dade de uma borracha, mas que mantém os estados
de esticamentos. Sendo assim, ao se deformar o crâ-
nio do doador e ajustá-lo a estrutura do NK 2, além
de recuperar as regiões faltantes deste e corrigir as
regiões que sofreram alterações após o estudo tomo-
gráco, também ajustam o tecido mole, funcionando
com uma forma de aproximação facial forense, ge-
rando um crânio e um perl facial do indivíduo NK 2
(Fig.2.1, H). Com a estrutura completa do crânio recu-
perada, graças à deformação anatômica (Fig.2.1, I), foi
possível identicar as regiões faltantes para a colo-
cação de todos os pontos necessários para a projeção
estrutural, gerando dados mais robustos sobre o ta-
manho dos lábios e do nariz (Fig.2.1, J). Além do crânio
recuperado e de um perl prévio da face, foi possível
segmentar a estrutura do endocast do NK 2 (Fig.2.1, K).
Figura2.2: Etapas nais da aproximação facial.
A etapa nal da aproximação facial seguiu com a
distribuição de marcadores de tecido mole em pon-
tos pré-denidos do crânio (Fig.2.2, A), tais marcado-
res advém do trabalho de El Mehallawi (2000) [B16]
e tratam-se de medidas efetuadas em uma amostra
composta por egípcios atuais. Além dos marcado-
res, o nariz foi projetado seguindo outro estudo, efe-
tuado em tomograas computadorizadas de indiví-
duos vivos [B17], que fornece os dados necessários
para a direção e posição do ponto pronasale a partir
de algumas dimensões do crânio a ser aproximado,
permitindo o traçado do perl da face (Fig.2.2, B).
Ao se sobrepor o modelo proveniente da deformação
anatômica e o perl da face, projetado por outra téc-
nica, percebe-se a compatibilidade das duas aborda-
gens (Fig.2.2, C). Uma leve interpolação é feita, bus-
cando compatibilizar as duas projeções (Fig.2.2, D).
Seguindo a abordagem descrita em Abdullah et al.
(2022) [B15], uma malha proveniente de uma outra
aproximação facial é importada e ajustada ao rosto
de NK 2, inicialmente com uma face simplicada, sem
muitos detalhes (Fig.2.2, E). Posteriormente, detalhes
faciais são adicionados a partir da escultura digital
(Fig.2.2, F). A pigmentação da textura facial é ajus-
tada, bem como o material que dene elementos vi-
suais como brilho, translucidez e outras característi-
cas (Fig.2.2, G). Os cabelos e demais pelos são con-
gurados (Fig.2.2, H) e deste modo, as imagens nais
poderão ser geradas.
2.3 Resultados e Discussão
Figura2.3: Aproximação facial com elementos mais objetivos.
Foram trabalhadas duas abordagens relacionadas a
aproximação facial, uma mais objetiva e cientíca e
outra mais subjetiva e artística. A abordagem cientí-
ca consistiu em um busto dotado dos elementos in-
timamente ligados aos aspectos estatísticos da apro-
ximação e uma vez que a etapa inicial do processo
foi composta apenas por dados colhidos de tomogra-
as e mensurações de indivíduos vivos e de popula-
ção compatível, foi possível gerar uma face anatomi-
camente coerente e, para reduzir a incompatibilidade
na região da órbita, foram renderizadas imagens com
os olhos fechados, assim como para evitar especula-
ções acerca da tonalidade da pele, sem pelos e cabe-
los, pois não há informações acerca da conguração
destas estruturas e a coloração escolhida foi a escala
de cinza, evitando a informação da tonalidade da pele,
para a qual também não há informações disponíveis
(Fig.2.3).
A abordagem mais artística consiste em uma imagem
colorida, com os olhos abertos, com barba e cabelos
(Fig.2.4). Ainda que contenha elementos especulati-
vos acerca da aparência do indivíduo, por se tratar de
um trabalho que será apresentado ao público geral,
fornece os elementos necessários para uma huma-
nização completa, muito difícil de se viabilizar ape-
nas com a exposição do crânio e deciente na imagem
objetiva em escala de cinza e com os olhos fechados.
Além disso, a conguração é consistente com a as
análises antropológicas efetuadas no crânio, suges-
tivas para a ancestralidade africana (negroide) [B4]
Resultados e Discussão 9
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura2.4: Aproximação facial com elementos a adição de elemen-
tos subjetivos.
[B6].
Figura2.5: Distribuição de mensurações volumétricas e lineares
efetuadas em endocasts e circunferências da cabeça.
Além do levantamento do endocast também foi efetu-
ada a medida da circunferência da cabeça. Tais dados
foram plotados em um gráco (Fig.2.5) com 30 sam-
ples, divididos em dois grupos principais, composto
por 34 H. sapiens e 4 indivíduos dos gêneros especies
H. neanderthalensis,H. heidelbergensis eH. rhodesi-
ensis. O grupo H. sapiens foi ainda dividido em dois
subgrupos compostos por homens e mulheres. O vo-
lume do endocast do NK2 levantado foi de 1323 cm³,
um resultado relativamente próximo, com 5,5% me-
nos volume que estudo efetuado na década de 1980,
cujo resultado foi de 1400 cm³ [B4]. Além disso, está
dentro da média global de endocasts de humanos mo-
dernos, segundo Neubauer et al. (2018) [B18]. Quando
a média é ajustada para o sexo masculino, segundo
os dados disponibilizados por Hofman (1984) [B19] e
Ritchie et al. (2018) [B20], o endocast de NK2 ainda
se posiciona dentro de um desvio padrão do espe-
rado para o grupo. A título de comparação com outro
crânio pertencente ao Paleolítico Superior foi desta-
cado, trata-se do fóssil Mladeč 1 (31.000 AP), encon-
trado na República Tcheca, no século 19 [B21]. No en-
tanto, mesmo se tratando de um indivíduo do sexo fe-
minino, há uma signicativa diferença entre os dois
destacados, posto que Mladeč 1 tem mais anidades
com a amostra do sexo masculino e se aproxima mais
da média dos H. sapiens e outros hominídeos do que
o subgrupo feminino.
Figura2.6: Cluster populacional.
Ao se observar o cluster populacional [B22], baseado
em medidas do meio da face (fmo-fmo, ec, G e N),
percebe-se que o fóssil NK2 tem mais anidades com
populações asiáticas (Fig.2.6), o que pode ser expli-
cado pela estrutura menos protuberante da região
dos olhos e do nariz. Já o fóssil Mladeč 1, se encon-
tra em uma posição mais afastada do outro e ainda
que tenha anidade com populações asiáticas, tam-
bém o tem com o subgrupo de brasileiros com ances-
tralidade africana e está mais pŕoxima do grupo dos
demais hominídeos (NEAND_HEI_RHO) do que o fós-
sil NK2. Ainda que se trate de fósseis que possam ter
existido em um mesmo período, tais diferenças po-
dem ser explicadas pelo fato já estudado de que as
amostras européias e norte-africanas do Paleolítico
Superior parecem exibir maior variabilidade cranio-
métrica do que amostras humanas recentes [B5].
10 Capítulo 2
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
2.4 Conclusão
O presente trabalho foi bem sucedido na aproxima-
ção facial do fóssil NK2, tendo como base duas peque-
nas capturas de vídeo, que forneceram material su-
ciente para reconstruir a volumetria básica do crânio,
complementada posteriormente por dados extraídos
de artigos publicados em journals revisados por pa-
res.
2.5 Agradecimentos
Ao Dr. Richard Gravalos por ceder a tomograa do do-
ador virtual utilizada neste estudo.
Conclusão 11
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
12 Capítulo 2
Capítulo 3
A Aproximação Facial Digital 3D do Homo
oresiensis Baseada em Deformação Anatômica
Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil
Luca Bezzi
Arqueólogo, Arc-Team, Cles-TN, Itália
Alessandro Bezzi
Arqueólogo, Arc-Team, Cles-TN, Itália
Data da publicação: 6 de junho de 2023
ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
DOI: 10.6084/m9.gshare.23304077
Atenção: Este material utiliza a seguinte licença
Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional
(CC BY 4.0).
3.1 Introdução
3.1.1 Homo oresiensis
Em outubro de 2003 um esqueleto foi encontrado na
caverna de Liang Bua, localizada na Ilha de Flores, In-
donésia, e recebeu o nome com as iniciais do local,
passando a ser conhecida como LB1 (Liang Bua 1). Se-
gundo os estudos iniciais, tratava-se de um indiví-
duo que pertenceu ao gênero Homo, de baixa esta-
tura (1,06 m), provavelmente do sexo feminino, com
o volume do endocrânio entre 380 e 417 cm³ e morto
há ~16.000-18.000 anos antes do presente (BP). Por
conta do seu mosaico de características que dicul-
tavam a compatibilização ampla com outros hominí-
deos conhecidos, foi classicado como Homo oresi-
ensis. Apresentado ao mundo em 2004, recebeu uma
alcunha inspirada na grande popularidade da fran-
quia de lmes do Senhor dos Anéis e seus diminutos e
carismáticos personagens, passando a ser conhecido
como o Hobbit de Flores [C1] [C2] [C3] [C4] [C5].
Se por uma lado, a descoberta provocou grande as-
sombro e interesse técnico, frente às novidades que
apresentava, por outro levantou um signicativo de-
bate sobre a autenticidade dos argumentos que indi-
cavam uma nova espécie, cujas reduzidas dimensões
poderiam ser o resultado do que se conhece por na-
nismo insular. Dentre várias abordagens, alguns pes-
quisadores contra argumentaram que, na verdade,
tal descoberta poderia ser um indivíduo pertencente
ao grupo dos Homo sapiens que sofrera uma série de
síndromes e com um quadro de microcefalia. Frente
ao ineditismo estrutural do Homo oresiensis e a es-
cassez de dados, os argumentos indicando que se
trata de uma nova espécie ainda se mantêm rmes
e com aparente vantagem, mas o debate segue vivo,
algo esperado (e fomentado) no meio cientíco [C2]
[C3] [C4] [C5].
Depois de sua descoberta e popularização, uma sé-
rie de aproximações faciais do crânio LB1 foram apre-
sentadas, com abordagens diferentes, algumas mais
atreladas a elementos arcaicos dos ossos e outras a
elementos modernos, utilizando dados de humanos
modernos para gerar o rosto do Hobbit de Flores [C6].
13
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
3.1.2 As Mostras Faces da Evolução e FACCE
Nos anos 2013 e 2014 os autores trabalharam na com-
posição de duas mostras que cobriam a evolução hu-
mana. Uma no Brasil, nomeada de Faces da Evolução,
sendo realizada em 2013 nas dependências do Museu
Egípcio e Rosacruz [C7] e outra nomeada de FACCE - i
molti volti della storia umana, realizada em 2015 nas
dependências do Museu de Antropologia da Universi-
dade de Estudos de Pádua, Itália [C8]. Na ocasião, o
crânio do Homo oresiensis foi modelado a partir de
imagens ortográcas [C9], gerando a base para a con-
fecção de duas faces com abordagens diferentes, uma
apresentada na mostra de 2013, produto de escultura
digital [C10] e outra gerada a partir da técnica de de-
formação anatômica [C11].
No decorrer de mais de uma década dedicada ao es-
tudo da aproximação facial, os autores têm atuali-
zado alguns trabalhos, de modo a comparar as aproxi-
mações e analisar a evolução das técnicas emprega-
das. Dois exemplos que ilustram tal abordagem são
os casos da múmia Tothmea, cuja face foi apresen-
tada em 2012 [C12] e posteriormente em 2019 [C13]
e Santo Antônio de Pádua, que teve o rosto apresen-
tado em 2014 [C14] e posteriormente em 2022, com ar-
tigo publicado no journal Digital Applications in Ar-
chaeology and Cultural Heritage (DAACH) [C15]. Tais
exemplos remetem apenas a indivíduos Homo sapi-
ens, sendo este trabalho a primeira revisita a uma es-
pécie diferente já trabalhada pela equipe.
É importante pontuar que, todas as aproximações su-
pracitadas que foram executadas pela atual equipe,
bem como todas as demais apresentadas nas mostras
abordadas, foram disponibilizadas na plataforma Wi-
kimedia Commons, sob licença Creative Commons
(https://bit.ly/3WQtxOx).
3.2 Materiais e Métodos
A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação
facial forense (AFF) [C16] é uma técnica auxiliar de re-
conhecimento, que reconstrói/aproxima a face de um
indivíduo a partir do seu crânio e é utilizada quando
há escassa informação para a identicação de um in-
divíduo [C17]. Nota-se que a técnica não se trata de
identicação, como aquelas oferecidas por DNA ou
análise comparativa de arcos dentários, mas sim de
reconhecimento que pode levar à posterior identi-
cação.
Por se tratar de um animal extinto e sem análo-
gos modernos completamente compatíveis, o pre-
sente trabalho valeu-se apenas da abordagem conhe-
cida como deformação anatômica, a ser explanada a
frente. Com a exceção do uso dos marcadores de es-
pessura de tecido mole e traçado do perl da face, os
autores seguiram a mesma abordagem apresentada
em Abdullah et al. 2022 [C18] e Moraes e Santos 2023
[C19].
O processo de modelagem foi efetuado no so-
ware Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlen-
der (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/
OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo
ForensicOnBlender. O programa e o add-on são
gratuitos, de código aberto e multiplataforma, de
modo que podem rodar no Windows (>=10), no MacOS
(>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).
No caso do presente trabalho, foi utilizado um com-
putador desktop com as seguintes características:
• Processador Intel Core I9 9900K 3.6 GHZ/16M; 64
GB de memória RAM;
• GPU GeForce 8 GB GDDR6 256-bit RTX 2070;
• Placa mãe Gigabyte 1151 Z390; SSD SATA III 960
GB 2.5”;
• SSD SATA III 480 GB 2.5”;
• Water Cooler Masterliquid 240V;
• Linux 3DCS (https://github.com/cogitas3d/
Linux3DCS), baseado no Ubuntu 20.04.
Figura3.1: Etapas da aproximação facial por deformação anatô-
mica.
14 Capítulo 3
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
A tomograa computadorizada do crânio LB1, gen-
tilmente disponibilizada pelo Dr. Peter Brown em
seu site pessoal, para trabalhos sem ns comerciais
[C20], foi importada pelo OrtogOnBlender (Fig.3.1, A)
utilizando dois valores (factors) de threshold xados
em -300 para o fóssil completo e 200 para a região
óssea [C21], resultando em uma malha 3D com algu-
mas regiões faltantes e complementadas com o es-
pelhamento da região mais completa de modo a re-
construir a região com o defeito (Fig.3.1, B). A tomo-
graa de um doador virtual é importada de modo a
proceder com a técnica de deformação anatômica,
inicialmente um Homo sapiens (neste ponto é pos-
sível comparar de modo ortogonal a diferença das
dimensões entre os crânios) (Fig.3.1, C) e posterior-
mente um Pan troglodytes (Fig.3.1, D e E). Tal téc-
nica foi amplamente utilizada desde o ano de 2013
e passou por testes de avaliação que consistiam na
conversão de uma espécie em outra, como a defor-
mação de um Pan troglodytes para um Gorilla go-
rilla e vice-e-versa, sendo bem sucedida na aborda-
gem [C22]. Por apresentar características de espécies
diferentes na estrutura do seu crânio, a deformação
anatômica do Homo oresiensis foi feita em três eta-
pas: 1) O ajuste do crânio, do tecido mole e endocrâ-
nio de um humano à estrutura do H. oresiensis, 2) O
ajuste do crânio, do tecido mole e endocrânio de um
Pan troglodytes à estrutura do H. oresiensis e 3) A
interpolação das duas deformações em apenas uma
contendo elementos mistos (Fig.3.1, D e E ao centro).
A técnica de deformação mista é utilizada há quase
uma década pela equipe que compôs este trabalho
e um exemplo da sua aplicação pode ser observado
em um vídeo no YouTube (https://www.youtube.com/
watch?v=zNAGJHC4pPI). Naquela oportunidade a de-
formação era efetuada com o modicador Lattice do
Blender, atualmente ela é efetuada no modo de edi-
ção com o Proportional ativo (https://youtu.be/xig5_
EcIFWA). Uma vez que a deformação está completa,
a malha facial de outra aproximação facial é apro-
veitada e ajustada sobre a face interpolada (Fig.3.1,
F), seguindo a abordagem descrita em Abdullah et al.
2022 [C18] e Moraes e Santos 2023 [C19]. A malha
facial recebe ajustes estruturais via escultura digi-
tal com auxílio de uma mesa digitalizadora (Wacom
Bamboo CTL-470), mas que poderia ser efetuada com
um mouse sem grandes diculdades (Fig.3.1, G). Em
seguida a conguração anterior da pelagem é ajus-
tada de modo a se compatibilizar com um misto de
distribuição supercial presente no Pan troglodytes
e no Homo sapiens (Fig.3.1, H). Finalmente a textura e
material da superfície também é reajustado e a ilumi-
nação digital composta de modo a evidenciar os deta-
lhes estruturais da face (Fig.3.1, I).
3.3 Resultados
Foram trabalhadas duas abordagens relacionadas a
aproximação facial, uma mais objetiva e outra mais
artística. A abordagem objetiva consistiu em um
busto dotado dos elementos intimamente ligados aos
aspectos anatômicos da aproximação e uma vez que
a etapa inicial do processo foi composta apenas por
dados colhidos de tomograas, foi possível gerar uma
face anatomicamente coerente, em escala de cinza,
pois não é possível saber com exatidão a coloração da
pele, também sem pelos e cabelos, posto que não há
informações acerca da conguração destas estrutu-
ras (Fig. Fig.3.2,Fig.3.3,Fig.3.4,Fig.3.5).
Figura3.2: Aproximação facial objetiva, ¾.
A abordagem mais artística consiste em uma imagem
com a coloração da pele e com pêlos (Fig.3.6 eFig.3.7).
Ainda que contenha elementos especulativos acerca
da aparência do indivíduo, por se tratar de um tra-
balho que será apresentado ao público geral, fornece
os elementos necessários para que passe um aspecto
vivicado do hominídeo, muito difícil de se viabilizar
apenas com a exposição do crânio e pobre de apelo vi-
sual na imagem objetiva em escala de cinza.
O endocrânio do Homo oresiensis, segmentado a
partir da malha advinda da tomograa computadori-
zada resultou em 422 cm³/ml, o que o torna compatí-
vel com o range de 380 e 417 cm³ apresentado em ou-
tros estudos [C1] [C2] [C3] [C4] [C5]. Além da segmen-
tação do endocrânio LB1, também foram segmenta-
dos os dois outros advindos das deformações anatô-
micas do Homo sapiens, cujo volume deformado é
de 446 cm³ (+5,69%) e do Pan troglodytes, cujo vo-
lume deformado é de 450 cm³ (+6,22%). As diferen-
ças positivas (+) de volume apresentadas nas defor-
mações anatômicas podem ser explicadas principal-
mente pela diferença de espessura do osso craniano,
Resultados 15
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura3.3: Aproximação facial objetiva, frontal.
Figura3.4: Aproximação facial objetiva, lateral.
Figura3.5: Aproximação facial objetiva, lateral superior.
Figura3.6: Aproximação facial com elementos especulativos, ¾.
16 Capítulo 3
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura3.7: Aproximação facial com elementos especulativos, fron-
tal.
signicativamente menor nas tomograas nos ani-
mais modernos utilizados nesta abordagem. Um fato
potencialmente interessante se revelou ao se obser-
var os endocrânios resultantes lado a lado, o volume
do Homo oresiensis parece contar com elementos
dos dois outros, sendo o relacionado ao Pan troglody-
tes localizado na porção anterior central e o do Homo
sapiens mais marcadamente próxima ao plano cen-
tral na região inferior (Fig.3.8).
Para se ter uma ideia mais clara acerca da possível
compatibilidade do Homo oresiensis com animais
modernos, especialmente primatas, o cluster gerado
pelos dados de volume do endocrânio (disponível em
Moraes e Santos 2023 [C19]) foi complementado por
dados extraídos de tomograas e crânios/cabeças de
outros animais, disponíveis em portais como o Digital
Morphology Museum (KUPRI), Japão (http://dmm.pri.
kyoto-u.ac.jp/ o site está desativado desde maio de
2023), o Digital Morphology (http://digimorph.org/) e
o Sketchfab (https://sketchfab.com/). Além dos ani-
mais modernos, os crânios de hominídeos das mos-
tras brasileira e italianas supracitadas foram utili-
zados e plotados juntamente com os demais (Fig.3.9,
Fig.3.10).
Ao se posicionar em um gráco 2D a relação entre o
volume do endocrânio e a circunferência da cabeça, a
posição do Homo oresiensis LB1 divide o espaço com
chimpanzés (Pan troglodytes) e orangotangos (Pongo
abelii/pygmaeus), bem como a proximidade entre es-
pécies evidencia uma anidade maior com os gori-
las (Gorilla gorilla) do que com humanos modernos
(Homo sapiens). Se aplicada a abordagem descrita
por Moraes et al. 2023 [C23], onde a conversão do en-
docrânio para o volume cerebral é uma redução de
9,81%, o valor resultante para o cérebro do Homo o-
Figura3.8: Comparação entre os volumes dos endocrânios. Pt-def:
Pan troglodytes depois da deformação anatômica para se adequar
ao crânio a ser aproximado, Hf-ori: Homo oresiensis original e Hs-
def: Homo sapiens após deformação anatômica para se adequar ao
crânio a ser aproximado.
Figura3.9: Cluster de distribuição de animais diferentes. Volume
na horizontal e circunferência da cabeça na vertical (n=107).
Resultados 17
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura3.10: Zoom na região do cluster onde está presente o Homo
oresiensis (ao centro).
resiensis é de ~381 cm³/ml. Se tal valor for comparado
com a média esperada para um humano moderno do
sexo feminino, que é de 1116 cm³ (±90) [C24], teremos
uma diferença de -731 cm³, ou seja, -8,17 SD.
Figura3.11: Projeções efetuadas a partir da distância fmo-fmo (re-
presentado pelas linhas verticais maiores).
Um teste com a projeção de elementos faciais e do
esqueleto, a partir da proporção da distância entre
os pontos fmo-fmo (orbital frontomalar) [C25], resul-
tou em limites bastante compatíveis com o crânio e
o tecido mole do exemplar LB1 (Fig.3.11). Observa-se
que os limites dos incisivos e do mento no eixo Z,
estão dentro do desvio padrão, já os limites dos gô-
nios, que nos humanos modernos geralmente coin-
cidem com o fmo, no LB1 revelou uma mandíbula
mais expandida no eixo X, o que explica a face ro-
busta, grosso modo, tendendo a um “formato qua-
drado”. No tecido mole percebe-se que os limites dos
olhos (eixo X), nariz (eixo X) e orelhas (eixo Z), pro-
jetados pela proporção fmo-fmo casaram perfeita-
mente com a aproximação facial, já os lábios exce-
deram os limites esperados para o ch-ch (chellion,
eixo X). Isso se explica pela projeção dos dentes no
eixo X, ser signicativamente maior do que em hu-
manos modernos, o que faz com que o arco dos lá-
bios seja também maior, algo corroborado pelas de-
formações anatômicas em espécies diferentes. Duas
aulas sobre como utilizar as projeções faciais a partir
de pontos anatômicos no OrtogOnBlender estão dis-
poníveis abertamente pela pela internet: Aula 1 de 2
(https://youtu.be/U6oYkEmfyWo), Aula 2 de 2 (https:
//youtu.be/Vcz2e5uSFX8).
Figura3.12: Cluster relacionados às medidas na região dos ossos e
osso nasal (n=258).
A distância fmo-fmo, além de auxiliar a projeção de
estruturas faciais, também se mostrou útil no agru-
pamento populacional efetuado a partir da compa-
ração com outras duas medidas na região dos olhos
e do nariz. Inicialmente os trabalhos se concentra-
ram em medições efetuadas apenas em humanos mo-
dernos e arqueológicos [C26], mas posteriormente os
pesquisadores incrementaram o banco de dados com
outras espécies (Fig.3.12). Neste trabalho a versão
mais completa do gráco plotado mostra uma ani-
dade do Homo oresiensis com os grupos compostos
por chimpanzés (Pan troglodytes, indivíduos do gê-
nero espécie Homo georgicus, orangotangos (Pongo)
e samples únicos de um Kenyanthropus e um Homo
erectus pekinensis. No caso do Homo sapiens, uma
segunda elipse pontilhada, cobrindo ~95% da amos-
tra evidencia o distanciamento em relação ao Homo
oresiensis (LB1).
Figura3.13: Zoom na distribuição das espécies com o Homo oresi-
ensis ao centro.
Ao observar a distribuição das espécies com maior
proximidade (zoom) (Fig.3.13), nota-se que o posicio-
namento do Homo oresiensis se distancia dos pon-
tos mais extremos da amostra humana, entre outras
espécies, em uma região de “transição” estrutural,
curiosamente lembrando os quadros 17 e 18 de um gif
animado, apresentado no topo de um trabalho pos-
tado por um dos autores (C.M.) há 9 anos, ao demons-
trar a conversão de um Homo sapiens em um Austra-
18 Capítulo 3
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
lopithecus afarensis em um trabalho acerca do uso da
deformação anatômica na aproximação facial (http:
//www.ciceromoraes.com.br/blog/?p=1767).
3.4 Conclusão
Mais uma vez a técnica de deformação anatômica se
mostrou útil na aproximação facial de hominídeos ex-
tintos, uma vez que supre a ausência de marcado-
res de espessura de tecido mole, indisponíveis para
o gênero/espécie Homo oresiensis. A composição de
um modelo resultante da interpolação de dois análo-
gos modernos oferece ao público geral uma versão da
face mais coerente com a mistura de elementos de es-
pécies diferentes, evidenciados no crânio LB1.
3.5 Agradecimentos
Ao Dr. Richard Gravalos, ao Dr. Peter Brown e ao Di-
gital Morphology Museum (KUPRI) por cederam as to-
mograas computadorizadas utilizadas na aproxima-
ção facial digital apresentada neste trabalho.
Conclusão 19
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
20 Capítulo 3
Capítulo 4
A Aproximação Facial Digital 3D de Ava (Escócia,
~3806 AP)
Cicero Moraes
*3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil.
*Bacharel em Marketing.
*Dr. h. c. FATELL/FUNCAR.
*Mensa Brazil member since 2023.
*Revisor convidado: Elsevier, Springer Nature e
Public Library of Science.
*Guinness World Records 2022 - First 3D-printed
tortoise shell.
*Google Scholar.2
*ResearchGate.3
*ORCID.4
*Web of Science.5
*Homepage.6
Data da publicação: 22 de junho de 2023
ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
DOI: 10.6084/m9.gshare.23560587
2https://scholar.google.com.br/citations?user=
u33uvHUAAAAJ
3https://www.researchgate.net/profile/Cicero-Moraes
4https://orcid.org/0000-0002-9479-0028
5https://www.webofscience.com/wos/author/record/
HSH-2440-2023
6http://www.ciceromoraes.com.br
Atenção: Este material utiliza a seguinte licença
Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional
(CC BY 4.0).
4.1 Introdução
O ano de 1987 marcou a descoberta de uma ossada ar-
queológica, acompanhada de uma taça de cerâmica,
em Achavanich, Escócia. Vinte e sete anos depois,
uma série de pesquisadores iniciaram um projeto que
abrangeria os anos de 2014 a 2017, com o intuito de
revelar mais acerca da história daqueles restos mor-
tais. Inicialmente o projeto foi nomeado de Achava-
nich Beaker Burial Project ou Ava (de Ach ava nich),
posteriormente tal nome passou a indicar os restos
mortais e, logo, a face resultante. Os pesquisadores
reconstruíram a disposição dos ossos no momento
da descoberta, posto que não havia tal documenta-
ção disponível, apenas fotograas que serviram como
base para que a organização fosse efetuada. Tam-
bém procederam com a análise antropológica, afe-
rindo que o esqueleto se tratava de um indivíduo do
sexo feminino, com a altura estipulada em ~1.71 m, e
que havia morrido por volta dos 18-25 anos, há 3806
(±21) anos antes do presente (AP). A análise do DNA
reforçou que se tratava de uma mulher, bem como
sugeriu que os olhos dela eram castanhos, o cabelo
preto e a pele levemente mais escura que os escoce-
ses atuais [D1].
Além das abordagens supracitadas, o projeto
Ava contou com a participação do artista fo-
rense Hew Morrison (https://www.facebook.com/
hewmorrisonforensicart), que procedeu com a apro-
ximação facial do crânio, resultando na face ocial
do projeto apresentada para a mídia no ano de 2018,
angariando grande notoriedade e oferecendo um
aspecto humanizado aos restos mortais, acessíveis a
maioria da população, o que gerou grande interesse
e foi um dos fatores responsáveis pela viralização do
trabalho em equipe [D1].
Os autores também disponibilizaram uma home-
page do Achavanich Beaker Burial Project (https:
//achavanichbeakerburial.wordpress.com/about/),
onde os resultados estão disponíveis a todos os
interessados.
Importante: O autor deste material recomenda for-
21
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
temente que os interessados acessem e leiam o amplo
artigo intitulado ‘Ava’: a Beaker-associated woman
from a cist at Achavanich, Highland, and the story of
her (re-)discovery and subsequent study, onde todos
os detalhes do projeto original são ricamente expla-
nados. Tal material pode ser acessado no seguinte
link: http://journals.socantscot.org/index.php/psas/
article/view/10106/10071
Há sete anos o usuário Open Virtual Worlds disponi-
bilizou o crânio de Ava para visualização interativa e
download, sob licença Creative Commons (CC Attribu-
tion) no portal Skechfab (https://skfb.ly/UFBK). Além
do crânio, a taça escavada junto aos ossos também
está disponível para visualização e download sob a
mesma licença (https://skfb.ly/UORW).
Ao tomar conhecimento do crânio disponível sob li-
cença livre e ler sobre o projeto em detalhes, o autor
motivou-se a efetuar uma aproximação facial inde-
pendente, complementando a própria pesquisa com
alguns dados novos e seguindo o objetivo proposto
pelos autores do projeto original, que é disseminar in-
formações acerca da pré-história escocesa [D1].
4.2 Materiais e Métodos
4.2.1 Conceitos, Software e Hardware
A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação
facial forense (AFF) [D2] é uma técnica auxiliar de re-
conhecimento, que reconstrói/aproxima a face de um
indivíduo a partir do seu crânio e é utilizada quando
há escassa informação para a identicação de um in-
divíduo [D3]. Nota-se que a técnica não se trata de
identicação, como aquelas oferecidas por DNA ou
análise comparativa de arcos dentários, mas sim de
um reconhecimento que pode levar à posterior iden-
ticação.
O presente trabalho utiliza o mesmo passo-a-passo
abordado em Abdullah et al. (2022) [D4] e Moraes et
al. (2023) [D5], iniciado com a complementação das
regiões faltantes do crânio, seguindo com a projeção
do perl e estruturas da face a partir de dados estatís-
ticos, gerando o volume do rosto com o auxílio da téc-
nica de deformação anatômica e o acabamento com o
detalhamento da face, conguração dos cabelos e ge-
ração das imagens nais.
O processo de modelagem foi efetuado no so-
ware Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlen-
der (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/
OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo
ForensicOnBlender. O programa e o add-on são
gratuitos, de código aberto e multiplataforma, de
modo que podem rodar no Windows (>=10), no MacOS
(>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).
No caso do presente trabalho, foi utilizado um com-
putador desktop com as seguintes características:
• Processador Intel Core I9 9900K 3.6 GHZ/16M; 64
GB de memória RAM;
• GPU GeForce 8 GB GDDR6 256-bit RTX 2070;
• Placa mãe Gigabyte 1151 Z390;
• SSD SATA III 960 GB 2.5”;
• SSD SATA III 480 GB 2.5”;
• Water Cooler Masterliquid 240V;
• Linux 3DCS (https://github.com/cogitas3d/
Linux3DCS), baseado no Ubuntu 20.04.
4.2.2 Aproximação Facial 3D
No portal Sketchfab o usuário Open Virtual Worlds
fornece o crânio Ava para download (https://skfb.ly/
UFBK) sob licença Creative Commons (CC Attribu-
tion). A opção de arquivo escolhida no momento de
baixar foi a Wavefront OBJ, cujo importador é forne-
cido pelo Blender 3D.
Figura4.1: Alinhamento ao Plano de Frankfurt e reconstrução de al-
gumas partes faltantes por espelhamento.
O modelo continha 4.783.700 faces, um número ele-
vado para os padrões dos trabalhos envolvendo apro-
ximação facial forense, cujo teto geralmente se apro-
xima de 1.000.000 (1M) de faces, de modo a permitir
visualização e edição uídas. Para reduzir o número
de faces o modicador Decimate foi acionado, com o
fator setado em 0.20 e posteriormente aplicado, re-
sultando em um modelo nal com 956.739 faces. Tal
procedimento manteve o nível de detalhes da super-
fície bem como da textura. Para manter a imagem da
textura embutida no arquivo principal (.blend) a op-
ção “Automatically Pack into .blend” foi acionada e o
arquivo salvo. A origem do crânio 3D foi corrigida, de
modo que a geometria geral da peça se deslocasse ao
centro da cena 3D. Feito isso, o crânio foi posicionado
no plano horizontal de Frankfurt (Fig.4.1, à esquerda),
em seguida, graças à técnica de espelhamento algu-
mas estruturas faltantes foram recuperadas, sendo
as mesmas os dentes 13, 17 e 23, bem como o arco zigo-
mático esquerdo (Fig.4.1, à direita). Observou-se que
os caninos pareciam levemente deslocados para fora
da arcada, mas nada que comprometesse a aproxima-
ção facial. Os incisivos superiores estavam faltantes,
22 Capítulo 4
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
bem como a mandíbula e parte da região do forame
magno, sendo assim, foi necessário reconstruí-las.
Figura4.2: Etapas da aproximação facial digital.
Inicialmente foram projetadas linhas de propor-
ções anatômicas (Fig.4.2, A), baseadas em estudos
de mensuração em tomograas computadorizadas
[D6] [D7]. Duas aulas sobre tal abordagem podem
ser acessadas no portal YouTube (1 de 2: https://
youtu.be/U6oYkEmfyWo, 2 de 2: https://youtu.be/
Vcz2e5uSFX8). Com a ausência da mandíbula, nesta
etapa os pontos dos forames mentuais caram au-
sentes, o que não se mostrou problemático, posto
que o objetivo inicial era a reconstrução da mandí-
bula. A projeção é feita por duas abordagens, uma
baseada na média geral e outra na proporção da dis-
tância orbital frontomalar (fmo-fmo). O crânio Ava
conta com uma distância fmo-fmo particularmente
grande, sendo 103,10 mm, frente a média de 96,6
mm, resultando +1,44 SD. Tal distância é mais comu-
mente presente em indivíduos robustos do sexo mas-
culino. Ao se observar a projeção média (linhas ver-
des), percebe-se que as mesmas se compatibilizam
mais com a posição dos pontos nasolabial e ponta dos
incisivos, quando comparadas com as linhas propor-
cionais ao fmo-fmo (azuis) (Fig.4.2, A). Sendo assim,
evidencia-se que, na verdade, as estruturas no eixo
Z do crânio Ava parecem estar levemente abaixo da
média esperada, logo, as médias (linhas verdes) fo-
ram utilizadas como parâmetro de projeção, em de-
trimento das linhas proporcionais. A reconstrução
dos ossos (+endocrânio) e dos tecidos moles (face)
de uma doadora virtual foram importados (Fig.4.2,
B) e ajustados de modo a se compatibilizarem com
o crânio Ava, pela técnica de deformação anatômica
(aula disponível: https://youtu.be/xig5_EcIFWA), ao
mesmo tempo que em que a mandíbula se adequou
aos limites inferiores advindos do estudo efetuado
com as tomograas computadorizadas de indivíduos
vivos (Fig.4.2, C). Com os dados dos forames mentuais
foi possível complementar o sistema de projeção dos
limites do tecido mole e ósseo (Fig.4.2, D). Os limites
das orelhas, dos olhos, lábios e base e largura das asas
nasais se mostraram compatíveis com as projeções
anteriores (Fig.4.2, E). Para complementar os dados
da aproximação facial, uma série de marcadores de
espessura de tecido mole foi distribuída na superfície
dos ossos, de modo a fornecer os limites da pele em
tais regiões (Fig.4.2, F). Tais limites foram extraídos de
um estudo, cujas mensurações foram efetuadas por
ultrassom em pessoas vivas, de ancestralidade euro-
peia [D8]. Para a região do nariz, a projeção comple-
mentar, baseada em dados de tomograas computa-
dorizadas [D9] [D7], por média e proporção (Fig.4.2,
F). uma aula detalhada sobre a técnica por ser aces-
sada no seguinte link: https://youtu.be/F205kLQ–Oo7.
Uma vez que haviam dois parâmetros de aproxima-
ção, utilizando a abordagem de Abdullah et al. (2022)
[D4] a malha de outra aproximação facial foi impor-
tada e ajustada para que se adequasse às projeções,
através da interpolação dos dados, uma vez que a pro-
jeção dos lábios na deformação anatômica se deveu
em grande parte a presença de um aparelho ortodôn-
tico na doadora virtual (Fig.4.2, G, H e I). Os cabelos já
pré-existentes, foram congurados para se adequa-
rem às características disponibilizadas pelo exame de
DNA. A textura da pele também seguiu os parâmetros
apresentados no exame [D1] (Fig.4.2, J).
4.3 Resultados
As imagens nais foram geradas, baseadas nos dados
da análise antropológica-forense, bem como o DNA
(Fig.4.3, , Fig.4.4,Fig.4.5,Fig.4.6). Por conter os dados
da cor dos olhos, do cabelo e da pele, o presente traba-
lho não apresenta a imagem em escala de cinza com
os olhos fechados e sem cabelos, como efetuada nos
capítulos anteriores e em Moraes et al. (2023) [D5].
A doadora virtual contava com o endocrânio já seg-
mentado, de modo que, no momento da deformação
anatômica o volume do endocast se adequou ao de
Ava, resultando em uma estrutura com ~1364 cm³/ml,
dentro da normalidade esperado para o sexo femi-
nino (Fig.4.7).
Um gráco foi gerado a partir de um grupo de 50 en-
docrânios de Homo sapiens, 31 do sexo masculino e
19 do sexo feminino. Além do volume do endocrâ-
nio (eixo X) também conta com a circunferência da
cabeça (eixo Y). Com exceção de um doador virtual
do sexo masculino, todos os demais dados foram ex-
traídos de aproximações faciais forenses efetuadas
pelo autor. Ao se comparar os dados do estudo com
7https://youtu.be/F205kLQ--Oo
Resultados 23
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura4.3: Aproximação facial - imagem nal 1.
Figura4.4: Aproximação facial - imagem nal 2.
Figura4.5: Aproximação facial - imagem nal 3.
Figura4.6: Aproximação facial - imagem nal 4.
24 Capítulo 4
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura4.7: Distribuição do volume do endocrânio e circunferência
da cabeça.
Figura4.8: Comparação entre estudos.
n=50 em relação a outros com números notoriamente
maiores [D10] [D11] [D12], evidencia-se que a amos-
tra conta com uma distribuição semelhante àqueles
(Fig.4.8). Ao se aplicar o fator de -9,81% para conver-
ter o volume do endocrânio em volume cerebral [D5],
chega-se a 1230 cm³, ou seja, 114 cm³ acima da média,
logo, ao se utilizar os dados de Ritchie et al. (2018)
(n=2750) [D10], o cérebro de Ava está a mais de um
esvio padrão (+1,21) acima da média para o sexo fe-
minino. Já a circunferência da cabeça, que resultou
em 54,91 cm, está bem próximo da média tanto do
grupo das aproximações faciais, quanto do trabalho
de Costa et al. (2022) (n=955) [D11]. Quando se leva
em consideração o grupo de ambos os sexos do Homo
sapiens, o endocrânio de Ava também está muito pró-
ximo da média geral, segundo o trabalho com as apro-
ximações faciais e de Neubauer et al. (2018) [D12].
4.4 Conclusão
O presente trabalho foi bem-sucedido na tarefa de
aproximar a face de Ava, graças a disponibiliza-
ção dos dados por Hoole et al. (2018) [D1] e pela
equipe Open Virtual Worlds (https://sketchfab.com/
openvirtualworlds). Com os resultados apresenta-
dos aqui, respeita-se o objetivo do projeto original
e ocial (https://achavanichbeakerburial.wordpress.
com) que é o de disseminar informações acerca da
pré-história escocesa a quem possa interessar.
4.5 Agradecimentos
Ao Dr. Richard Gravalos, por ceder a tomograa
computadorizada utilizada neste estudo. Aos autores
Maya Hoole, Alison Sheridan, Angela Boyle, Thomas
Booth, Selina Brace, Yoan Diekmann, Iñigo Olalde,
Mark G. Thomas, Ian Barnes, Jane Evans, CarolynChe-
nery, Hilary Sloane, Hew Morrison, Sheena Fraser,
Scott Timpany e Derek Hamilton, por publicarem o ar-
tigo que serviu de base para o presente trabalho. Ao
grupo Open Virtual Worlds, por fornecer o crânio de
Ava sob licença Creative Commons, o que viabilizou
a aproximação facial 3D apresentada no presente do-
cumento.
Conclusão 25
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
26 Capítulo 4
Capítulo 5
A Aproximação Facial Digital 3D de Zlatý kůň 1
(45.000 AP)
Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil
Francesco Maria Galassi
Antropólogo e Paleopatologista, Colégio de
Humanidades, Arte e Ciências Sociais, Universidade
de Flinders, Adelaide-SA, Austrália
Jiří Šindelář
Agrimensor, GEO-CZ, Tábor-República Tcheca
Elena Varotto
Antropóloga e Paleopatologista, Colégio de
Humanidades, Arte e Ciências Sociais, Universidade
de Flinders, Adelaide-SA, Austrália
Michael Habicht
Egiptólogo e Arqueólogo, Colégio de Humanidades,
Arte e Ciências Sociais, Universidade de Flinders,
Adelaide-SA, Austrália
Thiago Beaini
Cirurgião Dentista, Professor Assistente - Faculdade
de Odontologia da Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia-MG
Data da publicação: 18 de julho de 2023
ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
DOI: 10.6084/m9.gshare.23733504
Atenção: Este material utiliza a seguinte licença
Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional
(CC BY 4.0).
5.1 Introdução
Em 1950, durantes os trabalhos para a explosão de
uma grande pedra calcária no monte Zlatý kůň (Ca-
valo de Ouro), Rep. Tcheca, os trabalhadores desco-
briram um sistema de cavernas, que ao ser explorado
ao longo dos anos seguintes, revelou uma série de res-
tos mortais humanos e de outros animais, bem como
artefatos metamórcos. Chamou a atenção a pre-
sença de partes do que parecia inicialmente, se tra-
tarem de dois crânios distintos, mas que posterior-
mente, ao montarem as peças, descobriram ser ape-
nas um indivíduo. A sequência de reviravoltas con-
tinuou, pois em um primeiro momento, frente a ro-
bustez estrutural, os restos foram atribuídos a um
homem, mas análises posteriores indicaram que na
verdade se tratava de uma mulher adulta. O mesmo
ocorreu com a idade dos restos, inicialmente a idade
levantada foi de ~11.760 anos antes do presente (AP),
mas análises envolvendo a sequência genômica re-
velaram a impressionante idade de 45.000 AP, com
a possibilidade de algumas centenas de anos a mais,
evidenciando-o como o crânio o mais antigo de um
Homo sapiens encontrado na Europa [E1] [E2] [E3]
[E4].
27
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
5.2 Materiais e Métodos
5.2.1 Conceitos, Software e Hardware
A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação
facial forense (AFF) [E5] é uma técnica auxiliar de re-
conhecimento, que reconstrói/aproxima a face de um
crânio e é utilizada quando há escassa informação
para a identicação de um indivíduo a partir dos seus
restos mortais [E6]. Nota-se que a técnica não se trata
de identicação, como aquelas oferecidas por DNA ou
análise comparativa de arcos dentários, mas sim de
um reconhecimento que pode levar à posterior iden-
ticação.
Como supracitado, para que o processo de AFF seja vi-
abilizado é necessário contar com o crânio a ser apro-
ximado. Tal peça foi adquirida em um processo pura-
mente digital, a partir de publicações cientícas dis-
poníveis em journals com robusto fator de impacto,
cuja abordagem será detalhada posteriormente. A
aproximação facial seguiu a mesma abordagem des-
crita em Abdullah et al. (2022) [E7] e Moraes (2023)
[E8], com pequenas adaptações.
O processo de modelagem foi efetuado no so-
ware Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlen-
der (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/
OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo
ForensicOnBlender. O programa e o add-on são
gratuitos, de código aberto e multiplataforma, de
modo que podem rodar no Windows (>=10), no MacOS
(>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).
No caso do presente trabalho, foi utilizado um com-
putador desktop com as seguintes características:
• Processador Intel Core I9 9900K 3.6 GHZ/16M; 64
GB de memória RAM;
• GPU GeForce 8 GB GDDR6 256-bit RTX 2070;
• Placa mãe Gigabyte 1151 Z390;
• SSD SATA III 960 GB 2.5”;
• SSD SATA III 480 GB 2.5”;
• Water Cooler Masterliquid 240V;
• Linux 3DCS (https://github.com/cogitas3d/
Linux3DCS), baseado no Ubuntu 20.04.
5.2.2 Reconstrução Tridimensional do Crâ-
nio
O crânio conhecido por Zlatý kůň é um conjunto com-
posto por 9 peças (códigos: AP2, AP3, AP9, AP10, AP12,
AP15, AP18, AP18 e AP21), que estão sob os cuidados
do Departamento de Antropologia do Museu Nacio-
nal, localizado em Praga, República Tcheca. Apesar
de cobrir parte considerável da superfície de um crâ-
nio composto (crânio+mandíbula), a estrutura apre-
senta algumas regiões faltantes, mais notadamente
parte do osso nasal, parte da maxila, órbita esquerda
e a parte esquerda do osso frontal. No ano de 2018
uma equipe de pesquisadores multinacional proce-
deu com o trabalho de reconstrução tridimensio-
nal das regiões faltantes, utilizando dados estatísti-
cos extraídos de um grupo composto por 31 crânios,
sendo 15 de homens e 15 de mulheres atuais, escanea-
dos por tomograa computadorizada no Centre Hos-
pitalier Universitaire (CHU) de Bordeaux, França, e 1
do crânio Moča, encontrado na Eslováquia, datado em
13.100 anos AP. Os pesquisadores inicialmente espe-
lharam a malha 3D, de modo a reconstruir o máximo
possível das regiões faltantes, utilizando a anatomia
original do crânio, mesmo assim algumas áreas per-
maneceram vazias. Tais regiões foram complemen-
tadas pelos dados estatísticos extraídos das tomogra-
as e fóssil supracitados, resultando em um crânio
completo [E4].
Como os autores do presente trabalho não dispu-
nham de acesso direto ao fóssil Zlatý kůň 1, os mes-
mos optaram por reconstruir a estrutura utilizando
como base publicações cientícas com os dados espa-
ciais necessários, seguindo a mesma abordagem de
Moraes et al. 2023, também presente na reconstru-
ção do crânio do faraó Tutancâmon [E9].
A base da aproximação facial trabalhada nesta pes-
quisa utilizou como referência o crânio reconstruído
por Rmoutilová et al. (2018), lançando mão das ima-
gens disponíveis na citada publicação (open access
sob licença Creative Commons), para deformar o crâ-
nio de um doador virtual sobre as referências espaci-
ais, corrigindo a estrutura com os dados das mensu-
rações presente no mesmo material [E4], reforçando
a precisão da escala com dados colhidos no traba-
lho de Prüfer et al. (2021) [E2]. A deformação anatô-
mica resultou em um crânio bem aproximado do fós-
sil Zlatý kůň 1 (Fig.5.1, A). Em um primeiro momento
a estrutura do arco zigomático, próximo ao pório, pa-
recia destoar do padrão anatômico esperado. Objeti-
vando comparar com indivíduos atuais, uma série de
30 crânios de ancestralidades e sexos diferentes re-
ceberam um traçado bidimensional com observação
ortográca pelo eixo X de modo a se estabelecer um
padrão lateral da região (Fig.5.1, B). Dois outros fósseis
receberam o mesmo tratamento gráco e ao nal o
conjunto de 30 samples atuais (em cinza) foram com-
parados com os fósseis Zlatý kůň 1 (em verde), Mla-
deč 1 (em vermelho) [E14] e Nazlet Khater 2 (em azul)
28 Capítulo 5
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura5.1: Reconstrução tridimensional do crânio.
[E15]. Tal comparação indica uma elevação inicial do
arco zigomático semelhante nos três fósseis, o que
destoa do grupo dos crânios atuais (Fig.5.1, C). Com
a questão relacionada ao arco zigomático superada,
as atenções se voltaram para outras regiões, com a
projeção de linhas e limites esperados para o crânio
e tecido mole [E10] [E11] (duas aulas sobre tal aborda-
gem estão disponíveis de modo online, 1 de 2: https:
//youtu.be/U6oYkEmfyWo, 2 de 2: https://youtu.be/
Vcz2e5uSFX8). A projeção das linhas se mostrou com-
patibilizada com o crânio reconstruído por Rmouti-
lová et al. (2018), exceto quando se leva em consi-
deração a distância frontomalar orbital (fmo-fmo) e
a projeção de outras medidas a partir da proporção
fmo-fmo. Pela proporção fmo-fmo o limite dos in-
cisivos estaria abaixo do crânio reconstruído, bem
como abaixo do mento (Fig.5.1, D, em azul). No en-
tanto, quando se leva em consideração a média espe-
rada para tais regiões, as linhas estão próximas e den-
tro de um desvio padrão (Fig.5.1, E). A diferença entre
a proporção fmo-fmo e a média pode ser explicada
pela distância entre os gônios, geralmente compatí-
vel com a distância fmo-fmo, mas que, neste caso, se
mostrou signicativamente menor. Enquanto a dis-
tância fmo-fmo foi de ~102 mm, frente a média geral
de ~97 mm (https://bit.ly/3NRw2KW), a distância go-
go foi de ~94 mm, frente a uma média de ~97 mm, por-
tanto, a proporção da mandíbula está mais adequada
a média do que a proporção esperada pela distância
fmo-fmo. Os dados reforçam a coerência estatística
da reconstrução efetuada pela equipe multinacional
em 2018.
5.2.3 Aproximação Facial Forense
Figura5.2: Etapas da aproximação facial digital.
Por se tratar de um crânio sem dados amplamente
discutidos acerca de sua ancestralidade, por aparen-
temente a população ao qual pertenceu não ter con-
tribuído geneticamente nem com os europeus, tam-
pouco com os asiáticos modernos [E2], o presente
trabalho desconsiderou o uso de marcadores de es-
pessura de tecidos moles e os autores optaram por
utilizar apenas a deformação anatômica sobre o fós-
sil. Tal abordagem se mostrou muito compatível
com os parâmetros advindos das tabelas de espes-
sura de tecido mole, mantendo os limites dentro do
desvio padrão em outras aproximações que utiliza-
ram a técnica (vide OrtogOnLineMag #58eOrtogOn-
LineMag #69). Para reforçar a precisão volumétrica,
foram importadas duas malhas 3D de doadores virtu-
ais, contando com o crânio, o endocrânio e o tecido
mole de um homem e de uma mulher, ambos adultos
(aula disponível sobre deformação anatômica: https:
//youtu.be/xig5_EcIFWA). As malhas deformadas re-
ceberam uma linha indicando o perl da face, inter-
polando os dois limites da pele resultantes da defor-
mação anatômica (Fig.5.2, A e B), que se compatibili-
zaram com a projeção nasal efetuada a partir de da-
dos estatísticos colhidos em tomograas computado-
rizadas de indivíduos vivos e pertencentes a ances-
tralidades variadas [E11] [E12]. Os limites projetados
8http://ortogonline.com/doc/pt_br/OrtogOnLineMag/5/
9http://ortogonline.com/doc/pt_br/OrtogOnLineMag/6/
Materiais e Métodos 29
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
a partir do crânio foram comparados com a malha
deformada e se adequaram aos parâmetros espera-
dos, dentre eles a dimensão do nariz no eixo X, o ta-
manho dos olhos no eixo X, a posição do globo ocu-
lar nos eixos X, Y e Z, a dimensão das orelhas no eixo
Z e a dimensão dos lábios no eixo X (Fig.5.2, C). Gra-
ças a estrutura pré-segmentada, foi possível ajustar
a malha de modo que resultasse no volume do endo-
crânio, cujos dados serão detalhados posteriormente
(Fig.5.2, D). Seguindo a abordagem exposta em Abdul-
lah et al. (2022) [E7] e Moraes (2023) [E8] um busto
advindo de outra aproximação facial foi importado e
ajustado de modo a fornecer uma malha composta
por faces de quatro lados e com textura previamente
congurada (Fig.5.2, E). Diferente das aproximações
supracitadas, onde uma versão com os olhos abertos
foi disponibilizada, o presente trabalho conta apenas
com uma versão com os olhos fechados, de modo a
reduzir os elementos subjetivos da estrutura, como
será explanado posteriormente. A malha passou por
um detalhamento via escultura digital, ajuste da tex-
tura e conguração da iluminação da cena para que
as imagens nais pudessem ser geradas (Fig.5.2, F e
G).”
5.3 Resultados e Discussão
Figura5.3: Imagem 3/4 do rosto aproximado com elementos objeti-
vos.
As imagens nais foram geradas utilizando o rende-
rizador Cycles do Blender 3D (https://www.blender.
org/) e consistiram em pontos de vista do busto com-
posto de modo a mostrar os elementos mais objetivos
da face, primando pela estrutura geral. Para as ima-
gens dotadas de elementos objetivos, os olhos foram
fechados, a imagem convertida em escala de cinza, o
Figura5.4: Imagem lateral do rosto aproximado com elementos ob-
jetivos.
Figura5.5: Imagem do perl do rosto aproximado com elementos
objetivos.
30 Capítulo 5
OrtogOnLineMag #6, ISSN: 2764-9466 (Vol. 4, nº 1, 2023)
Figura5.6: Imagem frontal do rosto aproximado com elementos ob-
jetivos.
busto não conta com pêlos e cabelos ( Fig.5.3,Fig.5.4,
Fig.5.5 eFig.5.6).
Figura5.7: Imagem 3/4 do rosto aproximado com elementos espe-
culativos.
Para as