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Prosódia dialetal e estruturas sintáticas: resultados preliminares sobre a materialização do desgarramento nos falares de João Pessoa e de Porto Alegre

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Este artigo investiga a realização prosódica de orações adverbiais anexadas à oração matriz e de orações desgarradas nos falares de João Pessoa e de Porto Alegre, com base nos pressupostos da Fonologia Prosódica (Nespor; Vogel, 2007) e no modelo Autossegmental e Métrico da Fonologia Entoacional (Pierrehumbert, 1980; Ladd, 2008). O corpus de análise é constituído por 720 orações – 360 de cada localidade – e foram observados o contorno melódico, a duração e a gama de variação da F0 no fim do sintagma entoacional (IP). O estudo do fenômeno na fala de indivíduos pessoenses e portoalegrenses visa, além de descrever se o desgarramento será materializado de forma semelhante ao descrito por Silvestre (2021) para a capital fluminense, observar se traços fonéticos regionais, descritos anteriormente em estudos prosódicos sobre orações assertivas neutras (Cunha, 2000; Lira, 2009; Silva, 2011; Silvestre 2012; Castelo, 2016), também se manifestam nas orações desgarradas de João Pessoa e de Porto Alegre ou se são neutralizados pela construção sintática específica. Os resultados revelam que o alongamento das sílabas finais é característica importante para a materialização do fenômeno de desgarramento em todos os dialetos estudados e que há, mesmo nesta estrutura sintática específica, índices relativos à prosódia regional. Em João Pessoa, é consistentemente observado o tom H+L* no início dos IPs e subida melódica na última sílaba pós-tônica dos enunciados. Em Porto Alegre, é frequente a fronteira bitonal HL% no fim do IP, com descida melódica após a sílaba tônica, característica que parece diferenciar o falar na capital gaúcha.
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dialectal prosody and syntactic structures: preliminary
results on the materialization of detachment
in joão pessoa and porto alegre
Aline Ponciano dos Santos Silvestre | Laes | aponcianosilvestre@letras.ufrj.br
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fernando Lima da Mota | Laes | fernandolima@letras.ufrj.br
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rafaela Ribeiro Mendonça | Laes | rafaelaribeiro@letras.ufrj.br
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Yasmim Delno dos Santos | Laes | yasmimdelnosantos@letras.ufrj.br
Universidadefederal do Rio de Janeiro
Resumo: Este artigo investiga a realização prosódica de orações adverbiais anexadas
à oração matriz e de orações desgarradas nos falares de João Pessoa e de Porto Alegre,
com base nos pressupostos da Fonologia Prosódica (Nespor e Vogel, 2007) e no mo-
delo Autossegmental e Métrico da Fonologia Entoacional (Pierrehumbert, 1980; Ladd,
2008). O corpus de análise é constituído por 720 orações – 360 de cada localidade –, e
foram observados o contorno melódico, a duração e a gama de variação da F0 no m do
sintagma entoacional (Ip). O estudo do fenômeno na fala de indivíduos pessoenses e
portoalegrenses visa, além de descrever se o desgarramento será materializado de forma
semelhante ao descrito por Silvestre (2021) para a capital uminense, observar se tra-
ços fonéticos regionais, descritos anteriormente em estudos prosódicos sobre orações
assertivas neutras (Cunha, 2000; Lira, 2009; Silva, 2011; Silvestre, 2012; Castelo, 2016),
também se manifestam nas orações desgarradas de João Pessoa e de Porto Alegre ou se
são neutralizados pela construção sintática especíca. Os resultados revelam que o alon-
gamento das sílabas nais é característica importante para a materialização do fenômeno
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de desgarramento em todos os dialetos estudados e que há, mesmo nesta estrutura sintá-
tica especíca, índices relativos à prosódia regional. Em João Pessoa, é consistentemente
observado o tom H+L* no início dos IPs e a subida melódica na última sílaba pós-tônica
dos enunciados. Em Porto Alegre, é frequente a fronteira bitonal Hl% no m do Ip, com
descida melódica após a sílaba tônica, característica que parece diferenciar o falar na ca-
pital gaúcha.
Palavras-chave: Orações desgarradas. Prosódia Dialetal. Entoação. Sintaxe.
Abstract: is article investigates the prosodic performance of adverbial clauses aa-
ched to the main sentence and detached clauses in the speeches of João Pessoa and Porto
Alegre, based on the assumptions of Prosodic Phonology (Nespor and Vogel, 2007) and
the Autosegmental and Metric model of Intonational Phonology (Pierrehumbert, 1980;
Ladd, 2008). e corpus of analysis consists of 720 clauses - 360 from each location - and
the melodic contour, duration and range of variation of the F0 at the end of the intona-
tion phrase (Ip) were observed. e study of the phenomenon in the speech of infor-
mants from João Pessoa and Porto Alegre aims to observe if regional phonetic features,
previously described in prosodic studies on neutral assertive sentences (Cunha, 2000;
Lira, 2009; Silva, 2011; Silvestre, 2012; Castelo, 2016), also manifest themselves in the
detached clauses of João Pessoa and Porto Alegre or if they are neutralized by the specic
syntactic construction. e results reveals that the lengthening of the nal syllables is an
important characteristic for the materialization of the detachment phenomenon in all
the dialects studied and that there are, even in this specic syntactic structure, features
related to regional prosody. In João Pessoa, is consistently observed the H + L * tone at
the beginning of the IPs and the melodic rise of the post-tonic syllable at the end of the
uerances. In Porto Alegre, it’s frequent the bitonal boundary Hl% at the end of the Ip,
with a melodic fall aer the stressed syllable, and this characteristic seems to dierentiate
the dialect of Porto Alegre.
Keywords: Detached clauses. Dialect Prosody. Intonation. Syntax.
Considerações Iniciais
Este artigo objetiva comparar e descrever, prosodicamente, orações adverbiais ane-
xadas à oração matriz e orações desgarradas no falar pessoense e no falar portoalegrense,
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a m de observar a realização do fenômeno sintático do desgarramento1 em falares brasi-
leiros que se caracterizam por realizações entoacionais diversas. Dessa forma, buscamos
observar se traços fonéticos regionais, descritos anteriormente em estudos prosódicos de
orações assertivas neutras em cidades do nordeste e do sul do país, também se manifes-
tam em orações desgarradas de João Pessoa e de Porto Alegre ou se a sintaxe especíca se
sobreporia à característica regional de entoação.
O padrão assertivo neutro é comumente descrito como caracterizado por uma des-
cida da Frequência Fundamental (F0) no m do enunciado, enquanto o contorno ini-
cial está em um nível médio. Moraes (1998), Cunha (2000), Tenani (2002), Fernandes
(2007) e Moraes (2008), com base em dados de São Paulo e do Rio de Janeiro, ainda que
sob diferentes óticas teóricas, propõem a mesma notação fonológica - L+H* ______
H+L*L%2 -para descrever a asserção neutra no Português do Brasil (PB).
Outros estudos (Cunha,2005; Lira, 2009;Nunes, 2011; Silvestre,2012;Cardoso,
2014; Castelo, 2016) tratam da prosódia de orações assertivas neutras em outras regiões
do país e são descritos padrões entoacionais diferentes do anteriormente postulado para
o PB como um todo. No que se refere particularmente a João Pessoa e a Porto Alegre, lo-
calidades analisadas neste estudo, é postulado, para a capital paraibana, o contorno meló-
dico H* ___ H + L*L% e, para a capital gaúcha, o contorno L+H* ________ H+ H*L%.
Em João pessoa, o padrão entoacional difere do postulado para o PB pela conguração
melódica no início da oração (apenas H*) e, em Porto Alegre, o padrão entoacional é
diverso por sua conguração nal (H+H*L%).
É com base nos estudos mencionados que surge, neste trabalho, o interesse em ob-
servar se características da entoação regional irão também se manifestar em orações des-
garradas, as quais, de acordo com Silvestre (2021) necessitam, no PB, da manifestação de
um contorno melódico ascendente e de alongamento das sílabas nais para serem com-
preendidas como uma informação completa na língua falada. Perseguindo nosso interes-
se, a seção 1, a seguir, trará breve revisão da literatura que trata da prosódia regional, es-
pecicamente relativa a João Pessoa e a Porto Alegre. Na seção 2, discutimos brevemente
armações sobre o desgarramento na língua falada, para, na seção 3, explicitar o aparato
teórico e metodológico seguido, revelar os resultados obtidos na seção 4 e, por m, tecer
as conclusões preliminares a que chegamos na seção 5.
1 O fenômeno do desgarramento sintático foi postulado por Decat (1999, 2011) e pode ser entendido como
um processo através do qual orações tradicionalmente denominadas “subordinadas” possuem autonomia
informacional e sintática e podem existir sem a denominada oração “principal”.
2 De acordo com os pressupostos da Fonologia Entoacional (cf. seção 3), L representa um tom baixo (do
inglês, Low) e H representa um tom alto (do inglês, High). Ademais, os diacríticos * e % indicam a sílaba
tônica e a fronteira de IP, respectivamente. A notação anterior ao símbolo _____ indica o contorno inicial
e, após ele, o contorno nal do enunciado (este também referido como melodia mínima).
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1 Asserção neutra e variedades regionais: os falares de João pessoa e Porto Alegre
Lira (2009) realiza estudo sobre entoação modal em cinco capitais do nordeste do
Brasil (Recife, Fortaleza, Salvador, João Pessoa e São Luís) e arma que
não há diferenças signicativas entre as cidades pesquisadas. No
padrão assertivo, a conguração característica é uma subida melódica
moderada nas sílabas tônicas não nais, seguida de uma subida melódica
mais acentuada na pré-tônica nal e por uma descida na tônica nal,
permanecendo as eventuais pós-tônicas em um nível baixo. Esse padrão
coincide com o padrão assertivo encontrado em outros dialetos brasileiros,
como o do Rio de Janeiro (Lira, 2009, p.145).
Apesar de postular o mesmo padrão melódico para a asserção neutra, anteriormen-
te descrito por Moraes (2008) em dados do Rio de Janeiro, há, em número considerável
dos dados de quatro das cinco capitais estudadas por Lira (2009), uma ligeira subida
de F0 localizada na pós-tônica nal dos enunciados assertivos, fato que Silvestre (2012)
considera não ter sido mais discutido pela autora por não ser contrastivo entre os fala-
res estudados. Lira (2009) menciona apenas que, em São Luís, nota-se, nas pós-tônicas,
“uma tendência a um movimento ligeiramente ascendente na asserção” (Lira, p.142),
como se pode observar pelo destaque dado na linha verdena gura a seguir:
Figura 1– Exemplo de contorno entoacional em São Luis, em que há pequena subida
melódica nal na asserção (verde)
Fonte: Lira (2009).
Silvestre (2012) considera que a informação de Lira (2009) supracitada, sobre a
tendência a um movimento ascendente na asserção produzida por falantes do nordeste,
é um fato relevante para a comparação entre as demais regiões do país e, em seu estudo
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sobre a entoação regional em 25 capitais do Brasil, e encontra também, em dados de ca-
pitais nordestinas, uma ligeira subida melódica nas últimas sílabas pós-tônicas. No que
se refere especicamente a João Pessoa, a autora descreve como característica regional a
presença de um tom H* no início dos enunciados, característica também observada em
outras capitais nordestinas. Portanto, fonologicamente, é postulado por Silvestre (2012)
que, na asserção neutra na capital paraibana, é predominante um tom alto (H*) no iní-
cio dos enunciados. Tais resultados podem ser observados no Atlas Linguístico do Brasil
(ALiB) (Cardoso, 2014) e, mais recentemente, Castelo (2016), em estudo sobre a en-
toação de enunciados declarativos e interrogativos ao longo da costa atlântica brasileira,
arma que contorno prenuclear (inicial) de assertivas neutras em capitais do nordeste
do país “é constituído por um movimento inicial descendente” e que “esse tipo de com-
portamento é característico do acento tonal H+L*” (Castelo, 2016, p. 76). Tal contorno é
exemplicado na gura a seguir:
Figura 2– Consistência do tom H+L* no falar de João Pessoa
Fonte: Castelo (2016).
Em relação a Porto Alegre, o trabalho de Cunha (2005) é o primeiro a propor nota-
ção fonológica diversa para a asserção neutra nesta localidade - L*+H____H+H*L%. Tal
notação revela o que, em tese anterior (Cunha, 2000), a autora arma sobre o fato de que
a “relação pretônica – tônica opõe, de forma geral, Porto Alegre a todas as outras cidades,
pois há, na fala gaúcha, uma elevação da F0, em direção à sílaba tônica, elevação esta con-
trária à queda observada nas outras localidades”. A gura a seguir, do trabalho de Cunha
(2005) dá amostra do padrão melódico descrito pela autora para o falar portoalegrense:
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Figura 3– Contorno melódico da asserção na leitura de Porto Alegre - L + H* _____ H
+ H* L%
Fonte: Cunha (2005).
Silvestre (2012) também analisa dados da capital gaúcha e propõe, com base no
corpus do Projeto ALiB, o mesmo padrão fonológico postulado por Cunha (2005), para
asserção em Porto Alegre – diferentemente do que fora postulado para o PB em outros
estudos – e arma que a F0 “alcança seu pico na tônica nal para, então, decrescer na úl-
tima sílaba pós-tônica”, conforme exemplica gura a seguir:
Figura 4Enunciado Manda pelo correio, produzida pelo informante jovem de Porto Alegre
Fonte: Silvestre (2012).
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É partindo, portanto, de resultados de trabalhos anteriores que tratam da prosódia
regional em enunciados declarativos que este estudo intenta trazer reexões relativas à
prosódia regional de orações desgarradas e discutir preliminarmente a relação entre as ca-
racterísticas regionais de entoação e a sintaxe especíca do fenômeno do desgarramento.
Para dar prosseguimento ao objetivo, a próxima seção traz breve revisão do que se conhe-
ce, até o momento, sobre a implementação do desgarramento na língua falada.
2 O desgarramento na língua falada
Após análise majoritária do fenômeno do desgarramento em textos escritos e a pos-
tulação de que a pontuação não canônica separando orações não congura erro, mas é
uma estratégia de produção textual, Decat (2011) parte de seus dados analisados na escri-
ta e considera que a “quebra no andamento da fala” é uma das características das desgarra-
das na língua oral. A autora arma que a ocorrência posposta de uma cláusula adverbial é
equivalente a um nal de enunciado que, precedido por pausa, “a exemplo do que ocorre
na língua escrita, em que a oração também vem depois de uma pausa marcada pelo ponto
nal” (Decat, 2011, p. 107), caracteriza o desgarramento. De acordo com Decat (2011),
então, o desgarramento na língua falada é denido pela pausa que antecede a oração ad-
verbial e pelo “contorno nal” da cláusula. Ainda nas palavras da autora, “será considera-
do um caso de desgarramento uma estrutura que seja precedida, no português brasileiro,
por uma pausa (mas não necessariamente) e que tenha um contorno entonacional de
princípio e de m de unidade” (Decat, 2011, p. 127). A seguir, as orações destacadas em
negrito seriam exemplos do desgarramento na língua oral nos termos de Decat (2011):
1 os sindicatos são entidades portanto...que são obrigadas... a pagar o chamado im-
posto sobre a renda...porque são entidades sem ns lucrativos (Neves, 1999b
apud Decat, 2011, p.106)
2 e tinha o parto...que era outro risco...porque eu tenho uma queda de pressão::-
violentíssima né?
Apesar de suas armações, Decat (2011) não realiza análise prosódica e é o trabalho
de Silvestre (2021) o primeiro a discutir a prosódia de orações desgarradas. Com base em
dados do corpus Roteiro de Cinema, a autora analisa a prosódia de orações comparativas
desgarradas introduzidas por que nem, vericando o comportamento da F0 e da duração
em orações adverbiais anexadas formalmente à oração matriz e em orações adverbiais
desgarradas, separadas por ponto no texto escrito, a m de proceder a uma comparação
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que pudesse indicar características prosodicamente salientes do desgarramento. De acor-
do os resultados obtidos, orações anexadas à matriz e orações desgarradas apresentaram
o mesmo comportamento entoacional, representado pelo contorno melódico tom H L*
L% no m dos enunciados, o que, como dissemos introdutoriamente, congura o padrão
mais comum da asserção neutra no Brasil (Cunha,2000; Moraes, 2008; Silvestre, 2012;
2013). Tais resultados dão suporte à armação de Decat (2011) sobre o fato de as cláusu-
las desgarradas possuírem contorno “nal”, mas não as diferem prosodicamente de outras
estruturas.
Silvestre (2021), ao discutir os exemplos de orações desgarradas na língua fala-
da suscitados por Decat (2011), arma que, se se considerar a pausa e o contorno nal
como parâmetros norteadores para a denição das orações causais, em (1) e (2) acima,
como característica do desgarramento na língua falada, há de se considerar a completiva
nominal e a relativa (sublinhadas) também como exemplos de orações desgarradas. Isso
porque todas são antecedidas pela mesma pontuação (indicando pausa) e, de acordo o
conhecimento já obtido sobre a entoação do português brasileiro, também possuem a
possibilidade de serem enunciadas com contorno nal descendente. A autora arma ain-
da que, de acordo com estudos sobre o fraseamento prosódico do português, “a pausa e o
alongamento são estratégias recorrentes para a delimitação de constituintes prosódicos.
Desse modo, falar em desgarramento na língua oral com base nesse tipo de dado parece
inconsistente quando se leva em conta, de fato, estudos sobre a estrutura prosódica do
português” (Tenani, 2002; Fernandes, 2007; Serra, 2009; Silvestre,2012; entre outros).
Silvestre (2021), então, baseada nas Fonologias de base Prosódica e Entoacional,
lança olhar para a constituição do sintagma entoacional (IP) e realiza separação entre as
orações desgarradas postuladas por Decat, armando que aquelas que realmente acon-
tecem sozinhas, sem a possibilidade recuperação da oração matriz no texto, podem ser
chamadas de desgarradas totais. A análise da autora é, portanto, de orações totalmente
desgarradas, em que a oração matriz não é materializada textualmente e só pode ser recu-
perada por inferência.
Em seu estudo, a autora analisa três pistas prosódicas: duração, contorno melódico
e gama de variação de F0 no m do Sintagma Entoacional (IP) e, de acordo com seus
resultados, na variedade carioca, o desgarramento na língua falada é licenciado pela ocor-
rência de um contorno melódico ascendente - L+H*H% e pelo alongamento das sílabas
nais do enunciado. As guras a seguir, em que a oração “Se a Joelma ganhasse na loteria
foi enunciada de forma canônica, juntamente com a oração matriz “ia fazer tudo isso
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(Figura 5), e totalmente desgarrada (Figura 6), são exemplos das diferenças descritas por
Silvestre (2021) entre as duas estruturas sintáticas.
Figura 5 – Oração não desgarradaSe a Joelma ganhasse na loteria, dita por informante do RJ
Fonte: Silvestre (2021).
Figura 6 – Oração desgarradaSe a Joelma ganhasse na loteria, dita por informante do RJ
Fonte: Silvestre (2021).
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Feitas, nos parágrafos anteriores, considerações relativas à asserção neutra nas loca-
lidades-alvo neste estudo e sobre a prosódia de orações desgarradas, a próxima seção trará
breve descrição do aparato teórico-metodológico que seguiremos, a m cumprirmos os
principais objetivos deste estudo preliminar: 1) descrever as propriedades prosódicas de
orações desgarradas em João Pessoa e em Porto Alegre, comparando-as com os resulta-
dos descritos por Silvestre (2021); e 2) conferir se traços fonéticos regionais previamen-
te descritos para as capitais paraibana e gaúcha em outros estudos prosódicos (Cunha,
2005; Silvestre, 2012; Castelo, 2016) também se manifestam em orações desgarradas ou
se são neutralizadas pela especicidade da estrutura sintática.
3 Aparato teórico-metodológico
3.1 Fonologias Prosódica e Entoacional
Na esteira de muitos estudos já feitos para o PB (Frota e Vigário,2000; Tenani,
2002; Fernandes, 2007; Serra, 2009; Fonseca, 2010; Frota et al., 2015; Frota e Moraes,
2016; Silvestre, 2021; entre outros), que lançam mão da visão integrada entre as fono-
logias de base prosódica, a análise aqui empreendida se fundamenta nos pressupostos
teóricos da Fonologia Prosódica (Nespor e Vogel, 2007) para delimitar o nível analisado
– o sintagma entoacional (Ip) – e nos pressupostos do Modelo Autossegmental e Métrico
(Am) da Fonologia Entoacional (Pierrehumbert, 1980; Ladd, 2008) para a descrição dos
contornos entoacionais.
O modelo Am pressupõe que a organização dos contornos entocionais está rela-
cionada à estrutura prosódica e que tais contornos são descritos como uma sequência de
eventos alocados em pontos especícos na cadeia segmental, os quais podem ser consti-
tuídos por tons altos – H (High) – ou baixos – L (Low) – e formam acentos tonais e tons
de fronteira. Os acentos tonais são associados à sílaba tônica, marcados com um asterisco
(*), e os tons de fronteira, por sua vez, podem estar associados a fronteiras de domínios
prosódicos e são indicados pelo símbolo % ao m.
A alusão a domínios prosódicos e a fronteiras de constituintes nos conduz a pos-
tulados teóricos da Fonologia Prosódica (Nespor e Vogel, 2007), os quais assumem que
a fonologia possui organização própria e que o uxo da fala é estruturado de forma hie-
rárquica, em constituintes prosódicos que são o domínio de aplicação de regras fonoló-
gicas. De acordo com a teoria, há sete constituintes prosódicos – pé, sílaba, grupo clítico,
palavra prosódica, sintagma entoacional, sintagma fonológico e enunciado – e os dois
constituintes mais altos, o sintagma entoacional (IP – Intonational Phrase) e o enunciado
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(U – Uerance) são os domínios de um contorno entoacional e de signicado, respec-
tivamente. Essa informação que nos é importante, porque assumiremos como hipóte-
se, assim como Silvestre (2021), que as orações desgarradaso independentes porque
formam um IP e um U à parte, diferentemente do que ocorre com as orações adverbais
formalmente anexadas à matriz, que são um Ip, mas não um U.
Portanto, assumimos os pressupostos da Fonologia Prosódica na consideração de
que todas as orações analisadas correspondem a um IP e, observando para este domínio,
descreveremos os contornos entoacionais de acordo com os postulados da Fonologia
Entoacional.
3.2 Corpus e metodologia
Assim como em Silvestre (2021), que analisou dados do dialeto carioca, o corpus
deste estudo foi montado, a m de que fosse realizada uma análise comparativa entre
orações adverbiais anexadas formalmente à matriz (canônicas) e orações adverbiais des-
garradas.
O corpus, como um todo, foi composto de 30 orações adverbiais bases: 15 que fa-
zem parte de estruturas complexas – com orações adverbiais anexadas à oração matriz e
outras 15, correspondentes, desgarradas. A leitura de cada oração foi feita três vezes por
duas informantes de cada localidade, a m de conrmar a regularidade das características
prosódicas apresentadas na fala dos indivíduos.
Uma vez que a recolha de dados dos falares aqui estudados se deu a partir de 2020,
em épocas de pandemia, as gravações foram feitas remotamente e cada informante uti-
lizou os microfones de seu computador ou celular. Sabemos que o não controle destas
ferramentas não é o ideal em termos de análise acústica, mas era o que se podia realizar
para dar continuidade à pesquisa3 e, assim, solicitamos às informantes que as gravações
fossem feitas em ambiente o mais silencioso possível.
As informantes, então, receberam slides com o comando do que deveria ser reali-
zado, nos quais eram apresentados contextos representativos de situações, em que tanto
orações adverbiais anexadas à matriz quanto orações desgarradas poderiam ocorrer. Com
este material, em que as orações foram apresentadas aleatoriamente, foi solicitado que,
após a leitura silenciosa dos contextos, somente as orações-alvo (em negrito) fossem lidas
para a gravação, conforme se exemplica a seguir:
3 Os aparelhos ideais – microfone e gravador prossonais – estavam no laboratório da Universidade e, à
época, não puderam ser acessados.
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[Contexto: Sua irmã, a Joelma, tem mania de querer tudo. Vive sonhando em comprar
muitos presentes, viajar pelo mundo inteiro. Lembrando disso, na companhia de uma
amiga que vai jogar na loteria, você comenta:]
Se a Joelma ganhasse na loteria, ia fazer tudo isso.
[Contexto: Sua irmã, a Joelma, tem mania de querer tudo. Vive sonhando em comprar
muitos presentes, viajar pelo mundo inteiro. Lembrando disso, na companhia de uma
amiga que vai jogar na loteria, você comenta:]
Se a Joelma ganhasse na loteria...
A seguir, descrevemos as outras orações adverbiais analisadas, elucidadas por dife-
rentes contextos:
[Se o Ricardo desejasse]IP
[Se o Diogo conseguisse]IP
[Quando o Fábio me chamasse]IP
[Quando a Ana apontasse] IP
[Quando a Carla imagina]IP
[Já que o Lázaro desejava]IP
[Já que o Leandro o procura]IP
[Já que a Marina gostaria]IP
[Pra aprovar os alunos]IP
[Pra conquistar a garota]IP
[Pra enviar os pedidos]IP
[Embora a Vera suplicasse]IP
[Embora a Lúcia o tentasse]IP
[Embora a Carmen a quisesse]IP
[Se a Joelma ganhasse]IP
[Se o Ricardo desejasse o emprego]IP
[Se o Diogo conseguisse o trabalho]IP
[Quando o Fábio chamasse ao escritório]IP
[Quando a Ana apontasse a janela]IP
[Quando a Carla imagina as tragédias]IP
[Já que Lázaro desejava o perigo]IP
[Já que Leandro procura o empregado]IP
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Ao todo, esta pesquisa contou com 720 orações adverbiais – 360 de João Pessoa e
360 de Porto Alegre, divididas equitativamente em relação ao tipo sintático: 180 orações
adverbiais canônicas, anexadas à matriz, e 1800 orações desgarradas. O corpus foi anali-
sado no programa PAT (Boersrma e Weenick, 2015), através do qual foram obser-
vados três parâmetros prosódicos nas orações: contorno melódico, duração e gama de
variação da F0 no nal do sintagma entoacional (Ip) e, além disso, realizamos também a
observação dos tons predominantes no início do Ip, a m de observamos se há diferenças
regionais neste ponto do sintagma. Após a análise, os dados foram traduzidos em tabelas
e em grácos, com o auxílio do programa Excel, para que fosse possível uma melhor ob-
servação dos resultados.
4 Resultados
4.1 Contornos melódicos em orações adverbais anexadas à matriz e em orações
desgarradas
A análise do contorno melódico no m do IP revelou que, em João Pessoa, os resul-
tados diferem do que Silvestre (2021) descreve para o Rio de Janeiro. Nos dados cariocas,
há clara divergência entoacional quanto à estrutura sintática, de modo que as orações
anexadas à matriz apresentam contornos melódicos com fronteira predominantemente
baixa na melodia mínima (L+H*L% e H+L*L%) e orações desgarradas majoritariamente
apresentam o contorno LH*H%, com fronteira alta.
Nos dados pessoenses, por sua vez, as realizações assim se conguram: é predo-
minante, em João Pessoa, o mesmo contorno melódico nal – H+L*LH% –em orações
anexadas à matriz e em orações desgarradas, contorno esse que sintetiza, pela fronteira
bitonal (LH%), a ligeira subida nal, descrita em Lira (2009), como característica do
falar pessoense e descrita por Silvestre (2012) para falares de outras capitais do nordeste
do país. A presença majoritária do mesmo contorno melódico no m de orações anexa-
das à matriz e de orações desgarradas em João Pessoa, contorno esse exemplicado pelas
Figuras 7 e 8, a seguir, vai interessantemente ao encontro do que Silvestre (2021) encon-
trou para a variedade lisboeta.
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Figura 7– Oração adverbial “Pra conquistar a garota” enunciada junto à oração matriz
por informante de João Pessoa
Fonte: elaboração própria (2019).
Figura 8– Oração adverbial desgarrada “Pra conquistar a garota, enunciada por
informante de João Pessoa
Fonte: elaboração própria (2019).
Em Porto Alegre, assim como no Rio de Janeiro, foram majoritariamente obser-
vados contornos melódicos diferentes no m do IP de orações anexadas à matriz e de
orações desgarradas. Entretanto, Silvestre (2021) descreve o contorno L+H*L% (com
fronteira baixa) como mais produtivo de orações anexadas à matriz nos dados do Rio de
Janeiro, ao passo que, para Porto Alegre, o que mais observamos foi o contorno melódico
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LH*HL%, com tom de fronteira bitonal (HL%), tom esse também existente em dados
das orações desgarradas e que pode ser postulado como característica regional, mos-
trando que, ainda que com notação diferente da proposta por Cunha (2005) e Silvestre
(2012), a descida melódica da asserção na capital gaúcha se concentra, de fato, na últi-
ma sílaba pós-tônica do enunciado. Nas orações desgarradas portoalegrenses, é predomi-
nante o mesmo contorno melódico nal descrito para o Rio de Janeiro – LH*H% – (cf.
Silvestre, 2021) e as Figuras 9 e 10, a seguir, exemplicam os achados predominantes na
capital gaúcha:
Figura 9–Oração adverbial “Quando Carla imagina” enunciada junto à oração matriz
por informante de Porto Alegre
Fonte: elaboração própria (2020).
Figura 10– Oração adverbial desgarrada “Quando Carla imagina” enunciada por
informante de Porto Alegre.
Fonte: elaboração própria (2020).
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Nos Grácos 1 e 2, a seguir, sintetizamos o percentual dos contornos melódicos
dos observados no m das orações em João Pessoa e em Porto Alegre:
Gráco 1– Entoação predominante no m do IP em João Pessoa
Fonte: elaboração própria (2021).
Gráco 2 – Entoação predominante no m do IP em Porto Alegre
Fonte: elaboração própria(2021).
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No que concerne à entoação no início das orações, não houve observação de di-
ferenças que caracterizem o fenômeno em estudo, uma vez que os mesmos contornos
são encontrados em orações anexadas à matriz e em orações desgarradas de João Pessoa
e de Porto Alegre. Entretanto, é possível reiterar, através desta observação, característica
regional do falar de João Pessoa que o difere dos falares analisados mais ao sul do país:
no dialeto carioca e no portoalegrense (cf. Figuras 9 e 10), há a predominância dos con-
tornos inicialmente baixos, bitonais (L+H*) ou monotonais (L*). No dialeto pessoen-
se, por sua vez, predominam contornos de ataque alto (H+L*, majoritariamente), o que
vai ao encontro do observado por Cunha (2005) para outras capitais do Nordeste e por
Silvestre (2012) e Castelo (2016) para João Pessoa (cf. Figuras 7 e 8).
4.2 Duração das sílabas nais
A partir da análise dos dados, é possível armar que a duração das sílabas nais
parece, de fato, assim como Silvestre (2021?) encontrou para os dados cariocas, ser um
fator prosódico importante na caracterização do fenômeno do desgarramento. Tanto em
João Pessoa quanto em Porto Alegre, a sílaba pós-tônica de orações anexadas à matriz
é, em média, menor do que a tônica, como esperado em asserções neutras. Nas orações
desgarradas, porém, a duração da última sílaba do enunciado é, em média, maior do que
a duração da sílaba tônica, conforme exemplicam as Tabelas de 1 a 4 e os grácos 3 e 4,
a seguir:
Tabela 1 – Duração das sílabas no m das orações adverbiais anexadas à matriz de João
Pessoa
Duração Média Das Sílabas Da Melodia Mínima – Orações
Anexadas À Matriz – João Pessoa
Pretônica Tônica Postônica
Inf.1 14 22 18,3
Inf.2 16,5 22,5 16
Média 15,2 22,2 17,1
Fonte: elaboração própria(2021).
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Tabela 2– Duração das sílabas no m das orações adverbiais desgarradas de João Pessoa
Duração Média Das Sílabas Da Melodia Mínima – Orações
Desgarradas – João Pessoa
Pretônica Tônica Postônica
Inf.1 17,3 25,3 31,6
Inf.2 15,5 22 24,5
Média 16,4 23,6 28
Fonte: elaboração própria (2021).
Tabela 3 – Duração das sílabas no m das orações adverbiais anexadas à matriz de
Porto Alegre
Duração Média Das Sílabas Da Melodia Mínima – Orações
Anexadas À Matriz – Porto Alegre
Pretônica Tônica Postônica
Inf.1 18 23 23
Inf.2 19 23 22
Média 18,5 23 22
Fonte: elaboração própria (2021).
Tabela 4–Duração das sílabas no m das orações adverbiais desgarradas de Porto Alegre
Duração Média Das Sílabas Da Melodia Mínima – Orações Desgarradas
– Porto Alegre
Pretônica Tônica Postônica
Inf.1 18 28 31
Inf.2 15 24 25
Média 16,5 26 28
Fonte: elaboração própria (2021).
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Gráco 3– Duração das sílabas no m do IP de orações adverbiais anexadas à matriz e
de orações desgarradas em João Pessoa
Fonte: elaboração própria(2021).
Gráco 4– Duração das sílabas no m do IP de orações adverbiais anexadas à matriz e
de orações desgarradas em Porto Alegre
Fonte: elaboração própria(2021).
Ressaltamos que os dados aqui são preliminares, uma vez que, por ora, temos re-
sultados relativos à fala de apenas duas informantes de cada localidade, porém a duração
da sílaba pós-tônica nal (em média, 22% maior em orações desgarradas de João Pessoa
e 7% maior em orações desgarradas de Porto Alegre) indica que este parâmetro prosó-
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dico, apontado por Silvestre (2021) como principal caracterizador do desgarramento na
fala de cinco informantes caricocas e de cinco informantes lisboetas, é importante para
a materialização do fenômeno em estudo.É interessante ainda notar que a diferença de
duração entre orações anexadas à matriz e orações desgarradas em Porto Alegre, em que
as informantes se utilizam de diferentes contornos melódicos na produção dos diferentes
padrões sintáticos, é consideravelmente menor do que a registrada em João Pessoa, em
que o mesmo padrão melódico é registrado na produção das duas estruturas sintáticas
em análise, o que nos leva à necessidade de estudos futuros em que se possam, provavel-
mente, hierarquizar as estratégias prosódicas utilizadas para a realização do fenômeno
sintático do desgarramento, levando em conta à localidade a que o falante pertence.
4.3 Gama de variação da F0
No que tange à gama de variação da F0, Silvestre (2021) parte da hipótese de que
poderia haver variação maior em dados de desgarramento, uma vez que eles são, neces-
sariamente, procedidos de pausa e que, de acordo com Barros (2014), nas fronteiras em
que a concentração de pausas é maior, é também maior a gama de variação de F0. Os
resultados da autora, entretanto, não mostram diferença relevante entre desgarradas e
não desgarradas para o dialeto carioca e o mesmo pode ser observado nos dados por-
toalegrenses estudados até momento. Em João Pessoa, porém, a gama de variação da F0
das desgarradas apresentou uma porcentagem consideravelmente maior do que a das não
desgarradas, o que pode ser um indicativo da materialização do fenômeno nesta varie-
dade do português que, inclusive, não diferenciou as estruturas sintáticas pelo contorno
melódico (cf.4.1). Reiteramos, porém, que tal armação é bastante preliminar, sendo ne-
cessária uma análise de um número maior de dados, de diferentes informantes, referen-
ciados por análise estatística acurada. Os Grácos 5 e 6, a seguir, sintetizam os resultados
encontrados até o momento:
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Gráco 5– Gama de Variação de F0 no m do IP de orações anexadas à matriz de orações desgarradas de João Pessoa
Fonte: elaboração própria (2021)
Gráco 6 – Gama de Variação de F0 no m do IP de orações anexadas à matriz de orações desgarradas de Porto Alegre
Fonte: elaboração própria(2021).
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Não podemos, ainda, tecer armações mais contundentes sobre a importância des-
te parâmetro para a diferenciação regional. OS resultados iniciais, porém, sugerem que a
a maior gama de variação pode caracterizar o falar pessoense.
5 Conclusões
Nossa análise da materialização prosódica de orações adverbiais desgarradas em
contraponto à materialização de orações anexadas formalmente à matriz mostrou que,
assim como observado por Silvestre (2021) para o Rio de Janeiro, há pistas prosódicas
que atuam na caracterização das orações desgarradas em diferentes dialetos do português
e que o comportamento da duração nas sílabas nais se revela como elemento comum e
importante na verbalização do desgarramento.
Nos dados portalegrenses, além do alongamento das sílabas nais, as orações des-
garradas também foram majoritariamente caracterizadas por um padrão melódico ascen-
dente no m do IP (LH*H%), entretanto, cabe mencionar que o mesmo contorno pre-
dominante em orações anexadas à matriz (LH*HL%) foi também produtivo em dados de
desgarramento, o que pode ser indicativo de característica regional, já descrita em outros
trabalhos (Cunha, 2005; Silvestre, 2012) e que merece ser mais bem investigada.
Diferentemente dos resultados obtidos para o Rio de Janeiro e para Porto Alegre
até o momento, em João Pessoa o mesmo padrão melódico foi predominante em todas as
estruturas –anexadas à matriz e desgarradas–, o que se assemelha ao que Silvestre (2021)
descreveu para dados do Português Europeu e o que dá consistência à hipótese de que ca-
racterísticas regionais são observadas também em dados de desgarramento, mesmo sendo
uma estrutura sintática tão especíca. Além disso, a predominância de tons descendentes
no início do IP (H+L*) e a pequena subida melódica consistentemente observada na
última sílaba pós-tônica dos enunciados proferidos pelas informantes pessoenses se ali-
nham a observações já feitas por Lira (2009) e por Silvestre (2012) sobre características
entoacionais de dialetos do nordeste do país e se colocam como uma pista importante
para a caracterização do falar de João Pessoa.
Os resultados preliminares obtidos até aqui para João Pessoa e para Porto Alegre
ajudam-nos a esboçar um mapa sobre a materialização de estruturas desgarradas em
dialetos do PB. Tal esboço concentra-se apenas na melodia mínima de tais estruturas – a
melodia observada nas sílabas nais do IP –, e nos permite iniciar uma visualização sobre
a relação entre sintaxe especíca e diferenças prosódicas regionais.
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Figura 11– Mapa preliminar da melodia mínima de orações desgarradas em dialetos do PB
Fonte: elaboração própria (2021).
Os resultados preliminares que apresentamos apontam que, ainda que o fenômeno
sintático do desgarramento se materialize, em todos os dialetos estudados até o momen-
to, pela necessidade de maior peso fonológico no m das orações (peso esse majoritaria-
mente concedido pelo alongamento das sílabas nais no m do IP), as idiossincrasias dos
falares brasileiros estão diluídas na prosódia e não parecem ser neutralizadas pela sintaxe
especíca das desgarradas.
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Data de submissão: 22/12/2022
Data de aceite: 13/03/2023
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Research
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Intonation is the use of phonetic features, namely pitch, to express phrase-level meanings in ways that are linguistically structured (Gussenhoven 2007, Ladd 2008, a.o). The roles played by intonation in language have long been described in terms of three main functions of intonation (e.g. Halliday 1967): demarcation, that is the chunking or phrasing of the speech stream into intonation­based units; highlighting, that is the placement of prominence within an utterance; and the distinction of utterance types, i.e. statements, questions, imperatives, vocatives. Grammaticalizations of all or some of these functions may be found in different languages, with different realizations, and define the language-specific phonology of intonation. In this chapter, we describe the intonation system of Portuguese, concentrating on the analysis of the three main functions of intonation. The framework adopted is the auto-segmental metrical theory of intonational phonology (e.g., Gussenhoven 2004; Ladd 2008; Jun 2005, 2014), along the lines of previous descriptions of the intonation of Brazilian and European Portuguese (Viana 1987; Frota 1997, 2000, 2002, 2014; Mata 1999; Frota & Vigário 2000, 2007; Tenani 2002; Fernandes 2007a,b; Moraes 2008; Serra 2009, inter alia). We begin by the chunking function of intonation in section 2, where intonational phrasing in Portuguese is described. Tonal marking of intonational phrases is discussed, as well as the distribution of tonal events within the intonational phrase. Other levels of prosodic phrasing that are intonationally relevant are also discussed. Section 3 addresses the highlighting function of intonation in Portuguese, namely the strategies used to mark focus prosodically. Several strategies are discussed, like pitch accent placement, pitch accent type, phrasing markers, expanded pitch range for the focal accent, pre-focal and post-focal deaccenting or pitch range compression. Section 4 is devoted to the contribution of intonation to sentence type distinctions. The nuclear contours of four main sentence types are described: statements, questions (wh-questions and yes-no questions), imperatives (commands and requests), and vocatives (greeting call and insistent call). Together with a basic intonational inventory of pitch accents and boundary tones, other key features of the intonation system of Portuguese are discussed, namely the ways the language explores tonal alignment to convey meaning distinctions and the preferred tune-text accommodation strategies. Unless otherwise stated, the present chapter is based on the description of a single variety: the Lisbon variety for European Portuguese (hereafter EP), and the Rio de Janeiro variety for Brazilian Portuguese (hereafter BP). In section 5, we provide a summary description of the main dimensions of variation across varieties of Portuguese, covering the data available for different European and Brazilian varieties. Finally, section 6 discusses the intonation of Portuguese within the Romance space, from a typological perspective.
Article
Thesis (Ph.D.)--Massachusetts Institute of Technology, Dept. of Linguistics and Philosophy, 1980. MICROFICHE COPY AVAILABLE IN ARCHIVES AND HUMANITIES. Bibliography: leaves 246-253. by Janet Breckenridge Pierrehumbert. Ph.D.
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Por uma abordagem da (in) dependência de cláusulas à luz da noção de "unidade informacional
  • M B N Decat
DECAT, M. B. N. Por uma abordagem da (in) dependência de cláusulas à luz da noção de "unidade informacional". Scripta (Lingüística e Filologia), v. 2, n. 4, Belo Horizonte: PUC Minas, 1º sem. 1999b, p. 23-38, 1999.
Estruturas Desgarradas em Língua Portuguesa. Campinas: Pontes Editora
  • M B Decat
DECAT, M. B. N. Estruturas Desgarradas em Língua Portuguesa. Campinas: Pontes Editora, 2011.
focalização e preenchimento em português: sintaxe e prosódia. Tese de Doutorado em Lingüística. Campinas: LEL/UNICAMP
  • F R Fernandes
  • Ordem
FERNANDES, F. R. Ordem, focalização e preenchimento em português: sintaxe e prosódia. Tese de Doutorado em Lingüística. Campinas: LEL/UNICAMP, 2007.