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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Fernando Miramontes Forattini
O Novo Leviatã:
A Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo no Brasil
São Paulo
2022
FERNANDO MIRAMONTES FORATTINI
O Novo Leviatã:
A Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo no Brasil
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de DOUTOR em
História Social, sob a orientação da Profa.
Dra. Carla Reis Longhi.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profa. Dra. Carla Reis Longhi (PUC-SP)
___________________________________________________
Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant’Anna (PUC-SP)
___________________________________________________
Profa. Dra. Vera Chaia (PUC-SP)
___________________________________________________
Prof. Dr. Dain Borges (Universidade de Chicago)
___________________________________________________
Prof. Dr. Marco Garrido (Universidade de Chicago)
O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – código de
Financiamento 001 – que possibilitou a confecção desta tese.
O presente trabalho também foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior para Bolsa de “Doutorado
Sanduíche” (CAPES-PDSE), um privilégio e honra.
Agradecimentos
Agradeço minha mãe, aos meus filhos de quatro patas e à Laura Cury pelo apoio e
incentivo. À minha orientadora Carla Reis Longhi pelas leituras e amizade há mais de 6
anos. Na Universidade de Chicago pude encontrar pessoas que me ofereceram imenso
suporte, como Natalie Arsenault. Agradeço ao Prof. Dain Borges, pelas conversas, dicas
de leituras e escrota e apoio em garantir que eu chegasse a Chicago. Ao professor e amigo
Marco Garrido pela sua orientação e debates sobre a influência e possíveis
reinterpretações sobre o tópico da corrupção, bem como seu esforço e incentivo à minha
carreira. Ao professor Antonio Pedro Tota pelas recomendações na qualificação.
Agradeço ao professor Robert Karl da Temple University pela leitura e cotutoria
em capítulo desta tese em workshop em que fui selecionado pelo Center for the Study of
Force and Diplomacy, em 2020. À professora Marina Zaloznaya (University of Iowa) e
Nicholas Hoover Wilson (Stony Brook University) pela amizade e apoio em minha
carreira acadêmica. À professora Denise Bernuzzi Sant’Anna pelas aulas e apoio em
minha busca de ampliar meus estudos; e à professora Vera Chaia pelas aulas, conversas
e amizade. Aos amigos feitos na PUC-SP, como Bruno Miranda Braga, Bruno Andreotti
e Fábio Adorno; aos amigos feitos em curso na Transparency International School
(Lituânia, 2019), Economy of Francesco (Itália, 2020), NonViolence International-NY e
na Cátedra Otávio Frias Filho (Instituto de Estudos Avançados/USP e Folha de S. Paulo).
Sei que sou obrigado a agradecer às agências de fomento, mas aqui faço de coração.
Em tempos difíceis à educação brasileira, os funcionários de órgãos como CAPES e
CNPq conseguiram auxiliar milhares de pesquisadores.
Resumo
Essa tese explora o relacionamento entre o discurso e a agenda anticorrupção no Brasil,
durante o período de 1945 a 1964, e a implementação de medidas político-econômicas de
racionalidade neoliberal, bem como suas implicações no arranjo político-social do país e
na cultura política brasileira. Proponho uma nova forma de se entender o tópico da
corrupção, não mais como um instrumento de manipulação social, mas como elemento
dotado de racionalidade que vai além da ideia de instrumentalização política, pois é parte
da essência neoliberal. Para isso, utilizo a perspectiva proposta por novos estudos que
identificam os princípios do neoliberalismo já no pós 1ª Guerra Mundial como forma de
conter aspirações sociais e o intervencionismo estatal. Trata-se de ideologia conservadora
que assim como utiliza a austeridade para alcançar seus objetivos (Mattei 2022), também
utiliza a agenda anticorrupção, seu braço moralista e, pretensamente, técnico. Sendo
conservadora, ela consegue, para alcançar seus objetivos, coadunar-se com outras formas
de conservadorismos, como ocorreu no golpe civil-militar de 1964. A partir dessa
reconfiguração teórica, podemos entender a agenda anticorrupção como meio de se
combater qualquer modelo de planificação estatal, ao mesmo tempo que o busca diminuir
ao representá-lo como corrupto e corruptor, bem como qualquer classe ligada a ela. Por
outro lado, esse discurso será utilizado para proteger e expandir o “mercado livre”,
pretensamente isento das disputas políticas, movidos pela eficiência da “mão livre” e, por
isso, livre de corrupção. O tema da anticorrupção também possui outra agenda, como a
necessidade de legislação e regulação para conter fraudes no setor privado e na formação
de trustes, visando não só suprir um dos maiores problemas do Brasil, a falta de divisas
para investimento, como gradualmente eliminar o poder de decisões governamentais em
favor de créditos privados e investimentos diretos pela Bolsa de Valores que se
consolidará como fonte de poder e investimento à medida que as regulações pró-mercado
se implementam no país. Apesar disso, mostro que estes eram regramentos sem dentes,
pois nenhum ator será punido, mas o discurso de um mercado regrado era obtido, fazendo
contraponto à percepção negativa de um Estado corrupto. Essa teorização e metodologia
que aqui proponho permite investigar não só a seletividade presente nos discursos
políticos anticorrupção, mas entender que há racionalidade por trás desses discursos e
agenda, permitindo que se investigue casos de corrupção privada pela mesma ótica e no
mesmo trabalho, antes estudados em separado, mas que agora pois agora fazem parte do
mesmo arcabouço teórico-metodológico: a implementação do neoliberalismo no Brasil.
Palavras-chave: agenda anticorrupção; neoliberalismo; conservadorismo; mercado
livre; intervenção estatal; corrupção pública; corrupção privada.
Abstract
This thesis explores the relationship between the discourse and the anti-corruption agenda
in Brazil, during the period from 1945 to 1964, and the implementation of political-
economic measures of neoliberal rationality, as well as their implications in the political-
social arrangement of the country and in the political culture Brazilian. I propose a new
way of understanding the topic of corruption, no longer as an instrument of social
manipulation, but as an element endowed with rationality that goes beyond the idea of
political instrumentalization, as it is part of the neoliberal essence. For this, I use the
perspective proposed by new studies that identify the principles of neoliberalism already
in the post 1st World War as a way to contain social aspirations and state intervention. It
is a conservative ideology that just as it uses austerity to achieve its goals (Mattei 2022),
it uses the anti-corruption agenda, its moralist and, allegedly, technical arm. Being
conservative, it manages, in order to achieve its objectives, to harmonize with other forms
of conservatism movements, as occurred in the civil-military coup of 1964. From this
theoretical reconfiguration, we can understand the anti-corruption agenda as a means of
combating any model of state planning, while seeking to diminish it by representing it as
corrupt, as well as any class linked to it. On the other hand, this discourse will be used to
protect and expand the “free market”, allegedly exempt from political disputes, driven by
the efficiency of the “free hand”. The issue of anti-corruption also has another agenda,
such as the need for legislation and regulation to contain fraud in the private sector and
in the formation of trusts, aiming not only to overcome one of the biggest problems in
Brazil, the lack of foreign exchange for investment, but also to gradually eliminate the
power of the government in making decisions, in favor of private rationale via private
credits and direct investments in the Stock Exchange, which will consolidate itself as a
source of power and investment as pro-market regulations are implemented in the
country. I show that these were toothless regulations, as no actor will be punished, but the
discourse of a regulated market was obtained, counterpointing the negative perception of
a corrupt State. This theorization and methodology that I propose here allows us to
investigate not only the selectivity present in anti-corruption political discourses, but also
to understand that there is rationality behind these discourses and agenda, allowing the
investigation of cases of private corruption through the same perspective and in the same
work, previously studied in separated, but which are now part of the same theoretical-
methodological framework: the implementation of neoliberalism in Brazil.
Keywords: anti-corruption agenda; neoliberalism; conservatism; free market; state
intervention; public corruption; private corruption.
Abreviaturas e siglas
ACRJ – Associação Comercial do Rio de Janeiro
ADR – American Depository Receipts
AGU – Advocacia Geral da União
AIG – American International Group
AMFORP – American & Foreign Power Company
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BANESPA – Banco do Estado de S. Paulo
BB – Banco do Brasil
BC (Bacen) – Banco Central
BDR – Brazilian Depositary Receipts
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
BVRJ – Bolsa de Valores do Rio de Janeiro
CACEX – Carteira de Comércio Exterior
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CAN – Comissão de Abastecimento do Nordeste
CCJ – Comissão de Constituição e Justiça
CCP – Comissão Central De Preços
CD – Câmara dos Deputados
CEXIM – Carteira de Exportação e Importação do Banco de Brasil
CF – Constituição Federal
CFAP – Comissão Federal de Abastecimento e Preços
CIA – Central Intelligence Agency
CMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
CMN – Conselho Monetário Nacional
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria
COFAP – Conselho de Financiamento à Atividade Produtiva
CONESP – Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de
Serviços Públicos
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
CVM – Comissão de Valores Imobiliários
CVRD – Companhia Vale do Rio Doce
DAC – Diretoria Aeronáutica Civil
DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público
DCN – Diário do Congresso Nacional
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
DNOCS – Departamento Nacional de Obras contra a Seca
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
ESG – Escola Superior de Guerra
EUA – Estados Unidos da América
EXIMBANK – Export-Import Bank of the United States
FBI – Federal Bureau of Investigation
FGC – Fundo Garantidor de Créditos
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FMI – Fundo Monetário Internacional
FPN – Frente Parlamentar Nacionalista
GRU – Guias de Recolhimento
IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
IAPB – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários
IAPFESP – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados
em Serviços Públicos
IAPM – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBC – Instituto Brasileiro do Café
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado
IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo
IPES – Instituto de Pesquisas Estudos Sociais
IPM – Inquérito Policial-Militar
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISI – Industrialização por Substituição de Importação
ITT – International Telephone & Telegraph
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
LSN – Lei de Segurança Nacional
MCN – Mensagem Ao Congresso Nacional
MPF – Ministério Público Federal
NOVACAP – Companhia Urbanizadora da Nova Capital
NYT – New York Times
OEA – Organização dos Estados Americanos
OESP – O Estado de S. Paulo
OG – O Globo
OIs – Organizações Internacionais
ONU – Organização das Nações Unidas
OPS – Office of Price Stabilization
PAEG – Programa de Ação Econômica do Governo
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PEC – Proposta de Emenda à Constituição
PEI – Política Externa Independente
PEM – Plano de Estabilização Monetária
PIB – Produto Interno Bruto
PSD – Partido Social Democrático
PSP – Partido Social Progressista
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PVC – Promessa da Venda de Câmbio
SAPS – Serviço de Alimentação da Previdência Social
SEC – Securities and Exchange Commission
SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia
SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
STF – Supremo Nacional Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUMOC – Superintendência da Moeda e Crédito
TCU – Tribunal de Contas da União
TRE – Tribunal Regional Eleitoral
UDN – União Democrática Nacional
UNE – União Nacional dos Estudantes
USAID – United States Agency for International Development
Lista de Figuras
Figura 1. Cena: protocolação do pedido de impeachment na chegada da Marcha pela
Liberdade ...................................................................................................................... ii
Figura 2. Os 10 Homens mais Desonestos do Brasil ..................................................... iv
Figura 3. O PowerPoint de Dallagnol ........................................................................... iv
Figura 4. As marchas: Marcha da Família com Deus pela Liberdade: impeachment
Goulart.......................................................................................................................... v
Figura 5. Os heróis anticorrupção: Jânio ........................................................................ v
Figura 6. Os heróis anticorrupção: Militares em 64........................................................... v
Figura 7. As marchas: Marcha da Liberdade: impeachment de Dilma Rousseff ............. v
Figura 8. “Capitão Bolsonaro” ...................................................................................... v
Figura 9. Os heróis anticorrupção: Moro e Lava Jato .......................................................... v
Figura 10. Ênfase em corrupção em manifestos partidários no mundo (1940-2010) .... viii
Figura 11. Presença absoluta do termo corrupção na grande mídia (década de 1940 a
2010) ......................................................................................................................... xix
Figura 12. Presença de corrupção em Manifestos Partidários e Programas de Governo
.................................................................................................................................. xix
Figura 13. Barra de preponderância de tópicos nos principais programas de governo: 1989-
2019 ............................................................................................................................ xx
Figura 14. La Trahison des images (A Traição das Imagens), adaptado ..................... xxii
Figura 15. Movimento histórico discursivo e conceitual da agenda anticorrupção .... xxiii
Figura 16. Presença do Tema da Corrupção nos Dois Principais Jornais até a Década de
1990 em São Paulo (OESP) e Rio de Janeiro (O Globo) .............................................. 28
Figura 17. De Pintura Nem Tintura ............................................................................. 34
Figura 18. Presente de Grego... ................................................................................... 41
Figura 19. Rigoroso Inquérito do BB .......................................................................... 51
Figura 20. E Agora, "Seu" Moço? ............................................................................... 53
Figura 21. Uma capa da Tribuna da Imprensa no pico das acusações ........................... 55
Figura 22. Propaganda Política de Jânio à Prefeitura de São Paulo: “O Tostão Contra o
Milhão” ...................................................................................................................... 56
Figura 23. A simbiose estrutural e circunstancialmente condicionada .......................... 56
Figura 24. O Plano Klein-Saks no Chile ...................................................................... 65
Figura 25. A traição de Vargas .................................................................................... 69
Figura 26. Getúlio Servindo os EUA ........................................................................... 69
Figura 27. Suicidou-se Getúlio Vargas ........................................................................ 70
Figura 28. Vargas em confusão, enforca-se: “Tá difícil”.............................................. 71
Figura 29. Bolsa de Valores do Rio de Janeiro: Distribuição do Volume Negociado (1894-
1954) .......................................................................................................................... 77
Figura 30. Depredação de carros do jornal O Globo .................................................... 80
Figura 31. Barricadas após o suicídio de Vargas .......................................................... 80
Figura 32. Capa do jornal Tribuna da Imprensa 07/08/1955 ........................................ 90
Figura 33. Um Ano de Espera ..................................................................................... 90
Figura 34. Escrita ...................................................................................................... 118
Figura 35. Tiro ao Pombo ......................................................................................... 119
Figura 36. O "Avião" de Lúcio Costa, Projeto Vencedor – Imagem 1 ........................ 123
Figura 37. O "Avião" de Lúcio Costa, Projeto Vencedor – Imagem 2 ........................ 123
Figura 38. Furando o Plano de Estabilização da Moeda ............................................. 125
Figura 39. Notícias sobre a mudança da Capital, janeiro de 1958-abril de 1961 ......... 132
Figura 40. Evolução do Discurso Detrator sobre Brasília, jan. de 1958 – abril de 1961
................................................................................................................................. 133
Figura 41. Vila IAPI ................................................................................................. 135
Figura 42. Habitação em terreno cedido .................................................................... 135
Figura 43. Residências improvisadas ......................................................................... 135
Figura 44. Igreja improvisada nas cidades satélites .................................................... 135
Figura 45. % Volume de Títulos Negociados das Ações de Cias de Transporte na BVRJ
................................................................................................................................. 141
Figura 46. Investimentos Estrangeiros sem cobertura cambial 1962 .......................... 151
Figura 47. Investimento Direto 1950-1972 (em milhões de US$) .............................. 152
Figura 48. Espaço incomum a órgão burocrático (fac-símile) .................................... 153
Figura 49.% das categorias mais citadas em todos os jingles presidenciais (1930-2018)
................................................................................................................................. 161
Figura 50. “Corrupção” por Eleição em relação ao número total de versos (1930-2018)
................................................................................................................................. 162
Figura 51. Mussolini e Maciste ................................................................................. 163
Figura 52. Contracapa do "Super-Jânio" em “Jânio Quadros - Homem do Povo” ...... 166
Figura 53. A construção do “herói”: a "recuperação moral" e a ligação com o povo .. 166
Figura 54. O "surgimento" da vassoura ..................................................................... 167
Figura 55. A moralização do Estado e da máquina burocrática .................................. 167
Figura 56. Capa de Jânio Quadros - Homem do Povo - Quadrinhos........................... 168
Figura 57. Jânio, A Esperança do Brasil .................................................................... 168
Figura 58. Campanha de Carvalho Pinto em 1958 ..................................................... 171
Figura 59. Mania de Perseguição ............................................................................... 172
Figura 60. Se eu fosse juiz......................................................................................... 176
Figura 61. Muito Forte a Reza de Jânio ..................................................................... 176
Figura 62. Pagando a Conta ...................................................................................... 177
Figura 63. Caixas de fósforo Jânio e JK (frente) ........................................................ 177
Figura 64. Caixas de fósforo Jânio e JK (verso) ......................................................... 178
Figura 65. A Loucura de Brasília .............................................................................. 178
Figura 66 Brasilina, com as Iaras carregadas em maca .................................................. 179
Figura 67. Doutor com a vassoura como remédio ...................................................... 179
Figura 68 Festa geral com o povo dançando com o remédio da Vassorissilina ........... 179
Figura 69. A vassoura do povo .................................................................................. 180
Figura 70. Material de Campanha da Tribuna da Imprensa apoiando Jânio, Lacerda e
Campos ..................................................................................................................... 182
Figura 71. Compra de Votos por Lott e JK ................................................................ 183
Figura 72. Ronald Golias e Jânio ............................................................................... 186
Figura 73. Pijânio ...................................................................................................... 190
Figura 74. Capa Jornal da Tarde ................................................................................ 195
Figura 75. Primeiras Medidas .................................................................................... 197
Figura 76. ... RUA! ................................................................................................... 199
Figura 77. Menos um peão ........................................................................................ 200
Figura 78. Exemplo de representação popular do IBAD em desenhos políticos ......... 204
Figura 79. Petróleo é nosso ....................................................................................... 204
Figura 80. A Volta do Mar de Lama .......................................................................... 205
Figura 81. Obscurantista ........................................................................................... 206
Figura 82. Encampações e Ajuda Estadunidense ....................................................... 209
Figura 83. Manifestação Popular ............................................................................... 210
Figura 84. Seja Bem-vinda ao Brasil ......................................................................... 214
Figura 85. Jaguar e o Dia dos Namorados ................................................................. 216
Figura 86. Segundo objetivo: corrupção .................................................................... 216
Figura 87. Cassação de Mandatos: políticos .............................................................. 216
Figura 88. Dedetização nos Sindicatos [s/n] .............................................................. 216
Figura 89. Estudantes [s/n] ........................................................................................ 216
Figura 90. Golpe Final .............................................................................................. 217
Figura 91. As listas ................................................................................................... 218
Figura 92. Jaguar e o "Dedo-Duro" ........................................................................... 218
Figura 93. Jaguar e o Monumento ao Dedo-Duro ...................................................... 218
Figura 94. "Olha o DROPS!" .................................................................................... 219
Figura 95. Jaguar e as Revistas Imorais ..................................................................... 221
Figura 96. Jaguar e os Depredadores de UH .............................................................. 222
Figura 97. Jaguar e o Centauro .................................................................................. 222
Figura 98. O Herói da Arena ..................................................................................... 223
Figura 99. Armadura e Proteção [s/n] ........................................................................ 223
Figura 100. Progresso e Revolução [s/n] ................................................................... 224
Figura 101. Os "democráticos" .................................................................................. 224
Figura 102. Revolução e Legalismo [s/n] .................................................................. 224
Figura 103. Triste Herança ........................................................................................ 224
Figura 104. Problema ................................................................................................ 226
Figura 105. Limpeza Pública [s/n] ............................................................................. 226
Figura 106. Onde enfio minha cara? .......................................................................... 227
Figura 107. Sombra do Passado ................................................................................ 228
Figura 108. A Dança do Cisne................................................................................... 228
Figura 109. Jaguar e as Consequências ...................................................................... 228
Figura 110. 1º de Abril .............................................................................................. 230
Figura 111. Estranha Proteção ................................................................................... 230
Figura 112. Contando nos dedos ............................................................................... 230
Figura 113. Antes tarde que nunca ............................................................................ 232
Figura 114. Evolução da Taxa do Dólar (1944-1967) ................................................ 233
Figura 115. O governo nacionalista entrega um porto exclusivo à um truste .............. 236
Figura 116. Jaguar e a Compra das Concessionárias .................................................. 240
Figura 117. Cabala Eleitoral ...................................................................................... 297
Figura 118. Vertentes sobre corrupção em Jornais e Revistas na BND em % de todas as
páginas publicadas .................................................................................................... 299
Figura 119. Vertentes sobre corrupção no jornal OESP ............................................. 300
Figura 120. O diabo é a corrupção eleitoral: “Na cozinha política” ............................ 301
Lista de Tabelas
Tabela 1. Crescimento do Mercado Externo e Interno de Vendas de Produtos
Manufaturados .............................................................................................................. 6
Tabela 2. Tabela de Licenças Adquiridas e Utilizadas ................................................. 35
Tabela 3. Indicadores Econômicos 1950-1954............................................................. 46
Tabela 4. Relação de Grupos Midiáticos Devedores de Órgãos Públicos Pedido por
Vargas (1953) ............................................................................................................. 52
Tabela 5. Movimento Anual de Câmbio 1953-1956 .................................................... 82
Tabela 6. Breve comparação das principais posses declaradas de Juscelino em 1955 e
1962 ............................................................................................................................ 94
Tabela 7. Resultados das Eleições Gerais para o Congresso Nacional (1945, 1950 e 1954)
................................................................................................................................. 100
Tabela 8. Indicadores Econômicos do Governo Juscelino (1956-1960) ..................... 111
Tabela 9. Pressão Inflacionária na Década de 1960 ................................................... 112
Tabela 10. Plano de Metas, estimativa de investimento, 1957-1961 em bilhões de Cr$
................................................................................................................................. 114
Tabela 11. Plano de Metas, Previsão e Resultados ..................................................... 115
Tabela 12. Volume negociado na BVRJ (bianual 1947-1953) em Cr$1.000,00 .......... 137
Tabela 13. Volume negociado na BVRJ (1955, 1957, 1958, 1959) em Cr$1.000,00 .. 137
Tabela 14. Volume de Títulos Negociados na BVRJ (bianual 1947-1953) em Cr$1.000,00
................................................................................................................................. 139
Tabela 15. Volume de Títulos Negociados na BVRJ (1955, 1957, 1958, 1959) em
Cr$1.000,00 .............................................................................................................. 139
Tabela 16. Ágio Máximo de Dólares (USA) em 1955 e 1956. Lucros e Especulação. 143
Tabela 17. Corrupção na Venda de Títulos Públicos: Cotação. Valor do Título e Lucro
Obtido ....................................................................................................................... 145
Tabela 18. Déficit do Tesouro e seu Financiamento 1956-1960 (bilhões de cruzeiros
correntes). ................................................................................................................. 146
Tabela 19. Flâmulas, Broches (Pins) e Selo de Jânio - 1960 ...................................... 170
Tabela 20. Eleições para governador em 1960 ........................................................... 188
Tabela 21. Candidatos e Resultados Eleitorais (1945-2018) ...................................... 266
Tabela 22. Tabela para Análise Documental em Quasi-Sentenças ............................. 268
Tabela 23. Tabela Com Resultado dos Dados Compilados De Manifestos E Programas
Partidários Sobre Corrupção, Transparência (Código 304) e Eficiência Administrativa
(Código 303) ............................................................................................................. 268
Tabela 24. Valores Semânticos de Todos os Jingles à Presidência (1930-2018) ......... 272
Tabela 25. Tabela com as Categorias Utilizadas para Definir Cada Verso de Cada Jingle
................................................................................................................................. 272
Sumário
INTRODUÇÃO I
PARTE I: A DISPUTA ENTRE NEOLIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO
VIA PLANEJAMENTO ESTATAL: A AGENDA ANTICORRUPÇÃO COMO
DEFESA E ATAQUE 1
CAPÍTULO I: A IMPLEMENTAÇÃO DA AGENDA ANTICORRUPÇÃO EM MOMENTO DE
DISPUTA ENTRE NEOLIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO 1
1. CARACTERIZANDO O NEOLIBERALISMO E SUA IMPLEMENTAÇÃO COMO ESFORÇO
GLOBAL E O NOVO DISCURSO ANTICORRUPÇÃO COMO PARTE DE SUA ESSÊNCIA 1
2. O BRASIL CONDICIONADO PELO ARRANJO GLOBAL E O USO DO DISCURSO
ANTICORRUPÇÃO PARA JUSTIFICAR AS REFORMAS ORTODOXAS POR ATORES
EXTERNOS 7
3. DUTRA E VARGAS EM BUSCA DE UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO:
ANTICORRUPÇÃO COMO ARMA E DEFESA DAS REFORMAS MONETÁRIAS
NEOLIBERAIS 11
4. O ESCUDO E O MODUS OPERANDI DA AUTOPROTEÇÃO: O OLHAR SELETIVO
NEOLIBERAL E A FALTA DE QUESTIONAMENTO DA CORRUPÇÃO PELA VIA PRIVADA 17
5. AS LICENÇAS E SUA INFLUÊNCIA NO PENSAMENTO ECONÔMICO E
ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRO 23
6. LICENÇAS E CORRUPÇÃO: O GRAVE ESCÂNDALO DE CORRUPÇÃO EM DUTRA E
VARGAS 27
CAPÍTULO II: O TIRO PELA CULATRA DE VARGAS E A VITÓRIA DO NEOLIBERALISMO
VIA A AGENDA ANTICORRUPÇÃO 38
1. UM ERRO ESTRATÉGICO: O MAL USO DA AGENDA ANTICORRUPÇÃO E A PERDA
DE OPORTUNIDADE ÍMPAR NA LEI DE REMESSA DE LUCROS E DIVIDENDOS 38
2. O FOMENTO DA PERCEPÇÃO DE UM ESTADO EM CORRUPÇÃO: O “TIRO PELA
CULATRA” DE VARGAS 46
3. A METAMORFOSE DE UM INQUÉRITO 48
4. INQUÉRITOS COLATERAIS E O PICO DAS ACUSAÇÕES: REPERCUSSÕES POLÍTICAS
E ECONÔMICAS 54
5. O FIM DA CEXIM, O INÍCIO DA CACEX E A INFLUÊNCIA DA MISSÃO KLEIN-
SAKS NA IMPLEMENTAÇÃO DO PENSAMENTO NEOLIBERAL LATINO-AMERICANO
PELA VIA DA MORALIZAÇÃO 62
6. UMA DECISIVA E DURADOURA VITÓRIA DO NEOLIBERALISMO: A LEI DE
MERCADO LIVRE 68
7. EFEITOS IMEDIATOS E LONGÊVOS DA POLÍTICA ANTICORRUPÇÃO COMO
PRINCIPAL ARGUMENTO CONTRÁRIO À INTERVENÇÃO ESTATAL NO MERCADO
CAMBIAL: A IMPLEMENTAÇÃO, NUNCA MAIS DISPUTADA, DO NEOLIBERALISMO NO
CÂMBIO 74
PARTE II: A CONSTRUÇÃO DA LEGITIMAÇÃO AUTORITÁRIA VIA O
BINÔMIO ANTICORRUPÇÃO-ANTICOMUNISMO, A BREVE CONCILIAÇÃO
EM JK VIA O DESENVOLVIMENTISMO ASSOCIADO 79
CAPÍTULO III: AS BASES DA RADICALIZAÇÃO PRÉ-JUSCELINO E DE SEU GOVERNO DE
CONCILIAÇÃO E O PAPEL DO DISCURSO E DA AGENDA ANTICORRUPÇÃO 79
1. O PÓS-SUICÍDIO DE VARGAS 80
2. O PRÉ-JK: GOVERNO CAFÉ FILHO: A BUSCA POR SOLUÇÕES DE COMPROMISSO
NA ECONOMIA E O EXTREMISMO NA ARENA POLÍTICA 81
3. A MORALIDADE SUPERIOR DO SISTEMA LIVRE: O CASO DO BANCO DELAMARE
86
4. A OUTRA GARRA DO ESCORPIÃO: AUTORITARISMO E A IDEIA DA “DEMOCRACIA
TUTELADA” ALINHADA AO DISCURSO MORALISTA ANTICORRUPÇÃO 89
5. OS MILITARES, A “DEMOCRACIA IMPERFEITA” QUE PERMITIA A CORRUPÇÃO E O
GOLPE FRACASSADO 95
6. RESULTADOS NO CURTO-PRAZO DE UM GOLPE FRACASSADO: BASES AOS
“REALISTAS” E “CONCILIALISTAS” DURANTE O GOVERNO JK 99
CAPÍTULO IV: O DESENVOLVIMENTISMO RETORNA, MAS ABERTAMENTE FAVORÁVEL
AO CAPITAL PRIVADO: JK, DESENVOLVIMENTISMO-ASSOCIADO E “CORRUPÇÃO
TOLERADA” 101
1. AS BASES DO REALISMO POLÍTICO-ECONÔMICO DURANTE O GOVERNO JK 102
2. A “RELAÇÃO NECESSÁRIA” ENTRE CORRUPÇÃO E DESENVOLVIMENTO 106
3. O GOVERNO JK E OS EFEITOS DO PLANO DE METAS 110
4. RECEPÇÕES A PLANOS COM E SEM A PARTICIPAÇÃO ASSOCIADA DO CAPITAL
PRIVADO 112
5. BRASÍLIA, UMA OUTRA HISTÓRIA: CORRUPÇÃO E CRÍTICAS (ABAFADAS): A CPI DA
NOVACAP 119
CAPÍTULO V: CORRUPÇÃO PRIVADA, MAIOR PODER AO MERCADO E A VOLTA DA
“AUSTERIDADE” E DE CRÍTICAS À INFLAÇÃO E CORRUPÇÃO PÚBLICA 136
1. INDÍCIOS DE CORRUPÇÃO NO SETOR PRIVADO E NO “MERCADO LIVRE
MORALIZADOR” 136
2. O INCRÍVEL CASO DE MEMÓRIA SELETIVA SOBRE CORRUPÇÃO NO “MORALIZADOR
REGIME DE LEILÃO DE DIVISAS” QUE SUBSTITUIU AS LICENÇAS DE IMPORTAÇÃO. 142
3. ELIMINANDO A INTERVENÇÃO ESTATAL E EFETIVANDO A LEI DO MERCADO COMO
INSTRUMENTO PARA FINANCIAMENTO DE PROJETOS E CONTROLE DA INFLAÇÃO 144
4. A REGULAÇÃO COMO FORMA DE LEGITIMAÇÃO DE UM MODELO
CONCENTRADOR DE DESENVOLVIMENTO VIA CORRUPÇÃO 150
PARTE III: O GOLPE DO ESCORPIÃO: O FIM DA DEMOCRACIA E O
DISCURSO ANTICORRUPÇÃO NO CENTRO DA LEGITIMAÇÃO DA
“OPERAÇÃO LIMPEZA” E CORRUPÇÃO COMO MEIO DE LIBERALIZAÇÃO
DA ECONOMIA. 160
CAPÍTULO VI: THE GOOD, THE BAD, THE UGLY: OS “HERÓIS” E O “VILÃO”
ANTICORRUPÇÃO 161
1. JÂNIO, O HERÓI ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRO 164
2. DEFININDO-SE EM CONTRAPOSIÇÃO AOS DITOS VILÕES: JUSCELINO E ADHEMAR
173
3. COMPREENDENDO A FORÇA DO MOVIMENTO ANTICORRUPÇÃO JANISTA E SEU
(DES)GOVERNO 183
4. O GOVERNO JÂNIO E A AGENDA ANTICORRUPÇÃO COMO UMA DAS FONTES DE
DESESTABILIZAÇÃO 189
CAPÍTULO VII: O GOLPE FINAL DO ESCORPIÃO: SENÃO PELA “REVOLUÇÃO DO VOTO”,
PELA “REVOLUÇÃO DO GOLPE” 196
1. OS “HERÓIS” MILITARES CONTRA “A CRUZADA CORRUPTORA DO COMUNISMO DE
GOULART” 196
2. COMPREENDENDO O GOLPE DENTRO DA PERSPECTIVA DESTA TESE: A
IMPLEMENTAÇÃO DO INDIVIDUALISMO E A DESTRUIÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE
AUTONOMIA E COOPERAÇÃO 211
3. A DITADURA, A “LIMPEZA” E OS MILITARES COMO “MORALMENTE SUPERIORES”
E INCORRUPTÍVEIS 214
4. A LUTA SELETIVA: O AMIGO ADHEMAR E O PROBLEMA JK 226
5. MAS E A CORRUPÇÃO? CORRUPÇÃO COMO ARRANJO POLÍTICO-ECONÔMICO E O
SILÊNCIO DA MÍDIA. 232
CONCLUSÃO 244
REFERÊNCIAS 247
APÊNDICE A – CANDIDATOS E RESULTADOS ELEITORAIS (1945-2018) 266
APÊNDICE B – ANÁLISE EM QUASI-SENTENÇAS DE TODOS OS
MANIFESTOS PARTIDÁRIOS E PROGRAMAS DE GOVERNO E A TABELA DE
CATEGORIAS UTILIZADA 268
APÊNDICE C – ANÁLISE DE JINGLES (1930-2018) E TABELA DE CATEGORIAS
PARA ESSA ANÁLISE 272
APÊNDICE D – ANÁLISE DO DISCURSO E AGENDA ANTICORRUPÇÃO EM
PORTUGAL (IMPÉRIO) E NO BRASIL (COLÔNIA E INDEPENDENTE): 1400-
1945 274
O NASCIMENTO DA “ARTE DE GOVERNAR” E DO “BEM PÚBLICO” 275
CONFLITOS ENTRE ORGANIZAÇÃO MEDIEVAL E O DESENVOLVIMENTO DO
CAPITALISMO NA GESTÃO DO BEM PÚBLICO E A INFLUENTE VERTENTE ORGÂNICA DA
CORRUPÇÃO E DO CORPO 277
A VERTENTE RELIGIOSA COMO LEGITIMAÇÃO DO REGIME E DO GOVERNANTE 281
IMPÉRIO: ADAPTAÇÕES DISCURSIVAS, O FAVOR E A BARGANHA COMO ASCENSÃO
SOCIAL E O REDESENHO, PARCIAL, DA BUROCRACIA. 283
PATRIMONIALISMO, FAVOR E GENRISMO NO FUNCIONALISMO PÚBLICO E AS
DIFICULDADES DE REFORMAS 284
TRANSIÇÃO E REPÚBLICA VELHA 287
A PREDOMINÂNCIA DA VERTENTE DA AGENDA ANTICORRUPÇÃO RACIAL E
“CIVILIZACIONAL” NA POLÍTICA E ACADEMIA BRASILEIRA 287
A INAÇÃO POLÍTICA EM RELAÇÃO À CORRUPÇÃO ECONÔMICA E O SILENCIAMENTO
PARCIAL VISANDO PRESERVAR UM IDEAL E A IMAGEM DA REPÚBLICA 291
CLASSE MÉDIA, CLASSE ARGENTÁRIA E O CRESCIMENTO DA VERTENTE LIBERAL 297
CORRUPÇÃO ELEITORAL NO FINAL DA REPÚBLICA VELHA 300
“NADA VEM DO NADA” 303
APÊNDICE E – AS REFORMAS NO FUNCIONALISMO PÚBLICO E A
INFLUÊNCIA ESTADUNIDENSE 305
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo i
Introdução
O TEATRO DO GOLPE EM TRÊS ATOS:
ATO 1 A JUSTIFICATIVA: “Ainda que haja
farta base factual nas tais pedaladas fiscais [...]
muitos dos que não familiarizados com as
tecnicalidades enxergarão aí a “frágil retórica
jurídica” para cassar-lhe o mandato, denunciada
pela presidente afastada. No entanto, mesmo
sendo questionáveis as alegações, não há como
negar que os senadores estão plena e
constitucionalmente investidos de autoridade
para decidir se elas recaem sob a figura do crime
de responsabilidade. Por isso se diz que o
processo é a um só tempo jurídico e político.”
(FSP, 30/08/2016)
ATO 2 A COMEMORAÇÃO: “CAIU” (Veja,
31/08/2016)
ATO 3 A VINGANÇA NÃO REALIZADA:
“Todo cidadão honesto deste país há de estar
estupefato com o desfecho do impeachment. [...]
Malgrado o fato de que a petista finalmente teve
seu mandato cassado, levando alívio ao País tão
maltratado pela incúria administrativa e pelo
desleixo moral da agora ex-presidente e de seu
partido, um punhado de notórios personagens
[...] aproveitou a deixa para urdir uma maracutaia
digna de república bananeira.” (OESP,
01/09/2016)
Em 2016, quando estudava o apoio dos principais jornais brasileiros ao golpe civil-
militar de 1964, era hábito lê-los logo ao acordar para depois adentrar em seus acervos e
compreender suas estratégias discursivas e projetos políticos na década de 1960. Foi com
estes editoriais e uma capa de revista que acordei nos três dias que o golpe branco foi
concluído. No primeiro, o jornal Folha de S. Paulo busca legitimar o impeachment ao
afirmar que se o Senado tem o poder constitucional para realizá-lo, mesmo que as
“alegações sejam questionáveis”, o ato seria legítimo. No dia do impeachment, temos a
“capa histórica” da Revista Veja comemorando-o. Por fim, o jornal Estadão celebra a
queda, mas mostra-se indignado com o fato de Dilma ter mantido seus direitos políticos.
Queriam seu expurgo, bem como do PT, da política.
Desde que fora afastada em dezembro de 2015 por pedaladas fiscais
1
até a
conclusão de seu processo de impeachment em 2016, eu, como outros brasileiros,
assistíamos, com misto de indignação e temor pelo futuro do país, a construção de
discurso que alterava a estrutura política, econômica e cultural brasileira alicerçado em
retórica moralista (logo hipócrita) e anti-institucionalista em torno de uma agenda
anticorrupção eivada de vícios legais e ideologicamente motivada, levada à cabo
principalmente pela Operação Lava Jato. Os indícios eram claros, mas foram ignorados
por boa parte da sociedade, especialmente mídia e elites político-econômica e burocrática.
Mas o que mais me chamava a atenção eram os atores e as estratégias discursivas
empregadas, bem como possíveis semelhanças entre estes elementos e o golpe de 1964.
_______________________________________
1
Quando obrigações orçamentárias são realocadas momentaneamente para aliviar a situação fiscal. Para
muitos, não se trata de crime, mas de transferência temporária de recursos, sem enriquecimento ilícito.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo ii
O tempo deu prova da hipocrisia moralista. As pedaladas fiscais eram artifício
utilizado por diversos membros do Executivo de todos os entes federados, muitos que
apoiaram o impeachment. Para evitar que tivessem o mesmo destino de Dilma, dois dias
após o impeachment, o Congresso aprovou a Lei 13.332/2016 “flexibilizando a gestão do
orçamento” legalizando, in práxis, as pedaladas. Quase todos os deputados que
aprovaram a abertura do impeachment recusaram investigar o presidente Michel Temer
sobre denúncias de corrupção de mais de meio bilhão de reais (Poder360, 14/09/2017)
2
.
Finalmente, os outros personagens que lideraram o golpe nas ruas e no Congresso cada
vez mais se imbricavam em casos de corrupção enquanto aumentavam seu poder.
Figura 1. Cena: protocolação do pedido de impeachment na chegada da Marcha pela Liberdade
3
Fonte: MBL - Movimento Brasil Livre, Facebook, 24/11/2015
Após a conclusão de meu mestrado, resolvi debruçar ainda mais sobre o papel do
discurso e da agenda anticorrupção no país, buscando identificar semelhanças e
desenvolvimentos suas estratégias discursivas e representações entre o período do golpe
de 1964 (1960 a 1964) e a Operação Lava Jato (2014 a 2018). Entre as semelhanças,
grosso modo, teremos o surgimento de dois “heróis anticorrupção” em Jânio Quadros e
_______________________________________
2
O governo de Michel Temer foi blindado pelos que apoiaram o golpe. Viam nele um governo reformista
neoliberal. Pouco avançaram as investigações por propinas, superfaturamento de obras, lavagem de
dinheiro, favorecimento de empresas e corrupção passiva e a liderança do chamado “Quadrilhão do MDB”.
3
Alguns atores desse teatro: 1- Eduardo Cunha: crucial na desestabilização do governo Dilma e do
impeachment. Acusado de corrupção ativa desde 2006: condenado a 55 anos de prisão por lavagem de
dinheiro e propina; 2- Kim Kataguiri: um dos líderes do MBL, cujos integrantes já foram ligados à
corrupção, lavagem de dinheiro e disseminação de fake news; 3- Jair Bolsonaro: deputado pouco
conhecido, tornou-se Presidente da República. Bolsonaro e sua família estão imbricados em diversas
acusações de corrupção, propina, lavagem de dinheiro e milícias; 4- Eduardo Bolsonaro: elegeu-se
deputado federal, envolvido em disseminação de fake news, emendas parlamentares com suspeita de fraude
e compra suspeita de imóveis; 5- Marcello Reis: líder do grupo Revoltados Online, instituição pró-
intervenção militar e Anti-PT, é acusado fraudes pela internet para financiamento pessoal; 6- Alberto
Fraga: condenado, depois absolvido em 2020, por propina; 7- Carlos Sampaio: deputado, flagrado com
mala de dinheiro de mais de 200 mil reais. Articulador de operação para livrar políticos de investigações
sobre recursos irregulares; 8- Vitor Lippi: deputado condenado por “repasses informais”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo iii
Sérgio Moro; a utilização do discurso anticorrupção contra governos reformistas de
esquerda (João Goulart e Dilma Rousseff); e contra a volta de possíveis líderes à
presidência (Juscelino Kubitschek e Lula). Ambos os períodos resultaram em desrespeito
à Constituição Federal e ao devido processo legal (via golpes: um “duro” e outro
“branco”) e em arbitrariedade jurídico-política impedindo a candidatura de Juscelino e de
Lula – ambos pautados por suposta irregularidade na compra de imóveis ou em acusações
de corrupção ativa em estatais e empresas de construção civil em grandes projetos federais
(JK com o Plano de Metas e construção de Brasília; e Lula com o Plano de Aceleração
de Crescimento e obras na Copa do Mundo e Olímpiadas).
Os atores também seriam os mesmos. Uma mídia engajada e catalisadora desses
movimentos que utilizavam a bandeira anticorrupção, mesmo que implicasse em ameaças
à democracia e aos direitos individuais; uma classe média “manipulada” tanto pela mídia,
quanto por elites político-econômica nacionais, bem como pelos interesses de um agente
externo, os EUA. Por fim, há a participação decisiva das Forças Armadas em 1964,
exercendo papel de coliderança no golpe; enquanto de participação com intensidade
variada nos últimos anos: tímida no impeachment de Dilma; ostensiva na legitimação da
Lava Jato e na prisão de Lula; e decisiva na eleição do ex-militar Jair Bolsonaro.
Por fim, os próprios elementos discursivos e representacionais pareciam repetir-se.
Por exemplo, no dia 01 de abril de 1964, ao comemorar o golpe civil-militar, o diário A
Tribuna da Imprensa estampará em letras garrafais: “OS 10 HOMENS MAIS
DESONESTOS DO BRASIL”, com dez imagens e atos de corrupção todos supostamente
praticados pelo presidente deposto João Goulart. Retratam Goulart como um “malandro”
que construiu sua fortuna por meio de propinas e negociatas, desde seu envolvimento com
o ex-presidente Getúlio Vargas e o escândalo chamado de “mar de lama”
4
até o
recebimento de mais de um bilhão de cruzeiros em propina de refinarias de petróleo.
Contam que a fortuna de Goulart não veio de herança, mas de “forma misteriosa”
multiplicando-se após a eleição para vice-presidente, “chegando a ter mais terras que o
Estado da Guanabara”, transformando-se “no maior latifundiário do país”. Concluem:
Foi assim desonestamente, que o ex-presidente construiu sua fortuna. Pode-se
dizer sem medo de errar que Jango é ainda mais corrupto e cínico que Juscelino,
o que parecia impossível. É por isso que ao fazermos a reportagem dos 10
_______________________________________
4
Grosso modo, foi um conjunto de casos de corrupção em larga escala envolvendo diretamente Getúlio
Vargas, seu filho Manuel Vargas e seu chefe da guarda pessoal, Gregório Fortunato, que abalou o 2º
governo Vargas, levando-o ao suicídio.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo iv
homens mais desonestos, achamos uma injustiça colocar alguém ao lado de
Jango (Tribuna da Imprensa, 01/04/1964, p.8)
A estratégia ofensiva e a retórica moralista, combinada com acusações
sensacionalistas destituídas de fatos, mas repletas de “convicção”, é a mesma adotada
pelo procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol sobre o ex-presidente Lula, 52 anos
depois. Ambos os casos personificam e individualizam a corrupção. Lula seria o centro
emanador da corrupção, “o general de uma propinocracia” que contaminou todo um país.
Passaremos a apresentar o conjunto de evidências e de contexto que nos fazem
concluir para além de qualquer dúvida razoável, que Lula foi comandante de
esquema criminoso descoberto pela Lava Jato. [...] Essas provas demonstram
que Lula era o grande general, que comandou a realização e a continuidade da
prática dos crimes, com poderes para determinar o funcionamento e se quisesse
determinar sua interrupção. (Dallagnol “Discurso do Powerpoint” 13/09/2016)
Figura 2. Os 10 Homens mais Desonestos do Brasil
Fonte: Tribuna da Imprensa 01/04/1964: 8
Figura 3. O PowerPoint de Dallagnol
Fonte: Cultura/Uol
Em ambos os recortes temporais há a mobilização da anticorrupção não só em volta
da bandeira da moralidade, mas na crença de que essa correção moral ocorreria por figuras
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo v
vistas como “paladinos anticorrupção”, com força de vontade e senso moral
extraordinários, assemelhando-se ao arquétipo de “super-heróis” que colocam o interesse
da nação acima do pessoal. Esses indivíduos irão habilmente explorar essa imagem para
alavancagem política, reforçando a visão individualista e simplista de que se um “inimigo
do país” pode corromper a nação, também uma pessoa “extraordinária” poderia o limpar.
As semelhanças em imagens:
Figura 4. As marchas: Marcha da Família com
Deus pela Liberdade: impeachment Goulart
Fonte: Acervo O Globo, 19/03/1964
Figura 5. Os heróis anticorrupção: Jânio
Fonte: Jânio Quadros em Quadrinhos, 1960
Figura 6. Os heróis anticorrupção: Militares em 64
Fonte: OESP, 24/04/1966, p.4
Figura 7. As marchas: Marcha da Liberdade:
impeachment de Dilma Rousseff
Fonte: Revista Época Negócios, 13/03/2016
Figura 8. “Capitão Bolsonaro”
Fonte: imagem popular em redes sociais
Figura 9. Os heróis anticorrupção: Moro e Lava Jato
Fonte: Revista Crusoé, 19/06/2019
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo vi
Ao desenvolver essa tese, fiz extensa pesquisa de fontes desses agentes em períodos
em que o discurso anticorrupção atuou em momentos de transição ou de maior relevância
histórica desde 1945 até 2018. A coleta de fontes focou em lugares de emanação e
reprodução discursiva interna como jornais e revistas; textos acadêmicos; discursos
políticos (pré e pós-posse presidencial, discussões de leis, normas e eventos históricos no
Congresso) e partidários (manifestos partidários e programas de governo); e em sentenças
judiciais e pareceres técnicos, como do Ministério Público e de pastas ministeriais. Em
relação aos atores externos, coletei e analisei fontes de intelectuais que influenciaram a
conceituação interna sobre corrupção e seu papel no desenvolvimento nacional; bem
como de leis, discursos e relatórios de organismos internacionais que influenciam o
debate e a formulação da agenda anticorrupção em diversos países.
Essas impressões inspiraram meu projeto de doutorado. Entretanto, apesar de ser
linha investigativa interessante, as fontes sugeriram uma realidade mais complexa. Por
serem tão claras, essas semelhanças acabam por cegar o pesquisador em relação ao que
as torna singular e ao processo de formação histórica de uma estrutura atual que em muito
difere do modo em que o debate e a agenda anticorrupção eram discutidas até os anos de
1990 e principalmente sobre o verdadeiro e amplo papel que o moderno discurso
anticorrupção possui desde os anos de 1945 no Brasil.
Mas mais importante, perde-se de vista que existe uma racionalidade por trás desse
discurso e agenda anticorrupção. Uma que invariavelmente reforça os propósitos
neoliberais de vilificação do Estado (e qualquer agente e políticas públicas ligadas a ele)
como inerentemente corrupto, a consequente busca por sua diminuição e a exaltação do
livre mercado como um ser apolítico, técnico e, logo, “moral/limpo”. A busca por essa
racionalidade impede explicações simplistas e esquemáticas, infelizmente hegemônica na
historiografia, que veem esse discurso apenas como meio de instrumentalização de
classes, em especial a média vista como alienada, em busca de consolidação de poder.
Esta tese possui, portanto, como base uma estrutura lógica dedutiva radicada em
duas proposições com seus respectivos corolários:
▪ Proposição 1: afirmo que o discurso anticorrupção atual (desde 1945) deve ser
entendido como uma das emanações do neoliberalismo do qual é parte. Em suma,
proponho que o discurso anticorrupção é o próprio sistema neoliberal e não
seu efeito.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo vii
Quando falo em neoliberalismo e dato pós-1945, subscrevo esta tese a novas
pesquisas (Mattei 2016, 2017 e 2022; Quinn 2018; Tooze 2014 e 2018; Mirowski e Dieter
2015) que entendem que apesar de ser anacrônico utilizar a terminologia neoliberal nesse
período (pois ela somente será utilizada no final dos anos de 1950 e hegemonicamente
pós-1970) há clara formação da racionalidade neoliberal que se distingue do modus
operandi das políticas liberais de até então, pois surge como reação à adoção de políticas
intervencionistas na economia, nas relações de trabalho, ao Estado de Bem-Estar Social
e à mobilização de classes pedindo maior acesso à participação política e econômica,
como mostrarei à frente. Sendo esse discurso e agenda parte do próprio neoliberalismo,
ele constitui importante elemento no processo de consolidação político-econômica e
cultural desse sistema, moldando e integrando países a ele, num movimento inspirado nas
nações que lideram esse processo que coincide com parte das reformas burocráticas e
político-econômicas adotadas no Brasil, tendo os EUA como paradigma após 1945.
o Corolário: como ele é parte da essência do neoliberalismo e de sua
implementação em escala global, sua identificação com seus apoiadores
está muito mais ligada a afinidades morais (mesmo que apenas tangencial)
e ideológicas que à manipulação, como afirma a literatura prevalente.
Trata-se de importante distinção filosófico-conceitual pois sendo esse discurso
parte da essência do neoliberalismo, é natural que quem se identifica de alguma forma
com esse sistema assimilará (que pode vir associado com outros, como o autoritarismo
moralista) o discurso anticorrupção como uma agenda adequada à sua própria identidade
e de “projeto ao país”. Caso fosse simplesmente um instrumento, ele deveria ser exterior
à essência neoliberal, como qualquer instrumento é exterior a quem o utiliza. Mas esse
entendimento é incompleto pois não explica o motivo das classes “manipuladas” aderirem
historicamente a esse discurso e nem o motivo da classe “manipuladora” o utilizar
constantemente em diversas frentes, muito além da comunicação com o público.
Disputo a tese, comum em estudos marxistas, que entende a classe média e outras
classes que aceitam esse discurso como alienadas e fanáticas, facilmente manipulada
pelas elites (comum desde Jaguaribe em 1954 até Boito Jr. em 2018), evitando qualquer
tentativa de entender o seu conhecimento e visão de mundo. Como diz Motta (2000: 8):
Mesmo quando contemplados pela bibliografia, os conservadores são
frequentemente tratados de forma esquemática e superficial, quando não
maniqueísta. Muitas vezes, o empenho em compreender e explicar é suplantado
pela ânsia de denunciar.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo viii
Proponho que se o discurso é “instrumentalizado”, ele assim o será a posteriori,
após sua internalização como meio de legitimar e aplicar essa agenda neoliberal,
especialmente contra quem entendem ser prejudicial a ela. Não importa se privatização e
menor presença do Estado efetivamente trará os benefícios prometidos, ou se certos
presidentes tidos como contrários ao mercado eram corruptos ou “comunistas”, como
eram/são acusados, caso entre em confronto com essa agenda, vista como o “sentido
natural do país” para muitos, o discurso e agenda anticorrupção será utilizado contra eles.
Na mesma toada, pouco importa se esse agente político for corrupto ou tido como
“comunista” até então, caso prometa essas reformas, o mesmo discurso anticorrupção será
usado a seu favor, como ocorreu com Vargas, como mostrarei à frente. Seletividade em
busca de confirmação identitária e agenda ideológica não é qualidade exclusiva do
discurso anticorrupção e dele faz parte. Já a nós, o que deve importar são os motivos e os
meios que a internalização desse discurso ocorre e quando e como se manifesta.
Quanto mais uma sociedade estiver inserida nesse discurso neoliberal ou
conservador moralista (que sempre está a tangenciar aquele discurso, ao menos
inicialmente), mais forte será o apoio ao discurso anticorrupção. Isso fica claro se
olharmos à correlação entre os períodos que esse discurso foi mais utilizado. Apesar de
existir certa variação, no longo prazo a tendência é clara.
Figura 10. Ênfase em corrupção em manifestos partidários no mundo (1940-2010)
Fonte: CURINI, 2018, p. 7
▪ Proposição 2: o estágio atual do discurso anticorrupção é resultado da disputa
entre dois sistemas político-econômicos (proposta de análise desta tese), e da
junção de duas formas discursivas distintas em seus objetivos, atores-produtores
e público-alvo (antiga parte III desta tese, mas deixada para futura produção).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo ix
Mostro que desde o fim da Segunda Guerra havia a disputa entre dois sistemas
representantes de diferentes ideologias, um próprio da agenda neoliberal e um sistema
interventivo planificador com foco das decisões no Estado. Ainda assim, essa distinção
não é uniforme e estrita a cada governo. A disputa se dará no fazer da política permitindo
vermos o discurso anticorrupção surgir com força, por exemplo, no governo Vargas tanto
emitido por ele, quanto por seus detratores e de forma não exclusiva ao campo político;
enquanto com Juscelino teremos uma visão mais “realista-pragmática” sobre o papel da
corrupção no desenvolvimento de país em modernização, que ia de acordo com as teorias
de intelectuais de altíssima influência no Brasil como Samuel Huntington.
A partir de 1990, esses dois discursos unem-se em certos elementos graças a
diversas circunstâncias históricas, como a ampliação da participação da sociedade civil
no processo de construção desse discurso e agenda; à reordenação interna sobre a prática
de corrupção de empresas em países desenvolvidos, tornando-se uma desvantagem
competitiva e, logo, um modelo que deve ser exportado ao mundo; e, mais importante, à
predominância do neoliberalismo mediante um processo intenso de globalização que
necessitava implementar uma agenda anticorrupção que pudesse diminuir as barreiras
burocráticas, legais e institucionais a esse processo mediante nova forma de se conceber
a gestão pública via conceitos como “transparência” e “accountability”. Essa união
tornará esse discurso mais coeso, garantindo maior apelo e influência interna e externa.
o Corolário: Devido ao conteúdo desse discurso, e da agenda dele
decorrente, conter alta carga moralista e um caráter pretensamente
tecnocratas, seu apelo recairá sobre importantes pontos de decisão e
formação identitária individual e coletiva: emocional (evocando
sentimentos difusos como injustiça, empatia, esperança, frustração etc.,
muitos ligados às chamadas “emoções morais
5
”) e racional (devido a suas
análises e soluções “técnicas”).
▪ Conclusão: assim, não se trata simplesmente de manipulação de uma agenda por
parte de uma “elite global” (esse simplismo retira tanto a estrutura, como a agência
de variados atores), mas sim de um conjunto de fatores que coadunaram
historicamente aliados a um processo histórico envolvendo a ampliação do
_______________________________________
5
Em suma, emoções morais ajudam as pessoas a diferenciarem características morais, motivando seu
comportamento, representações e discursos que criam e como buscam diferenciar-se ou tomar ações,
revelando seus ditos “valores morais” e como entendem seu papel social e dos outros.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo x
neoliberalismo, que fez com que esse discurso fosse mais aceito, internalizado e,
finalmente, utilizado contra quem é percebido como contrário a essa expansão.
Essa racionalidade permite-nos ir além dos casos dos discursos combativos entre
políticos e apontar a sua seletividade. Essa seletividade é importante, foi o ponto de
partida de minha pesquisa, mas ela é limitada. Esses discursos, contidos na agenda
anticorrupção atual, possuem em seu bojo, a racionalidade neoliberal anti-institucional –
muitas vezes antidemocrática – e a favor do setor privado como moral por excelência.
Obviamente, essa não é a realidade. Corrupção privada e a corrupção pública não
acontecem sem os interesses dos agentes do “mercado”. Mas o foco na
“instrumentalização” política da agenda anticorrupção impede, por exemplo, que essa
disputa maior não seja analisada. Tratou-se, por sinal, de grande dificuldade desta
pesquisa apontar essa disputa e como ela podia ser apreendida tanto em regulamentações
que favorecem o mercado, quanto em casos que mostram que esse “mercado livre” não é
em nada tão moral quanto seus apoiadores pregam. Não sem motivo que o ranking,
“técnico”, da Transparência Internacional somente leve em conta a percepção do setor
privado da corrupção no setor público, gerando graves distorções e problemáticas
sugestões de políticas públicas.
A falta de uma busca por essa racionalidade, impede que analisemos
comparativamente esses dois setores em conjunto, em apenas uma obra. Estudos de
corrupção normalmente ou somente tratam de casos públicos, ou, raramente, de alguns
casos do setor privado. Casos de corrupção já são difíceis de análise quando denunciados,
mas quando silenciados, especialmente nos casos de corrupção privada, torna-se tarefa
dificílima. Simplesmente, quase todos os casos aqui mostrados de corrupção privada,
gigantescos escândalos que ameaçaram várias vezes a estrutura financeira-econômica
brasileira, nunca foram estudados. Esta tese careceu de ombros para se erguer.
Por mais frustrante que as reformulações tenham sido, elas foram importantes para
pensar o tópico por diversos caminhos e realizar a síntese conceitual apresentada. Mas
qual o melhor caminho para demonstrá-la? Quais das linhas de pesquisa (com centenas
de fontes e escrita) deixar de lado e qual manter e aprofundar? Diversos caminhos foram
cogitados, visando uma exposição o mais completa e clara possível.
Em ambos os recortes vemos claramente o impacto da implementação da
racionalidade neoliberal. A grande diferença é que no pós-1990 a pressão internacional é
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xi
explícita pela adoção dessa agenda pela via da anticorrupção sendo um dos principais
fatores devido à conjunções estruturais e circunstanciais nascidas nos anos de 1970, com
impacto decisivo no pós-1990. Entretanto, creio que o melhor caminho foi no período em
que essa racionalidade pró-mercado começou a se implementar no Brasil ao mesmo
tempo que disputava ferozmente espaço com diversas formas de dirigismo estatal ou
planejamento econômico. Identificar momentos de transição com alto impacto político-
econômico é essencial, pois serão nesses momentos que elementos político-econômicos
e discursivos vem à tona e batalham por espaço de forma mais clara. Assim, focarei no
período de imediata redemocratização (1945) até o golpe civil-militar de 1964.
A 1a Parte desta tese trata da disputa ocorrida no período democrático na história
brasileira durante os governos de Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas entre dois
modelos de desenvolvimento, um mais ligado ao nascimento de uma racionalidade
neoliberal de desenvolvimento via uma medidas de austeridade e combate à inflação,
imbuída de alto teor moralista, vital para justificar essa racionalidade como um modelo
econômico “puro e técnico”, ao mesmo tempo que garante o ataque a qualquer outro
modelo, visto como “corrupto e personalista”; e o modelo desenvolvimentista
nacionalista, ligado ao neokeynesianismo ou varguismo, que via a intervenção do Estado
como agente racional planificador que poderia direcionar os recursos público às áreas
mais necessárias do desenvolvimento econômico. Entretanto, essas concepções são
altamente idealizadas e poucas vezes se manifestaram de forma única na arena pública.
Os dois primeiros capítulos estão interligados por um tema: o regime de mercado
livre cambial contra a implementação das licenças de importação, origem das políticas de
Industrialização por Substituição de Importação (ISI) – prontamente atacado como
corrupto e corruptor. Mostrarei que qualquer discussão sobre esse modelo, virá
acompanhada do discurso anticorrupção.
Também mostrarei como Vargas em busca de apoio de setores conservadores e da
classe média, bem como proteger-se de futuras acusações de corrupção, utilizará
fortemente do discurso anticorrupção desde o início de seu governo. Sua principal ação
será uma investigação completa na seara monetária e fiscal brasileira (Banco do Brasil e
na CEXIM, a carteira do BB responsável pelas emissões das licenças). Além disso,
mostro como Vargas, numa tentativa de equilíbrio político, apesar de seus discursos e
algumas ações nacionalistas, tinha um projeto econômico bem definido de austeridade e
ortodoxia, atendo aos desejos estadunidenses, que mostrarão boa vontade com ele
inicialmente, para depois implementar um projeto de desenvolvimento, que nunca veio,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xii
garantindo-lhe boa vontade por parte dos jornais e de setores da oposição, que focaram
sua atenção nos casos de corrupção no governo Dutra, evitando críticas a seu governo.
Entretanto, com o fracasso de suas ações no campo econômico e com a mudança de poder
nos EUA essa boa vontade acabou.
No Capítulo 2, mostro como a ideia de uma investigação no BB e a criação de uma
percepção de corrupção generalizada adveio também de Vargas, relativizando a
percepção comum de que se tratou somente de um movimento da mídia e de setores
conservadores. A utilização desse discurso e agenda anticorrupção existe por motivos
estruturais e circunstanciais na sociedade brasileira, dos quais discutirei, sendo quase
impossível que Vargas, ou qualquer outro político, não o utilizasse e que, eventualmente,
virasse contra ele e seu entorno com uma força tão grande que impossibilitou seu governo.
Por fim, discutirei alguns casos muito pouco falados, mas importantes à
implementação de uma racionalidade neoliberal no Brasil, como a Comissão Klein-Saks
(tentativa de Vargas e Aranha em obter financiamento privado dos EUA por meio de
medidas ortodoxas pró-capital privado) e a adoção da Lei Mercado Livre de Câmbio (Lei
1.807 de 1953), uma lei que, diferente do que muitos dizem devido ao excessivo enfoque
historiográfico na indústria, foi concebida por diferente ótica: a do mercado financeiro e
da bolsa de valores e seus corretores, para depois ser aprovada pelos setores industriais,
cansados do sistema de licenças, sua corrupção, e, principalmente, ineficiência.
Essa lei completa um ciclo da busca da implementação do mercado livre cambial,
iniciado com Dutra e abandonada por ele; prometida por Vargas desde o início de seu
governo e finalmente implementada como forma de silenciar os escândalos das licenças
em seu governo. Ela é tão pró-mercado que passou quase intacta por todos os governos,
inclusive o de FHC até dezembro de 2021 em que será substituída por uma lei ainda mais
pró-mercado sob o governo de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Lei 14.286 de 2021).
Será depois dessa lei que a bolsa de valores pela primeira vez virou a principal fonte
de investimentos no Brasil, antes em Tesouro Direto (ou seja, não produtivo). O papel do
“empreendedor financeiro” como “agente do desenvolvimento”, ao invés do trabalhador,
algo tão desejado pelo neoliberalismo, começa a se fixar nesse momento. O discurso
anticorrupção na formulação e defesa dessa lei foi fundamental como justificativa.
Já a 2ª Parte mostrará a formação e adesão de diversas forças conservadoras em
torno do ideal de uma “democracia tutelada”, vulgo golpismo, em vista das diversas
derrotas nas urnas e na impossibilidade da completa implementação de seus projetos.
Nesse sentido, jamais afirmarei que todo golpista é neoliberal, o que afirmo é que o
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xiii
conservadorismo dos setores que começaram a se articular em torno de um golpe uniu-se
ao conservadorismo moralista presente também na ideologia neoliberal. Foi uma união
de interesses que depois disputarão espaço durante a ditadura militar.
O que importa nessa 2ª parte é mostrar como a agenda anticorrupção auxiliou a
implementação do sistema cambial e econômico “livre” em detrimento da “imoralidade
inerente” do sistema de intervenção. Entretanto, se havia certa coesão e compromisso na
adoção de medidas na seara econômica, havia extremismo na política em que a ideia de
democracia tutelada estava intimamente ligada à ideia de moralidade e anticorrupção.
Foi o início de um movimento que desembocou no golpe de 1964, mas que dado à
sua falha em impedir a posse de Juscelino proporcionou ao futuro presidente as bases para
um governo de concertação em que houve uma reviravolta pragmática de ambos os lados
sobre o papel da corrupção no desenvolvimento brasileiro, desde que associado com o
capital privado e principalmente internacional. No capítulo IV, exploro essa forma de
desenvolvimentismo e as críticas à corrupção no governo que, quando aparecem, serão
em sua maioria, sem dentes. As CPIs pouco avançam: a UDN fará parte de comissões e
diretoria de empresas mistas e autarquias, adotando também uma atitude, como diriam
seus dirigentes, mais “realista” sobre como chegar ao poder.
Em ambos os capítulos analiso o papel da corrupção privada e pública na
implementação do desenvolvimentismo de Juscelino. Devido à falta de críticas, diversos
dados tiveram que ser cruzados para mostrar a manipulação de mercado, especialmente
na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ), e a diferença entre as críticas de modelos
de planejamento como o Plano SALTE de Dutra e do Plano de Metas de JK (Capítulo V).
Mostro também que com Brasília, por não estar inserida nesse projeto de ampliação do
mercado livre e associado, a história foi outra. As críticas foram mais duras, em especial
sobre a corrupção e a inflação gerada que crescia à galope, dando momentum à expansão
nacional da figura do primeiro herói anticorrupção brasileiro: Jânio Quadros.
Por fim, a 3ª parte dessa tese mostra a amplitude e repercussão do discurso e agenda
anticorrupção. Primeiro com a importante candidatura de Jânio Quadros e como ela
redesenhou o estamento político brasileiro, sendo tanto agente impulsionador, quanto
efeito de uma superestrutura condicionada pela recessão econômica e inflação causada
pelo esgotamento do sistema ISI de Juscelino, quanto pelo desânimo popular em relação
ao sistema representativo político e suas promessas.
No Capítulo VI, ainda, mostro como Goulart teve de enfrentar um cenário de
bipolaridade ideológica mais acentuado em seu governo e de como o elemento
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xiv
anticorrupção foi colocado em segundo plano no binômio anticomunismo/anticorrupção,
chave ao golpe. A corrupção será vista ou como facilitadora da entrada de comunismo
nas instituições, ou como catalisada por elementos comunistas já instalados. Nesse
sentido, examino como o comunismo (ideologia vaga no Brasil na época, que podia
abrigar conceitos como varguismo e sindicalismo) foi sempre visto por esses setores
como uma ideologia corrupta por excelência. Esses setores mais conservadores, entendem
que o varguismo deveria ser erradicado do sistema político, burocrático, econômico e
social do país, mesmo que pela via de golpe, torturas e assassinatos.
Estes capítulos finais e toda a tese abarcam o ponto central, a necessidade da
repressão sistêmica em favor do conservadorismo e pela proteção do “mercado”, com
enfoque aqui no papel do discurso e agenda anticorrupção. Como notou Maffei (2017),
para a implementação do neoliberalismo não é somente necessária a tecnocracia, o
governo em si deve ser autoritário para reprimir certas vozes em favor de seu projeto:
Para vencer a dura batalha, é necessário um governo tecnocrático, mas isso não
é inteiramente suficiente. O governo italiano também deve ser ‘forte’.
Nenhuma confusão deve ser feita por um governo forte. Nossos autores
[ministros da Fazenda de Mussolini] não queriam dizer um governo com apoio
econômico. Em vez disso, eles imaginavam um governo autoritário baseado em
‘lei e ordem’, que nunca deveria hesitar em usar a repressão contra o povo para
proteger a economia, o mercado e suas “leis naturais”. [...] Só assim o Estado
poderia cumprir seu papel: salvaguardar o mercado (Maffei 2017: 1014). Será
esse movimento que veremos ocorrer no Brasil.
Assim, concordamos com o professor argentino Daniel Feierstein que designa o
golpe na Argentina e na América Latina como característica principal a busca de um projeto
de reorganização social para além das estruturas estatais, algo divisado década antes de
cada golpe e da bipolarização dos anos de 1960 (como mostro no capítulo III), contando
com participação de boa parte das elites internas e externas, no qual o exercício do terror e
sua difusão no conjunto social eram vistos como necessários à destruição das relações
sociais de autonomia e cooperação que se organizavam e pediam por reformas, maior
participação democrática e distribuição de renda – o mesmo tema apresentado nas pesquisas
que indicam o início do neoliberalismo no pós-1ª Guerra na Europa.
La visión de que la Argentina sufrió un genocidio implica que existió un
proyecto de reorganización social y nacional que buscó “la destrucción de las
relaciones sociales de autonomía y cooperación y de la identidad de una
sociedad, por medio del aniquilamiento de una fracción relevante (sea por su
número o por los efectos de sus prácticas) de dicha sociedad, y del uso del terror
producto del aniquilamiento para el establecimiento de nuevas relaciones
sociales y modelos identitarios” (Feierstein 2011, pp. 575-76)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xv
Não à toa que os alvos das “limpezas” da ditadura, alvos tidos como “corruptos e
corruptores”, eram a classe política, sindicatos, associações civis, intelectuais e
estudantes. Com o golpe promovido por esses “heróis moralizadores”, mostrarei o papel
que a corrupção exerceu tanto como meio de viabilização do governo, visando favores
internos e externos (mostro os casos de corrupção, de uma ditadura que se dizia
nacionalista, que eram concedidos aos EUA e suas empresas em vista de melhores
relações e empréstimos); quanto como elemento principal de perseguição política, em que
o elemento anticomunista perde espaço devido à sua diminuta abrangência persecutória.
Discuto a representação desses “heróis anticorrupção” e de como sua
“superioridade moral” era passada aos civis membros de seus governos, sendo base para
legitimação de grande parte de suas ações e evasão das acusações de corrupção. Nesse
sentido, adentramos os 4 primeiros anos de Castelo Branco, para mostrar essas
incongruências e a racionalidade por trás dos atos de seu governo. Esse capítulo é
fundamental para desmistificar a ditadura como um período em que não teria havido
corrupção e para mostrar como esse discurso e agenda anticorrupção que se diz
tecnocrático é autoritária e, querendo ou não, mina as bases da instituições democráticas,
sempre apoiando a figura de um “herói” devido à sua visão singularista de como a
corrupção ocorre, pois nunca visa criticar o sistema capitalista que apoia.
É uma tese que busca explicar tanto nosso passado quanto o presente. Ressaltamos
que há diferenças entre os dois períodos. A principal é a maior aceitação de políticas de
teor pró-mercado e autogerência da sociedade civil, em desfavor do Estado, como
políticas públicas de qualidade; bem como de um processo de globalização em que o
mercado é retratado como moral e o setor público não. Aqui a diferença reside no fato de
existir uma superestrutura envolvendo países, ONGs, Institutos e sociedade civil que
propagam esses ideais, mesmo que a despeito dos resultados sempre adversos e
ineficientes de seu receituário (Forattini 2022). A Figura 15 buscou sintetizar esses dois
períodos mostrando intersecções, agentes e discursos.
Ao longo dos capítulos também veremos outro fenômeno: a necessidade de
legislação e regulação para conter fraudes no setor privado em sua mais ampla concepção
(Bolsa, bancos, empresas, agricultura etc.) e formação de trustes. Mostro que a
necessidade advém para suprir problema crônico ao Brasil, a falta de divisas para
investimento no desenvolvimento industrial, agrícola, ou em projetos de infraestrutura ou
em programas sociais. Há uma racionalidade neoliberal também por trás, que envolve o
conceito atual de transparência, que é atrair investimentos canalizados pelo setor privado,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xvi
gradualmente eliminando o poder de decisões e de adquirir crédito do governo em favor,
por exemplo, de créditos privados e investimentos diretos pela BVRJ que se consolidará
à medida que as regulações pró-mercado se implementam no país, desde 1953 com
Vargas. Apesar disso, são regramentos sem dentes. Mostro que ninguém será punido e o
resgate, quando necessário, será rápido e em montante gigantesco.
Essa tese também possui Apêndices. Nesse sentido, o leitor pode ficar mais calmo
pois eles ocupam boa parte do número de páginas da tese e não são indispensáveis à tese.
Os Apêndices A, B e C, possuem tabelas e dados analisados que compuseram boa parte da
pesquisa. Já no Apêndice D, o leitor encontrará extensa pesquisa feita que traça desde a
época colonial as principais vertentes discursivas anticorrupção no Brasil (e Portugal
enquanto Império) até a redemocratização brasileira em 1945, com também compreensiva
crítica sobre o papel até agora dado ao tema da corrupção na literatura acadêmica. Lá, por
exemplo, mostro que a vertente liberal não era a regra. A vertente anticorrupção pela via
moral-religiosa, por exemplo, dominou por séculos o discurso anticorrupção. No Apêndice
E, temos a reconstrução histórica das reformas modernizantes e moralizantes da
administração pública brasileira, bem como a importante influência estadunidense no
arcabouço administrativo e legislativo brasileiro pelo período de 1930 a 1975.
Devo avisar ao leitor de que essa tese é transdisciplinar. E apesar de existir nela
preponderância em favor da História, ela reconhece a necessidade da ênfase aos
fenômenos estruturais vista nas Ciências Sociais. Trata-se de elemento crucial para
melhor desenvolvimento de qualquer tese que vise compreender fenômeno duradouro
como o tópico da agenda anticorrupção:
A ênfase dos cientistas sociais sobre a necessidade de pesquisar os fenômenos
estruturais, duradouros, que se reproduzem e permanecem ao longo do tempo,
influenciou nosso projeto. O trabalho desenvolvido insere-se nessa linha ...
captando as linhas de continuidade presentes ao longo da história. ... Mas se é
patente e positiva a influência das pesquisas das ciências sociais, forçoso é
também destacar as especificidades do “olhar” do historiador. A história pode
e deve trabalhar com recortes estruturais e com a “sincronia”, mas sem esquecer
que sua razão de ser reside no estudo da gênese e dinâmica dos fenômenos
sociais. (Motta 2000: 11-12)
Ou, como colocado de modo mais singular por Nicholas Hoover Wilson em sua
pesquisa sobre corrupção na Companhia Inglesa das Índias Orientais:
Escrever eficaz... é sempre dançar no fio da navalha. Caia para um lado e você
pousa em uma massa de interpretações históricas superficiais, ou mesmo
incorretas, dobrando-as além do reconhecimento para caber em um molde
adaptado pelas suas preocupações atuais. Caindo ao outro lado e você encontra
um mapa tão detalhado quanto o próprio terreno, interessante para
historiadores, talvez, mas raramente útil para guiar cientistas sociais. Pior de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xvii
tudo, caia desajeitadamente e seu trabalho poderia acabar em uma divisão
confusa que desaponta historiadores e cientistas sociais. Mas acertar os passos
e fazer a dança é usar a história para ajudar a entender não apenas a influência
do passado no presente, mas também para mostrar como as categorias,
conceitos e causas que os cientistas sociais às vezes dão por certo e tratam como
universais são, de fato, realizações históricas que moldam, mas não
determinam, como pensamos e o que fazemos hoje. (Wilson 2023: 1)
Espero que eu consiga realizar essa dança. Por isso devo avisar ao historiador que
a busca por uma compreensão mais precisa da estrutura que condiciona a agência faz
parte desta tese; ao mesmo tempo, aviso ao sociólogo que a busca por documentos que
moldam os agentes e essas estruturas, condicionando-as, recebeu ainda maior cuidado.
A metodologia utilizada nessa tese foi inspirada pelo trabalho de Michel Foucault
(1993, 1996 e 2000) sobre a relação de poder entre práticas discursivas e não discursivas,
em especial em seu conceito de genealogia do saber e do poder. Foucault entendia que o
sujeito constitui sua identidade e dá sentido à realidade tanto ao ocupar o papel de
enunciador de sua visão de mundo, quanto a entrar em contato com práticas discursivas
pré-existentes exteriores a ele (em que é receptor não passivo). Seria pela prática
discursiva que o indivíduo e o coletivo se formarão e se transformarão continuamente.
Enquanto a arqueologia do saber busca a constituição de uma rede de saberes que
possibilitam a emergência do discurso, a genealogia procura a configuração das
positividades desses saberes, ou seja, entender a estrutura externa que oferece a
emergência desses saberes, mostrando sua verdadeira natureza estratégica. Tendo ambas
como guia metodológico, tentarei compreender tanto os diversos saberes contido no
discurso anticorrupção atual, quanto entender os fatores que permitiram sua emergência
e interferem em sua permanência e adequação para garantir não só sua sobrevivência na
arena pública, quanto sua ampliação.
É importante entender que o discurso anticorrupção não é um discurso qualquer em
relação a sua força mobilizadora na sociedade. Isso se deve a alguns motivos.
Primeiramente, deve-se ter em mente que se trata de discurso moral. Todos possuímos
um código ético e moral que condiciona nossa formação identitária e que aplicamos
diariamente ao tomarmos qualquer decisão (Adler et al. 2017), não sendo surpresa que
esse aspecto seja vital na tomada de decisões coletivas. Isso se espelha na política em que
somos sempre instados, especialmente em anos eleitorais, a tomar decisões “morais”
sobre o futuro do país – em que o elemento da corrupção ganha relevância.
Já para a disciplina da Antropologia da Corrupção, a gênese da força do discurso
anticorrupção na cultura política advém de a relação desse discurso com o indivíduo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xviii
ocorrer de modo sutil, mas complexo, em suas vidas, como uma “conversação, um ritual”,
(Visvanathan e Sethi 1998). Seria um relacionamento polissêmico pelo qual indivíduos
se conectam e dão sentido à arena política, com assuntos cada vez mais complexos que
fogem de sua compreensão, e ao Estado, cada vez mais afastado de sua vida.
Diversas pesquisas em cidades e áreas remotas ao redor do globo notaram que a
maioria das conversas em qualquer forma de coletivos invariavelmente versarão sobre o
tema da corrupção. Em pesquisa coordenada em toda Índia, os corruptions talks
prevaleceram sobre qualquer outro tópico, sendo mais frequentes que folclores e
discussões sobre o estado das colheitas (Parry, 2000; Wade, 1982). Na Bolívia, “as
pessoas conversavam sem parar sobre corrupção: corrupção era como elas faziam sentido
da política e do Estado” (Lazar apud Haller e Shore, 2005, p. 216). Isso foi observado
também em estudos comparativos na América Latina e Europa (Mitchell, 2002).
A relação entre corrupção e narrativa, no sentido de "contar uma história", mostra
a força discursiva que o tópico da corrupção possui (algo crucial à escolha metodológica
e de fontes focadas em discursos). Mesmo em livros técnicos, quando se referem a casos
particulares de corrupção, os autores recorrem a estilo que lembra a crônica policial, com
qualidades típicas de um filme noir, privilegiando uma visão maniqueísta entre bem e
mal, entre a queda do ser humano contra a resolução de um indivíduo em superar um
ambiente corrupto (Gupta, 2005). Essa narrativa individualiza um problema complexo
(estruturalmente enraizado no tecido social) para dar sentido ao coletivo social ao
simplificá-lo. Não por acaso, sempre que casos de corrupção surgem, a maioria das
pessoas buscará delimitar uma figura do herói e do vilão, especialmente se a trama incluir
atores internacionais e, mesmo, “agentes infiltrados”.
Estudos sobre corrupção, portanto, devem investigar não somente a realidade de
sua existência, quanto o fato dela ser amplamente acreditada de existir. É por isso que
quando uma das questões político-econômicas socialmente mais relacionáveis é
mobilizada politicamente, sua aceitação social e seu poder político e econômico e de
acumulador de constituintes terá mais força que qualquer outro elemento discurso.
A figura a seguir é exemplo da força discursiva e, portanto, política do discurso
anticorrupção e sua capacidade de dar sentido à arena política pública e mobilizar a
sociedade. Vê-se a explosão do termo nos três principais jornais brasileiros desde 1940.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xix
Figura 11. Presença absoluta do termo corrupção na grande mídia (década de 1940 a 2010)
Fonte: Autor
Já a figura abaixo mostra a presença do tema em todos os manifestos partidários e
programas de governo de 1945 a 2020 no Brasil. Apesar da heterogeneidade presente em
nosso sistema partidário, há altíssima presença do tópico da corrupção em todos os
partidos, atestando a força do tópico como mobilizador de constituintes.
Figura 12. Presença de corrupção em Manifestos Partidários e Programas de Governo
6
Fonte: Autor
_______________________________________
6
Por motivos de clareza a figura não possui distinção por nomes ou ideologia partidária. A ideia é mostrar
a prevalência da corrupção em todos os manifestos partidários e programas de governo de 1945 a 2018.
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
O Estado de S. Paulo O Globo Folha de S. Paulo
0.0%
2.5%
5.0%
7.5%
10.0%
12.5%
15.0%
17.5%
20.0%
22.5%
1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020
% presença de corrupção política e
econômica
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Por fim, a figura abaixo mostra a “barra de preponderância” dos tópicos
mencionados nos principais programas de governo pós-redemocratização no Brasil
7
. Nela
vê-se o predomínio acachapante da corrupção.
Figura 13. Barra de preponderância de tópicos nos principais programas de governo: 1989-2019
Fonte: dados coletados do sítio Manifesto Project.
Para encontrar as origens do neoliberalismo pela agenda anticorrupção no Brasil,
imergi-me nos acervos dos principais jornais brasileiros desde 1930. Deles, as ligações
fizeram-se nas obras de importantes nomes da história intelectual, econômica e política
brasileira e suas ligações com governos e empresas privadas. Um dos grandes desafios
foi evitar a compartimentalização de suas trajetórias políticas e perder-me em discussões
tangenciais que, apesar de importantes, não agregariam ao trabalho. Por fim, ao realizar
as ligações necessárias entre eventos e personagens, sempre cuidando de entender as
estruturas que os constringiam ao mesmo tempo que entendendo suas estratégias
agenciais para lidar com elas, evitando ao máximo simplificações, pude fazer uso de
depósitos políticos (acervo da Presidência, da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, por exemplo), jornais secundários, obras bibliográficas, dados da bolsa de
valores, leis, manifestos partidários e programas de governo, enfim, todo um rico
arcabouço que, constringidos pelas fontes primárias, serviram de grande ajuda.
Assim, a mídia terá predominância como fonte na tese devido a sua posição de
importante formadora de opinião, especialmente num país em que a sociedade civil possui
fraca tradição organizacional (Fonseca, 2005). Devido ao seu ethos moralista e liberal, e
a necessidade de pautar toda discussão pública como um problema moral (mesmo os mais
técnicos) ela dará especial ênfase ao tópico da corrupção. Cabe a ela selecionar e
apresentar, com ênfase variada, casos de corrupção, infuenciando a percepção social
sobre a intensidade da endemicidade corrupcional no país. Priorizamos a análise de
editoriais e notícias de capa relativas ao nosso tópico.
_______________________________________
7
“Principais programas” seriam os 3 programas de partidos ou coalizões que tiveram mais votos em cada
eleição. Esses programas foram então lidos, anotados e classificados de acordo com os tópicos abordados
para então podermos retirar deles as taxas de preponderância desses tópicos nos referidos programas. A
diferenciação visual adotada foi por um esquema aleatório de cores. A seção verde corresponde à
"Corrupção Política"; seguido por "Lei e Ordem" (cor roxa); "Eficiência Administrativa" (marrom); seguido
por temas com quase igual preponderância (em ordem): Estado de Bem-Estar/Socialismo; Igualdade;
Direitos Humanos; Democracia; Liberalismo; Cultura; Educação; Saúde.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xxi
Os principais jornais utilizados foram O Estado de S. Paulo, influente jornal
paulista e de constância ideológica liberal-conservador (o primeiro a utilizar o termo
neoliberal e apoiar essas políticas já em 1950); o jornal carioca O Globo, jornal de
crescente influência no país, tornando-se o maior conglomerado midiático de nossa
história; e o Jornal do Commercio, que, apesar de não ser possuir alta tiragens, será
representante dos interesses das elites empresariais e financeiras, com rico acervo de
dados muito pouco utilizados em pesquisas acadêmicas. O jornal Última Hora será
importante a nós a partir de 1951, em que será acusado em grave caso de corrupção e,
depois, especialmente nos anos de 1960 em diante. Será o jornal destoante da grande
maioria, graças ao seu getulismo e oposição à ideologia neoliberal e conservadora. Ainda
assim, apontaremos pontos de contato na defesa do capital privado.
Os jornais secundários virão de correlação de opinião e informação e variarão em
sua utilização de acordo com a completude de informação sobre tópicos silenciados ou
incompletos por outros. Igual critério foi utilizado às revistas em que, curiosamente, as
publicações humorísticas possuirão maior foco no tópico da corrupção como forma de
denúncia que outros meios midiáticos. Essas revistas terão alta tiragem e gozarão de
altíssima popularidade, crescente até a ditadura militar que, paradoxalmente, encontrarão
seu auge, como as revistas Pif-Paf, O Pasquim e os livros/revistas de Stanislaw Ponte
Preta. Os cartuns irão, portanto, ganhar cada vez mais espaço nesta tese ao longo dos
anos, à medida que a imprensa se profissionaliza e inova em modos de sintetizar seus
pontos de vista, antes estrito à seção de opinião e editoriais, à imagem; seja eles em caráter
moralista-conservador ou denunciador dessa ideologia.
Externamente, o jornal mais utilizado será o New York Times que cobria
diligentemente o Brasil e os interesses econômicos estadunidenses na região da América
Latina, com um ótimo acervo digital ao pesquisador. Na revista externa, utilizamos
principalmente a Times Magazine que também terá interesse no Brasil e suas reportagens
serão frequentemente traduzidas por jornais brasileiros.
Examinamos todos os discursos já feito por todos os presidentes da República após
sua eleição, bem como suas importantes Mensagens ao Congresso. Assim, para entender
a influência na cultura política desse tema, também dei atenção especial à análise dos
manifestos e programas de governos de todos os partidos políticos da história brasileira.
Todos esses arquivos foram lidos, alguns transcritos, com suas sentenças categorizadas
(Cf. APÊNDICE B com a Tabela Categorial utilizada e com a Tabela contendo os
programas e manifestos utilizados). Com esses dados pude obter a real dimensão da
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xxii
ênfase do tema da corrupção na cultura política brasileira. Todos os discursos
presidenciais oficiais e Mensagens ao Congresso foram analisados, totalizando mais de 7
mil discursos, 740 entrevistas e 72 mensagens ao Congresso, criando um gigantesco
banco de dados de palavras utilizadas, disponibilizadas cronologicamente e
tematicamente possibilitando mostrar o grau de predominância do tema da anticorrupção
por época, bem como quais as representações mais utilizadas e temas correlacionados.
No caso dos jingles, forma de comunicação eficiente e relevante ao imaginário político,
coletamos e transcrevemos todos os jingles presidenciais já produzidos no Brasil.
A iconografia anticorrupção recebeu atenção especial. Para tanto, foram analisadas
capas de livros, ilustrações de jornais e revistas, cartuns, cartazes de protesto e fotografias.
Peças de teatro, filmes, músicas, marchinhas de carnaval etc. que contaram com alta
recepção popular também foram utilizadas. Muitos dos itens mais “icônicos” foram
adquiridos pelo autor em leilões, visto não estarem em acervos públicos.
Figura 14. La Trahison des images (A Traição das Imagens), adaptado
Fonte: autor reinterpretando a pintura de Magritte: La Trahison des images.
Novamente, quero apenas reiterar algo que surgiu em discussões ao longo da feitura
dessa tese. Quando digo que um governo adotou algumas medidas do que hoje chamamos
de racionalidade neoliberal não quer dizer, de modo algum, que chamo governante x ou
y de neoliberal. Mas sim de indivíduos e grupos políticos que buscavam ao máximo
efetivamente governar, fazer política e alocar os interesses conflitantes da melhor maneira
possível ao seu projeto e que estavam condicionados e pressionados por uma estrutura
global que favorecia políticas hoje vistas como neoliberais.
Quero afirmar ao leitor que muito cuidado foi dedicado à escrita. Tentei ao máximo
ser sucinto, contando linhas e palavras, mas nunca incompleto. Ainda assim, como disse
Pascal: “Desculpe a carta longa, tivera eu tido mais tempo, teria escrito uma carta menor”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo xxiii
Figura 15. Movimento histórico discursivo e conceitual da agenda anticorrupção
Fonte: Autor
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 1
Parte I: A Disputa entre Neoliberalismo e Desenvolvimentismo via Planejamento
Estatal: a Agenda Anticorrupção como Defesa e Ataque
Capítulo I: A Implementação da Agenda Anticorrupção em Momento de Disputa
entre Neoliberalismo e Desenvolvimentismo
1. Caracterizando o Neoliberalismo e sua Implementação como Esforço Global e o Novo
Discurso Anticorrupção como Parte de sua Essência
Evitando anacronismos, é importante saber que o discurso anticorrupção atual não é nem
de longe o que predominou por maior parte da história. No Apêndice D, o leitor encontrará
extensa pesquisa feita por mim que traça desde a época colonial as principais vertentes
discursivas anticorrupção no Brasil (e Portugal enquanto Império) até a redemocratização
brasileira em 1945. Lá mostro que a vertente liberal não era a regra. A vertente anticorrupção
pela via moral-religiosa, por exemplo, dominou por séculos o discurso anticorrupção. A liberal,
por sua vez, encontrou resistências entre membros da Igreja, altos funcionários e governantes.
Sua aceitação foi crescente entre segmentos liberais que buscavam um discurso que
representasse sua ideologia e projeto político, econômico e moral de nação. No caso dos
militares, categoria que desde o século XV utilizará de certas características desse discurso
(como a meritocracia), havia a glorificação de seu papel como funcionário que “serve à nação”
e não ao interesse particular (visão nada realista sobre seu papel), que possui relevância
discursiva quando buscam legitimar golpes sob a escusa de “limpeza moral” (Forattini 2018).
Mostro que a primeira agenda anticorrupção sistematizada no Brasil ocorreu na Primeira
República (1889-1930) e possuía cunho racista, apoiada em “cientificismo” influenciado pelas
vertentes positivista, neodarwinista e spenceriana, visando o “branqueamento” da população de
maioria africana recém liberta (1888), retratada como corruptora moral da “sociedade brasileira”.
Mostro também que nesse período, devido ao crescimento da classe média e do fenômeno da
urbanização e industrialização, a agenda anticorrupção predominante começa a se assemelhar
com a atual (com bandeiras contra “políticos profissionais”, apadrinhamento burocrático e
político, mau uso do erário e corrupção eleitoral). Entretanto, entender o apelo desse discurso no
Brasil até então seria pouco representativo visto a sub-representação do voto livre.
Essa forma de discurso anticorrupção ganhou força com a redemocratização pós-ditadura
Vargas (1930-1945) aliada ao fim da 2ª Guerra, em que países ocidentais entendiam os EUA
como inconteste paradigma político-econômico. Devo apontar que essa predominância do
discurso anticorrupção de vertente que hoje chamamos de neoliberal não foi fortuita, mas efeito
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 2
de projeto político-econômico que se iniciou décadas antes. Novas pesquisas sugerem que o
neoliberalismo surge após a 1ª Guerra como reação à adoção de políticas intervencionistas na
economia, nas relações de trabalho, no meio social e na mobilização de classes pedindo maior
participação democrática (Mattei 2016, 2017 e 2022; Quinn 2018; Tooze 2014 e 2018;
Mirowski e Dieter 2015). Esse movimento impulsionou forte reação de setores
ultraconservadores e liberais que viam essas mudanças com receio.
Nesse quesito, a Conferência de Bruxelas (1920) e de Gênova (1922) foram essenciais
para definir um novo modo de se pensar e realizar políticas públicas por um modelo que hoje
entendemos como neoliberal (na época chamado de Liberalismo Gladstoniano). Esta ideologia
possui como foco a transposição de um modelo de gestão privado ortodoxo ao público baseado
numa racionalidade que pode ser sumarizada em (1) idealização do livre mercado; (2) ceticismo
do papel do Estado na Economia; (3) rigorosa política fiscal e monetária; (4) elevação à arena
pública das virtudes privadas, como a abnegação, em forma de austeridade e da “honestidade”;
(5) necessidade de um governo forte e tecnocrata (Mattei 2016.: 998).
Essas conferências evitaram referência às causas e males da 1ª Guerra, às desigualdades
sociais, às mudanças político-econômicas e sociais na Europa ou ao vírus da Gripe Espanhola
resultando na necessidade desse aumento do Estado. As organizações dessas conferências
fizeram questão de não convidar políticos, preferindo um rol de ditos “técnicos”, que emitiram
receituário alheios aos problemas supracitados e às responsabilidades políticas do Estado com
a população. Seus pareceres foram frios, irrealistas, antipopulares e pró-mercado:
O país que aceita a política de déficits orçamentários está trilhando o caminho
escorregadio que leva à ruína geral; para escapar desse caminho nenhum sacrifício é
grande demais. É, pois, imperativo que cada Governo, como primeira reforma social
e financeira, da qual dependem todas as outras:
a) Restringir as suas despesas correntes ordinárias, incluindo o serviço da dívida, a
um montante que possa ser coberto pelas suas receitas ordinárias [...]
(c) Abandone todas as despesas extraordinárias improdutivas.
(d) Restringir até mesmo as despesas extraordinárias ao menor valor possível.
A Conferência considera que cada Governo deve abandonar, o mais rapidamente
possível, todas as medidas antieconômicas e artificiais que ocultam do povo a
verdadeira situação econômica; tais medidas incluem:
O barateamento artificial do pão e outros gêneros alimentícios, e do carvão e outros
materiais, vendendo-os abaixo do preço de custo ao público, e a provisão de auxílios-
desemprego de tal natureza que desmoralizem em vez de encorajar a indústria.
Os governos devem limitar seus gastos às suas receitas (Liga das Nações 1920a)
Os bancos, e especialmente os Bancos Emissores, devem estar livres de pressões
políticas e devem ser conduzidos exclusivamente nas linhas de financiamento
prudente. (Liga das Nações, Bruxelas, vol.4 1920: 109-110, traduzido pelo autor)
O ministro do Tesouro Britânico Robert Chalmers buscou resumir a Conferência e seu
receituário como: “We must work hard, live hard and save hard” (Liga das Nações 1920b: 27).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 3
A partir dessas conferências, a ortodoxia político-econômica e a disputa contra qualquer forma
de intervenção estatal (seja o desenvolvimentismo ou o comunismo) viraram palavra de ordem.
A racionalidade dessa vertente pressupõe não só o receituário ortodoxo e o modo privado
de gestão pública, mas alicerça-se na questão moral e, nesse sentido, a agenda anticorrupção
é essencial para seu desenvolvimento, garantindo a adoção desse receituário, provendo
sobrevida quando as prescrições falharem (Chancel e Piketty 2021).
Não é sem motivo que o discurso anticorrupção neoliberal está sempre associado à
austeridade e a movimentos antidemocráticos, pois em sua gênese reside esse confronto com a
expansão democrática e qualquer forma de organização social, ou com gastos públicos
direcionados à sociedade e com o planejamento estatal da economia via uma racionalidade
pública. Estas políticas são retratadas por esse discurso neoliberal como aprioristicamente
corruptas, que ferem todo o sistema “natural” (leia-se a “mão livre” ou “mão de Deus” de Adam
Smith) do mercado. O moralismo é a pedra angular desta ideologia. Como louvou Lady
Aberdeen, esse tipo de liberalismo seria “the Christianity of politics” (Skelton 1926: 255).
Inserido nesse movimento global de desenvolvimento do pensamento neoliberal,
aconteceu o importante Colóquio Walter Lippmann em Paris (1938). Apesar desse Colóquio
ter surgido como reação ao que muitos liberais temiam como o ocaso do liberalismo em troca
de um agressivo laissez-faire, o Colóquio Lippmann reuniu diferentes matizes de pensadores
e, entre eles, os principais expoentes do neoliberalismo, como Friederich Hayek, Louis
Rougier, Jacques Rueff, Ludwig von Mises, entre outros (Foucault 1993: 183).
Para Foucault, o que definiu o neoliberalismo foi a capacidade da ideia de liberdade
de se desvencilhar do preceito do laissez-faire, situando-se “... ao contrário, sob o
signo de uma vigilância, de uma atividade, de uma intervenção permanente.”
(Foucault, 1993: 182). Em seu entendimento, o processo de vigilância e intervenção
foi sendo gradativamente construído e alguns de seus preceitos já estavam presentes
no livro lançado por Lipmann ‘A Cidade Livre’, base da discussão proposta no
Congresso. Segundo o autor, alguns participantes propuseram que, ao invés do termo
neoliberalismo, fosse utilizado o termo liberdade positivo. “E vocês encontram em
todos os textos dos neoliberais essa mesma tese de que o governo num regime liberal
é um governo ativo, um governo vigilante, um governo intervencionista” (Foucault
1993: 183-184) (Longhi e Forattini s/d)
Esse discurso ao mesmo tempo restritivo, visto sua constante vigilância buscando sua
manutenção, e de racionalidade da gestão privada dos recursos (incluso o capital humano)
ganhará apoio não só em setores liberais, mas em setores antidemocráticos, como fascistas e
nazistas. Londres e Roma, por exemplo, apesar de entrarem em guerra simbolizando sistemas
antagônicos, adotaram políticas econômicas ortodoxas similares:
As diretrizes das políticas domésticas resumem-se nestas palavras: parcimônia,
trabalho, disciplina. O problema financeiro é crucial: o orçamento tem de ser
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 4
equilibrado o mais rapidamente possível. Regime de austeridade: gastando com
inteligência, ajuda às forças produtivas nacionais, acabando com todos os controles
de guerra e interferências do Estado (Mussolini 1933: 22)
Enquanto denunciavam a corrupção moral das políticas intervencionistas, pois negavam
princípios divinos como o auto sacrifício, incentivando vícios na população:
É bem sabido que os salários dos trabalhadores nas áreas industriais e comerciais da
Itália aumentaram notavelmente... a evidência é o aumento conspícuo no consumo
desnecessário de bebidas alcoólicas, doces, chocolate e biscoitos. (Einaudi 1920, 96-
7 apud Mattei 2017: 24)
Também porque corrompiam a ordem do poder ao prover um poder ilegal ao povo, pois
adviria de uma violação da ordem “natural” econômica de seleção competitiva, como diriam
os importantes economistas fascistas italianos Maffeo Pantaleoni (1922) e Umberto Ricci
(1926), numa forma de neodarwinismo social (apesar dos mais ricos terem recebido alívios
fiscais). Em todos esses governos houve a adoção desse sistema como um dever moral e
religioso. Políticos frequentemente ligavam a adoção dessas políticas ao “sagrado”, pois “eram
expressões de ideias e virtudes que pretendemos restaurar” (De Stefani, 1927: 5).
Pouco importava se os regimes de governo fossem opostos politicamente. Na verdade,
essa oposição é superdimensionada. Na luta pela implementação de leis pró-mercado e pela
repressão de seus opositores, ambos deram as mãos com facilidade. Assim foi na Inglaterra em
que Churchill (e boa parte da imprensa inglesa) louvou Mussolini e seu esforço na luta contra
a corrupção do leninismo e do giolittismo
8
(Bosworth 1970: 172).
Não pude deixar de me encantar, como tantas outras pessoas, pelo porte manso e
simples do senhor Mussolini e por sua postura calma e desapegada, apesar de tantos
fardos e perigos. Qualquer um podia ver que ele não pensava em nada além do bem
duradouro, como ele o entendia, do povo italiano, e que nenhum interesse menor tinha
a menor consequência para ele... Se eu fosse italiano eu o teria seguido com meu
coração do início ao fim em sua luta triunfante contra os apetites e paixões bestiais do
leninismo. (Churchill apud Bosworth 1970: 173)
O mesmo apoio ao autoritarismo aconteceu no Brasil na implementação da Lei de
Segurança Nacional de 1935 (Lei N. 38 de 1935) de Vargas como reação à Intentona Comunista
(1935): “[pois] à salvação pública tudo se sobreleva ... façamos esse sacrifício” (OESP,
05/12/1935: 3), desembocando na ditadura iniciada em 1937.
Entretanto, no imediato pós-2ª Guerra, não havia espaço para esse tipo de retórica
autoritária no Ocidente. A pauta democrática impunha-se. O foco global ficou em reordenar o
mundo à vontade dos países vencedores, especialmente dos EUA, na implementação de sua
_______________________________________
8
Giovanni Giolitti: um dos políticos mais influentes da Itália, desenvolvimentista que nacionalizou indústrias e
era alvo preferido dos liberais e fascistas italianos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 5
agenda político-econômica. Nesse momento, as elites estadunidenses começavam a reagir
contra as políticas do New Deal de Roosevelt e do esforço de guerra (Phillips-Fein 2009).
Para isso, foi elaborada a Conferência de Bretton Woods (1944), influenciada pelo
desenvolvimentismo de Keynes, mas também pelo Plano White (Harry Dexter White do
Tesouro dos EUA) responsável pela organização do novo Sistema Monetário Internacional
com foco no ajuste dos balanços de pagamento; na fixação da paridade monetária e sua livre
circulação; no fim do protecionismo; e na priorização do equilíbrio fiscal e monetário como
um dos pilares do desenvolvimento econômico global e da manutenção da paz mundial,
resultando na criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) (Major 2014).
Apesar de não ser tão agressivo quanto o plano que os banqueiros estadunidenses
queriam (o Plano Williams), o governo dos EUA adotará postura ortodoxa na concessão
bilateral de crédito internacional via empréstimos de curto prazo e com condicionantes de
caráter estritamente neoliberal (especialmente a países da América Latina), enquanto lutará
para que órgãos do Bretton Woods adotassem postura mais radical. Em pouco tempo, o FMI
foi reformulado e adotou agenda agressivamente ortodoxa (Babb 2007)
9
.
A proposta norte-americana visava eliminar a possibilidade de um ressurgimento dos
regimes nacional-capitalistas no pós-guerra, através da eliminação das barreiras ao
livre fluxo de bens e serviços, da multilateralização do comércio por meio da livre
convertibilidade entre as moedas dos principais países, e da criação de organismos
internacionais encarregados de estabelecer as normas, os códigos de conduta e as
sanções cabíveis sobre os países. É óbvio que não se tratava apenas de uma visão de
estadistas ... A proposta encontrava amplo supõe entre os setores internacionalizados
da economia americana, que vislumbravam as vastas possibilidades que se abririam
ao comércio e ao investimento internacionais em um mundo organizado politicamente
sob a hegemonia norte-americana (Malan apud Fausto 2003: 68)
Apesar de ainda existir disputa com o modelo neokeynesiano, especialmente em países
capitalistas da Europa, a racionalidade neoliberal gradativamente se tornou hegemônica no
concerto global e interno de países como os EUA. Essa mudança de atitude moldou instituições,
leis e governos no mundo todo, oferecendo pouco espaço de maleabilidade.
Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos seriam o “novo líder inconteste, com uma
posição tão dominante no mundo capitalista quanto o fora a da Grã-Bretanha depois
de 1815. Isso explica a crescente necessidade militar norte-americana. Um líder
inconteste deve manter clara superioridade militar. (Laurenza 2019: 26).
_______________________________________
9
Também nessa conferência foi criado o Banco Mundial, influenciado pelas ideias de Keynes, considerado o
outro pilar do sistema pós-guerra, para fornecer empréstimos à reconstrução da Europa. Com o tempo esse órgão
altera suas atividades e torna-se financiador de projetos de países em desenvolvimento para “erradicar a pobreza”,
virando efetivo financiador e fiscalizador de projetos de desenvolvimento desses países.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 6
Os Estados Unidos escolheram ambos os caminhos, formando diversas alianças
militares, enquanto utilizavam seu poderio financeiro para atrair países que tanto necessitavam
de crédito para reconstrução no pós-guerra ou para obter alguma forma de desenvolvimento
industrial, desde que cumprindo seu receituário financeiro e seguindo seu modelo de
desenvolvimento, fornecendo acesso interno às multinacionais estadunidenses.
“O capitalismo monopolista avançava e reenquadrava o mundo a partir de mercados e da
divisão internacional do trabalho fortalecendo outro novo ator internacional, a multinacional”
(ibid.), algo substanciado nas comissões de ajuda econômica propostas pelo governo
estadunidense, como a CMBEU de 1950-1953: “O que as multinacionais querem é o controle
monopolista das fontes estrangeiras de abastecimento e dos mercados estrangeiros para que
possam comprar e vender em condições privilegiadas” (ibid.)
“Por condições privilegiadas entende-se: transferir encomendas de uma subsidiária
para outra, favorecer este ou aquele país, dependendo de quem tiver políticas
tributárias, trabalhistas e outras mais vantajosas ... Em suma transacionam dentro de
suas próprias condições e por isso não necessitam de clientes comerciais, mas de
aliados e clientes prontos a ajustar suas leis e políticas às exigências das grandes
empresas norte-americanas” (ibid., grifo meu)
Os empresários estadunidenses, desde 1940 e, especialmente nas décadas de 1950 e
1960, viam seu mercado como grande, mas saturado (“America as the ‘land of opportunity’ is
beginning to lose that title in the eyes of many U.S. businessman” U.S. News & World Report
apud Baran e Sweezy 1966: 198). A tabela abaixo mostra essa saturação: enquanto as vendas
das filiais cresciam em 54%, as vendas das matrizes cresceram apenas 17% em 6 anos:
Tabela 1. Crescimento do Mercado Externo e Interno de Vendas de Produtos Manufaturados
Ano
Venda de Manufaturados
de Afiliados Externos
Venda Total de
Manufaturados ao
Mercado Interno
Exportação de Produtos
ao Exterior (exceto
comida)
1957
18
341
16.8
1958
n.a.
314
13.8
1959
21
356
13.7
1960
26.6
365
16.6
1961
25.6
368
16.9
1962
28.1
400
17.3
Fonte: Baran e Sweeney 1966: 198
Era vital aos EUA implementar seu modelo neoliberal em países que exercia influência,
de acordo com a racionalidade e exigência das empresas estadunidenses, que contavam com a
ajuda do sistema financeiro criado por eles em Bretton Woods, condicionando todo o Ocidente.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 7
2. O Brasil Condicionado pelo Arranjo Global e o Uso do Discurso Anticorrupção para
Justificar as Reformas Ortodoxas por Atores Externos
O Brasil inseria-se nesse novo concerto global e era condicionado por ele.
Talvez em nenhum outro continente a avassaladora presença dos Estados Unidos se
fazia sentir tão amplamente quanto a América Latina do imediato pós-guerra. Pela
primeira vez na História, adquiriam o virtual monopólio de influência na região,
constituindo praticamente sua única fonte de capitais, da assistência técnica e militar
e seu mais importante mercado: quase 60% das importações latino-americanas no
triênio 1946-48 provinham dos EUA, que absorviam quase a metade das exportações
latino-americanas ... Entretanto, as elites latino-americanas, com a possível exceção
da Argentina peronista, julgavam-se beneficiárias da nova dimensão - através dos
EUA - que o continente assumia no mundo. O famoso “bloco latino-americano”, em
suas votações nas assembleias iniciais das Nações Unidas, mostraria ao resto do
mundo que a região constituía uma inquestionável zona de influência política norte-
americana (Malan in Fausto op. cit.: 73-74, grifo nosso).
Como afirmou Malan, a ambição do projeto desenvolvimentista brasileiro estava
condicionada à ortodoxia liberal dos EUA, que
procuravam organizar o mundo, e que levaram[-nos] a ouvir ad nauseam, conselhos
que insistiam na necessidade de combater a inflação (via redução de investimentos
públicos), eliminar as restrições ao comércio internacional e encorajar a empresa
privada (especialmente a estrangeira) através da criação de um “clima político”
propício aos fluxos internacionais de capital de risco. (ibid.: 86)
Até mesmo boa parte dos nacionalistas brasileiros entendiam ser uma conjuntura
inescapável. Helio Jaguaribe, em seu clássico O Nacionalismo na Atualidade Brasileira
(1958), buscou defender o que chamou de “argumento realista”:
Ante a atual divisão do mundo em dois blocos, não há outra saída para as menores
potências senão integrar-se em um desses blocos. É provável que tal situação não seja
favorável às potências menores, por reduzir-lhes a área de barganha. Dada a situação
de fato existente, no entanto, a forma menos onerosa de dependência, como foi dito,
é, para um país como o Brasil, sua integração deliberada no bloco americano.”
(Jaguaribe 2013: 307).
Logo, não só era impossível escapar ao receituário econômico em vigência, como
também era impossível que um governo autoritário e nacionalista como o de Vargas
continuasse em vigor após a 2ª Guerra. Vargas se tornou o principal adversário da elite liberal.
Tido como antidemocrático, intervencionista na economia e nas relações de trabalho, sua
agenda nacional-desenvolvimentista e administração era, diziam, a corrupção em si.
Vargas seria o Giovanni Giolitti da elite brasileira e das capitais financeiras. A eles, seu
governo representava um modelo de Estado que deveria ser desconstruído, mesmo que para
isso, no futuro, fosse necessário implementar uma ditadura. Em “Para Onde Vamos” o jornal
paulista OESP dirá: “o pior dos males que o caudilhismo do sr. Getúlio Vargas causou ao Brasil
foi o abastardamento do caráter. Depois de quinze anos de corrupção política apareceram, em
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 8
toda sua nudez, os frutos apodrecidos” (OESP, 05/01/1947: 14). Como disse Júlio Mesquita
Filho, dono do OESP, buscando justificar o golpe de 1964:
A nossa participação foi sempre, evidentemente, só como jornal, no campo das ideias.
Pelo menos até 1932. ... A partir de 1930, a nossa luta foi contra Getúlio e o sistema
político que ele criou. Daí, evidentemente, tudo caminhou para o desfecho de 1964.
(Mesquita, 1984: 26-27)
O jornal New York Times (NYT) rememorou Vargas: “[em 1930, por um golpe toma o
poder] pela maioria desses anos as sortes [trocadilho com sorte e riqueza, “fortunes”] de Vargas
e do Brasil estiveram interligadas. ... [Mas suas políticas] adicionaram problemas à economia
e o alienaram de empresários e das Forças Armadas. Essas políticas mais sua tolerância com
subornos, corrupção e simpatias peronistas dentro de sua família trouxeram fortes críticas ao
seu governo [levando ao seu suicídio]” (NYT, 29/08/1954: 123). Já a Time Magazine será
menos empática: “Quatro anos depois, Vargas voltou à sua antiga corrupção e regime
ditatorial, o Exército então novamente ordenou que ele fosse embora; desta vez Vargas foi ao
quarto do palácio e enfiou uma bala na cabeça.” (Time Magazine, 21/04/1967).
No pós-guerra, Dutra buscará se distanciar de Vargas, apesar de somente ter ganhado a
eleição com seu apoio. Logo em seu primeiro ano, declarou a inflação e o desequilíbrio da
balança de pagamentos, “graças à desequilibrada política intervencionista de Vargas”, como os
maiores desafios à “soberania nacional ... no tocante a despesas reputadas inadiáveis”, como
disse em sua Mensagem ao Congresso (Dutra 1950: 18).
A solução seria a adoção de uma agenda austera e de combate à corrupção, pois “não
basta, para corrigir os desequilíbrios, uma política decidida e austera na execução do
orçamento. Já em 1946, ao iniciar a administração, nos vimos na contingência de arcar com o
peso de encargos recém-criados [criticando os encargos criados pela política intervencionista
de Vargas]” (ibid.). Isso seria alcançado, diz, pela adoção das propostas apresentadas pelos
EUA e pelo arranjo multilateral do pós-guerra em Bretton Woods.
O governo acreditava estar em crédito com os EUA e obter favores comerciais e
creditícios pelo apoio à guerra, à política estadunidense na América Latina e por estarem
dispostos a adotar políticas liberais após a Missão Aranha (Malan op. cit.: 79-88). Ao discursar
ao presidente dos EUA, Harry Truman em visita ao Brasil (1947), Dutra louvará o povo dos
Estados Unidos, sua ideologia liberal e a necessidade de emulação de suas políticas e de seu
american way of life, que exportaria não só a liberdade e a prosperidade econômica, mas a
moralidade, por serem “a égide moral” global.
[Trata-se de uma civilização dotada de] traços essenciais que desta residem
precisamente a progressiva extensão de benefícios morais e materiais ... [este é] um
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 9
elemento dinâmico que faz da democracia americana uma experiencia sempre
renovada almejando constante ampliação de oportunidades de maneira que assegurem
aos indivíduos a busca pela felicidade e fidelidade, sucessivamente demonstrada pelos
americanos com ideais que constituem a base da influência moral no mundo neste
momento incerto. (Dutra 1947: 157, grifo meu)
Entretanto, a adoção desse receituário resultou em rápida escassez das reservas
internacionais e o acúmulo de atrasados comerciais, interrupção da importação de matérias-
primas, maquinários e de investimentos externos, fomentando o mercado negro de produtos e
câmbio, além de outros casos de corrupção, efetivamente prejudicando a industrialização
brasileira (Abreu op. cit. 107-109) – o oposto do que prometia o receituário neoliberal.
A frustração foi completa. A atenção estadunidense foi dirigida a uma estratégia de
defesa e reconstrução priorizando a Europa e depois o Oriente Próximo, o Extremo Oriente e
a África. Existiam dois conceitos muito díspares sobre o que seria cooperação entre os países
(Cervo e Bueno, 2008: 270). A Washington, o desenvolvimento brasileiro seria assunto para o
Banco Mundial, FMI ou bancos privados. Não era prioritário aos EUA, como disse o
Departamento de Estado em telegrama interno sobre os pedidos de ajuda do Brasil:
Embora o programa de desenvolvimento brasileiro seja desejável e mereça
assistência, ele não tem o mesmo pedido de urgência que têm diversos países europeus
devastados pela guerra. (Foreign Relations 1946, vol. XI: 396)
Será somente em 1948, que os EUA construirão uma comissão técnica para estudar a
situação econômica do país e contribuir com sugestões ao desenvolvimento brasileiro. Ao
analisar as diversas comissões entre Brasil e EUA desde 1939 até 1953
10
pode-se comprovar
essa afirmação ao ver que as recomendações dadas ao Brasil visavam a adoção de programa de
estrito cunho ortodoxo focando na restrição monetária, austeridade fiscal, diminuição de
barreiras comerciais, regulação da remessa de lucros e dividendos e criação de um Banco
Central, para somente então falar em industrialização, como se esta fosse consequência natural.
Em verdade, houve breve hiato em que os projetos estadunidenses de cunho
desenvolvimentista ao Brasil foram a norma. Iniciado nos esforços do New Deal eles tiveram
vida curta até 1939 quando a política desenvolvimentista estadunidense começou a ser
questionada graças ao término da influência de Henry Morgenthau Jr. no Tesouro dos EUA. A
partir de então, os EUA deixam de lado políticas de crédito de longo prazo (propícios à
implementação industrial) e oferecem majoritariamente créditos de curto prazo, ou auxílio com
créditos privados, desde que com a contrapartida da implementação das políticas supracitadas.
_______________________________________
10
Missão Aranha (1939), Taub (1941); Cooke (1942) e Abbink (1948) e a chamada CMBEU (Comissão Mista
Brasil- EUA, 1951-53).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 10
A requisição dessas medidas iniciou-se já nas relações entre Brasil e Inglaterra na missão
liderada por Sir Otto Niemeyer (1931). Nessa missão, o Brasil, em default em suas dívidas,
pretendia voltar a atuar no mercado financeiro e comercial global, mas Niemeyer condicionou a
concessão de empréstimo à adoção de um rigoroso plano ortodoxo. A figura de Niemeyer é
crucial, pois ele e Sir Basil Blackett foram os responsáveis pela criação e expansão global do
programa tecnocrata neoliberal criado em Bruxelas e Gênova (as recomendações acima foram
repetidas ipsis literis em suas missões na Índia, 1928; Austrália, 1930; Brasil, 1931; Argentina
1933 e China 1944). Niemeyer orgulhosamente repetia o documento final de Gênova de que a
prioridade de um país deveria ser um orçamento restrito e burocracia reduzida, não importando
se a situação social passasse por um “tratamento doloroso” visando o “interesse geral” (Liga das
Nações, 1922: 68). Uma das principais justificativas desse arrocho seria a luta moral: tanto pela
via da austeridade, quanto pela via da luta anticorrupção, pois diminuiria a discricionariedade
burocrática e a corrupção inerente em políticas intervencionistas (Niemeyer 1931).
As mudanças pedidas por essas missões exigiam ampla revisão institucional, legal,
econômica e, mesmo, sociocultural. No caso da Missão Aranha (1939), por exemplo, além das
medidas supracitadas e de proteção ao capital externo (e.g. regulação de dividendos e remessa
de lucros favoráveis aos EUA), foram pedidas difíceis reformas institucionais, legais e sociais.
De volta ao Brasil, em conferência com governadores, o ministro da Fazenda Artur de Souza
Costa prometeu “a implementação imediata de um Banco Central ... com recursos brasileiros”
lastreados ao ouro e depositados no Federal Reserve Bank dos EUA (NYT, 20/11/1939: 30).
Já Osvaldo Aranha criticou o protecionismo brasileiro às “empresas fictícias que existiam
somente devido ao protecionismo tarifário e que devem ser eliminadas ... e que corrompiam
a democracia e arruinavam o país”. Vargas congratulará a todos e retificará o “novo rumo
brasileiro” ao dizer que “o passado para o Brasil está enterrado. O presente reside no trabalho
e o futuro ganhará as riquezas desse trabalho” (ibid.). Aranha ao rememorar sua missão falará
sobre a dificuldade das negociações, pois elas abrangiam não só as reformas econômicas, mas
a implementação e o “exame e estudo, e até revisão, de normas e processos usuais da vida
americana [para implementar na brasileira]” (Aranha, 2017: 184).
É importante sublinhar que, internamente, o combate à corrupção será discurso sempre
trazido à frente para justificar as adoções das soluções de cunho restritivo neoliberal prescritas
por esses organismos e missões e para se contrapor ao modelo desenvolvimentista em disputa,
efetivamente buscando silenciar o debate pela via moral, como veremos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 11
3. Dutra e Vargas em Busca de um Modelo de Desenvolvimento: Anticorrupção como Arma
e Defesa das Reformas Monetárias Neoliberais
Como dito, há uma racionalidade por trás do discurso anticorrupção e ela se manifestará
no ponto mais importante da agenda global econômica daquele momento – política monetária
livre e fiscal ortodoxa – e que moldará a maior parte das ações internas relativas à economia e,
como mostrarei, a de maior impacto na arena política no governo eleito de Dutra e Vargas.
É importante atentar que temos na redemocratização a disputa entre o
desenvolvimentismo intervencionista e o neoliberalismo como forma de desenvolvimento
“natural”. Essa discussão cresceu durante os últimos anos de Vargas, quando, a seu pedido,
foram desenvolvidos, por dois dos maiores nomes na economia brasileira (o neoliberal Eugênio
Gudin e o industrialista Roberto Simonsen), detalhados estudos para se entender o modelo de
desenvolvimento que o Brasil devia adotar. Estes estudos tiveram réplicas e tréplicas entre os
dois intelectuais com diversas repercussões na arena pública, em que Gudin sairá visto como
superior à Simonsen em “capacidade técnica”. Visão que trouxe certos desgastes ao argumento
favorável à planificação do Estado no final do governo Vargas e início do governo Dutra:
De fato, a julgar pela argumentação de Simonsen, seus conhecimentos de economia
como ciência eram extremamente precários, o que deu a Gudin, em todas as fases do
debate, uma grande superioridade “técnica”. A posição de Simonsen tinha mais
sentido político e doutrinário, além de embutir, talvez, o resultado de uma longa e
proveitosa experiência administrativa (Doellinger apud Gudin e Simonsen 2010: 30)
Mostrarei que as narrativas neoliberais não só defenderão seu modelo utilizando uma
lógica “tecnocrata” e “não-ideológica” (mas no fundo moralista), como atacarão o programa
desenvolvimentista principalmente pela lógica da anticorrupção. Os principais tópicos
analisados serão de origem fiscal e monetária, visto serem esses o principal foco das reformas
globais no pós-Guerra e das crises brasileiras que condicionarão os governos decorrentes.
A implementação de uma política monetária e fiscal de livre mercado, de acordo com as
prescrições estadunidenses, e mesmo britânicas, já havia dados seus passos iniciais no final do
governo Vargas com a criação da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito),
retirando parcialmente o poder político do Banco do Brasil sobre a política monetária e fiscal
no Brasil, apoiando-se numa lógica mais tecnocrata da economia em que o foco será a inflação
e preparando o terreno para a criação de um Banco Central. Algo criticado por Vargas, pois o
governo perderia parcialmente o poder sobre o câmbio, e que auxiliou seu afastamento das
classes médias, liberais e de parte dos militares pró-EUA (Malan apud Fausto op. cit. 91).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 12
A criação da SUMOC “resultou de conversações frequentes entre os funcionários do
Banco do Brasil, do Ministério da Fazenda e de alguns empresários. E, sobretudo, da orientação
do professor Eugênio Gudin [voz fiadora do modelo estadunidense e do Bretton Woods, do
qual foi o delegado brasileiro]” (Bulhões 1990). Esse, no mencionado Relatório “Rumos da
Política Econômica” (1945), por diversas vezes citará economistas neoliberais de destaque no
Colóquio Walter Lippmann como Jacques Rueff e Louis Rougier para justificar a adoção de
um modelo de livre mercado ao associar o controle político do câmbio e crédito como “fonte
dos maiores abusos”. “Em uma palavra, ... [o modelo intervencionista] destruirá o mecanismo
financeiro das trocas internacionais, conduzirá às economias fechadas, criará privilégios em
detrimento do Tesouro e dará lugar a inevitável corrupção” (Gudin 2010:104-105).
Assim, com a impressão de que o Brasil sairia da 2ª Guerra como credor político dos
EUA e com outros elementos estratégicos político-econômicos que jogavam a favor desse
alinhamento, era improvável que Dutra adotasse posição intervencionista na economia.
▪ Duas mudanças na política monetária e creditícia
Do livre mercado à intervenção estatal: o início do discurso anticorrupção de mais
impacto político-econômico das décadas de 1940 e 1950
A primeira medida de Dutra foi adotar o câmbio livre e focar na inflação como o maior
problema do país, sendo para isso necessário adotar uma política fiscal ortodoxa de contenção
de demanda. Entretanto, essa política rapidamente esgotou as reservas cambiais brasileiras. O
problema era estrutural e vinha de incompreensão sobre a situação das reservas cambiais
brasileiras e sobre o arranjo global em que o Brasil estava inserido.
Para solucionar essa falta de reservas, que impedia importações necessárias ao mercado
interno e ao desenvolvimento industrial, que agravava o déficit comercial com os EUA e
contribuía ao aumento da inflação, Dutra modificou o sistema de troca cambial livre,
preconizado pelo FMI, pela intervenção estatal pela a Lei 262 de 1948 que instituiu a imposição
de licenças de importação concedidas pelo governo de acordo com a prioridade econômica.
Para combater essa mudança, o foco principal dos opositores de Dutra (esquerda ou
direita), será o foco na corrupção que esse modelo de licenças trazia embutido em si. Por
exemplo, ao demandar a volta ao sistema cambial de mercado livre e ortodoxo, o influente
deputado da UDN, Herbert Levy (proveniente do setor bancário), dirá que o maior problema
ao desenvolvimento econômico e moral brasileiro era o regime cambial adotado por Dutra.
Para Levy e à maioria da UDN, a intervenção estatal na economia, pela
discricionariedade que essas licenças criavam, dava ao governo enorme poder sobre o que
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 13
deveria ser importado e quem poderia importar, levando à corrupção. A ele, o problema
necessitava de soluções econômicas-liberais e morais: “liberdade cambial e honestidade
acima de tudo” (OESP, 07/06/1949:3-4). Em discurso no dia 05 de julho de 1949, o deputado
disse que as licenças levavam a favorecimentos e a gastos supérfluos gerando “atrasados
comerciais” que aumentavam a dívida pública, o preço das máquinas e produtos importados
fomentando a inflação e criando um “mercado negro de câmbio”, um mercado que não era
paralelo, mas “incentivado pelo governo” (OESP, 07/06/1949: 3-4). Por outro lado, dizia que
o livre mercado cambial faria com que o “capitais externos” entrassem com mais facilidade no
país, pois somente os produtos realmente necessitados pelo mercado seriam importados, a mão
livre do mercado frearia levaria à eficiência e ao fim da corrupção, além de abaixar os preços
no médio-longo prazo: “neste mercado a moeda vai encontrar seu curso legítimo” (ibid.).
Esse discurso, transcrito por dois dias na página mais importante do tradicional jornal
paulista, sublinhava apenas às causas morais trazidos pelo sistema cambial de licenças. Com o
título em letras garrafais “CAUSAS DA PRESENTE ESCASSEZ DE CAMBIAIS” o artigo
tinha no subtítulo, em negrito, o resumo da racionalidade apresentada: “Negócios ilícitos em
torno das licenças prévias – Denunciada na Câmara Federal a importação de artigos
supérfluos feita mediante licenças livremente negociadas”. Em suma, a escassez não era
culpa da antiga política neoliberal adotada que esgotou as reservas, mas culpa da nova política
intervencionista do governo que criava espaço à corrupção e distorções.
A própria origem sobre o mercado negro cambial era controversa. Quase todos culpavam
o governo, de uma forma ou de outra, pelo problema. Os mais vocais eram os membros do
PCB. Estes adotavam uma visão simplista sobre o papel e influência dos agentes
governamentais e do real tamanho do mercado brasileiro e global. Acreditavam que a principal
culpa da falta de divisas e inflação era de Dutra e dos EUA que estariam manipulando os preços
do mercado interno de bens manufaturados (como se fosse possível), aproveitando-se da
“artificial escassez cambial” para represar esses bens, somente liberando-os “por ágio”: ou seja,
acusavam o governo de lucrar com a corrupção e com a especulação das licenças.
Assim discursaram os deputados Henrique Oest e Abílio Fernandes (DCN, 28/11/1947:
40). A eles, essa forma de corrupção vinha das autoridades para ser replicada em burocratas de
médio e baixo escalão que, pela Comissão Central de Preços (CCP), tabelavam altíssimos
preços mínimos favorecendo quem os podia pagar por suborno: “[essa política] constitui um
caderno de medidas antipopulares, de favoritismo aos açambarcadores, aos comerciantes de
câmbio negro, aos monopolistas da indústria, etc.”, como acusou Francisco Gomes do PCB
(25/11/1947: 30). Ainda assim, defendem as licenças, pois diziam que elas preservavam a
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 14
indústria nacional. Suas críticas foram vistas como simplistas por deputados da época,
especialmente por declararem que a maioria dos bens importados eram “supérfluos e
desnecessários” (ibid.), citando produtos com crescente demanda no país como geladeiras,
ventiladores etc., ou seja, típicos de uma nova classe média ou baixa em ascensão.
Havia também os que escusavam os EUA e denunciavam o governo por intervir na
economia. Esta crítica era mais clara em varguistas descontentes com Dutra (usualmente do
PSD) ou antivarguistas favoráveis às políticas de não-intervenção na economia (em especial
da UDN). Importante é notar que, inicialmente, poucos acusavam Dutra de corrupção. O foco
residia na política econômica intervencionista que produziria corrupção e o mercado negro.
Assim como apontou Herbet Levy, a corrupção seria tolerada e incentivada pelo governo,
inclusive como forma de apaziguar uma elite sedenta por dólares:
Sempre que prevalecia o controle cambial surgia o mercado negro e o mercado
cinzento. O mercado cinzento que funcionava dentro dos principais canais bancários
e era incentivado pelos regulamentos que permitiam aos bancos autorizados reter certa
percentagem de câmbio adquirido dos exportadores e vende-los aos comerciantes. O
mercado negro tinha a aparência de um mercado livre porque as taxas de câmbio eram
cotadas livremente pelas agências de viagens, hotéis, lojas e bancos pequenos. Nem
um nem outro era seriamente prejudicado em suas operações. (Huddle 1964: 21)
Os poucos que acusavam diretamente Dutra diziam que ele amplificava o tamanho real
do problema ao manipular as contas nacionais, como fez Osvaldo Lima (PSD, ex-DOPS,
partidário de Vargas): “Não estou acreditando muito nas informações do governo ... Estou
desconfiado de que essas divisas tenham tido outro destino” (DCN, 28/11/1947: 40).
A desconfiança do deputado não era sem razão, afinal de contas o governo não era
transparente em suas contas. Por exemplo, em um escândalo de corrupção (com muito maior
visibilidade nos EUA que no Brasil), descobriu-se, em 1950, que o Departamento Nacional do
Café, buscando aumentar as expectativas sobre as safras e valorizar o preço da commodity não
informava a quantidade de café produzida e em estoque desde 1947, fazendo com que em
janeiro de 1948 investidores e comerciantes estadunidenses não realizassem a compra do café
pois esperavam alta produção, preferindo esgotar suas reservas achando que o preço deveria
abaixar no futuro. Quando em outubro de 1948, o governo anuncia que não havia mais
estoques, a corrida pelo produto foi tanta que o preço do café explodiu e pela primeira vez em
três décadas o café saiu do estado de superprodução para um estado de alta demanda e pouca
oferta. O preço do café nas bolsas estadunidenses que estava estável até julho, cresce de forma
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 15
descontrolada, com escândalos diários sobre atividades de hedge (operações de proteção contra
variabilidade futura dos preços) e especulação de compradores
11
.
Esta prática, de falta de informações confiáveis, repetiu-se por décadas (MOVES
IRREGULAR FOR COMMODITIES, NYT 08/09/1956: 28) até a década de 1960. O governo
estadunidense chega, em 1952, a barrar o aumento do preço do café brasileiro em resposta ao
que era tido como especulação (OPS [Office of Price Stabilization] Declines to Meet New
Brazil Coffee Price: [OPS] said today that the ceiling price on coffee will not be raised despite
Brazil's decision to increase its price above the ceiling, NYT 16/01/1952: 38).
Somente em 1956 é que a imprensa brasileira dará atenção ao “caso do café” e acusações
de corrupção: “O caso da exportação de café assumiu características da mais desbragada
corrupção. O chamado subfaturamento é praticado às barbas do Instituto Brasileiro de Café,
confirmado documentalmente com dados de seu Boletim Oficial” (OESP, 12/04/1956)
Nesse caso, a visão brasileira sobre um mercado livre e “limpo” como o dos EUA, o
oposto ao sistema brasileiro que controlava a exportação do café, servia como justificava ao
jornal para que os EUA retaliassem os comerciantes e produtores brasileiros. Isentavam a
priori as ações estadunidenses de qualquer interesse na manipulação do preço. A intenção dos
EUA seria simplesmente o “fair price”: “a casa estrangeira de grande importância, habituada
a um comércio tradicionalmente sério não se conforma com o ‘under the voice’ e o aventureiro
que o introduziu em Santos não só o pratica como tira dele vantagens” (ibid.) Essa visão
coadunava com o entendimento de que a intromissão governamental no câmbio gerava as
distorções necessárias para que a corrupção e o mercado negro se implementassem no país.
Assim, interna e externamente começavam as pressões para que a intervenção
governamental na economia acabasse. Os EUA pressionavam o governo brasileiro a liberar a
troca comercial das exportações e importações
12
e, apesar de, no longo prazo, terem conseguido
alcançar seus objetivos, os resultados de sua pressão vieram em tempos diferentes.
O caso das exportações de café não teve tanto impacto na arena político-econômica
brasileira quanto o das licenças de importação. O motivo era simples, o governo não cedia o
controle das exportações de café pois precisava do preço do café alto para que tivesse receita e
_______________________________________
11
COFFEE QUOTATIONS CONTINUE TO RISE: Trade hedge covering in the near-by positions, coupled with
Brazilian buying in the far-off months enabled the coffee futures market yesterday to continue its advance during
the greater part of the trading session on the New York Coffee and Sugar Exchange (NYT 02/09/1948: 37).
COFFEE FUTURES UP 13 TO 32 POINTS: Prices of coffee futures … continued to advance yesterday in active
trading. New highs for the … current contracts were established. Trade house buying and hedge covering of the
near-by delivery positions, along with support from Brazilian interests, advanced prices 13 to 32 points above the
previous close. (NYT 28/09/1948) RISE IS CONTINUED ON HIDE FUTURES (NYT 26/10/1948: 51).
12
BRAZIL MAINTAINING COFFEE EXPORT CURB (NYT 19/08/1956: 31).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 16
divisas para pagar suas dívidas com os EUA e financiar qualquer projeto de desenvolvimento.
Isso era ponto comum, exceto para certa parte de produtores de café que entendiam que estavam
sendo roubados com o ágio das exportações para o governo obter as divisas.
Já no caso das importações, residia o espinhoso tema sobre qual projeto de
desenvolvimento e governabilidade o país adotaria. O controle das importações resumia qual
o uso das divisas o governo faria: pagaria dívidas e reduziria a demanda e a inflação; ou
financiaria setores estratégicos da indústria nacional, afetando, assim, uma multitude de atores.
O deputado Costa Porto (PSD) oferecerá o relato mais pormenorizado de todos os
discursos analisados nesta tese do Congresso Nacional (em plenário e comissões). Ele buscou
entender os motivos do aumento de custo de vida do país, visto como “uma febre de exploração
generalizada” (DCN 25/10/1948: 10288). Numa mescla de pragmatismo desenvolvimentista e
moralismo, Porto será crítico às medidas liberais de Dutra. Dirá que a inflação, decorrente da
falta de divisas, não podia ser solucionada pela via ortodoxa e de laissez faire, mas somente
por políticas públicas dirigidas ao incentivo da produção. “O meio recomendado para combater
a inflação, como diz Sr. Correia e Castro, é a expansão econômica, de tal forma que o seu
volume absorva o excesso dos meios de pagamento” (ibid.).
Apesar de louvar as licenças cambiais, Porto criticará o governo por não ter tomado
“providências concretas, pois de nenhum modo se procura o combate à ganância e à
exploração, diante dos quais o Poder Público não pode cruzar os braços, num ‘laissez-faire’
moral”. A ele, a corrupção seria o problema das licenças de Dutra, mas isso não quer dizer que
o sistema de licenças implicasse aprioristicamente em corrupção. O governo é que não
buscava combater a corrupção que eventualmente aparecesse. O combate à corrupção que
ele pedia, ao contrário da crítica comum que focava no papel do Estado como corruptor, era
contra as empresas que corrompiam a economia ao buscar, imoralmente, “exagerada margem
de lucros”. A ele, a tese de que a corrupção viria somente do Estado e que podia ser combatida
com leis “técnico-econômicas” cairia num “amoralismo político” (ibid.).
Entretanto, a maior parte da grande mídia discordava do deputado. OESP, no mesmo dia
que reproduziram a fala de Herbert Levy, publicou editorial “A situação econômica brasileira”
no qual afirma que apesar “das reservas em ouro não permitirem ao Brasil sustentar mais de
quinze meses o ‘déficit’ com os EUA”, deveria existir otimismo nos brasileiros, pois bastava
adotar uma política mais neoliberal “como a criação de um Banco Central [pois] “sua
inexistência representa um grande fracasso ... que com certeza, havia esperança de que o afluxo
de capitais norte-americanos ao País equilibrará nossa balança comercial” (07/06/1949: 3).
Estávamos, dizem, em melhores condições que a Inglaterra e essa já “conseguiu estimular
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 17
extraordinariamente suas exportações”. A eles era questão de tempo e de reordenação de
política econômica. Esquecem-se que a Inglaterra e outros países europeus se recuperaram
graças ao alto influxo advindo do Plano Marshall, e que estes mesmos países adotaram políticas
monetárias intervencionistas quando faltaram divisas.
4. O escudo e o modus operandi da autoproteção: o olhar seletivo neoliberal e a falta de
questionamento da corrupção pela via privada
Essa visão também impede o questionamento microestrutural. A concepção neoliberal
de que somente o Estado corrompe e nunca é corrompido impede a concepção sobre a origem
da corrupção pela via privada como uma das principais causas da corrupção
13
(efetivamente
naturalizando-a) e realimentando a representação de que o funcionalismo público é
inerentemente corrupto: representação que o neoliberalismo expande e naturaliza. Abaixo,
tomo como exemplo a proteção dada a um dos maiores monopólios da história brasileira,
envolvida no caso das licenças, de empréstimos externos e, em alguns anos após esse episódio,
na pressão política sobre Vargas, a Light do Brasil.
No discurso citado do deputado Herbert Levy ocorre a interpelação do desiludido
deputado udenista Coelho Rodrigues (membro do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, de
viés nacionalista, que se afastou da UDN em 1950), denunciando que boa parte da corrupção
cambial se originava pela via privada: “Ando desconfiado que a Light para possuir reservas de
divisas, onera o carvão que importa para ficar com folga do outro lado”, sugerindo que o
aparato estatal deveria crescer para fiscalizar essas empresas.
Levy aquiesce sobre os “rumores”, mas desconversa e volta à ineficiência do Estado:
“acredito que nossos escritórios no exterior exercem a função de colher elementos sobre os
custos real das mercadorias” e espera que “funcionem com a eficiência que se faz necessária”
(grifo meu). Retoma a tese da eficiência do mercado, sendo rapidamente auxiliado pelos
deputados da “Banda de Música da UDN”
14
, como Aliomar Baleeiro (futuro ministro do STF
durante a ditadura) e Tristão da Cunha (futuramente responsável pela direção do CADE, que
deveria prevenir e punir abuso do capital privado), todos comentando sobre as benesses do
livre cambismo, citando a França como exemplo de inversão de capital externo (esquecendo-
_______________________________________
13
Isso afeta inclusive estudos acadêmicos que normalmente focam, no limite, na “manipulação” política do
discurso anticorrupção (nesse caso os estudos são repletos), mas raramente as empresas são estudadas por seus
atos de corrupção. Quando há estudos sobre elas, estes estão próximos a análises históricas institucionais.
14
Grupo de parlamentares que fizeram ferrenha oposição aos governos intervencionistas e desenvolvimentistas. Como
sentavam-se sempre nas primeiras fileiras e tinham retórica inflamada receberam a alcunha de Banda de Música. Dela
faziam parte: Carlos Lacerda, Adauto Lúcio Cardoso, José Bonifácio de Andrada, Aliomar Baleeiro e Prado Kelly.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 18
se que esse país também abandonou o livre cambismo e recebia bilhões de dólares vindos do
Plano Marshall) e criticando a corrupção trazida pela interferência estatal na economia que
criava o mercado negro cambial: “depois que veio a licença prévia ... o câmbio negro ficou
sendo o câmbio normal, porque o câmbio oficial está falido. A escassez do dólar ficará cada
vez maior se continuarem as restrições ao comércio internacional”, diz Tristão.
É importante termos a Light como exemplo da proteção que o capital privado receberá
dessa imprensa tão moralista e anticorrupção. Nesse caso veremos brevemente as raízes dessa
empresa com o governo e os meios midiáticos tornando-se virtualmente intocável, mesmo que
em casos flagrantes. Apesar dessa breve análise iniciar em caso flagrante de corrupção, a
despeito das necessidades do país, por um governo dito nacionalista, em 1935, esse caso terá
grave repercussão em 1947, nosso recorte e depois em 1952-53, auxiliando em forte pressão
na renúncia de ministros e na utilização do discurso anticorrupção por Vargas, como forma de
estabelecer-se como líder preocupado com o povo. Vejamos:
A Light: no caso da Light é difícil perder-se no poder e impacto que essa empresa tinha
no cotidiano da sociedade brasileira. A Light exercia monopólio de fato sobre serviços e
recursos essenciais a qualquer sociedade, como energia, água, gás, telefonia e transporte
público para mais de 20 milhões de pessoas em 1946 (o dobro da população do Canadá, onde
ficava sua sede)
15
. Qualquer especulação cambial da empresa levaria a aumento significativo
no custo da produção industrial e, ultimamente, no custo de vida.
É dedutivamente inconcebível que uma empresa de característica agressivamente
monopolista como a Light, especialmente após a criação da Brazilian Traction, Light and
Power Company Limited em 1912 (cuja única função era adquirir companhias, ações e outros
títulos de qualquer ramo), apenas fizesse seus negócios pelo “preço do mercado” sem tentativa
de influência política. O fato dela, mediante suborno, comprar licenças para especular com
matérias-primas e com a taxa cambial deveria render a máxima atenção. Mas nada aconteceu.
Imunidade, corrupção e lobby: tanto a Light, como outras grandes empresas passavam
ilesas. Ela não foi criticada quando fez lobby para não pagar as taxas instituídas pelo Código
de Águas de 1934 (somente obrigada a pagar em 07/1940 após decisão judicial); ou quando
conseguia impunemente burlar as CF de 1934, 1937 e 1946, que proibiam a exploração de
águas brasileiras por empresas não inteiramente constituída por nacionais. Em verdade, a
_______________________________________
15
Light é o nome popular de várias empresas de capital canadense e estadunidense. Atuava principalmente nas
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, iniciou suas atividades com a empresa São Paulo Railway, Light and Power
Company Limited (1899) e Rio de Janeiro Light and Power Company Limited (1904).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 19
quantidade das mais de 7 milhões de ações da companhia nas mãos de canadenses nunca fui
divulgada, sendo indicativo que dos 12 diretores, 8 eram canadenses e que a empresa fazia
parte “dos investimentos favoritos dos canadenses que seguem o mercado financeiro em Nova
Iorque e Londres” (MacLean’s, Canada’s National Magazine, 15/08/1947: 36), pois era uma
das maiores pagadoras de dividendos do mercado internacional: ou seja, remetia os lucros aos
acionistas ao invés de reinvestir na empresa. Ou, mais flagrante, quando a empresa conseguiu
forçar, em 1935, o governo Vargas a embargar a construção da Usina do Salto que abasteceria
a mais importante estrada do Brasil, a Estrada de Ferro Central do Brasil, argumentando que
as usinas da Light conseguiriam prover a energia necessária– mesmo quando não abasteciam
satisfatoriamente as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Esse embargo durou mais de 10
anos e foi somente no governo eleito de Vargas que ela admitirá sua incapacidade, após
diversos blackouts e revoltas populares (discutidas à frente dado sua significância política).
Alguém se dispõe a criticar o capital privado? Dos jornais, somente o Jornal do
Commercio e o Diário Carioca
16
atacarão a Light e seus argumentos. Eles denunciarão o lucro
da empresa por Kw/h, o quanto custaria a obra e os benefícios industriais e sociais ao país. A
isso se contrapunham (ou silenciavam-se) os outros jornais e membros do governo dissuadidos
pela Light. O Jornal, de Assis Chateaubriand, em 23/08/1935, focou no “caráter técnico” de
membros do Club de Engenharia que em parecer “sustentou a inutilidade da construção da
Usina de Salto, cara e inoportuna ... provando a impossibilidade de se fazer cortejo entre as
propostas apresentadas pelos diversos concorrentes ... visto que [a proposta] afastou desde logo
a Light” - uma visão parcial e exagerada sobre o apoio à Light naquela conferência.
O Jornal do Commercio e o Diário Carioca entrevistaram (durante os meses de julho a
setembro) engenheiros para mostrar a viabilidade da Usina, o interesse oficial do “Consórcio
Italiano”, o barateamento do kilowatt ofertado por eles em leilão ($18 por Kw/h, enquanto a
Light ofereceu a $800 kw/h), batalhando em centena de matérias contra o que chamavam de
“departamento de publicidade da Light” (vulgo a empresa, políticos e jornais). Após mais de
três meses de debates, o Jornal do Commercio dará sua última nota: “O ministro da Viação
_______________________________________
16
E.g. Jornal do Commercio no dia 06/08/1935: “GRAÇAS À RESISTÊNCIA DO SR. MARQUES DO REIS
FRACASSOU O ASSALTO TENTADO PELA LIGHT – A CONSTRUÇÃO DA UINA DO SALTO
PERMITIRÁ QUE A CENTRAL TENHA O KILOWATT A $18. ENQUANTO A EMPRESA CANADENSE
QUERIA FORNECER O KILOWATT A $800.” Ou em 07/08: “A Light não conseguirá abocanhar o
fornecimento de energia à Central”. “AS LAMÚRIAS ‘PATRIÓTICAS DA LIGHT AND POWER”; “A
CONFERÊNCIA LIDA PELO SR. DULCÍDIO PEREIRA NO CLUB DE ENGENHARIA MOSTRA A
SACIEDADE, A MÁ FÉ E A IGNORÂNCIA DOS DIRIGENTES DA LIGHT” (25/08). Entre muitos outros:
foram mais de 27 longos artigos opinativos e técnicos em menos de 3 meses, denunciando as manobras da Light
e demonstrando a importância do tema a um jornal que representava os interesses comerciais nacionais.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 20
comunicou à Câmara dos Deputados, atendendo a uma solicitação feita, que o processo sobre
a construção de uma usina para os serviços de eletrificação da E. F. Central do Brasil se acha
no Ministério da Fazenda, não havendo ainda contrato firmado para a construção da usina do
Salto” (24/11/1935: 13). A construção não foi feita.
Promessa quebrada: mais de uma década se passou e a Light confessou não conseguir
atender as demandas da Central e pede racionamento à cidade de Rio de Janeiro devido aos
constantes blecautes. A punição pelo descumprimento dada pela prefeitura do Rio de Janeiro?
Dois mil cruzeiros (um pouco mais que um salário-mínimo na época [Cr$1.200]), algo visto,
por uns, como desrespeito à população e aos interesses do país, sendo ligado ao histórico de
promessas descumpridas da Light (Careta, 20/04/1950: 3), ou justificado como “decisão
simbólica”, visto que a empresa já sofria custos com o desabastecimento, como disse o gigante
da mídia carioca, O Globo (12/04/1950: 1).
Subornos às claras: em fevereiro de 1947, a CCP do Rio de Janeiro teve animada sessão
aberta quando diversos setores do comércio da cidade carioca foram denunciados por flagrantes
tentativas de suborno, entre eles, a Light. Mas se o processo de denúncia de suborno da classe
dos tintureiros no Rio de Janeiro havia “sumido” da Delegacia de Economia Popular
(encarregada de investigar e fiscalizar abusos em preços, prática de usura e serviços de
cartório), imagine-se o quanto avançaria processos de suborno da Light. Por mais que as
investigações destes casos fossem publicamente apoiadas por Dutra, elas foram engavetadas:
“É preciso que o inquérito da Delegacia de Economia Popular não desapareça como
tantos outros”, diz o delegado da lavoura. “Já desapareceu”, informa o sr. Ernani
Silveira. O sr. Mario Lucena [respectivo delegado], quando assumiu aquele cargo, não
mais o encontrou [Negrão de Lima], apesar da ordem do general Dutra para que o
processo tivesse o seu curso legal. (Correio da Manhã, 26/02/1947: 2).
Blindagem: a imprensa blindava essas empresas. Seu foco anticorrupção residia no
Estado, no sistema político e no sistema econômico adotado pelo governo, quando não
neoliberal. Poucos destoavam. Em pesquisa no acervo da Biblioteca Nacional, de todos os
grandes e médios jornais da década de 1940 (do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro), o único
sempre crítico sobre os casos de suborno da Light foi a popular revista humorística Careta. Em
três edições ela denunciou a empresa por suborno e por “comprar” toda imprensa (pelo rol da
folha de pagamentos em publicidade). Ainda assim, após criticar a Light, o editor culpava mais
o sistema econômico “getulista”, que incentivava a corrupção, que as empresas:
Temos dito frequentemente, o senhor Getúlio Vargas é o político mais nefasto que já
existiu neste país. A maior parte da miséria moral, da bancarrota, da decadência
material que nos aflige devemo-las ao seu “Estado Torvo”. ... É possível que no meio
dessa imprensa “estercal” [esta revista] nunca se vendeu, não aceitamos sequer
propaganda, muito bem paga, com que a Light suborna a grande maioria da imprensa.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 21
O DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura Vargas] despendeu com
a imprensa quase 1 bilhão de cruzeiros para que ela fizesse os maiores elogios. Esse
homem nefasto que anarquizou nossa terra, que a saqueou. (Careta, 30/10/1948: 17)
17
Seu foco não era desenvolvimentista, ele residia no custo de vida, apesar de fazer eco ao
questionamento desta tese sobre os defensores da ideologia neoliberal e do grande capital.
Os homens de negócios que exploram o Brasil não tomam conhecimento da existência
do povo. A sua fome insaciável de lucros é a única explicação e única justificação de
seus atos. ... Sua lei é o lucro imediato, o enriquecimento fácil, é a propriedade sem
fronteiras. Para realizar esse programa estão sempre a serviço do capital estrangeiro, da
finança internacional que nos escraviza e domina como se fossemos ainda colônia. Esses
“donos do Brasil” estão sempre contra o povo. São partidários da inflação monetárias.
São defensores da liberação dos preços. São campeões da desvalorização cambial. São
arautos da agravação das pautas aduaneiras. Estão, por isso, sempre ao lado da Light,
do lado da City [referência aos centros financeiros internacionais], do lado das grandes
empresas estrangeiras. Estão do lado dos banqueiros, dos negocistas, de todos os
parasitas que nos sugam o sangue e a vida, conduzido-nos a essa anemia nacional, que
é fonte e explicação de todos as nossas mazelas morais e políticas (Careta, 21/12/1946)
Não se deve menosprezar o impacto de uma revista como a Careta por ser humorística.
O humor é importante discurso, dotado de linguagem de mais fácil assimilação e incorporado
no cotidiano como uma forma mais aceitável de se opinar (afinal é um jogo que testa os limites
do social), como de se ridicularizar contra quem opina (Forattini, 2020c: 49). Basta ver que os
livros e revistas mais comprados, e reprimidos, na ditadura foram os humorísticos.
O notável não são as denúncias do humorístico, mas o silêncio do amplo rol de fontes
desta tese. Não há a menor menção a casos de suborno e corrupção por parte da empresa (a
quase nenhuma grande empresa). Ninguém da imprensa buscou seguir a denúncia do deputado
Levy; os casos de chantagem e suborno acima relatados, foram todos arquivados.
No caso da passividade da mídia, além da afinidade ideológica sobre o papel do capital
privado na condução do país, sua independência das verbas governamentais pós-ditadura,
aliada à dependência à verba de anunciantes ajuda a explicar a omissão. Já no caso do silêncio
do campo político, a explicação reside tanto na afinidade ideológica (neoliberal e
desenvolvimentista, sobre a importância do capital privado no desenvolvimento brasileiro),
quanto em motivação fisiológica, dando pouca importância ao tema da corrupção. Esse padrão
se repetirá ad eternum na imprensa brasileira e no campo político, com breves interregnos.
Veremos mais sobre essa proteção ao grande capital e a naturalização da corrupção privada
dessa tese pela ótica da proteção legislativa-econômica de caráter neoliberal.
_______________________________________
17
Criticam inclusive o governo atual como continuísta de Vargas, mas poupam Dutra: “os cínicos, os negocistas
só são encontrados no próprio seio do governo, desse governo que, com exceção do Chefe que é honesto é a
continuação do governo infame do seu patrono [Vargas]” (Careta, 21/12/1946: 16)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 22
Lucros e Dividendos: a escolha por dispor sobre a Light no Brasil logo após a descrição
de uma política fiscal, não é fortuita. Proponho a readequação dos estudos de corrupção quando
envolvendo empresas. Devemos analisá-los não como desvio de conduta, mas como parte de
uma racionalidade de determinada fase da implementação do neoliberalismo. As empresas
normalmente serão de capital estadunidense ou buscarão apoio daquele país. A própria Light
teria capital cada vez mais estadunidense e conduzia vários de seus negócios em estados dos
EUA para “manter uma relação entre a empresa e o governo norte-americano, pois a
representação diplomática dos Estados Unidos era muito influente no Brasil e em vários
momentos deu apoio aos empresários da Light” (Wied, 1989: 25).
O governo dos EUA será o grande motor da transnacionalização de suas empresas e da
transformação econômica e burocrática neoliberal no Brasil – como visto na racionalidade
estrutural exposta aqui. Nesse caso, se continuarmos a análise da Light pela via cambial-fiscal,
vemos que a empresa claramente não tinha intenções em inverter capital no Brasil. Ela era uma
das empresas que mais pagava dividendos a seus acionistas, exceto nos anos de 1933, 34, 39 e
40, devido a complicações impostas pela desvalorização cambial de Getúlio para aumentar a
exportação do café. Depois disso, os dividendos subiram de 40 centavos de dólar por ação em
1941 (New York Times, 10/10/1941: 38), para um dólar por ação em dezembro de 1947 e outro
dólar em junho de 1948 (MacLean’s, op. cit.). Em suma, a empresa privilegiava direcionar seus
lucros aos seus acionistas que realizar os investimentos no ritmo que o Brasil pedia e ela
prometia, mas não cumpria. Mas, para não perder mercado, ela barrava, mediante suborno e
influência política, outras empresas de realizarem essas inversões.
Também é interessante a influência global da empresa. Apesar do governo brasileiro não
conseguir empréstimos pelo Banco Mundial, a empresa Light conseguiu substancial
empréstimo de 75 milhões de dólares em 1949 (New York Times 28/01/1949: 34), quase 1
bilhão de dólares atuais. O empréstimo foi tão importante que serviu como porta de entrada ao
Banco Mundial no Brasil. Diversos membros do governo e empresas nacionais fizeram tanto
requisitos que o Banco Mundial enviou uma delegação para analisar projetos nacionais, desde
que o Brasil ajustasse sua política econômica com políticas de austeridade para pagar as dívidas
externas (New York Times, 11/10/1949: 52). O Brasil quase nada conseguiu. Quem conseguiu
o segundo empréstimo do Banco Mundial foi apenas uma empresa, a mesma: a Light, em 1950.
Esse tópico mostra, portanto, alguns importantes elementos no discurso anticorrupção.
Mostrei dois pontos que serão demonstrados adiante por outros vieses: 1) havia a proteção
quase que completa de empresas, mesmo que em flagrante casos de corrupção, por motivos de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 23
ordem econômica, ou ideológicos; 2) o Estado será sempre o alvo dessas denúncias, com foco
no sistema econômico adotado quando em desacordo com a agenda de sua diminuição.
5. As Licenças e sua Influência no Pensamento Econômico e Anticorrupção Brasileiro
O novo sistema cambial de Dutra não era impassível de críticas e de fato estimulou a
inflação, o mercado negro, a especulação e a corrupção. Nesse caso, a escassez de divisas, a
demanda reprimida por insumos básicos e bens de capital aliado ao fato de que as empresas
possuíam em regra mais de 9 meses para utilizar as licenças adquiridas, estimulavam a
especulação em busca de lucro fácil com o câmbio e com as licenças em si criando um mercado
paralelo de revendas de licenças, bem como de corrupção por subornos para as adquirir.
Mas, esse novo sistema cambial existia devido a um motivo estrutural não citado por
nenhum jornal ou por parlamentar: a falha inerente ao sistema livre cambial da agenda
neoliberal Bretton Woods. Ao contrário do que muitos chamam esta fase de “ilusão liberal” de
Dutra (Vianna apud Abreu op. cit.; Bastos 2003 e 2010; Ayres 2013; Moura 2022, etc.), ele
não tinha espaço de manobra. Era uma questão de zeitgeist e pressão político-econômica
(Gomes 2017, fala em “alinhamento por imposição”). Todos os países ocidentais adotaram esse
sistema e sofreram os mesmos revezes, exceto seu idealizador, os EUA.
Dutra inicialmente elencou a inflação como o principal mal brasileiro e como solução a
ortodoxia monetária e fiscal, levando-o a adotar o regime cambial livre como parte fulcral dessa
solução e como propulsor do desenvolvimento, pois pensava atrair capital externo ao adotar esse
receituário. Entretanto, o efeito imediato foi a completa aniquilação da balança de pagamentos e
das divisas cambiais brasileiras que caíram de U$654 milhões em 1945, para U$297milhões em
1952 (Malan, Bonelli, Abreu e Pereira 1977: 165), seguido pela falta de produtos e, logo, a
inflação que queriam combater. A adoção da política de licenças foi, portanto, forçada.
Quase todos os grandes jornais, com exceção ao Jornal do Commercio que criticava o
regime livre por prejudicar os interesses da indústria nacional, e O Globo que apesar de não
tecer crítica própria em editorial, dava largo espaço aos industriais e “comerciantes ricos” que
louvavam as licenças-prévias (e.g. O Globo 13/11/1948:1 e 7: “Novo Surto Industrial em
Formação: Oportunas considerações em torno das licenças prévias”), mesmo que para isso
tivesse que sustentar dados duvidosos como ao afirmar que estavam “Em dia todos os pedidos
de importação da praça de São Paulo” (ibid.), algo que não aconteceu.
De resto, a grande maioria dos jornais continuava pregando o receituário que levou ao
esgotamento das divisas brasileiras e criticando o governo por corromper o desenvolvimento
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 24
econômico “natural” brasileiro e estimular a corrupção ao adotar a intervenção estatal. Ao
influente economista Eugênio Gudin, em artigo encomendado pelo jornal Correio da Manhã
(21/08/1948: 1), o problema da nova política cambial era que principalmente “incentivava a
corrupção”. “O governo optou mal, a meu ver. A licença prévia tem dois grandes
inconvenientes: a grande dificuldade de aplicá-la com justo critério [eficiência] e a corrupção
que dá lugar, aqui e em toda parte” (grifo meu).
A corrupção a que dá lugar ao regime de licença prévia decorre justamente das
manobras dos interessados em criar a escassez e a alta dos preços. [Já] sob o regime
de tarifa aduaneira, por elevada que seja ... o preço nunca excede o normal, porque
nas condições estabelecidas, a importação é livre.
Para justificar-se Gudin cita os economistas neoliberais Ludwig von Mises e Jacques
Rueff: “A prática dos contingentes destruirá o mecanismo financeiro de trocas internacionais,
conduzirá às economias fechadas, criará privilégios em detrimento do Tesouro e dará lugar à
inevitável corrupção, escreve J. Rueff” (ibid. grifo meu). Suas outras críticas também foram
mais de ordem moral que técnica. Diz que o governo pecou ao adotar a licença pois “não
notificou o FMI de que iria mudar taxa cambial”, entrando no rol de vilões globais, composto
por “meia de dúzia de outros países de companhia não das mais prestigiosas”. Também aponta
a outros problemas tidos como entraves ao Brasil e continuamente vistos como formas de
corrupção: 1) burocracia inchada e ineficiente; 2) sindicatos e “legislação trabalhista criada por
uma ditadura avessa à economia liberal ... em que os direitos de estabilidade e de ganhar sem
trabalhar degradam a produtividade e a disciplina” (grifo meu).
Era como se toda a opção governamental e todos os problemas do país resultassem de
problemas morais que levaram o governo a renunciar o “caminho correto” e que faziam com
que o país continuasse “com a fama ridícula de um dos países DE MAIORES
POSSIBILIDADES ECONÔMICAS E DE MAIS BAIXA RENDA NACIONAL PER
CAPITA enquanto nossos vizinhos, como a Argentina, ... vão ganhando distância” (ignorou ele
que a Argentina também havia abandonado a política cambial livre).
Faltava senso crítico sobre a distância entre o que era proposto pela teoria neoliberal e a
realidade. Gudin, arquiteto da “fase liberal de Dutra”, não questionou os elementos
macroestruturais que inviabilizavam esse sistema dotado de problemas desde sua criação: como
a falta de fundos do FMI e do Banco Mundial para realizar suas funções de estabilidade
financeira global; e de ser um sistema que buscava consolidar as relações de forças entre os
Estados Unidos e o resto do mundo capitalista. Aderir à ampla concorrência contra um país
que crescia 11% ao ano desde 1941 e que competia com países dizimados pela guerra ou
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 25
exportadores de bem primários resultaria inevitavelmente em déficit comercial e na destruição
de qualquer ambição de desenvolvimento. Não à toa, esse período ficou conhecido na história
econômica como “a era da escassez de dólares” (Niveau, 1969). Como disse o Augusto
Frederico Schmidt (desenvolvimentista e arquiteto da Operação Pan-Americana de JK):
O FMI não era apenas uma instituição, mas toda uma forma de pensar, “uma espécie
de maçonaria”. O objetivo dos monetaristas do fundo era evitar que o mundo
desenvolvido fosse mais elástico em relação às necessidades dos países em
desenvolvimento. O que caracterizava a ideologia do fundo era o desprezo pela
realidade em que suas regras seriam aplicadas. (Vidigal, 2017:1068)
Manter os debates pela ótica moral presente na agenda anticorrupção impedia que a
arena pública questionasse esse sistema e buscasse contrapartidas. Não se tratava apenas da
implementação de um sistema econômico que falhava em suas ambições, mas da
implementação de uma ideologia e sua racionalidade neoliberal em detrimento de outra,
representada no Brasil principalmente pelo desenvolvimentismo. O moralismo da agenda
anticorrupção auxiliou a preservar as políticas neoliberais de Dutra de críticas e a tentar
silenciar seus opositores. Era ao mesmo tempo escudo e espada desse Leviatã.
A influência de Eugenio Gudin não pode ser subestimada. Gudin não só foi o delegado
brasileiro em Bretton Woods, como foi personalidade influente no final da ditadura Vargas,
idealizador da fase liberal de Dutra, mentor intelectual de vários dos principais economistas
brasileiros, idealizador dos cursos das primeiras faculdades de Economia no Brasil e, por fim,
ministro da Fazenda de Café Filho (1954-1955). Entre os influenciados por Gudin, está uma
das mais importantes personalidades do pensamento econômico brasileiro: Roberto Campos –
ator decisivo em momentos econômicos cruciais do Brasil até 1970
18
. Campos, menos radical
que Gudin
19
, entendia o desenvolvimentismo neokeynesiano como um modelo ineficiente e que
incentivava a corrupção (Campos, 1994: 50), uma “relíquia dos tempos de guerra” (ibid.).
Sua formação intelectual ocorreu na Universidade de George Washington. Lá ele evitava
as aulas “predominantes na época” sobre o neokeynesianismo e encontrava-se com intelectuais
da Escola Austríaca como Joseph Alois Schumpeter (com quem se correspondeu solicitando
_______________________________________
18
Entre os mais importantes: foi responsável pela reforma cambial de Café Filho (1953); das negociações com o
FMI e da divulgação das opiniões deste órgão no Brasil; do financiamento de boa parte dos projetos do Plano de
Metas via o BNDE e do Programa de Estabilização Monetária (PEM) de JK após a expansão industrial, monetária
e inflacionária daquele plano; negociador da dívida externa em 1961 (sua renúncia acaba com a credibilidade
brasileira e as chances de obter empréstimos, colocando mais pressão na bipolarização que enfim levou ao golpe);
e, finalmente, pela reestruturação econômica do país durante os primeiros anos da ditadura com o PAEG.
19
Pois, assim como a maioria dos políticos da UDN, admitia a presença estatal em certos momentos como forma
“realista” de governança. E.g. eram favoráveis a existência de uma empresa estatal de petróleo, apenas sendo
contrários ao monopólio estatal ou ao monopólio do capital nacional em sua constituição.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 26
tutoria em possível doutorado em Harvard), bem como teceu amizade com outros membros
dessa escola, apresentados a ele por seu amigo Eugênio Gudin, como Goufried Haberler e Fritz
Machlup (discípulo mais fiel de Mises). Entretanto, será a influência de Schumpeter na
formação de Campos que o distinguirá do idealismo de Gudin. Disse Campos, “entretanto,
como é da condição humana, o grande mestre tem lá seus cacoetes: um deles é a ojeriza a
planos e planificação” (Campos, 1968: 145). Assim, o Roberto Campos dos anos 1950 e 1960
possuirá visão mais realista sobre a falta de moralidade nas trocas do mercado
20
.
Trata-se de importante elemento em Campos que entenderá que o mercado, em papel de
empreendedor e agente do desenvolvimento, seria o único capaz de diminuir a ineficiência, a
irracionalidade e a corrupção estatal, apesar de nunca a eliminar. É significativo que Roberto
Campos, quando em auge de seu poder durante a ditadura civil-militar de 1964, reclamou do
idealismo de certos agentes militares e da instrumentalização da agenda anticorrupção por
outros que estariam dizimando a administração pública e atrapalhando seu trabalho. Campos
reclama ao ditador Castelo Branco: “Se continuarem a varrer todo o tempo o pó da cozinha,
não terei condições para começar a cozinhar” (Campos 2004: 725).
Personagens como Campos e Gudin (a quem Campos se referia como o único intelectual
do Brasil, um “chevalier sans peur e sans reproche” [Campos, 1968: 145]) foram os nomes
mais significativos na reprodução da ideologia neoliberal no Brasil tendo os EUA como
paradigma e liderando toda uma geração de brasileiros inicialmente num neoliberalismo
mesclado com desenvolvimentismo associado; para, nos anos de 1970, adotar a defesa do
neoliberalismo radical de Milton Friedman, Hayek, Mises e Thatcher (Godoi 2007).
Em relação à corrupção, tanto Gudin quanto Campos e seus seguidores enfatizavam a
ineficiência, a irracionalidade e o papel do self interest aliado ao paternalismo estatal como a
raiz do problema. Sendo a única solução possível a diminuição do Estado. Este seria incapaz
de realizar escolhas econômicas ótimas pois sua burocracia seria ineficiente e corrupta, advinda
de paternalismo histórico, privando o Estado de real especialização e conhecimento de todas
as variantes que uma empresa possui em seu ramo (como dizia Hayek). Também faltaria
incentivo à intervenção estatal em traduzir os preços ótimos entre demanda e oferta entrando
em jogo a conveniência política e os interesses privados (como dizia Mises).
_______________________________________
20
Refletia Schumpeter sobre a visão “utópica” de Hayek e Mises: “nenhum sistema social pode funcionar baseado
exclusivamente em uma rede de contratos livres entre partes contratantes equalitários e na qual todos devem ser
guiados por nada exceto seus próprios fins utilitários [de curto prazo]”. (Schumpeter 1976: 423-424).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 27
Diminuir o papel do Estado seria a solução econômica e moral do país. Esses seriam os
proponentes de uma visão tecnocrata sobre a corrupção. Esta não acabaria por políticas
públicas específicas, mas pela adoção de outra racionalidade. Posição diversa da do deputado
Costa Porto que chamava essa solução de “amoralismo político”.
Neste sentido o episódio das licenças foi crucial na radicalização do pensamento de
Campos e de toda uma geração de brasileiros ainda delineando um projeto econômico ao país.
Campos dirá que foi nesse momento que a disputa em torno das licenças de importação e do
escândalo de corrupção centrado no órgão emissor dessas licenças, a CEXIM (Carteira de
Exportação e Importação do Banco de Brasil) que fortaleceu sua visão hayekiana. Foi lá que:
Convenci-me de que esse sistema de controle, por via de licenças de quotas, é fértil em
distorções. Uma delas é o perigo de corrupção. Com taxas cambiais sobrevalorizadas é
enorme o apetite de importar, é o beneficiário de uma licença de importação aufere lucros
de monopólio, pela inexistência de competição. Não só as licenças se tornavam bem
valioso a ser comprado, como geravam um comércio espúrio; importadores revendiam
as licenças, servindo como testas-de-ferro a fim de auferir lucros monopolísticos. A
demanda de importações era em parte artificial. (Campos, 1994: 151, grifo meu).
Sua “evolução intelectual” desembocou na ideia de desenvolvimento econômico e moral
do país via vantagens comparativas, livre mercado e Estado Mínimo. Entendia o mesmo que
Gudin e o FMI como solução ao problema das licenças: taxas flutuantes e livre mercado.
Evoluí para uma posição mais radical — a tarifa deveria ser única, como no modelo
mais recentemente adotado pelo Chile, de modo a não se criar proteção artificial,
distribuindo-se os incentivos à produção segundo às reais vantagens comparativas.
Taxas cambiais realistas e flutuantes acopladas a uma tarifa aduaneira única, passaram
a ser parte do evangelho que nunca tive ocasião de praticar. (ibid.)
É crucial mapear a evolução do pensamento de Campos e a consolidação de sua posição
mais radical, datando-a com precisão no episódio das licenças cambiais aqui examinado. Trata-
se de um episódio que consolidou essa posição mais radical em muitos no Brasil.
6. Licenças e Corrupção: O Grave Escândalo de Corrupção em Dutra e Vargas
Na historiografia brasileira há a percepção de que a corrupção virou “problema público”
somente nos anos de 1950 como forma de oposição ao governo eleito de Vargas (Jaguaribe,
1954; Silva, 2017; Simon, 2015; Cavalcante, 2012 e 2015; Souza, 2015; entre outros),
denunciando, ultimamente, a instrumentalização do tema contra o então presidente. Entretanto,
se o tema cresceu em seu governo isso ocorreu por diversos fatores. Um é de ordem estrutural
e relaciona-se com a abertura proporcionada pelo regime democrático: a) Aumento da
participação democrática, em que a importância da mídia cresce e denúncias de atos de
corrupção advindos da ditadura Vargas e de governos decorrentes surgem sem tantos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 28
embaraços, bem como abrindo espaço a debates sobre temas direta ou indiretamente
relacionados à corrupção, como administração pública, privilégios políticos, sistema
econômico etc.; b) Aumento da classe média, cada vez mais preocupada com temas liberais e
morais; c) Maior importância do carisma e “qualidades individuais” na arena política com a
expansão dos meios midiáticos. A figura abaixo mostra o crescimento da importância do tema
da corrupção em períodos democráticos e a sua estagnação durante a ditadura no Brasil.
Figura 16. Presença do Tema da Corrupção nos Dois Principais Jornais até a Década de 1990 em São Paulo
(OESP) e Rio de Janeiro (O Globo)
Fonte: autor, dados: acervos OESP e O Globo
Outro é de ordem circunstancial e está ligado à pessoa de Vargas e seu passado. Nesse
caso, havia a antipatia de muitos em relação ao ditador e à agenda político-econômica adotada
no passado. Muitos liberais viam Vargas como real perigo à nova ordem econômica entendida
como tendência global e projeto de país. A eles, Vargas possuía um passado avesso ao
liberalismo e à democracia (censura, tortura etc.), bem como sua política era baseada em
corrupção e negociatas. Além disso, seguindo o raciocínio acima, seu programa de intervenção
estatal criava a corrupção nas relações entre agentes econômicos e nas relações de trabalho.
Por fim, e isso é pouquíssimo falado: Vargas após sua posse intensificou o uso do
discurso anticorrupção, tomando-o como elemento mobilizador para atacar Dutra e proteger-
se de acusações, angariando apoio da mídia e da classe média. Como mostrei na Introdução e
nos elementos acima citados, era quase impossível pensar que Vargas, ao chegar ao poder, não
utilizaria desse discurso como forma de proteção, mobilização e ataque.
Quase a totalidade da “parte retórica” de sua primeira Mensagem ao Congresso Nacional
(MCN), de mais de 270 páginas, será a descrição de um país corrompido por Dutra. Diz que
Dutra teria participado de negociatas, alimentado a corrupção eleitoral, corrompido o regime
republicano e democrático, a administração pública e a economia do país. Em suma, o Estado
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
1940 1950 1960 1970 1980 1990
O Estado de S. Paulo O Globo
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não servia ao interesse público: “Essa manipulação do Estado por alguns, no jogo dos interesses
de grupos e de negócios personalistas, divorciava o poder público dos interesses
eminentemente nacionais e dos problemas ingentes do povo” (MCN, 1951: 8). Sendo seu
dever, “pela confiança popular”, libertar “as grandes massas do medo dos controles e sanções”,
acabando com as injustiças. O caminho seria oposto ao projeto neoliberal: trabalhismo,
distribuição de renda, reorganização política e meritocracia, algo “que sofreu rude retrocesso
no período mais recente, particularmente no último exercício, com a lamentável cumplicidade
dos próprios representantes do povo” (ibid.: 10-11).
Sua mais alardeada medida anticorrupção foi reservada ao Banco do Brasil. No que pode
ser considerado erro político, logo nos primeiros dias de governo (10/02/1951), ele encarregou
o presidente do BB, Ricardo Jafet, de abrir “inquéritos implacáveis” em “dossiês volumosos”
sobre o banco e sua carteira a CEXIM (Correio da Manhã, 14/02/1951: 1). Medida que logo
lhe criou embaraços pois boa parte de sua base de apoio (política, empresarial e financeira)
estavam imbricados em casos de corrupção do BB e de suas carteiras.
Em discurso em 1952, o deputado José Bonifácio (PSD) relerá ipsis literis o discurso que
Vargas utilizou para justificar a instauração do inquérito. Nele vemos que Vargas atacará uma
ampla gama da “classe dirigente brasileira de forma indistinta”, bem como da estrutura
produtiva brasileira (que utilizava o BB e a CEXIM para obter créditos e licenças visando a
consolidação de monopólios industriais) envolvidos em especulação, favorecimento, suborno,
câmbio-negro etc.; ou por se aproveitarem dessa corrupção para realizar “suas viagens de
recreio” ou adquirir produtos advindos de “importações supérfluas e suntuárias”. Uma elite que
se aproveitava da corrupção para sustentar seu estilo de vida, pago, ultimamente, pelo povo.
Não havia um controle dos que agiam por parte do Banco do Brasil e por isso à sombra
das compensações instaurou-se verdadeira orgia de negociatas. Para poder importar
compravam produtos de exportação pagando-se o preço que era pedido, por mais alto
que fosse; enchiam-se desse modo os cofres dos tubarões e dos magnatas à custa do
suor do povo - eterna vítima que teria de pagar por tudo. Não havia exame dos
estoques; exportavam nessa base de compensações. O povo passou a pagar mais caro
porque, atraído pelos lucros do ágio os exportadores começaram a enviar para o
exterior até mesmo o que era indispensável ao nosso consumo. Para o comercio
exterior o Banco do Brasil instituiu o conceito e a figura da tradição. Só as firmas que
tinham tradição poderiam importar. Mas o que ocorreu foi uma espécie de privilégio
para determinadas firmas em detrimento de outras que não dispunham do favor
oficial. Só aquelas manipulavam o ganho fácil e sem competição, porque lhes era
reservado o cofre das graças. A situação habilmente engendrada fez proliferar nova
classe parasitária de especuladores e atravessadores que se aproveitavam das
condições anormais do comércio mundial e do jogo de influências ostensivas e ocultas
para suas especulações ilícitas à custa dos interesses dos produtores e das necessidades
dos consumidores. Ainda subtraíam à economia nacional quantias consideráveis de
dívidas e acumulavam no estrangeiro vultuosos créditos, alimentando o câmbio-negro
as viagens de recreio e as importações supérfluas e suntuárias. Esse o quadro
desconcertante em que o meu governo encontrou o País. Uma verdadeira orgia de
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transações inescrupulosas em que os exploradores e os gananciosos se enriqueciam
em detrimento da economia do povo, à custa do câmbio-negro e do aumento de todos
os preços das utilidades. (OESP 01/08/1952: 3)
O problema, como mostrarei, é que essas críticas colocarão Vargas na berlinda pois
grande parte de sua base política, especialmente o PSD e o PSP (de Adhemar), estavam
imbricados nesses esquemas de corrupção, bem como a elite econômica.
Nesse momento da tese, o que importa é entender que as críticas pela agenda
anticorrupção à Vargas não vieram do nada, como se o tema fosse somente utilizado contra ele
por instrumentalização política midiática. Há uma racionalidade que permeia a história que vai
muito além da atomização normalmente proposta. Como mostrei, as críticas começam
direcionadas ao governo Dutra assim que ele abandonou sua política ortodoxa e de livre
mercado. Importantes jornais quando falavam sobre a CEXIM já apresentavam a tese já
exposta sobre ineficiência e irracionalidade do Estado que levava à corrupção. O jornal A
Tribuna da Imprensa inclusive dará um passo além ao conclamar a classe empresarial a dar um
basta no governo Dutra. À Carlos Lacerda, proprietário do jornal, todos participavam da
corrupção, mas as classes produtoras estariam sendo forçadas pelo Estado a corromper-se.
Assim, atuava em duas frentes: organizar a classe produtora contra Dutra, enquanto as escusava
do uso das licenças como forma de especulação e de consolidação de monopólio. Lacerda dirá:
Os produtores, mais imediatamente do que os consumidores, têm o dever de reagir.
Basta ver que nenhuma indústria, nenhum comércio, nenhuma lavoura podem aqui
estabelecer-se e desenvolver- se sem que uma carteira do Banco do Brasil dê o seu
beneplácito, para imaginar o que significam essas "instruções" que tal princípio
estabelecem e aperfeiçoam como fonte de corrupção e de domínio. ... Já o Banco do
Brasil, por conta do Governo, divide os produtores em duas classes: os que tem tudo,
porque dão tudo ao Governo, e os que nada têm porque dão apenas uma parte. (Tribuna
da Imprensa, 17/01/1950: 4, grifo meu)
Assim, se quisermos compreender melhor o que ocorreu neste período democrático
(1945-1964) em relação à agenda anticorrupção – e não em determinados governos –, creio
que o enfoque até agora adotado mostra que há uma racionalidade por trás destes eventos em
que a agenda neoliberal buscará proteger os “indutores do desenvolvimento” – o capital
financeiro e empresarial – enquanto ataca o Estado quando este “corrompe” seu plano.
Pesquisadores que escreveram sobre o tema não conseguem explicar o motivo, por
exemplo, de Vargas ter sido poupado pela maior parte da grande imprensa em seus anos iniciais
(1951-1952), com denúncias aparecendo somente na metade de 1952 e com foco em sua pessoa
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somente no auge em 1953. Também “esquecem” que Dutra também foi criticado pela oposição
quando ele próprio começou a intervir na economia
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.
A explicação, repito, reside no projeto econômico interno e na conjuntura global de
expansão capitalista. A primeira fase de Vargas (1951-1952) era contrastante com a segunda
de Dutra. Vargas quando chega ao governo busca equilibrar apoios políticos. Apesar de alguns
discursos de teor nacionalista, em seu plano econômico Vargas realiza estratégia austeridade
das contas públicas com intensidade nunca vista até então. Além disso, Vargas prometeu desde
o início que iria adotar um sistema de amplo mercado de liberdade cambial (NYT, 11/07/1951:
42) algo efetivado em 1953 com a Lei 1.807, Lei do Mercado Livre. Também se comprometeu
a liquidar os atrasados comerciais com os EUA (NYT, 03/01/1951: 73; NYT, 16/07/1951: 33),
como forma de dissipar o principal ponto de contenda com aquele país, em busca de apoio
político, técnico e financeiro daquele país. O descumprimento dessa promessa foi ponto muito
mais importante aos EUA que a suposta “virada nacionalista” de Vargas de final de 1953 e
1954 (Vianna apud Abreu op. cit. 128; Vianna 1987: seção 3.1.1 e seção 5.2).
Os EUA terão, de fato, maior boa vontade com o governo de Vargas, devido às suas
promessas e ao cenário global de bipolaridade ideológica que levou Truman a se comprometer
a prover auxílio técnico e financeiro a países periféricos (Ponto IV do discurso de posse de
Truman de 1949). Esse comprometimento era essencial à expansão do modelo de
desenvolvimento estadunidense como parte de sua estratégia de hegemonia global (Damasceno
2022). Os empréstimos viriam do Banco Mundial e do EXIMBANK dos EUA.
Somente então, dizia Vargas, com a estabilização financeira e em posse dos estudos e
empréstimos advindos da cooperação técnica estadunidense (Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos – CMBEU), ele poderia iniciar a segunda fase de seu governo com medidas
desenvolvimentistas, algo que ele não conseguiu implementar.
▪ As medidas ortodoxas de Vargas e a leniência com a corrupção em seu governo
por parte de seus opositores
Apesar de sua retórica, a estratégia ortodoxa teve grande sucesso. Em 1951 as despesas
governamentais foram fortemente reduzidas. O investimento público caiu 3% e a participação
do governo na formação do capital caiu de 28,4% para 20,3%, sendo a lacuna preenchida pelo
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Nesse sentido, faço o caminho inverso do clássico de Benevides (1981) sobre a UDN e a oposição à Dutra
quando ela nega Skidmore (que afirmou que “a despeito dos esforços de alguns líderes da UDN, o partido entrou
em oposição aberta ao governo Dutra”) e afirma que: “praticamente inexistiu oposição parlamentar ... [no
máximo] uma oposição insípida e irrelevante” (Benevides 1981: 71).
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capital privado. A arrecadação tributária cresceu 42% e, via pacto federativo de contenção de
despesas, Vargas alcançou o primeiro superávit global da história brasileira desde 1926
(Vianna op. cit. 124-126), quando ele era ministro da Fazenda de Washington Luís.
Os jornais viram com bons olhos essa guinada econômica de Vargas em favor do capital
privado e da austeridade pública e pouparam-no de críticas. Apesar do presidente ter mantido
as licenças de importação, o foco d’OESP e de outros jornais, era o debate da lei cambial
prometida. A eles sua implementação moralizaria a economia brasileira ao acabar com o
spread entre o valor real do dólar e o do cruzeiro, pois exterminaria com o principal elemento
desestabilizador econômico e moral da moeda: a especulação no mercado negro: “a alta cotação
do dólar não se explica apenas pelo valor real da moeda americana, mas pelos interesses
clandestinos que as transações no mercado negro envolvem” (OESP, 04/06/1952: 3).
Apesar de adotarem uma explicação simplista de como o câmbio é cotado, afinal não
tocam em formas de interferência que ocorrem no “mercado livre” pelo capital privado como
o uso de informações privilegiadas e o poder de especulação no preço do câmbio, ainda assim
é difícil para o leitor de hoje compreender como o mercado negro de câmbio era um meio
lucrativo e estava presente na vida cotidiana de boa parcela da população. Por exemplo, a
antecipação à promulgação da lei de câmbio livre levou a tal evasão cambial devido à
especulação, que a taxa do câmbio negro chegou a Cr$35 por dólar no final do ano de 1952:
100% acima da taxa de câmbio oficial (Malan apud Fausto op. cit.: 92-93), criando problemas
inflacionários e à importação de bens de capital necessários à industrialização brasileira.
Ainda assim, devido às promessas, Vargas começava com crédito em relação às licenças.
Estas eram vistas como mal temporário para sanar a crise econômica, falta de insumos e
inflação criada por Dutra. Apesar do texto que institui as licenças não falar sobre a
industrialização, ficava claro que se devia dar prioridade aos produtos equivalentes nacionais
(CEXIM, Relatório, 1951), inicialmente agradando aos industriais brasileiros. Aos jornais,
Vargas sanaria a crise por duas frentes: 1) moralizando o BB e a CEXIM; 2) criando a Lei do
Mercado Livre. O que se devia evitar a todo custo era a corrupção do projeto neoliberal:
Consideramos indispensável o licenciamento de novas transações ... Aliás, após as
experiências feitas no passado, a Carteira de Exportações e Importação estará em
condições de impedir o desvirtuamento dessa modalidade do comércio exterior,
desde que disponha no futuro de poder para resistir a pressões regionais ou político-
partidárias e desde que rejeite todas as sugestões no sentido de serem essas operações
realizadas por um monopólio estatal (OESP, 17/07/1952: 3)
Assim, as denúncias de corrupção e os inquéritos abertos por Vargas, apesar de trazerem
problemas no futuro, devem ser compreendidos como fundamentais para garantir apoio de
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variados segmentos de ambos os espectros políticos, blindando-o de críticas de seus maiores
opositores. Como afirmamos, é um discurso que garante proteção e ataque ao mesmo tempo.
Para essa blindagem, a posse de Horácio Lafer no ministério da Fazenda e de Luiz
Simões Lopes na CEXIM (responsável por empregar Roberto Campos nesta carteira) foi
fundamental para dar legitimidade ao processo de moralização e eficiência prometido. Em
relação à CEXIM, assim vaticinou o jornal O Globo, culpando, como de praxe, apenas os
burocratas da antiga gestão pelos problemas de corrupção das licenças:
Solução mais rápida nos processos na CEXIM: O sr. Luiz Simões Lopes, diretor
da Carteira de Exportação e Importação, após examinar o funcionamento desse órgão
do Banco do Brasil. Está empenhado em aperfeiçoar os seus serviços. ... Nesse
sentido, e para evitar que a influência de interessados das seções da CEXIM [atacam
os burocratas] continue prejudicando a execução dos trabalhos, resolveu aquele
diretor adotar certas normas a partir do próximo dia 4. (O Globo, 31/03/1951: 1)
A solução era impor a impessoalidade, restringindo o contato com o capital privado.
Estes somente entrariam em contato com altos dirigentes da CEXIM. Lopes teve de administrar
a Caixa por duas frentes: 1) atender e selecionar os pedidos de importação que vinham de todas
as partes num país sem divisas e com urgente necessidade de importação; 2) continuar com a
frente de investigação e denúncias do inquérito de Vargas, desgastando rapidamente sua gestão.
OESP, ao contrário de sua posição anterior crítica a Dutra e às licenças, cederá diversas
páginas em 1951 para explicar as dificuldades impostas a Lopes e mostrar a importância da
CEXIM e de sua gestão. Nelas, Lopes foi representado como conhecedor “dos assuntos de
relevante interesse para as classes produtoras paulistas” (16/12/1951: 15); ele “tinha clara visão
da imensidade dos problemas que cabem à Carteira e ao seu aparelhamento, [com recursos]
inadequados para enfrentá-lo, para suportar o choque tremendo de tantas forças antagônicas e
para traçar uma política resultante que corresponda aos reais interesses do país” (ibid.).
O jornal louva a CEXIM por proteger a indústria nacional, mas também por “encorajar” o
que chamam de “industrialização vinculada”. Esta era o nome dado à concessão de licenças e
câmbio brasileiro, “em casos selecionados”, para a instalação de indústrias estrangeiras no país
(“um licenciamento excepcional” de acordo com o jornal). A boa-fé do jornal era tal com o
governo Vargas que não criticavam a assumida “falta de critérios adotados pela CEXIM” para
realizar esses licenciamentos. O “problema era assaz complexo, motivo pelo qual a Carteira tem
evitado o quanto possível a instituição de normas rígidas e minuciosas para o estudo de tais
casos” (OESP, 17/07/1951: 28, grifo meu). Até a discricionariedade era louvada pelo jornal.
Se havia problemas, esses decorriam da “triste herança do governo anterior ... e por grupos
protegidos do governo passado” (ibid.: 3). “De então verificou-se uma verdadeira orgia de
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transações que fizeram firmas beneficiadas lucros de 100% a 200% sobre seus capitais” (ibid.).
Lopes era mostrado como um burocrata que havia “conseguido reduzir na medida do possível
os inconvenientes de algumas transações licenciadas ainda em 1949” (ibid.). Nada falaram dos
problemas que continuavam a surgir ou dos problemas de antes de 1949. O foco era Dutra.
Havia uma lua de mel com as novas políticas econômicas de Vargas.
Vê-se um jornal que criticou a discricionariedade do governo Dutra congratular a
discricionariedade da CEXIM sob Lopes. A explicação só pode ser encontrada pelos termos da
racionalidade aqui proposta. No caso, a inserção econômica brasileira no mercado global e da
implementação do capital internacional no Brasil pelos moldes estadunidense, mesmo que
utilizando as esparsas reservas cambiais que poderiam servir às indústrias brasileiras.
Mas a lua de mel durou pouco à medida que os resultados econômicos não se repetiam.
Vargas demite Lopes. Os jornais reconhecem que apesar de Lopes ser honesto e capaz e de ter
construído uma equipe de improviso (teve de buscar técnicos tido capazes em diferentes
ministérios, sem nenhum conhecimento da tarefa), sua política de falta de critérios, antes
louvada, era criticada. Dizem que levava à mais burocracia, cada caso tinha que ser examinado,
atrapalhando o desenvolvimento industrial e incentivando “irregularidades” (28/06/1952: 3).
As classes produtoras estavam ficando fartas da onipresença da CEXIM. A charge abaixo
comenta o protesto da associação de pintores contra a proibição da importação de tintas.
Responde o amigo: “Até em questões de pintura a CEXIM quer ‘dar as tintas’ [quer mandar]”.
Figura 17. De Pintura Nem Tintura
Fonte: O Globo 04/08/1952: 1
Criou-se um anedotário em torno da CEXIM, retratada como corrupta e ditatorial:
Um comerciante pede à CEXIM licença para importar um tigre de bengala que ele
queria dar de presente ao Jardim Zoológico.
Parecer da CEXIM: “Quanto ao tigre, conceda-se. Quanto à bengala, negue-se porque
há produção nacional” (Tribuna da Imprensa 08/08/1952: 5)
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O Brasil passava, em 1952, por mais uma significativa escassez de licenças devido ao
crescimento acelerado do PIB (4,9% em 1951 e 7,3% em 1952), mas também à queda das
exportações aumentando a gravidade do colapso das reservas cambiais. A despeito de Vargas
ter aumentado significativamente o número de licenças em 1951 (foram quase triplicadas), as
classes produtoras exigiam mais, mesmo que ainda usassem menos da metade das licenças
adquiridas/concedidas – tabela abaixo –, mostrando que de fato havia corrupção por parte do
capital privado ao utilizar a licença como meio especulativo, criando amplo mercado paralelo
de compra e venda de licenças. Essa especulação e a deterioração da balança comercial fez
com que Vargas restringisse as emissões, como fez Dutra, a partir de 1952-53.
Tabela 2. Tabela de Licenças Adquiridas e Utilizadas
Período
Licenciada Emitida
Licença Utilizada
% Utilizados
1950
1º Semestre
10,8
8,0
74%
2º Semestre
21,9
12,3
56%
1951
1º Semestre
29,2
15,9
54%
2º Semestre
30,5
21,3
70%
1952
1º Semestre
14,3
22,2
155%
2º Semestre
10,9
11,8
108%
Fonte: Banco do Brasil, Relatório, 1952.
Em diversas reuniões Lopes teve de se explicar às classes produtoras (Associação
Comercial e Federação das Indústrias) que pediam por mais licenças e menos burocracia,
mesmo que isso significasse em aumento dos atrasados comerciais com os EUA (OESP,
04/05/1952: 17), algo que representaria quebra da promessa ao país do Norte, algo que Vargas
não podia arcar. Também a classe produtora reclamou sobre a “emigração das indústrias” e ao
favorecimento de interesses externos, política que Lopes teve de defender antes de sair. Isso
mostra que havia distanciamento entre o plano econômico de Vargas (que buscava abrigar
todos com cobertor curto) e a opinião do setor financeiro, de parte da mídia e dos EUA, com o
capital privado nacional que desejava mais licenças e mais protecionismo.
Foi somente com a diminuição das licenças que os industriais resolveram as utilizar. Mais
de 150% do total de licenças emitidas no 1º semestre de 1952 foram utilizadas, mostrando um
gigantesco número de licenças inutilizadas nas mãos de particulares para especulação no
mercado negro, auferindo grandes lucros em detrimento do mercado interno, da inflação, do
Tesouro Nacional e da geração de empregos caso essas licenças fossem utilizadas. Entretanto,
não encontrei nenhuma denúncia sobre esses efeitos da corrupção privada.
Antes de ser demitido, Lopes teve que se explicar sobre as acusações de fraude na
CEXIM em outros eventos com comerciantes e produtores de São Paulo em agosto de 1952.
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Lopes culpará a falta de meios legais para punir as fraudes. Pateticamente, atestando existir
abusos e a incapacidade de os conter, pede ajuda para coibir as “fraudes, contrabandos ou pela
classificação propositadamente errada de mercadorias” (OESP, 07/08/1952: 9) que ele sabe
que ocorrem, pois bastava “passar pelas vitrinas e encontrar uma série de produtos cuja
importação é vedada”. Pede também apoio a um projeto de lei de sua autoria que barraria e
puniria legalmente os contraventores (o projeto não foi nem apreciado no Legislativo).
Lopes diz que o problema não envolve somente o capital produtivo, mas os
“paraquedistas” (especuladores que não necessitam de licença, mas as pedem) que recorrem a
falsificações de papéis, empresas fantasmas e burlam as classificações de produtos ao utilizar
nomenclatura dúbia. Culpa, finalmente, o Judiciário que por mais que a Alfândega detivesse
os produtos, um juiz, com um simples mandado de segurança, liberava o produto ilegal. Lopes
deu o exemplo de um senhor que trouxe milhares de relógios barrados. Um juiz de menor
instância prontamente os liberou concordando com o solicitante que argumentou que
transformou todos os seus bens em relógios “e como não há lei que o possa proibir como utilize
seus bens tive de os liberar”. Reclama Lopes: “eu próprio fui obrigado a dar duas licenças de
importação de farinha de trigo, o que não dou a ninguém, forçado pela Justiça” (ibid.).
Como se pode ver, e ele mesmo diz, havia certa tradição (nesta tese prefiro o uso dos
termos: emergência de práticas de corrupção e sua institucionalização) na aquisição dessas
licenças que levam a fraudes que ele mesmo não conseguiria alterar. Adicionalmente, essa
tradição envolve não somente os burocratas da CEXIM, frequentemente acusados (dizia-se
que em média os funcionários recebiam 30% do valor da licença de importação cf. Gudin
1956), mas agentes privados (muitos aos quais ele estava falando e tendo que se explicar sobre
práticas de corrupção que eles praticavam), membros do Legislativo que não possuíam
interesse em aprovar leis para devidamente criminalizar as fraudes; e membros do Judiciário,
que provavelmente recebiam propina para liberar os produtos ou para conseguir licenças.
Vargas, por sua vez, não podia voltar a emitir licenças. Estava de mãos atadas. A restrição era
necessária, mas atrasava o desenvolvimento industrial brasileiro e enfurecia os industriais que
paravam em meados 1952 de apoiar as licenças antes vistas como benéficas.
Finalmente, temos o problema de ordem moral(ista). Era pouco crível que a estratégia de
Vargas em utilizar a agenda anticorrupção contra Dutra e como forma de proteção a futuras
denúncias, não fosse respingar em seu governo, especialmente porque a indefinição sobre as
prometidas “rigorosas investigações” começava a soar mais como arma política de Vargas que
pairava sobre a cabeça de muitos, uma Espada de Dâmocles, que ninguém queria sob sua
cabeça e que começou a gerar atritos e ressentimentos mesmo entre seus aliados.
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A redução da emissão de licenças, aliada à sua política ortodoxa e austera focando em
inflação e dívida externa, pode ser considerada como um dos principais motivos que levou as
classes produtoras nacionais a se distanciarem de Vargas, com exceção a restrito grupo
industrial que desfrutava dessas licenças e da proteção governamental.
O empresariado nacional não dispunha de condições para investir no mercado interno
e financeiro consolidado que pudessem dar subsídios iguais ao fornecido pelo Estado.
Entre as razões estão o paternalismo excessivo do Estado a um grupo restrito de
empresários –detentor de monopólios e oligopólios e pressão política – criando
ambiente de estufa favorável às empresas, porém artificial, quase predatório, uma vez
que essas empresas não se preparavam à concorrência internacional (Laurenza 2009)
Em relação ao capital internacional, o problema era sobre o pagamento da dívida externa
e atrasados comerciais e sobre as promessas de Vargas de adoção de um mercado cambial livre,
não só visando facilidades na troca cambial, que auxiliaria nas remessas de lucro das
multinacionais, mas, principalmente, porque abriria espaço à formação de um verdadeiro
mercado financeiro e sua consolidação como real fonte de investimento, não mais via auxílios
e empréstimos, algo de acordo com a nova política de Eisenhower: “trade, not aid".
A aposta de Vargas no uso de inquéritos será um “tiro pela culatra”, alimentando
desafetos e desmobilizando apoiadores. O governo perderá controle sobre a narrativa
anticorrupção e inquérito multiplicou-se em vários decorrentes, todos apontando ao seu
governo. Criou-se uma percepção tal de corrupção generalizada que inviabilizará seu governo.
Além disso, mostrarei que o sistema de licenças terá seus dias contados, sendo o
argumento anticorrupção seu coveiro. A Lei do Mercado Livre, vista pela lógica neoliberal de
mínima intervenção do Estado, será vista como moralizadora e incentivará o surgimento de um
novo agente na formulação de políticas públicas: os corretores da Bolsa de Valores. Pela
primeira vez, este setor será visto como fonte real de investimento, ao invés do Tesouro ou do
crédito direto às empresas. Mostrarei que, a despeito do que é falado, a Lei do Mercado Livre
foi gestada por esses corretores primeiro em Nova Iorque e depois no Brasil em 1947 como
reação à lei de licenças, moldando a formação de um mercado financeiro por moldes
neoliberais de modo que permaneceu intocada inclusive nos anos de reformulação neoliberal
nos anos de 1990 com Fernando Henrique Cardoso, sendo somente modificada em dezembro
de 2021 por uma lei ainda mais radical sob a gestão de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro.
O imbróglio do sistema de licenças é capítulo fundamental em nossa história,
infelizmente pouquíssimo estudado por esse viés que aqui apresento e suas implicações no
arranjo político e econômico brasileiro.
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Capítulo II: O Tiro pela Culatra de Vargas e a Vitória do Neoliberalismo via a
Agenda Anticorrupção
1. Um Erro Estratégico: O Mal Uso da Agenda Anticorrupção e a Perda de Oportunidade
Ímpar na Lei de Remessa de Lucros e Dividendos
Apesar da Lei de Remessa de Lucros e Dividendos (Decreto 30.363 de 1952) ser vista
como parte da “virada nacionalista” de Vargas, na verdade ela foi uma lei que se inseria nesse
contexto de falta de divisas, corrupção e pedidos de protecionismo por parte de indústrias que
estavam sendo prejudicadas por outras vias que não somente pela importação de bens. Vargas
em momento algum foi contra a entrada de investimento estrangeiro e entendia muito bem o
papel que o incentivo às remessas de lucros e pagamentos de dividendos exercia como forma
de atrair o capital estrangeiro. Em 1937, durante sua ditadura, o Brasil adotou uma postura
extremamente liberal quanto às remessas de lucro e dividendos, querendo construir um clima
de confiança com o exterior, pois acreditava possuir uma reserva cambial suficiente (Vianna
apud Fausto 2007: 32), mas com a recessão estadunidense seu projeto não angariou resultados.
Mas em 1952, fazia-se necessário o mínimo controle cambial em relação às remessas.
Dutra já havia tentado as controlar com a Lei 9.025/1946 e com a Instrução 25 da SUMOC
(03/06/1947), limitando as transferências para amortização a 20% por ano e os lucros do capital
estrangeiros a 8% ao ano. Vargas altera a regra de forma moderada, pois ainda precisava dos
investimentos externos e do auxílio dos EUA em especial via CMBEU, ao aumentar o limite
para 10% do capital entrado e registrado, sem computar os lucros reinvestidos.
É importante saber que entre 1947 e 1951, o ingresso de capitais foi, em média, de US$ 15
milhões por ano, contra remessas de lucros da ordem de US$ 47 milhões, um déficit cambial de
35 milhões de dólares por ano, em média, para além do déficit na balança de pagamentos. Ou
seja, as empresas entravam no país com um capital mínimo e depois reinvestiam apenas 24% dos
seus lucros e dividendos, enviando 76% às suas matrizes. O Brasil estava sendo drenado, bem
como suas aspirações de industrialização, incluso o pagamento das dívidas externas.
Vargas sabia que havia problemas na estrutura econômico-financeira brasileira que
permitiam que o país, no final, financiasse as empresas estadunidenses. Essas empresas entravam
no Brasil com determinada quantidade de capital e após breve momento conseguiam
empréstimos com bancos nacionais argumentando expansão nas atividades. Graças à diferença
cambial conseguiam imediato lucro em relação às taxas que deveriam pagar. Engordavam o seu
capital artificialmente e aumentavam a base para a remessa de lucros e pagamento de dividendos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 39
aos acionistas ao invés de investirem no país. “Getúlio costumava fazer blague dizendo que, em
vez de os dólares gerarem cruzeiros, eram os cruzeiros que geravam dólares” (FSP 12/02/2006).
Em discurso em 31/12/1951, Vargas acusa o capital internacional de espoliar o povo e
anuncia sua lei de remessa de lucros e dividendos. Nesse discurso, ele buscou não só empolgar
os grupos nacionalistas mais aguerridos, como emparedar a UDN (pensando nas eleições de
1954), e qualquer forma de oposição, retratando-a como “entreguista” e “conspiradores”, e ele
como herói dos interesses do povo brasileiro. O jornal Última Hora reproduzirá esse discurso
em íntegra acusando os “tubarões” (grande capital financeiro estrangeiro). Mas o principal alvo
político do jornal era um nome que surgia no cenário político nacional e que acabava de derrotar
a gigantesca coligação paulista, apoiada por Vargas: Jânio Quadros. Dirão: “GRUPO
PARLAMENTAR NACIONALISTA REUNIDO NA CÂMARA DENUNCIA: JÂNIO E
GRUPOS ESTRANGEIROS CONSPIRAM CONTRA O BRASIL” (02/01/1954: 3).
Apesar da página inteira sobre Jânio e a conspiração, nada havia lá a não ser discursos de
deputados nacionalistas justificando a votação da futura lei de remessas de capitais. Sobre a
conspiração, o deputado Dagoberto Sales (PSD), “revelou que possuía documento, comprovando
o propósito de uma articulação entre o governador Jânio Quadros e a referida empresa [Light]
em torno do aproveitamento hidráulico da Usina de Furnas”. A ideia é que a Light se
nacionalizaria (como fez) para poder conseguir empréstimos de São Paulo, mas mantendo, de
fato, os mesmos donos no poder: “o golpe da nacionalização [que] facilitaria mais outros
favores de concessões”, dizem. Nenhum documento foi mostrado. O foco era justificar a lei de
remessa de lucros e como as companhias estrangeiras se preparavam para burlá-la.
O nacionalismo se tornava cada vez mais importante recurso retórico-político, não só um
viés de racionalidade político-econômica, mas também instrumento político de defesa e ataque
(assim como o discurso anticorrupção fazia ao neoliberalismo). Nessa toada seguiu o jornal
Última Hora por dias. Desde o discurso do presidente à nação contra os “espólios ao povo
brasileiro” ao anunciar a lei de remessas. Ao explicar a racionalidade da lei ao jornal Última
Hora, Ricardo Jafet falará que “O Capital Estava Sendo Desnacionalizado”. Em
“SENSACIONAL ENTREVISTA DO PRESIDENTE BANCO DO BRASIL: Muralha da
China em Torno do Brasil” (Última Hora, 04/01/1952: 4), Jafet teve uma página inteira para
demonstrar que essa muralha da China (expressão usada inicialmente por Vargas) visava
proteger o país da depreciação “das bases fundamentais do progresso do Brasil, como impedir
novas inversões [que] proporcionavam aos investimentos estrangeiros anteriores um caráter
quase monopolístico”. Vê-se que o discurso de Vargas e de Jafet focavam exclusivamente no
caráter nacionalista da lei e pouco em seu quesito anticorrupção e técnico-econômico.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 40
O UH será o único a enaltecer Jafet. Elogiarão o seu “caráter comedido e técnico” e
agradecerão o amigo de Barros pelos “inestimáveis serviços” prestados ao Brasil, graças à
modernização administrativa (“arejamento e simplificação que ele introduziu na máquina
burocrática”) que ele teria implementado no BB (não o fez). Sua entrevista toda foi para repelir
a antiga lei de Dutra como antinacionalista. Apontarão todos os erros da lei, que existiam graças
à sua dubiedade sobre o que consistiria um capital estrangeiro ou não, permitindo
interpretações que viabilizavam que empresas com pessoas de qualquer ligação com o país
pudessem se julgar como nacionais, mesmo que residindo no exterior. Jafet falará que é
absurdo uma lei que fala sobre nacionalidade ius sanguinis, quando o país sempre considerou
como requisito para nacionalidade o ius solis (ter nascido em território nacional e não ser filho
de nacional). Essa excrecência legal de Dutra visava claramente criar buracos na lei de remessa,
facilitar a fraude fiscal e não tocar nos interesses privados internacionais. Era “um subterfúgio
para fraudar a lei” (ibid.), favorecendo “um regime ilegal de liberalidade”.
No dia após o discurso de Vargas, o UH irá entrevistar os poucos legisladores que ainda
estavam na capital (visto ser férias) e dirá em “REPERCUTE NO SENADO O DISCURSO
DO PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS” que “foram unânimes em aplaudir a oração
presidencial, mostrando-se preocupados com a espoliação que sofreu o povo brasileiro,
denunciada pelo chefe do Governo” (Última Hora, 03/01/1952: 3). Concluem com a frase do
deputado do PTB Vivaldo Lima: “É de fato o governo que o Brasil Precisava”. Concluem:
esse era o “DOCUMENTO QUE LIQUIDA A QUESTÃO DA EVASÃO CAMBIAL”.
Em seu discurso, Vargas denunciará alguns casos de corrupção envolvendo as remessas
que “VIOLARAM A LEI PARA ASSALTAR O BRASIL” (Última Hora, 02/01/1952:1) em
mais de “oitocentos e noventa milhões de dólares produzidos pelo trabalho nacional
criminosamente desviados para o estrangeiro num conluio de altos funcionários do Ministério
da Fazenda e do Banco do Brasil” (ibid.) Aqui, Vargas utilizou mais uma vez do discurso
anticorrupção contra Dutra como principal arma legitimadora: “OS TUBARÕES QUEREM
FICAR COM QUASE UM BILHÃO DE CRUZEIROS: – Os Impostos Mais Sonegados
Foram os Que Recaem Sobre o Rendimento das Ações ao Portador” (ibid.)
As acusações recairão novamente sob a gestão anterior de Dutra sob o BB: Guilherme
da Silveira, já processado por Jafet e o BB. Na Figura abaixo temos um cartum do jornal
falando sobre o discurso de Vargas como presente de Natal a Guilherme Silveira (ex-presidente
do BB) que dirá à Correia e Castro (ex-ministro da Fazenda) que por essa (ação anticorrupção
de Vargas contra ele) ele não esperava.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 41
Figura 18. Presente de Grego...
Fonte: Última Hora 02/01/1952: 1
Como apontamos, um elemento representacional importante no discurso anticorrupção,
especialmente de esquerda é a do “tubarão” representando o grande capital, especialmente o
financeiro. Vargas e o UH utilizaram diversas vezes a figura dos “tubarões" que dilapidavam
o Tesouro e lutavam contra políticas desenvolvimentistas e sociais. Metade desse discurso será
com acusação a esse capital e o resto com promessas de intervenção estatal. Trata-se de típico
discurso nacionalista, com diversas incongruências (atentar ao ponto 3 que se refere à inflação
e sua incongruência com os projetos prometidos por Vargas). Os principais pontos foram:
1. Combate sem vacilações nem desfalecimentos aos tubarões até que os homens,
mulheres e crianças tenham uma existência digna, segura, tranquila, próspera e
confortável, a que têm direito.
2. Incentivo ao capital estrangeiro sem delapidação do patrimônio nacional, com novo
regulamento de retorno de investimentos que impedirá o desvio criminoso até de
capitais verdadeiramente nacionais, resultantes de nosso trabalho.
3. Rigorosa política de economia para evitar emissões inflacionárias, subordinando-se
as despesas às possibilidades financeiras do Tesouro...
4. Empréstimos do Banco do Brasil aos governos estaduais e municipais às
dificuldades locais.
5. Programa de recuperação nacional, para a solução dos problemas básicos do país.
6. Ampla política de reaparelhamento dos portos e das estradas de ferro, ampliação
das rodovias, construção de navios, armazéns, silos frigoríficos e matadouros
industriais.
7. Assistência direta aos produtores com garantia de preços mínimos e revenda a
preço de custo e a prazo...
8. Solução do problema do petróleo sob efetivo controle do Estado, com capitais
particulares [nacionais] em limites definidos.
9. Ampla política de planejamento para garantir a expansão industrial do país.
10. Programa efetivo de desenvolvimento dos recursos de energia elétrica e valorização
da Amazônia e outras regiões. (ibid., grifo meu).
Obviamente, as políticas de Vargas não se traduzirão nesse ímpeto contra o capital
financeiro e a expansão da atividade estatal será bem menor que a privada. Vargas buscava
fazer apelos ao setor nacionalista e à população que passava por restrições mais severas graças
ao seu ano de política ortodoxa, crise econômica
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 42
Trata-se de elemento típico do populismo varguista, como diz Ianni em O colapso do
populismo no Brasil (1968: 55): “A combinação de interesses econômicos e políticos do
proletariado, classe média e burguesia industrial é um elemento importante no Getulismo.”
Em troca da garantia desse canal de expressão [que o populismo daria, de certa forma,
voz às massas], viria o apoio dos sindicatos à política da estatização, do nacionalismo
econômico e da paradoxal política do capital estrangeiro, cuja crítica eventual de
Vargas à remessa de lucros para o exterior era muitas vezes um recurso semântico,
mais do que efetivo. (Laureana op. cit. 31, grifo nosso)
Ao mesmo tempo, o jornal repercutirá que a notícia de que no exterior o fato não agradou:
“Está de Pêsames a Internacional Financeira” (ibid.: 3) E não estava errado. O governo fez
a lei sem aviso prévio ou qualquer comunicação com o governo estadunidense ou com as
grandes empresas. A reação nos EUA foi forte. A Revista Time (11/02/1952), pela primeira
vez, fará duro artigo questionando se Vargas somente “estava à espera de ser ditador
novamente” ou “se não conseguia governar constitucionalmente” ou, mesmo, “se ele
simplesmente não liga mais, tudo o que ele quer é vindicação de sua vitória eleitoral”.
Influentes grupos, em especial trustes, surgiram em jornais e no Congresso estadunidense
contra a política de Vargas e exigindo que qualquer ajuda ao país fosse encerrada, mesmo a já
acordada entre as partes. Reuniam-se em grandes cidades financeiras como Nova Iorque e
Chicago, e em centros produtores como Nova Orleans. Em suas críticas, o autoritarismo de
Vargas era tocado, mas nada falavam na justificativa brasileira, seja econômica, seja moral
(relacionadas às fraudes). Esses trustes e o Conselho dos EUA argumentavam que essa medida
intervencionista e antimercado, estava “impedindo a prosperidade e a melhoria social”:
FIM DA AJUDA AO BRASIL É EXIGIDA EM PROTESTO: Câmara Internacional
Favorece Proibição de Empréstimos para Forçar Reversão da Política de Capital
Estrangeiro – RESTRIÇÃO DAS REMESSAS DE LUCROS – Conselho dos EUA
afirma que Vargas está impedindo a prosperidade e a melhoria social do país (NYT
17/01/1952: 35)
Horácio Lafer foi interpelado pelas Comissões estadunidenses. Seu argumento buscou
agradar aos EUA, mostrando que o Brasil não conseguiria pagar as dívidas devido ao déficit
cambial e que a regulação visava solucionar esse problema. Não foi o suficiente. Os discursos
de Vargas e de seus apoiadores ganhavam mais atenção que a argumentação econômica.
O subsecretário de Estado Edward Miller ameaçou suspender os financiamentos ao
Brasil. O embaixador Herschel Johnson, em telegrama, pergunta a Miller: “se alguma vez já
ocorreu que Vargas possa não terminar seu mandato” (SD 1952 apud Trapani 2015: 157).
Depois dessa reunião Johnson entenderá que o PTB e Vargas eram “prejudiciais” aos interesses
dos EUA e esse país começa a ligar a esquerda nacionalista com o comunismo (ibid.).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 43
Johnson argumentou que "certas influências [do comunismo] sobre o presidente não
foram exageradas" (SD, maio de 1952). Ele afirmou que Vargas e o ministro da
Fazenda Horácio Lafer estavam sob influência comunista doméstica, o que motivou
sua filosofia econômica (SD, maio de 1952). A introdução de João Goulart no
gabinete aprofundou as suspeitas de Washington. (ibid., tradução minha)
Esses reclames encontraram eco nos altos escalões políticos estadunidenses. Em
13/03/1952, em audiência no Congresso, o senador democrata Allen Ellender trará à atenção
artigo da revista U.S. News & World Report (p. 38) que falava sobre a “infiltração comunista
no quintal estadunidense”. Ellender não era nenhum radical anticomunista, na verdade foi o
maior opositor da instrumentalização do tema por Joseph McCarthy. A racionalidade do
senador é a mesma utilizada aqui: a proteção do capital privado, no caso estadunidense.
Ellender fará descrição detalhada sobre a situação política de Vargas. Creditará a lei de remessa
de lucros não à Vargas, mas à infiltração comunista, expressando preocupação da influência de
militares na economia e a quantidade desses militares em cargos econômicos. Seriam esses
nacionalistas/ comunistas que estavam contra as empresas estadunidenses e contra a política
ortodoxa de Vargas. Essas pessoas, diz, “não desejam a competição”. Vargas somente editou,
diz, a lei porque tentava governar, pressionado por esses grupos:
Sua propaganda ataca Vargas porque ele não parou a inflação. Nacionalistas
extremistas, por outro lado, acusam os investidores ianques de estarem tentando
dominar o país. Eles não querem a concorrência. Vargas, tentando agradar os
comunistas e nacionalistas, emitiu um decreto que ameaça severas dificuldades para
os grandes investidores dos Estados Unidos. Estes são os grandes problemas de agora.
É provável que outros apareçam em pouco tempo (SENATE CONGRESSIONAL
RECORD, 13/03/1952: 2280-2281).
Assim, é importante notar como a disputa interna brasileira chegou aos políticos
estadunidenses graças a essa lei de remessas de lucros, feita de maneira impensada – no sentido
de sem uma estratégia narrativa, especialmente sem devidamente utilizar os casos de fraudes,
nomeando os fraudadores ao invés de taxar todos como “tubarões” contrários ao
desenvolvimento do país. No caso, o senador identifica os “nacionalistas” aos comunistas e ao
radicalismo econômico contrário a qualquer forma de investimento externo: “ameaça impor
graves dificuldades para os investidores dos Estados Unidos.” Não deixava de ser verdade.
Existiam partes nesse grupo dito nacionalistas que não desejavam a influência do capital
externo – mesmo que isso fosse impossível ao país –, inclusive no setor militar.
Concorre a essa minha interpretação a importante comunicação entre o empresário
brasileiro e conselheiro econômico de Vargas e da CMBEU, Valentim Bouças (presidente da
Hollerith do Brasil e chamado de “Mestre Valentim”), em missão em busca de crédito aos
projetos da CMBEU no exterior com o Banco Mundial e com o Eximbank. Este enviou longa
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 44
carta confidencial a Vargas (de 13 páginas em 08 de julho de 1952) relatando como grandes
empresas exteriores fraudavam a lei de remessas exteriores, ao mesmo tempo censurando
Vargas e seus “aduladores” por não terem esclarecido aos EUA e à opinião pública os motivos
econômicos e morais, de corrupção privada, que levaram Vargas a baixar a lei de remessa:
Encontrei uma atmosfera de confusão nos meios comerciais e bancários, pois seu
Decreto ... deste ano não foi devidamente amparado aqui como deveria ter sido, isto
é, com apresentações de razões e motivos etc. Foi um ato isolado ... causando uma
situação muito desagradável ... [especialmente] por que seu decreto contém algo
fortíssimo (retroatividade)” (Valentim, 1952: 1 apud Laureana: 231)
Conclui com uma recomendação e crítica ao histrionismo nacionalista e seus efeitos:
Em vez de, com adulação, aplaudir suas palavras, deviam seus colaboradores aqui
explicar as razões e oferecer FATOS CONCRETOS dos abusos ocorridos, citando,
sem receio, os nomes de alguns infratores. Nada disso foi feito e assim seu nome ficou
em evidência como perseguidor do Capital estrangeiro. E daí esse amontado de
discursos em associações locais e ondas de telegramas de protesto aos grandes Bancos
e aos Departamentos de Estado (ibid.).
Para Valentim, os “documentos em mãos” (que nunca apareciam); as acusações contra
os “tubarões” e o modo impulsivo e populista que Vargas tratou a lei, somente atrapalhou o
seu intento desenvolvimentista de receber ajuda, financiamento e investimento estrangeiro.
Dizia que apesar do reenvio em si ser abusivo, o foco deveria ser que ele possuía em seu
bojo dinheiro vindo de operações de fraudes. Valentim denunciará que algumas empresas
abusavam do crédito interno visando lucros e não implementando os prometidos investimentos.
Diz à Vargas que os seus inquéritos no BB e na CEXIM aliado à restrição da remessa de lucro
traziam problemas às empresas fraudadoras: as mais vocais contra Vargas. Valentim relatará
reunião em que empresários americanos criticavam “as medidas de moralização de Vargas”.
Não quero deixar de lhe dizer que numa pequena reunião encontrava-se um dos
INFRATORES, o qual teve de ouvir a verdade ... que lhe dei a conhecer em frente
dos demais. E deixar no ar esta pergunta: “O que faria aqui seu Governo se uma
entidade estrangeira fizesse nos Estados Unidos o que v(ocê) fez no Brasil...” (tomar
dinheiro emprestado em cruzeiros e registrá-lo a seguir na fiscalização bancária como
capital americano, por equivalência em dólares...) (ibid.: 3).
Diz Valentim que o único modo que conseguiu remover alguns embaraços à sua missão
foi pelo que aconselhava Vargas: mostrar que era uma questão de diminuir a fraude
(principalmente dos que gritavam contra a lei) e como forma de pagar a dívida externa.
Procurei imediatamente saber o nome dos que haviam enviado seus protestos a
Washington e durante cinco dias declinando o nome dos INFRATORES (conheço os
casos) ou dando os nomes aos bois fui removendo as dificuldades. (ibid.)
Algo que coube ao jovem embaixador Walther Moreira Salles em estabelecer diversos
canais de informação com a mídia e governo estadunidense, inclusive com entrevistas a
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 45
programas de rádio e televisão, mostrando que o Brasil estava sendo alvo de chantagem por
esses maiores denunciadores e que a lei possuía uma racionalidade econômica e moral.
À Valentim, a nova lei de remessas era válida e com um pouco mais de calma, estratégia
e racionalidade, utilizando principalmente o discurso anticorrupção, o governo conseguiria ao
menos controlar melhor a narrativa externa e os arroubos que ocorriam no exterior. Mas a
contínua instrumentalização da lei para ganhos internos traziam ainda mais embaraços.
Como dissemos, os motivos principais do fim dos empréstimos à CMBEU vieram do
descontrole cambial brasileiro, do contínuo déficit comercial
22
e da troca de governo dos EUA
para Eisenhower que privilegiava trade, not aid. Com a crise econômica, o Brasil não
conseguia mais pagar seus déficits comerciais, nem manter sua política de contenção, como
desejada pelos organismos financeiros internacionais. A CMBEU, antes vista pelos EUA como
uma comissão que iria “criar projetos que apontavam a uma era de progresso mais eficiente ao
Brasil” (NYT 04/01/1952: 41), começou a ser repensada, bem como os empréstimos
necessários para levarem adiante os projetos criados por ela, em fase adianta de planejamento.
As metas e ambições desses projetos eram promissoras. Se pudessem ser executados
como planejado, havia motivos para acreditar que em eles atrairiam um influxo muito
necessário de capital de investimento estrangeiro (NYT 06/01/1954)
Mas acabar os empréstimos com essas bases seria admitir que o plano dos EUA de livre
mercado tinha problemas intrínsecos, como mostramos. O discurso oficial daquele país para
encerrar os empréstimos, então, focou nos arroubos nacionalistas de Vargas, sua suposta
xenofobia com o capital estadunidense e na lei de remessas, como previu Valentim.
Essa lei é, portanto, interessante a nós pois ela não é nacionalista, apesar de ter sido assim
apresentada. Seus motivos foram vários e visavam agradar diversos setores ou, ao menos, não
desagradar tanto os setores externos enquanto se buscava uma solução à crise cambial. Afinal
de contas, essa lei permitiria ao governo diminuir a exacerbada remessa de lucros, bem como
conter uma significativa perdas de divisas devido à fraude externa, em troca de poder enviar
essas divisas que iriam em boa parte ao pagamento do déficit comercial que os EUA tanto
reclamavam. Ou seja, haveria pouco desvio do sentido do vetor do câmbio, pois boa parte
continuaria sendo remetida aos EUA. Por isso, é erro pensar que essa lei “nacionalista” foi o
ponto de inflexão na relação entre ambos os países, como boa parte da historiografia pensa.
O que importa a nós é ver como foi mal lidada por Vargas a questão da remessa de lucros
na agenda anticorrupção. O governo teve em mãos uma oportunidade de ouro em buscar ao
_______________________________________
22
Em 1954, o Brasil era um dos maiores devedores dos EUA, com débito de $1.2 bilhão em importações (NYT 06/01/1954)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 46
menos justificar (e sofrer menos resistências externas) na edição de difícil lei que mexia com
interesses poderosos. Não só isso, podia descontruir o argumento de que corrupção é coisa do
Estado e que a solução era o Estado mínimo. Perdeu-se essa chance ao adotar histrionismos e
acusações sem fatos, que de pronto foram vistas como tal: as acusações foram logo esquecidas
ou descartadas pela mídia e setores proponentes desse receituário neoliberal.
No final, o Brasil somente receberá empréstimos em 1953, com a CMBEU já encerrada.
Esse acordo de agosto de 1953 somente foi possível por pressão de investidores estadunidenses
após a aprovação da Lei do Mercado Livre de Câmbio que: “desejavam evitar a concorrência
entre a procura de dólares para remessa de rendimentos e aquela voltada para a obtenção de
divisas com o objetivo de pagamento de atrasados” (Vianna apud Abreu op. cit. 129). Ou seja,
buscavam lucrar exatamente em cima da remessa de lucros e dos pagamentos de atrasados
comerciais. Os projetos da CMBEU que receberiam investimento (41 foram aprovados pela
Comissão) necessitavam de ao menos U$387 milhões; o Brasil recebeu apenas U$186 milhões,
sendo que um terço (U$60 milhões) foi direto aos cofres da Light. O restante serviria de base,
junto com os projetos não financiados, ao Plano de Metas de Juscelino.
2. O Fomento da Percepção de um Estado em Corrupção: o “Tiro Pela Culatra” de Vargas
De 1952 em diante as relações entre Vargas, as elites brasileiras e EUA começaram a
deteriorar, junto com a economia brasileira. Para além dos números acima citados, a inflação
subiu a cada ano: de 9% em 1950 chegando a quase 23% no final do governo Vargas. A dívida
externa aumentou em 15% em apenas um ano (1951 para 1952) e dobrou em 1954 e junto com
ela caíram as reservas cambiais. Com as restrições de licenciamento houve a diminuição da
significativa participação do imposto de importação sobre o PIB e a indústria sofreu para atendar
a demanda e se desenvolver. Enquanto isso, as medidas ortodoxas, como a diminuição do papel
moeda em circulação, começam a afrouxar, voltando ao nível de 1950, pressionando ainda mais
a inflação e desagradando os proponentes de um projeto de Estado mínimo e austero.
Tabela 3. Indicadores Econômicos 1950-1954
Ano
Inflação
(%)
Dívida Externa (em
bi de U$)
Participação do Imposto de
Importação na Receita (%)
Papel Moeda em
Poder do Público
1950
9%
559
8,7
29,4
1951
12,1
571
10,2
13,1
1952
11,7
638
8,4
11,3
1953
14,3
1.159
3,7
19,6
1954
22,6
1.196
4,9
29,6
Fonte: Abreu op. cit.: 414-418, adaptado pelo autor
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 47
As classes produtoras brasileiras aumentaram a pressão sob Vargas, pois esperavam
receber auxílios enquanto ele “arrumava a casa”, o que Vargas não tinha condições de prover.
Também aguardavam a prometida segunda fase de ações desenvolvimentistas com incentivos
estatais. Ela nunca veio. A economia ainda estava em desarranjo e a pressão popular aumentava
pedindo reajustes (atingindo seu ápice em 1953 com a greve dos 300 mil em São Paulo).
Lopes foi demitido na segunda metade de 1952. Em 1953, Vargas reorganizou seus
ministérios buscando apoio de todos os lados. Ao min. da Fazenda indica Osvaldo Aranha, de
linha liberal-ortodoxa e bem-visto pelos EUA; por outro lado, ao ministério do Trabalho indica
João Goulart, de linha trabalhista com raízes no sindicalismo varguista, que chegou ao governo
com a promessa de aumentar em 100% o salário-mínimo.
Mas, para retirar Lafer da Fazenda, Vargas precisava antes colocá-lo na “fritura popular”.
O problema é que para isso ele iria inevitavelmente aumentar a percepção de corrupção
endêmica no Brasil. Sua solução foi a de, ao mesmo tempo, fornecer ao público a ideia de uma
solução personalista a um problema estrutural: ele passaria a imagem de um ministro insensível
ao sofrimento da população e envolvido em casos de corrupção, ao mesmo tempo que surgiria
como um líder sensível e proativo, solucionando o problema da corrupção e das necessidades
populares e removendo Lafer do centro das decisões.
Dois foram os episódios escolhidos por Vargas. O primeiro eram os protestos populares
à Central do Brasil em 1953. Esta passava por problemas de qualidade e quantidade de trens,
com atrasos significativos e lotação. A população carioca insatisfeita com o serviço, protesta e
é reprimida com brutalidade pela polícia. Além disso, surgiam acusações de corrupção, pois
ficou sabido que a Central possuía diversos trens e peças paradas nos galpões desde 1951 que
não eram colocados em circulação, sem explicação para tal (Última Hora 05/01/1953).
A transferência de culpa à Lafer veio do presidente da Central, amigo de Vargas, general
Eurico de Souza Gomes, e foi feita meses antes da reorganização ministerial. Gomes culpou
Lafer pelo aumento das tarifas por não permitir, por “burocracia”, a importação do maquinário
necessário (Última Hora 05/01/1953: 4). A base aliada de Vargas no Congresso organiza-se e
ameaça intimar Lafer a esclarecimentos, bem como criar inquéritos para entender o motivo do
atraso das licenças e casos de fraude na CEXIM. Lafer por sua vez ameaça Vargas. Caso fosse
intimado iria “incluir em seu discurso o exame da administração de Ricardo Jafet no Banco do
Brasil, fazendo-lhe graves acusações ... ao qual Getúlio Vargas resolveu evitar o escândalo,
que recairia sobre o governo, e, segundo informação oficial publicada, recomendou ao líder da
maioria o fechamento da questão” (OESP 27/02/1953: 3). Concorre a essa versão o fato de que
sem motivo algum, o líder da maioria, Gustavo Capanema, sustou o andamento do inquérito e
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 48
foi flagrado por repórteres em tom irritado no Congresso com outros petebistas argumentando
que “Lafer falaria coisas inconvenientíssimas, coisas de estarrecer o País” (ibid.).
Ainda assim, Lafer não escapou da “fritura” quando o UH, deu ostensiva visibilidade às
reclamações de Gomes ao afirmar: “Culpado o Ministério da Fazenda pelo Descalabro na
Central!” (Última Hora, 05/01/1953: 4). Ao mesmo tempo, o jornal dava a solução ao
problema: “Vargas Intervém no Drama da Central”. Bastava o presidente envolver-se que a
questão estaria resolvida. “A ordem na redação [do jornal] não era minimizar a violência
[policial contra os usuários dos trens] mas enfatizá-la, dando ao presidente o bastão mágico,
não da repressão, mas da solução do problema” (Laurenza op. cit. 147-148). A notícia
informava que “Vargas exigia de Lafer que o povo viajasse com conforto e decência”.
O segundo caso envolveu a restrição de ajuda à seca e à fome no Nordeste por Lafer.
Evitando repetição, basta dizer que graças à inflação, o problema histórico de pobreza no
Nordeste ficou ainda mais grave. Lafer era acusado de negligência e insensibilidade. Quando
consegue dar sua versão ao O Globo, diz que toda a ajuda orçamentária e extraorçamentária havia
sido dada à Comissão de Abastecimento do Nordeste (CAN). Acusa este órgão de corrupção ao
informar que “nunca houvesse sido providenciado o reembolso correspondente ... nem prestadas
as contas na forma legal” (O Globo, 21/02/1953: 6). Enfim, acusa a CAN de não ter utilizado os
recursos e nem realizado as obras públicas necessárias à região que poderiam criar empregos e
sanar a fome. Vale saber que essa acusação pesou à Vargas, pois a CAN era administrada por
mais um militar próximo ao presidente: coronel Severino Sombra, futuro deputado pelo PSD e
fundador do Serviço Secreto do Exército da 3ª Região, em 1941, durante a ditadura Vargas.
As duas principais acusações contra Lafer ocorreram quase na mesma semana, com a
mesma temática anticorrupção e insensibilidade – ambos temas morais. Lafer, para se defender
em ambos os casos, acusa membros do governo de corrupção. Assim, apesar de relativamente
justificar a troca do ministro, Vargas aumenta a percepção corrupção em seu governo (apesar
de isentar-se). O efeito indesejado, apesar do respeito dado a Aranha, foi o de ter
significativamente diminuído sua ponte com setores conservadores, especialmente a UDN:
Quando o sr. Horácio Lafer era ministro da Fazenda, o seu gabinete vivia cheio de
deputados e senadores da UDN. Não exageramos quando afirmamos que o PSD e o
PTB se portaram, em relação ao sr. Horácio Lafer, menos amistosamente que a UDN.
(OESP 26/11/1953: 3)
3. A Metamorfose De Um Inquérito
Ambos os lados utilizaram e amplificaram o discurso anticorrupção. A parcimônia, que
já estava em baixa desde a demissão de Lopes, acirrou-se no início de 1953 e definitivamente
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 49
acabou com a demissão de Lafer. O discurso anticorrupção toma conta dos noticiários.
Expressões como corrupção endêmica, “Mar de lama”, “crimes do século”, aparecerão em
capas de jornais e editoriais. Acima de tudo, rompe-se o silêncio sobre os inquéritos que
iniciaram toda a sanha sobre o BB e a CEXIM. O foco, que residia em Dutra, rumou a Vargas.
O início do questionamento sobre o inquérito foi em janeiro de 1952. Alguns deputados, de
maioria udenista, começaram a pedir pela liberação do documento que estava em posse de Vargas
há tempos. O principal fator motivador eram boatos de que nomes de deputados pessedistas e
udenistas recebiam verba irregular do BB, bem como de jornais (com exceção à Tribuna da
Imprensa) que estariam recebendo verba para fazer propaganda política contra Vargas.
O jornal que trouxe essa notícia, com acesso único à primeira parte do inquérito, logo em
sua terceira edição, foi o UH: “ESCÂNDALO INÉDITO NO BANCO DO BRASIL: A
Comissão de Inquérito Quer Processar Guilherme da Silveira – Vários Funcionários Terão
a Mesma Sorte Implicados no Esbanjamento de Milhões de Cruzeiros para Fins Políticos e
Pessoais” (14/06/1951). Guilherme da Silveira, ex-presidente do BB e ex-ministro da Fazenda
de Dutra era acusado de utilizar dinheiro público para financiar sua fábrica (Fábrica Bangu);
bem como de financiar candidaturas e políticos contrários à Vargas em 7 milhões de cruzeiros.
Em apenas uma semana de inquérito, o BB ajuizou ação contra Silveira na 2ª Vara Cível:
2º) encontram-se vultuosos pagamentos de publicações feitas em jornais, revistas e
outros órgãos de imprensa e difusão, os quais foram julgados ilegítimos e estranhos
aos interesses do Suplicante [BB] pela Comissão de Inquérito
3º) que as conclusões da referida Comissão esclarecem, de modo inequívoco, ter
havido culpa e dolo nos gastos com essa publicidade, inteiramente estranha aos
interesses do Suplicante, gastos autorizados pelo ex-Presidente contra dispositivos
estatutários e legais em manifesta exorbitância de poderes, inspirados apenas pelo
intuito de sustentar, ora campanha publicitária de elogio mercenário, ora para fins de
propaganda e ataque político [a Vargas] (Última Hora, 26/06/1951: 7)
Outros jornais questionam como um jornal de apenas dois dias de vida teve acesso a
esses documentos. Como defesa, o líder do inquérito, Miguel Teixeira, dirá que “nenhuma
informação posso fornecer à imprensa a não ser que encaminhei as conclusões ao sr. presidente
da República ... Somente o Palácio do Catete, com a concordância superior poderia revelar
qualquer pormenor”. (OESP, 16/06/1954: 3). Assim, cria-se o imbróglio de vazamento ilegal
e seletivo à mídia amiga. A suspeita começa a pairar sobre o Última Hora, algo que irá
desdobrar em impactante CPI sobre empréstimos irregulares à fundação deste jornal via o BB,
por ordem de Getúlio: exatamente o que se denunciava sobre Dutra.
Era sabido que o inquérito já nascia viciado em objetivo e recorte temporal. Um dos
problemas era que o presidente do BB era Ricardo Jafet: industrialista, amigo e indicado por
Adhemar de Barros em troca de apoio à Vargas. No mesmo dia que o UH sai com o furo sobre
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 50
o inquérito do BB, o jornal paulista OESP atacava Adhemar por despachos encontrados que
beneficiavam o Grupo Jafet em sua administração no governo de São Paulo, prejudicando o
Tesouro e o Banco do Estado de São Paulo (Banespa) em cerca de 300 milhões de cruzeiros.
A denúncia veio à Câmara por figura recorrente, o banqueiro e deputado Herbert Levy
que queria destituir Jafet do comando do BB. Não se tratava de objetivo desmedido, visto que
a pressão de setores mais conservadores já havia conseguido retirar o nome de Jafet do
ministério da Fazenda, como queria Adhemar e tinha prometido Vargas. “A Câmara sente que
o sr. Herbert Levy deseja mostrar que os homens destinados às funções de maior
responsabilidade devem ter antecedentes recomendáveis, não só no plano da capacidade
intelectual, mas também nos fundamentos morais” (OESP 15/06/1951: 3). Os motivos que
levaram a UDN a atacar Jafet são vários, mas eram principalmente econômicos: temiam o
intervencionismo e o perdularismo de Jafet, dificultando a promessa ortodoxa de Vargas.
Nesse quesito estavam certos. Jafet foi um dos principais motivos que Vargas não
conseguiu manter a ortodoxia e os saldos orçamentários de 1951 aos anos seguintes. Jafet
constantemente antagonizava com Lafer e emitia enorme quantidade de crédito em
descompasso com a política de austeridade. O conflito entre os dois foi resolvido em favor de
Lafer, em clara escolha pela manutenção da política ortodoxa e finalmente dando controle da
política monetária e fiscal ao ministério da Fazenda (Vianna op. cit. 126-131).
Ao contrário de Lopes e Lafer, exaltados pela imprensa; Jafet sofreu críticas desde o
início, mesmo em jornais mais ligados ao desenvolvimentismo industrial nacional, como o
Jornal do Commercio. Em carta ao jornal, ele teve que se explicar sobre as, como disse:
“inúmeras acusações inteiramente infundadas” (15/02/1951). O Grupo Jafet consistia em
empresa de viação, mineradoras, bancos etc. Entretanto, muitos questionavam de onde vinha o
dinheiro de Jafet para investir em tantas operações custosas, especialmente a de mineração de
custos diretos e indiretos proibitivos. A explicação para muitos era a de que Jafet seria “testa-
de-ferro” (pessoa que aparenta ser dono do negócio em nome de outros) de um truste
estadunidense (United States Steel Corporation – hoje a gigante U.S. Steel) interessado nos
minérios brasileiros reservados a indústrias nacionais pela Constituição Federal (ibid.).
Mas não convenceu: diz que todas suas empresas, espalhadas nos mais longínquos pontos
do país e de dificílimo acesso, especialmente naquela época, foram “construídas por recursos
próprios”. Por fim, em um ponto que tocava a ditadura Vargas, teve de explicar as acusações
de favorecimento de transporte para seus minérios na Estrada de Ferro Central do Brasil
(devido à pouca infraestrutura brasileira, essa ferrovia era o principal meio de transporte de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 51
minérios na época e, por isso, havia alta competição entre as empresas). O assunto não foi mais
tocado, mas a desconfiança com Jafet aumentou, bem como sobre o inquérito do BB.
Devido ao fato da corrupção no BB e na obtenção de licenças ter envolvido todo um
estamento político-econômico, quase todos os atores envolvidos nesse inquérito buscarão
abruptamente ignorá-lo. Lacerda, seguiu poucos deputados da oposição (liderados por José
Bonifácio), que pediram pronta publicidade do inquérito. O pedido de Bonifácio no Congresso
demandava saber: 1) Qual o resultado do inquérito; 2) Quem são as pessoas responsáveis por
eventuais crimes; 3) Quais os bancos envolvidos no caso; 4) Quais providências o governo
tomou até então? (Tribuna da Imprensa 22/01/1956: 1). Em editorial “Dizer a verdade ao
povo” Lacerda celebrará Lafer ao mesmo tempo que diz que o governo busca frustrar seus
esforços; citará Gudin que reprovava as atitudes do governo (“Pois Gudin tem compromisso
com o seu próprio nome, com uma tradição de serviço público, de cultura e formação moral”).
Abre-se um inquérito no Banco do Brasil. Anunciam-se escândalos, inquieta-se o
país, lança-se a dúvida sobre reputações, difama-se à boca pequena meio mundo.
Afinal, o inquérito é abafado – e o governo guarda na sua gaveta esse trunfo de
chantagem, essa carta do blefe. Quem abafa o inquérito? Ora, quem? O sr. Getúlio
Vargas ... Nunca se viu autoridades tão acovardadas quanto agora. Há um pavor de
assumir responsabilidades. O próprio sr. Barreto Pinto, profeta jocundo do sr. Vargas
dizia há dias que: 1 Nunca houve tanta negociata quanto agora; 2 – Não há ministro
que decida coisa alguma. Todos dizem “é melhor falar com o Presidente”. Por isto
mesmo, ressoam com uma força cada mais vez evidente, os apelos a uma união das
forças populares para superar a fase Vargas na história política do Brasil. Trata-se
de constituir uma união em favor de um programa que se resume nestas palavras:
– Dizer ao povo a verdade. (Tribuna da Imprensa 22/01/1952: 4)
Sintetizará o editorial com uma charge de Vargas sentado sob o “rigoroso inquérito”:
Figura 19. Rigoroso Inquérito do BB
Fonte: A Tribuna da Imprensa, 22/01/1952: 1
Apesar da retórica, por mais de 9 meses após esse editorial, Lacerda também adotou
silêncio. O exaltado jornal teve de explicar sua omissão em longa nota: “Porque não
Publicaremos o Inquérito do Banco do Brasil” (28/10/1952: 4). Dizem que havia assuntos
mais prementes, como as eleições estadunidenses e que a divulgação do inquérito iria ferir os
interesses nacionais e a classe política, inclusive levando a um “crack” dos bancos brasileiros.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 52
A nossa posição está tomada. Não podemos publicar na integra um documento que só
trará agonia ao povo e ruína à nação. Não queremos fazer bonito à custa do Brasil ...
cuja consequência seria o “crack” do sistema financeiro do país. Pois, que farão
centenas de milhares de depositantes ao saberem que os seus bancos, no entender da
comissão oficial ... são insolváveis e estão na boca da bancarrota? Pelo critério
adotado no relatório, o Brasil estaria insolvável e deveria entrar em liquidação, pois
nem sequer está pagando em dia as suas importações (ibid.).
A Câmara também decidiu pela não publicação do inquérito. O estamento político e
econômico como um todo se defenderá e silenciará um inquérito passível de desestruturar não só
um governo, mas todo o sistema político e econômico. O silêncio da imprensa sobre o BB também
se explica, pois, toda ela possuía vultuosos empréstimos com bancos públicos, incluso Lacerda.
Diz ele: “Empréstimo que aceitei e que foi ponto fraco que eles usaram em toda a campanha: ‘O
senhor também recebeu empréstimo do Banco do Brasil’” (Laurenza op. cit.: 76).
É interessante notar que os dados repassados ao UH, por Vargas, sobre empréstimos de
jornais foram compilados antes da instauração da CPI do Última Hora em março de 1953, como
clara tentativa de ter dados para se proteger contra a imprensa, enquanto atacava o inquérito.
Tabela 4. Relação de Grupos Midiáticos Devedores de Órgãos Públicos Pedido por Vargas (1953)
Grupo Devedor
Vencidos
A Vencer
Total
CHATEAUBRIAND
Diários Associados
96,888,589.00
4,200,000.00
101,088,589.00
O Cruzeiro
6,100,000.00
36,901,346.00
43,001,346.00
Total
102,988,589.00
41,101,346.00
144,089,935.00
SAMUEL WAINER
Editora Erica
4,326,851.00
65,424,883.00
69,751,734.00
Última Hora
1,146,602.00
8,200,005.00
9,346,607.00
Rádio Clube do Brasil
24,589,661.00
3,000,000.00
27,589,661.00
Total
30,063,114.00
76,624,888.00
106,688,002.00
ROBERTO MARINHO
Empresa Jornalística Brasileira
6,000,000.00
10,606,976.00
16,606,976.00
Rádio Globo
4,100,000.00
31,210,927.00
35,310,927.00
Roberto Marinho (indivíduo)
1,700,000.00
-
1,700,000.00
Total
11,800,000.00
41,817,903.00
53,617,903.00
CARLOS LACERDA
Tribuna da Imprensa
-
2,000,000.00
2,000,000.00
Fonte: Arquivo Getúlio Vargas (GV 53.02.26/4) apud Laurenza op. cit.:76-77
Apesar desses dados terem sido levantados e utilizados por Vargas como contraofensiva
aos jornais que buscavam o atingir, é importante notar certos dados eram falsos. Na verdade,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 53
em apenas um grupo midiático as informações não batiam com as contas apresentadas à CPI:
os do Última Hora. A CPI do Última Hora
23
apurou que este jornal na verdade devia ao BB:
a) Empréstimos em dinheiro: Cr$192.684.786,40;
b) Fiança: US$ 5.235.200,00;
c) Garantia à importação de papel, resp. do Banco em 16/06/1953: Cr$
87.000.637,60
Total de: Cr$ 279.685.424,00 (Anuário Brasileiro de Imprensa, 1954 apud
Laurenza op. cit.: 79)
Diferença gritante de Cr$172.997.422: mais de 250% do valor anunciado por Vargas.
Fato é que esse inquérito criou um clima de descontentamento entre Vargas e seus aliados
e acirramento com seus opositores. Criou-se uma bola de neve que Vargas não conseguia
controlar. Políticos faziam acusações mútuas. Culpavam Vargas por ter criado um imbróglio
político. Vargas foi visto como irresponsável e oportunista. O clima de cizânia instalou-se.
A Tribuna da Imprensa reutilizará a charge de Vargas sentado sobre o inquérito publicada
há seis meses. Agora não se questionava o rigoroso inquérito, mas o que fazer com a bagunça
criada por ele. O título alterou-se para “- E agora, ‘seu’ moço?”
Figura 20. E Agora, "Seu" Moço?
Fonte: A Tribuna da Imprensa: 07/08/1952: 4
Os maiores jornais apontavam ao uso político de Vargas ao selecionar acusações e
guardar o inquérito como forma de pressão política. Com o vazamento do inquérito visando
líderes da oposição, OESP (01/08/1952: 3) resumirá as acusações “esquecidas por Vargas”,
entre elas corrupção com as licenças de importação; as exportações de café e arroz; as
“caixinhas” do PSD; milhões de cruzeiros em campanhas políticas a aliados; problemas com o
superfaturamento de arroz no Rio Grande do Sul em órgão ligado a Goulart etc. O título é
_______________________________________
23
Não é o foco, mas evitando omissão: o jornal foi fundado em 1951 por Samuel Wainer, um dos poucos que
buscou reabilitar a imagem de Vargas. O jornal é financiado por Walter Moreira Sales, pelo deputado Euvaldo
Lodi (PSD) e pelo BB via Jafet. O jornal possuía acesso privilegiado (financiado pelo governo) à importação de
papel. Foi aberta uma CPI e a ingerência de Vargas ficaram claras: o jornal não conseguiu explicar as vantagens
recebidas e nem as garantias para receber os empréstimos, que pagava mediante compensação com publicidade.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 54
demonstrativo da conclusão sobre o inquérito, sua não publicação e seletividade nos
vazamentos: “AMEAÇA DE ESCÂNDALO COMO ARMA POLÍTICA NAS MÃOS DO
GOVERNO: O que já se conhece do inquérito do Banco do Brasil confirma as intenções do sr.
Getúlio Vargas em seu famoso discurso sensacionalista sobre o assunto” (ibid.).
Ao Globo o inquérito nada mais fez que buscar manchar nomes das classes dirigentes
(econômica e política). O inquérito teria começado e terminado por vícios legais e políticos e
ficou guardado por Vargas como forma de pressão, cindindo a classe política. Diz o jornal que
o inquérito não trouxe nenhuma acusação, nem fatos: foi apenas instrumento político de Vargas
que aumentou a percepção geral de corrupção endêmica.
Esse inquérito constitui uma página ingloriosa da crônica política atual, tanto pelo
modo que foi conduzido e utilizado pelo Governo, como pelo que ficamos sabendo
de seu conteúdo. O Governo quis surpreender facilidades e deslizes da administração
passada, atingindo o presidente Eurico Dutra e seus principais auxiliares e os homens
do PSD ... Para essa obra perigosa, em que os objetivos da moralidade pública
facilmente se confundem com os da difamação, teria sido necessário constituir uma
Comissão cujos responsáveis não tivessem apenas o requisito da probidade [mas que]
infundissem ao povo confiança e respeito (O Globo, 04/08/1952: 1)
Criticam que o inquérito não tenha seguido os procedimentos legais, como o segredo
bancário, e por não ter sido encaminhado à Procuradoria-Geral para prosseguimento criminal.
O processo deveria ter seguido ao BB para que ficasse em arquivo, seguindo o princípio da
publicidade. Nada disso foi feito. Vargas guardava o inquérito como forma de pressão política:
Ficou o inquérito servindo de espantalho, ameaçando de forma imprecisa nomes e
reputações e passando de mão em mão para divertimento dos indiscretos. Chegou-se
a saber que o inquérito continha nada mais nada menos que uma difusa, mas
perniciosa série de delações e suspeitas, visando um comprometimento geral das
classes políticas e financeiras do país. Em lugar das acusações ... o inquérito se
contenta em 99% de sua extensão, com maliciosas interpretações e aproximações
sugestivas, deixar suspeitas no espírito do leitor. (ibid.).
Por fim, protegendo o sistema político, a si mesmo e o capital criticam a UDN por buscar
tornar o inquérito público, afirmando que assim o partido aumenta a percepção de “uma classe
dirigente indistintamente corrupta” (não separando os “homens das caixinhas” com os “homens
de bem”) e acabando com qualquer chance de união contra “perigos que ameaçam a nossa própria
existência” (como a candidatura de políticos como Goulart). A UDN desiste da publicação.
4. Inquéritos Colaterais e o Pico das Acusações: Repercussões Políticas e Econômicas
Muitas das acusações do inquérito do BB desenrolaram-se em outros inquéritos
concorrentes. Uns sobre políticos citados, outro, de maior repercussão, focando exclusivamente
na CEXIM em junho de 1952, curiosamente criado logo após a saída de Lopes na metade de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 55
1952. Enquanto todos buscavam silenciar o inquérito do BB, o “Inquérito da CEXIM” dava
fôlego ao momentum nas páginas de jornais e à oposição política a Vargas. Uma capa comum
no Tribuna da Imprensa mostra a pressão que os inquéritos traziam:
Figura 21. Uma capa da Tribuna da Imprensa no pico das acusações
Fonte: A Tribuna da Imprensa, 01/08/1952:1; gráficos: autor.
Na capa acima temos: 1 - em cor laranja) o único caso referente à Dutra sobre como
casinos e hotéis pediram (e receberam) ressarcimento público pelo jogo ter sido colocado na
ilegalidade. Depois os diversos inquéritos somente afetavam Vargas: 2 - em azul escuro)
Inquérito do Café que descobriu compra superfaturada de café e trigo para financiar a
campanha do PSD; 3 - em azul claro) venda de títulos da dívida externa com desconto
levando a lucros de 10 a 25%; 4 - em rosa) Inquérito do jornal Última Hora; 5 - em vermelho)
Inquérito da CEXIM acusando Lopes; 6 - em verde) Inquérito do Banco do Brasil em que
o aliado de Vargas, general Mendes de Morais, tem um saldo de 3 milhões de cruzeiros em sua
conta, ao qual ele justifica como “sorte no poker”; 7 - em amarelo) Inquérito do Arroz
(IRCA), envolvendo compras superfaturadas de arroz no Rio Grande do Sul de João Goulart.
Apenas uma das denúncias falava sobre Dutra. O foco restava completamente em Vargas.
Para além do BB, dois inquéritos tomaram destaque, o da CEXIM e a criação do Última Hora:
Dizer, portanto, a verdade a meias é mentir. Convém que o sr. Vargas, que mandou
apurar o que houve no Banco do Brasil num quinquênio, mande agora saber o que já
houve num ano, um só, ao menos esse um, do seu próprio Governo... Como vai acabar
tudo isto? Não ousamos dizer. Mas o certo é que, afora a desmoralização que se
agrava, não está à vista qualquer providência punitiva. Quem no governo do sr.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 56
Getúlio Vargas, tem autoridade moral para tomar providências contra os responsáveis
contra apontados no Relatório? Na sua maioria, esses responsáveis são auxiliares e
adeptos, entusiastas e incondicionais, do sr. Getúlio Vargas. (ibid.)
Carlos Lacerda, graças aos inquéritos, fortalece-se como líder da oposição e “paladino
anticorrupção”, visto por setores conservadores como político modelo: “Principalmente a partir
dessa época é que ele passa a representar, pela sua ação direta e pessoal um dos mais fortes
baluartes em defesa da democracia e da dignidade nacional” (OESP 22/05/1977: 9).
Nesse mesmo ano, devido ao clima de percepção de corrupção generalizada, surge o
primeiro “super-herói anticorrupção” brasileiro: Jânio Quadros, o homem do “tostão contra o
milhão”. Como diz OESP: “A sucessão dos escândalos começa a abalar o País e a provocar
reações. A 22 de março de 1953, os paulistas, em inequívoca reação contra o estado das coisas,
elegem Jânio Quadros prefeito de São Paulo.” (ibid.).
Figura 22. Propaganda Política de Jânio à Prefeitura de São Paulo: “O Tostão Contra o Milhão”
Fonte: Personalité Leilões
A Figura abaixo mostra a simbiose política entre Lacerda (o “denunciador de corrupção”
com sua lâmpada) e Jânio (o “moralizador da administração pública” com sua vassoura).
Figura 23. A simbiose estrutural e circunstancialmente condicionada
Fonte: Revista Careta, autor: Theo, 12/121953: 4
Em impressionante vitória, contando com o apoio de apenas um diminuto jornal, Jânio
ganha o pleito da mais rica cidade do país. Essa vitória, contra quase toda a máquina política
paulista de Adhemar, e nacional, de Vargas, foi verdadeiro choque ao estamento político,
lançando-o como fortíssimo nome nacional a uma sociedade impressionada com a percepção
reinante de um país corrupto e impaciente com a crise econômica e representacional no país.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 57
Ao interpretar sua vitória, em viagem ao Rio de Janeiro para receber honrarias e depois
se encontrar com Lacerda, Quadros dirá que a vitória veio como reação à crise moral das classes
dirigentes: “o pleito de S. Paulo teve um significado da luta contra a crise de caráter, que ele
aponta como a causa de todos os nossos males” (OESP 21/04/1953). Seguindo as
características do personagem de um “herói fora da política”, com a bandeira da anticorrupção
como seu principal lema, Quadros generalizará o seu discurso culpando toda a classe dirigente
e o aparato estatal que foi feito para a proteger pelo estado de amoralidade do país. Quando
esse estado de imoralidade for vencido, todos os problemas do país se resolveriam. Como
justificativa, em fortíssimo discurso – e representativo de um zeitgeist que se instalava –,
Quadros utilizou os escândalos da CEXIM e do BB como “demonstração de sua conclusão”:
A Nação mergulhou na imoralidade empolgada pelo lucro fácil e fascinada pela fortuna
ilícita. As chamadas classes dirigentes introduziram na administração pública como
processo normativo a transação ignóbil e estabeleceram, generalizado, um imenso
mercado de consciência. A honra e a dignidade transformaram-se em óbices ao
desenvolvimento dos esquemas e das carreiras políticas, e os partidos, em sua quase
unanimidade, fizeram-se escandalosos carteis de interesses subalternos ou suspeitos...
que no mesmo passo se sustenta a excelência de figuras “que roubam, mas realizam” ou
daquelas que condescendendo com o roubo ensejam um ilusório bem-estar material que
conduz à ruína, porque à custa dos fundamentos da autoridade representativa.
O país ficou desassistido de exemplos de coragem, de honestidade e sacrifício. A
polícia que o Estado mantém para sujeitar o ladrão do tostão é a mesma polícia que
põe guarda protetora à portão do ladrão das facilidades administrativas. O mal
contagiante da falta de caráter não atingiu as multidões mais humildes que reagiram
no pleito que me elegeu. Reagiram na convicção, que é a minha, de que, superada a
crise de caráter que o poder público encarna e enseja nos seus abusos e no tráfico que
incita, as outras crises cairão vencidas e a democracia estabelecer-se-á, ali cercada no
respeito do exemplo dos seus atos e no rigor igualitário da sua prática jurídica (ibid.).
O inquérito da CEXIM, conjugado com o do UH, foi verdadeira avalanche, com
exposição em jornais, rádios, emissoras de televisão e no Congresso. O clima de acusação foi
tão grande que houve a ameaça de chefes de polícia em fechar jornais e rádios que “veiculavam
calúnia ou injúria contra a pessoa do Presidente da República ou dos Ministros de Estado” –
uma interpretação perigosa das leis 8.356 e 8.543 de 03/01/1946. A resposta foi com outra
ameaça: acusam Vargas de censura, arbítrio político e conivência com a corrupção.
A polícia e o próprio governo deveriam meditar na repercussão que teria neste
momento qualquer medida coercitiva que fosse tomada contra uma estação de rádio,
sobretudo contra aquela onde está se debatendo um grande escândalo público, objeto
de uma comissão parlamentar de inquérito. (O Globo. 23/09/1953)
Como dito, Marinho era pragmático com suas empresas (Forattini 2018) e essa
característica lhe serviu tanto aos negócios quanto aos objetivos políticos. Marinho reclamou aos
diretores da rádio que o programa de Lacerda visava unicamente críticas ao governo. Sugere que
a rádio cedesse ao governo igual espaço. O governo, em erro, prontamente aceita, legitimando
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 58
um espaço de críticas advindas de investigações políticas, e não necessariamente fatos. Para
piorar, o governo deixa de frequentar o programa, deixando Lacerda com o palanque. Como
disse o diretor do programa, Raul Brunini: “Foi a nossa sorte, o governo se entusiasmou e a
princípio mandou alguns representantes. Aí depois não mais. Ou não se interessou ou não quis
se contrapor a Lacerda e ele ficou praticamente sozinho.” (Raul Brunini apud Calabre 2004).
No Congresso e nos jornais, com exceção do Última Hora, as acusações começaram logo
no início do trabalho do inquérito da CEXIM. O primeiro alvo, foi no coração da administração
Vargas, Simões Lopes (Lopes figura que Vargas confiava foi responsável pela maior reforma
modernizadora da administração pública durante o Estado Novo). O Correio da Manhã
(27/07/1952) denunciou um desvio de mais de 400 milhões de cruzeiros na CEXIM e um
memorando de Lopes a seus funcionários afirmando que se deveria conceder as licenças por
dois meios: um “estritamente dentro das disposições legais ou regulamentares em vigor” e
outro que “dependa apenas de arbítrio ou de boa vontade da carteira”. Demostrando corrupção
na carteira. O jornal iniciará forte campanha contra o órgão, ganhando momentum em 1953:
A Cexim, com a atual diretoria vai de mal a pior. Reina naquele organismo, que
pretende ser o Nosso Ministério de Comércio Exterior, alarmante estado de coisas que
está reclamando medidas drásticas e moralizadoras do governo. Onde se encontra a
apregoada honestidade do Sr. Luiz Simões Lopes, que já possui quatro pessoas de sua
família trabalhando na Cexim? É a demonstração cabal da desordem e imoralidade
que campeiam no setor da administração pública. (ibid. apud Silva: 78)
Reavivando a polêmica, Raimundo Padilha (UDN) decide em 12/1953 iniciar vasto
número de denúncias contra congressistas. Pessoas do círculo reservado de Vargas foram os
principais alvos: “Pela segunda vez depõe o autor da denúncia contra o antigo diretor da
CEXIM” (OESP 05/12/1953), como Simões Lopes e o militar Coriolano de Góis (homem forte
de Vargas desde a ditadura e antigo diretor da CEXIM pré-1945 e diretor de outras carteiras do
BB). Além destes, também estava sendo acusado o filho de Góis (nepotismo), políticos,
empresários e firmas de importação e exportação, com destaque à estadunidense McCoy, que
teria desprendido milhões “em encontros, jantares e tratativas” (entrega de cheques, conhecida
pelos jornais como “taxa expediente” [Jornal do Commercio 02/12/1953: 3]) via Góis.
Este nega e pede demissão. Em troca acusa a firma estadunidense e deputados. “A julgar
pelas revelações que promete o deputado Raimundo Padilha, bem como outros parlamentares,
deverá assumir proporções ainda maiores o escândalo da CEXIM.” (ibid.). O Globo estampará
editorial chamando esse caso de o “Espectro da Desmoralização” (O Globo 02/12/1953).
Banqueiros, comerciantes e industriais que se sentiam prejudicados pelas licenças
começaram a pedir para depor contra antigos funcionários da carteira em casos de corrupção.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 59
O foco era Coriolano de Góis, levando o presidente da Comissão, Aliomar Baleeiro (UDN) a
aumentar o escopo das acusações ao declarar que essas pessoas tinham de ser imediatamente
ouvidas. “A comissão irá organizar um calendário dentro do qual ouvirá todas as pessoas que
tiverem conhecimento de fatos contra a CEXIM” (Jornal do Commercio 09/12/1953).
Não ajudou o governo quando documentos entregues por um denunciante à CEXIM
tivessem misteriosamente desaparecido. “Pediu o representante mineiro que se realizassem
investigações acerca do extravio dos documentos entregues à CEXIM pelo Sr. Severino
Taciano da Costa Barros, relativos à consecução de licenças de importação, desaparecimento
esse que se presume tenha ocorrido em represália à sua resistência [de dar suborno]” (ibid.).
Entraram em cena diversos outros bancos, acusados de prática do chamado “mercado
cinza”, que ao saberem serem acusados, prontificam-se a denunciar o governo Vargas em
plenário e em cartas distribuídas à imprensa. Este movimento foi iniciado pelo diretor do Banco
da Prefeitura do Distrito Federal, João Pinto Rodrigues Filho, que negou ter pagado propina,
mas que disse ter visto outras empresas e corretoras sendo cobradas comissões e propina, como
ocorreu com a Companhia de Anilinas e Produtos Químicos, que queria receber 10 milhões de
cruzeiros (e não os 5 milhões aventados) em licenças, desde que “mediante a comissão de 10%
do valor” a Góis – algo que, diz Rodrigues Filho, a empresa negou. Curioso é que a empresa,
meses depois, conseguiu o empréstimo (Jornal do Commercio 12/12/1953: 3).
Por fim, diziam os acusados/denunciantes (pois a distinção se perdera há tempos):
vários funcionários do banco conheciam e comentavam a intervenção do sr. Floriano
de Góis em muitos negócios efetuados na CEXIM para obtenção de licença. Dava
motivo a esses comentários a presença de várias pessoas, constituindo verdadeiras
filas na direção do gabinete do sr. Floriano de Góis” (ibid., grifo meu).
Descobriu-se também que carimbos da CEXIM eram falsificados para a emissão de
licenças (OESP, 01/07/1954:32). Ou que funcionários como o major Helio de Melo Carvalho
(notar que a grande maioria dos acusados eram militares lotados em cargos por Vargas) que
falsificava assinatura de superiores para emitir licenças num total de mais de 32 milhões de
cruzeiros (O Globo 02/12/1953: 1). Obviamente estas falsificações eram grosseiras e serviam
apenas os que faziam parte do esquema de corrupção pudessem “contabilizá-la”, pois era pouco
provável que esses papeis enganassem algum banco ou funcionário da alfândega minimamente
diligente. Fato é que a corrupção estava de fato institucionalizada: era o jeito de se adquirir as
licenças. A rede de subornos abrangia toda a cadeia do sistema de licenças.
Um pandemônio.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 60
▪ Ainda assim, nunca se perdeu o foco de que “o sistema em si era corrupto”
O Jornal do Commercio, antes favorável às licenças por crer que protegia as indústrias,
mudou sua posição, assim como a indústria. Apesar de ser um dos jornais mais alheios às
intrigas palacianas, obviamente não conseguia fugir por completo delas. Ainda assim, seu foco
residiu, na maior parte, na imoralidade e ineficiência do sistema intervencionista em si. Nesse
caso criticam não só a CEXIM, mas inclusive qualquer tentativa de moralização do sistema,
chamado de “esquema Osvaldo Aranha”. Queriam o fim da intervenção.
Primeiro, mostram que a corrupção é inerente ao sistema:
A especulação é hoje a mestra dos negócios. A ação catalítica dos ágios no mercado
interna, pela subida de todos os preços é um tema que exige um pronto exame a fim
de não sermos surpreendidos por uma situação calamitosa irremissível. O esquema
Osvaldo Aranha ainda não se estruturou em termos jurídicos o que é paradoxal numa
coletividade cujos políticos e legisladores argumentam em excesso no plano do
esquema Aranha o que há de fundamental é a absorção dos ágios pelo poder público.
Este torna-se destarte o centro de exploração de um negócio superlativamente rendoso
para si mediante altas comissões.
Depois que mesmo mudanças nele serão ineficazes tanto em relação ao seu objetivo
econômico (propulsionar o desenvolvimento e diminuir a inflação), quanto ao moral:
Evidentemente, dadas as razões do critério em prática nem cessará a inflação do meio
circulante nem o comércio se fará de forma a razoavelmente baixar o preço de venda
dos produtos importados. O ministro da Fazenda impressionado com a improba
maquinária da CEXIM, cujas operações definiu nos mais duros termos e em forma
sensacional deu contra ela um golpe compreensível porque a imoralidade e a
corrupção não devem ter cobertura legal.
A calamidade, corrupção, não acabaria com medidas dentro do sistema em voga,
permeado por “ganância e especulação desabridas, em forma desumana”:
Havia uma calamidade a enfrentar sem dúvida, sem, porém, a transposição de eixos
dos seus processos condenáveis. O que fora mister é não tentar remover os efeitos de
uma calamidade que possa provocar outras, porque o que se impõe é combater
francamente a epidemia que invadiu o setor da especulação e da ganância do comércio
adventício que se estabeleceu ao lado do outro, tão legítimo nos velhos tempos,
especulação e ganância desabridas, em forma desumana, num sádico frenesi que raia
pelo paroxismo no seu grau máximo de intensidade.
Por fim, dão a solução pró-livre mercado (o que é dizer muito em jornal como esse,
mostrando o quanto esse pensamento começa a se implementar mesmo em ramos
desenvolvimentistas de cunho industrial nacional). A solução seria a inspiração em José
Murtinho, ministro da Fazenda em 1894 que concretizou o primeiro Funding Loan brasileiro.
Algo como um acordo com o FMI e com as mesmas prescrições de austeridade, visando pagar
dívidas e menor intromissão estatal na economia: “sanar as finanças” virou palavra de ordem.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 61
Inspire-se o senhor Osvaldo Aranha nos ensinamentos do passado ou mais
propriamente no exemplo de Joaquim Murtinho aqui já anteriormente citado. Não
haverá política financeira externa sadia se, internamente, não sanearmos as nossas
finanças. Reflita o titular da fazenda sobre esse princípio capital (Jornal do
Commercio, 29/12/1953: 3)
Também agiram assim os outros jornais. Apesar do “mar de lama” que se encontrava o
governo, o espaço crítico não visava unicamente a personalidade de Vargas e de seus
apoiadores. Em substancial artigo, o jornal OESP irá focar na ligação entre intervencionismo
estatal e corrupção: “Intervencionismo estatal e corrupção: A CEXIM e a aliança entre
políticos profissionais, aventureiros internacionais e a alta sociedade carioca”. (OESP,
19/12/1954: 3). Muitas vezes encontraremos críticas à corrupção inerente ao sistema que a
CEXIM representava: a intervenção do Estado na Economia, acabando com as divisas e
estimulando indústrias artificiais de luxo e semiluxo que estavam sendo barradas ao invés de
produtos essenciais. Como disse o OESP (30/04/1953:3).
Uma das principais causas da ineficiência da Carteira de Importação foi sua pretensão
de “planificar” o nosso desenvolvimento econômico mediante a regulamentação do
comércio importador, ao que devemos o conceito, duvidoso de muitos pontos de vista,
da “essencialidade”. ... criando preferências [artificiais] pela produção nacional de
artigos de luxo e semiluxo, criando verdadeiros privilégios à importação de produtos
considerados essenciais. Em suma, uma das maiores ações negativas da extinta
Carteira de Importação consistiu no ter prejudicado o fortalecimento da
infraestrutura de nosso parque fabril, atrasando nossa emancipação econômica.
A segunda falha estrutural, dizem, era a corrupção:
Outra falha estrutural residiu na criação de um regime de privilégios em benefício de
número restrito de empresas, que passaram a obter lucros fáceis e cada vez
maiores, chegando a atingir proporções astronômicas em prejuízo da grande
maioria das empresas fabris, comerciais e agropecuárias que não esperavam receber
... bilhetes premiados! Esse fato despertou em numerosos políticos e funcionários
inidôneos o desejo, às vezes realizado, de se tornarem “sócios” dos lucrativos
negócios de importação. Aos poucos as próprias funções da CEXIM
transformaram-na no pior dos órgãos de corrupção política e administrativa.
Por fim, a intervenção estatal teria contaminado a sociedade brasileira – e não o oposto:
Finalmente, cresceu extraordinariamente o número de pessoas ligadas ao Executivo
Federal, ao Congresso Nacional e à sociedade carioca que passaram a viver
opulentamente sustentando com meros serviços de “despachante” junto à Carteira de
Exportação e Importação, verdadeiros escândalos! Todo esse ambiente de
desmoralização nasceu das funções planificadoras e regulamentadoras da
CEXIM, inspiradas por gente de boa-fé, mas que pela sua própria natureza
acabariam por ter os efeitos mais nefastos.
Proverão a mesma solução do jornal especializado carioca e do sistema Bretton Woods:
unificação cambial e fim das atividades “planificadoras”:
[Esse seria] o primeiro passo, da extinção dos remanescentes “planificadores” o que
depende da reestruturação do sistema alfandegário e da substituição do atual sistema
de taxa cambiais múltiplas pelo regime de taxa única de câmbio.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 62
Mostrando alinhamento ideológico e de interesses, o jornal New York Times publicará
coluna sobre visita de Henry Holland (secretário de Estado para Assuntos Interamericanos) ao
Brasil em “momento crítico” do país (NYT 07/09/1954: 24). O jornal OESP irá traduzir essa
reportagem do NYT para justificar sua visão acima (OESP 08/09/1954: 3). O foco da visita e
da coluna de ambos os jornais era: “Inflação, CEXIM, COFAP e corrupção”. Dirão, ambos,
que a solução da crise econômica e política do Brasil “depende do próprio país”. Deixando
claro que ou o Brasil adota uma política de austeridade neoliberal, ou não receberá auxílio.
Enquanto os orçamentos públicos não forem comprimidos, com o corte de todos os
gastos desnecessários, enquanto mantivermos autarquias parasitárias que sugam do
Tesouro Nacional bilhões de cruzeiros por ano, enquanto concedermos créditos para
fins especulativos e encarecedores da vida, ninguém poderá nos ajudar. ... A elevação
da produtividade e da renda nacional dependem exclusivamente de nós e não dos
Estados Unidos. (OESP, 08/09/1954: 3).
Diferente do NYT que escusa os EUA de qualquer ajuda, o OESP dirá que “há nessa
assertiva um exagero” pois a ajuda do Eximbank “poderá influir beneficamente no aumento de
nossa produção”. Concordam com o jornal estadunidense que o país “deverá corrigir as
políticas verdadeiramente desastrosas” de Vargas “nos domínios do comércio e trabalho”.
Sendo importante considerar dois aspectos:
Um refere-se à regulamentação do comércio importador que até a extinção da CEXIM
possibilitou toda espécie de negociatas, proporcionou a protegidos políticos e
pessoas do governo lucros colossais sem qualquer esforço produtivo ... [O
segundo, era que autarquias] longe de beneficiarem os consumidores forneceram
ensejo para numerosas transações ilícitas, bem como a constituição de ‘caixinhas’
tudo em detrimento do comércio legítimo (ibid.)
Dizem ambos os jornais: “Estamos convencidos de que a extinção daqueles órgãos
contribuiria para moralizar a situação”. Por fim criticam o monopólio do petróleo e a política
de salário de Vargas que teriam aumentado a inflação e permitido a queda real do salário, além
de fomentar um sistema corrupto. Já a Petrobrás teria sobrecarregado o orçamento e impedindo
que a verdadeira exploração do petróleo fosse feita, pois diziam que o país não tinha condições
de adentrar sozinho na indústria. Por sinal, essa visão sobre o petróleo será compartilhada por
muitos dos nacionalistas após metade dos anos de 1950, como Helio Jaguaribe, que pedirá pela
ampliação dos meios de financiamentos da exploração, mesmo que de origem internacional.
5. O fim da CEXIM, o Início da CACEX e a Influência da Missão Klein-Saks na
Implementação do Pensamento Neoliberal Latino-Americano pela via da Moralização
Ao mesmo tempo que o circo de acusações crescia, com diversos inquéritos surgindo
(importante foi o Inquérito do Instituto de Café que apontava desvios para se financiar
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 63
candidaturas do PSD), o governo tentava conter o estrago com “medidas moralizadoras” na
CEXIM: “A significação das medidas tomadas pela atual direção: esforços moralizadores,
propósitos deflacionistas e perigos inflacionistas” (OESP, 10/10/1953).
Mas o foco continuou em Vargas e em seu entorno que estariam corrompendo o país,
mesmo “contra a vontade da grande maioria dos funcionários públicos de carreira do BB”.
Só será possível avaliar as medidas tomadas pelo Conselho Superintendente da Moeda
e Crédito [SUMOC] compreendendo-se a repulsa generalizada da opinião pública, do
Congresso Nacional e de membros do próprio governo à corrupção e ineficiência
evidenciadas na CEXIM. É impressionante confessar o grau em que a imoralidade
penetrou em toda a máquina da Carteira de Exportação e Importação. E homens tão
perspicazes e corajosos como o ministro da Fazenda e o presidente do Banco do Brasil
[já não era mais Jafet] acharam indispensável tomar atitude enérgica, senão heroica,
com o objetivo de eliminar os ninhos de favoritismo público e de corrupção
estabelecidos na CEXIM. (ibid.)
Vargas esvaziará a CEXIM gradualmente de poder. Enquanto vendia-se a impressão de
correção de prumos, Vargas trabalhava para sua extinção. No mesmo mês de dezembro que
Padilha inicia as acusações, o Congresso discutia a criação de uma Carteira de Comércio
Exterior (CACEX) que substituirá a CEXIM, mas sem os poderes da anterior. Ainda assim, a
velocidade não era suficiente. Vargas abruptamente extingue-a.
“APROVADO SUBSTITUTIVO AO PROJETO QUE CRIA A CARTEIRA DE
COMÉRCIO EXTERIOR: Os escândalos da CEXIM continuam na ordem do dia”
(OESP, 05/12/1953:3)
Apressou-se ao máximo a aprovação da nova carteira e na definição clara da subjeção da
carteira e das licenças ao câmbio, e não mais o contrário.
Os relatores da Câmara realizaram esforço bem-sucedido para apressar seus pareceres
na Comissão de Economia e na de Finanças. Ranieri Mazzilli salientou que a nova
carteira não conservará as antigas atribuições da CEXIM. Só haverá um ponto de
contato entre ambas. É o que se refere à emissão de licenças de importação e
exportação. Mas o sistema foi invertido. Em vez do câmbio depender da licença, é ela
que dependerá dele. (ibid., grifo meu)
▪ A Comissão Klein & Sacks: Anticorrupção e Desenvolvimento por uma
Racionalidade “Tecnocrata”: A Busca pelo Financiamento Privado, Elos com
a Política Econômica de Bretton Woods e Importante Passo à Implementação
do Pensamento Neoliberal
“Estudos para a elaboração de uma política econômico-financeira global no País” (OESP,
05/12/1953: 28). Nessa reportagem, o ministro da Fazenda Osvaldo Aranha afirma que criou
uma comissão de trabalho para uniformizar a política econômica do país para que todos “os
organismos no referido setor ajam com uniformidade.” Também cabia a essa comissão “ajustar
os acordos globais” do país com outros parceiros comerciais e visar “o ingresso do Brasil na
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 64
União Europeia de Pagamentos”, algo tido como facilitado pelos leilões cambiais – que
requeriam ajustes dos acordos anteriores. Entre as medidas estava a criação da CACEX.
Os técnicos norte-americanos que traçarão o roteiro do trabalho a ser subdividido por
categorias, ainda não fixadas, pensam em aproveitar os estudos realizados para atrair
capitais estrangeiros, especialmente norte-americanos, dos quais não estaria alheia a
própria firma encarregada planejamento. (ibid.).
Importantíssimo notar que estes trabalhos estavam sendo assessorados pela firma
estadunidense “Klein-Sacks, com a orientação pessoal do sr. Julien Sacks” e apoio da
Federação das Indústrias de São Paulo (ibid.), liderados pessoalmente por Osvaldo Aranha.
Algo esquecido pela historiografia brasileira, mas relevante à memória chilena, a “missão
Klein-Sacks” serviu para consolidar a racionalidade neoliberal na formulação político-
econômica latino-americana. Tida um dos dois pilares da “conformación de la ideología
neoliberal en Chile” entre 1955 e 1978 (Lüders 2012), essa missão tinha como objetivo
anunciado trazer alternativas de políticas econômicas para “conter a corrupção e trazer
estabilidade ao país” (Solimano 2018: 407) de acordo com a plataforma política pelo qual foi
eleito o presidente Carlos Ibáñez del Campo (ditador entre 1927-1931 e presidente eleito entre
1952-1958). Seu principal objetivo era encontrar alternativas “puramente econômica e não-
ideológica” ao modelo ISI chileno, visto como o principal responsável pelo problema da
inflação e corrupção também naquele país (Hirschman 1964: 219-239).
Autores chilenos apontam, entretanto, que a intenção de Ibáñez era diversa. Os paralelos
com Vargas são claros. A intenção mais pontual seria estreitar laços com a direita crítica a ele
(Edwards, 2011: 144-146), como obter credibilidade e empréstimos externos:
uma missão financeira composta por ‘técnicos estrangeiros’ e ‘distantes da
contingência política’ do Chile daria a credibilidade necessária perante diferentes
atores nacionais e internacionais para que o governo pudesse promover planos de
estabilização econômica (Benitez 2019: 26-27, traduzida do espanhol)
Assim, essa missão daria credibilidade junto ao FMI, ao BIRD e aos EUA que
pressionavam o governo chileno por reformas neoliberais anti-inflacionárias, de livre entrada
de capital e de resolução de déficit comercial (Sierra, Benavente e Osorio 1967 darão mais
ênfase à pressão do FMI no governo chileno; enquanto Wilhelmy 1979 dará ênfase ao governo
dos EUA em combinação com o FMI e BIRD).
O receituário na época foi devastador ao governo Ibáñez, pois a espoliação da população
foi evidente. O objetivo prometido era diminuir a inflação que chegou a 84% em 1955. Para
isso a missão indicou medidas como reforma no comércio exterior (como no Brasil: adoção do
câmbio livre, bem como estabelecer a desvalorização cambial); política de austeridade em
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 65
gastos públicos, com investimentos estatais sendo suplantados pelos privados; congelamento
dos salários públicos e parte dos privados; autonomia ao Banco Central (efetivamente retirando
do governo políticas de juros e controle da inflação); e limitar o crédito bancário.
Obviamente essas medidas foram duramente criticadas pela população. A inflação
abaixou para 17% em 1956, longe do prometido e às custas do povo. Uma gigantesca greve
geral foi convocada em 1957 resultando em 40 mortos, 350 feridos e mais de 500 presos, com
Ibáñez pedindo poderes excepcionais para “conter a turba” (O Globo 04/04/1957: 8). Ibáñez e
a comissão Klein & Sacks mesmo antes da greve já estavam sendo criticados pela oposição,
com os mesmos argumentos: como custos sobre o povo e demissões devido à diminuição da
capacidade de consumo. Os “resultados” da comissão no Chile tiveram ecos no Brasil:
Prenuncia-se Inflamada a Próxima Campanha Presidencial no Chile:
Desastrosas Para O Povo, Segundo O Líder Radical Luis Bossoy, As Medidas Postas
Em Prática Segundo O Plano Klein & Sacks: Possível sucessor de Ibáñez como
Presidente do Chile, disse em uma entrevista que espera conseguir recuperar o Poder
e liquidar a política econômica “estilo americano” que está sendo inaugurada no
Chile. “Substituiremos pela política do Partido Radical a política Klein & Sacks.” ...
Milhares de trabalhadores foram demitidos de seus empregos e a produção chilena
está decaindo. Vários homens de negócios confirmaram ao Globo que estão cortando
a produção e dispensando uma parte de seus trabalhadores porque o poder aquisitivo
está diminuindo e reduzindo a capacidade de compra dos consumidores.
O plano Klein & Sacks “lança a carga da liquidação da inflação chilena sobre os
ombros dos trabalhadores e da classe média enquanto deixa as classes altas do
comércio e da indústria praticamente sem restrições e livre para obter lucros ainda
maiores. ... De acordo com um porta-voz do Partido Radical, “Klein & Sacks, com a
desastrosa política econômica que aplicam no Chile, estão virtualmente
garantindo nossa vitória nas próximas eleições”. Isto, é claro, é a última coisa que
a missão de seis americanos para cá mandados por Klein & Sacks pretendia conseguir.
(O Globo, 21/05/1956: 7, grifo nosso)
Assim sintetiza a charge abaixo:
Figura 24. O Plano Klein-Saks no Chile
Fonte: Revista Topaze, 1957. Biblioteca Nacional do Chile: Conformación de la ideología neoliberal en Chile.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 66
Importante, e mais que à título de curiosidade, o segundo pilar do plano de
implementação do neoliberalismo no Chile foi a adoção de um convênio entre Faculdade de
Economia da Universidade de Chicago e o governo chileno em 1955 via a USAID que custeou
mais de 11 milhões de dólares, implementando uma racionalidade econômica que se chamava
– e ainda hoje se autodenomina – de “Economia imparcial e séria” via os Chicago Boys:
Graças a esse acordo, partiu para aquela cidade um grupo de estudantes que mais tarde
ficaria conhecido como os meninos de Chicago, formados em sua maioria
economistas pela Universidade Católica, que prontamente recriaram os cursos e
metodologias aprendidas nas salas de aula da referida universidade nos Estados
Unidos. Nesse contexto, os chilenos tiveram uma aprendizagem centrada em um
paradigma econômico que concebe a economia "não como um instrumento para
justificar uma ou outra ideologia", mas para observar "positiva e empiricamente" a
realidade. Seu núcleo ideológico sustenta, fundamentalmente, a confiança na
autorregulação dos mercados, na necessidade de equilíbrios macroeconômicos, na
promoção da concorrência e nos benefícios decorrentes da abertura ao comércio
exterior (Biblioteca Nacional do Chile: Memoria de Chile 2021).
Os Chicago Boys formaram um grupo de intelectuais altamente influentes na América
Latina, especialmente nos anos de 1970 em diante
24
. Especificamente, no Chile, desde os anos
de 1955, participando ativamente na consolidação do neoliberalismo naquele país e no golpe
de Estado de 1973. Estes também ligavam o intervencionismo estatal com a corrupção do
Estado, focando, como no Brasil, no dólar:
La UC Tercia en Polémica del Dólar: los problemas graves como éste de los
cambios se convierten en verdaderas úlceras crónicas que corroen, y debilitan todo el
organismo económico nacional [a relação entre corrupção e organismo estatal –
representação importante, mas gradualmente deixada de lado na história brasileira –
ver Anexo I – fica clara aqui] (Corvalán Vera 1962: 8-9).
O foco desses dois elementos era a suposta “imparcialidade tecnocrata”, possibilitando o
fornecimento de prescrições que “moralizariam a economia” e trariam mais investimentos
externos (Neely 2010: 180 e 197; Solimano 2018: 17). O discurso moralista e anticorrupção foi
um dos motes tanto para os Chicago Boys, quanto à Missão Klein-Saks.
• A Influência da missão Klein-Saks no Brasil
No Brasil, a missão Klein-Saks teve influência menor que no Chile. Ainda assim, vimos
que o Brasil possuía intelectuais que por intercâmbio nos EUA, como Roberto Campos,
voltarão com uma programática mais neoliberal e contrária ao planejamento econômico
neokeynesiano. Também, com Aranha no ministério da Fazenda, foi implementada a política
_______________________________________
24
Apoiados por seus professores como Milton Friedman, Friedrich von Hayek, Arnold Harberger, Robert Lucas
Jr., George Stigler, Theodore Schultz, entre outros – os mesmos que influenciariam Eugênio Gudin, Roberto
Campos e muitos outros economistas brasileiros desde a década de 1950 em diante.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 67
de câmbio livre, com massiva desvalorização cambial, como pedido pelos EUA e pelos
organismos financeiros internacionais. Assim como no Chile, apesar de não enfrentar situação
tão trágica como a inflação chilena, Aranha dirá no Senado que sua intenção era implementar
a austeridade e a diminuição do Estado, em detrimento de gastos sociais e investimentos:
Comprimir energicamente o volume global dos gastos governamentais de bens e
serviços ... baixar o ritmo anual em que se expandem atualmente as obras públicas ...
promover a adoção desses critérios pelos estados e municípios e entidades privadas ...
conter prudentemente a velocidade do processo de industrialização ... deter o ritmo de
expansão das novas construções particulares ... defender a estabilidade do cruzeiro e
sua paridade internacional. (Aranha, 1954 apud Abreu op. cit.: 133)
A missão Klein-Saks pode ser vista em alguns momentos concretos no país. Para além
das medidas moralizadoras e ortodoxas (incluso a de mercado livre de câmbio) houve um
processo pouquíssimo falado nos livros de história ou história econômica: a influência dessa
comissão nos planos desenvolvimentista de Vargas e JK. É importante atentar que apesar da
CMBEU ter sido abandonada por Eisenhower; Vargas não desistiu de buscar ajuda e
financiamento externo para a concepção e implementação de programas desenvolvimentistas.
Entretanto, o foco da bibliografia reside apenas na CMBEU, como se nenhuma tentativa de
financiamento por meios privados tivesse sido feita. Esse foi o caso da missão Klein,
influenciando o surgimento de diversas indústrias no ramo da alimentação, segmento deixado
de lado no Plano de Metas de JK. Ainda assim, o próprio Juscelino citou os trabalhos da Missão
como motivação de seus planos à produção agrícola no Brasil (OESP 10/04/1957: 17).
Houve corrupção na montagem dessas indústrias surgidas pelo plano Klein-Saks?
Obviamente que sim. Algum jornal (com exceção d’A Tribuna da Imprensa de Lacerda, que
adorava denunciar qualquer suspeita de corrupção, afinal de contas seu público-alvo era
faminto por elas) denunciou os esquemas de corrupção? Não. Como veremos no Capítulo 4
houve completa proteção do capital privado e de um capitalismo desenfreado: novamente, a
agenda anticorrupção neoliberal é tanto arma quanto escudo na expansão do neoliberalismo.
Sobre o relatório da Missão e suas aplicações no Brasil. Um dos pontos mais louvados,
e que está de acordo com a tecnocracia que busca legitimar o discurso neoliberal, vide o
discurso dos Chicago Boys, foi seu “caráter técnico”, de “observações desapaixonadas feitas
com isenção de ânimo, por técnicos de nomeada internacional" (OESP 07/12/1954). Essa visão
de uma “Economia pura” e técnica não era novo e vinha, como argumentei no Capítulo 1, desde
a reordenação global e a concepção de uma nova forma mais radical e conservadora de
liberalismo: vulgo, neoliberalismo. Será o mesmo discurso pretensamente técnico que certos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 68
economistas utilizarão para deslegitimar pensamentos econômicos que levassem em conta
problemas políticos e sociais, implementando uma racionalidade em favor do privado para
subverter a tradição histórica italiana do pensamento econômico, alegando em vez
disso [uma nova forma de se pensar a economia] “para fazer justiça contra todas as
falsas escolas e proclamar a economia pura soberana” (Ricci 1939, 44). Para este
fim, a aquisição e administração de Pantaleoni do Il giornale degli economisti - a
revista de economia mais influente da Itália - em 1910 foi um passo crucial para a
construção da hegemonia de um novo paradigma científico. (Mattei 2022: 213).
É importante colocar em perspectiva essa agressão neoliberal a qualquer outra forma de
pensamento e como diziam se tratar de uma economia não pura, corrompida pelo público, por
políticos que agiam contra o interesse do mercado e, no final, de si mesmos:
O público, afirmavam os economistas, não tinha educação sobre as verdades
econômicas e, portanto, agia contra seus próprios interesses. [Diziam que]
Infelizmente, essas verdades econômicas haviam sido exploradas por especialistas em
termos tão requintados que “não eram mais inteligíveis”, não apenas para as massas,
mas para qualquer não-especialista, incluindo membros do parlamento (ibidem).
O relatório focou na questão agrícola e nos modos que o governo poderia facilitar a
transição da ajuda pública ao crédito privado e ao aumento da atividade privada neste setor.
Seu foco não foi somente a criação de capital à exportação, mas o de criar um mercado interno
suficiente que desse aos agricultores segurança no investimento, via crédito privado mais
barato, criação de infraestrutura pela via privada (com auxílio governamental) e cuidado com
a corrupção no armazenamento e na distribuição dos produtos (OESP 07/12/1954: 40). Além
disso, buscou-se ver quais os problemas e possíveis soluções de investimento privado que
criassem uma verdadeira indústria agrícola e da alimentação (OESP 13/02/1954).
O governo adotou várias recomendações “incorporando-as aos planos e programas de
Governo Federal”, em especial em relação ao crédito do pequeno produtor e na criação de uma
rede de armazéns reguladores e de supermercados para distribuição e venda, diminuindo os
desvios. Por fim, disciplinou-se os ágios, “moralizando” os empréstimos agropastoris,
inclusive da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (OESP 30/06/1954).
Como se pode ver, o discurso anticorrupção colaborou como frente de ataque à intervenção
estatal e como abridor de portas ao capital privado.
6. Uma Decisiva e Duradoura Vitória Do Neoliberalismo: A Lei De Mercado Livre
Em 07/04/1954, foram mostrados documentos que demonstravam falsificação de
licenças de importação à poderosa família dos Jereissati do PTB (O Globo 08/04/1953: 8).
Assim, quando as notícias começaram a atingir o PTB, os esforços para finalizar o relatório e
as CPIs foram redobrados. Em final daquele mês o relatório estava disponível a toda imprensa.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 69
Entretanto, ele foi demasiado desidratado, quis dar a impressão de que nada ocorreu a não
ser pequenos desvios. Isso não ajudou a apaziguar os ânimos: os danos já estavam feitos.
Ninguém acreditou no relatório, todos os jornais disseram que esperavam uma tentativa de
silenciamento, mas nada tão flagrante (OESP 30/04/1954: 3). Vargas perde o apoio de todos os
lados. Se já não contava com o apoio da classe média, parte da classe mais pobre começam a
criticá-lo devido aos escândalos de corrupção e à inflação. À título de conhecimento, as duas
figuras abaixo mostram como os comunistas viam o governo Vargas. A primeira, dizia que
Vargas empunhava a bandeira trabalhista, mas traía os trabalhadores ao entregar o país e as “vidas
brasileiras” aos “tubarões”. A segunda, mostra Vargas servindo os trabalhadores e os recursos
naturais “de bandeja” a Harold Stassen (Chefe da Administração de Operações Estrangeiras dos
Estados Unidos, cargo criado em 1953). Era uma crítica ao projeto de cooperação Brasil-EUA,
visto como espoliação dos recursos brasileiros e não como um plano desenvolvimentista.
Figura 25. A traição de Vargas
Fonte: Voz Operária, 09/02/1952 apud Tavares, 2016: 89
Figura 26. Getúlio Servindo os EUA
Fonte: Voz Operária, 23/01/1954 ibid.: 92
O golpe final veio de uma tentativa de assassinato de Lacerda em que a guarda
pessoal de Vargas estava envolvida. Lacerda ficou ferido e o major-aviador Rubens Vaz
foi assassinado após comício em que Lacerda se candidatava à deputado federal. Um
IPM
25
é instaurado. O enterro de Vaz foi acompanhado por centenas de militares, entre
eles Dutra e Eduardo Gomes (adversário de Vargas nas eleições de 1950). Inicia-se a
maior articulação pública de militares contrários à Vargas, tendo a bandeira da
moralização e anticorrupção como mote – próximo capítulo.
No Congresso (09/08/1954) pedem a renúncia do presidente, como Aliomar
Baleeiro (UDN) que diz não era somente opinião sua, mas de “companheiros civis e
_______________________________________
25
O Inquérito ficou tão poderoso, acusando pessoas do círculo de Vargas, que o local que ele se realizava, Galeão, ficou
conhecido como República do Galeão (tradição brasileira como a “República de Curitiba” da Operação Lava Jato).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 70
militares que comungam conosco a mesma orientação e o mesmo pensamento”. (Brandi,
s/d: 253). No dia seguinte, em reunião privada, a Aeronáutica chama Eduardo Gomes
como o “chefe incontestável da Aeronáutica” (algo que somente Vargas tinha o poder de
fazer); depois altos militares fazem reunião secreta buscando coesão das Forças Armadas,
levando a diversos pedidos de renúncia do presidente. No dia 18/08, militares retiram do
palácio do Catete o arquivo particular de Gregório, contendo cartas e documentos com
diversos casos de corrupção chegando a envolver o filho de Vargas, Manuel (Tribuna da
Imprensa, 23/08/1954). Vargas perde apoio até mesmo de boa parte legalista do Exército.
Com o Manifesto dos Generais pedindo sua renúncia, Vargas julga-se sem saída.
Dezenove dias depois do atentado, Vargas suicida-se. Toma posse seu vice, Café Filho,
empossando o neoliberal Eugênio Gudin como ministro da Fazenda.
A Tribuna da Imprensa ao mesmo tempo que anunciava seu suicídio, pedia para se
“Pacificar Os Ânimos Para Um Governo De União Nacional”:
Figura 27. Suicidou-se Getúlio Vargas
Fonte: Tribuna da Imprensa, 24/08/1954: 1.
O jornal OESP terá pouca simpatia. Em retrospectiva ao seu governo, após poucos
meses, somente lembram da imoralidade de seu governo. Ligam Vargas à CEXIM e seus
apoiadores são retratados como corruptos e corruptores:
a CEXIM constitui o melhor atestado da incapacidade moral da gente ligada ao
ex-ditador ... onde quer que essa gente fosse aproveitada estourava, mais cedo
ou mais tarde, grandes escândalos e vinham à tona as mais deprimentes
revelações de improbidade. Se as coisas continuassem sem o desfecho que lhe
deu o ex-presidente fazendo justiça a si mesmo pelas próprias mãos não haveria
dentro em pouco repartição federal inacessível à corrupção. ... No Banco do
Brasil enquanto esteve lá o banqueiro de São Paulo (Ricardo Jafet) que
financiou a campanha eleitoral do presidente, estalaram escândalos de toda a
ordem. Nunca se viu em país algum tão extensa cadeia de negocistas
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 71
colocados em postos de responsabilidade. Foi esse um dos legados que nos
deixou o presidente suicida (OESP 17/12/1954: 3, grifo meu)
Por outro lado, mostrando consciência e presciência, em 1953 a Revista Careta
estampará em sua capa uma charge mostrando Getúlio enforcando-se ao dividir-se entre
agradar os interesses dos EUA e dos nacionalistas. A roupa de Vargas divide-se em calças
com a bandeira dos EUA e a parte de cima com o jaleco azul e a gravata com o restante
das cores do Brasil, bem como em seu fundo temos as cores vermelhas pairando sob
Vargas (simbolizando as acusações de sindicalismo e comunismo). Por tentar equilibrar
tantas forças ao mesmo tempo, Getúlio não conseguiu governar. Desenvolver as
indústrias num cenário de alta inflação, ao mesmo tempo que lutava com pressões
sindicais e de setores ultranacionalistas, e com um sistema global que desejava um regime
de trocas e câmbio livre e austeridade (além de maior espaço às firmas estrangeiras) era
muito para Vargas que tinha herança representacional e histórica que pesou contra ele.
Assim, acerta parcialmente a charge quando diz que Vargas encontrava-se sem
caminho ao buscar lidar com ambas as forças, mais seu passado. Erros ocorreram
(especialmente sua opção em encampar uma agenda anticorrupção que ele não tinha
condições de sustentar caso quisesse governar), mas nem por isso devemos esquecer que
havia estruturas que condicionavam só sua agência e de diversos setores da sociedade.
Mesmo o uso discurso anticorrupção estava condicionado, sendo quase impossível não o
utilizar, por motivos já elencados. Como disse a charge: “Tá Difícil!”.
Figura 28. Vargas em confusão, enforca-se: “Tá difícil”
Fonte: Revista Careta, 12/12/1953: 1.
Para além de todo o significativo impacto político desse episódio que se iniciou
pela racionalidade econômica de se equilibrar a balança de pagamentos e manter divisas
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 72
para o desenvolvimento brasileiro, passando a um mal calculado uso da agenda
anticorrupção para desqualificar Dutra ao mesmo tempo se proteger, auxiliando a
endossar a percepção de um Estado endemicamente corrupto tornando-o virtualmente
inoperável, deve-se entender que houve inegável “vitória” do sistema Bretton Woods e
de um modelo, mesmo que desenvolvimentista, mais brando de intervenção estatal, agora
apoiado na racionalidade da iniciativa privada.
O que quase nunca é falado quando se estuda o governo Vargas é que toda a
arquitetura cambial e fiscal surgida como resposta à necessidade estrutural de divisas
advindas de uma era global de escassez e da retração no ritmo do desenvolvimento
econômico-industrial, foi finalmente substituída por um regime cambial muito próximo
do acordado em Bretton Woods, ainda durante o governo Vargas. Como havia prometido,
em troca de apoio de empréstimos e auxílio técnico para projetos desenvolvimentistas dos
EUA, o sistema de licenças seria substituído pela lei de mercado livre cambial.
Sobre essa lei, pouco se fala sobre sua formulação, mesmo em escritos especializados.
Um ponto é crucial. Diferentemente do usualmente afirmado, ela não foi desenvolvida por
industriais, políticos, ou formuladores de políticas econômicas como Campos, Lafer,
Simonsen, Gudin, entre tantos outros, mas pelo mercado financeiro via corretores. A
articulação desta lei começou exatamente em 1948 em um Congresso em Petrópolis, quando
o sistema de licenças foi aplicado. Estes provavelmente foram os que mais sofreram os
resultados das licenças cambiais. Sendo sua prioridade alterar esse regime. Um dos problemas
para esse setor era que a corrupção criada com as licenças prejudicava não necessariamente
o país, mas seu bolso, pois diminuía seus ganhos com corretagens:
Para os corretores, este foi o período mais difícil do pós-Guerra. O controle
cambial fazia com que as operações clandestinas escapassem à intervenção
destes, ficando assim suas corretagens com câmbio sensivelmente diminuídas.
As transações com títulos em 1948 [por exemplo] baixaram mais que no ano
precedente, tanto no que se refere ao volume de operações quanto no que tange
às cotações (Levy 1977: 514-515).
Lançada por dois corretores do mercado financeiro (Alexandre de Castro Cerqueira
e Henrique Guedes de Mello
26
) no Congresso de Petrópolis (1948), as teses, tidas “por
demasiado avançadas e por inoportunas” (Jornal do Commercio 01/01/1953), foram
_______________________________________
26
Pode ser ou não coincidência, mas é impossível encontrar qualquer informação sobre a família do ex-
Ministro da Fazenda de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes. Fato é que Henrique Guedes de Mello cuidava
também de empresa de títulos e seguros, setor em que a mãe de Paulo Guedes trabalhava e, por mais uma
coincidência ou não, o nome do irmão de Paulo Guedes é Gustavo Henrique Guedes. É possível que haja
alguma ligação entre ambos os Guedes. Não que seja de última significância, mas é muito interessante,
podendo auxiliar na historiografia da formação intelectual de políticas econômicas brasileira.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 73
deixadas de lado. Mas, em 1950, em Congresso em Santos, devido à crise cambial e às
acusações de corrupção e ineficiência da CEXIM, a tese foi apoiada por outro corretor
Luiz Cabral de Menezes e por representantes das bolsas do Chile e dos Estados Unidos.
A ideia ganhou tração e foi levada ao Congresso Nacional pelos deputados Aldo Sampaio
e Herbert Levy. Por fim, em 1952, no Congresso da Bolsa de Belo Horizonte, Menezes e
outro corretor, José Wilhemsens Junior, foi reaberto o debate “fazendo sentir as vantagens
que disso adviriam para o país com a atração de capitais e com o desenvolvimento da
inciativa privada, tese que, afinal, logrou ser aprovada. De alguma sorte, a semente da
Bolsa de Valores não foi lançada sem proveito” (Jornal do Commercio 01/01/1953).
Apenas mais um fato sobre a formulação dessa lei de livre mercado que foi
apresentada como uma lei moralizadora contra um sistema planificador inerentemente
corrupto: a tese apresentada por Guedes foi formulada em Conferência internacional em
1947 em Nova York, contando com a presença de outras 24 Bolsas de Valores do
continente americano. “Como resultado dos trabalhos foram aceitas recomendações
típicas do processo de reformulação das relações dos EUA com a América Latina”, (Levy
177: 524) como: livre câmbio, manutenção dos mercados livres.
De qualquer forma, [os discursos e relatórios] levavam a crer que a suspensão
da limitação ao movimento de capital, através de controles cambiais, seria o
único obstáculo a uma negociação interamericana de títulos [de inversão pelo
mercado financeiro] (ibid.: 525)
Mais importante, essa Conferência serviu para fixar a Bolsa de Nova Iorque como
modelo (o Brasil seguia pela maior parte de sua história o modelo francês, seguido pelo
modelo argentino). Somente em 1947 é que ocorrerá a transição ao modelo estadunidense.
O saldo desse encontro foi uma ampla divulgação entre os corretores da
organização do sistema de trabalho e do grau de aperfeiçoamento da Bolsa de
NY. A médio prazo as repercussões da hospitalidade e do desenvolvimento dos
ambientes bursáteis norte-americanos seriam bem mais profundos ... O abismo
entre as duas bolsas era enorme o trabalho apresentado por Guedes de Mello
[no III Congresso Nacional de Bolsas de Valores em 1948 no Brasil] era a pedra
fundamental de uma ponte para aproximá-las (ibid. 526).
O relatório técnico de Guedes (Inversões de Capital Estrangeiro em Títulos de
Bolsas Brasileiras, 1948) apresentado nesta Conferência focava em aspectos técnico-
teóricos da eficiência do livre mercado, várias suposições de cenários otimistas com a
adoção dessa medida e acusações de corrupção trazidas pela intervenção estatal.
A adoção desse modelo viria em primeiro lugar a anular praticamente todas as
operações de câmbio clandestinas em curso, estimulando os negócios de
compra e venda de títulos brasileiros ... algo necessário pois como sabemos o
norte-americano só faz inversões através de Bolsas (ibid. 528)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 74
O mercado começa a querer ser visto como o verdadeiro indutor do desenvolvimento,
o empreendedor quer ter (e conseguirá atualmente) o papel de capitão do desenvolvimento.
As bolsas buscavam também essa alcunha e queriam ser vistas como o único modo de se
fazer investimento, de forma isenta e moral, como argumentavam, em detrimento do Estado.
Obviamente, apesar de ter alcançado essa representação, a realidade não era essa.
Assim, o mercado financeiro brasileiro e global conseguiu ditar as novas regras do
jogo em vista do caos produzido e lançado sobre a CEXIM e a política de licenças cambiais.
Finalmente, esta tese será apoiada pela Federação dos Industriais (Jornal do Commercio
07/03/1953), da Indústria Têxtil (ibid. 25/03/1953) entre outras. Todas reprovando a
atuação do governo na economia que, diziam, atrasava seu desenvolvimento.
Em nota, a Federação dos Industriais publica nota que tinha em seus principais
tópicos: “Memorial a ser enviado ao Governo sobre a realidade da situação econômica
brasileira – Dificuldade da Indústria – Entraves da CEXIM à exportação e importação
dos produtos” (ibid. 29/04/1953), propondo: “que a Federação deveria adotar atitude
positiva, inclusive fazendo sentir direta e objetivamente ao governo as necessidades de
uma ‘solução imediata’, sob pena do agravamento do problema [com pressão para que
Vargas envie] mensagem ao Congresso sobre o câmbio livre [como solução]” (ibid.).
A CEXIM, alvo de tantas acusações de corrupção, é extinta pela Carteira de
Comércio Exterior (CACEX). Esta em nada parecia com a CEXIM. De poder reduzido,
cabia a ela emitir licenças de importação e exportação a quem já possuísse o câmbio,
comprado no mercado livre. Ela apenas regularizaria os contratos de câmbio adquiridos
pelos leilões cambiais instituídos pela Lei do Mercado Livre. Suas funções para
regularização eram bem mais estritas dando pouco espaço para discricionariedade: cada
contrato deveria ter um limite inicial de 20 mil dólares por importador, por semana, com
prazo fixo de 150 dias. Tanto a Lei 1807 quanto a CACEX, foram tidas como uma forma
de “moralizar” o comércio exterior brasileiro, uniformizar a política financeira-
econômica em torno de uma ideologia e inserir o país num ambiente financeiro global.
7. Efeitos Imediatos e Longêvos da Política Anticorrupção como Principal Argumento
Contrário à Intervenção Estatal no Mercado Cambial: a Implementação, Nunca Mais
Disputada, do Neoliberalismo no Câmbio
Assim, nesse período houve inegável rumo ao mercado de capitais (bolsa de
valores) como meio “impulsionador do desenvolvimento”. Trata-se de uma dicotomia
que investigaremos no próximo capítulo, mas o que importa aqui é que apesar da retórica
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 75
pelo trabalhismo e intervenção estatal na economia, com Vargas houve a diminuição do
Estado na economia, preenchido pelo capital privado e a substituição do trabalho
(trabalhador) como impulsionador do desenvolvimento (em retórica era o que era
afirmado), pela figura do “empreendedor”, ficando o governo sujeito à ordem financeira
internacional. Com a reforma ministerial e posse de Aranha (louvado pela City inglesa
em 1953) fica mais claro esse aspecto. Abaixo segue as conclusões acerca de discurso de
Aranha sobre o rumo econômico do governo em setembro de 1953 ao Senado Federal em
que fica clara a adesão aos ditames financeiros internacionais:
Encontra-se no discurso do sr. ministro da Fazenda no Senado, a confirmação
de que o mercado de capitais exercerá papel preponderante nos planos
tendentes à recuperação da economia brasileira. ... As regras a que deverá
obedecer a ação governamental se agrupam em quatro pontos principais:
liquidação ou consolidação da dívida externa flutuante [de acordo com a
flutuação dos juros externos e câmbio], regularização do serviço de
amortização e juros dos empréstimos internos disciplina e programação das
novas emissões e defesa dos títulos públicos por meio de operações de “open
market policy” ... Quanto à intervenção oficial no mercado para assegurar
níveis razoáveis às cotações dos títulos públicos, é providência que se impõe e
que se respeite as normas financeiras mais correntes. (OESP 04/09/1953: 3)
Obviamente, essa redefinição estrutural econômica passou por diferentes estágios
de avanços e recuos, mas sem perder a tendência. Podemos dizer, entretanto, que os
recuos foram breves e mexiam mais em aparências que em essências.
A nova lei de câmbio de Vargas é a melhor prova disso e a emanação mais concreta
dessa programática. Por essa lei, institui-se diversas taxas de câmbio, sendo que do lado
das importações, manteve-se uma taxa oficial às importações necessárias e um mercado
livre de transações cambiais para qualquer outra importação e remessa de lucros,
agradando as indústrias “essenciais”, mas facilitando a monopolização industrial e
bancária por parte de favorecidos, principalmente as grandes multinacionais e o mercado
financeiro que finalmente podiam lidar (e especular) com o câmbio como quisessem –
exceto com a taxa oficial, que também era influenciada pelo mercado livre.
A tese levantada por Herbert Levy já em 1948 (discutida no Capítulo 1) e criticada
aqui por falta de realismo com a estrutura global, prevalecerá em 1953. Na votação que
aprovou a Lei de Mercado Livre, o mesmo Levy discursará e será apoiado pela ampla
maioria, afinal o texto foi aprovado: “Impõe-se acentuar que a simples menção de déficit
no balanço do mercado de taxa livre nada prova contra esse mercado” (OESP,
04/09/1953: 3). Argumenta que esse déficit seria bom à imagem do país pois prova ao
mercado internacional que há livre circulação de moeda e capital “ao invés de serem
confiscados” pelo governo. Cabe ao governo evitá-lo com medidas de austeridade e “não
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 76
autorizar a inclusão de gravosos ao mercado livre”. Ou seja, se o governo for responsável
e não intervir no mercado livre, não haverá mais déficit. Por fim, a mesma justificativa
que brasileiros estão acostumados a ouvir cada vez que uma reforma neoliberal entra em
ação: “Se a lei do mercado livre foi um erro, o governo pode repará-lo suspendendo o seu
funcionamento e restabelecendo, com exclusividade, o mercado de taxa oficial”. A lei
somente foi alterada em dezembro de 2021, apesar de vários déficits em nossa balança ao
longo desses quase 70 anos de vigência.
Se existiam críticas, era pela maior liberalização da lei ao exigir nela uma
disposição que extinguisse a CEXIM e com ela o “câmbio oficial”, deixando apenas a
categoria de “livre mercado”. Essa pressão vinha justamente do poderoso lobby do café
que via na “taxa oficial” um espólio parcial do governo das divisas feitas pelos
cafeicultores: “as condições do nosso comércio internacional – conclui o sr. Cintra Leite
[influente representante do Instituto do Café] – senão exigindo a liberdade ampla no
mercado de câmbio, e que a CEXIM seja mantida somente durante o tempo suficiente
para amainar o primeiro choque que a liberdade possa produzir" (Jornal do Commercio
18/01/1953: 2). Termina por criticar a completa política governamental de interferência
na economia: “Aliás, a CEXIM, a COFAP etc. não conseguiram controlar nada de nossa
economia e tem contribuído muito para desorganizar o comércio e a produção”. (ibid.).
Os discursos pró-mercado ganham a disputa narrativa (e política) em torno da
organização econômica brasileira nesse momento. Com o apoio do discurso
anticorrupção, as medidas em torno de interferência no mercado, visando sanar
justamente os efeitos de uma precipitada política “livre”, são representadas como
relíquias ineficientes, destoadas das “boas práticas internacionais” e, ultimamente,
corruptas por essência.
Há gradual inversão inclusive nos aspectos macroeconômicos brasileiros, com pela
primeira vez o domínio do mercado de capitais como forma de financiamento e
investimento no Brasil. Como podemos ver pela Figura abaixo, a bolsa de valores
brasileira raras vezes era vista como fonte de investimento. Com exceção de brevíssimos
picos dados à pura especulação, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) sempre
estava a competir com investimentos de baixa volatilidade, baixa confiança e baixo
rendimento, como debêntures (títulos de crédito emitidos por empresas), ficando muito
abaixo do volume em investimento em títulos do Tesouro Brasileiro, que era utilizado
apenas para pagar a dívida nacional.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 77
Entretanto, no governo Dutra com fatores como a redemocratização, a adoção de
programas alinhados com o capital financeiro e com a revisão da lei das sociedades
anônimas (SAs) da ditadura Vargas, há o início do fortalecimento desse capital financeiro
na bolsa brasileira. Esse aumento irá se consolidar ainda mais no governo eleito de Vargas
com a promessa de pagamento da dívida externa, de adoção de mercado livre de câmbio
e de medidas de caráter de austeridade, tendo impulso definitivo (no segundo pivô de alta
– segundo círculo em azul – cf. nota
27
) com a adoção da Lei de Mercado Livre com Vargas
em 1953. finalmente com o capital financeiro reorientando seus investimentos ao setor
empresarial/industrial ao invés de financiamento da dívida pública, com essa caindo ao
seu menor patamar histórico. Definitivamente, há a consolidação de uma nova forma de
capitalismo e investimento: o capital financeiro ganha espaço e consolida-se.
Figura 29. Bolsa de Valores do Rio de Janeiro: Distribuição do Volume Negociado (1894-1954)
Fonte: Levy 1994: 241.
Assim, o controle do câmbio saiu gradualmente das mãos do governo, bem como a
possibilidade de criação de políticas públicas desenvolvimentistas que envolvessem o
instrumento cambial. Este mercado criado, instituindo a contemporânea maneira de se
comprar e vender dólares futuros (compra-se um contrato de dólar que vencerá no futuro
e assim ser utilizado). Esse será o modelo até hoje utilizado.
Trata-se de um modelo tão alinhado com o neoliberalismo que essa lei quase não
sofreu alterações, mesmo durante a “era da globalização da economia brasileira” pós anos
_______________________________________
27
Pivôs de alta mostram que as quedas são apenas correções numa tendência de alta e não reversões de
tendência. Cada vez que uma queda não cai abaixo da queda anterior temos um pivô de alta demonstrando
ainda mais força na tendência corrente. Basta ver a “explosão de alta” que se configura após o 2º pivô.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 78
1990. Ela só foi revogada em 29 de dezembro de 2021(!) pela Lei 14.286, chamada de
“Novo Marco Legal do Mercado de Câmbio”, sob o governo de Jair Bolsonaro e do ultra
neoliberal Paulo Guedes. Essa nova lei traz princípios ainda mais neoliberais da completa
ausência do Estado na economia, dando completa responsabilidade ao indivíduo sobre a
regulação de seus atos. Por exemplo, a lei não pede mais a comprovação de documentação
necessária para operações cambiais que fica a cargo da instituição financeira (corretora e
bancos) se requer ou não documentos dos clientes; ela simplifica as categoriais cambiais
de 200 para 8 (com a inclusão de câmbio para jogos e apostas); quem decide sobre esse
enquadramento cambial é o cliente e não mais da instituição financeira; além disso, não
é mais necessária a formalização de contratos de câmbio; entre outras medidas.
Realisticamente, facilitou-se as transações cambiais. A explosão de corretoras e a
“CPFtização da Bolsa” – aumento de 43% no número de pessoas físicas (CPFs) na Bolsa
em apenas um ano após essa lei é prova disso
28
. Por outro lado, aumentou-se a
especulação financeira e possibilidades de fraudes devido à liquidez do mercado e à falta
de obrigação de documentação e registro, transformando boa parte das movimentações
da bolsa, especialmente no mercado futuro, em verdadeiro casino e instrumento de
pressão política.
_______________________________________
28
Não à toa, a quantidade de capital especulativo por pessoas físicas e jurídicas operando contratos de dólar
aumentou significativamente em 2022. Houve um aumento de 43% de pessoas físicas operando na Bolsa
de Valores em 2022 e a grande maioria obteve perdas significativas, especialmente as que negociavam
contratos futuros. Nesses casos, 97% das pessoas que operavam esses contratos perderam grandes quantias
(Chague, Giovanetti 2022), uma verdadeira transferência de renda da classe média e baixa aos mais ricos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 79
Parte II: A Construção da Legitimação Autoritária via o Binômio Anticorrupção-
Anticomunismo, a Breve Conciliação em JK via o Desenvolvimentismo Associado
Capítulo III: As Bases da Radicalização Pré-Juscelino e de seu Governo de
Conciliação e o Papel do Discurso e da Agenda Anticorrupção
Aqui analiso as bases que tornaram possível o desenvolvimentismo associado de
JK. Argumento que o período Café Filho deve ser entendido como um período de
conciliação e consolidação da internacionalização e liberalização da economia e parque
industrial brasileiro, mas, por outro lado, como período de antagonismo político que
levará a uma tentativa de golpe por setores conservadores que viam o perigo de retorno
da agenda varguista com JK e, principalmente, contra Goulart. Ainda assim, argumento,
que será a falha desse golpe e a posição em que os derrotados se encontraram que permitiu
o breve hiato conciliatório em JK em que a corrupção, por exemplo, foi utilizada como
elemento ao desenvolvimentismo enquanto era ocultada pela mídia e políticos em vista
de um planejamento econômico desenvolvimentista associado.
Mostro que apesar de ainda existir uma disputa de forças entre exportadores e FMI
(que desejavam mudanças nas políticas cambiais) e importadores, corretores, sociedades
anônimas e industriais (que desejavam a manutenção do mercado livre cambial do modo
implementado por Vargas), a batalha será ganha em favor destes últimos que
argumentarão principalmente contra a “volta da corrupção dos tempos da CEXIM” e do
arbítrio. Contrapondo com o sistema atual “moralizante”. Apesar disso, reconhecem a
força do argumento do FMI e dirão que o Brasil deveria rumar a este caminho natural,
mas que, praticamente, não poderia ser implementado no momento.
Apesar disso, mostro como esse sistema moralizante produziu uma das maiores
crises financeiras-bancárias da história do país, tendo o governo que dispender mais de 2
bilhões de cruzeiros, em dias, para salvar banqueiros que entraram em práticas de
corrupção, sonegação de impostos e outras fraudes. Apesar disso, a lei de ajuda criada
somente serviu para auxiliar o setor financeiro, não buscando discipliná-lo. Este setor foi
defendido, ao mesmo tempo que atacavam o governo como culpado pela bancarrota.
Por fim, mostro como os setores conservadores, em vista da vitória de JK e Goulart,
proporão cada vez com mais força a ideia de uma “democracia tutelada” para extirpar o
varguismo, nem que para isso fosse necessário acabar com a “falsa e imoral democracia”
que viviam e instaurar a “justiça do povo”. Esse discurso conseguiu mobilizar diversos
segmentos da população e os articular inclusive em ligas, muitas vezes pelo elo somente
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 80
da luta anticorrupção (como o influente Clube da Lanterna). Apesar do golpe não ter dado
certo, esse momento fixará as bases discursivas e auxiliará na articulação desses
movimentos mais radicais.
1. O Pós-Suicídio de Vargas
O Brasil pós-suicídio de Vargas era um país em convulsão política. Os principais
detratores de Vargas tiveram de se esconder momentaneamente. Após o atentado à
Lacerda, o Grupo Globo publicou o IPM criado para apurar o ocorrido como “O LIVRO
NEGRO DA CORRUPÇÃO” (O Globo, 27/09/1954: 2). As empresas de Roberto
Marinho e Lacerda, que utilizava a Rádio O Globo para denúncias, foram vistos como os
principais responsáveis pelo desfecho e tiveram seus prédios e carros depredados.
Figura 30. Depredação de carros do jornal O Globo
Fonte: Agência O Globo, 1954
Figura 31. Barricadas após o suicídio de Vargas
Fonte: Correio da Manhã, 1954
Assim, este episódio e sua repercussão serviram para acalmar, temporariamente, as
atitudes extremadas de muitos jornais, com exceção aos mais histriônicos, como OESP:
Quando Getúlio matou-se o primeiro jornal a ser apedrejado no Rio de Janeiro
foi O Globo. O Roberto Marinho teve essa aula de história e de vida da qual ele
nunca mais se esqueceu. Ele tornou-se um “amigo de governos” (Netto 2011)
É importante termos essa dimensão sobre a mídia, uma das nossas principais fontes,
e a mudança em seu modo de se fazer oposição por um breve período. Por exemplo, durante
o governo de JK, muitas dessas empresas enxergaram possibilidades estratégicas para
aumentar seu patrimônio e expandir suas atividades. Boa parte da mídia terá ganhos duplos,
pois seus donos ganharão com a expansão de seus vários ramos de investimento, como a
mídia será fonte de maior captação com o aumento da verba publicitária pública e privada.
Apesar de lutar duramente contra a eleição de JK, com a consumação de sua
vitória, haverá uma tentativa de apaziguamento entre a imprensa opositora e o
presidente. “Juscelino promete governar dando liberdade à imprensa” e
“Apertado pelo povo Juscelino recebeu a faixa presidencial” (01/02/1956). O
Globo também verá com bons olhos o Plano de Metas do presidente, dizendo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 81
que se trata do “Primeiro governo que se propõe a um programa de obras
definidas, destinado a alterar a fisionomia econômica e social do país e acelerar
o seu progresso” (03/02/1958, p. 12), dispondo-se a explicar aos seus leitores
o plano em detalhes. Além disso, JK provê a Roberto Marinho a licença de
televisão que este tanto queria. Em linhas gerais, o jornal e JK não passaram
por grandes atritos. (Forattini 2018: 62-63)
2. O Pré-JK: governo Café Filho: A Busca por Soluções de Compromisso na Economia
e o Extremismo na Arena Política
Não é papel dessa tese abordar cada momento histórico a não ser que sirva
diretamente para situar o leitor das estruturas e circunstâncias necessárias à discussão.
Em relação à Café Filho dois pontos são importantes: 1) conciliação entre interesses
divergentes no campo econômico; 2) fortalecimento de uma vertente antidemocrática que
atacará o processo eleitoral, utilizando, também, a agenda anticorrupção.
▪ A Conciliação Econômica
O primeiro ponto refere-se a certa atenuação do sistema de câmbio livre com a
Instrução 70, ainda durante o governo Vargas, para ao menos garantir alguma proteção à
indústria; e da Instrução 113, sob Café Filho, como forma de proteção cambial e de
política de desenvolvimento industrial, mas agora visando a internacionalização da
indústria brasileira. Ambas buscando proteger o recém-instalado sistema de mercado
livre e a Bolsa de Valores como fonte de investimentos, essenciais ao governo de JK.
Elas podem ser vistas como dentro de uma racionalidade de conciliação entre o
setor externo e interno. A Instrução 70, por exemplo, manteve o sistema do mercado livre,
mas permitiu “contenção quantitativa” cambial, ou seja, não se vendia mais licenças de
importação, mas sim fazia-se leilões das divisas disponíveis. Essa Instrução permitia tanto
o desenvolvimento industrial nacional, ao disciplinar as importações de bens de capital,
como provia incentivos fiscais às empresas que realizassem a nacionalização dos bens
importados. Por outro lado, agradava o setor financeiro e os corretores, pois o direito de
compra era posto em leilão na BVRJ via Promessas de Venda de Câmbio (PVC).
Os corretores não poderiam ter ficado mais felizes com as vantagens que agora
possuíam. O Relatório da Câmara Sindical de 1953, fez vários elogios ao governo e à
introdução do mecanismo da PVC (Promessa da Venda de Câmbio), bem como a
introdução da lei do livre mercado e seu efeito moralizador na economia:
Deve-se ressaltar que na compra desses certificados de PVC realizada em
preção de Bolsa [leia-se lucros de corretagem] prevalece exclusivamente a lei
da oferta e da procura ... O efeito moralizador dessa medida seria o bastante
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 82
para consagrá-la. Entretanto, outra vantagem de real interesse para a Nação
consiste em fomentar a produção pelo maior estímulo à exportação (Câmara
Sindical da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro 1954: 32, grifo meu)
Ficaram felizes com “a nova atribuição” dada à Bolsa pelo governo, pois estavam
“sempre atentos às necessidades Governamentais e prontos a oferecer a melhor
colaboração às Autoridades” (ibid.). Assim, recebiam “com justificada satisfação a
incumbência de realizar os leilões ... canalizando [ao BB] o total de ágios ou prêmios
decorrentes das licitações de moedas oferecidas em leilões”. Não só faziam esses
“deveres” às necessidades nacionais, como destacavam que essa operação que faziam por
dever cívico era um trabalho que “não acarretou um centavo de despesa ao Governo”.
De fato, o ágio engordava o Tesouro, pois o governo ficava com o diferencial entre
as taxas de importação dos leilões e exportação repassada pela Bolsa ao governo por meio
de GRU (Guias de Recolhimento). A Tabela abaixo mostra como a BVRJ começou a
concentrar a negociação do câmbio. Vemos que há definitiva inversão da importância do
governo como controlador do câmbio à BVRJ, impondo-se uma racionalidade de
mercado a essa política econômica, além do aumento significativo do ágio:
Tabela 5. Movimento Anual de Câmbio 1953-1956
Especificação
1953
1954
1955
1956
Movimento de PVC na BVRJ
631
8.369
8.635
12.658
Câmbio vendido pelo BB
46.608
41.798
30.858
27.331
Ágio ponderado de todas as moedas
22,91
42,09
60,49
56,88
Fonte: Câmara Sindical da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, 1953/1960 e Banco do Brasil, 1953-1960
Mas a “moralização” do sistema alegada pelo mercado financeiro, não será realidade.
No governo Café Filho, Gudin foi escolhido como ministro da Fazenda devido ao
seu prestígio com a comunidade financeira internacional. Pensava-se que seu nome
auxiliaria negociações favoráveis às dívidas brasileiras e que sua política ortodoxa
auxiliaria a contenção da inflação. Como disse o jornal New York Times, Gudin era: “The
Right Man, In The Right Place, At The Right Time” (NYT 08/10/1954).
Entretanto, o plano de Gudin não foi adiante. O déficit cambial necessitava de ao
menos US$ 300 milhões: ele recebe dos EUA 80 milhões, mais a rolagem de outros 80
milhões conseguidos por Osvaldo Aranha. Os EUA continuavam sem interesse em ajudar
a América Latina pela via pública. Gudin teve de recorrer a um consórcio de mais de 19
bancos privados estadunidenses, liderados pelo Chase Manhattan e pelo Citibank,
recebendo US$ 200 milhões, mas tendo que oferecer pesadas garantias como os US$ 300
milhões em ouro que o Brasil possuía nos EUA (Netto apud Abreu: 143-144).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 83
Sem a disposição de auxílio dos EUA e sem solução de longo prazo, Gudin perde
seu cargo e entra José Maria Whitaker, aliado aos produtores de café, que lança a
importante Instrução 113 da SUMOC, vital a JK. Essa instrução oferecia a importação de
bens de capital sem cobertura cambial, internacionalizando a economia brasileira ao
incentivar a industrialização desde que associada a empresas estrangeiras, permitindo
que equipamentos industriais fossem incorporados às empresas, nacionais ou
estrangeiras, por subsídio. Assim, há claro incentivo à industrialização brasileira, mas de
acordo com a racionalidade do capital privado, ao invés do planejamento estatal, abrindo
de fato as portas às multinacionais no desenvolvimento brasileiro:
Tal “subsídio”, aliado à inexistência de financiamentos no exterior que
permitissem aos investidores nacionais beneficiarem-se da medida – já que só
alguns anos mais tarde os supplier’s credits tornar-se-iam importantes fontes
de financiamentos das empresas brasileiras –, fez com que a referida instrução
fosse vista como uma discriminação contra o capital nacional. (ibid.: 146)
Entretanto, engana-se quem pense esse governo foi um momento de ruptura com o
de Vargas, como normalmente afirmado. Apesar de politicamente Café Filho ter alterado
o jogo de poder nos ministérios, sendo a participação da UDN majoritária, sua política
econômica foi apenas a consolidação da política de Vargas com a lei de mercado livre e
seu foco na contenção de gastos e da inflação. O que foi feito com a Instrução 113 foi
apenas a efetivação de algo já previsto pela lei do mercado livre de Vargas.
A Instrução 113 pretendia consolidar a legislação anterior dando um passo
adiante, através da eliminação dos empecilhos existentes às importações sem
cobertura cambial, que já eram permitidas pela legislação vigente ... É
importante enfatizar que não houve qualquer “ruptura”, no que tange ao
tratamento concedido ao capital estrangeiro, que tenha sido introduzida pela
instrução, já que o governo Vargas, apesar da retórica nacionalista, vinha
progressivamente liberalizando a legislação aplicável aos fluxos de capitais
privados. Não obstante, a liberalização dos fluxos de capitais inseria-se num
contexto mais amplo, cuja prioridade básica era o “saneamento” econômico
e financeiro doméstico [a austeridade neoliberal]. (ibid. 146-147, grifo meu)
Neste sentido, Roberto Campos, agora na frente do principal banco de
desenvolvimento (BNDE), foi essencial para implementar gradualmente os pedidos das
instituições internacionais como o FMI que pedia a simplificação das taxas cambiais, pois
viam nas taxas múltiplas uma forma de desenvolvimento desigual e injusto ao comércio
exterior. Campos sabia ser a unificação impossível no momento, sendo a questão da
unificação cambial em um mercado livre, um projeto a ser almejado: em construção.
É interessante nesse sentido, o Projeto de Reforma Cambial de Whitaker para
entendermos como certas forças simplesmente não se esvaem das disputas de poder.
Aliado do setor cafeeiro e exportador, o projeto pretendia simplificar as taxas cambiais e
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 84
acabar com o confisco cambial que o governo fazia das exportações, quando as moedas
internacionais eram convertidas internamente. Para isso, ele pretendia desvalorizar o
câmbio e dar mais poder à SUMOC que determinaria o valor da moeda estrangeira,
retirando o poder das Bolsas de Valores brasileiras e a importância do PVC.
Gudin já havia fugido da exigência do FMI em unificar as taxas. Chegou a pedir
auxílio-técnico do FMI via Missão Bernstein (Edward Bernstein: economista do FMI),
mas seu plano de austeridade e unificação cambial caiu em ouvidos moucos. Whitaker
tentou ajustar esse plano em algo mais plausível: sua Reforma Cambial. A ingerência do
Fundo era tanta que o plano foi visto como “uma reforma destinada ao Fundo em exame
pelo Brasil, e não uma reforma cambial para o Brasil, examinada pelo Fundo” (Levy op.
cit. 545). Houve reação e medição de forças entre setores exportadores e importadores,
produtores e financeiro, que invariavelmente tocou no efeito corruptor do novo plano.
O presidente da BVRJ, José Willemsens Júnior, irá aos jornais declarar que esse
plano seria o mesmo que trazer à vida à CEXIM, dando demasiado poderes à SUMOC
em vista do setor exportador, acarretando, por fim, em maior corrupção por via de
favorecimentos, desindustrialização (pois o governo perderia a faculdade de utilizar esse
ágio em setores-chaves) e inflação, pois o câmbio se desvalorizaria, levando ao aumento
do custo de vida (Diário de Notícias, “O Golpe da Reforma Cambial”, 30/08/1955: 2).
Os corretores se articularam o máximo possível para não perderem o mercado de PVCs.
O próprio mercado reagiu, como muitas vezes faz, dando “um recado” ao governo
mediante a cotação do produto que queria ser beneficiado: o café.
REAÇÃO DO MERCADO DE CAFÉ COMO CONSEQUÊNCIA DA NOTA
MINISTERIAL: Baixa das Cotações no Rio e em Santos: As cotações de
café, no mercado interno, sofreram ontem uma queda vertical ... como reflexo
do gabinete do ministro da Fazenda sobre a reforma cambial (ibid.).
Gudin fez duras críticas aos refratários do projeto do FMI. Em seu artigo “A
INFLAÇÃO E A BURRICE NACIONAL” (Correio da Manhã 16/12/1954: 3) dirá que
aparentemente o brasileiro teria muito a ensinar aos europeus e aos EUA sobre inflação.
Que talvez técnicos como Bernstein deveriam: “vir à América do Sul para aprender que
o melhor meio de promover o desenvolvimento econômico de um país é pintar papel-
moeda”. Diz que esse desenvolvimentismo seria indutor da inflação e da corrupção. Pela
primeira vez no período analisado temos a ligação direta entre inflação e corrupção que
faria com que empresas ao invés de investirem em produtos que exijam concorrência,
visassem práticas de lucro fácil que a inflação proporcionava.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 85
Por fim, ele argumenta que a inflação e o desenvolvimentismo adotado inibem o
investidor institucional e privado de investir em debêntures e em ações de SAs, levando-
os a, por exclusão, a aplicações em edifícios ou terrenos. Trata-se de realidade nos
investimentos das classes médias brasileira que sempre fugiu, por motivos razoáveis, de
investimentos na Bolsa de Valores. Gudin alude a esses problemas da Bolsa, devido à
falta de transparência das empresas e de “práticas abusivas”, eufemismo para corrupção:
Estamos longe de ter difundido no grande público as informações e
conhecimentos que permitam a aplicação de suas economias em ações de
empresas. Até porque ainda é muitas vezes justificado o receio do público
quanto às práticas abusivas na direção das sociedades anônimas. (ibid.)
Termina com desabafo elitista e de “síndrome de vira-lata” ao dizer: “quando
brasileiro dá para ser burro, não há quem lhe lave a palma” (ibid.).
Apesar do tom, os jornais apoiarão discretamente o relatório Bernstein, por questão
ideológica, mas sabiam dos interesses industriais e financeiros com o sistema atual.
Outros, como o UH e o Correio da Manhã serão críticos à proposta como contrária aos
interesses nacionais. A unificação cambial seria um projeto, mas não naquele momento.
Como mostra do ideal conciliatório que propomos como mote desse capítulo:
As modificações na política comercial vêm se arrastando no tempo. ... [Mas] nem
sempre o curso dos acontecimentos econômicos permite adotarmos formas que
consideramos ideais. A imposição dos fatos nos leva a aceitar outras normas que
sem representarem o pleno atendimento de nossos interesses e aspirações
permitem melhor posição em relação a própria situação econômica ... Está certa
a administração do país quando pondera as dificuldades, contemporizando e
harmonizando interesses. (Correio da Manhã 27/04/1955)
Café Filho, diante de pressão de industriais e de corretores, repassou a
responsabilidade aos principais candidatos na época. Sem respostas afirmativas, envia o
projeto ao Congresso, que efetivamente era o mesmo que o arquivar. Whitaker renunciou.
O governo JK fez questão de encerrar qualquer disputa sobre essa lei. Seu Plano de Metas
tinha mais de 30 metas de desenvolvimento que precisavam tanto do confisco cambial,
quanto da coadunação entre sua política e a política cambial. Notar que a nota final do
Conselho de Economia, após delinear a necessidade de desenvolvimento, termina com a
tacada final do “retorno da CEXIM” e da corrupção e desmoralização da economia:
Precisamente agora quando se avolumam nossas necessidades, quando o Brasil
precisa importar máquinas para fazer máquinas ... o projeto Whitaker vibraria
um golpe de morte no Brasil. Altamente inflacionário, elevaria os custos de
produção a níveis tais que colocariam o custo de vida em bases catastróficas.
Além disso – e não se pode desprezar o aspecto moral da questão – o projeto
Whitaker constituiria o retorno aos critérios de exceção da CEXIM, no que se
refere à distribuição das licenças de importação (Levy op. cit.: 541)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 86
3. A Moralidade Superior do Sistema Livre: o Caso do Banco Delamare
Ao pesquisar o período Café Filho, nada encontrei de escândalos relacionados ao
sistema de mercado livre e a expansão vertiginosa da BVRJ. Até que o jornal Tribuna da
Imprensa, começa a defender o Banco Delamare. Do nada, veio a defesa do sistema bancário:
“Nenhum Perigo de Crack Bancário” (Tribuna da Imprensa 11/05/1955); “O sistema
voltará à normalidade com a ajuda do governo”; “Não há motivo para alarma”; “Boatos
tendenciosos de bancários demitidos provocaram a ‘corrida’”. Onde há fumaça há fogo.
Mais uma vez tratou-se de uma dificuldade ao historiador que busque investigar
corrupção privada. Mesmo estudos históricos focados em corrupção neste período não
tocam em casos de corrupção privada, sobretudo no setor financeiro e principalmente
sobre a preocupação em preservar esse sistema, enquanto aponta-se o setor público como
corrupto, auxiliando, ultimamente, a perpetuação dessa percepção.
Fato é, que poucos jornais também tocarão no assunto, mas pela omissão ou pela
defesa, pude apurar que, na verdade, o caso do Banco Delamare foi um dos um dos
maiores escândalos financeiros da história do Brasil, fazendo com que o governo
intervisse no banco e em diversas outras instituições financeiras. Até o meio da década
de 1950, o banco era considerado um dos mais poderosos do país, contando com vasta
rede de clientes e investidores. Quando surgiram rumores de que o banco não possuía
mais meios para honrar seus compromissos, houve corrida de clientes para retirar seu
dinheiro (10/05/1955). O banco fechou as portas impedindo a retirada. Os diretores da
SUMOC intimaram o banco a abrir as portas, o que não fizeram imediatamente.
O jornal Tribuna da Imprensa será o primeiro a assegurar que o banco não tinha
problemas (“o advogado do banco assegura que o banco desfruta de ótima situação
financeira”) mas, contraditoriamente, anuncia que “o governo está decidido a dar toda
assistência aos bancos [disse Otávio Gouveia Bulhões, diretor da SUMOC]”, notar o plural.
Ao proteger o capital privado, o jornal – e o Banco falido – o jornal aproveita para
culpar o setor público: “ORIGENS DOS BOATOS: ... terem as corridas partido de
informações capciosas de funcionários da SUMOC e de ex-empregados do banco que
telefonaram para os depositantes, informando-lhes ter sido pedida liquidação judicial [o
que negavam]”. O próprio Bulhões (futuro ministro da Fazenda sob a ditadura de Castelo
Branco) informa que a situação do banco não era boa, mas disse não haver sentido para
alarme: “Não há motivos para isso. Primeiro, porque o número de estabelecimento em
que houve má aplicação dos recursos em imobilizações condenáveis é diminuto. E mesmo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 87
nesses casos não há razão para corridas, porque a restituição dos depósitos é assegurada
pelo Governo”. Bulhões falava do Decreto 36.783 de 1955, que fazia com que o governo
garantisse depósitos legítimos até Cr$ 100 mil (algo semelhante ao que o FGC – Fundo
Garantidor de Créditos, faz hoje em dia, garantindo até R$150 mil por pessoa física).
Não é a primeira vez que vemos os rumores de um “falso crack”. Fato é que as
instituições financeiras e as SAs eram pouco reguladas, seus balanços e transações não
eram transparentes, com cotações e balanços facilmente manipulados.
As palavras de Bulhões eram raras e, apesar da aparente calmas, indicam
problemas sérios. Eufemismos como “má aplicação de recursos” e “imobilizações
condenáveis” nunca são utilizados à larga. Traduzindo: o que houve foi que desde 1954
o governo começou a investigar as transações financeiras desse banco e descobriu que ele
estava envolvido em diversas práticas ilegais, como sonegação de impostos, lavagem de
dinheiro e fraudes contábeis. Além disso, foi constatado que o Banco Delamare havia
utilizado recursos de seus clientes para financiar empresas fictícias e realizar
investimentos de alto risco, colocando em risco todo o sistema financeiro brasileiro.
Gudin já havia decretado a falência do Banco Nacional Interamericano por “excesso
de investimentos e imobilizações de seus recursos” (OESP 18/01/1955), deixando escapar
que havia “nervosismo na Capital ... [sendo necessário] suprir de numerário as caixas de
vários bancos” (ibid.). Não é de se estranhar que a regulação dessas falências tenha saído
não pelo Congresso, mas por Decreto, dada a urgência da fragilidade do sistema bancário.
Assim é que devemos entender o Decreto 36.783 de 18 de janeiro de 1955 (editado no
mesmo dia da notícia[!]), para disciplinar liquidações extrajudiciais bancárias e evitar esse
risco de crack via desconfiança com o sistema financeiro: “fixando normas para assegurar
o pronto atendimento dos depositantes dos estabelecimentos bancários, no caso de
liquidação extrajudicial” (Decreto 36.783 de 1955).
Nada foi feito para assegurar que esses bancos realizassem investimentos mais
concretos, que controlasse a corrupção nesses bancos e que eles tivessem o mínimo de
prestação de contas. A ideia era garantir que a confiança do investidor/depositante fosse
garantida em caso de falência. Aparentemente, o capital privado não era tão contrário a
planos de auxílio governamental, desde que para salvá-los de seus erros e fraudes.
Mas o Banco Nacional Interamericano foi o prenúncio do Delamare, um banco de
maior envergadura, fundado por família influente em 1915. Diante das revelações sobre
este banco, o governo interveio e afastou seus executivos. Mas isso não foi suficiente para
conter a crise e clima de desconfiança no país, levando à quebra de vários outros bancos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 88
Com Delamare, caiu, no dia seguinte, o Banco de Crédito Geral e foi realizado pelo
governo um inquérito nas contas do Banco de Crédito Cooperativo. Uma “avalanche de
pessoas” correu aos bancos no Rio de Janeiro (OESP 11/05/1955: 28). O pânico se
instalou e vários depositantes começaram a questionar se os seus bancos também não
estavam em fraudes e investimentos ruins, levando a mais investigações. “A Associação
Comercial Quer Saber Quais São Os Podres” (UH 11/05/1955: 2).
Todos os jornais defendem os bancos. O jornal UH, por sinal, foi o mais incisivo
em editorial, dizendo ser esta sua missão: “Cumprimos nossa missão, defendendo não só
os depositantes e homens de negócios ... mas os próprios Bancos” (12/05/1955: 4). A
culpa da crise, não era dos bancos que fraudavam o sistema e cometiam ilegalidades e
especulação com dinheiro alheio, “mas do governo, da falta de medidas do governo,
principal responsável pelo que aconteceu”. Os bancos seriam “os propulsores do
progresso do país” (ibid.). O Delamare não tinha culpa:
Velha e sólida instituição, criada pelo esforço e descortínio de uma família
tradicional, com mais de quatro décadas de bons serviços e serenidade nos
seus negócios, viu-se ... envolvida num temporal a que só pôde resistir pela
alta capacidade dos seus dirigentes (UH 12/05/1955)
Ao mesmo tempo, saiu em defesa dos bancos o Presidente do Sindicato dos
Bancos (Inah de Figueiredo), dizendo que Whitaker prometeu dar integral apoio à rede
bancária (ibid.); depois o Presidente do Banco Boa Vista (Fenando Macedo Portela):
“jamais foi tão sólida a situação dos bancos ... É severa a fiscalização bancária estando os
clientes a salvo de qualquer desagradável surpresa”. (ibid.)
Mas não foi bem assim: No mês seguinte, foi anunciado mais uma leva de bancos
em liquidação: Banco União Comercial, Banco Brasileiro de Crédito, Banco Central
Brasileiro, Banco Financial do Comércio Ltda., Banco dos Estados e Casa Bancária
Pinheiro Ltda. (OESP, 10/06/1955: 20). Enquanto a crise se instalava, o governo e os
jornais buscavam assegurar que tudo ia bem: “não há indício de qualquer espécie de crise
bancária e que os depósitos estão voltando rapidamente aos Bancos. Estes atravessam
assim uma fase plenamente satisfatória e terão suas legítimas necessidades atendidas pela
Carteira de Redescontos [do governo]” (OESP 15/06/1955).
Resultado: Em um mês se gastou 1/10 do Plano de Metas. Para sanar a crise, o
governo teve de emitir mais de 2 bilhões de cruzeiros aos bancos (UH 24/12/1955: 10).
Um décimo do custo total do Plano de Metas de âmbito nacional ao longo de cinco anos
que fez com que o país crescesse em média de mais de 8% a.a. Tudo isso para salvar
bancos com investimentos irresponsáveis, lavagens de dinheiro e evasão fiscal.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 89
Obviamente, essa proteção não foi suficiente, pois se tratou apenas de ajuda, não
se criando regramentos que pudessem controlar as atividades bancárias. Essa crise de
1955 fortaleceu a ideia da criação do Banco Central e de auditorias como base para regular
o sistema bancário. Entretanto, nem mesmo uma crise como essa foi suficiente para curvar
o setor bancário, demorando quase uma década para que o Banco Central fosse criado
(Lei 4.595 de 1964), ou para a instituição do CMN (Conselho Monetário Nacional) para
organizar o sistema financeiro (Lei nº 4.728 de 1965). Em relação à BVRJ e seu
desregramento, somente em 1976 foi editada a Lei 6.404 para a regular e as SAs.
4. A Outra Garra do Escorpião: Autoritarismo e a Ideia da “Democracia Tutelada”
Alinhada ao Discurso Moralista Anticorrupção
Entretanto, é importante entender que será na tensão da resistência à Vargas e
depois à JK e Goulart que teremos a articulação de elementos mais conservadores (civis
e militares), que utilizarão do discurso anticorrupção e anticomunista/antissindicalista
como mote de legitimação de sua oposição e de seus propósitos autoritários, já descrentes,
se alguma vez já foram crentes, com a democracia.
Assim foi, por exemplo, com o uso do atentado na rua Toneleros. A figura da viúva
e dos órfãos de Rubens Vaz viraram mártires de um sistema corrupto e ineficiente que
não puniria os culpados. Expostos em longas reportagens na Revista Cruzeiro (“A
VIÚVA DO MAJOR VAZ: MEU MARIDO MORREU PARA O BRASIL PODER
VIVER” 28/08/1954) e em diversos jornais, o fato foi utilizado para mobilizar a classe
antivarguista e em especial a feminina e o símbolo da corrupção da “família”: decisivo
fator no golpe de 1964 com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
No dia do aniversário da morte de Vaz, em que será lido agressivo e golpista
discurso pelo general Canrobert, a Tribuna da Imprensa, terá em sua capa a foto de
Canrobert e ao lado do filho de Vaz: “ELE NÃO PODE SERVIR DE PASTO AO
SISTEMA QUE MATOU SEU PAI”. Abaixo, lê-se: “Temos de dar a essa criança a Pátria
de paz e dignidade pela qual seu pai se sacrificou”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 90
Figura 32. Capa do jornal Tribuna da Imprensa 07/08/1955
Fonte: Tribuna da Imprensa 07/08/1955: 1.
O ataque visava combater o sistema democrático, um sistema que “beneficia a
impunidade”, a corrupção e traz “desonra ao país”. Ao mesmo tempo, atribuem às Forças
Armadas o papel de proteção da “verdadeira democracia” e “justiça” (07/08/1955). É
sintomática a charge do dia 05/08 mostrando o que entendem por justiça:
Figura 33. Um Ano de Espera
Fonte: Tribuna da Imprensa, 05/08/1955: 4
Ainda sobre a capa, vê-se que entre o órfão e o general golpista, temos dois
“exemplos de corrupção”: 1) da Justiça com o advogado de Vaz denunciando as
protelações judiciais que, diz, colocaria Gregório em liberdade, pedindo o advogado não
uma solução pela via judicial, mas uma solução política ao país (ibid.); 2) a notícia,
falsa, de corrupção (ao menos moral): que Goulart compraria a fazenda do assassino.
Por fim, falam sobre os pronunciamentos anticorrupção da poderosa organização
“Clube da Lanterna”, espelhada em Lacerda e sua lanterna como símbolo (passando-se
por um Diógenes dos trópicos, em busca de “seres honestos”), criada em 09/1954 (logo
após a morte de Vaz e Vargas). Tendo a morte de Vaz como pretexto, esse Clube iria
discutir programas e o papel da democracia na luta contra a corrupção, algo de acordo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 91
com seu estatuto que definia o Clube como uma entidade: “contra a corrupção e pela
elevação do nível moral de nossos costumes políticos” (Revista da Semana, “Deve ou
não ser fechado o Clube da Lanterna”, 12/11/1955). Esse clube de início congregou mais
de 100 mil sócios e foi fator decisivo na eleição de Lacerda e Raul Brunini ao Congresso.
O discurso deste clube será radical contra as instituições democráticas apontadas
como corruptas, a tal ponto que a “Revista da Semana” conversará com juristas sobre a
possibilidade de fechamento do Clube (como ocorreu com o Movimento Nacional
Popular Trabalhista, fechado por Menezes Côrtes, que também queria fechar o Clube de
Lacerda). O jornal Tribuna da Imprensa anunciava que Lacerda falaria ao Clube e ao
povo, convidando “amigos e o povo em geral para assistirem essa grande manifestação
que se enquadrará dentro do ‘slogan’ adotado pelo Clube: ‘Os Ladrões e os Assassinos
Não Voltarão!’” (Tribuna da Imprensa 05/08/1955). Entre suas principais deliberações
estavam sempre na ordem, propostas de “LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO” (Tribuna
da Imprensa 29/03/1955) que os parlamentares apoiados pelo Clube deveriam lutar
29
.
Um dos pontos de articulação contra a provável vitória de JK, visto pelos golpistas
como continuidade de Vargas, veio pelo nome de Goulart estar na chapa como vice-
presidente. Juscelino sabia dos problemas com o nome de Goulart (sobretudo com o apoio
do PCB), mas sabia da necessidade da chapa para viabilizar a campanha. JK dirá que
mesmo dentro de seu partido foi difícil convencer a coligação, viu-se “obrigado” a fazer:
Uma das maiores dificuldades para articular a aliança com o PTB, era a
hostilidade de setores mais conservadores do PSD em relação ao nome de
Jango. Mas eu sabia que uma aliança com o PTB era imprescindível; somente
uma aliança muito forte poderia enfrentar a oposição e sair vitoriosa; e somente
com um candidato que conseguisse a reconciliação entre o voto rural do PSD e
o voto urbano do PTB. (Depoimento de JK à Benevides, 1974)
Tudo foi tentado para impedir a posse da chapa de JK, ou “a volta de Vargas”, bem
como o reconhecimento de mais uma derrota de uma direita que confiava cada vez menos
no pleito eleitoral e na democracia como um todo como projeto de poder. Existiram
dificuldades dentro da aliança PSD/PTB (alguns estados do Nordeste e Sul do país
dissidiram da aliança com o PTB); oposição civil liderada pela UDN e golpismo civil-
militar; a candidatura de Adhemar de Barros (PSP) que ameaçava a força do eleitorado do
PTB nas classes urbanas; o episódio da “Carta Brandi”; CPI para apurar os bens de JK
_______________________________________
29
Semelhante ao que foi feito pela Lava Jato e MP, com a proposta de Dallagnol em criar um “selo de
idoneidade” a parlamentares que levassem sua bandeira à frente: “Deltan e Transparência Internacional
tentaram criar plataforma de candidatos lava jatistas” ConJur, 08/03/2011.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 92
enquanto candidato; e até mesmo um projeto de Emenda Constitucional para mudar os
requisitos necessários à eleição para forçar JK a aceitar a ideia de chapa única sem o PTB.
Para além da acusação de um sistema democrático corrompido, dos casos acima, os
mais significativos ao discurso anticorrupção envolveram dois temas. Um é a ligação
entre corrupção e comunismo/sindicalismo, envolvendo o nome de Goulart na Carta
Brandi. Outro é a declaração de bens de JK objeto de CPI, que será retrazida à tona com
o golpe de 1964 como forma definitiva de retirá-lo da arena pública.
▪ A Carta Brandi e a ligação entre comunismo/sindicalismo e corrupção
O episódio da Carta Brandi possui importância ao nosso tema pois buscava
implicar, por meio de carta forjada (de 05/08/1953), Goulart por tentar articular um golpe
via a criação de “brigadas operárias de choque” para instalar uma “república sindicalista”
no Brasil quando ministro do Trabalho. O golpe teria sido arquitetado por Juan Domingos
Perón, Goulart e Vargas, envolvendo contrabando e lavagem de dinheiro para a aquisição
de armas (falava-se em “mercadorias em Córdoba”, que Lacerda conclui serem armas).
A carta apareceu a menos de 20 dias das eleições. Um IPM foi criado, com o ministro
da Guerra, Lott, investigando o caso. Apesar de dizer, no dia das eleições, que a carta poderia
ser autêntica, graças a informações da polícia argentina, prova-se que “A CARTA BRANDI
É INCONTESTAVELMENTE FALSA” (Correio da Manhã, 18/10/1955). Na verdade, as
informações argentinas diziam que existiu correspondência entre Perón e Goulart e que
dentro delas a carta poderia ser uma delas: algo rejeitado à frente.
Esse episódio foi parte de toda uma construção representacional em que
sindicalismo e comunismo eram imediatamente associados com corrupção: da
moralidade, da fé, do sistema democrático e do sistema econômico pela intervenção
estatal e enriquecimento ilícito. Mais especificamente, começa-se a construção da
imagem de Goulart como alguém corrupto e um radical contra a “ordem democrática”.
Os círculos mais reacionários do empresariado e das Forças Armadas, com o
apoio do próprio PSD, tentaram impedir sua candidatura à Vice-Presidência na
chapa de Juscelino Kubitschek ... A Tribuna da Imprensa acusava-o ora de
corrupção ora de aliar-se aos comunistas, o que muitos candidatos da UDN
também fizeram sem que ninguém os criticasse (Bandeira 1978: 32)
Entretanto, houve corrupção envolvendo Goulart e Perón. Segundo o jornalista
argentino Rogelio Garcia Lupo (jornalista tido como subversivo por ambas as ditaduras),
Goulart foi incumbido por Vargas a intermediar Perón para angariar recursos ao PTB.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 93
Perón y Vargas no habían descuidado su relación personal, y el centro de este
contacto secreto ya pasaba por el diputado laborista Joao Goulart, viajero
habitual entre la estancia de Vargas, en el sur brasileño, y la Casa Rosada. ...
[Em 1954] Goulart había sido agente personal entre Vargas y Perón y en ese
momento era ministro de trabajo de Vargas. (Lupo, Clarín)
30
A oposição teria adorado conhecer esse fato, mas ele somente ficou conhecido após
o fim da ditadura argentina nos anos de 1980, quando os militares envolvidos na
deposição de Perón em 1955 foram investigados.
▪ O problema da declaração de renda de Juscelino
Outro episódio importante em relação à anticorrupção foi a criação de uma CPI
para investigar a declaração de renda de JK, o que impediria sua posse. O fato de Juscelino
veementemente se recusar a declarar seus bens antes das eleições não ajudou a apaziguar
os ânimos. Diversos políticos do PSD tiveram de subir ao plenário para esclarecer a
posição de JK: “Na Câmara Dos Deputados: Debates sobre a declaração de bens dos
candidatos da chapa pessedista à presidência da República” (OESP 14/04/1955). O
argumento de seus colegas, como o influente deputado José Maria Alkmin (futuro
ministro da Fazenda de JK e futuro vice-Presidente do ditador Castelo Branco), é que JK
não era obrigado a fazer a declaração pela lei estadual de Minas Gerais. Mas que “iria
fazê-lo quando considerasse oportuno ... em cartório em Belo Horizonte” (ibid.).
Alguns pontos saltam aos olhos: 1) obviamente a oposição sabia que Juscelino
possuía bens que ele não conseguiria explicar; 2) provavelmente sabiam que ninguém que
ganhe uma eleição no Brasil perde o cargo por declaração de bens “incompleta”
31
, mas
seria um fato poderia trazer problemas à sua candidatura; 3) o fato de JK não falar
diretamente sobre o caso e decidir dispor suas posses quando e onde quisesse era no
mínimo estranho; 4) mesmo as declarações de quem protegia JK eram conflitantes e
versavam sobre promessas de entrega em meses diferentes. Interessante é que, no mesmo
dia que Lacerda foi ao plenário falar sobre a Carta Brandi, JK apresentou sua declaração
de bens, claramente em cálculo político visando diminuir os danos eleitorais da Carta.
Ainda assim, oradores contrários a JK irão acusar a declaração de omissa e ligarão
seu governo enquanto governador de Minas Gerais a casos de corrupção. Realmente
_______________________________________
30
Cf. BRASIL Y ARGENTINA: EL SECRETO DE DOS PRESIDENTES. Buenos Aires: Clarín.
Disponível em: https://nacionalypopular.com/2008/03/31/el-31-de-marzo-de-1964-militares-brasilenos-
deponen-al-gobierno-de-joao-goulart/ Acesso 15/02/1954.
31
E.g. O filho de Jair Bolsonaro, Flávio, eleito Senador: “PF conclui investigação sobre declarações de bens de
Flávio Bolsonaro: Senador é investigado por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica”. (O Globo 11/02/2022).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 94
alguns problemas, usuais em declaração de renda de políticos, aparecem: como a rápida
multiplicação de renda após a posse em cargos públicos, imóveis com preço irrisórios
crescendo de valor em várias vezes ao ano, normalmente comprados pelo distrito em que
esse político possui cargo, falta de declaração sobre bens herdados etc.
Mas os principais pontos de contenda foram: 1) a suposta compra de um lote de
terreno pela mulher de Juscelino, no qual não havia assinatura nem de JK, nem de sua
mulher, quando JK era prefeito de Belo Horizonte – lote requerido e deferido por ele.
Esse lote, diziam, custou 177 mil cruzeiros e fora vendido à prefeitura por 700 mil
cruzeiros; 2) a compra de um apartamento no Rio de Janeiro no qual o preço seria
injustificável visto seu salário; 3) a falta do computo de um imóvel no Paraguai e outro
apartamento em Belo Horizonte; 4) por fim, um episódio embaraçoso à JK criado pelo
inquérito do BB de Vargas: o nome de JK foi encontrado como beneficiário de um título
de meio milhão de cruzeiros ao qual Juscelino não inseriu em sua declaração. De resto
tudo estava declarado, mas não necessariamente explicado.
Apesar das acusações não terem avançado na época, essa CPI foi o ponto principal
utilizado pela ditadura militar de 1964, que Juscelino inicialmente apoiou, para retirar JK
da arena pública (Forattini 2018: 107-108). Com os dados dessa CPI a ditadura abriu o
processo n.98.329/65 chegando à “conclusão de que possuía o ex-presidente sistema
muito peculiar de fazer multiplicar o seu dinheiro” (OESP, 01/12/1965: 4). Em 1965, JK
argumentou que ele conseguiu esse incremento de bens móveis e imóveis via 6
empréstimos em diferentes bancos, mas não fala quais as garantias dadas aos bancos para
tamanho empréstimo, sendo que o empréstimo era muito acima de seu patrimônio.
Questionam como JK e sua família conseguiram aumentar em mais de seis vezes seu
patrimônio enquanto mantinham um estilo de vida luxuoso (OESP 05/06/1965: 3).
Segue uma breve comparação de sua relação de posses entre 1955 e 1962:
Tabela 6. Breve comparação das principais posses declaradas de Juscelino em 1955 e 1962
Relação das principais posses declaradas 1955
Relação das principais posses declaradas 1962
23 lotes de terreno em Pampulha
32 lotes de terrenos em Pampulha
1 casa em Belo Horizonte
2 casas e 1 apartamento em Belo Horizonte
5 apts. no Rio de Janeiro, em área nobre
5 apts. no Rio de Janeiro, em área nobre
Patrimônio extra de mais de Cr$ 6 milhões
Patrimônio extra de mais de Cr$ 36 milhões
Terreno de 830 alqueires em Goiás
Fonte: autor, via diversas matérias de jornais publicadas no OESP entre 1955 e 1965.
O que JK fizera não era nada estranho ao estamento político brasileiro. O que importa
é que esse episódio auxiliou à representação de JK como um político corrupto, ligado ao
getulismo, graças ao episódio do BB. Será muito mais relevante durante a ditadura pois
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 95
dará os argumentos aos militares (civis como Roberto Campos foram contra sua deposição,
bem como os EUA – Forattini 2018.) para encerrar sua carreira. Os militares sabiam que
sua cassação foi feita com dados insuficientes. Como disse o ditador Geisel:
Sabíamos que no governo do Juscelino havia tido muita corrupção de auxiliares
dele, mas não tínhamos muita coisa contra ele. Como governador de Minas,
loteou e vendeu lotes na área da Pampulha e muitos desses lotes foram
comprados por ele e por sua mulher. Recebeu de presente do Strossner uma
casa no Paraguai ... O apartamento que tinha em Ipanema, em que morava,
tinha sido dado a ele pelo Paes de Almeida ... Havia, assim, uma série de
indícios, talvez não suficientes para sua cassação. Sua atuação em 1961
aconselhando Jango a tomar a posse do governo fazia dele um adversário da
“revolução” (Couto, 2021: 160)
O próprio STF, em maio de 1968, irá invalidar a tentativa de sequestro do
apartamento da avenida Vieira Souto por decisão unânime, devido à falta de provas.
5. Os Militares, a “Democracia Imperfeita” que Permitia a Corrupção e o Golpe
Fracassado
Como vimos, JK podia até ser aceito pelos setores mais conservadores, desde que
em uma “chapa de União Nacional” com a UDN, mas o grande problema era o nome de
Goulart. Assim, após a vitória em outubro, esses setores articularam-se com expressiva
parte da alta patente militar para articular um golpe preventivo à posse de JK. Iniciaram-
se discursos públicos (algo proibido) rejeitando a posse, nos mesmos termos dos discursos
de agosto, acusando o país de viver em uma “Pseudolegalidade imoral e corrompida”
(Tribuna da Imprensa 01/11/1955: 1). Esses discursos falavam contra a corrupção moral,
financeira e política que diziam o país estar imerso, graças a uma “democracia imperfeita”
que permitia que diversos atores indesejados cometessem abusos e “desonrassem o país”.
No dia 01/11/1955, o golpista coronel Mamede lerá discurso do recém-falecido gal.
Canrobert Pereira da Costa que tinha entre os pontos: “Posição para toda vida: contra a
corrupção e os crimes que desonram o Brasil – O papel das Forças Armadas na
instauração de uma Democracia inautêntica.” (Tribuna da Imprensa 01/11/1955).
A democracia e o estado de direito dariam as bases da corrupção:
tarda a justiça na punição exemplar dos culpados daquele nefando crime, que
chegou a abalar a consciência cívica nacional e ameaçou até as próprias
instituições da Repúblicas subvertendo a ordem pública e fazendo soçobrar um
governo na falência total de sua própria autoridade. (ibid.)
O devido processo legal protegeria “os perfis encapuçados e mistificadores dos
verdadeiros algozes das liberdades públicas, dos inimigos ferrenhos da palavra livre e
acusadora”. Queixava-se de não poder se manifestar, enquanto a classe política, que na
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 96
visão dele era quem demolia a “verdadeira liberdade pública”, podia. Leia-se: Os
militares pediam atuação na política. Não era de se espantar, dizia, que nesse sistema a
corrupção estivesse em toda parte, fomentada por populistas para “agitar o seio da massa
trabalhadora”, à sua custa, seja pela inflação, desmando na economia ou desvio de
investimentos. Aproveita para culpar o tamanho do Estado e da burocracia, bem como a
classe política possuidora de “lamentáveis costumes”. Esses crimes deveriam a ele serem
finalmente julgados, não pela Justiça, pois não confiava nela, mas “na inapelável justiça
do povo”, um conceito abstrato repetido e utilizado para justificar o golpe no futuro.
Não é para admirar que outros crimes menores – os múltiplos escândalos de
malversação dos dinheiros públicos, os abusos de toda ordem praticados a
sombra do poder, o empreguismo despudorado como arma de corrupção
política e o criminoso fomento da agitação no seio da massa trabalhadora à
custa de sua própria espoliação – nunca venham, para o indispensável
saneamento dos quadros de nossa tão desacreditada administração pública e
reforma de nossos lamentáveis costumes políticos a ser devidamente apurados,
apontando-se afinal os responsáveis à justiça inapelável do povo. (ibid.)
Essa justiça para julgar os corruptos deveria ser delegada, diziam, a eles:
Muitos e frequentes tem sido tais apelos, ora velados, ora veementes,
encaminhados em todos os tempos a nossas Forças Armadas, reconhecidas
pois, credenciadas portanto, por um consenso quase unânime no país, como
merecedoras de toda a confiança do povo pelo seu alto senso patriótico e pelo
seu espírito profundamente democráticos, acima das injunções partidárias e
imunes de interesse personalistas ou facciosos.
Esse discurso não é novo na história militar. Ao examinar as origens do ethos
militar, Shannon French (2004) mostra que há um código moral não-escrito, mas
pretensamente baseado em fatos ou representações históricas sobre a figura dos
“guerreiros”, que entre suas principais características está ser condicionado não por leis,
mas por um ethos. Somente assim poderia se garantir a disciplina e a hierarquia, que
manterá, diferente de regras escritas, integrantes desses grupos dentro de um espírito ou
tradição de “luta honrável”, possuindo, assim, muito mais força que qualquer lista de
regras que visem ser aplicadas. Esses códigos morais, apesar de variarem em tempo e
espaço, possuem alguns princípios basilares comuns, como honra, hierarquia, disciplina,
abnegação do privado em favor do público etc. Ele restringe o guerreiro, coloca barreiras,
disciplina-o, determina o que é honroso e desonroso, quem é ameaça ou não.
Esse código será adaptado a cada caso histórico, mas deve ser baseado nesse ethos
para legitimação. No Ocidente, conseguimos traçar essa tradição aos mitos gregos e
romanos, em especial às tragédias. O próprio ethos da tragédia está ligado ao militarismo,
conservadorismo e patriarcalismo. Lá há a valorização das virtudes do guerreiro em
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 97
detrimento dos concertos políticos. O épico apresenta personagens que seriam
considerados como os melhores que a sociedade tem a oferecer, impossibilitando pessoas
inseridas em contexto diferente a comparar-se com esses modelos descritos: tornam-se
mitos insuperáveis e, mais importante, inquestionáveis.
Esses valores serão, historicamente, transmitidos aos militares do mundo
contemporâneo, vistos como herdeiros desses guerreiros, mas organizados em carreira,
enquanto membro de uma instituição que tem como função proteger o Estado. Mas haverá
sempre, especialmente em países de instituições e organização social fracas, a disputa
interna entre esse ethos e as possibilidades que ele traz, contra as leis, o sistema político
e a mobilidade social, especialmente contra o que chamam de populismo.
Logo, para setores mais conservadores, essa categoria será, como visto nos
discursos acima e em 1964, a militar: dotados desses altos valores, mesmo que fatos
descomprovem essa representação. Aproveitam-se dela para frequentemente invocarem-
se para “reorganizar o país” e “limpar as instituições corrompidas”.
É sintomático, por exemplo, que mesmo durante o período imperial português nas
Índias, o livro que mais chamou atenção sobre a administração do Império foi sobre a
corrupção das colônias por políticos e altos burocratas que vilipendiavam o Império:
escrito por um soldado, Diogo do Couto: “O Soldado Prático”, além de outros livros
escritos por outros soldados. É notável o quanto ambas as classes, economistas
tecnocratas e militares louvam essa característica na condução de um país, possuindo esse
como um dos seus maiores pontos em comum: suposta tecnicidade em detrimento do
interesse privado, ao contrário de como entendem a arena política (Apêndice D).
Nesse sentido, devemos tomar cuidado com uma coisa. Vimos que esse discurso
anticorrupção na época em grande parte visava favorecer a ampliação do neoliberalismo,
pois é essência deste. Entretanto, e muito cuidado aqui é necessário, não quero dizer que
esses militares eram neoliberais. É óbvio que muitos deles concordavam com as ideias de
Lacerda e da UDN sobre o melhor rumo ao país, mas isso não implica de modo algum
que eram neoliberais. Eram, podemos dizer, conservadores: contrários às reformas e
reivindicações sociais por maior redistribuição e acesso à representação política.
O que se pode afirmar é que, seguindo os novos estudos sobre neoliberalismo e
fascismo citados aqui no Capítulo I, podemos dizer que neoliberalismo apesar da retórica
do menor Estado necessita de um Estado forte para implementar suas políticas nada
agradáveis ao povo e silenciá-los quando a desigualdade social leva a protestos. Também
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 98
necessita de um Estado forte para sua proteção quando invariavelmente entram em crise
econômica, “pavimentaram o caminho ao fascismo” (Mattei 2022).
Esse será o caminho do Brasil desde 1954, utilizando os mesmos elementos
discursivos até 1964, sendo o governo JK breve interstício conciliatório, apesar de breves
tumultos. O jornal OESP, o mais influente da época e que mais contribuiu ao golpe de 1964
(a ponto de Castelo Branco dizer: “O Estadão vale mais do que toda uma divisão blindada
[Severiano 2001: 138]), fará defesa da tese da “revolução incompleta” (01/11/1955: 3).
De acordo com ela, as Forças Armadas erraram pela omissão em 1945 ao terem se
contentado em apenas retirar Vargas do poder. Seu discurso possui majoritariamente o teor
anticorrupção: dizem que se deveria ter tido posição mais dura para extinguir o varguismo
do Estado, pois, assim como na Argentina, mesmo após sua saída:
o peronismo continua a contar com adeptos, sem embargo da revelação dos
crimes de toda ordem, inclusive de roubalheiras imensas praticadas pelo
chefe do partido e por muitos dos seus colaboradores mais chegados (ibid.,
grifo meu).
Argumentam que o Brasil precisava de uma ditadura (chamavam de “revolução
democrática”), para se tirar a ditadura do poder:
Os revolucionários, que depuseram o ex-ditador, estavam na crença de que,
posto fora do governo esse cidadão, o seu partido estaria desfeito e a sua
política estaria sepultada. Não lhes ocorreu que as ditaduras têm vida longa e
que, por mais odientas que sejam, sempre perduram em certos espíritos e em
determinadas agremiações (ibid.)
Por fim, mostram todas as garras do que entendem por “democracia tutelada” e da
“arte e da técnica revolucionária” que deveria ser ministrada ao sistema político:
Não temos somente que renovar o aprendizado cívico de nossos políticos.
Temos, também, que ministrar alguns elementos da arte e da técnica
revolucionária aos que, entre nós, se veem forçados a praticar esse ramo da
política [falam da corrupção]. Precisam antes de tudo aprender que as
revoluções nunca devem ficar inacabadas. (ibid.)
Esse será o mesmo argumento utilizado por Mesquita em carta quando consultado
por Castelo Branco e outros militares golpistas em 1962 sobre a possibilidade de um golpe
e apoio civil que será publicada em 12/04/1964 pelo jornal como “Roteiro da Revolução”:
[Sobre o retraimento das Forças Armadas após a queda de Getúlio em
1945] Mas esse medo às responsabilidades, longe de ter beneficiado a Nação,
foi a causa da decepção mais uma vez sofrida pela opinião pública. Torna-se,
pois, indispensável que desta vez ocorram as coisas de outro modo.
Nesta carta, pedem a decretação de Estado de sítio e a revogação das imunidades
parlamentares; uma limpeza do Estado dos subversivos (comunistas e corruptos), mesmo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 99
que para isso seja necessária “uma limpeza radical dos quadros da Justiça.” Afinal, o
devido processo legal era processo odioso a eles, exceto quando eles são alvos da justiça.
O expurgo dos quadros do Judiciário é absolutamente necessário, mas deverá
ser feito por etapas, mediante uma ação metódica da Junta Militar, que poderá,
em muitos casos, sem recorrer a processos aconselháveis em última instância,
exonerar a pedido dos próprios juízes corruptos e inidôneos, os que não
souberam honrar os cargos que ocupam.
Ou seja, para realizar esse expurgo do varguismo e dos corruptos advindos dele, era
necessário “limpar o Judiciário” e aplicar “a arte da revolução” aos outros, mesmo que
para isso seja necessário contar com a ajuda de “juízes corruptos e inidôneos”. Um aparte:
não fica difícil entender como Moro e a Lava Jato ganharam tanto apoio e foram blindados
de críticas quando ficava claro que desrespeitavam o devido processo legal, agitavam a
bandeira do anti-institucionalismo e rejeitavam a democracia brasileira.
Por fim, para não fugirmos dos intentos neoliberais desses golpes, prioridade aos
civis, a carta falava:
[O governo] deve estar disposto a rever o conjunto de autarquias que foram
criadas entre nós ... Se quisermos combater o comunismo dentro das nossas
fronteiras, o primeiro passo a ser dado pelo futuro governo será o que tenda a
conter dentro do razoável a ingerência do Estado ... devolvendo à iniciativa
privada tudo quanto esta esteja em condições de gerir melhor ... E a
maneira mais segura de realizar essa política será a afirmação corajosa de
adoção, pelo Estado brasileiro, da filosofia neoliberal. (12/04/1964, p. 144)
6. Resultados no Curto-Prazo de um Golpe Fracassado: Bases aos “Realistas” e
“Concilialistas” Durante o Governo JK
Voltando a novembro de 1955, Lott pedirá a punição imediata de Mamede, mas não
terá apoio presidencial. O discurso ganha cada vez mais adeptos e conjugado, com a
vitória apertada de JK que teve 35,68% de votos, contra Juarez Távora da UDN que teve
30,27%, numa diferença de aproximadamente 500 mil votos, a UDN capitaneada por
Lacerda utilizará dos argumentos mais absurdos
32
, auxiliando o clima golpista.
Rechaçado o golpe por Lott, boa parte dos golpistas sofreram vexatórias derrotas:
Lacerda asila-se na embaixada de Cuba (ainda sob Fulgêncio); Carlos Luz (então
presidente) sofre impeachment e revoga sua posição de presidente da Câmara; Café Filho
tenta retornar ao poder, mas sabendo-se da sua participação no golpe, é impedido. O
Congresso decreta estado de sítio e JK finalmente toma posse.
_______________________________________
32
Irá tanto argumentar que JK não obteve maioria simples (apesar de não ser requerido) ou que esses 500
mil votos foram dos comunistas, que estando o partido na ilegalidade, estes não teriam direitos políticos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 100
Assim, os discursos golpistas foram colocados quase que em hiato com a posse de
JK. A UDN não só perdeu no golpe e para JK nas eleições presidenciais, como percebeu
que a estratégia golpista-histriônica não deu os resultados esperados nas urnas: o partido
até então que mantinha constância na Câmara, perdeu 9 vagas em relação a 1945 e 8 vagas
em relação a 1950. Já o PTB ganhou 36 vagas em relação a 1945 e 7 em relação a 1954.
Tabela 7. Resultados das Eleições Gerais para o Congresso Nacional (1945, 1950 e 1954)
Eleições
1945
195033
1954
Partido
Câmara
Senado
Câmara
Senado
Câmara
Senado
UDN
82
12
81
4
73
11
PSD
151
25
112
6
119
20
PTB
22
3
51
5
58
7
Fonte: autor
Juscelino logo que toma posse busca assegurar um governo de consenso entre
empresários, capital financeiro, militares e grupos políticos de diversos matizes
(populares, populistas, nacionalistas, liberais e conservadores). Não era uma tarefa fácil:
[Havia a] marcante habilidade de Kubitschek em encontrar alguma coisa para
cada um, enquanto evitava qualquer conflito direto com seus inimigos. Este
estilo político não envolvia mudanças fundamentais. Pelo contrário,
Kubitschek se utilizava do próprio sistema para ganhar apoio (Skidmore 2007)
É importante atentar ao desfecho desse imbróglio, pois impactará no modo de JK
governar e da oposição atuar, dando, finalmente, relevância à “ala realista” da UDN e dos
“nacionalistas”, favorecendo a viabilidade do Governo JK e, inclusive, certa conciliação
em relação à corrupção.
_______________________________________
33
Ano de renovação de 1/3 dos mandatos no Senado Federal, por isso o número diminuto.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 101
Capítulo IV: O Desenvolvimentismo Retorna, Mas Abertamente Favorável ao
Capital Privado: JK, Desenvolvimentismo-Associado e “Corrupção Tolerada”
Evitando leitura repetitiva, em que os mesmos argumentos baseados na
racionalidade da agenda anticorrupção do neoliberalismo combaterá a intervenção estatal
na economia, este capítulo teve de se reorganizar focando em dois elementos em disputa:
1) a intervenção estatal num modelo realista, termo utilizado por setores nacionalistas
do novo governo em oposição ao modelo nacionalista que visava excluir o capital
internacional de participação no desenvolvimento nacional (defendido pelo PCB e por
parte do PTB, do qual reclamou Valentim à Vargas), chamado de desenvolvimentismo
associado, implicando em concertação política em relação a casos de corrupção; 2) a
reação a esse modelo que ao buscar desenvolver o país em 50 anos em 5, levou à
aceleração inflacionária e à percepção de corrupção endêmica, auxiliando a completar o
ciclo político de Jânio Quadros como herói anticorrupção.
Com JK, a racionalidade que permeia seu governo não foi explicada. Não falo do
ideal desenvolvimentista neokeynesiano, brevemente visto; falo de racionalidade que
englobava políticos, economistas e intelectuais que podiam muito bem serem vistos como
(neo)liberais ou neokeynesianos. É o no período muitos denominarão de racionalidade e
ação realista quanto à forma de governar e quanto à corrupção que entendia esse tópico
por dois vieses: 1) do ponto de vista interno de quem desejava se industrializar; 2) do
ponto de vista externo de quem desejava entrar nos lucrativos mercados emergentes. Em
ambos os casos, a corrupção não só existia, como era vista como necessária.
Por fim, este capítulo está associado ao próximo no sentido do que será investigado.
Enquanto este capítulo mostra as bases da concertação política e econômica em torno de
um modelo de desenvolvimento associado, em que casos de corrupção privada e pública
serão ocultados em favor desse modelo de desenvolvimento, focando também nas
acusações de corrupção a modelos planificadores sem a predominância do capital
privado, em especial do internacional, em completa assimetria de críticas; e na CPI da
“meta-síntese” do Plano de metas de JK, a construção de Brasília. Aqui investigaremos o
motivo de Brasília ter sido atacada enquanto o Plano de Metas foi poupado; seu embate
com outro objetivo maior e mais antigo, a austeridade e controle inflacionário, bem como
com casos de corrupção concretos desde seu concurso a projetos para a construção de
Brasília até casos de corrupção durante sua construção. O próximo capítulo, mais bem
explicado à frente, examinará à fundo, por meio de métricas diversas e correlação de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 102
dados, a corrupção privada, com incentivo público, deste modelo de desenvolvimento e
do “mercado moralizador” do câmbio livre e da BVRJ. Ali a racionalidade fica explícita,
bem como fica impossível não ver os flagrantes casos de corrupção que ocorreram nesse
período e seus impactos de médio e longo prazo na política e na formação do setor
financeiro e do parque industrial brasileiro – inclusive na relação entre golpe militar
(repressão) e capital produtivo e financeiro.
1. As bases do realismo político-econômico durante o governo JK
O período de concertação durante Juscelino, muitas vezes é tido como resultado de
sua inegável habilidade política em alocar diferentes grupos em posições que resultariam
em harmonização, mesmo que fraca, de interesses. Foi assim que ele fez com importante
parcela das Forças Armadas, por exemplo, que, apesar de parcela ser contrária a sua
candidatura, também viam o desenvolvimentismo como forma de sair do
subdesenvolvimento, alocando grande número de militares em cargos de importância.
Entretanto, é simplista dotar essa mudança à agência de um personagem, mesmo que seu
talento político seja inegável, cabendo tal visão à mídia e análises laudatórias a JK:
O ANISTIADOR: “Procurei apenas abrir o caminho ao desarmamento dos
espíritos. Com isto quis dar ao país a demonstração de que ao governo interessa
grandemente um clima de paz e de concórdia para que ele possa trabalhar em
benefício dos brasileiros ... [sobre o 11 de Novembro] Precisamos esquecê-lo
para começar vida nova. (Manchete 24/03/1956: 39)
Por outro lado, mostrei que o malsucedido golpe de novembro levará a embaraço
momentâneo, exigindo uma reorganização dessas forças. Além disso, JK se beneficiou
da estrutura econômica de caráter pró-mercado forjada desde Vargas, que facilitou a
inversão direta do capital privado, principalmente internacional, algo que de acordo com
os projetos de país dos conservadores e de seu desenvolvimentismo associado.
Isso facilitou a ascensão de indivíduos mais favoráveis à concertação política e
econômica em cargos de lideranças, com impacto significativo no modo que a corrupção
era (ou deixava de ser) combatida. Essa forma de “realismo”, termo presente tanto em
nacionalistas (mostrado em falas de Jaguaribe e de aliados de JK como Schmidt), quanto
membros da oposição, trouxe embaraços aos chamados “idealistas/puristas”:
DEPUTADO UDENISTA CONTRA O REALISMO: O deputado Adauto
Lúcio Cardoso (UDN–DF), em entrevista ontem concedida à imprensa,
formalizou o seu repúdio à ‘linha realista’ com que, atualmente, se tem
orientado a União Democrática Nacional (OESP, 10/03/1958: 3)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 103
Falando em nome da UDN o deputado acusará outros membros do partido que em
nome do “realismo” realizavam alianças inclusive com personagens políticos que não só
admitiam praticar corrupção, como transformavam isso em sua plataforma política, como
o governador de São Paulo, Adhemar de Barros (PSP):
Não falo somente por mim. Já agora me anima a solidariedade dos muitos
udenistas que tomaram conhecimento do nosso protesto. É também em nome
deles que me insurjo contra a chamada “linha realista” da UDN, consistente
num programa de alianças com quem quer que tenha força eleitoral, ainda que
se trate dos srs. Adhemar de Barros, João Goulart, Benedito Valadares e outros.
Aos udenistas, um partido que buscava se diferenciar exatamente pela linha
moralista, o realismo adotado “trazia ... o germe de destruição dos padrões de ética
política que a UDN vem propagando na tarefa educativa que realiza, à margem das suas
derrotas". Ou seja, acreditavam que apesar das diversas derrotas que a UDN tinha nas
grandes eleições, ela tinha uma função educacional. Entretanto, a atividade educacional
não era, claramente, o projeto de poder dos ditos realistas.
“Em udenista mineiro fala sobre a linha realista do partido” (OESP,
16/03/1958: 4), teremos a justificativa do outro lado:
A adoção da ‘linha realista’ pela UDN vem provocando as mais diversas
manifestações nos círculos políticas ... o deputado udenista Oscar Correia, em
declarações à imprensa justificou a posição assumida pelo sr. Juracy Magalhães
na direção de seu partido, dizendo que o senador baiano se situou entre a
intransigência do deputado Adauto Cardoso e o amoralismo político do sr.
José Candido Ferraz. (ibid., grifo meu)
Assim, o realismo ficaria entre a intransigência idealista e o amoralismo político.
Esse meio termo da UDN, levado a cabo Juracy Magalhães, ganhou as eleições do partido.
Concordo com a atual orientação pela direção udenista ... “A UDN só pode
atingir o poder e realizar a obra em benefício do bem comum, que é sua
finalidade, entendendo-se com alguns dos outros partidos atualmente
existentes (ibid., grifo meu)
Esse realismo, desafia a caracterização que esse partido possui, sempre visto como
histriônico e isolado. O realismo da UDN chegou a tal ponto que emergiram diversos
discursos distinguindo “ciência política” da “arte política” em busca de uma nova
racionalidade no modo de se fazer política (“FALANDO EM MINAS MILTON
CAMPOS ELABORA TEORIA PARA O REALISMO”, OESP 10/04/1958: 5)
A preocupação com a realidade há de ser necessariamente a inspiração
dominante dos partidos. Até porque a política não se faz nas nuvens, e sim na
terra. Mas a realidade não é de apreenção simplista e primária e não se confunde
com as reações dos interesses de cada um, ou de cada grupo ... Haverá realidade
mais palpável do que o sentimento de oposição em face dos maus governos que
são os que temos nesta quadra da vida nacional? (ibid.)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 104
Essa sua “teoria” é essencial para se entender o silêncio em relação à corrupção por
parte da oposição. Haveria pontos mais importantes, por exemplo, que a constante
denúncia de corrupção enquanto oposição: o crescimento do partido e a implementação
de um projeto econômico pró-mercado, por exemplo. Em seu discurso, o deputado é mais
polido. Disse que havia algo mais moralmente reprovável que a corrupção como a fome,
o subdesenvolvimento, a pobreza etc.
Assim justifica a adoção do realismo, para sanar a “realidade do povo” e não de
inculcar apenas o ideal de ação política do partido.
Nesse sentido é que concebo a linha realista da UDN a qual não é uma
novidade, mas uma constante. Não no sentido maquiavélico que em geral se
atribui ao realismo político, preocupado tão somente com o poder como
finalidade da ação política … Haverá maior realidade do que o bem comum,
pelo qual devemos todos lutar? (ibid.)
Ou seja, era uma forma de se imiscuir no poder e construir alianças: fazer política.
Um novo projeto de poder, estavam “fartos de derrotas gloriosas’” (Benevides 1981: 78).
Até o OESP apoiará esse novo caminho dizendo que se tratava de momento de
maturidade do único partido que “destoaria” da incoerência partidária nacional. “Tudo
[na UDN] destoa das demais agremiações: tem um programa, um pensamento, uma
perspectiva aberta sobre o futuro. A qualidade dos seus quadros, a sua incorruptibildade
… transformaram-na em um caso à parte na cena política nacional” (OESP, 26/09/1959).
Igualmente o realismo tomou conta de parte dos ditos nacionalistas. Trata-se de
uma conjuntura que propiciou essa mudança em “ambos os lados” do espectro político.
O “realismo” udenista não era “algo novo” somente introduzido naquela época no partido.
Ele existia desde o início do partido em 1947, capitaneado por Magalhães e Otávio
Mangabeira, mas nunca havia ganhado influência como conseguiu nos anos JK, em que
Magalhães ganhará a presidência do partido.
O mesmo ocorreu, como mostrado, com o realismo nacionalista. Um dos maiores
expoentes do nacionalismo brasileiro (“considerado um dos líderes do movimento
nacionalista” [Última Hora, 09/12/1958: 12]), o intelectual Helio Jaguaribe, em seu livro
de 1958, “O Nacionalismo na Atualidade” não só argumenta sobre maior alinhamento
aos EUA como a mais proveitosa das duas opções num mundo marcado pela bipolaridade
(“a forma menos onerosa de dependência para um país como o Brasil é a sua integração
deliberada no bloco americano” p. 307) e pede por maior participação do capital
internacional inclusive na Petrobrás. Jaguaribe teve de se defender de acusações de
revisionismo neoliberal neste livro. Para Jaguaribe, a visão nacionalista que exclui o
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 105
capital internacional e sobrevaloriza a potencialidade do Estado e do capital nacional era
“equívoco que está se formando em torno do problema do nacionalismo, além de impedir
a adoção de políticas nacionais e eficientes” (Última Hora, 09/12/1958: 12). Jaguaribe
argumentava que o monopólio do Estado deveria ser reservado apenas à pesquisa e lavra
dos insumos, como o petróleo, garantindo a soberania e o desenvolvimento nacional.
Em sua crítica veremos muito dos pressupostos liberais vistos acima:
Sem embarco dessa tese, a exigência mesmo, em que nos encontramos, de
emprestar, às formulações do nacionalismo brasileiro, o máximo de
consistência de rigor teórico, levou-se a empreender uma crítica objetiva e
sincera da presente estrutura da Petrobrás. Seus principais inconvenientes, em
tese, são: a) o excesso de concentração da administração superior da empresa,
face à magnitude das tarefas que lhe competem; b) os exageros de proteção de
suas características de monopólio estatal tendendo a repelir, a priori, todas as
formas de participação minoritária e sem direito de voto do capital estrangeiro.
Sua crítica aos nacionalistas ditos “não-realistas”, em retrospecto, será em relação
a uma das principais causas apontadas pela economista Maria da Conceição Tavares pela
crise da década de 1960 em que a política de ISI foi esgotada, causando rampante inflação
e estagnação econômica. A ela a redução da possibilidade de investimento nacional e as
políticas nacionalistas ditas irrealistas restringiram o investimento estrangeiro, necessário
à industrialização. Ela dirá que com a perda de apoio de JK ao final de seu mandato e a
crescente influência desses nacionalistas no governo de Goulart
detiveram os planos de investimento nos setores mais dinâmicos, bem como
em novos setores visados pelas corporações multinacionais (mineração, aço,
petroquímico e equipamentos pesados), eliminando-se, desse modo,
componentes autônomos que poderiam ter contrabalançado os efeitos da crise
de demanda corrente na economia. (Tavares 2019: 101)
Obviamente, para que esse capital estrangeiro continuasse entrando no país,
diversas adequações seriam necessárias, seja estritamente do ponto de vista econômico-
contábil, ou do ponto de vista político via a facilitação da entrada desse capital mediante
mudanças na legislação e na agenda político-econômica interna.
Assim, o período JK é extremamente importante pois fica claro que em seu
governo, apesar de um início dos mais instáveis, ele foi símbolo da tomada de poder por
estes “realistas” e da formação de diversos laços de concertação político-econômica
instaurando um novo modelo de desenvolvimento e da relação entre atores político-
econômicos e o público e o privado. Obviamente, esse realismo possuirá limite e
dependerá do contexto histórico. Por exemplo, com a campanha errática e polarizadora
de Jânio Quadros, os “realistas" udenistas sairão de cena (“O Realismo Udenista Contra
Jânio”, OESP, 04/11/1958: 3) ganhando mais poder políticos aliados a Lacerda.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 106
No breve governo de Jânio, houve pouca chance houve de concertação, apesar de
Quadros ter tentado agradar a ambos os lados às vezes por modos erráticos ineficazes. Além
disso, cada partido ou grupo possui identificação discursiva-ideológica com seus
constituintes que, por isso, muitas vezes, terão estratégias discursivas de confronto,
enquanto laços políticos são formados em outras áreas, inclusive na agenda anticorrupção.
2. A “Relação Necessária” entre Corrupção e Desenvolvimento
Como qualquer trabalho histórico se faz necessário entender ao menos as principais
ideias que guiavam o objeto de estudo. No caso da corrupção já vimos a base ideológica,
altamente moralista e pretensamente tecnicista, que guiava o pensamento neoliberal.
Como aludido, havia um outro pensamento dominante, majoritariamente amoral, muito
caro aos realistas de ambos os espectros ideológicos, que será utilizado “para além do
discurso”, na prática. Este pensamento será utilizado especialmente no âmbito
econômico, especialmente nas trocas entre países desenvolvidos e países em
desenvolvimento, cada qual com sua perspectiva e objetivos.
Essa perspectiva nasceu dos “estudos desenvolvimentistas” das Ciências Sociais
estadunidenses e britânicas, que viam a corrupção como uma decorrência inevitável e
necessária a economias em transição. Esta teoria foi desenvolvida de forma relativamente
difusa por nomes cruciais na formulação de políticas públicas estadunidenses e britânicas
e altamente influentes nos rumos de países em desenvolvimento durante os anos de 1950
a 1970, como Samuel Huntington (influente em debates sobre o desenvolvimentismo
brasileiro e o papel das forças conservadoras neste projeto)
34
, Joseph Nye (fulcral no
desenvolvimento das relações internacionais no Brasil e na concepção da relação entre
Norte e Sul)
35
, Colin Leys (em sua crítica ao neoliberalismo como modelo de
_______________________________________
34
Embora a obra de Huntington tenha sido estudada e debatida no Brasil, sua influência direta no país é
difícil de ser medida. No entanto, alguns dos conceitos e ideias desenvolvidos por ele definitivamente foram
aplicados em discussões e análises sobre a transição política brasileira durante os anos de 1970 e 1980,
especialmente em relação ao papel das Forças Armadas e à construção de um regime democrático. Além
disso, a teoria do "choque de civilizações" de Huntington também foi objeto de debates e críticas no país,
especialmente após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
35
A influência de Nye nas formulações da política externa brasileira é singular, bem como na academia
brasileira. Ele cunhará termos essenciais à análise da arena internacional como "soft power" para descrever
a capacidade de um país de influenciar outros por meio de sua cultura, valores e instituições, em contraste
com o "hard power", que se refere à capacidade de um país de influenciar outros por meio de sua força
militar ou econômica. A obra de Nye tem sido estudada e debatida no Brasil, especialmente no campo das
relações internacionais e da política externa, onde suas ideias têm sido utilizadas para discutir a posição do
país no sistema internacional e sua capacidade de projetar sua imagem no exterior e desenvolver e
implementar projetos desenvolvimentistas.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 107
desenvolvimento, com inegável influência na formulação de políticas públicas brasileiras,
especialmente na área da saúde)
36
e Michael McMullan.
Esses autores entendiam, por um lado, a corrupção como a transgressão entre os
limites do público e do privado. Ela quebraria a confiança entre a sociedade e os
detentores do cargo público que deveriam, por definição, defender esses limites (Leys
1965: 221). Nesse sentido é importante entender que autores como Huntington entenderão
que a corrupção poderia ser vista como possibilidade de eventuais fissuras na ordem
institucional em jovens democracias em processo de “modernização tardia” de países de
capitalismo dependente em que as instituições democráticas poderiam ser vistas como
ineficazes e incapazes de atender as variadas demandas de diversos segmentos
ideológicos, especialmente de uma elite mais conservadora, que poderia, junto com
militares, levar a ditaduras (Huntington 1998).
Por outro lado, entendiam a corrupção por uma via amoral, em que a busca pela
manutenção da distinção entre o público e o privado em economias em modernização
deveria ser vista pelas classes dirigentes como um ideal e não uma realidade. Sua extinção
deveria ser um objetivo a ser construído, difícil de se alcançar, pois em momentos de
transição a corrupção emergiria como funcionalidade (Garrido 2023). Como argumenta
Huntington, ela possuiria a função não só de prover acesso, facilidades e incentivos a
certos setores econômicos ainda não explorados nesses países em industrialização – que
sem o “auxílio” da corrupção seriam muito arriscados –, como ela proveria sustento de
apoio político à emergência de uma nova classe em ascensão, reduzindo os atritos entre
as antigas e novas elites, como uma “graxa nas relações políticas”.
McMullan, quando estudou as elites e os governos africanos, utilizará as evasões
fiscais como exemplo de salvaguarda de dinheiro para “anos magros”, ou seja, além
apenas do enriquecimento ilícito. Huntington, um dos intelectuais de maior influência nos
rumos da história brasileira (antes, durante e, principalmente, na articulação do
_______________________________________
36
Leys a questão do desenvolvimento em países “em modernização”, incluindo o Brasil. Sua obra teve
influência no pensamento acadêmico e na formulação de políticas públicas brasileiras, especialmente no
campo da saúde pública e da reforma do Estado. A ele a lógica neoliberal não era uma solução suficiente
aos problemas de desenvolvimento, argumentando pela intervenção estatal para garantir acesso aos serviços
básicos e à distribuição mais equitativa de renda. Suas ideias influenciaram as políticas de saúde pública
implementadas no Brasil a partir dos anos 1980, que buscaram ampliar o acesso aos serviços de saúde e
promover a participação da sociedade civil na gestão dos sistemas de saúde. Além disso, sua teoria sobre o
papel do Estado na promoção do desenvolvimento tem sido debatida em discussões sobre a reforma do
Estado e a construção de políticas públicas mais eficazes no Brasil.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 108
desmanche da ditadura de 1964), entendia que a corrupção era necessária a essas classes
mais modernas em ascensão devida à “impermanência do status recentemente adquirido”.
A corrupção pode ser mais prevalente em algumas culturas do que em outras,
mas na maioria das culturas, parece ser mais prevalente durante as fases mais
intensas de modernização. As diferenças no nível de corrupção [...] em grande
parte refletem suas diferenças na modernização política e no desenvolvimento
político. (Huntington op. cit.: 59)
Como diz Garrido (2023), a eles, a corrupção cumpria certos requisitos associados
à construção de uma economia de mercado e de um Estado moderno: ela facilita a
participação política.
Em um alto nível [a corrupção] lança uma ponte entre aqueles que detêm o
poder político e aqueles que controlam a riqueza" e, em um nível mais baixo,
serve para incorporar grupos subordinados ao sistema político (McMullan
1961:196). Estimulou o desenvolvimento econômico, permitindo a
acumulação de capital e a conversão de obstáculos burocráticos. Ajudou a
construir partidos políticos, gerando os recursos utilizados para o patrocínio
(Huntington 1965:59-71).
Por fim, acreditavam que com a própria modernização do Estado, a corrupção
também diminuiria. Huntington argumentou que os comportamentos corruptos
diminuiriam com o tempo, mas também que alguns desses comportamentos se tornariam
aceitos e até formalizados, e dessa forma comportamentos e regras se alinhariam. Em
outras palavras, ele acreditava que, eventualmente, as instituições políticas se
consolidariam e a distinção público/privado se tornaria alicerçada, ou como disse Scott
(1969: 1156) as máquinas políticas nos Estados Unidos morreram “uma morte mais ou
menos ‘natural’” como resultado da industrialização (Garrido op. cit.).
Trata-se de uma teoria da corrupção altamente realista que buscava entendê-la por meio
de suas estruturas e agências, sem o componente moralista que encontramos hoje em dia –
apesar de muitas vezes em seus escritos existirem preconceitos, pois acreditavam que havia
uma diferença sensível entre o nível de corrupção entre países mais ou menos modernos
37
.
Entretanto, mesmo esse preconceito possui uma racionalidade política num quadro
de disputa de poder e influência formacional nesses países em desenvolvimento.
Primeiramente, resultava numa fetichização sobre as instituições dos países
industrializados e de seu modelo econômico. Assim, propugnavam não só pela cópia das
instituições estrangeiras “modernas” como solução socioeconômica aos países em
_______________________________________
37
“As deficiências a este respeito dos EUA podem estar relacionadas com as suas grandes populações de
imigrantes e as suas raças de segunda classe. O papel dos imigrantes na corrupção da política das grandes
cidades é um lugar comum da ciência política americana" (Huntington op. cit.: 61).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 109
modernização, como a educação dessas elites políticas, econômicas e burocráticas no
exterior como forma de acelerar essa modernização.
Se esse lado foi visto como uma justificativa interna à prática da corrupção em
países que buscavam a modernização, aos países estrangeiros essa teoria também
coadunava muito bem aos seus interesses. Estes países não só eram vistos como ideários
morais, como possuidores de elites e instituições e sistema político-econômico a serem
emulados. Esta visão também serve como justificativa aos delitos de corrupção dos países
industrializados ao buscar assegurar seus interesses naqueles países tidos como atrasados,
seja por “terem sido forçados” a atuar de forma corrupta, seja pela corrupção poder ser
vista como um mal necessário “na ajuda pela modernização destes países”. Os escritos de
McMullan podem ser entendidos como uma forma de legitimação da colonização, por
exemplo, e pelos atos de corrupção praticados por ingleses nas colônias. A corrupção
sendo um mal necessário, não só deveria ser tolerado pelo regime colonial e pelos
burocratas ingleses, mas vista como forma de ajudar a modernizar aquelas colônias, desde
que “de forma limitada” pela burocracia inglesa que deveria manter a “qualidade do
serviço público inglês” (McMullan op. cit.: 196).
Não se pode perder de vista o quanto essa visão influenciou as tentativas de
modernização do país, dentro dessa adaptação dos modelos institucionais, econômicos,
legais e burocráticos na história brasileira. Vimos o quão pouco os EUA foram
questionados moralmente pelas elites brasileiras no caso das licenças de importação; no
leilão de câmbio; no caso da compra de café em que o OESP simplesmente argumentou
que os “gatunos” brasileiros não contavam que o mercado estadunidense não aceitaria o
roubo nos preços de café (como se não tivessem tido participação); ou quando as
empresas estrangeiras eram virtualmente protegidas ao longo de décadas.
Nas diversas tentativas de modernização da administração pública, por exemplo,
desde o final da ditadura Vargas, os EUA serão o modelo por excelência a ser copiado
visando modernização, racionalização e, como consequência, moralização da burocracia
brasileira, tendo o intercâmbio de intelectuais brasileiros aos EUA servido como motor
principal dessas mudanças (cf. Apêndice E).
Importante menção deve ser feita, apesar de não ser foco de nosso capítulo, a outra
“teoria da corrupção” da década de 1950 em diante, de teor mais preconceituoso e
moralista, que influenciou não tanto a formulação de políticas públicas, mas a arena
discursiva sobre as virtudes externas, não por meio de seu modelo político-econômico
per se, mas pela ótica da superioridade moral e cultural de um povo sobre o outro. Ao
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 110
contrário da teoria anterior, para esta perspectiva a estrutura seria condicionada pela moral
dos agentes e não vice-versa. Essa teoria teve pouca influência nos círculos acadêmicos
brasileiros, mas possuiu (e possui) alto impacto em discursos políticos, em parte da elite
econômica brasileira
38
, e mesmo em camadas mais populares da sociedade brasileira,
coadunando com o que Nelson Rodrigues denunciava como “complexo de vira-lata”.
Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se
coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso
às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos
pretextos pessoais ou históricos para a autoestima (Rodrigues 2014)
Principal difusor dessa teoria, Edward Banfield – responsável pela adoção de
políticas de segurança públicas racistas e elitistas nos EUA até os anos de 2000 –, em seu
livro The Moral Basis of a Backward Society (1958), estudará o Sul da Itália em
contraposição ao Norte. Ele argumentava que a falta de desenvolvimento de um país, no
caso do livro a região Sul da Itália, ocorria devido ao que ele chamou de predominância
de um "familismo amoral" ou, em um espectro mais amplo, de uma relação amoral com
o Estado que se concretizava por três motivos: socioeconômico; histórico (especialmente
como os indivíduos se relacionam com suas terras/propriedades); e, o mais importante,
puramente cultural, que, segundo ele, dificultava que indivíduos, ou grupos familiares,
tomassem ações coletivas e pensassem em soluções de longo prazo para melhorar sua
condição socioeconômica e suas instituições políticas, e os levasse a agir apenas pensando
em seu interesse próprio. A relação entre as classes ocorre principalmente pelo que foi
chamado de relação "feudal", na qual os "presentes" (subornos) dadas pelas elites a esmo
para as classes menos abastadas diminuiriam ainda mais a possibilidade de ações
coletivas. Trata-se de visão simplista e preconceituosa sobre o que motivaria as ações
indivíduais e sociais, de alto caráter cultural baseado em sua percepção, negativa, do que
seria “uma sociedade atrasada e corrompida” das famílias mais pobres do Sul da Itália.
3. O Governo JK e os Efeitos do Plano de Metas
A primeira pergunta que o pesquisador deve fazer é: houve corrupção no governo
de Juscelino? Se sim, quais os indícios, já que não havia denúncias? Segundo, que tipo
_______________________________________
38
Como exemplo sobre esse complexo no desenvolvimento de políticas públicas, em interessante análise
discursiva sobre os escritos especializados em contabilidade financeira brasileira, Homero Jr notou a
existência de termos anglicizados, argumentos pejorativos (baseados em dados qualitativos e não
quantitativos) relacionados ao Brasil e enaltecedores aos países do Norte como forma de justificar a adoção
e integração cada vez maior das leis brasileiras às leis internacionais. Cf. “O Complexo de Vira-Lata no
Discurso Acadêmico Brasileiro sobre as IFRS” (2017)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 111
de práticas de corrupção ocorreram? Somente praticadas/incentivadas pelo Estado, ou
pelo mercado quando deixado às suas “forças naturais”. Por fim, quais as mudanças
necessárias tiveram de ser feitas na agenda anticorrupção visando seu auxílio na
implementação de um desenvolvimentismo de caráter, no mínimo, liberal pró-mercado
internacional. Enfim, a ideia é identificar a falta de denúncias de corrupção e o papel da
corrupção nesse modelo desenvolvimentista.
Se levarmos em conta a expansão da atividade econômica brasileira (mais de 8%
a.a.) via uma política desenvolvimentista alicerçada pelo conceito do “tripé econômico”
(envolvendo o setor público, privado nacional e internacional), fica difícil imaginar que
essa expansão ocorreu sem significativas práticas de corrupção. Ainda assim, apesar de
algumas denúncias, inclusive a instalação de CPI sobre a construção de Brasília, nada
ganhou tração e ninguém foi julgado.
Alguns motivos são relevantes e devem ser considerados para além dos elementos
políticos citados no capítulo anterior. Com JK, o crescimento do PIB brasileiro explode,
bem como o Produto Industrial. Se olharmos os principais indicadores econômicos, temos
a seguinte imagem do Brasil sob JK:
Tabela 8. Indicadores Econômicos do Governo Juscelino (1956-1960)
Indicador
Ano
1956
1957
1958
1959
1960
Produto Interno Bruto (PIB %)
2,9
7,7
10,8
9,8
9,4
Produto Industrial (%)
5,5
5,4
16,8
12,9
10,6
Produto do Setor de Serviços (%)
0,9
10
9,8
10,5
10,6
IPC (inflação %)
21
16
14
39
29,5
Salário-Mínimo Real (1980=100)
135
145
128
156
137
Base Monetária
17,5
19
24,8
30
33,1
Investimento Direto (em Bi de US$)
139*
178
128
158
138
Reservas (em Bi de US$)
608
474
465
366
345
Dívida Externa (em Bi de US$)
2.736**
2.491
2.870
3.160
3.738
Fonte: Adaptada de Abreu op. cit.: 426-430.
* em 1955 era 79 (um aumento de 75% em um ano)
**antes era de 1.395 (um aumento de 96% em um ano)
Vê-se que o PIB brasileiro dispara de um crescimento 2.9% no ano para uma média
de quase 10% a.a. por três anos; o Produto Industrial com média histórica de 5% a.a.
chega a quase 17% em 1958. Com JK, finalmente o Setor Terciário, intensivo em
alocação de mão-de-obra, instala-se no Brasil, saindo de menos de 1% para o mesmo
tamanho do Produto Industrial de 10.6% em 1960; por fim, os investimentos diretos saem
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 112
de 79 bilhões de dólares em 1955 para 178 bilhões em 1957, mantendo uma média de 140
bilhões a.a., ou seja, dobrando de tamanho.
Por outro lado, o salário-mínimo real fica estagnado (alguns dados sugerem perda
de 5,7%), a base-monetária não para de crescer e, com ela, a inflação, que se com Vargas
já era vista como fonte de forte pressão política (girava em torno de 10% a.a.), com JK
chegará a 39% em 1959, o que deve ser entendido como herança sua deixada a futuros
governos tornando-se fonte de grande instabilidade para setores conservadores e para
reivindicações sociais, pois encontrava-se em forte trajetória de aceleração, chegando a
91,8% em 1964, ano do golpe:
Tabela 9. Pressão Inflacionária na Década de 1960
1961
1962
1963
1964
Inflação (%)
33,2
49,4
72,8
91,8
Fonte: Adaptada, ibid.
Por fim, para financiar o Plano de Metas e a construção de Brasília, as reservas que
eram frutos de tribulação interna e externa, caíram drasticamente (quase pela metade),
aliado a um aumento de quase 170% da dívida externa, o principal ponto de contenda
com os EUA. Criava-se uma situação insustentável aos futuros governos.
Para escapar das críticas (que existiram, mas não foram destrutivas), JK contou com
uma conjuntura interna e externa favorável, bem como com um histórico de medidas
adotadas por governos anteriores que levaram auxiliaram a expansão do mercado, a
entrada de capitais, a expansão de lucros e à internacionalização da economia brasileira,
(como a Instrução 113 da SUMOC que facilitou o investimento direto, responsável
diretamente pela entrada de mais de meio bilhão de dólares em 5 anos), bem como
reduzindo diversas zonas de atritos internos (por exemplo, a briga entre nacionalistas e
“entreguistas” diminuiu, como mostrei) e externos, com os EUA e Europa, que viam o
país como fonte rentável de investimentos.
4. Recepções a Planos Com e Sem a Participação Associada do Capital Privado
▪ SEM: O Plano SALTE
Diferentemente de como foram recebidos outros planos de desenvolvimento
dirigido, como o Plano SALTE de Dutra, o de JK recebeu bem menos críticas. O Plano
SALTE também visava planificar o desenvolvimento econômico, pelo investimento nas
áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. Entretanto, este plano não possuía a
base de programas técnicos como teve o Plano de Metas que contava com o histórico de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 113
comissões como a CMBEU, o Grupo Misto CEPAL-BNDE de 1953 e a Comissão Klein-
Sacks, que além de fornecer análises técnicas aos projetos, buscavam identificar meios
de empréstimos para os concluir.
O SALTE teve pouca aceitação política, com apenas alguns dos projetos sendo
implementados. A crítica na época era que o programa estava sendo feito “pelo Estado”,
nesse quesito o Estado, como vimos, seria irracional e corrupto. Por isso, diziam que o
Plano SALTE, “conduziria a um desperdício de energias valiosas ... além de mau emprego
para os escassos capitais que o País dispõe” (OESP 08/09/1948: 3). Diziam que apesar de
se pretender técnico, “os argumentos econômicos decidiam, em última instância, pela
questão da conveniência”; levando à criação de “empresas duvidosas”. Assim, pediam ao
governo deixar à iniciativa privada: “Temos a firma convicção de que a instalação de
empresas deve ser deixada ... aos capitalistas e técnicos particulares” (ibid.).
Além disso o jornal criticará a “orgia publicitária” do programa, a sua desvirtuação
por “por ter sido piorado por meio de emendas” (OESP 27/06/1948: 3), além das sessões
secretas feitas no Congresso para discutir e planejar a implementação do Plano, algo
confirmado pelo relator da matéria, Alfredo Nasser (OESP 18/05/1949: 3).
Seu financiamento era incerto. Sabia-se que o dinheiro não viria dos EUA ou do
BIRD. Assim, diversos setores buscaram inviabilizá-lo, rejeitando o que chamavam de
“projetos de contabilidade engenhosa” (OESP 12/06/1949): “Daí a convicção de muitos
udenistas e pessedistas que o Plano SALTE é um plano natimorto” (OESP, 16/05/1948).
Apesar disso, ele foi parcialmente aprovado somente em 1950 e alguns projetos
foram realizados durante o governo Vargas, especialmente no setor de Transportes e
Energia (e.g. foram criadas as importantes Companhia Hidroelétrica do São Francisco e a
Comissão do Vale do São Francisco). Obviamente Saúde e Alimentação foram os menos
contemplados. A disputa entre a minoria e a maioria no Congresso era grande em relação
ao Congresso em relação aos temas engavetados. Por exemplo, ao discutir o problema da
Educação, o líder da minoria disse que não apresentou projeto porque seu papel é de
oposição, mas lembrou que a maioria havia arquivado o Plano SALTE no quesito da
Educação, o que fez com que “o líder da maioria em altas vozes negasse” (OESP
21/05/1952: 3). Igualmente foi dito sobre a Agricultura (“vilipendiada”). Sua argumentação
era a de que: “Esse plano é um crime contra o Brasil”. (ibid.). O PSD de Vargas, apesar
de apoiar alguns projetos, será a principal voz para acusar o Plano SALTE de
corrupção e ineficiência, dentro da estratégia varguista de acusar Dutra de corrupção.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 114
Por fim, a boa vontade inicial dos EUA com JK ajudou em muito a redução das
críticas em relação ao Plano de Metas. Enquanto o Plano SALTE era lançado no final do
governo Dutra, já desgastado interna e externamente, a ideia de um Plano de Metas via o
desenvolvimentismo associado, com ampla facilitação de sua implementação fez com que
os EUA apoiassem JK antes mesmo de sua posse. Os EUA chegaram a “diplomar”
Juscelino antes do Congresso brasileiro. Em novembro de 1955, logo após o golpe, JK
fez arranjos com a embaixada de Washington para viagem sua com passaporte “especial
de presidente eleito do Brasil” (OESP 08/01/1956: 4). Os EUA aceitam. Lá é recebido
como presidente por Dwight Eisenhower e por Richard Nixon (vice-presidente). No
Senado dos EUA ele foi aplaudido ao dizer: “Foi efetivamente neste dia 5 de janeiro que
o Senado ouviu as palavras dos dois grandes presidentes do continente americano” (ibid.).
▪ COM: O Plano de Metas
Já o Plano de Metas recebeu poucas críticas nesse sentido, diferente do caso da
criação de Brasília, visto adiante. Assim como no Plano SALTE, as metas principais
ficaram com o setor de Energia e Transporte, mostrando não só uma real necessidade do
país, como também a força que as empresas desse setor possuíam, consolidando-se desde
1950 na estrutura político-econômica brasileira até hoje. Por outro lado, assim como os
parlamentares fizeram com o Plano SALTE, os setores de Alimentação e Educação
tiveram diminutas propostas e quase inexistente implementação, mostrando a visão
reducionista e pró-mercado que a classe político-econômica tinha de “desenvolvimento”.
A Tabela 10 nos mostra as estimativas de investimento do Plano de Metas, o quanto
seria importado e produzido internamente para sua efetivação. Nela, mostra-se a pouca
atenção dada ao desenvolvimento do capital humano, enquanto o setor de Energia,
Transporte e Indústria Básica ocupavam 42%, 28% e 22% dos investimentos,
respectivamente. Interessava, portanto, ao capital e ao governo, manter uma base de mão-
de-obra barata às empresas, inclusive como elemento de atração a investimentos diretos.
Tabela 10. Plano de Metas, estimativa de investimento, 1957-1961 em bilhões de Cr$
Setor
Produção Interna
Importação
Total
%
Energia
110
69
179
42.4
Transporte
75.3
46.6
121.9
28.9
Indústria Básica
34.6
59.2
93.8
22.3
Alimentação
4.8
10.5
15.3
3.6
Educação
12
-
12
2.8
Total
236.7
185.3
422
100
Fonte: Conselho do Desenvolvimento, 1959
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 115
Já a Tabela 11 nos mostra o quanto foi efetivamente investido no setor industrial.
Algumas das metas chegaram próximas à sua completude; mas o setor de Transportes foi
largamente ultrapassado, com casos de 204%.
Tabela 11. Plano de Metas, Previsão e Resultados
Setor
Previsão
Realizado
%
Energia Elétrica (1.000 kW)
2
1.65
82
Carvão (1.000 t)
1
230
23
Petróleo-Produção (1.000 barris/dia)
96
75
76
Petróleo-Refino (1.000 barris/dia)
200
52
26
Ferrovias (1.000 km)
3
1
32
Construção de Rodovias (1.000 km)
13
17
138
Rodovias-Pavimentação (1.000 km)
5
10,2
204
Aço (1.000 t)
1.1
650
60
Cimento (1.000 t)
2.3
2.277
99
Carros e Caminhões (1.000 unid.)
170
133
78
Fonte: Orenstein e Sochaczewski apud Abreu op. cit. 165
É difícil analisar possíveis casos de corrupção quando as acusações são diminutas,
muitas se restringindo ao jornal de Lacerda. Mas algumas inferências podem ser feitas
baseadas na correlação entre as notícias, documentação, emendas e graças a possibilidade
de um olhar histórico comparativo.
Nesse sentido, podemos focar nos números que mais devem chamar a atenção:
construção e pavimentação de rodovias em detrimento, por exemplo, de ferrovias que
barateariam o transporte de produtos de exportação. Três fatores devem ser levados em
conta para sua justificação:
1. O setor automobilístico é um setor intensivo de mão-de-obra e muito mais
gerador de emprego e renda, com vasta cadeia suplementar e complementar
de produção; facilmente explicando a escolha pelas rodovias, em detrimento
de ferrovias.
2. A força do lobby desse setor por empresas nacionais e, principalmente,
internacionais na instalação de empresas.
3. Era necessário prover não só a infraestrutura para interligação entre os setores
produtores e consumidores, como era necessário ligar áreas do país que
estavam historicamente ilhadas, promovendo, finalmente, a ocupação da
hinterlândia brasileira.
Entretanto, existem considerações que vão além desses fatores e que ajudam a
explicar essa extrapolação entre a previsão de investimento e o total investido. Algumas
entram no cômputo da corrupção. Antes de tudo, devemos saber que historicamente, a
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 116
construção de infraestrutura nos transportes é um dos setores com mais altos índices de
corrupção, facilitadas por diversos fatores e interesses:
1. A discricionariedade em relação às rotas das rodovias instaladas, com políticos
e empresários requisitando sua passagem próximo a suas terras e cidades, o
que gera de pronto leva à maciça valorização.
2. As variantes de terrenos podem levar a “considerações extras” e de difícil
verificação sobre os projetos, vistos como custos “não-previstos” ou de
“emergência”, fatores que levam à dispensa de nova licitação.
3. Grandes empresas de engenharia, com vínculos tradicionais com o setor
governamental, fazem forte lobby para a construção dessas rodovias, com boa
parte desse dinheiro recebido pelos projetos aprovados sendo enviados para
cofres de partidos políticos (algo comum até hoje).
Assim, podemos facilmente afirmar que “a cada quilômetro construído, um aliado
é feito”. Nesse sentido, a construção de Brasília, normalmente vista como um adendo do
governo JK, externo ao Plano de Metas, pode ser introduzida nessa racionalidade, tanto
de conexão e ocupação da hinterlândia brasileira, como na representação de um
monumento arquitetônico-urbanístico ao desenvolvimentismo e agregador de apoio
político tanto pelo que representava, quanto pelo arranjo político no desvio de verbas.
As próprias críticas ao Plano de Metas, consubstanciados nas “Diretrizes Gerais do
Plano de Desenvolvimento” da campanha de JK, serão amenas depois de sua posse. O
virulento jornal OESP, por exemplo, dá espaço à UDN para “examinar” o plano e a
mensagem presidencial de JK em 1956 (de mais de 570 páginas). Apesar de contestarem
a possibilidade de implementação, não atacam o plano como ineficiente, corrupto, ou em
relação à interferência estatal contra os interesses privados. As palavras eram amenas:
Toda casa conhece a melhor obra – não digo de ficção, mas de boa-vontade,
sonho e esperança – do estadista que preside hoje a República. Tenho aqui em
mãos o livro “Diretrizes” obra que o sr. Juscelino Kubitschek publicou em 1955
no auge da campanha que lhe deu tão brilhantes resultados (OESP, 20/03/1956)
Toda a crítica não será ao programa planificador, mas à falta de possibilidade de
sua concretude, pois prognosticavam uma crise internacional e, logo, queda nas
exportações e falta de boa-vontade na concessão de créditos internacionais. O outro
problema é que viam no programa um gatilho inflacionário – o que não estavam errados.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 117
Ou seja, endossam o plano, mas notam um “tom merencório” nas palavras de JK, pois
não poderia de todo cumprir suas promessas:
[Se conseguisse cumprir] eu imagino o que será a formidável transformação
brasileira e imenso progresso de que gozarão nossos filhos e netos. Se o sr.
Presidente da República nos vai dar tudo isso daqui a cinco anos, como recusar-
lhe flores e palmas? É bem melancólico, entretanto, o registro que acabo de
fazer na mensagem do sr. presidente da República. S. exa. Deserta e foge da
promessa ao povo brasileira ... num tom merencório, a mensagem adverte que
há impossibilidade de cumprir o pactuado. (ibid.)
Na verdade, nada há de escusas na Mensagem Presidencial de JK. Como se trata de
longo reporte de maior parte técnico, diversas conjunturas são levadas em conta com
prognósticos mais, ou menos, otimistas. Era a crítica que podia ser feita.
O Globo será ainda um pouco ríspido com JK enquanto vê suas empresas midiáticas
em risco – em março de 1956 iriam renovar suas concessões. Mas se em março são
opositores ferrenhos, em abril já começam a congratular JK por decisões administrativas
(OG 09/04/1956). Em junho já estão a dar destaques ao líder da maioria, inclusive com
críticas à UDN, ou a mostrar o concerto entre ambos os lados: “A Oposição Está
Cumprindo o Seu Dever” – disse o líder do governo no Senado, adicionando “Respeito
a Dignidade Exemplar com que os Oposicionistas Agem no Caso Presente” (ibid.).
Nada em suas reportagens era crítico ao Plano de Metas. Quando criticaram o
governo foi por corromper “as leis naturais” do mercado, quando este aumentou o
salário-mínimo em 14 de junho. Mas não falam sobre a corrosão das leis naturais do
mercado em relação ao Plano de Metas. Em “Análise Patriótica” (OG 15/11/1958) o
jornal dedicará todo editorial a louvar ao mesmo tempo oposição e governo. O contexto
eram os ótimos resultados do Plano de Metas, mas a crescente inflação. Nesse caso,
quando a inflação subia, JK aparecia com planos de estabilização que ele usava para
aplacar críticas, apesar de não se comprometer com eles.
O que o País deseja de seus representantes é o cuidadoso estudo de suas
necessidades, a colaboração das luzes e da experiência dos congressistas, acima
de paixões ou grupos partidários. ... Eis uma forma de oposição patriótica e
construtiva, merecedora de aplausos e do reconhecimento nacional. (OG
15/11/1958)
Louvam o plano, mas criticam o fato de trazer inflação:
O governo atual hasteou uma bandeira que aliás vem de longe, mas os
antecessores do presidente Kubitschek não a tentaram impor contra eventos
adversos ou perigosos. Trata-se de bandeira do desenvolvimento econômico.
Ninguém pode estar contra ela. O desenvolvimento é aspiração unânime. O país
que progredir elevar o nível de vida dos brasileiros, dar=lhes conforto e plena
participação numa vida melhor. Tudo está em encontrar os recursos com que
se efetuem as obras necessárias e complementares. (ibid.)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 118
Sem fugir de seu ethos e modo de se entender o modelo econômico que desejavam
ao país, elogiam o plano de contenção de JK (PEM – Plano de Estabilização Monetária):
“Ainda os ilustres autores do relatório não se esquivaram a afirmar uma coisa ... ‘o preço
do desenvolvimento não pode ser o de reduzir o povo ao desespero e levar o País à
desordem social” (ibid.) E mostram que enquanto Lacerda lia seu parecer sobre o governo
e o relatório, o deputado Horácio Lafer (agora deputado) “louvou calorosamente
[Lacerda] e as conclusões que estava escutando”. Aparentemente, tudo ia bem.
A UDN ainda buscará aparentar ser oposição e assim fará, em certos estados,
especialmente no RJ, de modo mais incisivo em relação à Brasília; mas em relação ao
Planos de Metas ela se portará como “observadora”, ou seja, não contrários, mas
fiscalizadores. A charge abaixo mostra a UDN, vestindo sua roupa de “Serviço de
Fiscalização da UDN” no Senado Federal apontando erros nos gastos do governo,
chamado de “Brasil SA”, devido à explosão no número de sociedades anônimas e seu
protagonismo no desenvolvimentismo de JK, como mostrarei adiante. Vemos um JK
ansioso pela aprovação. O que há de crítico será a representação racista a JK nos desenhos
de Hilde, em que o presidente é desenhado com características típicas sobre a comunidade
asiática nos desenhos racistas durante a 2ª Guerra Mundial e imediato pós-guerra.
Figura 34. Escrita
Fonte: OESP 12/07/1957: 4
Ainda assim, o jornal fará questão de deixar claro na mesma página que “As críticas
da oposição contribuem para a solução dos problemas nacionais” (ibid.),
reproduzindo discurso em Congresso do antes extremamente crítico deputado Levy.
Algo muito distante da oposição praticada contra Dutra ou Getúlio. A UDN se
vangloria de “cooperar”, de fazer “sugestões” e de “não apresentar nenhuma emenda ao
projeto do orçamento” para não agravar os problemas de inflação.
Em discurso que mereceu a maior atenção ... o sr. Hebert Levy demonstrou que
nenhuma cooperação maior e mais importante da oposição deve desejar o
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 119
governo do que a das advertências e sugestões, exatamente como vem
ocorrendo. E lembrou que a oposição assumindo uma atitude de compreensão
e de responsabilidade ímpares diante do problema mais grave com que se
defronta o País – a inflação – chegara a sugerir que nenhuma emenda fosse
apresentada ao projeto de orçamento a fim de não agravar as despesas públicas.
Qualquer problema à “pacificação nacional” será visto pelos setores conservadores
como “culpa do PTB” e, logo, de Goulart. A charge abaixo mostra o PTB atirando no
“pombo da paz”:
Figura 35. Tiro ao Pombo
Fonte: OESP 22/05/1957: 4
O que se pode concluir dessa concertação, para além dos motivos citados, é que na
implementação da internacionalização da economia brasileira, aliada ao desenvolvimento
industrial interno e o interesse empresarial, externa e política (por parte de governadores,
prefeitos e congressistas, ávidos por receber alguns dos projetos, efetuar emendas neles e
receber créditos do Banco do Brasil) fez com que o Plano de Metas fosse poupado de
críticas. No máximo, o que recebeu foram reservas da classe política oposicionista,
sempre aderindo ao mote da inflação, mas ainda assim de maneira comedida até o ano
final de seu mandato. Será somente na campanha presidencial à próxima presidência que
as críticas se acentuarão em relação à corrupção e à inflação, ambas conectadas nos
discursos políticos. Entretanto, virtualmente durante quase todos os cinco anos de
governo de Juscelino, nada surgiu com graves implicações políticas sobre corrupção.
5. Brasília, uma outra história: corrupção e críticas (abafadas): a CPI da Novacap
Com Brasília, a conciliação não foi tão forte. Seja porque ela envolvia bem menos
atores do poder econômico, seja porque suas justificativas, expectativas e realidade
traíam-se; ou, e creio esse ser o fator mais importante, seu impacto no orçamento público
e no custo de vida da população, impossibilitou o seu programa de austeridade, o PEM
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 120
(apoiado pelo setor financeiro, FMI, setores conservadores e parte da população que
sofria com a inflação). Além disso, sua real necessidade, importância e urgência
tornavam-na alvo fácil. Fato é que uma CPI foi instaurada, chamada CPI da Novacap
(Companhia Urbanizadora da Nova Capital: responsável pela construção de Brasília).
Assim, novamente chamo atenção ao fator da falta da busca por uma racionalidade
por trás dessa oposição seletiva que ocorria com Juscelino. Novamente, caímos, em
engano se pensarmos simplesmente em se tratar de pura oposição a JK por desafeto
político, ou antivarguismo etc. Se houvesse uma constância na forma de agir dessa
oposição, essa hipótese poderia até ser plausível. Mas o que proponho é que entendamos
novamente essa oposição, também utilizando o discurso anticorrupção, por uma
racionalidade político-econômica, nesse sentido em que na balança de poder Brasília não
apetecia aos interesses do desenvolvimento capitalista como o Plano de Metas fazia em
contraposição com seu peso na opinião pública e na qualidade de vida da população.
Quem serão os críticos? Os mesmos até então: Eugênio Gudin, Herbert Levy e
Carlos Lacerda, além dos periódicos que sempre concordavam com eles. Por isso, mesmo
em período de conciliação, no caso de Brasília, houve tração nas denúncias de corrupção.
Até hoje, jornais do Rio e São Paulo criticam Brasília, mas na época da
construção os ataques ao projeto de JK foram os maiores já recebidos por uma
obra pública em toda a história do Brasil. A medida, porém, que a cidade ia
tomando forma, sua beleza ganhava defensores, que viam nela o Brasil do
futuro. Foi uma dura batalha travada por Juscelino contra adversários como
Lacerda, Eugênio Gudin e muitos outros. (Lopes 1993b: 7)
Vejamos o imbróglio que foi Brasília.
▪ Brasília: a “meta-síntese”
Chamada de “meta-síntese” do Plano de Metas, Brasília seria a mostra de um país
moderno, numa conjunção entre projeto econômico com arquitetônico-urbanístico.
Seu programa de governo dava voz a uma “nova e entusiástica condição de ser
brasileiro (...) e serviria para abrir as portas da modernidade.” Construir uma
nova capital no interior do país era considerado um empreendimento custoso e
arriscado, já que havia pouca chance de ser completado em uma única
administração. JK, porém, tinha tido experiência análoga, ainda que menor em
escala, enquanto prefeito de Belo Horizonte com a construção da Pampulha e
encampou a ideia de Brasília. (Cury 2022: 296)
De acordo com Juscelino:
Brasília não é apenas uma cidade nova, surgida milagrosamente na solidão do
altiplano; não é apenas técnica e arte, pioneirismo e arranjo. É antes de tudo a
revolução, porventura a mais profunda do nosso tempo: a mudança na rota de
um país empenhado em transpor a barreira do subdesenvolvimento e ocupar,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 121
entre os povos do mundo, o lugar que lhe cabe pela sua extensão, pelas suas
riquezas, pelo valor de seus filhos. (Kubitschek apud Cury, 2022)
JK pensava que essa obra seria, mesmo dentre o Plano de Metas, a que “unificaria
o Brasil”, investindo todo seu capital político nela. JK já havia construído o conjunto
arquitetônico da Pampulha, sob a concepção do arquiteto Oscar Niemeyer. Desde então,
Juscelino continuou em contato com Oscar Niemeyer até que quando presidente chamou
o arquiteto para fazer Brasília. Como disse Niemeyer:
Terminada Pampulha, e este período que eu continuei em contato com o
Juscelino, caminhamos sempre juntos, ele sempre me convocando quando eu
precisava... ele foi me procurar em minha casa para fazer Brasília: "Ah, Oscar!
tô louco para começar Brasília.” Logo uma semana depois eu fui com ele, o
Lott e os ministros para visitar o local (no dia 2 de outubro de 1956). Confesso
que eu fiquei assim muito surpreso, que era longe demais né? ... Tanto que
levava três horas para chegar lá [de avião] e era um descampado, uma terra
hostil, vazia, não tinha nada. De modo que ele me disse: "Olha, conto com você.
Vamos tocar isso para frente de qualquer maneira” (Lopes 1993b: 4)
Niemeyer aceitou, desde que um concurso nacional com júri internacional fosse
instalado para definir o Plano Piloto, sob os preceitos estéticos modernistas e de
planejamento socialista
39
. O concurso nacional foi lançado em 30 de setembro de 1956,
sob a responsabilidade da Comissão de Planejamento e Mudança da Capital Federal.
▪ As Propostas ao Concurso Público Urbanístico de Brasília: fraude e
conluio na escolha do Plano Piloto
Entretanto, desde o começo, ficou claro que o processo era proforma, uma tentativa
de legitimação política do projeto e de seu processo de “lisura”. O edital estabeleceu as
regras para a seleção. Após a data de inscrição, os arquitetos, urbanistas ou engenheiros
nacionais teriam 120 dias para apresentar ao menos um “traçado básico da cidade” e “um
relatório justificativo”. O júri seria formado pois dois representantes da recém-criada
Novacap, dois urbanistas estrangeiros e um representante do Instituto dos Arquitetos do
Brasil (IAB). A premiação seria de 1 milhão de cruzeiros ao primeiro colocado; 500 mil
cruzeiros ao segundo; 400 mil ao terceiro; 300 mil ao quarto; e 200 mil ao 5º colocado.
Mas, para garantir que quem fosse “escolhido” seria quem deveria ser escolhido redigiu-
se o artigo 15 que dizia que: “deveria haver perfeito acordo entre a Novacap e o ganhador
do prêmio para que o seu projeto fosse implementado ... A Novacap resguardou-se de ser
_______________________________________
39
Niemeyer filiou-se ao PCB em 1945 e sua arquitetura buscava, de certo modo, seguir preceitos de
comunização do espaço e experiência. Cf. Philippou, Styliane. "El modernismo radical de Oscar
Niemeyer." Revista Científica de Arquitectura y Urbanismo, 34, no. 2, 2013, pp. 5-26.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 122
obrigada a desenvolver um projeto que não viesse de encontro com as premissas de sua
direção” (Lopes 1993b: 6, grifo meu).
Niemeyer já havia enviado carta aos membros da comissão esclarecendo alguns
pontos que deveriam ser observados, limitando em muito possíveis projetos. Entre eles
que algumas construções já estavam em andamento, como estrada entre o local do plano
piloto e a cidade de Anápolis e Vianópolis em Goiás, a construção de uma represa e das
instalações da Novacap, um hotel e um aeroporto. Além disso, pediu que a cidade fosse
pensada como um projeto de desenvolvimento limitado de desenvolvimento agrícola e
industrial, bem como para no máximo meio milhão de habitantes. Assim, Niemeyer já
deixava claro que já possuía uma ideia sobre a futura cidade.
Foram registradas 62 inscrições, com 26 projetos apresentados. Sete foram
propostas de equipes, 2 de empresas e o restante individuais, formulados por autônomos
ou por pessoas ligadas a construtoras. “De modo geral, segundo os dados disponíveis. os
planos apresentados tinham fundamento na escola modernista. O concurso demonstrava
a imensa influência desta corrente no Brasil” (ibid.), favorecendo a ideia de cidade-jardim
loteada por zoneamentos (setorialização) e unidades de vizinhança. A comissão julgadora
reuniu-se em 12 de março de 1957. Israel Pinheiro, presidente da Novacap, foi o
presidente. Ela foi composta por três estrangeiros
40
, ao invés de dois como previsto; e três
brasileiros
41
. Apesar de alguns desentendimentos internos sobre como avaliar os projetos,
Holford e Niemeyer tinham as palavras finais, deixando Paulo Antunes dessatisfeito.
Antunes foi à imprensa denunciar os problemas do concurso e foi apoiado pela AIB.
Disse que a apuração tomou apenas dois dias e que logo já tinham o vencedor. Nunes pedia
ao menos o rito normal de um concurso deste tipo, em que deveria haver uma pré-seleção
para se poder olhar os projetos que avançariam à próxima fase com mais cuidado. Foi voto
vencido. Declararam o projeto vencedor, o de Costa. O problema é que o próprio Lúcio
Costa admitiu que não enviou um projeto, pede “desculpas”. Foi uma “não-submissão”:
Desejo inicialmente desculpar-me perante a direção da Companhia
Urbanizadora e a Comissão Julgadora do Concurso pela apresentação sumária
... aqui sugerido para a nova Capital, e justificar-me. Não pretendia competir e,
na verdade, não concorro — apenas me desvencilho de uma solução possível,
que não foi procurada, mas surgiu, por assim dizer, já pronta. (Cury 2022: 297)
_______________________________________
40
William Holford (urbanista, professor da University College, Londres); André Sive; e Stamo Papadak.
41
Luís Hildebrando Horta Barbosa – Clube de Engenharia; Paulo Antunes Ribeiro – IAB; e Oscar
Niemeyer, diretor da Novacap.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 123
Figura 36. O "Avião" de Lúcio Costa, Projeto Vencedor – Imagem 1
Fonte: Lopes, 1993b.: 4
Figura 37. O "Avião" de Lúcio Costa, Projeto Vencedor – Imagem 2
Fonte: Lopes 1993a: 7
Costa disse que devia sua vitória à Holford, como acusou Antunes, que leu o texto
três vezes e disse: “I enjoyed it”, selando sua vitória. “Segundo Lúcio Costa, foi ele ‘que
comandou. praticamente. a solução. a votação, ele que escolheu.’” (Lopes op. cit.: 6). O
concurso não tinha metodologia e nem previa fases para adensamento investigativo pois
as cartas já estavam marcadas. Costa era amigo de Niemeyer, já haviam trabalhado juntos
e seu nome era o mais conhecido ao lado de Niemeyer internacionalmente.
Nenhum dos demais concorrentes gozava da mesma reputação e possuía o
mesmo círculo. Ary Garcia Roza. na época presidente do IAB. explicou que:
"O concurso não tinha metodologia ... Não havia uma documentação preliminar
de dados. não havia diretriz específica sobre a futura capital. ... Veja bem ...
existem duas fases do concurso quando se aprecia. Uma é aquele de impacto
inicial que você sente a síntese da concepção, conhece o programa ... e a outra
é a análise quando há dúvidas sobre um ou dois elementos, você entra em
detalhes sobre valores [etc.]. Realmente o trabalho do Lucio pela sua
simplicidade, pela sua, digamos assim, pureza de apresentação, o que
interessava era o produto, o resultado e não o material que ele apresentava nem
a própria metodologia. (Lopes 1993b: 6)
O jornal Tribuna da Imprensa mostrará as falas de Antunes (28/05/1958: 5),
inclusive expondo seu “relatório protesto” enviado à Israel Pinheiro, que obviamente o
ignorou. Ele conta que enquanto ainda estudava os projetos, chegou Niemeyer com carta
dos três estrangeiros não só declarando os vencedores, como elencando os cinco primeiros
lugares: “Contra três votos e mais um de Niemeyer não me poderia restar nenhuma
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 124
veleidade de opinar” (ibid.). Vê-se que a inclusão ad hoc de mais um nome estrangeiro
foi medida para garantir que Costa ganhasse.
▪ A Todo-Poderosa Novacap e a CPI
Com os trabalhos iniciados, Brasília chamou atenção pelas críticas que recebeu. A
primeira era em relação à fundação da Novacap e o poder dado a ela. Criada pela Lei 2.874
de 1956, que dispunha sobre a mudança da capital, a Novacap foi empresa de capital misto
(com ações negociadas na Bolsa para indivíduos qualificados), buscando forma flexível de
atuação do poder público, sem burocracias, ou controle. Nesse sentido, o Capítulo II da Lei
2.874 dotava-a de poderes extraordinários: como completo controle sobre o orçamento;
compras, locação ou permuta de terrenos; contrato de obras entre empresas públicas ou
privadas; com gigantesco capital de meio bilhão de cruzeiros; completa isenção fiscal,
inclusive para itens de importação; além terrenos a preço de custo, sem ter que pagar pela
desapropriação de eventuais terrenos adquiridos; além de mais 320 milhões de cruzeiros
para despesas de organização e instalação da sede da empresa e com “despesas extras” não
consideradas. O artigo 21 dava ainda maior poder à companhia:
Art. 21: Nos contratos de obras e serviços, ou na aquisição de materiais a
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, a companhia deverá:
a) determinar concorrência administrativa para os contratos de valor superior a
Cr$ 1.000.000,00 (um milhão de cruzeiros), até Cr$ 10.000.000,00 (dez
milhões de cruzeiros), sendo facultado, todavia, ao conselho de administração,
por proposta da diretoria, dispensar a exigência, em decisão fundamentada que
constará da ata;
b) determinar concorrência pública para os contratos de mais de Cr$
10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), ficando permitido ao conselho de
administração a dispensa da formalidade, com as cautelas da alínea anterior,
dando-se dessa decisão ciência, dentro em 5 (cinco) dias, ao Presidente da
República, que poderá mandar realizar a concorrência.
Ou seja, podiam fazer tudo, inclusive dispensar concorrência pública de valores até
10 milhões de cruzeiros; ou acima disso, falar com o Presidente, que com certeza deixaria
os regalos passarem sem maiores problemas, como fez. Imaginar que uma empresa com
tanto poder, sem regulação e sem prestar contas a ninguém, não se envolvesse em grandes
casos de corrupção seria, no mínimo, ingenuidade.
Para se poupar de críticas JK atua em duas frentes: 1) Proteção política: Aloca no
conselho de administração da empresa integrantes da UDN; 2) Proteção político-
econômica: diz que a capital seria “autofinanciável”. Nesse quesito, o ponto 2 foi o mais
importante, pois dele é que vieram as principais críticas iniciais, afinal de contas, em 1958
o país já passava por crise inflacionária e Brasília era vista como uma das principais
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 125
razões, como mostra a charge abaixo sobre os perigos à estabilização monetária (notar a
ausência do Plano de Metas e o formato dos pássaros como do plano piloto).
Figura 38. Furando o Plano de Estabilização da Moeda
Fonte: OESP 28/10/1958: 3
Os principais detratores de Brasília serão economistas neoliberais como Gudin e
Campos, para além de políticos como Levy e Lacerda. Estes viam Brasília como o
principal fator inflacionário do país, além de uma obra desnecessária. Organismos
internacionais, como o FMI, e credores do Brasil também eram críticos à mudança da
capital, preocupavam-se com a capacidade do país em pagar suas dívidas externas se
continuasse com a expansão do crédito e desvalorização do cruzeiro.
Para aplacar as críticas, JK empossa Lucas Lopes no Ministério da Fazenda. Tanto
Lopes, quanto Campos (agora no BNDE) se preocupavam com o financiamento do
Programa de Metas. No final de 1958, JK fez sua Mensagem Presidencial, elencando
“medidas enérgicas para contenção do impulso inflacionário” (MCN, 1958: 13). Nessa
mensagem, para sanar a situação, ou amenizá-la, é lançado o PEM (ibid.: 117). Mas o
programa já nasce dúbio: ao mesmo tempo que diz que vai conseguir um empréstimo com
o FMI e que as reservas estão caindo, diz que o PEM está subordinado ao Plano de Metas
e à Brasília. Para ajudar sua imagem com o Fundo, JK promete aumentar a participação
brasileira nos créditos do FMI (NYT 14/08/1959: 2), o que obviamente não conseguiria.
No momento em que havia tantos interesses e facilidades aos investimentos
estrangeiros e nacionais, muitos subsidiados pelo governo, era pouco provável que o PEM
não fosse taxado de entreguista. Queriam a continuação do Plano de Metas a todo custo:
Medidas Anti-EUA solicitadas no Rio como 'tratamento de choque' para
obter ajuda: O presidente Juscelino Kubitschek está sob forte pressão para
empregar um "tratamento de choque" para induzir os Estados Unidos a
conceder ajuda substancial ao Brasil. ... Essas propostas incluem a proibição de
remessas em dólares de lucros e dividendos por corporações dos Estados
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 126
Unidos; uma recusa em usar saldos de créditos anteriores dos Estados Unidos
para importações de bens industriais com base na teoria de que essa recusa
prejudicaria os exportadores dos Estados Unidos. (NYT 24/06/1959: 12)
ou
O GRITO NACIONALISTA SOA NO BRASIL: Campanha de grupos
pequenos, mas influentes [falavam principalmente do PTB], contra o governo
e as empresas dos EUA estão pregando o evangelho do nacionalismo extremo
com vigor renovado nos dias de hoje. (05/06/1958: 9)
Ficava difícil conseguir os empréstimos necessários; bem como conter a expansão
monetária. Para piorar, o BB se tornou intocável a milhares de prefeitos e aos
governadores dos estados que lucravam com seus empréstimos:
A dificuldade de subordinação do Banco do Brasil às políticas de estabilização
pretendidas pelo Ministério da Fazenda, que já tinha o precedente de 1951-
1953 ... agora se repetia em escala ampliada. O Banco do Brasil passou a ter
vários aliados: prefeitos e governadores animados com os rendimentos
políticos de uma época de prosperidade, a indústria tradicional que defendia a
preservação de sua fonte praticamente única de capital de giro e os cafeicultores
preocupados com a política de compras de café pelo governo num momento de
preço internacional cadente. Como resultado desse enfrentamento, em nenhum
momento o Banco do Brasil se submeteu às diretrizes e metas quantitativas do
Programa (Lopes, 1988 apud: Orenstein e Sochaczewski op. cit.: 176).
Os cafeicultores que desejavam a compra dos excedentes e o fim do ágio estavam
descontentes e cada vez mais abertamente antidemocráticos, fazendo ameaças ao governo
de que se este parasse com a compra e suporte do preço do café “o regime iria cair” (NYT
31/08/1958: 39). Para finalizar, a promessa de política salarial restritiva fez com que ela
fosse traduzida como “arrocho salarial”, levando sindicatos a pedirem pelo fim do PEM.
Era impossível apertar o cinto nesse momento. Lucas Lopes pouco durou no
ministério. O governo brasileiro “rompe” com o FMI ao desistir das conversas por
empréstimos e abandona o PEM. JK decide aproveitar a onda desenvolvimentista e deixar
o problema da inflação aos próximos governos, para quem sabe, voltar ao cargo sem ter
de arcar com o peso contracionista da estabilização, arcada por outros.
Por isso, JK e Israel Pinheiro buscavam sempre afirmar que Brasília não daria
custos, nem pressionaria a inflação pois ela seria “autofinanciável”. Pinheiro teria que
convencer os parlamentares disso em CPI em 1959. Lacerda em CPI dirá: “[ele] é contra
a CPI de Brasília pois está convencido de que a iniciativa visa apenas retardar as obras da
futura capital, além do objetivo de desmoralizar o empreendimento governamental”
(OESP 11/06/1959: 5). Lopes disse que a cidade seria autofinanciável pois “os recursos
sairiam em sua grande parte dos loteamentos, que alcançarão mais de 30 bilhões de
cruzeiros”, dos quais até junho de 1959 mais de 2 bilhões de cruzeiros já haviam sido
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 127
vendidos e que as obras estariam prontas até 1960. O problema é que para arcar com esses
loteamentos, vendidos e não vendidos, a Novacap teve que contrair empréstimo de mais
de 14 bilhões via o Banco do Brasil. Dos lotes vendidos (à vista) tinha entrado apenas
600 milhões: vendidos ao próprio governo (institutos e à Caixa Econômica Federal).
Ficava difícil contra-argumentar com as acusações de Gudin e outros, como o
deputado Ruy Ramos (notar seu partido ser o PTB-RS) de que Brasília estava
contribuindo com a inflação. Israel declarará que isso era errôneo. Mas teve de admitir
que até o momento o gasto com obras era de quase de 5,5 bilhões, sem contar com as
estradas de ferro e rodovias que chegavam a ela. Também foi lembrado que o orçamento
inicial era de 8 bilhões em 1957; elevado a 9 bilhões em 1958; para chegar a 10 bilhões
em 1959, sem contar os gastos com previdência que foi aumentado de 700 milhões para
1 bilhão no terceiro ano de construção –próximo a 2% de toda a renda bruta nacional.
O clima da CPI era de cordialidade até que Lacerda muda o tom das perguntas,
pressionando-o a responder sobre o orçamento e os gastos da empresa, às denúncias de
falta de pagamento e corrupção e aos inquéritos já levantados por Herbert Levy. Pinheiro
compromete-se a conversar com JK e trazer ao dia seguinte as informações pedidas.
Lacerda termina com o pedido de investigação das contas:
- É a favor da comissão de inquérito?
- Sou contra toda e qualquer medida que prejudique ou venha a retardas as
obras de construção da nova Capital.
Lacerda insistiu energicamente … dizendo que, embora amigo cordial do
presidente da Novacap, não poderia aceitar suas contas sem um exame
meticuloso.
- Tenho um requerimento assinado por setenta deputados de todos os Partidos
que desejam apurar objetivamente como e o que está sendo feito em Brasília
- Mas isso é uma devassa! Uma completa devassa! – protestou Pinheiro.
- Que assim seja. (ibid., grifo meu)
E assim foi. Em 1960 foi instalada a CPI da Novacap. Sua instalação não foi tão
fácil como Lacerda fazia crer. Ele já estava tentando conseguir apoio a uma CPI para ao
menos retardar a inauguração de Brasília visando ganhos políticos (sua fala oficial era
“explicitar a condição financeira e os negócios da Novacap” [Correio da Manhã
14/05/1959]). O requerimento que ele fazia da CPI dizia que ela deveria
examinar as condições materiais que possibilitem a mudança da capital para
Brasília, observar como se efetua a construção da nova capital, examinando-se
os contratos de obras e de serviços, o seu custo comparado com as construções
particulares, o custo do palácio presidencial, Ministérios, Congresso Nacional
e Poder Judiciário, e os recursos financeiros utilizados para a construção da
nova capital (Jornal do Comércio, 14.05.1959)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 128
Ela foi arquivada por breve tempo. Muitos políticos da própria UDN, que ocupavam
um terço da diretoria da Novacap (inclusive a Tesouraria), eram contrários a CPI. Foi
necessária a denúncia de que a Novacap interferiu nas eleições de Goiás a favor do PSD
para que a UDN conseguisse maior coesão sobre o assunto. Mas será graças ao
depoimento do deputado Elias Adaime (PTB até 1959 e depois PSD) em novembro de
1959 acusando os empreendimentos das construções de Brasília e os diretores da
Novacap, entre eles Israel Pinheiro, de corrupção que forçou o PTB a endossar a
investigação (Jornal do Brasil 04/11/1959). A acusação de Adaime não foi leviana e
pontual, como as de Lacerda. Adaime trouxe 17 acusações de irregularidades da Novacap.
As denúncias eram gravíssimas, com fotos e documentos apresentados e que
levarão à renúncia de algumas das pessoas nominadas. Envolviam superfaturação de
terrenos, “caixinhas” para quem quisesse comprar ou construir nesses terrenos;
construções de mansões para os diretores da Novacap sob o signo de “granjas”; metros
quadrados 5 vezes mais caros em obras da Novacap que por outros ministérios que
também construíam lá. Obviamente uma empresa com tanto poder e discricionariedade
na construção de algo que seria a joia da coroa de JK que muitos abusos foram feitos.
Esses foram apenas alguns de um deputado governista que participava da Novacap, por
isso, ficava difícil acusar ser a manobra oposicionista. Seguem as denúncias:
1 – O filho de Israel Pinheiro comprou dois geradores de energia pelo dobro do
preço;
2 – A granja modelo n.1 é a residência de Israel Pinheiro e sozinha custou 30
milhões de cruzeiros, contando com 35 empregados;
3 – A granja modelo abastece apenas a família de Israel Pinheiro;
4 – A granja n.2 que não é granja custou 50 milhões, com móveis comprados
pela “amiga do diretor”. É a residência desse diretor;
5 – A granja n.3 é a residência do sr. Iris Meinberg, custou 20 milhões de
cruzeiros, mas é apenas um galinheiro ampliado. No dia 08 de agosto de 1958
ele encaminhou pedido de 10 milhões para construção de aviário, “mas na
verdade esse dinheiro era para construir a residência do diretor, ele mesmo, e
não um aviário”;
6 – O diretor do Departamento Imobiliário da Novacap foi demitido por
desfalque. Ele é quem facilita terrenos mediante propinas;
7 – Não há terrenos à venda na zona chamada de Monções, senão através de
Israel Pinheiro;
8 – A secretaria do diretor Ernesto Silva participa dos negócios recebendo
propinas;
9 – O sr. Mario Meireles prefeito de Brasília tem uma “caixinha” para quem
quiser construir na “Cidade Livre”. Exibiu o deputado a fotografia de uma casa
demolida por não ter o proprietário comparecido à caixinha;
10 – O sr. Meireles vendo o exemplo dos diretores também constrói sua granja,
isto é: sua residência, com duas piscinas;
11 – Há numerosas irregularidades relacionadas com desvio de material
(somente de areia em 25 milhões de cruzeiros); de tratores, de madeira de lei,
aparas de ferro etc.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 129
12 – Foi importado um jardineiro do Japão com ordenado de 150 mil cruzeiros.
Somente os jardins de Brasília custarão mais de um bilhão de cruzeiros;
13 – O que foi gasto em Brasília daria para construir três cidades. Há
acampamentos provisórios de Institutos custando 70 milhões de cruzeiros;
14 – O IAPI já contratou obras de mais de um bilhão, embora não possa pagar
os benefícios aos seus contribuintes;
15 – O metro quadrado está custando 25 mil cruzeiros à Novacap, mas o
Ministério da Guerra constrói o quartel do Batalhão de Guardas por 6 mil
cruzeiros. “Os ministérios, com 100 mil metros quadrados ficarão em uma
diferença fabulosa”. (OESP 04/11/1959: 32)
Assim, os fatores acima citados fazem mais sentido que a razão dada por Juscelino
em “Porque construí Brasília” (2000) na qual diz que o PTB apoiou a CPI pois estava
ressentido pois JK havia indicado San Tiago Dantas à pasta da Agricultura – alguém visto
como não-alinhado à ideologia do partido, apesar de ser também do PTB:
tornara-se patente a razão principal e oculta da rebeldia do PTB – o convite que
eu havia feito a San Tiago Dantas, integrante daquele partido, para ocupar a
Pasta da Agricultura ... apesar de ser a mais expressiva figura do PTB, por sua
inteligência invulgar, por sua cultura jurídica e pela elevação da sua conduta no
cenário político, não afinava ideologicamente com aqueles seus
correligionários (Kubitschek 2000: 254)
Cremos ser essa explicação de JK uma forma de diminuir os atos de corrupção
praticados em seu governo e o impacto das críticas a ele como simples descontentamento
com “barganhas políticas”. JK relata que telefonou imediatamente a Goulart ameaçando
romper com o PTB caso esse não recuasse do apoio, ao que Goulart disse ser tarde demais.
A CPI foi à frente, mas a totalidade do PTB não assinou o requerimento. Ainda assim, o
partido, como entidade, foi oficialmente a favor da CPI.
Por um voto a CPI não foi automaticamente implementada. Foram 109 assinaturas.
Faltou a de Jânio que viajava pela Europa. Com sua volta, a UDN esperava adesão, afinal
Quadros era um dos opositores da mudança da capital. Jânio não assina. Os motivos são
especulativos: pode ser simplesmente por se tratar de Jânio Quadros e seu modo errático
de se fazer política. Outro motivo, seria o temor de Quadros de que a UDN crescesse
politicamente com a CPI, invalidando sua candidatura ao tomarem a liderança na bandeira
da anticorrupção. Novamente, pura especulação. Fato é que depois a CPI foi instaurada,
mas somente depois da inauguração de Brasília, como queriam a maioria.
De concreto, a CPI não conseguiu nada e foi finalizada em 1962. Ela foi prova de
que sua instauração foi um cálculo político: era melhor aderir a ela em 1959, época
eleitoral, mas deixar as investigações serem esquecidas depois das eleições. Afinal, assim
como a CPI do BB e da CEXIM, muitos nomes estavam imbricados nessa CPI e, em
épocas eleitorais em que acusações podem ser um trunfo, a CPI poderia sair de controle.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 130
O principal ganhador com a instalação da CPI foi obviamente Jânio Quadros que
mais uma vez levou sua bandeira política à frente aproveitando-se do clima de “corrupção
generalizada”. Dessa vez, Jânio alcançou o cargo máximo, a Presidência da República
(sua eleição será analisada mais à frente).
O Plano de Metas, aliado à Brasília, trouxe mais forças ainda ao setor de Transportes,
Construção Civil e de Rodovias, auxiliando esses setores a se instalarem definitivamente
no Brasil como força enraizada em toda tessitura da estrutura política brasileira. Apesar de
não haver denúncias nessa época, podemos ter uma visão mais clara de como a corrupção
ocorria entre este setor, o governo e a mídia, mediante uma “confissão sem-culpa” por parte
de Samuel Wainer, dono do Última Hora – o próximo capítulo analisará esses setores e a
corrupção privada com a ajuda do setor público a fundo.
Em suas memórias Wainer contou como ocorria a corrupção das empreiteiras no
governo de João Goulart (mas fala que era prática desde JK) e de como ele, parte da
mídia, era encarregado de intermediar a troca de subornos que as empreiteiras pagavam
a políticos, mídia e partidos ao ganharem as “concorrências públicas”. Coloco
concorrências em aspas, pois o próprio Wainer admitiu que as empreiteiras dividiam os
projetos governamentais entre elas, combinando quem ganharia de quem em quais
concursos, apresentando o projeto mais viável, enquanto as outras apresentariam projetos
feitos para perder.
Entre 6 de janeiro de 1962, quando Jango assumiu afetivamente o poder, e 31
de março de 1964, o Última Hora não só esbanjou força política como, também,
desfrutou de ótima situação econômica. É que nesse período, mais do que
nunca, tive pleno acesso aos empreiteiros do país inteiro e às verbas imensas
que eles controlavam. Como já disse nestas memórias, não é possível escrever
a história da imprensa brasileira sem dedicar um vasto capítulo aos
empreiteiros. No governo Goulart, aproximei-me desses homens mais que em
qualquer outra época. Isso me permitiu conhecê-los melhor e, também,
assegurar à minha empresa dois anos de prosperidade.
Alguns meses depois de assumir o cargo, Jango convocou-me para dizer que
não tinha confiança no homem que encarregara de fazer a ligação entre o PTB,
principal partido governista, o Ministério da Viação, responsável pelas obras
públicas, e os empreiteiros que financiavam o partido. Chamava-se Caio Dias
Batista o encarregado de fazer o esquema funcionar. O esquema só devia
envolver gente absolutamente confiável, porque nenhuma quantia era
contabilizada, nada era oficial. Como Jango deixara de confiar em Caio Dias
Batista, resolvera substituí-lo (Wainer 2005: 237-240).
Após essa admissão ele relata o negócio em si:
Jango me convidou para a missão. Aceitei. O esquema era simples. Quando se
anunciava alguma obra pública, o que valia não era a concorrência. Todas as
concorrências vinham com cartas marcadas, funcionavam como mera fachada.
Valiam, isto sim, os entendimentos prévios entre o governo e os empreiteiros,
dos quais saía o nome da empresa que deveria ser contemplada na concorrência.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 131
Feito o acerto, os próprios empreiteiros forjavam a proposta que deveria ser
apresentada pelo escolhido. Era sempre uma boa proposta. Os demais
apresentavam propostas cujas cifras estavam muito acima do desejável, e tudo
chegava a bom termo. Naturalmente, as empresas beneficiadas retribuíam a boa
vontade do governo com generosas doações, sempre clandestinas.
... Minha tarefa consistia em, tão logo se encerrasse a concorrência, recolher
junto ao empreiteiro premiado a contribuição de praxe. Não se aceitavam
cheques, o pagamento vinha em dinheiro vivo. Uma vez por mês, ou a cada
dois meses, eu recolhia as doações dos empreiteiros em visitas ao advogado
que os representava E eram malas no sentido estrito, algumas do tamanho de
um baú. Intocadas, aquelas fortunas seguiam para o sítio de João Goulart.
Cinicamente, busca aliviar sua consciência ao afirmar que se ele ajudou com a
corrupção, ele nunca pegou para si, mas investiu no jornal, como se isso não fosse
usurpação de dinheiro público para benefício privado:
Em determinados negócios, é verdade, recebi quantias consideráveis, que
correspondiam à minha participação nas etapas anteriores ao acerto final. Mas
sempre apliquei essas verbas na Última Hora, jamais as utilizei em proveito
próprio. Eu poderia ter ficado multimilionário, repito. Não fiquei.
Depois diz que os empreiteiros chegaram até a financiar os Comícios das Reformas
de Base de Goulart, mostrando o pragmatismo de um setor que depois apoiará a ditadura.
Nesse período, os empreiteiros procuraram, com sucesso, consolidar e ampliar
seus vínculos com o governo. Passaram, por exemplo, a patrocinar comícios –
o famoso Comício das Reformas realizado em 13 de março de 64, por exemplo,
teve suas despesas pagas por um grupo de empreiteiros. Os gastos com o evento
atingiram proporções extraordinárias. Às vésperas da votação de alguma lei
cuja rejeição ou aprovação interessava aos empreiteiros, pequenas fortunas
influenciavam o comportamento de deputados e senadores ligados ao governo.
Declara, então, que sendo o ministro da Viação “homem honesto”, ele teve acesso a
essa fortuna, pois podia utilizar o jornal tanto como forma de lavagem de dinheiro (recebia
as propinas e contabilizava-as como publicidade) ao mesmo tempo que utilizava seu jornal
como instrumento de poder ao forçar a demissão ou promoção de certos burocratas.
Como o ministro da Viação, Hélio de Almeida, homem irretocavelmente
honesto, jamais admitiu participar de falcatruas, o mapa da mina deslocou-se
para os escalões intermediários, e então cresceram a importância e o peso de
instrumentos como a Última Hora, um jornal cujo franco acesso ao poder
poderia favorecer a promoção, ou precipitar a demissão, de certos burocratas.
Era compreensível que os empreiteiros me tratassem com muita consideração
(Wainer 2005: 237-240)
Pode-se ver, portanto, o quanto este setor enraizou-se no sistema político brasileiro,
sendo quase impossível que qualquer CPI fosse realmente os atingir.
▪ A repercussão
A repercussão não foi nem um pouco tão negativa quanto muitos querem. Lopes,
por exemplo, fala que “possivelmente, a construção de Brasília foi a obra pública mais
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 132
criticada em toda a história do Brasil” (Lopes 1993a: 7) e que “este empreendimento
governamental recebeu muito mais ataques do que elogios”.
Não é verdade. Brasília possuiu recepção midiática muito mais favorável que
crítica. Jornais e revistas semanais, com público cada vez maior, eram na maior parte
elogiosos à Brasília e à JK, vistos como “os anos dourados” (Aragão 2006). Magalhães
(2010), ao analisar jornais como o Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo
e Jornal do Commercio, mostrará que a maior parte das reportagens, quando críticas à
Brasília, serão no final da construção e em relação ao que fazer com o trabalhador lá
instalado, ainda assim eram reportagens enquadradas de forma positiva.
Figura 39. Notícias sobre a mudança da Capital, janeiro de 1958-abril de 1961
Fonte: Magalhães, 2010: 183
Diz Magalhães:
No ano de 1959, Brasília entra definitivamente na pauta da imprensa e do
Parlamento e, do início da sessão legislativa de 1960 até a inauguração, domina
a agenda parlamentar. ... Das 618 notícias, 152 (25%) expressavam posições de
parlamentares – senadores e deputados – sobre a construção. Ou seja, o
Parlamento constituía importante fonte de articulação e repercussão deste
debate político ... [além disso,] A maneira como a cidade foi construída
contribuiu para que JK sempre tivesse, a partir de 1958, obras novas de impacto
a inaugurar. [Mas] A explosão de notícias positivas sobre Brasília antecede três
meses da inauguração, mas encontra o clímax nas festas do 21 de abril de 1960.
Comemoração de estilo, em espaço aberto, sem sacrificar, naturalmente, os
festejos mais exclusivos da nova corte. As instalações dos três poderes figuram
como cerimônias históricas com todos os predicados de fatos fundadores da
história política da nação. (Magalhães, op. cit. 184-185)
A tabela abaixo mostra que o discurso “detrator” sobre Brasília (de 1958 a 1961)
foi de mediano a fraco entre 1958 e 1959, somente intensificando-se em 1961 e não tocava
sobre corrupção, mas sobre as condições de habitabilidade, mostrando a força do poder
de coesão da expansão capitalista da política de desenvolvimentismo associado, aliado à
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 133
habilidade política de Juscelino que soube envolver os interesses da classe política e
econômica ao seu projeto.
Figura 40. Evolução do Discurso Detrator sobre Brasília, jan. de 1958 – abril de 1961
Discurso detrator
jan. jun. 58
jul. dez. 58
jan. jun. 59
jul. dez. 59
jan. abr. 61
Total
1. Desvios
5
5
8
12
14
44
2. Política Econômica
1
8
10
6
11
36
3. RJ/BSB
2
2
1
1
13
19
4. Condições de Habitabilidade
3
7
8
9
92
119
Fonte: Magalhães op. cit. 186
▪ O Desenvolvimentismo de Brasília e o Trabalhador
É importante não perder de vista como a ideia de desenvolvimento e segregação se
alinham com a corrupção e alguns de seus efeitos. Por isso a necessidade desse subtópico
e dos depoimentos e fotos seguintes sobre a construção de Brasília e as práticas perigosas
e desumanas aliada à falta de planejamento e cuidado com o trabalhador.
O problema social das condições de trabalho dos nordestinos desenraizados de sua
terra em busca de trabalho era grave. Estes “se dirigem à Brasília inteiramente
desajudados por parte dos poderes públicos, chegam às proximidades do ‘El Dorado’ do
sr. Israel Pinheiro em lastimável estado, famintos, desnudos, doentes da fadiga provocada
pelas longas caminhadas inconfortáveis” (Correio da Manhã 17/08/1957: 2)
O período inicial da construção foi marcado por situações de intensa
dificuldade para o trabalho braçal dos candangos. A remoção da terra e da
vegetação produzindo um pó avermelhado quase sufocante, juntamente ao
calor e à baixa umidade do ar da região, além do grande número de acidentes
ocasionados pelo trabalho extenuante e pelas pouquíssimas horas de descanso
do operário, em conjunto, contribuíram para o desgaste e o desconforto dos
trabalhadores diretos da construção civil (Candango), caracterizada como
quase desumana, até mesmo pelos apologistas de Brasília. (Oliveira 2008: 61)
É interessante que o único “projeto” que não pensou na urbanização das cidades
satélites foi o projeto vencedor de Lúcio Costa. Nesse sentido, a construção de Brasília,
quando iniciada, já tinha a desorganização espacial, logística e humana das cidades
arredores, elemento que foi aprofundado ao longo dos anos à medida que os
trabalhadores, exaustos das longas caminhadas e difícil acesso à Brasília começavam a
buscar morar em locais mais próximos e, logo, sendo despejados para núcleos situados
fora da “faixa sanitária do Lago Paranoá”, em ciclo vicioso.
E as duas cidades cresceram juntas – o Plano Piloto: a cidade arquitetônica,
linda, bonita, limpa, branca de linhas elegantes; Taguatinga: feia, suja,
poeirenta, de barracos, mas lá em Taguatinga estavam realmente aqueles que
estavam construindo Brasília” (Cid Ferreira Lopes Filho, 1997)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 134
“Só era trabalhar, buscar água, fazer comida”
(Ana Maria de Jesus, 2002)
“Eles [as autoridades] nos jogaram no meio do
cerrado, não tinha água, não tinha luz, não tinha
condução, não tinha nada” (Hélio Dom Bosco
Bonifácio, 2004).
“Tive que fazer meu barraco três vezes. Uma vez
na invasão. Uma outra vez, que ele foi afastado
para o local certo, para manter as ruas ... E aqui
para esse local onde estou [em Taguatinga], que
precisou da área lá” (Vicente Paula Souza,
1995).
“Você já chegava sujo em qualquer lugar que
você fosse, os ônibus velhos, os piores que
tinham, eram jogados para cá [Ceilândia],
ônibus velho furado e que entrava tufo de poeira
dentro, em todo mundo” (Ilton Ferreira Mendes,
2002)
“Tinha união, você via alguém fazendo seu
barraco, era (pá, pá, pá), aquele martelo
batendo dia e noite, noite e dia, aquele que
terminava primeiro chegava [para ajudar]”
(Adair José de Lima, 2005).
“Quando nós mudamos pra Ceilândia, aqui
jogaram o [que havia no] caminhão, o meu
mesmo, meu bagulho mesmo jogaram lá no chão,
e [era] uma noite de chuva de maio, o dia e a
noite de chuva de fazer medo" (Severino Bezerra
da Silva, 2002).
– Relatos colhidos do Museu do Cerrado
Muitas mortes ocorreram ao longo da construção de Brasília, seja pela violência
direta do governo, seja por inundações em reservas, ou violência dentro das cidades
satélites ou das condições de trabalho. Em verdade, em um capítulo apagado da história
por conveniência política, pouco antes da inauguração de Brasília, a polícia especial da
capital, chamada de Guarda Especial de Brasília, realizou verdadeira chacina ao entrar
em alojamento dos trabalhadores da construtora Pacheco Fernandes à noite e atirar nos
centenas de trabalhadores enquanto dormiam, matando 48 trabalhadores após alguns
reclamaram de as refeições estarem podres e das condições de trabalho. (Sousa 1983 e
Carvalho 1990) O silêncio da mídia foi total, apenas dois pequenos jornais notaram o
assunto: O Binômio (de Belo Horizonte) e O Popular (de Goiânia).
Os galpões possuíam dez a quinze quartos com beliches de dois a três andares.
Os sanitários eram um buraco cavado no chão e protegidos com uma porta de
lona. O acampamento tinha problema de falta de água. As camas, colchões de
capim e predominava enorme falta de higiene: pulgas, percevejos e piolhos se
espalhavam pelo ambiente, sendo necessário diversas vezes queimar os
colchões. As cantinas tinham longas filas devido ao grande número de
operários dos alojamentos, o que deixava trabalhadores famintos esperar muito
tempo para o café, almoço ou jantar. Esta situação de desconforto e privação
resultava inúmeras vezes em quebras das cantinas por motivo da comida crua,
estragada ou com pequenos animais mortos dentro dela (Vilela e Sousa 2019)
Se para Lucio Costa, o cerrado seria pano de fundo à Brasília, contrastando entre
civilização e natureza, vista de forma idílica; aos moradores das cidades-satélites, o
cerrado e as cidades satélites eram ambientes hostis ao qual tinham de sobreviver.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 135
Figura 41. Vila IAPI
Fonte: Aldo Paviani, Vila IAPI, 1969.
Figura 42. Habitação em terreno cedido
Fonte: ibid.
Figura 43. Residências improvisadas
Fonte: Museu do Cerrado
Figura 44. Igreja improvisada nas cidades satélites
Fonte: ibid.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 136
Capítulo V: Corrupção Privada, maior poder ao mercado e a volta da
“austeridade” e de críticas à inflação e corrupção pública
Neste capítulo mostro a corrupção no setor privado, do “mercado livre e
moralizante”. Esse mercado será palco de fortíssimas especulações cambiais que
deteriorarão a confiança no mercado brasileiro solapando não só o crescimento industrial
como da BVRJ e, assim, atrasando o financiamento privado e o crescimento do setor
financeiro. Esse momento será crucial ao desenvolvimento do principal instrumento atual
no combate à inflação, a taxa básica de juros, vista como elemento moralizante das
pressões inflacionárias, retirando das mãos do governo mais uma forma de política
pública, sendo esta gradualmente dirigida pelo mercado (trajetória que terá sua
completude com a independência do Banco Central em 2020, mas com suas origens e
formulações táticas já durante o governo JK). Por fim, como o mercado, a mídia, governo
e as “forças produtoras” irão entender que sem “leis e medidas moralizantes” o mercado
brasileiro não conseguiria fundos para crescer a não ser pela tradicional emissão de papel-
moeda e crédito governamental, que cria pressões inflacionárias e, dizem, corrupção. Para
isso criarão a lei antitruste (para prevenir os abusos econômicos) e o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, que servirão de fachada a essa moralização do
parque industrial e do mercado, quando em verdade nada faziam, a não ser legitimar
práticas monopolísticas e corruptoras. Nesse sentido, governo e capital privado cooperam
para atingir esses objetivos, pouco ligando ao discurso oficial anticorrupção.
1. Indícios de corrupção no setor privado e no “mercado livre moralizador”
No setor privado, do “mercado livre” e moral, como argumentam seus defensores,
temos graves indícios de corrupção na Bolsa de Valores. A BVRJ, como mostra a tabela,
havia virado em uma das principais fonte de investimento no país, com altíssimo
incremento de volumes negociados não mais em títulos da dívida pública, mas em ações.
A Tabela 12 e 13 mostram que a cada modificação pró-mercado a BVRJ terá um
salto de investimentos, como em 1953 com a lei do mercado livre em que os
investimentos são triplicados em apenas um ano. Finalmente a BVRJ se consolidará nos
anos JK ao abarcar 70% do volume total de investimentos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 137
Tabela 12. Volume negociado na BVRJ (bianual 1947-1953) em Cr$1.000,00
Título
Ano
1947
1949
1951
1953
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Título Da Dívida Pública Interna
464.496
62.6
383.311
64.1
503.964
49.8
585.057
32.1
Ações
260.854
35.1
195.697
32.7
484.463
47.9
1.220.010
67.2
Debentures
16.683
2.2
18.29
3.1
21.206
2.1
11.989
0.7
Títulos Da Dívida Pública Externa
304
0.1
420
0.1
2.232
0.2
309
0.1
Fonte: Levy op. cit.: 557-558
Tabela 13. Volume negociado na BVRJ (1955, 1957, 1958, 1959) em Cr$1.000,00
Título
Ano
1955
1957
1958
1959
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Título Da Dívida Pública Interna
544.241
37.8
792.917
45.4
1.563.750
46.2
810.997
27.4
Ações
835.270
58
941.015
53.8
1.800.976
53.3
2.092.900
70.8
Debentures
60.662
4.2
14.849
0.8
17.386
0.5
50.686
1.8
Títulos Da Dívida Pública Externa
10
0.1
67
0.1
0
0
0
0
Fonte: ibid.: 558
Entretanto, ninguém se preocupou em falar de quais empresas se beneficiaram, por
exemplo em 1953, com esse aumento de 3 vezes o volume negociado em ações. Quais os
fundamentos dessas empresas que levaram a um crescimento, antes mesmo do plano de
metas ou da candidatura de JK com seu plano de desenvolvimento, tão vertiginoso? Ou
melhor, o que mudou em relação aos fundamentos dessas empresas que levou a uma fuga
de capitais tão grandes de 1.2 bilhão de cruzeiros para 835 milhões cruzeiros em 1954?
Obviamente, não se tratava de investimento, mas de pura especulação financeira.
Devemos ter cuidado com a ideia de que especulação é apenas uma aposta num
asset que pode ou não dar lucro. A ideia de aposta carrega a noção de que o investidor
leva em conta poucos fundamentos ou notícias e compra uma ação unicamente pensando
vender em vender num curto período. Trata-se de mais uma distinção semântica que o
mercado criou. Bem se sabe que apostas existem, mas jogadores buscam sempre uma
vantagem que garanta essa aposta. Aqui entra a corrupção.
Como mostro no Apêndice D, o Encilhamento não foi apenas um episódio de
apostas desenfreadas, como se argumenta. Pequenos e médios “investidores” apostavam
seu dinheiro, mas o grosso do capital apoiava-se numa rede ampla que amparava suas
“apostas” e lhes garantia lucro. Políticos, juízes e imprensa por exemplo, auxiliavam o
grande capital ao aprovar leis, determinar sentenças, ou publicar notícias que
beneficiariam certas empresas (muitas vezes fantasmas ou falidas), mas que graças ao
clima de euforia e antecipação de lucros futuros levava seus preços às alturas.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 138
Isso é o que muitos chamam hoje de Insider Trading, que apesar de ilegal, é um
eufemismo às práticas de corrupção feitas em seu bojo, como se fosse apenas questão de
troca de informação ilegal, mas que envolve a formação de cartéis, criação e uso de
empresas de fachadas, falsificação de orçamentos, criação de projetos públicos que não
possuem viabilidade etc. Além disso, muitas dessas movimentações são utilizadas como
forma de evasão fiscal e lavagem de dinheiro.
O mesmo provavelmente ocorreu nestes anos de 1953, ou nos anos JK. Afinal nada
explica esses picos e quedas monumentais em apenas um ano. Não associar esse
movimento especulativo com corrupção é no mínimo ingenuidade ao acreditar que
bilhões de cruzeiros são colocados no mercado, sem ao menos buscar se proteger com os
mecanismos acima relatados, todos utilizados até hoje (Chatziioannou 2008; Tabb 1995;
Lowenstein 2004; Fabre 2003).
As semelhanças entre as práticas do Encilhamento, durante a era JK e atualmente
permitem-nos utilizar o livro de David Stockman “The Great Deformation: Corruption of
Capitalism in America” (2013) em que o autor foca nos meios de especulação/corrupção
praticados pelos gigantescos hedge funds e sua relação simbiótica com o governo:
Pode-se presumir corretamente que os $ 6 trilhões de fundos de hedge ...
existem não para trazer liquidez aos mercados de ativos, mas para extrair
renda deles. ... Seu negócio de especulação rápida não gera valor econômico
agregado, mas atrai trilhões de capital porque o Estado e o Banco Central [com
incentivos e proteção] o tornam lucrativo. ... Sem esses impulsos econômicos
artificiais, o estilo de alta rotatividade da especulação de fundos de hedge seria
muito menos recompensador, se é que seria lucrativo. Além disso, as
informações de maior valor dentro desse crescente complexo de fast money não
eram sobre os emissores corporativos dos títulos negociados; mas sobre as
apostas feitas. Da mesma forma, as informações corporativas mais valiosas
eram sobre eventos de notícias negociáveis como resultados financeiros
trimestrais e movimentos de engenharia-criativa financeira e não tendências e
estratégias de negócios fundamentais que realmente geram valor a longo
prazo. ... O que os fundos de hedge realmente fazem é agitar, perseguir,
estimular a euforia [ou desespero] e despejar suas ações (ibid.: 485-487)
Se olharmos com uma lupa esses movimentos especulativos durante JK, fica ainda
mais clara a sua direção e inconstância, bem como sua simbiose com o governo. A Tabela
14 analisa apenas o setor de ações de 1947 a 1959. Peço que o leitor preste atenção
principalmente ao setor de Companhias de Transportes. Esse setor terá um razoável
crescimento após 1950 com a aprovação do Plano SALTE, subindo de um volume anual
de investimentos de 2.8 milhões de cruzeiros para 50 milhões (crescimento de mais de
1.600% em um ano), ocupando quase 5% de todos os investimentos da bolsa de valores.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 139
Entretanto, rapidamente cai no ano seguinte para 3.2 milhões de cruzeiros, com
investidores preferindo outros setores mais diversificados.
Tabela 14. Volume de Títulos Negociados na BVRJ (bianual 1947-1953) em Cr$1.000,00
Título
Ano
1947
1949
1951
1953
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Ações de Bancos
44.405
5,44
31.099
5
68.567
6,58
51.023
2,75
Ações de Cias. De Seguros
11.989
1,47
5.356
0,86
5.582
0,54
7.852
0,42
Ações de Cias. De Tecido
25.581
3,13
39.552
6,36
53.585
5,14
143.365
7,72
Ações de Cias. De Transporte
7.376
0,9
2.832
0,46
50.263
4,83
3.217
0,17
Ações de Cias. Diversas
171.501
21,01
116.857
18,8
306.464
29,42
1.014.551
54,29
Fonte: adaptado, Levy op. cit.
Com o desenvolvimento do Plano de Metas, o valor desse setor saltará de 8.3
milhões em 1957 para 1.55 bilhões em 1958 e 1.8 bilhões em 1959 (um crescimento de
mais de 21.586% em dois anos), dominando quase 60% dos investimentos de toda a
bolsa(!), algo impensável mesmo em economias altamente dependentes de apenas um
setor econômico (cf. Tabela 15). O problema é que o Brasil não era nem um pouco
dependente desse setor, que apenas estava a se instalar e já encontrava limites em 1959 à
sua expansão devido à pressões inflacionárias e falta de crédito.
Tabela 15. Volume de Títulos Negociados na BVRJ (1955, 1957, 1958, 1959) em Cr$1.000,00
Título
Ano
1955
1957
1958
1959
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Ações de Bancos
49.093
3,32
69.729
3,9
8.571
0,25
68.014
2,24
Ações de Cias. De Seguros
37.934
2,54
28.519
1,59
136.952
3,99
92.434
3,04
Ações de Cias. De Tecido
103.728
7,02
64.181
3,59
11.885
0,34
4.205
0,14
Ações de Cias. De Transporte
4.400
0,3
8.348
0,47
1.555.063
45,27
1.812.904
59,63
Ações de Cias. Diversas
640.112
43,34
770.235
43,03
17.386
0,51
50.686
1,67
Fonte: ibid.
As companhias de setores diversos que antes recebiam até 50% dos investimentos da
BVRJ em 1953, perderão quase todos os investimentos, caindo para 0,51% (de 1 bi de
cruzeiros para 17 milhões). O que aconteceu com essas empresas que, com certeza, a grande
maioria foi à falência? Igualmente vale essa pergunta ao setor de tecidos, tão importante na
história brasileira do século XX, que concentrava em média 5 a 6% do investimento, com
queda abrupta em 1957 chegando a 0,14% do total em 1959. Do nada essas empresas
perderam o valor intrínseco para empresas que ainda iriam se instalar ou que se
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 140
perguntavam para quem se estava produzindo? Ou essa especulação foi desenfreada em
relação ao setor de transportes, estimulada por governo, empresas e mídia e bancos
42
.
Os investidores sabiam que essas indústrias não gerariam o valor prometido.
“PROBLEMAS DE ALTA PRODUÇÃO DE AUTOMÓVEIS BRASIL: Críticos do
governo agora duvidam que o público possa absorver a produção” (NYT 22/02/1959: 41).
Perguntava-se quem compraria os produtos dessas indústrias. Produtores e banqueiros
buscavam modos de financiar a compra pois viam seus investimentos e empréstimos não
serem absorvidos por um mercado sem crescimento real de salários e com alta inflação.
“Esse [cenário] torna os planos de investimento e empréstimo um problema arriscado”
(ibid.). Enquanto isso, JK prometia à imprensa que o Brasil se tornaria o décimo maior
produtor automobilístico do mundo em 1959 com mais de 110 mil veículos, com objetivo
de chegar a 217 mil unidades no ano seguinte. Peter Frankel, da Associação Nacional dos
Manufatureiros de Veículos, Acessórios e Partes, alertou que os objetivos do governo
eram maiores do que o mercado poderia absorver. “Falta de poder de compra e de
financiamento ofereciam obstáculos intransponíveis. Professor Eugenio Gudin, um dos
principais economistas brasileiros, declarou que os investimentos estavam contribuindo
à espiral inflacionária do país (ibid.). Mas Mesmo com as dúvidas sobre a indústria, as
ações não paravam de crescer. Esse fenômeno era claramente um produto de especulação.
Repetimos o que Stockman disse sobre esses movimentos especulativos:
[Eles] existem não para trazer liquidez aos mercados de ativos, mas para
extrair renda deles. ... Seu negócio de especulação rápida não gera valor
econômico agregado, mas atrai trilhões de capital porque o Estado e o Banco
Central [com incentivos e proteção] o tornam lucrativo.
Isso fica tão flagrante que, no ano que JK sai do governo, as ações de Companhias
de Transportes caem de 1.8 bilhão para pouco mais de 83 milhões de cruzeiros, perdendo
a fatia de quase 60% da bolsa para 0,7%. Em apenas um ano(!). Para depois outra
explosão em 1963, com queda em 1964.
_______________________________________
42
Os bancos e seguradoras, mantiveram-se estáveis, retendo, conjuntamente, 5% do total de investimentos.
Isso mostra a força que o capital financeiro adquiria no país desde os anos de 1940 e o gradual fortalecimento
desse sistema e da BVRJ como “propulsores” do desenvolvimento, mesmo que sob fraudes, que carregariam
o sistema, levando à sua quebra, para ser novamente regatada pelo governo que tanto criticavam.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 141
Figura 45. % Volume de Títulos Negociados das Ações de Cias de Transporte na BVRJ
Fonte: autor, de dados da Câmara Sindical da BVRJ. Relatórios. 1940-1964
Poder-se-ia dizer que a flutuação adveio da crise econômica levando as ações à
perda de investimento. Não é verdade. Como veremos, a bolsa continuou em ritmo
insustentável de especulação, especialmente até 1962 com a posse de Goulart. Até o ano
de 1962 construiu-se o mito da “democratização do capital”, ou do que Mario Henrique
Simonsen chamou de “capitalismo do povo” (Jornal do Commercio 02/09/1960: 1), em
que muitos da classe média recorreram às bolsas como forma de se proteger da inflação
e participar da especulação que entusiasmava a todos. A perda abrupta. Entretanto, com
essa especulação muitos perderam vastas somas de dinheiro, enraizando-se, de vez, na
classe média, a representação de que a bolsa de valores é um casino, no qual somente a
casa ganha. Como num prenúncio dirá o caderno especializado d’OESP:
A especulação que se hoje se apresenta como operação normal, até mesmo para
os pequenos capitalistas, possuidores de parcos recursos, tendo a ampliar-se
perigosamente e de tal forma que poderá causar prejuízos ruinosos aos
desavisados e inocentes operadores ... Isso porque se observam em número
crescente pessoas estranhas ao meio especulativo a procurar ... o simples
objetivo de guardar suas reservas e acobertar-se dos efeitos inflacionários
(OESP 31/08/1962: 19)
Foi o que aconteceu em 1962 e depois em multiplicador exponencial em 1971
quando a bolsa como todo derrete mais de 70%. Essa especulação, com o mito do
“capitalismo do povo” foi irresponsavelmente (e gananciosamente) estimulada pela
mídia, por corretores, economistas e autoridades, resultando em verdadeira transferência
de renda inversa (do mais pobre ao mais rico, que não só possuía insider trading, como
estimulava a demanda, antecipava suas vendas e iludia a população com empresas
fraudulentas e balanços contábeis falsos). Além disso, socializavam as perdas quando o
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
1947 1949 1951 1953 1955 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 142
crash era forte demais e o governo intervia com dinheiro público para salvar o capital.
Essas especulações/manipulações foram o fim da BVRJ na década de 1990 e quase a
destruíram sob o governo ditatorial em 1971, trazendo uma crise de confiança tão grande
que atrapalhou em muito o desenvolvimento industrial e do setor de serviços brasileiros.
Esse seria o mercado moralizador.
2. O incrível caso de memória seletiva sobre corrupção no “moralizador regime de
leilão de divisas” que substituiu as licenças de importação.
É difícil falar sobre algo que não possui fortes denúncias. Há indícios de alguém ter
ficado incomodado com essa especulação. Sim. No final de 1955 houve um caso em que
ficou impossível fazer vistas grossas. Foi algo amplamente divulgado? Não. Mas achei
evidências em alguns jornais e, principalmente em reuniões de corretores da BVRJ
preocupados com essas fraudes e a inibição de investimentos futuros. Houve o mesmo
tipo de denúncias ao setor privado e ao governo que fazia vistas grossas à essa
manipulação durante o governo JK? Também não.
No mínimo, os mesmos jornais que tanto teorizavam sobre como a planificação, o
comunismo e o varguismo seriam a corrupção das “forças naturais do livre mercado”,
deveriam estar em armas ao acusar o setor financeiro em crise desde 1955 e a especulação
na Bolsa de Valores sob o regime do Mercado Livre. Eles tão críticos ao sistema de
licenças de importação, tido como um regime corrupto e corruptor, nada falavam sobre
essa corrupção ocorrida nos finais de 1955 (outubro, novembro e dezembro) e início de
1956 em que ocorreu uma elevação inexplicável nas cotações de licitações de divisas.
O Última Hora anunciará: “ESPECULAÇÃO DETERMINA A ALTA DAS
COTAÇÕES NOS LEILÕES DE DIVISAS!” (UH 25/02/1956: 5). O jornal disse que “1)
era sem razão aparente os ágios elevarem-se a níveis altíssimos; 2) um movimento
especulativo por parte de diversas firmas determinaria a alta.” Mostram que firmas
brasileiras de São Paulo e do Rio de Janeiro estavam fazendo altas compras de divisas em
países como a então Tchecoslováquia e Polônia, mesmo sem terem tido importado ou
exportado nada de lá durante esses meses. Faziam isso visando elevar o preço dos ágio e,
assim, afastar concorrentes nos leilões, para finalmente, não liquidar as promessas de
venda ficando somente com o lucro da diferença entre os meses que o preço foi inflado.
Esta seria a causa: grandes firmas ... nos meses de outubro, novembro e
dezembro de 1955 fizeram compras volumosas naqueles países sem terem
escoado seus estoques e visando assegurar o que se denomina “preços
compensadores” para as vendas, decidiram influir no mercado ... Seu jogo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 143
alcançou pleno êxito, embora a manobra não deve ter passado despercebida da
Carteira de Câmbio, onde aliás é fácil se apurar a identidade dos especuladores
e de onde também devem partir medidas energéticas para reprimir o abuso.
As PVCs, ditas moralizantes, eram facilmente orquestradas por um grupo de
grandes firmas das principais cidades brasileiras (requer-se muitíssimo capital para se
manipular as divisas de todo um país), em concertação internacional. Mais grave é que
fizeram tudo aos olhos do governo, demostrando o sentimento de impunidade, afinal o
governo, de fato, estava ciente quem estava fazendo a manipulação, pois todas as
negociações eram registradas na época por nome e razão social. O jornal disponibilizou
uma tabela demonstrando os altos lucros nas cinco categorias de ágio de US$ entre
dezembro de 1955 e 21 de fevereiro de 1956 (adaptamos essa tabela com a do Correio da
Manhã que colocará o preço de fevereiro uma semana depois da reportagem do UH e
adicionei a comparação dos ganhos em % entre dezembro e a máxima alta)
Tabela 16. Ágio Máximo de Dólares (USA) em 1955 e 1956. Lucros e Especulação.
Ágio Máximos
de Dólares -
USA
Dezembro
(1955)
Janeiro (1956)
Fevereiro
(21/02/1956)
Fevereiro
(26/02/1956)
Diferença (%)
entre Dez e Alta
Máxima
1a categoria
73
85.1
88.4
92.8
27.12
2a categoria
84.1
90.4
127
134.1
59.45
3a categoria
152.2
187
200.6
210.6
38.37
4a categoria
216
254
263
214.5
21.76
5a categoria
351.1
324
320
317
-
Fonte: UH e Correio da Manhã 25/02/1956: 4
É interessante que uma semana antes (em 18 de fevereiro), o UH já noticiava que
“IUGOSLAVOS LESAM O BRASIL EM OPERAÇÕES TRIANGULARES” (UH
18/02/1956: 5), ao comentar notícia do “Comercial News” de Belgrado, que falava sobre
“uma explosão de comércio entre os dois países”. As exportações saltaram de
US$1.213.000 em 1952 para US$14.005.000 nos primeiros 9 meses de 1955; enquanto
as importações de US$ 1.654.000 em 1952 para US$10.661.000 em 1954.
O problema é que as trocas comerciais reais não ocorreram desse modo, a
Iugoslávia naquela época era conhecida como “paraíso das operações triangulares”
(ibid.), algo sabido pelo governo pois havia dezenas de processos parados na CACEX
sobre esse “comércio”, todos com conhecimento do BB, da SUMOC e da Fazenda:
Torna-se necessário ressaltar, porém, que esse incremento nas relações de troca
não é impulsionado por condições normais de comércio. Admitindo a
reexportação a Iugoslávia é hoje o paraíso dos artífices internacionais das
operações triangulares... No caso brasileiro, essas operações podem-se citar as
dezenas de processos que se acumulam na CACEX nesse sentido. (ibid.)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 144
Entretanto, como aponta o jornal, “a ação repressiva tem se estendido apenas às
mercadorias, quando se sabe da existência de grupos especializados nesse tipo de
comércio”. Falam da resistência do governo em localizar e reprimir esses grupos: “Não
seria difícil localizar a rede, cujos escritórios funcionam nos próprios apartamentos para
melhor burlar as autoridades responsáveis pelo nosso comércio com o exterior e, também,
as autoridades fiscais brasileiras” (ibid.). Mas nada foi feito.
3. Eliminando a intervenção estatal e efetivando a lei do mercado como instrumento
para financiamento de projetos e controle da inflação
▪ A agenda anticorrupção como forma de resguardar e ampliar o papel do
capital privado no controle da economia brasileira
A manipulação cambial era um risco que muitos dos corretores, um segmento em
vias de falecimento durante a ditadura Vargas e sob o regime de licença de importação,
que finalmente estava em um lucrativo mercado, não queriam perder. Logo uma semana
seguinte às denúncias, foi organizado um Fórum Econômico em Belo Horizonte. Lá
defenderam o sistema livre de câmbio, mas reconheceram que ele necessitava de
“aprimoramentos”. Dentro do espírito da política de JK, foi admitido que o câmbio
deveria ser unificado, como pedia o FMI, mas que aquele não era o momento, pois se
deveria priorizar o desenvolvimento econômico.
O setor exportador será o que mais reclamará das diversas taxas, pois existia o
chamado confisco cambial, quando parte da renda gerada pelo setor exportador iria ao
governo para financiar projetos de desenvolvimento sem pressionar inflação e a dívida
governamental: o que chamarão de roubo. Dentro desse setor, estava principalmente o
interesse cafeeiro. Neste sentido, o ministro da Fazenda apontou à visão seletiva desse
setor, desatando a ideia de “roubo”: “mas o café é o produto mais financiado do Brasil.
... desde o pezinho lá do café na terra até o porto do embarque ele tem financiamento que
não se interrompe” (Levy op. cit.: 550). Assim, era somente roubo se a renda final gerada
pelo café repagasse em subsídios à indústrias o que o governo já havia subsidiado a eles.
Todo o financiamento que recebiam em todas as fases da produção não era problema.
O problema da inflação e desenvolvimento era central. Mas como fazer com que o
governo não tivesse de recorrer a emissão de papel-moeda para realizar seus projetos? O
governo tentou realizar, assim como muitos outros países faziam, um modo compulsório
de particulares “investirem” no governo, ao fixar regras para que empresas do setor
financeiro fossem obrigados a reter parte de seu patrimônio ou renda em títulos públicos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 145
Esses, entretanto, não eram visados na época (diferentemente de hoje em dia) pois
estavam sempre a perder rentabilidade à inflação, devido ao Decreto-Lei 182 de 1938,
contra usura de Vargas que impedia que a taxa de juros fosse acima de 12% ao ano, o que
em cenário inflacionário fazia com que todos fugissem dos títulos.
As empresas então burlavam a legislação e realizavam evasão de divisas. As
companhias de seguro simplesmente não efetivavam os depósitos: “os balanços
publicados no Diário Oficial mostravam que algumas seguradoras desprezavam
totalmente a indicação contida na legislação” (Levy op. cit. 556). Os bancos estrangeiros,
que deveriam realizar depósitos obrigatórios no BB em títulos do governo, não seguiam
essa regra, depositando o dinheiro em espécie. Fugiam dos títulos públicos.
A população não confiava nem no governo nem no setor bancário, especialmente
depois da crise de 1955 e do “escândalo da dívida externa de 1952”. Nesse caso, grandes
empresas e brasileiros servindo de intermediário teriam se beneficiado da venda de títulos
da dívida externa em libras, com pagamento antecipado em dólar. O problema é que
somente por “erro grosseiro”, foi permitido que essas pessoas/empresas pudessem sacar
o montante antes da data estipulada – operação ilegal há mais de três anos. Além disso,
permitiu-se que o comprador de título de “Plano B”, como eram, e que tinha cotação
diversa do “Plano A” pudesse sacar seu dinheiro em montante do Plano A. Basta olhar a
Tabela abaixo para ver o quanto esse negócio foi lucrativo:
Tabela 17. Corrupção na Venda de Títulos Públicos: Cotação. Valor do Título e Lucro Obtido
Cotação
Valor do Título
Lucro por Título
A
B
A
B
(A-B)
54
45
5400
4500
900
37.5
33.5
15562
13902
1660
46
36
920
720
200
44
39
17820
15795
2025
68
55
22954
19604
3350
40
33.5
33000
27937
5063
62
54
46500
40500
6000
93
74
930
740
190
Fonte: Diário de Notícias 14/02/1953: 19 e OESP 09/06/1953:10
Esse desvio foi descoberto em 1952 sob os rumos do inquérito da CEXIM com
“autorização expressa do ministro da Fazenda”, apesar não possuir autoridade legal para
realizar tal operação. Além disso, houve documentação em que o diretor da Carteira de
Câmbio advertiu o Ministro da Fazenda, o que recusou. O prejuízo total ao Tesouro foi de
Cr$43.635.199,00. A diferença teria feito com que os compradores chegassem ao menos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 146
25% de lucro, com prejuízos ao Tesouro. Entre os beneficiados estavam o Baring Bros
(tradicional banco inglês, já responsável por uma das maiores crises financeiras globais em
1890 na Argentina); a influentíssima casa Rothschild e o Banco Holandês Unido.
A Comissão concluiu pela ilegalidade do resgate autorizado “também de modo
ilegal” pelo ministro da Fazenda. “É óbvio que arranjaram um processo
engenhoso de tomar dinheiro do Brasil. Na Linguagem técnica isso se chama
escroquerie” (Tribuna da Imprensa 01/08/1952)
Assim, o governo de JK tinha de criar algum modo que pudesse 1) sanear o setor
bancário; 2) a composição da dívida pública. O objetivo era dual: evitar fraudes e garantir
investimento e confiança nos títulos do governo. Com resultados duais: restrição da
inflação e impulsionamento de sua capacidade de investimento. Caso contrário sua única
opção era a emissão de papel-moeda, o que resultava em inflação e na depreciação dos
títulos públicos que não conseguia cobrir a inflação, catalisando ainda mais o ciclo
vicioso. O resultado era que a grande maioria da população, que podia investir, investisse
em ramos não produtivos como a cultura de investimento em imóveis e terras. Nesse
sentido, a tese neoliberal de Gudin (em seu artigo A Inflação e a Burrice Brasileira) e
Bernstein, sobre a relação inflação e desenvolvimento ganha força no país. A Tabela
abaixo mostra a previsão do déficit do Tesouro e seu modo de financiamento durante JK:
a quase totalidade de financiamento adveio do BB, criando fortes pressões inflacionárias.
Tabela 18. Déficit do Tesouro e seu Financiamento 1956-1960 (bilhões de cruzeiros correntes).
Execução Orçamentária
Financiamento Do Déficit De Caixa
Receitas
Despesas
Saldo Orçamento
Banco Do Brasil
Títulos
Outros
Total
1956
74,1
98,0
-23,9
24,4
0,2
0,3
23,9
1957
85,8
126,9
-41,1
15,8
9,5
15,8
41,1
1958
117,8
143,4
-25,6
16,7
9,2
-0,3
25,6
1959
157,8
198,3
-40,5
31,8
8,9
-0,2
40,5
1960
233,0
297,0
-64,0
75,4
2,2
-13,6
64,0
Fonte: Banco do Brasil, Relatório (1956-1960) e SUMOC. Relatório (1956-1960), apud Orenstein e
Sochaczewski: 171.
Será dessa conjunção que nascerá um dos principais instrumentos atuais para se
combater a inflação e ao mesmo tempo garantir que pessoas físicas e jurídicas
comprassem títulos públicos: a taxa básica de juros. Essa deveria ser variável e capaz de
assegurar o valor nominal do título negociado em Bolsa, tornando-o mais atrativo. Trata-
se de uma visão pró-mercado, que visa controlar a inflação pela demanda, ortodoxa,
utilizado até hoje como o principal meio de controle inflacionário e visando controlar os
gastos em investimento governamentais que entravam no radar dos neoliberais – e da
população, sem aumento real salarial – já no final de 1956.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 147
Procedendo a esses estudos, não se limitou o Conselho a verificar a
possibilidade de aumentar as receitas do Tesouro, a fim de cobrir o déficit
orçamentário. ... Tinha sentido mais amplo ... considerar os propósitos do
Governo de debelar o surto inflacionário e verificar se a emissão de títulos com
a garantia indicada iria favorecer ou contrariar esses propósitos. O déficit
orçamentário tem tido sua origem nos últimos anos no investimentos públicos
e não nas despesas correntes (Jornal do Commercio 06/12/1956: 6).
Esses estudos, aludidos pelo jornal e pelo ministro da Fazenda, vieram de processo
histórico de agentes político-econômicos que viam no BB e na sua capacidade de emissão
de papel moeda e crédito para projetos de desenvolvimento uma das principais fontes do
desarranjo econômico brasileiro. A própria resolução do Conselho de Economia
favorável ao instrumento da taxa básica de juros e de títulos leiloados na Bolsa, com apoio
do Ministério da Fazenda foi resultado de estudos elaborados pela FGV, liderados pelo
neoliberal Otávio Gouveia Bulhões. Esse trabalho foi tão pró-mercado que a FGV e a
BVRJ acertaram colaboração estreita para futuras pesquisas, algo feito até hoje.
É importante situar esse momento na narrativa até aqui analisada, pois se tratava
principalmente de uma maneira de se eliminar o intervencionismo varguista da economia
e prover ao mercado participação em mais um instrumento econômico governamental.
Foi somente após 1930 que o governo começou a recorrer ao BB para crédito, mais
cômodo e rápido, além de favorecer, em princípio, à corrupção e a apadrinhamentos
políticos, como mostramos no caso das licenças e empréstimos do BB.
Tratou-se de importante instrumento de angariamento de capital e financiamento
governamental. Ao mesmo tempo que foi interessante a bancos privados, que lucravam
com essa taxa básica de juros e com seu spread (diferença entre o que cobravam de juros
ao cliente e a taxa básica); ao capital internacional (que apesar do risco maior de comprar
títulos do governo, lucravam com as altas taxas de juros que o país tinha que colocar para
coibir a inflação e tornar os títulos atrativos ao capital internacional) e ao mercado
financeiro que ganhava não só em corretagem e especulação, mas ao dar mais um passo
à frente da institucionalização da racionalidade pró-mercado nas ações governamentais.
▪ A corrupção privada vista como forma de inibição de desenvolvimento e
investimento pelo próprio setor privado
Mas como fazer para que o capital privado se tornasse interessante e viável? O
problema maior era a fraude e a consequente falta de confiança. No ponto que mais
importa esta tese, o Fórum Econômico de Belo Horizonte de 1956, buscou formular uma
resposta. Para isso, seus integrantes retomaram as teses de três importantes congressos da
década de 1940 e de uma missão estadunidense: o I Congresso Brasileiro da Indústria
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 148
(1945); o I Congresso de Economia, em Teresópolis (1944) e o II Congresso de Economia
em Araxá (1945); bem como as observações da Missão Cooke (1942). Cada qual
discorreu sobre a necessidade de se estimular o crédito privado e de como lidar com a
falta de credibilidade do sistema bancário, das sociedades anônimas brasileiras e da Bolsa
de Valores. As respostas giravam para além do campo econômico em rumo ao campo
moral da corrupção e tinham nos EUA o modelo por excelência.
O Fórum de Belo Horizonte discutiu a questão dentro do espírito da época. Assim
era exposto o problema: como impulsionar a indústria no país se o setor bancário não é
confiável e se as empresas também não são. O crédito público estava desorganizado e era
fonte de geração de inflação. Era necessário fomentar os investimentos privados. Mas
quem investiria em empresas com pouca transparência, numa BVRJ facilmente
manipulada por grandes players, como mostrado acima? Em geral recomendam a
unificação nacional das Bolsas, a facilitação da transferência de ações nominativas
43
e o
estímulo do interesse do público ao reforçar a proteção aos acionistas minoritários.
113) Que o governo proteja o público contra as fraudes ligadas à emissão de
ações e debêntures, procurando tornar estes títulos mais procurados. A proteção
poderá consistir na promulgação de uma lei preventiva de fraudes na emissão
de títulos à exemplo das “Blue Sky Laws” norte-americanas. (I Congresso da
Indústria, 1943, Anais, apud SESC, 2021)
Mostrei que assim que ocorreu a crise financeira de 1955, o governo adotou no
mesmo dia um decreto estabelecendo um crédito para cobrir as fraudes e “calotes” devido
à falência dos bancos com limites à pessoa física e jurídica. Pedia-se a emulação do sistema
estadunidense das Blue Sky Laws, iniciadas após o crash de 1929, em vigor até hoje.
As Blue Sky Laws são regulamentações antifraude que exigem que os emissores
de valores mobiliários sejam registrados e divulguem detalhes de suas ofertas.
Elas criam responsabilidade aos emissores, permitindo que autoridades legais
e investidores ajuízem ações contra eles por não cumprirem as disposições das
leis. As disposições das leis também criam responsabilidade por quaisquer
declarações fraudulentas ou falha na divulgação de informações, permitindo
que ações judiciais e outras ações legais sejam apresentadas contra emissores.
O processo geralmente inclui revisão de mérito por agentes do estado que
determinam se a oferta é equilibrada e justa ao comprador. (Investopedia 2020)
Com várias responsabilidades em relação à transparência essa recomendação foi
postergada o máximo possível. Mesmo a obrigatoriedade do registro das sociedades
anônimas era descumprida (Lei 4.736 de 1942). Mais de 80% de todas as SAs no Brasil
_______________________________________
43
114) Que se prestigie a prática da emissão de debêntures ... [com] obrigação da soma dos capitais
realizados e reservas das empresas emissoras. e 115) Que se estimule no Brasil a organização da Bolsa de
Valores e processos modernos de corretagem de valores mobiliários (ibid.).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 149
deixavam de cumprir essa obrigatoriedade. Esse obscurantismo levou os corretores ao
esforço de registrar todas essas empresas na Bolsa, visto o crescimento das SAs e de seu
lucro (para se ter uma ideia, de 1953 para 1954 os lucros dessas empresas subiram de 14
bilhões para 22,5 bilhões [60% de acréscimo]; enquanto o número de SAs somente
cresceu 0,5%) (Levy op. cit. 575). Como essas empresas não confiavam na Bolsa ou não
confiavam em seus balanços e demonstrativos, o único modo de realizarem o
levantamento de capital era entre seu próprio capital ou de amigos, algo limitado.
O Congresso de 1944 também falou sobre a necessidade de “estimular a formação
de capitais particulares orientando seu encaminhamento aos empreendimentos produtivos
... mediante política de crédito seletivo”; mesmo que seja necessário esvaziar o poder dos
bancos públicos, como a Caixa Econômica e institutos de previdência, para isso.
Nesse sentido, a II Conferência Nacional das Classes Produtoras em Araxá também
orientou o governo que “os Poderes Públicos com a colaboração das Bolsas estabeleçam
rigoroso controle preventivo destinado a evitar o lançamento de emissões fraudulentas à
subscrição pública”. O mesmo dirá a Missão Cook ao apontar que qualquer
empreendimento no país era obra “lançada por homens que possuem individualmente o
capital necessário, ou podem obtê-lo de amigos ou conhecidos” e que para sanar essa
situação o mercado de capitais deveria ser fortalecido: “O Brasil precisa vencer a
desconfiança quanto às sociedades anônimas ... mediante um sistema de garantias, talvez
semelhante às oferecidas pela Securities and Exchange Administration, nos Estados Unidos
e pelos métodos de registro na Bolsa de New York” (Missão Cook apud Levy op. cit. 572)
Em 1957 a mesma preocupação foi repetida no Fórum Econômico, organizado pelo
Correio da Manhã com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e com o Centro
das Indústrias do Estado de São Paulo: “acentua-se a necessidade de criar condições de
segurança para os inversores, de modo que não sejam vítimas de manipulações
inescrupulosas com os títulos de que são detentores”. Novamente, a solução apontada
seria a constituição de algo semelhante a SEC dos Estados Unidos, que “estabelecesse
normas, principalmente quanto à técnica de informações a serem seguidas pelas
empresas”, “um organismo nacional que pudesse agir para evitar que os detentores de
ações ou debêntures sejam burlados por manobras financeiras, fraudulentas”. “A
instituição de um órgão dessa natureza liga-se à reforma da própria legislação das SAs
uma vez que suas atribuições interferem em suas atividades, com o objetivo de criar a
elas amplo e substancial abastecimento de capitais” (Correio da Manhã 12/09/1957: 16).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 150
Entretanto, naquele momento pouco o governo buscou fazer para evitar as fraudes
e garantir uniformização e responsabilidades contábeis às SAs. Mas sabendo da
necessidade de se expandir o capital privado buscou ao menos animar o investidor e as
sociedades anônimas ao instituir a Lei n. 3.470 de 1958 que previa a correção monetária
de ativos imobilizados de sociedades anônimas e a não incidência de imposto sobre
rendimentos de acionistas e sócios sobre ações e quotas bonificadas. Outro modo de se
incentivar o investimento foi o surgimento dos fundos de investimento, em teoria um
modo de gerenciamento profissional de investimentos que permite que seu subscritor
possa ter seu capital aplicado em ações de diversas companhias, diminuindo o risco.
O sistema financeiro somente será reestruturado a partir de 1964 com a Lei
4.380/1964, que criou o “Sistema Financeiro de Habitação” e o Banco Nacional da
Habitação”; a Lei 4.595/1964 que reestruturou o “Sistema Financeiro Nacional” e criou
o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central (BC ou Bacen) e a Lei 4.728/1965 que
reestruturou o mercado de capitais brasileiros.
4. A Regulação como Forma de Legitimação de um Modelo Concentrador de
Desenvolvimento via Corrupção
Permita-me o leitor, por motivo de organização, continuar neste tópico, mesmo que
tendo que adentrar em período de Jânio Quadros e João Goulart. Trata-se de subcapítulo
sintético em que irei mostrar que houve tentativa em suprir a falta de regulação visando
obter maior confiança do investidor privado e de atender as leis globais antitruste, com a
criação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Esse discurso serviu aos arautos do neoliberalismo por quatro motivos: 1)
teoricamente, pois mostrava que o Estado estaria atendendo à lógica do livre mercado ao
coibir a formação de trustes e outras ações antimercado; 2) legitimava as práticas
antimercado praticadas pela iniciativa privada ao nada praticamente ser feito; 3)
incentivou o aumento do número de inversões na Bolsa, bem como de empréstimos de
empresas em bancos privados; 4) incentivou a formação de um modelo em construção: o
desenvolvimento via a concentração de empresas, algo que o CADE deveria combater.
Assim, não se tratava de medidas impostas por um governo nacionalista contra o
capital financeiro nacional ou estrangeiro. Em notícia do Jornal do Commercio, por
exemplo, intitulada “PROJETOS PENDENTES” (20/07/1962: 9) vemos:
Há uma série de projetos em tramitação (alguns estagnados) na Câmara e no
Senado e cuja aprovação e conversão em lei estão sendo exigidos ardentemente
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 151
pelas classes produtoras ... pois vêm preencher ou corrigir lacunas e falhas que
ainda se observam em muitos setores da vida brasileira. Outros assumem
particular interesse e importância básica à economia de nossas empresas. (ibid.)
É assim que devemos enquadrar as leis em discussão no Congresso e na arena
pública, como a lei de remessa de lucros ou do antitruste. Eram leis que o próprio capital
e o próprio mercado viam necessidade. As leis brasileiras estavam defasadas ao que a
economia global e nacional pedia. O problema era como essas leis seriam implementadas.
Entre esses projetos destacam-se os que tratam da regulamentação da remessa
de lucros ao exterior, lei antitruste, regulamentação do direito de greve,
participação dos empregados nos lucros das empresas, indenização de
empregados etc. [Ao Legislativo e ao Executivo que querem avançar com esses
temas] no sentido de proceder a uma série de modificações de alto interesse ao
país ... deve ser bem recebida por todos nós que não lhe devemos, nessa hora,
negar um voto de confiança (ibid.)
Prova que o mercado não estava tão receoso com essas possíveis mudanças é que
somente naquele ano a inversão de capital estrangeiro era uma das maiores da história.
Figura 46. Investimentos Estrangeiros sem cobertura cambial 1962
Fonte: CACEX, Jornal do Commercio: 20/07/1962: 9
Até o jornal oposicionista Tribuna da Imprensa estampará: “Classe produtora: Lei
de Lucros não deve afugentar capitais” (Tribuna da Imprensa 30/01/1962: 3), desde
que, dizem, não “sejam injustas ... e aplicadas em benefício da economia nacional. Se
determinado grupo violar esse princípio encontrará a repulsa de todos aqueles que
defendem os reais interesses do país” (ibid.).
Ou seja, fica clara a posição da chamada “classe produtora” que entendia ser “do
interesse do país” a continuação do desenvolvimento associado de JK entre o capital
nacional e estrangeiro, taxando este, mas de um modo que não o afugentasse e
reconhecendo “seus direitos”, ou seja, sendo contrários ás desapropriações, esse sim um
tópico de contenda com os Estados Unidos e com as classes produtoras internas, que viam
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 152
nisso o fantasma do comunismo. É representativo que essa fala dos industriais foi feita
em conjunto com as Câmaras de Comércio Estrangeiro no Brasil.
Manifestou-se favorável à disciplinação do capital estrangeiro desde que
assegurado os direitos fundamentais desses capitais afirmando uma “legislação
justa que reconhece os direitos do capital estrangeiro, mas lhe imponha deveres,
constituindo uma disciplina sadia e construtiva” (ibid.).
Entretanto, a implementação de algumas destas leis não foi o que desejavam. A lei
da remessa de lucros (Lei 4.131 de 1962), por exemplo, promulgada durante o
parlamentarismo, foi vista como “injusta” e contrária aos interesses estrangeiros e
nacionais. As desapropriações também continuaram a ocorrer, bem como a revogação de
renovação de licenças às empresas estadunidenses na exploração de materiais
estratégicos, além de outros fatores como a Política Externa Independente (PEI) de Jânio,
seguida durante Goulart, que contribuíram para constante e gradual degradação das
relações entre Brasil e Estados Unidos e do mercado financeiro e de boa parte das classes
produtoras com os governos democraticamente eleitos até o golpe militar.
Desde então, houve substancial e abrupto desinvestimento no Brasil em que o
investimento direto caiu 40% em 1963 em relação a 1962, atingindo níveis relativos a
1952, para depois, com o golpe militar, quase dobrar. Essa correlação entre autoritarismo
e neoliberalismo, aliada ao discurso anticorrupção (utilizado para legitimar o golpe) já
apontado aqui, deve ser sempre salientado, visto ser parte essencial desta tese.
Figura 47. Investimento Direto 1950-1972 (em milhões de US$)
Fonte: Autor, dados: Abreu op. cit.: 410 e 420
Por sua vez, a criação da “Lei da Repressão aos Abusos de Poder Econômico”, ou
lei antitruste (Lei 4.137 de setembro de 1962) não só buscou regular abusos, como criou
um dos órgãos mais importantes ao combate à manipulação de mercado e formação de
monopólios (truste), o CADE. Essa lei, diversamente da lei de lucros, ocorreu exatamente
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 153
como queriam “as classes produtoras” e o setor externo e, por isso, ela deve ser inserida
na racionalidade pró-mercado aqui proposta e não na lógica de repressão ao mercado por
uma perspectiva nacionalista anticapital financeiro, ou de “moralização do mercado”.
Apesar de ser louvada a promulgação da lei, Goulart não escapou das críticas
quando vetou parte da lei que previa a obrigatoriedade da presidência em nomear os
integrantes do CADE. O Congresso reagiu e impôs derrota ao presidente, fomentando
críticas nos jornais (Tribuna da Imprensa 14/02/1962). O CADE recebia destaque
incomum a um órgão administrativo nos jornais, inclusive reportagem de capa inteira,
com fotos de tamanho considerável de seus integrantes, o órgão será mostrado como
justiceiro na frente das batalhas contra os monopólios:
CADE Abre Luta Contra Abuso Do Poder Econômico: ... encontra-se “no
centro de uma guerra” contra os trustes e cartéis estabelecidos no país. A
primeira batalha está sendo travada contra o “truste” internacional da barrilha
que procura estrangular a nascente indústria de /álcalis (Tribuna da Imprensa
17/12/1963: 12)
Falam das dificuldades do órgão, de suas próximas batalhas e competências. Mostram
também, indiretamente, que o CADE recebia apoio diversos, pois a Marinha já havia aceitado
a jurisdição do órgão ao ter feito representações contra distribuidoras de petróleo; e que o
próprio governador da Guanabara (Lacerda) foi instado a sugerir nomes de seus procuradores
para integrar o corpo do órgão – mostrando que o presidente do CADE, Lourival Fontes
(político e jornalista – também ministro da propaganda durante a ditadura Vargas), entendia
ser o apoio de Lacerda crucial à estabilização e suporte ao órgão, especialmente devido à
temática: com a saída de Jânio do quadro político, Lacerda centra o tema da anticorrupção
em si – mesmo que seu nome estivesse envolvido em diversos casos.
Figura 48. Espaço incomum a órgão burocrático (fac-símile)
Fonte: Tribuna da Imprensa 17/12/1963
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 154
Entre as competências do CADE é importante assinalar seu poder de punição.
Extremamente vago e discricionário, seu poder de punição podia fazer com que quem
visse de fora achasse que o órgão tinha grande poder de punitivo: podia taxar a empresa
em práticas de abuso de poder em 5 a 10 mil vezes o maior salário da empresa – uma
distância considerável que, em jogo político, raramente seria aplicada a mais pesada
(vimos que a Light mesmo deixando a cidade toda do Rio de Janeiro sem luz com
frequentes apagões, pagou nada mais que um salário mínimo à prefeitura do Rio de
Janeiro, medida apoiada pelos jornais). Também podia o CADE nomear um interventor
na companhia para que ela cumprisse as penas. Esse é um caractere interessante pois
apesar de parecer duro era uma alternativa mais leve do que os vários pedidos de
nacionalizações que ocorriam naquela época.
O que seria caracterizado como abuso econômico?
Consideram-se formas de abuso de poder econômico: dominar os mercados
nacionais ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência; elevar os preços
sem justa causa ... ou aumentar os lucros sem aumentar a produção; provocar
condições monopolísticas ou exercer especulação abusiva com o fim de
promover o aumento de preços; formar grupo econômico por agregação de
empresas em detrimento da livre deliberação ... exercer concorrência desleal.
Vê-se que entre os itens há a especulação financeira – normalmente não inserida
neste tipo de órgão. Entretanto, como dito, era necessário preencher a lacuna legislativa
relativa à práticas fraudulentas e corruptas que manchavam a legitimidade do mercado
brasileiro. A provisão desta lei fora feita já pela Constituição de 1946, mas nenhum
político a quis levar à cabo, possivelmente vendo-a como desnecessária, quando o
mercado de capitais do país ainda era incipiente. Mas com o avanço deste e com a
desconfiança que era tratado tanto devido ao seu histórico de fraudes, quanto ao ganho de
importância que práticas fraudulentas e monopolísticas tiveram, fez-se necessário editar
a referida lei, mas de um modo que seu poder punitivo fosse aparente, mas não real.
É importante notar que a monopolização do mercado e da indústria brasileira era
prática comum e incentivada pelo governo, mas que trazia problemas à competitividade da
indústria brasileira e impedia novas inversões de outras empresas que sabiam ser o mercado
nacional fechado aos trustes em setores favorecidos pela corrupção política e econômica.
Assim denunciou o Jornal do Commercio em editorial “A IMPORTÂNCIA DA
REPRESSÃO AO ABUSO DO PODER ECONÔMICO” (30/05/1965: 1). Inicialmente
enunciam os preceitos liberais que deveriam guiar os países, bem como a importância da
lei de 1962 que coadunaria a uma “harmonia de comportamento”:
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 155
A repressão ao abuso do poder econômico é prática que se impõe ao Estado
moderno porque, fundamentalmente, defendendo os legítimos interesses do
consumidor, também assegura ao processo de desenvolvimento econômico de
um país maior aceleração de sua taxa de incremento, porque também garante
harmonia de comportamento de diferentes forças produtivas, equilíbrio na
expansão do parque empresarial e o exercício da livre concorrência, fatores
estes indispensáveis ao progresso econômico em regime democrático (ibid.)
Para depois atacar o tipo de desenvolvimento concentrador iniciado no pós Guerra
e impulsionado com JK e que será a tônica durante a ditadura militar, o que criticam.
Realmente, a aceleração do ritmo de industrialização de nossa economia, a
partir da Segunda Guerra Mundial só poderia mesmo criar condições à
monopolização do mercado por parte de alguns ramos industriais ... Não
pretendemos, por enfadonho, prosseguir na enumeração de fatos
comprovadores da liberalidade de nossa política de desenvolvimento industrial,
cujos resultados foram colhidos em ritmo acelerado. Sem dúvida, esse processo
de industrialização ... fez-se acompanhar de uma forte tendência às práticas
monopolísticas, situação que representa séria preocupação às autoridades
responsáveis pela defesa do consumidor e, consequentemente, encarregadas de
reprimir os abusos do poder econômico em nosso mercado (ibid.)
Atando nossa tese, dão o modelo a ser seguido, o dos “países desenvolvidos” de
“economia aberta”. Ao jornal, o desenvolvimentismo adotado pelo Brasil é que era o
“estimulador de atos abusivos, contrários aos interesses dos consumidores e do
crescimento harmonioso e democrático da economia nacional”. A lei era necessária em
países desenvolvidos e em desenvolvimento para acabar com os desequilíbrios. Os
desenvolvidos teriam a vantagem de já possuírem livre mercado o que auxiliaria no
comércio justo, ao contrário do protecionismo brasileiro que continuaria o ciclo vicioso.
[O livre mercado] é uma tendência que se aguça nas economias mais
desenvolvidas do mundo... em que a perfeição do mercado era uma garantia de
equilíbrio entre os interesses dos produtores e consumidores. Se o capitalismo
moderno tende às formas imperfeitas de mercado, não estariam os países
subdesenvolvidos, no seu afã pelo progresso econômico [e protecionismo] ...
aptos a livrar-se dessa tendência. No Brasil, ... os agudos sintomas de
imperfeições do mercado parecem assumir proporções inquietantes. A Lei n.
4.137 representa, portanto, uma imposição desse estado de coisas indicativo de
possíveis abusos. A presença de condições monopolísticas em nossa economia
parece evidente. ... elas surgiram principalmente quase que por exigência do
processo de desenvolvimento [brasileiro]. ... [Esse modelo] está estimulando
atos abusivos contrários aos interesses dos consumidores e do crescimento
harmonioso e democrático da economia nacional. Para isso foi votada a referida
Lei e criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. (ibid., grifo)
Dizem que foi para isso que a Lei de 1962 e o CADE foram criados. A moralização
seria sinônimo de economia, desenvolvimento e livre mercado.
Apesar dos discursos e do disposto na lei, ela fez pouco para restringir o abuso
econômico das grandes empresas. O CADE poucas vezes foi acionado até a década de
1990. Ele e a lei que o instituiu foram tão coniventes com fraudes, como desejado pelo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 156
governo e empresas, que somente foram atualizados pela Lei 8.884 de 1994 em que o
neoliberalismo e o programa de privatizações de Fernando Henrique necessitava remodelar
a lei e criar ainda menores obstáculos às fusões e aquisições de empresas brasileiras.
Os debates relativos à Lei Antitruste de 1962 são exemplificativos dessa
flexibilização. Apesar de ter sido alardeada como forma de controle estatal do capitalismo
e das grandes empresas por seus proponentes, boa parte da discussão foi que essa lei era
vista como uma removedora de barreiras ao livre funcionamento da mão livre do
mercado, livrando-o de instrumentos que poderiam, inclusive, diziam, destruí-lo
(Forgioni 2012: 109). Era necessário dissociar a ideia de uma lei que punia o mercado,
inclusive com interventoria, de nacionalismos “nasseristas”, como queriam alguns.
Somente após a explicitação desse lei como “pró-mercado” é que ela foi aprovada:
Realmente, a repressão ao abuso do poder econômico só estará completa
quando o mecanismo liberal libertar o mercado de sua presença e de seus
efeitos. A lei de que cogita o art. 148 da Constituição não é apenas repressiva.
Mas antes restauradora das condições normais do mercado. É um a lei de defesa
da liberdade econômica e da concorrência” (Parecer da Comissão de
Constituição e Justiça ao Projeto 122/48. Anexo A ao suplemento do DCN, n.
123, 28 jul. 1961: 5 apud Forgioni: 108)
Ou como relatou o jornal OESP:
POSIÇÕES EXTREMADAS: a tarefa das lideranças consiste agora em
encontrar um denominador comum que satisfaça tanto quanto possível as várias
correntes formadas em torno da lei antitruste. Radicalismo, tanto de direita
como de esquerda, está sendo o maior obstáculo à elaboração da lei, tudo
indicando que não haverá acordo algum em torno da questão enquanto se
persistir na defesa de dispositivos extremados (OESP 02/07/1961: 4)
Novamente, o Brasil buscará equiparar-se com a legislação estadunidense,
viabilizando, pensavam, investimentos com a uniformização e previsibilidade jurídica.
Como disse o Ministro Nélson Hungria aos congressistas: “Transformou-se (o sistema
antitruste), nos Estados Unidos, num sistema programático, num sistema político
fundamental, ao utilizarem-se os trustes e consórcios para fins que atendam ao interesse
nacional e ao interesse público” (Forgioni op. cit.: 110).
Nesse sentido, a influência dos EUA no ordenamento brasileiro e no judiciário
sobre monopólios era visível. Se olharmos aos discursos dos ministros do STF até a
década de 1970, toda as vezes que eram instigados a opinar sobre a constitucionalidade
da lei antimonopólio anterior e da lei antitruste de 1962, eles invocaram a liderança e o
exemplo dos Estados Unidos para legitimá-las. Assim concluiu o min. Aníbal Freire sobre
o pensamento do legislador ao criar essas leis “Não difere dos ensinamentos da doutrina
e da experiência oriundos da legislação e jurisprudência americana” (Tacito 1977: 28)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 157
O texto original do dep. Agamemnon (1948), perdeu seu caráter punitivo e
abrangente do que seria abuso do poder econômico para uma versão amena que buscava
atualizar as leis de 1951 feitas no governo Vargas que disciplinavam atividades sobre
economia popular e abastecimento de luz, água, esgoto, comida etc. Essa lei não atacava
o problema de abuso de poder diretamente, não era sua intenção, apenas criava reservas
às indústrias nacionais, incentivando seus investimentos nessas áreas.
Para ser aprovada, a Lei Antitruste de 1962, teve de utilizar-se da lei anterior, mas
quebrar sua linha protecionista, adotando entendimento brando sobre corrupção privada.
Retirando da ilegalidade muitos práticas antes vistas como ilícitas. Em suma, a nova lei
não mais focava na finalidade das ações ilegais e em seus efeitos (como na qualidade dos
serviços prestados como forma de ação ilegal – muitas vezes eram deliberadas), mas
apenas na questão da concorrência ilegal via formação de cartel e manipulação de preços.
Isso foi salutar ao mercado e às empresas que praticavam fraudes pois eliminou o que
muitos chamavam de “insegurança jurídica”. Como diz Forgioni, tratou-se mais de uma
lei de tutela da concorrência que uma lei de repressão de abusos econômicos (cap. 5.4)
Em conclusão, essa lei na prática ajudou a situação de várias concessionárias que
estavam sendo ameaçadas de nacionalização por péssima prestação de serviço e práticas
desleais, muitas condenadas em seus países de origem. Fica fácil de se entender o motivo
pelo qual a ditadura militar não tocou nessa lei, sendo sua política econômica altamente
focada na oligopolização e monopolização de grandes indústrias e bancos como
propulsores do capitalismo brasileiro, além do interesse pela corrupção dela originária.
Com o tempo, especialmente na ditadura, o CADE restringiu o que considerava
abuso de poder econômico, criando a necessidade da presença do trinômio da “dominação
dos mercados nacionais, da eliminação da concorrência e do aumento arbitrário de lucros”
(Forgioni op. cit.: 113). Caso contrário, não seria jurisdição do CADE. A consolidação
desse “regramento” adveio não do legislador, mas da prática de julgamentos anteriores
do próprio CADE. Nesses casos, o órgão indeferia acusações sobre empresas formarem
cartéis no Brasil, pois faltavam alguns dos três elementos que, notem, legalmente não
eram necessários para configurar como abuso pela lei de 1962. O CADE simplesmente
inventou esses requisitos ad hoc para invalidar punições.
Isso ocorreu desde seu primeiro julgamento, o “Caso do truste da barrilha”. Esse
cartel consistia na importação fraudulenta de matéria prima de carbonato de sódio
[barrilha] e utilização de dumping, dando prejuízo à Companhia Nacional de Álcalis em
mais de Cr$1.3 bilhão, quase paralisando as fábricas (oferecia descontos de até um quarto
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 158
do preço do mercado, Jornal do Commercio 04/04/1965: 9). Depois de anos de análise do
caso, com mais de 37 depoimentos envolvendo diretores de grandes empresas (OESP
20/02/1964: 19), inclusive a Phillips do Brasil, uma das principais compradoras do
produto e acusada de possuir ações das empresas fraudulentas (Jornal do Commercio
31/01/1964: 2). O CADE argumentou que não se configurava abuso pois o dumping não
era crime. Somente seria crime se o cartel buscasse a “elevação do preço”. “Esquecem”
que o dumping visa a quebra de outras empresas via preços baixos, para depois, formar
monopólio e poder promover o aumento indiscriminado de preços.
Lacerda, tendo rompido com a ditadura, entendendo que os militares não cederiam
o poder, foi mais incisivo em suas críticas, chamando o governo de “entreguista”:
ÁLCALIS & ENTREGUISMO – Recentemente foram absolvidas pelo
CADE as 15 empresas membras da ATBIAV acusadas de abuso de poder
econômico. Acusava o sindicato manobras de dumping de barrilha no mercado
brasileiro. Ora, conforme noticiamos tempos atrás, o assunto foi debatido
quando algumas vozes interessadas na sobrevivência da Fábrica Nacional de
Álcalis gritaram contra as manobras de trustes, as quais, pura e simplesmente
pretendiam liquidar o concorrente nacional. (Tribuna da Imprensa 11/08/1966)
Depois, descrevem a absolvição e ligam o fato não só com o interesse econômico,
mas com o interesse de segurança nacional. A implicação é que a ditadura civil-militar
preferiu não só não mexer com uma indústria que dizimou empregos no país, como com
os interesses internacionais visto a barrilha ser controlada rigorosamente por diversos
países visto seu uso militar. Questionam o entreguismo tanto econômico quanto militar
de um governo que prefere não produzir em sua plena capacidade a barrilha internamente
e comprar de monopólios estrangeiros, a qualquer preço que desejem, o essencial produto:
Agora consta que ato das autoridades competentes proibiu a importação de soda
cáustica. Entretanto, o ato foi rodeado de sigilo ... Trata-se de não levantar a
lebre em torno de assunto que envolve a segurança nacional. Basta lembrar que
o produto em jogo é a barrilha, objeto de rígido controle pelos Países que a
produzem, além de componentes básicos para uma infinidade de subprodutos.
Como se vê, o entreguismo esconde sua face. E a segurança nacional, onde
fica? (ibid.)
Por outro lado, jornais que ainda apoiavam a ditadura, como O Globo e OESP,
nada falarão, tendo apenas 3 matérias não-opinativas cada sobre o órgão e a barrilha
(como fizeram com outros casos de corrupção na época – mostrado no próximo capítulo).
Ou seja, o poder de decisão e coibição de práticas de fraudes do poder econômico do
CADE era diminuto, bem como sua vontade em os coibir. O CADE servia, portanto,
como um instrumento normalizador de práticas de corrupção privada de grandes
empresas, servindo aos propósitos neoliberais da época, ao mesmo tempo que passava a
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 159
impressão de autarquia reguladora, algo extremamente caro ao neoliberalismo
transnacional ou globalizado, visando aumentar o número de investimentos em um país
agora “regrado” de acordo com as “nações civilizadas”.
Prova da necessidade de se manter essa aparência, é que o número de “averiguações
preliminares” a partir de denúncias de formação de cartel ou concorrência desleal foram
significativas, mas apenas 11 foram a julgamento entre 1962 e 1975, sendo apenas 1
considerada prática ilegal. No caso, a gigante Pepsi Cola foi julgada em 1974 como atora
de práticas de truste, o caso foi levado a julgamento pelas empresas brasileiras Pampa
Refrigerantes Ltda. e Refrigerantes Vontobel Ltda. Moniz Bandeira atesta nossa tese ao
dizer que a condenação da Pepsi Cola:
teve como objetivo salvar as aparências e dar um a satisfação à opinião
pública”, tendo em vista a inoperância do CADE e, principalmente, o fato de
que, não obstante as provas coletadas, na totalidade dos processos levados a
julgamento até então, o denunciado havia sido absolvido, na maioria das vezes,
por ausência de provas (Moniz Bandeira 1975: 136)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 160
Parte III: O Golpe Do Escorpião: O Fim da Democracia e o Discurso
Anticorrupção no Centro da Legitimação da “Operação Limpeza” e
Corrupção como Meio de Liberalização da Economia.
Assim como os outros políticos aqui apresentados, é impossível taxar os discutidos
nesta parte de neoliberais. Jânio tampouco. Entretanto, é importante conceber que
algumas de suas ações e discursos podem ser vistos como um dos princípios de uma
racionalidade que será apoiada por neoliberais, seja o anti-institucionalismo via a
vilificação da administração pública e da classe política pelo discurso anticorrupção,
combinado com o ímpeto de se realizar uma política de austeridade e, se possível, de
livre-mercado, como a sua tentativa em adotar a taxa cambial única, algo pedido pelo
FMI desde seu nascimento e sempre deixado de lado pelas classes dirigentes brasileiras.
Nesse sentido, o arquétipo de um herói anticorrupção brasileiro visto em Jânio terá
características semelhantes em futuros presidentes que também terão pautas e discursos
semelhantes. Estudar o impacto da vitória de Quadros na cultura política brasileira, e as
condições estruturais e circunstanciais que permitirão sua retumbante vitória é
extremamente importante para entendermos nosso objeto de estudo.
Por outro lado, todo “herói” possui seus “vilões” e a segunda metade deste capítulo
buscará entender a representação de João Goulart e de seu governo pelo binômio
anticomunismo/anticorrupção. Visando evitar narrativa repetitiva, estudaremos os
autoproclamados “heróis militares anticorrupção”, desmitificando ao máximo a aura que
muitos ainda buscam lhes prover e seu governo como um “período sem corrupção”.
Mostro que a corrupção foi essencial e estimulada como instrumento de perseguição e
como facilitadora de coesão e de acordos políticos e econômicos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 161
Capítulo VI: The Good, the Bad, the Ugly: Os “heróis” e o “vilão” anticorrupção
Se a história brasileira está repleta de figuras políticas carismáticas, podemos dizer
que poucas foram as que buscaram apresentar-se sob o manto da figura idealizada do
“herói anticorrupção”. Obviamente, todo político representa-se, de algum modo, como
alguém “honesto” e sob a forma de um “salvador” (alguém capaz de “trazer esperança de
mudança”), não sendo essas categorias exclusivas ao herói. Basta olhar a análise abaixo
feita a partir dum dos mais populares e efetivos discursos políticos da história brasileira:
os jingles políticos. Nelas, as categorias mais citadas foram [trazedor da] “Mudança e
Progresso” e da “Felicidade/Esperança” (conferir metodologia: Anexo C).
Figura 49.% das categorias mais citadas em todos os jingles presidenciais (1930-2018)
Fonte: Autor, dados: conferir Apêndice C
Entretanto, essas representações não necessariamente implicam na caracterização
típica de um herói, muitas vezes se assemelhando a um político dotado de empatia, num
“pai do povo”. Isso ocorre, pois, a figura do herói anticorrupção, necessita de
determinadas condições e características individuais que ultimamente permitem a
distinção entre personagens como Vargas e Jânio Quadros.
O que os torna diferentes é o foco no discurso “anticorrupção” via a representação
de um indivíduo “apolítico”, “justiceiro” e “bom gestor”. Pressupõe-se, de acordo com a
racionalidade já exposta, que a boa gestão e política seriam inconciliáveis. Essas
características crescem de importância à medida que o sentimento anti-institucional
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
18%
20%
0
50
100
150
200
250
% Presença por Tópico
Número Absouto por Tópico
Repetição de Valores % Total Versos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 162
aumenta. Não à toa que “anticorrupção” e “gestão” são as características que, atualmente,
garantem a maior parcela dos votos (em win-share percentage) (Curini 2019).
Os jingles podem traduzir os momentos em que a agenda anticorrupção possuiu
momentos mais significativos na história, mostrando quando as categorias “tradicionais”
ficam subordinadas a outras categorias, denotando uma mudança temporária na postura
política como no caso das categorias “honestidade/anticorrupção”,
“preparado/experiente” e “gestor/trabalhador”. Isso ocorreu em 1960 com Jânio, 1989
com Collor, em 2006 após as denúncias do mensalão e em 2018 com Bolsonaro.
Figura 50. “Corrupção” por Eleição em relação ao número total de versos (1930-2018)
Fonte: Autor, conferir Apêndice C
Curiosamente, Weber (1946), Carlyle (1841) e Nietzsche (1978) acreditavam que
a importância do carisma e outras formas de individualismo diminuiriam na arena política
à medida que se aumentasse a racionalização imposta pelo capitalismo e pelo
aperfeiçoamento de instituições permanentes. Entretanto, com o desenvolvimento de
novos meios técnico-informacionais e com a influência da indústria cultural na formação
do imaginário social, ocorreu o oposto. Grupos políticos foram forçados a (re)inventarem
formas de se conectar com seu eleitorado (Forattini 2020b), via linguagem mais próxima
da glorificação do personalismo presente no entretenimento popular em que carisma e a
necessidade de “manter constante estado de agitação” tornaram-se essenciais.
Emílio Gentile (1996) aponta que o carisma virou qualidade essencial quando a
política se midiatiza e transforma-se numa forma de religião (sacralização da política).
Nela, o “sagrado” reaparece em momentos de crise econômica ou social em forma de
“religiões cívicas” lideradas por uma figura central que promete a salvação do todo social
contra inimigos internos e/ou externos, próximo à mistificação hollywoodiana de um
herói justiceiro, contra um sistema insuficiente, ou corrupto, para lidar com essa ameaça.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
0
5
10
15
20
25
30
35
40
1955 1960 1989 1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018
% Presença Corrupção
Número Absoluto
Eleições
Total
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 163
Uma das características mais importantes ao novo cenário político seria a
reinvenção do “heroísmo”. É impossível que um político (um burocrata profissional),
pudesse recriar feitos e qualidades tradicionais heroicas, fazendo-se necessário o dotar de
características que ressoassem ao heroísmo. A mudança mais significativa na figura do
“político-heroico moderno” foi em relação a diminuição/ressignificação do sentido de
missão. A nova missão heroica envolve inimigos invisíveis (como o comunismo), ou
estruturais (como a corrupção). Trata-se de uma versão pastiche de modelos heroicos
anteriores. Esses novos “heróis” normalmente aparecem em momentos de crises e
inspiram uma mistura de descrença social com o sistema político via a busca de motifs
heroicos repassados à população via técnicas modernas de comunicação.
Ditadores como Hitler, Stalin (Bazin 1978) e Mussolini (Dall’Asta, 1992),
representaram o ápice da sacralização política. Seus discursos e ações eram coreografados
em consonância com os trejeitos do cinema, focando especialmente em “homens de ação”
de sua época ou mitos idealizados (no caso de Hitler ver os filmes de Leni Riefenstahl).
André Bazin mostra como o cinema soviético perdeu sua maior qualidade (o humanismo
realista) quando Stalin toma o poder, pois o cinema soviético começou a se inspirar na
construção hollywoodiana da mistificação do herói (Bazin 1978: 22).
Isso vale a Mussolini. O ditador italiano adotava trejeitos e poses escolhidos a dedo,
em sua maioria apropriando-se de maneirismos do personagem heroico italiano Maciste
(Bartolomeo Pagano), símbolo de justiça aliada à virilidade (Dall’Asta, 1992).
Figura 51. Mussolini e Maciste
Fonte: Autor
Assim, globalmente, pode-se verificar quatro principais características presentes
em todo herói anticorrupção: 1) a dissociação entre a moralidade privada e pública e a
busca da implementação daquela sobre a última via temas como políticas moralistas e
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 164
“eficiência” na gestão estatal (via austeridade e diminuição do Estado); 2) a “religião” ou
a “tradição” como signos legitimadores dessa moral; 3) um ser “fora da política”; 4) senso
de justiça próximo à figura do justiceiro (luta fora das regras, tidas como corrompidas)
(Forattini e Andreotti, 2020). Outras características podem ser encontradas, mas não são
necessárias, como, por exemplo, o militarismo.
Vê-se que apesar de ser um movimento que se diz “renovador”, é, ultimamente,
conservador, pois se propõe a “arrumar” o país e retornar às suas origens e tradições, que
foram desvirtuadas ao longo do caminho. O mesmo pode ser confirmado nas histórias de
heróis que esses políticos se inspiravam:
A própria cronologia [do quadrinhos e do filme Super Homem] ... servirá ao
cenário político. Há importante hiato na história de Clark Kent. Ele estava
ausente das mudanças sociais de 1940 e 1950; ou [no caso do filme] durante
todo os anos de contestação de 1960 e parte dos anos 70. Essa é a época de sua
adolescência, em que o Superman não marca presença no mundo, pois estava
em treinamento por Jor-El. Ele retorna à cena apenas quando dotado de
superpoderes e de “valores americanos” intatos em Metrópolis, uma cidade
descrita como caótica, corrupta, suja e confusa. A ideia seria mostrar que
Superman salvaria o país corrompido ao trazer os valores tradicionais
estadunidenses de volta. (Forattini e Andreotti 2021)
1. Jânio, o Herói Anticorrupção Brasileiro
Nesse sentido, a candidatura de Jânio Quadros possuía todos esses elementos vitais
à imagem do herói anticorrupção. Desde sua primeira eleição Jânio buscou se representar
como um liberal defensor da moral e do trabalhador, disputando com setores
conservadores o voto das elites e classe média e com os comunistas e socialistas o título
de “representante do povo e da classe trabalhadora”. Para isso, ele inova no modo de se
ligar ao eleitorado: come sentado na rua, coloca talco no paletó para parecer que tem
caspa, usa roupa amarrotada etc. Ao mesmo tempo, demonstra distância intelectual com
tom professoral. Em seus discursos é pernóstico, mas sabe envolver a população com sua
retórica e os momentos exatos para inserir frases de efeito necessárias à comoção.
Diferente dos comunistas e socialistas, entretanto, Jânio nunca denunciou o sistema
econômico, nem chegou a propor revoluções. A resposta para ele estaria em mudanças
circunstanciais, especialmente no âmbito da corrupção política ou econômica, que
levariam à melhora da qualidade de vida da população e do próprio sistema liberal. Por
isso, abertamente definia-se como “um liberal na concepção boa do vocábulo” (Anais da
Câmara Municipal, 03/09/1948). Ou seja, buscava se distanciar das acusações feitas aos
liberais de que suas preocupações eram mais com o capital que com o povo.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 165
A ele, como para muitos conservadores da época, o Estado deveria ser um agente
político fiscalizador e educador da sociedade (Chaia 1991). Entretanto, esse Estado não
era ente abstrato, pois se configurava em seu personalismo.
Um Estado que apareceria encarnado na humilde figura de Jânio, o político
moralizador. Surgia uma das bases do janismo: a crença ... num líder que
poderia resolver os problemas nacionais. (Chaia apud Salvadori Filho 2014)
Na figura abaixo, temos um quadrinho (estilo do qual Jânio tentou banir quando
vereador pois “desmoralizava a juventude brasileira”) da maior editora dos anos de 1950
a 1970 feito para contar a história de Jânio, representando-o como um tipo heroico. O tipo
de veículo já demonstra claramente a intenção de como o político buscava ser entendido.
Nele, Jânio “varre” o país de Norte a Sul. Sua sombra não corresponde com sua figura. A
figura é a de um homem abarcando todo um país em pose decisiva, enquanto o limpa.
Suas vestes são as das cores do Super-Homem. Cores que, por sinal, em nenhuma foto
sua pude encontrar a mesma combinação (diversos aplicativos de colorização via
inteligência artificial foram utilizados). Já sua sombra temos um homem pensativo, com
joelho dobrado e punho próximo ao rosto (“O Pensador” de Rodin). Assim como Clark
Kent, temos dois personagens que se complementam: ação e intelecto. Ambos
contribuindo à missão: “Precisamos efetuar uma limpeza, uma varredura geral!”.
Ainda na contracapa temos sua “declaração de propósitos” que, ao mesmo tempo
que afirma o intento, demonstra suas qualidades de homem empático, ainda que justo,
firme e crente em Deus. Jânio seria um patriota que “com a ajuda de Deus e do povo que
o elegeu, para a vida e para a morte, por meio de seus sacrifícios edificará à República e
seus fundamentos: ser cristã, indivisível, equânime, próspera e democrática”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 166
Figura 52. Contracapa do "Super-Jânio" em “Jânio Quadros - Homem do Povo”
Fonte: “Jânio Quadros em Quadrinhos”, Editora Brasil-América à Democracia Brasileira, 1960. Acervo Pessoal.
A revista mostra seu crescimento em área rural no Mato Grosso, com sua mãe o
educando sobre a prioridade moral na vida; sua dedicação aos estudos, retratando-o como
gênio e ávido leitor de Lincoln; sua liderança no centro acadêmico e na vida política. A
empatia e ligação com o povo, além de inabalável missão de moralizar as instituições e
contratos públicos, via sua moral e vigor, representados por sua arma: a vassoura.
Todos os elementos típicos de um discurso heroico estão presentes: elevação dos
valores fundacionais da Nação no campo e na simplicidade; patriotismo; sacrifícios;
senso de justiça; tudo englobado numa luta, junto com Deus e o povo, de vida ou morte
pelo país. O herói está configurado, sua missão e aliados também.
Figura 53. A construção do “herói”: a "recuperação moral" e a ligação com o povo
Fonte: “Jânio Quadros em Quadrinhos” 1960: 6
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 167
Legenda Quadro 1: “Porfírio! Não ganho eleição em conchavos palacianos, ganho-a na rua!” “Jânio
expunha francamente nos comícios a sua situação de oponente ao candidato oficial, que contava com o
apoio dos governos do Estado e da União e das forças do poderio econômico.”
Legenda Quadro 2: “Jânio Quadros principiou a falar em todos os bairros de São Paulo. O povo aplaudia-
o calorosamente” “Mais vale acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão!’” “Nos comícios seguintes
todos acorriam empunhando simbólicas velas acesas”.
Figura 54. O "surgimento" da vassoura
Fonte: Ibid.: 7
Legenda: “A prefeitura precisa de recuperação moral e administrativa! Precisamos efetuar uma limpeza, uma
varredura geral”. “Surgiram as vassouras empunhadas pelo povo, que se tornaram o símbolo da política de Jânio
Quadros. Era empolgante o espetáculo dos humildes trabalhadores, eletrizados pela palavra de seu líder”.
Figura 55. A moralização do Estado e da máquina burocrática
Fonte: ibid.: 8.
Legenda: “Moralizando impiedosamente a administração pública, sei que não defendo apenas o Tesouro
Estadual, o patrimônio do povo. Mas, moralizar, não é só punir os desonestos, é também premiar os
decentes e, paralelamente, racionalizar os serviços públicos...” (p. 8, grifo meu)
Após toda essa mistificação, o leitor veria a figura de Jânio limpando o país na
contracapa. Já a capa é completamente diferente. Nela temos Clark Kent, ou seja, o
homem comum, mas extraordinário, com olhar altivo, mas apoiado pelas massas.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 168
Figura 56. Capa de Jânio Quadros - Homem do Povo - Quadrinhos
Fonte: ibid.
Essa concepção personalista e moralista das solução dos problemas, ao invés de
tratados pela via estrutural, fica expressa em diversos de seus discursos e em outros de
seus materiais publicitários. Diversificando as fontes sobre o tema, foi encontrado um
livro dirigido especialmente ao público do Nordeste que o desconhecia, era uma “carta
de apresentação” de Jânio à região em formato de cordel. O nome do livro era uma das
categorias supracitadas nos jingles: “Jânio, a esperança do Brasil”.
Figura 57. Jânio, A Esperança do Brasil
Fonte: Jânio Quadros, A Esperança do Brasil, Editora Prelúdio, 1960, Acervo Pessoal.
Nesse livro Jânio apresenta-se como um político duro contra os “grandes”, em
especial ao grande capital privado e seus serviços caros e ineficazes. Novamente, não
critica o sistema econômico que permite a espoliação e nem busca apresentar qualquer
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 169
proposta para seu melhoramento que não soluções pontuais dependentes de sua pessoa.
Pela primeira vez, a luta anticorrupção é mostrada como benéfica ao povo e não apenas
de caráter punitivo:
À Companhia estrangeira / Jânio nunca se humilhou; / A Light e a Telefônica
/ diversas vezes multou / para cada uma dessas / cumprir como contratou. /
Jânio puniu os culpados / fossem grandes ou pequenos / como havia falsos /
donos de terrenos / mas com medo da borracha / a coisa está mais ou menos /
Cedo toda gente viu / a melhora na cidade: / água, luz e calçamento / a força da
eletricidade; / nas praças dos belos jardins / que dão conforto e saudade.
Os conceitos chave do livreto serão: moralidade privada e pública, fé cristã,
corrupção e qualidade de vida da população. Abaixo busca mostrar novamente que a luta
anticorrupção traria eficiência, mas atacando o funcionalismo público:
O funcionalismo público dos apadrinhados também foram atacados: “Jânio
também atacou / a “proteção” e o “padrinho” / que por intermédio destes /
arranjava-se empreguinho / somente assinando o ponto / e ganhando o
cobrezinho”. Proibiu nomeações / de empregos municipais / [...] Também
tabelou os preços / de todos os cereais / Prendeu engazopadores / do dinheiro
arrecadado; / Melhorou todo transporte / Para o operariado; / Comprou mais
600 ônibus / Com o “cobre” economizado.
Por fim, a figura do “bom cidadão” é evocada como justificativa de voto,
automaticamente antagonizando a população em dois tipos de eleitores: os de Jânio (cristãos,
decentes, que se preocupam com a moralidade do país e com a qualidade de vida da
população) contra os eleitores de seus adversários (coniventes com a “sujeira”), utilizando
representações comuns em discursos autoritários e totalitários, como o rato e urubus etc.:
Os eleitores de Jânio: “Vem agora as eleições / elegendo à presidência / e todo
bom cidadão / usando sua decência / tem de dar, pelo Brasil / seu voto de
consciência” Os de seus adversários: “O Brasil é bom país / mas tem rato e
tem sujeira / O brasileiro não usa do cangaço ou da trincheira / porém tendo
uma Vassoura / limpa a terra brasileira”.
Nesse sentido, o jingle de Jânio Quadros à presidência, um dos mais marcantes da
história brasileira, é representativo ao adotar a vassoura como símbolo de restauro moral
de um “povo abandonado” e de um “Brasil desmoralizado”:
Varre, varre, varre vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já está cansado
De sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado!
Alerta, meu irmão!
Vassoura, conterrâneo! [sons de vassoura varrendo]
Vamos vencer com Jânio!
[Locutor: em toda história do Brasil, nunca foi tão fácil escolher o melhor, para
presidente da República, vote em Jânio Quadros]
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 170
Seu principal signo volta: a vassoura, com a qual multidões se identificavam.
Trata-se de um dos símbolos mais bem pensados para simbolizar a luta anticorrupção
devido a fácil identidade semântica que cria com o eleitorado. Um objeto presente em
todas as casas, que qualquer um poderia empunhar como símbolo de adesão.
Os mais variados objetos foram produzidos tanto pela campanha de Jânio, mas
principalmente por comitês independentes. Vale a pena notar que a grande maioria, com
raras exceções, desses símbolos são jocosos com a figura de Jânio, utilizando o humor
como forma comunicação direta e sintética com o povo.
Tabela 19. Flâmulas, Broches (Pins) e Selo de Jânio - 1960
Fonte: Leilões e Acervo Pessoal
Das figuras acima, duas que se destoam: o selo “Jânio vem aí...” e a flâmula “A
vassoura é a espada do povo”, ambos com estilo gráfico sério e realista. A flâmula será a
primeira a relacionar diretamente a vassoura com arma.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 171
Em tempo, vemos a presença da figura do “pinto” (filhote de galinha) carregando
uma vassoura. Essa figura deve-se ao ostensivo apoio dado a Jânio pelo governador de
São Paulo Carvalho Pinto, que também utilizou de campanha moralista e da vassoura
janista quando em campanha a governador de São Paulo em 1958. Em ambas, o principal
alvo foram a corrupção e o funcionalismo público.
Figura 58. Campanha de Carvalho Pinto em 1958
Fonte: Centro de Memória e Informação Pessoal Yuri Victorino
Em editorial em 1958 chamado a “Austeridade e Compostura Administrativa”
(OESP 31/08/1958), o jornal paulista dirá que a candidatura de Pinto significava
“auspicioso futuro à São Paulo e ao País”.
O domínio da corrupção, da impostura e do suborno tem resultado mais da
desagregação das forças democráticas, do que da impossibilidade de resistirem
à pressão dos demagogos ... Resta que os paulistas compreendam e prestigiem
o alcance desta campanha. É a derradeira oportunidade que se nos oferece para
nos salvarmos e salvar o País ... Ou limpamos os quadros políticos e
administrativos do bando de incapazes e aventureiros que tem arrastado a
Nação à desgraça em que ela está, ou concorreremos por nossas mãos para
abreviar o cataclismo social e econômico que inevitavelmente advirá da ação
dos demagogos (ibid.)
O jornal ligou a eleição de Carvalho Pinto à última chance de salvar a nação. Era
uma eleição contra, diziam, “a onda ameaçadora da corrupção ademarista” (05/06/1958).
A agenda anticorrupção ganhava mais força junto com o declínio da qualidade de vida da
população e com o descontrole de certos indicadores econômicos de médio-longo prazo,
em especial o início da desaceleração industrial e crescente endividamento público.
Diretamente respondendo a esse editorial e às diversas acusações contra a
administração pública, o jornal Última Hora contratacará ao afirmar que teria sido mais
benéfico aos cofres públicos se esses jornais investigassem “as empresas estrangeiras que
expoliam o nosso povo” e os “políticos profissionais de longa data que ocultam bens em
suas declarações de renda” (UH 02/09/1958). O jornal carioca acusará Quadros e jornal
paulista de utilizar da luta anticorrupção para eleger Carvalho Pinto.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 172
Qual, entretanto, o conceito de corrupção, de impostura e de suborno do pessoal
do velho órgão da camorra "liberal” da Paulicéia? Pois o que lemos no "Diário”
da Assembleia do Estado é que nunca se viu tamanha soma de dinheiro gasta
na propaganda eleitoral, tendo a candidatura dos Campos Elísios o primeiro
lunar na baderna! [...] Para isso, até Jânio [então governador do Estado de São
Paulo], “padrão de austeridade nacional” se empenhou que a Caixa Econômica
do Estado emprestasse mais de 52 milhões de cruzeiros a uma entidade
publicitária (ato publicado no Diário da Assembleia). (UH, 02/09/1958)
Denunciam que para eleger Carvalho Pinto, Jânio Quadros emprestou vultuosas
quantias públicas. Para isso, criou-se empresa de publicidade cujo dono era Vitor Costa
que após esse episódio tornou-se uma das figuras mais importantes do ramo de
comunicação, com uma empresa de “ascensão meteórica”.
Esta entidade, a Organização Vitor Costa (Rádio, Televisão Ltda.), que tem a
seu cargo a propaganda, na mais ampla escala, desta flor de compostura
administrativa, exemplo de puritanismo e modelo de seriedade, que é o Ilustre
Carvalho Pinto!... Convenhamos. O Vitor está no seu papel. E autêntico!
Montou a sua Organização para vender serviços. Se a candidatura Carvalho
Pinto precisa de propaganda para vencer o Adhemar, o Vitor não vacila em
servi-lo! Mas tem o seu preço, este preço é, para começo de conversa, o
empréstimo de 52 milhões e 500 mil cruzeiros na Caixa. Econômica do Estado.
O preço desta “campanha limpa” era, entretanto, salgado e nada limpo. Costa não
tinha colaterais para o empréstimo. Eis que Jânio novamente dá mais 50 milhões de
empréstimo pelo Banco do Estado de S. Paulo (BANESPA), para Vitor Costa.
Diante de tanta facilidade, o Vitor Costa, de olho na erva, exige um pouco
mais! Quer, também, um empréstimo de 50 milhões de cruzeiros do Banco do
Estado de São Paulo, onde o Jânio manda. O imaculado varão dos Campos
Elísios, zás! Não pode ser pela Carteira Hipotecária, pois Vitor nada tem para
hipotecar... Não seja essa a dúvida, rapaz! A coisa se faz, sem tropeços,
suavemente, pela Carteira de Liquidação!... E tudo fica liquidado.
Carvalho Pinto saiu vitorioso frustrando os planos da poderosa máquina ademarista.
A figura abaixo mostra a força que o passarinho e a campanha anticorrupção de Jânio
tiveram contra Adhemar, retratado como alguém oposto à moralidade pública.
Figura 59. Mania de Perseguição
Fonte: OESP 20/09/1958: 4
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 173
2. Definindo-se em contraposição aos ditos vilões: Juscelino e Adhemar
A “nêmesis” de Jânio não era o marechal Lott, seu adversário pelo PSD. Apesar de
ter lutado para reestabelecer a ordem democrática contra a tentativa de golpe de 1955 e
de ter servido como importante balança das Forças Armadas no campo legalista, Lott não
dispunha de carisma suficiente e nem de apoio político integral de seu partido para ganhar
o pleito de 1959. O próprio Juscelino chegou a pedir para que o PSD não lançasse
candidato naquela eleição, buscando preservar seu nome para candidato às eleições de
1965 – também sabia dos problemas internos que ele deixava ao próximo governo e
queria evitar que seu partido arcasse com eles.
A falta de trato político e as alianças levadas à cabo pelo PSD com o PTB e com o
influente, mas ainda ilegal, PCB, não auxiliaram Lott. Em algumas instâncias ele
repudiou publicamente abrir relações comerciais com a URSS e apoiar a legalização do
PCB. Lott inclusive teve problemas com a indústria automobilística que estava disposta
a apoiá-lo, quando em reunião diz que eles deveriam abaixar os preços, pois "não é
possível que uma indústria automobilística continue com preços tão altos. É melhor não
ter uma indústria automobilística" (Maram 1992: 127). O mesmo ocorreu com os
produtores de café preocupados com a queda do preço. A solução de Lott: acabar com o
produtor marginal. Uma solução lógica, mas equivalente a suicídio político (ibid.: 126).
Além disso, o próprio PSD estava desarticulado internamente. A chamada Ala
Moça, essencial à candidatura de Juscelino em 1955, havia perdido boa parte de suas
cadeiras no Congresso. Juscelino também deixou de lutar por ela, quando alguns de seus
integrantes encamparam projetos que ele entendia como anátemas, como a reforma
agrária. JK sabia que seu plano de voltar ao governo necessitava do apoio da área mais
tradicionais do PSD (Archer 1989: 161 e 170-180 apud Maram op. cit.: 132).
Jânio via como seus reais oponentes a máquina ademarista e a figura de Juscelino.
Goulart não era visto como obstáculo pois seria candidato à vice-presidência, formando,
informalmente, a chapa “Jan-Jan”. A despeito dos reclames de setores mais tradicionais
e liberais da sociedade brasileira, o PTB com Goulart ganhava cada vez mais espaço no
campo e na cidade à medida que a crise econômica e a influência de movimentos sociais
de esquerda cresciam. Goulart enquanto vice-presidente de Juscelino conseguiu alocar
seu partido em ministérios-chaves, corroendo campos tradicionais de influência do PSD.
Assim, se Goulart não era visto como oposição na corrida eleitoral, ele e a esquerda
(uniões, sindicatos, associações, estudantes, partidos políticos, etc.) eram tidos como
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 174
problema durante a atuação do novo governo, por setores conservadores e liberais
(inclusive JK temia a força de membros da Frente Parlamentar Nacionalista – FPN –,
como Sérgio Magalhães, do PTB).
Com Goulart fora da corrida presidencial, a agenda moralista e a carreira política
de Jânio beneficiaram-se em ter Adhemar e JK (na figura que ele representava aos
eleitores de Jânio) como oponentes. A figura do “heroi anticorrupção de Jânio” completa-
se ao encontrar o elemento vital à construção de um heroi: os vilões.
Adhemar, como mostrado ao longo de toda essa tese, era visto pela elite paulista e
por quase toda a mídia, como um político corrupto. Ele pode ser visto como a origem do
político que “rouba, mas faz”. Era uma estratégia de defesa adotada por seus apoiadores
devido às constantes acusações contra ele. Prova disso é seu jingle quando concorre com
Juscelino que focará em em sua famosa “caixinha”
44
como forma de corrupção que traz
desenvolvimento. Essa “marchinha” foi composta pelos maiores nomes do samba
brasileiro (Herivelto Martins e Benedito Lacerda) e cantada por uma das vozes mais
conhecidas do Brasil (Nelson Gonçalves):
Quem não conhece
Quem não ouviu falar
Na famosa caixinha do Adhemar
Que deu livro, deu remédio, deu estrada
Caixinha abençoada
Já se comenta de Norte a Sul
Com Adhemar tá tudo azul
Deixa falar toda essa gente maldizente
Deixa quem quiser falar
Essa gente que não tem o que fazer
Sabe tudo, mas não cumpre o seu dever
Enquanto eles engordam tubarões
A sardinha defende o bem estar de milhões.
Adhemar foi alertado sobre o risco que essa música traria à sua campanha, mas
retorquiu: “Quem tem lombriga assustada, não serve para andar comigo” (Lovato 2014).
_______________________________________
44
Alusão à dinheiro não declarado advindo de taxa cobrada de fornecedores e empreiteiros por obras
públicas em São Paulo. Feito o depósito, estes recebiam um recibo de “doação de campanha partidária”,
pelo partido de Adhemar (Lovato 2014: 21)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 175
A Caixinha do Adhemar
Fonte: Correio da Manhã 06/07/1963: 14
Mas com o clima de moralização que abalava o país pós-Juscelino, o impacto de
uma estratégia como essa seria diminuto. O político paulista tinha acabado de passar por
importante derrota à Carvalho Pinto e à vassoura de Jânio em 1958. Sua estratégia então
foi a de uma campanha que fugisse da caixinha, isolando boa parte de seu imaginário
político que o ajudou a consolidar importantes vitórias na arena política. Era uma faca de
dois gumes. Seguindo os ânimos conservadores de 1960, ele lança campanha patriótica:
Hip, hip, hurra
Vamos todos saudar Adhemar
Hip, hip, hurra
Que o nosso país vai governar
Hip, hip, hurra
Esse é o braço varonil
Que ecoa pelos céus do Brasil
E com coro nós vamos saudar
Hip, hip, hurra
Adhemar, Adhemar, Adhemar
Adhemar nunca conseguiu explicar o crescimento de suas fortunas. Sofreu diversos
processos por corrupção durante os anos de 1950 e chegou a ser condenado pelo Tribunal
de Justiça do Estado de S. Paulo em 1956 por estelionato eleitoral e “malversação do
dinheiro público”, sendo sentenciado à prisão por 2 anos e inelegibilidade por 5 anos.
Adhemar foge do país para evitar a prisão e reside no Paraguai e na Bolívia por mais de
200 dias (OESP 14/03/1956: 38). A comoção foi grande em torno do caso, os jornais
foram duríssimos. OESP, somente tratará Adhemar por alcunhas (“o condenado”, “o
foragido”, etc.). A conhecida revista O Semanário terá toda edição sobre o caso, ligando
sua sentença à emergência de Jânio e criando “o primeiro e sensacional inquérito
popular”, pedindo que “se você fosse juiz” como você julgaria Adhemar. Cabia ao leitor
preencher e enviar à revista o cupom:
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 176
Figura 60. Se eu fosse juiz
Fonte: O Semanário 05-12 de abril de 1956: 2
Figura 61. Muito Forte a Reza de Jânio
Fonte: ibid.
Legenda: Jânio pode não ter dado o tiro de graça em Adhemar, mas que vem rezando fervorosamente para
que alguém o faça não resta dúvida. E reza forte é mais fulminante do que enfarto.
Adhemar retorna ao país ao receber habeas corpus do STF que o inocentará. Um fato
que lhe rendeu importante publicidade em sua vitória à prefeitura de São Paulo em 1957.
Já a contraposição de Jânio à Juscelino foi em relação ao modelo econômico de viés
corrupto adotado, em contraposição à austeridade e moralidade de Jânio que usava seus
governos na prefeitura e governo de São Paulo como exemplos – seletivos, diga-se. Tanto
Quadros, quanto os jornais reforçavam que cabia à Jânio limpar e pagar a bagunça de
Juscelino, que estaria fugindo para Paris:
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 177
Figura 62. Pagando a Conta
Fonte: Agape 1960
Tratava-se de uma disputa entre dois modelos de desenvolvimento: o
desenvolvimentismo associado, com participação estatal, associado à corrupção; e o
liberalismo conservador de Quadros, que dizia ser mais eficiente e, por isso, moral.
Essa estratégia também fica clara na comparação de seus materiais publicitários. À
título de exemplo, podemos ver nas duas caixinhas de fósforos abaixo os devidos
destaques dados pelas duas campanhas em 1955 e 1959. Enquanto Juscelino focará no
desenvolvimentismo com elementos gráficos de viés moderno (futurista) e no verso o
desenvolvimento do país via energia, transporte e alimentação; com Jânio teremos foco
personalista, utilizando do humor entre a figura de Jânio e o símbolo da vassoura. No
verso, assim como na campanha de Jânio, não há foco em propostas de desenvolvimento.
O argumento era moralista e simplista: Jânio seria a esperança, logo, a única opção.
Figura 63. Caixas de fósforo Jânio e JK (frente)
Fonte: Acervo Pessoal
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Figura 64. Caixas de fósforo Jânio e JK (verso)
Fonte: Acervo Pessoal
Um dos filmes mais populares de 1960 (“Virou Bagunça”, de Watson Macedo), há
longa cena de dança (“Brasilina”) em que a letra cantada pelo “doutor” e a cenografia
denunciam a “bagunça que o país tinha virado” foi causada por doença que a Brasilina
tinha contraído (Brasília de JK, simbolizada pela escultura “As Iaras”, de Alfredo
Ceschiatti, carregadas na maca): a corrupção. Mas havia cura: a “Vassorissilina”.
Sobre as Iaras, essa escultura ficou famosa nos anos de 1960 por simbolizar a
“loucura da construção de Brasília” ao parecer que as mulheres estão a arrancar os
cabelos. A revista humorística Fotopotoca, de Ziraldo, brincará com essa percepção ao
dizer: “Essa solidão de Brasília é de arrancar os cabelos”.
Figura 65. A Loucura de Brasília
Fonte: Fotopotoca n 2, 1960: Acervo Pessoal
No filme, “o remédio” seria um elemento utilizado pela campanha de Jânio: uma
ampola com uma vassoura dentro. Ela é que “fortifica e engorda” e faz o Brasil crescer
(moral e econômicamente) como diz o filme. Jânio e seus apoiadores sempre faziam
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 179
questão de falar que seu combate à corrupção não seria abstrato e apenas punitivo, mas
que benefícios diretos à população. Abaixo a letra da música no filme:
Caiu de cama, a Brasilina, ataque do coração, mas a vassorissilina, foi a sua
‘sarvação’. A Brasilina agora é fã do remédio que tomou e aconselha todo
mundo a tomar, vassorissilina que fortifica e ajuda a engordar.
Figura 66 Brasilina, com as Iaras carregadas em maca
Fonte: Watson Macedo 1960
Figura 67. Doutor com a vassoura como remédio
Fonte: ibid.
Figura 68 Festa geral com o povo dançando com o remédio da Vassorissilina
Fonte: ibid.
A vassoura tinha a vantagem de ser um símbolo intuitivo, relacionável e de fácil
acesso, ligado à administração da casa (da gestão privada ao público) e ao trabalho
honesto. Além disso, existe a crença de que a vassoura em posição invertida (como
carregavam a vassoura nos comícios) afastava as “pessoas indesejadas”. Por fim, a
vantagem mais palpável desse símbolo era sua conexão com o público feminino que, em
sua maioria, na época, trabalhavam em casa. Desse modo, Jânio conseguia falar
diretamente à grande parte do eleitorado que, normalmente, não era público referenciado
diretamente por políticos. Jânio em diversas ocasiões chamava sua mulher, Eloá, ao palco
e dizia algo como: “Minha mulher pediu-me que dirigisse as últimas palavras à mulher
brasileira, a verdadeira dona da vassoura” (OESP, 01/10/1960) para então discutir as
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 180
dificuldades da mulher e da família com a falta de comida e salário diminuto: “Àquela
que sofre no trabalho permanente do lar, que deve equilibrar as contas de salários de
miséria”; mostrando a necessidade do engajamento com sua missão presidencial: “para
que me ajude a varrer da pátria brasileira esses elementos que são os responsáveis pelo
subdesenvolvimento de grandes áreas do Brasil” (ibid.).
Essa matéria de jornal é exemplo de como a mídia apoiou Jânio. A função de toda
a página era relatar os comícios de todos os presidenciáveis. Entretanto, toda ela cobre
Jânio diretamente, ou indiretamente ao somente reportar falas de outros quando eles
faziam referência à Jânio ou seu vice, Milton Campos (e.g. títulos como: “só Milton pode
derrotar João Goulart”; ou “Exortação de Eduardo Gomes [à Jânio]”).
A única vez em que teremos destaque exclusivo a outro político, será à João
Goulart, em letras de tamanho visivelmente maiores que o do restante do jornal, sobre
denúncias de corrupção: “João Goulart pagou aos chantagistas com dinheiro da
Previdência: testemunha afirma”. Ou seja, no único espaço realmente devotado a
alguém que não à Jânio, teremos ataques justamente sobre corrupção. Uma acusação, por
sinal, levada à cabo pelo próprio Jânio Quadros. Este é mostrado em reduto político de
Goulart, o Rio Grande do Sul. Em seu discurso Jânio ligará o uso da máquina pública
para fins privados por Goulart e JK que construíam “mansões em Brasília” ao invés de
casas populares via corrupção no Instituto de Previdência:
Previdência: ao se referir à direção dos Institutos de Previdência o sr. Jânio
Quadros chamou a atenção dos gaúchos para depois afirmar, categoricamente,
que ‘o primeiro diretor de Instituto que fizer política partidária [...] vai conhecer
a vassoura pelo ‘cabo’. – Quero os Institutos fazendo casas ao proletariado
e não a construir palácios em Brasília. (ibid., grifo meu)
Figura 69. A vassoura do povo
Fonte: OESP, 01/10/1960: 4
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 181
Legenda: “A vassoura do povo. A passeata que levou à Praça Roosevelt milhares e milhares de pessoas
foi o acontecimento marcante do dia político de ontem. O governador Carvalho Pinto, o presidente da
Assembleia e outros líderes da campanha janista juntaram-se ao povo, que marchava empunhando o
símbolo da grande campanha que ontem se encerrou: a vassoura.”
Em suma, a maioria dos jornais apoiará a candidatura de Jânio, alguns, como vimos
com OESP, endossará a decisão de Lacerda em apoiar o ex-governador de São Paulo.
Lacerda concorria ao cargo de governador do Estado da Guanabara e entendia que era
hora de retirar o poder de decisão da ala udenista mais próxima à Juscelino. Esse será o
pico do lacerdismo dentro da UDN, surfando também no pico da onda moralista
anticorrupção que tomava o país. Para isso, como mostramos em capítulo anterior, era
necessário derrotar os chamados “realistas udenistas” que apoiaram Juscelino,
capitaneados por Juracy Magalhães, e que garantiram ao então presidente certa paz nas
CPIs, das quais Lacerda era o adversário mais vocal. Foi em reunião da UDN para decidir
se lançariam um candidato à presidência que Lacerda rompeu com Magalhães e impôs
sua vontade. Magalhães pede que Lacerda apoie seu nome à presidência, argumentando
que ele inclusive tinha o apoio de Juscelino, ao que Lacerda refuta e redobra esforços,
com sucesso, para que a UDN apoie Jânio.
Indignado, Lacerda perguntou retoricamente como a UDN poderia permitir que
Kubitschek determinasse seu candidato quando o partido havia atacado seu
governo como "corrupto, causador de uma inflação descontrolada" e como um
retrocesso à ditadura de Vargas. Após a reunião, Lacerda redobrou seus
esforços para obter a indicação da UDN para o popular e carismático Jânio
Quadros. afirmou não ter confiado em Quadros, mas acreditava estar destinado
a vencer a presidência em 1960 ... Com o apoio de Lacerda, Quadros derrotou
Magalhães de forma cabal na indicação da UDN. (Maram 1992: 141-142)
Lacerda sabia que a vitória de Jânio era inevitável e buscou cooptar o candidato
antes que ele pudesse sair pelo PTB (seu partido enquanto prefeito de São Paulo). Lacerda
entendia ser essa a única chance de a UDN chegar ao poder (Chaia 1991: 155). Esse
movimento não escapou à revista Time que dirá:
Por mais que ele não gostasse de Quadros, Lacerda também não gostava do
Presidente Juscelino Kubitschek e do seu Partido Social-Democrata (PSD).
Quando soube que o presidente da U.D.N. Juracy Magalhães estava negociando
uma aliança com o PSD de Kubitschek e que lançaria o próprio Magalhães
candidato a presidente em 1960, Lacerda conversou com Quadros e estampou
a manchete em sua Tribuna da Imprensa: Jânio – da UDN (Time Magazine
09/03/1959)
Abaixo vemos que Lacerda e seu jornal, Tribuna da Imprensa, produzirá material
publicitário associando sua campanha à de Jânio, produzindo os famosos “remédios ao
Brasil” com a vassoura dentro da ampola e com os dizeres: “Jânio vêm aí”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 182
Figura 70. Material de Campanha da Tribuna da Imprensa apoiando Jânio, Lacerda e Campos
Fonte: Leilão particular
A coligação, entretanto, não foi como queriam os udenistas. Quadros não queria
criar laços oficiais com a UDN, ameaçando retirar sua candidatura quando não conseguia
exatamente o que desejava, deixando vários políticos da UDN e de outros partidos
irritados e confusos sobre o papel que teriam no futuro governo, uma “tática” que ele
utilizava desde quando professor ginasial (Salvadori Filho 2014).
É importante dizer que tanto Goulart, quanto Quadros aproveitaram-se de certa
simbiose de votos que empolgou a classe trabalhadora pelo movimento “Jan-Jan”,
levando diversos políticos a apoiarem essa chapa informal.
CHAPA “JAN-JAN” Embora seja fraca a piada vamos registrá-la. Perguntaram
ao sr. Lourival Fontes se era verdade que seu candidato à presidência da
República seria o sr. Jânio Quadros, numa chapa com o sr. João Goulart na
vice-presidência. Logo depois indagaram se o representante sergipano era
favorável à chapa Jango-Jânio. E o sr. Lourival: - Posso apenas adiantar que a
chapa de minha preferência é a “Jan-Jan”. (Folha da Manhã, 24/05/1959: 3)
Essa “chapa” era mostra de um processo muito maior: a falha do sistema partidário
e sua identificação com o eleitorado. O PCB culpava Juscelino e Goulart por sabotarem
a candidatura de Lott e indiretamente apoiarem Jânio, com a criação de “comitês Jan-Jan”
(“Advertência à Nação: sabotadores de Lott tramam golpe continuísta” em Revista Novos
Rumos n. 69, 1960: 3). A própria Folha de S. Paulo em matéria “Jânio e Goulart
responsabilizados pelo movimento Jan-Jan” dirá:
O problema criado com a instalação de numerosos comitês em favor de
candidatos pertencentes a forças políticas contrárias, está sendo encarado de
maneira diversa por círculos políticos. Alguns afirmam que é consequência de
não terem ainda as elites dirigentes atingido a necessária maturidade enquanto
outros se limitam a acusar candidatos como responsáveis por essas alianças
“espúrias” até agora não repetidas por nenhum dos envolvidos. (Folha de S.
Paulo, 15/09/1960: 3)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 183
Temendo surpresas, por fim, os jornais alertaram à existência da compra de votos
e de “caixinhas de Lott”, via uma denúncia advinda de funcionários do porto de Santos
que estariam sendo obrigados a fornecer parte de seu salário à campanha de Lott (Tribuna
da Imprensa 04/01/1960). Nada foi provado ou lembrado depois da eleição:
Figura 71. Compra de Votos por Lott e JK
Fonte: OESP 30/11/1960: 4
Resultado: Jânio obterá a maior votação até então da história brasileira. Mais de 5
milhões e 600 mil votos (2 milhões a mais que Lott; e 3 milhões e meio a mais que
Adhemar). A diferença de votos é significativa e foge de tentativas de relativização dessa
vitória, como faz Benevides, ao dizer que essa quantidade de votos somente ocorreu pois
se aumentou o número de eleitores. Entretanto, devemos notar o fator mobilização de
Jânio, que levou os eleitores às urnas; e ver que a diferença entre Jânio e Lott é
proporcionalmente muito maior que a diferença entre Juscelino e Távora, de apenas 400
mil votos. Já a disputa à vice-presidência foi mais apertada. Goulart garantiu sua vitória
com expressiva votação de 4 milhões e 547 mil votos; enquanto Campos obteve 4 milhões
e 237 mil votos (ambos com mais votos que Lott), numa diferença de 310 mil votos, algo
que manteve a distância entre esquerda e direita obtida entre JK e Távora em 1955.
3. Compreendendo a força do movimento anticorrupção janista e seu (des)governo
Essa vitória de Jânio, um político definido por Skidmore como “um corpo estranho,
por excelência dentro do cenário político” (Skidmore 1982: 231) era retrato de uma época
de descrédito ao sistema partidário e de tentativa de superação da dicotomia getulismo e
antigetulismo: “pois [Jânio] não era definitivamente identificado como um líder anti-
Vargas, embora ninguém o considerasse jamais getulista, [o que permitiu] que fosse visto
como um tipo capaz de transcender as linhas estabelecidas do conflito” (ibid.).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 184
A força de sua eleição também foi algo inesperado pela esquerda que se considerava
como a tradução dos anseios da massa trabalhadora na política. “A massa, cujas
aspirações os nacionalistas supunham interpretar, surpreendeu-os, legitimando um outro
‘intérprete’ e, através dele, legitimando um novo Governo.” (Weffort 1978: 36).
Para Weffort esta falta de compreensão da força do populismo janista e do papel da
esquerda nacionalista como intérprete das “massas”, vinha da incompreensão dos ditos
nacionalistas em relação ao real papel do Estado em sociedades modernas:
Jânio Quadros foi uma das expressões mais completas deste populismo, um
fenômeno que nas suas formas espontâneas, é sempre uma forma popular da
exaltação de uma pessoa na qual aparece como a imagem desejada para o
Estado. Esta “projeção” do populismo no Estado constituiu, sem dúvida, uma
das bases da relativa legitimidade deste último no período 1946-64. Mais
importante, essa projeção ajudará a compreender o papel-chave que
desempenhou o nacionalismo desde 1950 quando, com a eleição de Vargas,
tornou-se uma espécie de ideologia oficial na qual o "povo” era percebido como
um aglomerado de indivíduos que comungavam o sentimento de brasilidade -
cuja representação geral estaria no Estado. Ao dar tal passo, o nacionalismo
tornou-se uma forma de consagração do Estado, que obscureceu
completamente sua dimensão de instrumento de dominação. O movimento
militar de 1964 se encarregaria de relembrar aos desavisados que mitificaram
o Estado como representação geral, esta ambiguidade básica, constitutivo da
realidade do Estado em qualquer sociedade moderna. (Weffort 1979: 36).
Examinando por esta ótica a vitória de Jânio, podemos entender melhor a
incompreensão histórica da esquerda brasileira em explicar a força do discurso e da
agenda anticorrupção em toda a sociedade e as consequentes vitórias dos ditos “heróis
anticorrupção”, normalmente recorrendo a explicações esquemáticas ao argumentar que
movimentos anticorrupção são apenas um movimento moralista típico de classe média,
retratada como alienada e facilmente instrumentalizada pelas elites. Como explicar, por
exemplo, que Jânio recebera números tão significativos, especialmente das classes mais
baixas (afinal de contas Jânio cresceu politicamente principalmente nos bairros mais
pobres da cidade de São Paulo, adotando o lema “tostão contra o milhão”).
Foi o que fez Benevides (1979) quando buscou diminuir a vitória de Jânio e, ao
mesmo tempo, amenizar a parcela de culpa de Vargas e de Juscelino na crise política
gerada que levou ao fortalecimento de Quadros em âmbito nacional (lembremos a parcela
de culpa direta de Vargas na ampliação da percepção de corrupção generalizada com a
criação das CPIs em seu governo – algo pouco estudado pela historiografia), quanto
quando diz que Jânio não poderia ser considerado um político carismático, pois seria
“apenas a caricatura do carisma ... a facilidade à adesão epidérmica populista no pior
sentido da palavra, da manipulação e do autoritarismo” (p. 8). Quadros, diz, seria apenas
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 185
um ator (qual político não seria?) em contraste, segundo ela, a Vargas que “teria a marca
inconfundível e duradoura do carisma” (ibid.). Vimos que isso é falso. Vera Chaia (1991)
em seu profundo estudo sobre Quadros mostra o impacto político e identidade da figura
de Jânio com seu eleitorado, bem como quando ele sabia ceder em diversas searas e
momentos para realizar os acertos políticos necessários dentro de sua administração.
Ainda assim, a visão de Benevides é ainda influente e é reflexo dessa percepção de
que certos líderes e partidos seriam os reais tradutores das “reais aspirações das classes
trabalhadoras”. Entretanto, não há respostas quando essa “massa” demonstra outras reais
aspirações. Diante dessa estupefação, mistificam o tema e tratam-no como manipulação
das massas, invalidando importante fenômeno político e aspiração social:
O carisma desprende-se muito mais dá personalidade do líder, e menos do papel
que ele representa. O histrião terá o carisma da máscara; será, sempre, um falso
carisma. Jânio foi, sem dúvida, um bom ator, mas com um papel ultrapassado
... do ponto de vista do desenvolvimento social e político e das reais aspirações
da participação das classes trabalhadoras. Não foi um líder de massas
(Benevides 1979: 8)
É extremamente importante ter as reais dimensões desse discurso e agenda em todos
os segmentos da sociedade. Weffort (1979) e outros pesquisadores, como Jefferson José
Queller (2009 e 2014) mostram que a identificação de Jânio com o eleitorado foi
fenômeno generalizado e descentralizado, de alto engajamento popular por variados
estratos sociais. Queller fez disso todo seu objeto de estudo, para isso analisando
panfletos, milhares de cartas e discursos de seus apoiadores:
Pretendo indicar como muitos de seus apoiadores não foram manipulados por
ele nem por uma suposta máquina de propaganda. Por meio de cartas que lhe
foram enviadas, é possível perceber como muitas pessoas produziram e
distribuíram propaganda política por si próprias. Isso pode ser visto em vários
poemas, canções, panfletos ou discursos ecoados publicamente, que defendiam
Jânio da mesma forma que suas ações e projetos políticos (Queller 2009: 1)
Demos várias mostras da força popular de Jânio, para além de sua conexão com as
elites e classes médias. Ele contou com apoio dos maiores nomes do esporte, como Pelé,
cinema e comédia (como Ronald Golias):
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 186
Figura 72. Ronald Golias e Jânio
Fonte: Site Ronald Golias e O Patativa
Jânio gostou tanto do quadro que pediu para que Victor Costa (novamente ele) o
reproduzisse semanalmente, inclusive contratando Golias, Carlos Alberto de Nóbrega (da
Praça É Nossa) e Chocolate (Dorival Silva) para comícios nas cidades industriais do ABC
paulista para campanhas políticas. Fiquemos com as memórias de um repórter do OESP
sobre a chegada em cidade do interior desse “líder sem carisma” que foi Jânio Quadros:
Lá fora, como sempre acontecia aonde ele chegava, aquele mundão de gente,
centenas e centenas, milhares e milhares de vozes gritando o seu nome: e tudo
uma eriçada floresta de vassouras de todo tipo, de piaçava ou de estopa, a
transformar o aeroporto e toda a cidade numa espécie de pinheiral rústico,
inquieto, como se batido por uma incontrolável ventania (OESP 15/11/1989)
Jaguaribe, em artigo “Por que venceu Jânio Quadros” (1954), diferentemente de
Benevides, entendeu que nem Vargas, nem Juscelino, nem nenhum partido (incluso o
PCB) eram representantes da voz do povo (por mais “que procurem exercer esse papel”).
Ele inclusive critica esses partidos por terem escopo de ação limitado que não se
traduziam ao campo político, além de se isolarem de parte da classe mais pobre, da
pequena burguesia e da intelligentsia “privando-se da força mobilizadora desta e dos
contingentes de massa daquela” (ibid.: 101).
Jaguaribe afirmava que a principal força de Quadros advinha de uma classe média
impedida de criticar a estrutura de um sistema capitalista que lhe tolhia as promessas
feitas, como de mobilidade social, recorrendo a explicações moralistas e utópicas para a
queda de sua qualidade de vida e das “promessas quebradas” de um sistema liberal
democrático-meritocrático que simplesmente não funcionava. Ele não estava de todo
errado. O problema é que não era apenas uma questão da classe média, mas sim de grande
parte da população brasileira que via uma quebra de promessas desse regime democrático,
que desde o início não conseguiu cumprir suas promessas. A desigualdade social
continuava rampante, o sistema partidário não era representativo do que o povo desejava,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 187
mesmo o que se chamava desenvolvimento não se traduzia em redistribuição de renda,
com o país crescendo a índices galopantes, mas o salário-mínimo e médio real estável ou
em queda, a concentração de poder e de renda era o que crescia.
Essa desilusão era, então, o fator mobilizador de Jânio, que soube em toda sua
carreira política lucrar com ela. Ele traduzia essa frustração social via a falta de
representação política e desigualdade econômica, mas, como diz Jaguaribe, por um viés
simplista e utópico, baseado na ideia de que alguém “de fora da política”, sem os ditos
“conchavos”, conseguiria, somente por sua força de vontade (o famoso: “dá para mudar,
basta querer”), alterar o sistema. Como dizia Bolsonaro, a expressão máximo do
simplismo (em sua pior acepção) e do justiceirismo: “tem que mudar tudo que está aí, tá
ok?!” (Le Monde Diplomatique Brasil, 06/12/2016). Jânio também soltou essa pérola:
“Programa de Jânio é ‘acabar o que está aí” (Tribuna da Imprensa 04/01/1960).
Meu programa é simples, é tão simples como valsa antiga. Sou contra tudo que
aí está. Sou combatido e caluniado porque eles sabem que eu serei o fim de muita
coisa que não podia acabar ... Aqueles que não roubam, mas que admitem que o
façam, furtam também. Nada prometo. Se eleito, darei conta do recado. (ibid.)
Não à toa que os janistas exaltavam a “revolução pelo voto”, ou como Herbert Levy
chamou: “revolução branca”.
Nos comícios Jânio atacava a inércia dos políticos, o abandono da causa
pública, os desmandos dos governos, a opressão de “Dona Light”. Apontava,
cromo plataforma para a “recuperação moral e administrativa. a correta
equação dos direitos e deveres dos cidadãos e do Estado”. É nesse sentido que
se entende o apoio da esquerda ao movimento janista, naquela época com
inegáveis raízes populares. A campanha contra a corrupção contida na
mensagem de Jânio, segundo depoimento de um socialista, iria cavar, por um
lado, a base do poder das classes dominantes, através de sérias denúncias de
desigualdades e das injustiças da política do Estado, e, por outro, acenava com
a defesa dos interesses económicos das classes populares. A luta contra a
corrupção, em certa medida, atingia o poder que permitia o excesso de
exploração (depoimento de Fúlvio Abramo a Moisés op. cit.: 17)
Concordamos parcialmente, neste ponto com Benevides, em sua tese de que houve
um esgotamento de um modo de desenvolvimento econômico aliado a maior demanda
por participação política de uma sociedade normalmente afastado do núcleo de poder,
num país com instituições historicamente débeis em questão à representação política. O
que fica difícil de concordar é que a falência do sistema partidário somente ocorreu, como
diz Benevides, “após o esgotamento das virtualidades do brilhante governo Kubitschek”
(p. 19). Como diz Maram, Juscelino fazia parte desse esgotamento, que, visando o
sustentamento de sua presidência também engajou em diversas concertações políticas
atando a sociedade ao seu estilo personalista:
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 188
Para as eleições presidenciais de 1960, Kubitschek tentou inicialmente dar os
primeiros passos para a construção de uma coalizão de centro-direita que
esperava que o ajudasse a voltar à presidência mais tarde. Sua principal
preocupação, no entanto, parece não ter sido construir um partido ou uma
coalizão, mas sim criar apoio para si mesmo e seu programa. A maneira pela
qual Kubitschek procurou desenvolver laços que ligassem o indivíduo na
sociedade a ele diferia apenas na abordagem de seu predecessor, Vargas, e de
seu sucessor, Quadros. Seu estilo de liderança personalista era tanto um
sintoma quanto um fator causal na fraqueza da estrutura política da sociedade
civil. (Maram op. cit.: 145)
Nesse sentido, tendo em vista os motivos acima citados, mais à percepção de um
país de instituições endemicamente corrupta e em grave crise econômica, era quase
impossível deter a vitória de Jânio:
A legitimidade do sistema político começava a ser posta em xeque pelas
camadas emergentes na medida em que o governo se revelava incapaz de as
absorver institucionalmente. Jânio Quadros surge com força total nesse
aparente vácuo institucional e caos partidário, agravados pela crise econômica.
Sua postura tradicionalmente suprapartidária será ao mesmo tempo causa e
consequência do esfacelamento do sistema partidário. (Benevides op. cit.: 20)
Assim, “o fenômeno Jânio” foi algo estrutural e ultrapassou sua figura. Em 1960
houve eleições para governador nos seguintes Estados: Guanabara; Alagoas; Goiás;
Maranhão; Mato Grosso; Minas Gerais; Pará; Paraíba; Paraná; Rio Grande do Norte e
Santa Catarina. Os setores conservadores ganharam a grande maioria: Lacerda foi eleito
governador na Guanabara contra Sérgio Magalhães do PTB; Magalhães Pinto em Minas
Gerais contra a tradicional família Neves (Tancredo Neves perde); Luiz Cavalcanti vence
em Alagoas; Pedro Gondim na Paraíba; Aluísio Alves no Rio Grande do Norte; Corneia
da Costa em Mato Grosso e Ney Braga no Paraná. De todos os governadores eleitos a
única vitória fora desse quadro foi a do coronel legalista Mauro Borges em Goiás. Aluísio
Alves (PSD) era da UDN e somente saiu do partido por disputas internas entre as duas
famílias que disputavam o Rio Grande do Norte (ele futuramente integrará a ARENA e
apoiará a ditadura); igualmente se pode dizer de Celso Ramos em Santa Catarina.
Tabela 20. Eleições para governador em 1960
Estado
Vitorioso
Derrotado
Alagoas
Luiz Cavalcanti (UDN)
Abraão Moura (PSP)
Goiás
Mauro Borges (PSD)
José Ludovico de Almeida (PSP)
Guanabara
Carlos Lacerda (UDN)
Sérgio Magalhães (PTB)
Maranhão
Newton Bello (PSD)
Clodomir Milliet (PSP)
Mato Grosso
Fernando Correia da Costa (UDN)
Filinto Muller (PSD)
Minas Gerais
Magalhães Pinto
Tancredo Neves (PSD)
Paraíba
Pedro Gondim (PDC)
Janduhy Carneiro (PSD)
Paraná
Ney Braga (PDC)
Nelson Maculan (PTB)
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Rio Grande do Norte
Aluísio Alves (PSD)
Djalma Marinho (UDN)
Santa Catarina
Celso Ramos (PSD)
Irineu Bornhauser (UDN)
Fonte: autor
Também ficarão empolgadas a classe média e alta, incluso o capital internacional.
O pleito janista de combate à inflação por medidas de austeridade (de acordo com a receita
do FMI), com foco nos gastos com corrupção na burocracia, de proteção ao capital,
exceto, diz, aos que agem em irregularidades, caía bem aos ouvidos dessas classes. Era o
que Herbert Levy e José Bonifácio chamarão de “nacionalismo verdadeiro” ao buscar se
desvencilhar das acusações de que o programa de Jânio seria entreguista: “É preciso
desfazer as calúnias de nossos adversários. É preciso dar ao Brasil um nacionalismo, mas
um nacionalismo verdadeiro, sem mentiras” (OESP 01/10/1960: 5).
4. O governo Jânio e a agenda anticorrupção como uma das fontes de desestabilização
Pouco houve que podemos realmente comentar sobre o governo de Jânio em relação
a agenda anticorrupção a não ser certas iniciativas desconcertadas e muita falta de trato
político. O funcionalismo público e o moralismo via campanhas e leis de nenhuma
eficácia foram seus alvos privilegiados.
O lado moralista ficou anedótico e se enquadra no bojo em outras medidas feitas
por ele em cargos anteriores. A ideia geral seria a moralizar os costumes brasileiros em
certos setores tidos por ele como corrompidos via ações pontuais. Fez assim quando
vereador contra a mostra de seios em cinema (após ver o filme tcheco Êxtase de 1933
com Heidi Lamarr), ou contra os quadrinhos que corrompiam a juventude; lutou contra
Dercy e o teatro, que chamou de “pornográfica” e “imoralíssima” etc. Durante sua
presidência fez medidas inócuas, mas de certo alcance eleitoreiro, como a proibição de
rinha de galo (o que os criadores de galo acusaram Jânio de ter prometido não as proibir
cf. UH 22/05/1961); limita o jóquei clube aos finais de semana e feriado; proíbe biquínis
nas praias; a restrição à participação de menores de 18 anos em programas de rádio e
televisão; a proibição do lança-perfume etc.
Apesar de alcance limitado, esse clima de “moralização” levou a outras ações
superficiais, mas que agradavam a opinião pública. A Câmara do Rio de Janeiro, por
exemplo, passou um conjunto de “medidas moralizantes” que deveriam orientar os
políticos, desde regras sobre “usar linguagem moderada” até “não incluir verbas
destinadas a fins escusos no orçamento, conforme acontecera até então”, uma regra risível
dada sua “inocência”. Tudo isso laudado pela imprensa como uma mudança em função
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 190
do “novo tempo” (Tribuna da Imprensa 20/11/1960). O mesmo aconteceu em outros
estados que também buscaram replicar as medidas de janistas (o caso do cinema foi
notório em São Paulo).
Entretanto, Quadros deixou à moralização da administração suas medidas de mais
impacto, muitas abusivas (algumas inconstitucionais) e moralistas. Já em sua Mensagem
ao Congresso, Jânio focará na moralização da administração, ao qual ligará entre a
distinção do público e do privado e, religiosamente, do sagrado e do profano.
Tão grave quanto a crise econômica e financeira se me afigura a crise moral,
administrativa e político-social em que mergulhamos. Vejo a administração
emperrada pela burocracia e manietada por uma legislação obsoleta. Vejo as
classes erguerem-se, uma a uma, contra a coletividade, coisas de vantagens
particulares, esquecidas de que o patrimônio é de todos. Vejo, por toda a parte,
escândalos de toda a natureza. Vejo o favoritismo, o filhotismo, o compadrio
sugando a seiva da nação e obstando o caminho aos mais capazes. Na vida
pública, mal se divisa a distinção entre o que é sagrado e o que é profano. Tudo
se consente ao poderoso, nada se tolera ao sem fortuna. A previdência social,
para a qual se recortou roupa nova, vem funcionando contra os trabalhadores.
(Jânio Quadros, Mensagem ao Congresso Nacional 1961: 13)
Havia uma racionalidade que guiava essas ações para além da moralização. Para
realmente desestruturar a herança getulista era necessário minar o clientelismo
implementado desde 1930 por Vargas, representado pelo forte apoio burocrata à aliança
PSD-PTB (sobre medidas de modernização e moralização da adm., cf. Apêndice E).
De início, Quadros demite grande maioria dos funcionários públicos empossados
por Juscelino (que entrarão com mandado de segurança contra o Presidente: UH
22/05/1961); depois proibiu qualquer aumento de salário aos servidores da Novacap por
suspeitas de corrupção (ibid.); instituiu o horário corrido de 7 horas ao funcionário
público (antes era dividido em dois turnos que facilitava, diziam, a burla de presença);
veta projeto de lei aprovado pelo Congresso que daria estabilidade ao funcionário público
interino (sem concurso) com mais de 5 anos de trabalho (Goulart apoia o projeto,
garantindo louvores inclusive de militares, e Jânio se isola); institui o controle do “ponto”
e cria uniforme aos funcionários públicos, jocosamente alcunhado de “pijânio”.
Figura 73. Pijânio
Fonte: Memorial da Democracia
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 191
Entre as duras medidas estava a proposta de diminuição do salário do servidor
público em 30%(!); e um duro corte das “regalias” e do salário da alta burocracia (Tribuna
da Imprensa 09/03/1961). Tratava-se de medida, como acusamos até então, simplista,
ideológica e equivocada sobre o peso do Estado nas contas públicas, visto como
inerentemente corrupto e ineficiente, em favor da gestão privada. Nessa visão,
obviamente, o setor público era primariamente constituído, assim como Collor dirá, por
“marajás” que vivem de regalias, estes políticos sentem-se, então, no direito de atropelar
certos direitos garantidos. As medidas acima citadas, fizeram com que todo um amplo e
poderoso setor público deixasse de apoiar Jânio.
Dois dias após sua posse, Jânio ordena aos chefes da Casa Civil e Militar a instauração
de sindicâncias para averiguar os seguintes órgãos: Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) e da
Comissão Federal de Abastecimento e Preços; no Instituto Brasileiro do Café (IBC); na
Novacap; no Lóide Brasileiro; no Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS) e
em mais 29 outros órgãos públicos. A ordem era de realizar verdadeiras devassas.
Dois inquéritos foram louvados pela imprensa, pois implicavam Goulart: SAPS e
do IAPB: “Vassourada do IAPB já economizou 350 milhões” (Tribuna da Imprensa
09/03/1961), chamado de “programa de saneamento” (ibid.). Neles, Goulart foi acusado
de utilizar do dinheiro público desses institutos para financiar sua campanha eleitoral:
Jânio, graças à sua sanha persecutória, logo nos primeiros meses perdeu apoio
político – o que é interessante, pois inclusive os nacionalistas apoiaram-no inicialmente
(Benevides, op. cit.). O jornal Última Hora já alertava Jânio: “A História é recente demais
para que o Sr. Jânio Quadros a ignore ... Ninguém melhor do que o próprio Sr. Jânio
Quadros, aliás, para atestá-lo: ele que, graças ao regime da democracia, pode, em menos
de 15 anos, de humilde professor ginasial, ascender a suprema magistratura da Nação,
como um de seus líderes mais poderosos” (UH, “Personalismo, a Grande Ameaça!”
24/01/1961); pedem que Jânio busque um governo de coalizão para que a história não se
repita, como ocorreu com Vargas: “o Sr. Jânio Quadros continua inebriado pela vitória
popular. Tudo indica que ele ainda não tomou consciência de que o Brasil, em apenas dez
anos, escapou à uma guerra civil iminente” (ibid.).
A tendência personalista, que ele imprime ao processo de formação do governo,
surge como a maior e mais perigosa ameaça a pesar sobre o próximo período
presidencial, pois fugindo a composição de um governo baseado nas forças
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 192
reais do regime, fracassará muito antes do que se pode supor diante dos
complexos problemas que o País apresenta internamente (ibid.)
No dia seguinte dirão em capa: “SEM PAZ INTERNA NÃO HAVERÁ
SOBREVIVÊNCIA!” (UH 25/01/1964). O jornal diz que caso Jânio continuasse a ignorar
a composição política brasileira e não criasse um ministério mais heterogêneo, ele iria
“poderá, caso incida em alguns erros fundamentais, contribuir para a consolidação de uma
das mais poderosas e atuantes coligações de oposição que um Presidente da República já
enfrentou no Brasil” (ibid.). Foi o que ocorreu.
Sem apoio, com oposição muito maior e mais engajada (mais de 200 parlamentares
entre PSD-PTB-PSP, contra algo próximo a 100 udenistas e aliados nem um pouco
engajados em sua defesa), Jânio via-se cada vez mais isolado.
No Congresso Nacional, Jânio encontrava uma feroz oposição ao seu governo.
Em conjunto, o PSD, o PTB e o PSP chegavam a 200 parlamentares, enquanto
o bloco de situação, com a UDN, o PR e o PDC, não alcançava os cem. A UDN
agia como cúmplice da oposição, aumentando o Isolamento do presidente. As
divergências com o Legislativo surgiam desde simples atos de rotina, de
competência exclusiva de Jânio, até o veto aos seus projetos de lei, movidos
pela desforra. O isolamento do presidente se acentuava a cada mês. Os
conservadores que o elegeram demonstravam insatisfação com a política
externa; as esquerdas, notadamente o PTB, atacavam a política económica.
Todos repudiavam as comissões de inquérito. Goulart, afastado de Jânio
devido às acusações que sofrera, observava os acontecimentos (Ferreira, 2011)
Ainda assim, ele redobra em sua aposta: “Eu continuarei. Nada me deterá. Não
olharei nomes nem posições.” (Ferreira 2011).
Mais uma vez Jânio Quadros reafirmava sua independência em face dos
partidos políticos e dos grupos que o apoiaram, pois considerava que havia sido
eleito pelo povo e somente a ele poderia prestar contas (Chaia 1991: 182).
Apesar dos avisos, ele manda instaurar outras dezenas de investigações
45
tocando
inclusive em aliados, como no Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS
– importante instrumento político no Nordeste), que constatou desvio de mais de 5 bilhões
de cruzeiros, algo já aludido por Lafer enquanto ministro da Fazenda de Vargas. Também
investigou importantes aliados do setor financeiro brasileiro como a poderosa SUMOC;
o Instituto de Resseguros; o Banco do Brasil (esqueceu-se das amargas lições que Vargas
_______________________________________
45
As comissões: Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, Instituto
de Aposentadorias e Pensões dos Empregados do Serviço Público, Departamento Nacional de Correios e
Telégrafos, Departamento de Endemias Rurais, Serviço de Expansão do Trigo, Caixa de Créditos da Pesca,
Serviço de Navegação da Bacia do Prata, Rede Ferroviária Nacional , Instituto de Previdência e Assistência
dos Servidores do Estado (IPASE), Comissão Técnica do Rádio, Companhia Nacional de Navegação
Costeira, Companhia Nacional de Álcalis, Companhia Vale do Rio Doce, Conselho Nacional de Pesquisas,
Companhia Siderúrgica Nacional, Estrada de Ferro Central do Brasil, Operação Bananal e outros.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 193
teve de aprender quando fez o mesmo); o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP) e o Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM).
Esses inquéritos acusaram um desvio de mais de 4 bilhões de cruzeiros. Dois nomes
aparecerem neles: Juscelino e, novamente, João Goulart. Juscelino foi acusado de ter
interferido no Instituto de Resseguros indicando amigos e políticos como candidatos à
compra de apartamentos construídos na Avenida Atlântica. “Entretanto, nenhum
documento foi encontrado que comprovasse a ingerência do ex-presidente” (Correio da
Manhã 04/05/1961: 12). Com Goulart, a acusação era a de que ele havia se beneficiado
por várias obras, serviços e insumos para si sem concorrência; e compras de fazendas em
Jacarepaguá e Piedade, além de ter conseguido empregos a amigos no IAPB. Por fim, a
mesma acusação sobre ter recebido dinheiro para custear sua campanha. O jornal não fez
o esforço que fez com Juscelino de dizer que também no caso de Goulart não havia
documentos que comprovassem as acusações.
Goulart envia carta a Jânio e à imprensa denunciando a leviandade e publicidade
das acusações feitas contra ele.
[Há] propósito de me atingir pessoalmente, de modo intencional e irresponsável
... Receba, pois, V. Exa., a manifestação de minha justificada revolta, tanto
mais quanto continuo a crer tenham sido essas comissões de sindicâncias
determinadas para os seus fins específicos, e não para se constituírem em
elementos de demolição moral e competição política. (Ferreira 2011)
Jânio reage devolvendo a carta “ao signatário” pois achou que existia falsas
acusações sobre suas comissões. Ambos se separam e o PTB acentua sua oposição.
A comissão do IAPB, composta por Evaristo de Moraes Filho, Hélio Pena e o
coronel Antonio Carlos de Andrade Serpa respondem publicamente à Goulart de um
modo que deixa clara sua intenção política e nada técnica, como prometido: a "comissão
apenas, em vários de seus relatórios, veio confirmar o que toda a Nação já sabia,
apontando Vossa Excelência como um dos principais beneficiários da propaganda
eleitoral ... no ÍAPB, à custa do dinheiro público” (ibid.).
Apesar de alguns louvarem os inquéritos, ficou claro que foram conduzidos com
visão política. Parte que comprava essa afirmação, para além dos vazamentos à mídia
com acusações sem documentos, é que a grande maioria desses inquéritos foram
conduzidos por apenas três pessoas: um militar, um contador e um bacharel em Direito.
O Legislativo acusava Jânio de querer desmoralizar toda a classe política a seu
favor – algo que Jânio sempre fez, sendo estranho o espanto de alguns de seus apoiadores.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 194
Ele perde virtualmente o completo apoio no Congresso: “Jânio não contemporizava,
recusava-se a acordos, a alianças e a entendimentos. Sua política era a dele mesmo,
embora com o risco de isolamento dos partidos.” (Ferreira 2011).
A UDN agia como cúmplice da oposição, aumentando o Isolamento do
presidente. As divergências com o Legislativo surgiam desde simples atos de
rotina, de competência exclusiva de Jânio, até o veto aos seus projetos de lei,
movidos pela desforra (ibid.)
Jânio recorre, então, ao expediente que sempre recorreu quando não consegue o que
queria: renuncia. Esperando que o povo e certos setores conservadores o chamassem de
volta com mais poderes (um “autogolpe”), em 25 de agosto de 1961 ele lança uma “carta
ao povo brasileiro”, culpando “forças terríveis” e “a reação” contra seu governo:
Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o
meu dever ... Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que
pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que
possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu
generoso povo. Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho,
a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos
apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-
me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam
ou infamam, até com a desculpa de colaboração. (Agência Senado)
Para facilitar o golpe, Quadros enviou Goulart à China, sabendo que as Forças
Armadas não aceitariam sua posse e colocando o vice-presidente em difícil posição num
país comunista, ao mesmo tempo que abria um vácuo de poder. Imbróglios à parte, o
Congresso rejeita chamar Jânio. Como afirmou o senador Argemiro de Figueiredo (PTB):
Para fazê-lo voltar [à Presidência da República], seria mister a instituição
preliminar de um regime janista, de uma Constituição janista, de leis janistas,
de costumes janistas. Garroteiem a voz do povo que reivindica e protesta, calem
a palavra do Congresso e fechem os jornais que debatem, orientam, advertem.
Aí teríamos um regime governamental compatível com o temperamento do
senhor Jânio Quadros. Mas isso seria a renúncia às nossas conquistas liberais.
Seria a morte da democracia (Agência Senado).
Quadros tentou recuperar imediatamente sua carreira política candidatando-se ao
cargo de prefeito de São Paulo, mas não foi eleito. Será eleito somente na
redemocratização, algo que os jornais que antes o apoiaram não perdoaram.
A família Mesquita, que o apoiou em 1959, sente-se traída por Quadros, uma figura
considerada como sem recuperação. Diz Júlio de Mesquita Filho:
[Sobre a possibilidade de recuperação de Jânio na política] Não. A sua ascensão
ao poder veio demonstrar tratar-se de um mito. E que ele mereceu, mereceu
porque foi o primeiro a desviar a nossa tradição diplomática do seu rumo. Foi
ele que abriu o caminho pelo qual todos os outros enveredaram e que nos levou
a quase uma ruptura com nosso tradicional aliado, os Estados Unidos. E isso é
imperdoável.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 195
[Repórter] - Mas acha recuperável ainda?
[Júlio de Mesquita Filho] - Não. Não me parece. Estou convencido de que se
trata de um caso patológico. (OESP, 29/07/1964: 10)
Não ficam nada felizes quando Quadros ganha o governo de São Paulo em 1985
com esta capa em seu jornal menor (Jornal da Tarde):
Figura 74. Capa Jornal da Tarde
Fonte: Jornal da Tarde 16/11/1985: 1
Como bem analisou Argemiro Figueiredo:
O senhor Jânio Quadros, tendo sido eleito por uma onda civil revoltada contra
os sistemas anteriores, eleito pelo povo sem distinção de correntes partidárias,
eleito com essa formação revolucionária da opinião pública em torno do seu
nome, na prática do governo se esqueceu da atuação costumeira da vida da
República. A sua renúncia ao governo significou a sobrevivência da República
e da democracia (Agência Senado).
E o senador da Bahia Lima Teixeira (PTB):
O caráter personalista de Sua Excelência revelava-se a todo momento e em
todas as suas decisões. O seu desprezo pelos parlamentares era de tal ordem
que poucos dos senadores que o apoiavam tiveram ensejo de ser recebidos por
Sua Excelência e de com ele se entenderem (ibid.)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 196
Capítulo VII: O golpe final do escorpião: senão pela “revolução do voto”, pela
“revolução do golpe”
1. Os “heróis” militares contra “a cruzada corruptora do comunismo de Goulart”
A renúncia de Quadros e a futura posse da presidência por Goulart “gerou grande
frustração entre os que acreditavam que o getulismo estava intimamente ligado à
corrupção. O retorno da aliança PTB-PSD ao poder significava, aos olhos de tais grupos,
que o problema não fora resolvido” (Motta 2006: 83). Grande parte da indisposição com
o governo de Goulart era que ele seria tolerante com a corrupção, uma característica vista
como típica de seu entorno político, do sistema econômico privilegiado por eles, do
sindicalismo apoiado pelo PTB e da ideologia comunista que muitos apontavam como
Goulart sendo simpatizante: “Esse foi um argumento importante na mobilização liberal-
conservadora responsável pelo golpe de 1964” (ibid.).
Jango tentou conter as acusações de que era conivente com a corrupção e com os
“gastos” ao condicionar ajuda federal, via Títulos Letras do Tesouro, aos governadores
que “possam ajustar as contas, antes de passarem o mandato aos seus sucessores”
(Tribuna da Imprensa, 30/08/1962: 4) num total de ajuda de 39 bilhões. A estratégia era
clara: “Segundo fontes governamentais, esta é a maneira mais simples encontrada para
amolecer a ação de grupos econômicos nas eleições de outubro” (ibid.).
Entretanto, outras práticas suas não o auxiliaram. Entre elas, a suspensão dos
concursos públicos, já restritos com JK. Essa ação fez com que Beatriz Wahrlich, uma
das principais responsáveis pela modernização da administração pública desde Vargas,
entregasse carta de renúncia do cargo de diretora da Divisão de Seleção e Treinamento
do DASP, setor responsável pela racionalização da administração pública (Siegel, 1978
apud Maia 2021: 675) (sobre Wahrlich e a reforma no setor público cf. Apêndice E).
Essa atitude de Goulart gerou forte reação da sociedade civil, com protestos de
jornais, estudantes (incluso UNE) e associações profissionais, alimentando a força das
classes políticas que se opunham à Goulart (Siegel 1978; Graham 1968 apud Maia op.
cit. 676). O presidente voltou atrás, mas continuou a subutilizar os concursos como meio
de ingresso. Apesar de previsto em lei, apenas 17% de todos os funcionários públicos em
1963 haviam sido admitidos por concurso público (Wahrlich 1983). Esses ficavam
restritos a institutos que eram conhecidos por “ilhas de excelência” (Lafer, 2002).
Também, tanto por conveniência política, quanto por legalidade jurídica, Goulart –
e o Congresso – simplesmente encerram ou “deixaram morrer” as dezenas de inquéritos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 197
criados sob Jânio. Mesmo com o apoio do Congresso, que via nesses inquéritos uma
estratégia janista de se deslegitimar a classe política, a pecha de corrupto recaiu
novamente sobre Goulart, como acusa o cartoon abaixo:
Figura 75. Primeiras Medidas
Tribuna da Imprensa 09/09/1961: 4
Entretanto, inserido num contexto mais acentuado de bipolaridade global e interna,
o elemento ideológico entra mais em cena, especialmente após a crise cubana dos mísseis
em 1962 e a posse de Goulart e do PTB, com apoio do PCB, influenciando a
preponderância do elemento anticomunismo sob o anticorrupção.
Adicionalmente, poder-se-ia argumentar que o elemento anticorrupção perdeu parte
de seu impacto social devido ao descrédito que teve com as ações de Jânio e sua renúncia.
Isso ocorre frequentemente na história: após certos momentos de escândalo e comoção
social (dentro de um ciclo de censura social), há um período de relativa calmaria em que
ocorre menor censurabilidade com o elemento da corrupção. Um “movimento de catarse
social”
46
. Em 1960, o elemento continua relevante, mas perde a força motriz.
O par de inimigos [comunistas e corruptos] foi, ao mesmo tempo, uma
motivação para o movimento golpista e uma justificativa para a violência e o
desrespeito contra os direitos e as garantias dos cidadãos cometidos pela
ditadura. Na campanha contra o governo Goulart, a temática. anticomunista foi
claramente mais importante que a denúncia da corrupção, embora esta tivesse
destaque também. [...] A temática da luta contra a corrupção assumiu
centralidade no discurso dos líderes do golpe somente após o sucesso do
movimento militar, quando ficou evidente que a ameaça comunista havia sido
superestimada. De fato, foi no período imediatamente posterior ao 31 de março
de 1964 que se consolidou o discurso sobre o inimigo duplo, ressaltando que
_______________________________________
46
E.g. Após o impeachment de Collor, há o esfriamento da luta anticorrupção, mesmo com fortes indícios
de corrupção no governo de Itamar Franco, esse será prontamente taxado de “um governo transparente”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 198
para alguns grupos de direita tratava-se do mesmo problema, pois enxergavam
comunismo e corrupção imbricados um no outro (Motta 2016: 22)
Assim, o anticomunismo foi, no caso de Goulart, o principal elemento
desestabilizador dos golpistas que há muito desejavam a tomada do poder, como visto em
seus primórdios organizacionais no Capítulo III. Neste sentido, a ideia de que o
comunismo era uma ideologia amoral facilitava essa transposição. Por exemplo, O Globo
o comentar a revolução cubana, argumenta que houve apenas troca de uma ditadura
corrupta por outra, mas essa última seria mais sanguinária:
Poucas vezes na História, elevou-se um tão eloquente brado de protesto e
revolta. Poucas vezes se viu tão convincente e insofismável testemunho. Pois
Juana Castro também fizera a Revolução, sofrera, sorrira no dia da vitória
pensando que aquele era o dia da vitória, pensando que aquele era o dia de
libertação de seu país. Mas cedo constatou que somente trocara uma ditadura
corrupta por outra ditadura, mais sanguinária e grosseira. (OG, 03/07/1964).
No caso brasileiro, em IPM durante a ditadura sobre a infiltração comunista no país,
o principal argumento era que a corrupção era norma no governo Goulart por que ele
deixou os comunistas instalarem-se nas instituições nacionais. Essa corrupção seria
inerente à ideologia comunista, dizem, tanto pelo “amoralismo religioso”, quanto ao fato
de os comunistas serem acusados não servirem ao país, mas ao PC soviético.
A fidelidade que os comunistas mantêm ao princípio do internacionalismo podem
conduzi-los a atitudes que se nos afiguram como verdadeiras aberrações dos
princípios morais de nossa civilização. São frequentes as manifestações contra os
interesses nacionais, desde que sejam postos em confronto com os interesses do
comunismo internacional. (IPM 709 de 1966/67: apud Motta 2000: 52)
Viam a ideologia comunista como alienígena que desejava corromper as “bases da
identidade nacional”, como a fé católica, a “união entre as classes” (corrompedores da
“harmonia entre as classes sociais brasileiras”), justificando, para eles, qualquer ação que
buscasse eliminar esses “traidores da pátria”, colocando a disputa ideológica em termos
de guerra (nós contra eles, brasileiros contra invasores externos) mesmo que fosse
necessário um golpe (para salvar a “real democracia”):
Enfim, quase todas as representações desta vertente [anticomunista] busca-se
consolidar a ideia de que os comunistas são elementos alienígenas à nação
brasileira, que recebem ordens de outros e trazem ideias incompatíveis com
nossa realidade. Eles visariam desagregar uma outrora tão pacífica nação.
Assim como no caso do imaginário sobre a corrupção, temos a divisão binária
entre o “nós” e os “outros”. Desclassifica-se os comunistas como verdadeiros
brasileiros, põe-los em contraposição à nação e, logo, são ditos como perigosos.
Um perigo desses em “nosso” solo deveria ser, justificadamente (para eles),
extirpado, com condenação ad hoc. Tratava-se de uma guerra interna de
subversivos contra patriotas. Enfim, vemos um discurso ainda hoje
extremamente enraizado na cultura política brasileira. Se o perigo era tão real,
tudo poderia ser justificado como instrumento de luta. (Forattini 2018: 131).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 199
É o que, por exemplo, dirá O Globo após as Marchas contra Goulart pela “Marcha
da Família com Deus pela Liberdade”:
[A marcha deve servir] para mostrar aos que pensam em desviar o Brasil de
seu caminho normal, apresentando-lhes soluções contrárias ao ideal
democrático e ensejando a tomada de poder pelos comunistas que o povo
brasileiro jamais concordará em perder a liberdade, nem assistirá de braços
cruzados aos sacrifícios das instituições (OG, 20/03/1964: 1)
A ideia de infiltração comunista e sua corrupção moral. Ainda O Globo, no dia
seguinte chama o povo carioca às ruas contra a “invasão comunista”. A infiltração já teria
acontecido e a corrupção das bases nacionais seria iminente. Pediam luta:
A Pátria imensa e maravilhosa que Deus nos deu está em extremo perigo.
Poucos, muito poucos, vendo-a ameaçada cumpriram até agora seu dever
cívico. [...] consentiram que homens de desmedida ambição, sem piedade, sem
escrúpulos, levassem o povo à miséria, destruindo nossa economia,
perturbando a paz social, criando ódio e desespero. Deixaram infiltrar-se no
corpo da Nação, na administração, nas Forças Armadas e até nas nossas igrejas
os servidores do poder totalitário, estrangeiro e devorador. [...] Porque é bom
que os inimigos saibam que defenderemos intransigentemente o regime
democrático, a nossa Constituição, o nosso Congresso e as nossas liberdades.
[...] Fiéis às nossas religiões, a nossa Constituição, fiéis a nossa Pátria –
construiremos o Brasil autêntico, livre, forte e feliz. Com Deus, pela Liberdade,
marchemos para a salvação da Pátria. (OG 20/03/1964: 1)
Em uma das raras charges do jornal, teremos o país expulsando a “bruxa comunista”
da casa, que vestia a faixa de Goulart e teria deturpado a bandeira nacional ao colocar a
foice comunista nela:
Figura 76. ... RUA!
Fonte: OG, 29/04/1964: 3
Já ao OESP o governo não estaria sendo tomado. Ele já seria subserviente ao PC
soviético. Buscando bases ao golpe, saudarão a “reação tardia” das classes produtoras,
um mês antes do golpe:
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 200
[Essas classes e quem compartilha sua visão] não estão conseguindo
acompanhar o ritmo dos acontecimentos. A infiltração comunista no governo
foi fenômeno que correspondeu a uma fase superada desta nossa curiosíssima
experiência. [...] Não se pode mais falar de infiltração, uma vez que o governo
ostensivamente articula com o partido comunista seus programas, submetendo-
se a uma quase tutela dos comunistas. (OESP, 14/03/1964)
Dizem que Goulart somente admitia no governo quem fosse explicitamente
comunista visando “solapar, dissolver, aluir o regime e as instituições, atacando-as em
sua base e estruturas” (ibid.). Há alusão a essa subserviência logo nos primeiros dias do
golpe nas páginas d’OESP. Na charge abaixo Krushev chora ao perder mais um peão em
sua cruzada comunista global (a figura do peão para designar Goulart é importante pois
essa seria uma peça subserviente, de menor valor e sacrificável).
Figura 77. Menos um peão
Fonte: OESP 04/04/1964: 4
Quem contestasse o golpe e as medidas de exceção, seria acusado de ser parte da
ameaça externa e logo alvo passível de táticas de guerra. A eles, Goulart buscava afastar-
se dos EUA e do modelo “natural às inclinações nacionais” que seria o liberalismo.
Qualificamos como traição, alta traição, crime de lesa-pátria o que os governos
de Jânio Quadros e de João Goulart praticaram sob o rótulo de política externa
“independente”. Foi chamada de “independente” a política que nos colocou na
dependência dos interesses e dos desígnios de uma ideologia totalitária e de
uma potência estrangeira, o que equivalia à traição dos interesses, do caráter,
dos sentimentos, do “estilo” nacionais.
Ninguém poderia duvidar que essa traição seria praticada pelos comunistas que
através de numerosos “grupos de pressão” por eles inteiramente dominados,
formaram o principal substrato político do governo de João Goulart. O
comunista, por natureza e por essência, é um traidor. (OESP, 10/04/1964).
Não entendem que havia um pragmatismo para expandir mercados aos produtos
brasileiros, visando desenvolvimento econômico e social, bem como uma forma de
fortalecer a democracia pela diminuição da pobreza e os verdadeiros “possíveis focos de
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 201
manifestação comunista”. A PEI era uma tentativa de escapar ao máximo possível da
visão bipolar que cerceava a expansão comercial brasileira.
Por fim, ao jornal o golpe era a chance de extinguir não só o comunismo, mas
principalmente o varguismo e seu estilo intervencionista e, dizem, clientelista/corrupto,
da política brasileira, que pela corrupção moral, política e econômica desse sistema,
propiciava a infiltração comunista. Goulart e Vargas seriam os mesmo aos jornais.
Dever-se-ia extirpá-los. Veja-se o editorial “Decapitação da hidra vermelha”:
o pano de fundo da tragédia subversiva que se vinha representando ultimamente
no país era, não há como negar, a velha ambição ditatorial do pupilo de Vargas.
[...] Fingia-se fazer o jogo de um simples saudosista do estadonovismo, os
comunistas, ao mesmo tempo que aplacavam o apetite do “entourage”
presidencial com subvenções de acentuado cheiro moscovita. – e ultimamente
com indisfarçável odor pequinês também – passaram a ocupar todas as
posições-chaves indispensáveis ao desenvolvimento da guerra revolucionária
que deflagraram entre nós. (OESP 11/04/1964)
No caso do discurso anticorrupção em si, foram pouquíssimos casos que
implicaram o Goulart e que tiveram repercussão política. Dois nos impedem de avançar
sem os examinar: 1) denúncias de corrupção na Petrobrás em 1964, no pico da crise
política; 2) o caso de corrupção eleitoral e política por parte da direita, implicando o
governo dos EUA: o caso IBAD. Em ambos os casos a força motriz será o
anticomunismo, com a corrupção sendo elemento facilitador.
Desde 1962, altos escalões militares e grande parte das elites brasileira já se
organizavam para desestabilizar o governo de Goulart, com alguns já pensando em
golpes. Como disse Mesquita, em carta já aludida, ele fora consultado por Castelo Branco
sobre possível apoio ao golpe e nas condições que esse golpe deveria ocorrer. Grupos
influentes como o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) foram criados visando
desestabilizar o governo, especialmente pela via do anticomunismo.
O IPES, por exemplo, nasceu da vontade de Paulo Ayres Filho (presidente do
Instituto Pinheiros) em publicar folhetos e panfletos sobre as vantagens do liberalismo,
pois achava que “os comunistas estavam ganhando a guerra”. Com a ajuda de outros
empresários e banqueiros e fundam o Instituto. Sua base ideológica era tanto a Encíclica
Mater et Magistra (carta apostólica de 1961, inserida no contexto da Guerra Fria, como
forma de resposta à ideologia comunista, pedindo mais atenção à questão social) quanto
a Aliança para o Progresso (iniciativa de Kennedy com o objetivo de promover o
desenvolvimento na América Latina e combater a influência do comunismo na região).
Sua principal preocupação era conter a sindicalização de trabalhadores urbanos e rurais,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 202
desarticular o movimento estudantil, combater empresários progressistas e frear as
reformas analisadas pelo Congresso Nacional. Seu foco não era a pauta anticorrupção.
À medida que cresceu e angariou novos membros, começaram a crescer as
dissidências. A grande maioria concordava que Goulart não era comunista e que ele se
esforçava em tentar manter longe uma esquerda radical das bases do governo. Mas tudo
se alterou no final de 1962 em que membros mais radicais civis começaram a se articular
com militares. Segundo Ayres, “no começo a ideia era resistir e não atacar. Todos nós
queríamos que o Jango terminasse o mandato. Sabíamos que todos, em outras partes do
mundo, ficariam contra nós se o derrubássemos” (Fortune, setembro 1964). Membros do
IPES começaram a organizar ou apoiar diferentes siglas que apoiavam ações mais diretas:
Com o apoio e presença cada vez maior entre os militares, esses grupos radicalizavam
suas opiniões e modus operandi (ibid.).
Entre as outras siglas mais radicais apoiadas por estes membros da sociedade civil,
estava o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática – poderoso think-tank
financiado por empresas estrangeiras e pelo governo dos Estados Unidos). Assim como
o IPES, o foco do IBAD também não era a propaganda anticorrupção, mas sim fomentar
o anticomunismo e apoiar candidatos e partidos políticos que fossem favoráveis ao
liberalismo e aos interesses das empresas multinacionais, combatendo Goulart. Poucos
de seus materiais focavam em nosso tópico, quando faziam setores de esquerda taxavam
essas publicações “terrorismo econômico” (UH 07/04/1962).
Como frente de ação, o IBAD fundou uma organização política no Brasil chamada
ADEP (Ação Democrática Popular) cujo objetivo era arrecadar dinheiro para promover
candidatos ideologicamente alinhados com os interesses estadunidenses, especialmente
durante as eleições de 1962. O dinheiro era tanto que conseguiram alugar, por inteiro,
durante 90 dias, um dos maiores jornais do Brasil na época, o carioca A Noite.
A estratégia do complexo IPES-IBAD foi um sucesso. A UDN superou o PTB no
número de senadores eleitos (11 senadores contra 10 do PTB); 7 governadores contra 4
do PTB; e elegeu o terceiro maior número de deputados, com 94 deputados eleitos, um
aumento de 22% em relação à eleição anterior. O PSD manteve a liderança, mas muitos
desses eleitos compunham alguma forma de oposição a Goulart. A ação do IBAD
despertou suspeita. Indícios fortes de que esse dinheiro infringia a lei eleitoral brasileira
levaram à criação de uma CPI: “CPI do Assalto ao Parlamento” em 1963. Alguns jornais
darão destaque a essa CPI: “PAÍS REAGE CONTRA TERROR ECONÔMICO!
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 203
MURO DA VERGONHA PARA ESCONDER FROTA DA CORRUPÇÃO” (UH
01/09/1962: 1). “IBAD JÁ GASTOU CR$100 MILHÕES [NO CEARÁ]” (ibid.: 4).
Apesar dessa CPI ter sido obstruída dado o número de parlamentares e interesses
envolvidos, ela teve repercussão suficiente para a determinação do fechamento do IBAD
por decreto de Goulart. Seu relatório final considerou a IBAD culpada de ser uma
organização corrupta que financiou ilegalmente candidatos políticos em um compromisso
suprapartidário e por “pretender uma tomada de poder por corrupção eleitoral”, ligam-na
inclusive com o grupo armado Movimento Anti-Comunista (MAC)
A entidade denominada Ação Democrática Popular, vem a ser uma subdivisão
do Instituto Brasileiro da Ação Democrática. Visa infiltrar-se na área popular
para beneficiar a Ação Democrática Parlamentar. Procura confundir-se com um
conteúdo ideológico de centro-progressista. Envolvido no mesmo campo
encontramos o Movimento Anti-Comunista (MAC) [grupo armado de extrema-
direita financiado também pela CIA]. (CPI-IBAD v.1.: 48)
Denuncia seus objetivos:
Organização poderosa economicamente, habilmente dirigida, poderá fazer
sentir de maneira real sua presença na vida política do país. Tem como
finalidade a A.D.P. a tonada do poder, em curto prazo. Em escala crescente,
apresenta um planejamento inicial de eleger uma poderosa bancada na Câmara
dos Deputados, que ... controla realmente a direção do país. Simultaneamente
pretende a eleição de governadores. O coroamento da campanha será apresentar
candidato próprio à presidência em 1965, uma figura perfeitamente afinada
com a ADP. (ibid.)
E explicam sua ação social e econômica, inclusive sobre a atividade privada:
Tem como Ação Social: A pressão econômica sobre organismos da iniciativa
privada que não comunguem com seu pensamento;
A orientação política contrária ao governo nacional, que não se identifica com
suas ideias e a desmoralização dos homens públicos.
Tem como Ação Política: 2) Eliminação política de candidatos progressistas
ou de centro que apoiem o governo.
3) Desmoralização total do Governo Nacional, sabotando na Câmara todas as
mensagens do Executivo, forçando sua perda de substância junto à área
popular, desgastando suas bases, de tal forma que poderão lançar candidato
próprio às eleições presidenciais em 1965. (ibid.)
Além disso, disse o deputado Eloy Dutra: o IBAD não conseguiu produzir provas
da origem de uma “soma quase incalculável de dinheiro” (Dutra, 1963).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 204
Figura 78. Exemplo de representação popular do IBAD em desenhos políticos
Fonte: Correio da Manhã 20/07/1963
A charge acima mostra o IBAD vendendo golpes militares (uma “tradição e
garantia” estadunidense, diz o cartaz) em países como Argentina, Equador, Peru...
Também “vendiam mandatos” e “compravam democracias”. Essa charge mostra que
parte da imprensa também estava atenta a riscos golpistas da direita, apesar de manter
foco nas “conspirações esquerdistas” (Motta 2006: 150).
No caso da Petrobrás, diversas acusações de corrupção recaíram sobre a diretoria
da empresa. Iniciadas por um engenheiro da estatal, Claudio Carlos Godinho, as
denúncias iam desde superfaturamento de obras e serviços, quanto à influência do
sindicato no gerenciamento da empresa. As acusações versavam: 1) a exploração da ideia
de um sindicato corrupto gerenciando e corrompendo a empresa estatal; 2) acusações de
enriquecimento ilícito por parte da diretoria indicada por Goulart e do PTB via corrupção.
Figura 79. Petróleo é nosso
Fonte: OESP 06/02/1964
A charge acima mostra a tentativa de diretamente implicar Goulart no caso de
corrupção – algo que caso fosse comprovado que parte do dinheiro ia para seu partido
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 205
poderia realmente tê-lo implicado, entretanto nada foi comprovado. Era impossível,
também, aos jornais conservadores e antigetulistas não fazerem a ligação entre a estatal
criada por Vargas e de seu afilhado político: o “mar de lama” volta à cena:
Figura 80. A Volta do Mar de Lama
Fonte: OESP 04/02/1964: 4
O foco da imprensa será o de ligar a corrupção com o mote maior: a infiltração
comunista: “As Acusações Sobre o Domínio Comunista na Petrobrás” (OESP
01/02/1964: 5). O jornal Diário de Notícias (16/08/1963) soltará artigo “/Periscópio”
discorrendo sobre os pontos visados pelos comunistas na empresa com nomes dos
sindicalistas. O Globo (10 e 11/08/1963) lançará artigos “Frente Única Contra a
Agitação” e “Supremo Direito” sobre as pessoas apontadas por Goulart para dirigirem a
estatal, alguns ligados ao PC. OESP em 08/06/1963 terá artigo “O Papel da Petrobrás no
Plano Subversivo”, com foco no presidente general Albino Silva, que não teria
conseguido conter a infiltração comunista. O Diário de Notícias publicará em 31/05 e
13/06 de 1963 discursos de políticos apontando a infiltração comunista. A maior acusação
dessa infiltração era que os sindicalistas quando dessem o golpe comunista, iriam reter o
combustível necessário às Forças Armadas para “salvar o país”.
Godinho dirá na CPI que “a infiltração de comunista é de tal ordem que os
sindicatos chegam a controlar diretamente as atividades do presidente da empresa”
(OESP 01/04/1964). Para isso, acusará a diretoria de subserviência na greve de
13/11/1963, em que jornais como a Folha de S. Paulo acusavam que os sindicalistas era
quem controlavam com quem a imprensa podia falar e entrar no gabinete da presidência.
Alude aos documentos (34 e 35 da CPI) que mostram que para utilizar motoristas e
auxiliares da empresa, o presidente Albino teve que pedir licença ao Sindicato via ofícios.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 206
Na Petrobrás a falta de autoridade dos que dirigem este patrimônio nacional é
de tal ordem que os comunistas estão praticamente mandando na empresa.
Procuram controlar pontos chaves das unidades como Casa de Força, Controle
de Pessoal, Transporte, Centro Telefônico etc. colocando elementos de
confiança em posições de chefia. (ibid.)
Por fim ligam a diretoria às “atividades da esquerda”:
Os comícios políticos e subversivos já estão sendo oficializados pela própria
diretoria. Como exemplo temos o memorando circular n. DRI 88 63 de
19/11/1963 ... autorizando os operários a saírem antes do expediente para
participarem de comício do sindicato em frente à refinaria por ocasião de greve
de encampação da Refinaria de Capuava (Documento 30) (ibid.)
Sobre a encampação, documentos e falas de Albino Silva e, depois, de Osvino
Alves comprovam seu apoio à encampação dessa refinaria mesmo que utilizando o
Exército. O que o depoente e os jornais esqueceram de falar é que essa encampação foi
apoiada na lei. Foram criados Grupos de Trabalho e pareceres jurídicos e econômicos
para que a nacionalização da Refinaria ocorresse, com pagamento integral ou aquisição
de 51% das ações das empresas (OESP 20/03/1964: 25). Tratava-se de um grande campo
de petróleo que estava sendo subutilizado pela empresa estadunidense. Esta denunciou,
que a refinaria não funcionava porque trabalhadores brasileiros comunistas a construíram
errado de propósito – tese absurda. Godinho levará o jornal do “Sindipetro” que dizia que
“maus brasileiros que tudo fizeram ao construir a Refinaria ... para que nada funcionasse”,
ao mesmo tempo que comemorava possível revolução como a cubana: “Cuba é um
espinho na garganta dos ianques. E o Brasil poderá ser um osso” (OESP 01/02/1964).
As acusações iniciaram-se em agosto de 1963 com o apontamento da nova diretoria,
mas a CPI foi instalada em janeiro de 1964. A pressão foi forte o suficiente para que
Goulart demitisse Albino Silva, colocando em lugar o marechal Osvino Alves, a quem
ele chamava de “marechal do povo” (OESP 31/01/1965).
Este ponto aborda outra questão importante: a preservação do capital privado,
especialmente estadunidenses, contrário às encampações. Como visto no capítulo V, o
capital estrangeiro e o investimento direto no Brasil sofreu queda histórica durante o
período Goulart, seja por motivos econômicos, ou por ideológicos e desconfiança. A
charge abaixo mostra a visão dos liberais sobre a encampação das empresas estrangeiras,
como uma política obscurantista, de pendor comunista, servindo apenas para cabide de
emprego, i.e., corrupção (notar a pulseira na mão da “encampação”), que estava a apagar
a chama (a luz, que revela o sentido) que seria o capital privado.
Figura 81. Obscurantista
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 207
Fonte: OESP 12/11/1963: 4
Os EUA que haviam sido tão amigáveis durante o breve período de Quadros, apesar
de apreensivos
47
, acreditavam que ele iria governar de forma conservadora e pragmática:
Perante os industriais ele prometeu uma economia conservadora, diante dos
planejadores ele elogiou o investimento estrangeiro, junto aos camponeses,
lembrou sua visita a Cuba de Fidel Castro. Perante os comunistas, ele lembrou
de sua viagem a Moscou no ano passado e insinuou um possível
reconhecimento da Rússia e da China Vermelha, perante os nacionalistas ele
esfolou os sanguessugas exploradores estrangeiros. Como presidente, ele
provavelmente iria executar o mesmo tipo eficiente, econômico, um governo
com o espírito voltado para o tipo de desenvolvimento que ele utilizou em São
Paulo (Times, “Que Conservador?” 03/10/1960)
Assim, se com Quadros houve certa boa vontade dos EUA, com Goulart, foi quase
inexistente. Um quadro agravado pela política de nacionalizações imposta pela fundação
da Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos
(CONESP). Dentro da racionalidade da proposta da Aliança para o Progresso de Kennedy
(que chamou o plano de “o Plano Marshall das Américas”), mas que ficou muito aquém
das promessas. Até Roberto Campos denunciou a Aliança como um plano mais
preocupado com a estabilização que com o progresso:
Segundo Campos, os Estados Unidos estariam preocupados apenas com o
“primado da estabilização”, e não com o desenvolvimento econômico e social.
Não é à toa que, em menos de um ano, muitos latino-americanos já se referiam
ao programa como a aliança que estaria parando o progresso, ao invés de
estimulá-lo (Loureiro 2013: 549)
Entretanto, essa ortodoxia dos EUA em prol da estabilização desde a Aliança ao
Progresso é meia-verdade. Pois com Jânio, como mostra Loureiro (2013), “em nome da
_______________________________________
47
Mesmo que apreensivos com o personagem político (monitoravam Quadros desde 1955 quando do PTB),
com seu “liberalismo contraditório” (às vezes favorável à privatização, às vezes à favor da nacionalização)
e com sua política externa, o que levou à revista Times a alcunhar Jânio de “camaleão”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 208
Aliança para o Progresso, [os EUA] pressionaram o FMI a ceder em sua rigidez
monetarista em prol do Brasil”. Será apenas com Goulart que, em nome da mesma
Aliança, os EUA passaram a defender “o primado da estabilização, usando-se como base
a mesma rigidez monetarista do Fundo que outrora se buscou relativizar”. (p. 573).
Loureiro mostra que os empréstimos recebidos pelo Brasil entre 1961 e 1964 foram
inexistentes em 1964, com apenas um empréstimo por ano em 1962 e 1963, enquanto em
apenas 6 meses de 1961 o Brasil recebeu 6 empréstimos (Loureiro op. cit. 568). Assim, o
motivo da pressão estadunidense era ideológico. Essa era tanta que mesmo com o anúncio
e implementação parcial de plano rigoroso de estabilização, exatamente como pedido pelo
FMI, por Goulart e pelo banqueiro Moreira Salles, tanto Kennedy, quanto o FMI,
decidiram pela não renovação de empréstimos com o Brasil. Diziam ser o plano
incipiente, pedindo “resultados concretos” antes de qualquer empréstimo. Ou seja,
queriam que Goulart sangrasse com sua base de apoio, devido ao arrocho que
inevitavelmente chegaria graças ao plano, antes de conversar sobre empréstimos. Como
dito nesta tese, a austeridade era a segunda garra do escorpião.
Prova dessa intenção, é que durante a visita de Goulart, houve duas outras reuniões
entre Goulart e Clodsmith Riani (sindicalista presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Indústria, CNTI) com lideranças sindicais estadunidenses para alertar
Goulart do perigo da infiltração comunista nos sindicatos. Kennedy queria que Goulart
se afastasse desses sindicatos antes de discutir melhoras nas relações, preço que Goulart
não podia arcar, visto essa ser sua base e força mobilizadora de segmentos populares:
Ao final da visita, apesar de o governo Kennedy ter mostrado otimismo quanto
à possibilidade de fortalecimento da “ala democrática” entre os trabalhadores
no Brasil, Washington decidiu manter uma postura cautelosa ... Esse preço o
presidente brasileiro não estaria disposto a pagar.108Goulart via nos comunistas
e em outros membros da esquerda radical uma importante força de mobilização
de segmentos populares – entre os quais trabalhadores de setores-chave da
economia, como marítimos, ferroviários e portuários. (Loureiro op. cit. 570)
Para piorar, havia o problema das empresas ameaçadas de nacionalização ou que
queriam ser compradas por preço irrazoável, as chamadas “áreas de atrito”.
Baseado nas palavras de Vossa Excelência e no seu amistoso espírito de
colaboração, entreguei aos meus Ministros da Fazenda e de Minas e Energia a
tarefa de discutir com as autoridades americanas e com a AMFORP os nossos
problemas financeiros, bem como o das concessionárias, os quais não podem
ser encarados isoladamente, mas como parte de todo um complexo de questões
que recaem no âmbito de uma ampla colaboração entre Brasil e os Estados
Unidos da América. No tocante ao problema das concessionárias, minha
intenção, Senhor Presidente, é ... evitar que se malconduzido por nossos
Governos, venha ampliar as áreas de atrito, ao invés de eliminá-las, como era
o propósito que nos inspirava ao expedirmos o comunicado conjunto de abril
de 1962 (Carta de Goulart à Kennedy de 08/03/1963)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 209
Essas áreas de atrito somente serão resolvidas com o golpe civil-militar mediante
flagrantes casos de corrupção, como veremos adiante. Mas com Goulart, as
nacionalizações ocorrerão em seu governo, terminando por selar a impossibilidade de
acordo entre as duas nações. A principal nacionalização envolveu seu cunhado e
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola que nacionalizou a Companhia
Telefônica Rio-Grandense, subsidiária da International Telephone & Telegraph (ITT).
Brizola, quem a revista Times qualificou como um "demagogo perigoso, hábil e
infinitamente ambicioso" e que "os americanos estão finalmente percebendo quem é
considerado o candidato mais provável para desempenhar o papel de Fidel Castro em um
país muito mais importante para o hemisfério do que a pequena ilha de Cuba", realizou a
nacionalização da ITT ao alegar mau atendimento em sua filial brasileira, “em um
movimento tão ousado que nem mesmo Fidel Castro tentou ainda em Cuba”. As relações
entre os dois países ficaram tão abaladas que Jango pagou indenização à ITT em mais de
20 vezes do valor que a empresa foi avaliada pela Justiça do Rio Grande do Sul. Como
mostra a charge abaixo, as relações tornavam-se “elétricas” com o caso das
nacionalizações, fazendo com que Kennedy guardasse a carta com as ajudas:
Figura 82. Encampações e Ajuda Estadunidense
Fonte: Correio da Manhã 11/06/1963
Com a rejeição de parte relevante das elites político-econômica e do governo
estadunidense às reformas de base e ao governo de Goulart; aliada à deterioração da
economia e avanço da inflação; com um capital financeiro que se entendia ameaçado; e a
crescente mobilização social nas cidades e no campo, além de intensa polarização
política, o governo Goulart estava em virtual impossibilidade de governar.
Acuado politicamente, Goulart decide deslocar o peso das decisões político-
econômica à praça pública. Essa decisão ficou clara quando ele abandona a ideia de se
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 210
apoiar na Frente Progressista de San Tiago Dantas e adere à Frente Única de Esquerda de
Brizola, anunciando diversos comícios pelo país para realizar suas reformas de base,
desejando mostrar o respaldo público, mobilizados por organizações como a FMP, a
CGT, o PCB e o grupo político de Miguel Arraes.
Ainda assim, setores legalistas ainda acreditavam que havia espaço tanto às
reformas, quanto à manutenção da democracia (Correio da Manhã 13/03/1964). Outros
nem tanto. O jornal New York Times lança artigo “Goulart tenta golpe apoiando-se na
esquerda” (NYT 31/03/1964). Para OESP, as manifestações populares seriam feitas
apenas por membros das entidades sindicais descritas como arruaceiros, sem a mínima
representação popular, como mostra a figura abaixo com os transeuntes olhando com
espanto ou ojeriza ao evento. Não à toa que, com o golpe, essas entidades, bases de
Goulart e de sua articulação com significativa parcela popular, serão descritas como
subversivas e corruptas e estarão entre as primeiras a sofrerem “a limpeza” da ditadura.
Figura 83. Manifestação Popular
Fonte: OESP 05/10/1964: 4
Os desdobramentos do único comício, dos vários programadas, aliado à revolta dos
marinheiros e à participação de Goulart na reunião de sargentos no Automóvel Clube
fizeram com que parte do suporte legalista mudasse de posição e pedisse sua deposição.
A indecisão sobre efetuar o golpe ou não, apesar de ação precipitada de Olímpio
Mourão destacando as tropas em Minas Gerais sem aviso prévio, dura até o 1º de abril. O
gal. Amaury Kruel pede a Goulart que rompesse com as “esquerdas” e impôs condições
para apoiá-lo. O presidente recusa. Somente no meio-dia do 1º de abril, com a tomada do
Forte de Copacabana, é que Kruel apoiará o golpe.
A mudança de posição de Kruel e, em certo sentido, a de Justino resultaram da
decomposição da base militar do governo. Ambos tiveram doze horas para ver
em que direção o vento sopraria, e ele soprou com tamanha clareza que chegou
a ser um exagero esperar tanto (Gaspari 2002: 91)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 211
Isso não quer dizer que o golpe não ocorreria no futuro, como se ele decorresse da
“inabilidade” de Goulart em não romper com a esquerda. O golpe era arquitetado há anos.
O que temiam era que Olímpio Mourão colocasse a perder esse projeto. Assim, desde o
começo, o golpe foi confuso e sem legitimidade, mesmo dentro dos círculos golpistas.
2. Compreendendo o golpe dentro da perspectiva desta tese: a implementação do
individualismo e a destruição das relações sociais de autonomia e cooperação
Devemos entender o golpe como Feierstein (2011), que via nos golpes da América
Latina uma racionalidade que os guiava e que se encaixa na proposta desta tese. Ele
entendia os golpes pela tese de que havia a busca de um projeto de reorganização social,
contando com participação de boa parte das elites internas e externas, no qual o exercício
do terror e sua difusão no conjunto social eram vistos como necessários à destruição das
relações sociais de autonomia e cooperação que se organizavam e pediam por reformas.
Esta tese, adotada nos últimos decênios na Argentina, permitiu que os agentes econômicos
que apoiaram o golpe fossem investigados e culpabilizados.
Assim, ele nega as duas vertentes cronológicas que surgiram na Argentina pós-
golpe. A primeira, utilizada pelos militares e apoiadores do golpe de que se tratava de
uma guerra entre dois lados polarizados o que, em último caso, permitiria a Anistia – que,
infelizmente, prevalece no entendimento jurídico brasileiro. Esta tese assume que o
Estado se encontrava em perigo contra um “inimigo externo”, que havia se infiltrado e
corrompido cidadãos, transformados em “agentes” e que por isso seria possível eliminá-
los. Obviamente nada isso ocorreu, o Estado sistematicamente matava seus nacionais.
Por outro lado, a tese que até então perdurava, e que permitiu a culpabilização, foi
é a de um “Estado terrorista”. Esta seria um corolário do propósito inicial de
desarticulação da população pela via do extermínio indiscriminado da sociedade, não
visando apenas os “inimigos”. Mas, foi sendo gradualmente despolitizada não mais
abarcando a sociedade como um todo, mas apenas referente às “violações” de direitos
humanos levadas a cabo pelo Estado em relação a indivíduos (Feierstein 2011: 577).
Por fim, há a visão de que houve genocídio. Essa palavra assustava os pragmáticos
que queriam julgar e condenar os ditadores e, por isso, não ganhou tração inicialmente.
Temiam que a sociedade interna e internacional julgasse o termo como hiperbólico e o
tirasse do contexto. Entretanto, o termo possui validade, pois implica na existência de um
projeto de reorganização social para além das estruturas estatais, divisado muito antes
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 212
do golpe e da bipolarização, no qual o exercício do terror e sua difusão no conjunto social
era vital à destruição das relações sociais de autonomia e cooperação:
La visión de que la Argentina sufrió un genocidio implica que existió un
proyecto de reorganización social y nacional que buscó “la destrucción de las
relaciones sociales de autonomía y cooperación y de la identidad de una
sociedad, por medio del aniquilamiento de una fracción relevante (sea por su
número o por los efectos de sus prácticas) de dicha sociedad, y del uso del terror
producto del aniquilamiento para el establecimiento de nuevas relaciones
sociales y modelos identitarios” (Feierstein 2011, pp. 575-76)
Esta caracterização como genocídio vai, portanto, além da oposição binária entre
“esquerda” e “direita”; “subversivos” e “agentes governamentais”. Ela demonstra que a
repressão não visava somente os ditos inimigos, mas sim, afetar todo o conjunto social.
Seu objetivo final era produzir efeitos na sociedade graças a sua ambiguidade (proposital)
ao não definir quem seriam os inimigos, fomentando a dissolução da tecitura social e
a incentivando o individualismo. Para isso, o terror e a delação foram fundamentais.
Prova disso é que este projeto de reorganização social é muito anterior, por
exemplo, que o surgimento das organizações armadas de esquerda na Argentina. Era um
projeto de reorganização social mediante o uso do terror que não necessitava destes
“inimigos armados” para existir, pois estava sendo construído há anos: se a existência
destes grupos armados ocorreu, foi simplesmente algo que serviu como uma “desculpa”
para justificá-lo, como no caso brasileiro pós-AI-5 (1968). Aos apoiadores desta tese, as
consequências destas práticas explicariam o individualismo e a indiferença generalizada
que muitos países latino-americanos passaram no final dos anos de 1980 e 1990 com a
eleição de políticos neoliberais e a relativamente fácil implementação de suas políticas.
Utilizando esta concepção fica claro como agentes do neoliberalismo, por exemplo,
buscaram prontamente legitimar o golpe e como o discurso anticorrupção foi vital para
sua implementação quando o discurso anticomunista não mais vingava. O golpe não foi
reação direta ao comunismo, mas à organização e reivindicação social que contestaria o
projeto econômico neoliberal-conservador. Assim, as resistências sociais à
implementação do capital de forma irrestrita foram retiradas da arena pública. O
trabalhador perde meios de organização e contestação. O povo como um todo não possui
mais meios de eleger representantes de suas aspirações político-econômicas, enquanto o
capital e as elites continuavam a exercer influência com ainda mais poder, estabelecendo
poderosa simbiose entre ditadura, meios de produção e capital financeiro.
Os empresários que discordassem e não quisessem apoiar o golpe perdiam verbas,
empréstimos, licitações, proteção política e econômica e seriam perseguidos. Não sem
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 213
motivo que todo o sistema de inteligência e repressão da ditadura brasileira foi financiado
pelo capital privado, com apenas dois dos grandes industriais brasileiros negando-se a
contribuir com esse financiamento: Antonio Ermírio de Moraes (Grupo Votorantim) e
José Mindlin (Metal Leve). Empresas multinacionais também contribuíram ao golpe, não
só financeiramente e com apoio político, mas denunciando trabalhadores “subversivos”,
com instalações de repressão e tortura dentro das próprias fábricas. Igualmente fizeram
os jornais, que cresceram em tamanho midiático e em negócios familiares. A Folha de S.
Paulo, hoje o maior jornal brasileiro, emprestava seus veículos de entrega para sequestro
e tortura de alvos da ditadura, para além do suporte editorial.
Assim, como argumentamos na Introdução dessa tese, seguindo as pesquisas sobre
o início do neoliberalismo na Europa no pós 1ª Guerra Mundial, na visão dessas elites era
necessário conter a expansão democrática e as reivindicações populares para garantir a
expansão do capital privado e seus lucros, ao mesmo tempo que se garantiria a diminuição
do Estado. No Brasil, como mostramos, os golpistas entendiam ser imperioso retirar o
varguismo e o que ele representava das estruturas sociais brasileiras:
A nossa participação foi sempre, evidentemente, só como jornal, no campo das
ideias. Pelo menos até 1932. ... Depois disso, nunca mais saímos do centro dos
acontecimentos. A partir de 1930, a nossa luta foi contra Getúlio e o sistema
político que ele criou. Daí, evidentemente, tudo caminhou para o desfecho de
1964. (Mesquita, 1984: 26-27, grifo meu)
Com o golpe capital estrangeiro e os investimentos voltaram a crescer com ímpeto
nunca visto, mas o país crescia de forma desigual: enquanto o PIB avançava às vezes a
dígitos duplos, o salário médio caía mais de 40% em 4 anos, pois ele era reajustado por
índice inflacionário subestimado, algo que não ocorreria facilmente numa democracia.
Políticas públicas requeridas pelas missões ainda antes do final da 2ª Guerra, como, por
exemplo, com Niemeyer (1933), ou outros, que pediam a criação de um Banco Central,
medidas duras de austeridade etc., serão implementadas no primeiro momento do golpe
(de 1964 a 1968) e com o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo).
Em editorial, a revista oficial da BVRJ, A Bolsa, com o título “Revolução da
Confiança”, os representantes do capital industrial e financeiro dirão que foi com “grande
alívio” que receberam a notícia da deposição de Goulart. Havia no editorial palavras a
todos, empresários, políticos, organismos internacionais e operariado, inclusive dizendo
ao operariado que se ele quer participar dos lucros das empresas, que ele compre “as ações
das companhias em que labutam. Na medida de suas possibilidades eles devem comprar
a participação, pois só aquilo que é adquirido com o próprio esforço [e não
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 214
reivindicações], tem valor”. (Levy op. cit.: 611). Era o ápice do individualismo em favor
do capital. O pregão da BVRJ do dia 06/04, com o golpe consolidado, foi um dos maiores
da história do país. (Correio da Manhã 07/04/1964: 5).
Arthur Edwards, presidente da Armco Steel Co., um dos maiores traders dos EUA
e dono de uma ONG que enviava “material educacional” à países em desenvolvimento,
disse ao NYT: “espero que o movimento anti-Goulart no Brasil, uma demonstração do
desejo do povo, uma das mais impressionantes que já vi, sirva de exemplo e derrube o
movimento de esquerda chileno” (NYT: 07/04/1964: 52). “Eu escolheria minhas posições
e olharia no longo prazo, mas eu não sairia agora da América Latina”.
3. A Ditadura, a “Limpeza” e os militares como “moralmente superiores” e
incorruptíveis
Figura 84. Seja Bem-vinda ao Brasil
48
Fonte: Fotopotoca, 10
Mas como atuarão esses “virtuosos” militares que iriam “limpar” o Brasil da
ameaça comunista e da corrupção? Inicialmente, os golpistas, com o apoio da grande
mídia, exceto o Última Hora (que foi empastelado logo no dia 1º de abril), dividiram o
golpe em três fases explícitas pelos militares e jornais: a primeira seria a deposição de
Goulart; a segunda seria a consolidação com a eleição de Castelo Branco pelo Congresso
para dar “legitimidade democrática” ao golpe e a terceira seria a “limpeza”. A eleição foi
chapa única, mas não foi simples pois o Congresso discutia o que deveria ser feito com a
queda de Goulart e o papel dos militares. Isso levou jornais a ameaçarem os políticos para
não “provocarem frustração nos militares” e produzir “piores resultados”. Queremos que
_______________________________________
48
Brincadeira da revista Fotopotoca com Brigitte Bardot, que nesta época vinha à Búzios (RJ) e havia dito
que “adorei a revolução de vocês”, sendo cercada por militares em cena de um de seus filmes.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 215
este governo forte seja organizado pelo Congresso para que não se venha impor um
governo contra o Congresso. (OG, 04/04/1964). Nada mais revolucionariamente
democrático que uma eleição com ameaças
Começam a implicar que os políticos estavam a aguardar os 30 dias previstos na
Constituição para que a presidência fosse devolvida “ao genro do ditador Getúlio Vargas”
(Goulart) ou “venha a ser posta a serviço da candidatura de quem? – Do sr. Juscelino
Kubitschek!” (OESP, 07/04/1964). Não acreditavam em Goulart, mas temiam Juscelino.
Diante da pressão, Castelo foi eleito, com voto favorável de JK. Faltava
“consolidar” a revolução com os instrumentos jurídicos necessários para “legitimar” a
limpeza que tanto desejavam. O Globo dirá em “A revolução consolidada” (11/04/1964):
Atinge, portanto, a revolução a fase final [com a eleição de Castelo] com vistas
a obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral que se
propôs realizar em bem do país ... Urgia a limpeza do terreno a fim de que o
novo governo pudesse encetar imediatamente a sua tarefa regeneradora. Para
isso foi baixado ... o Ato Institucional, cujo principal efeito deve ser o de
permitir a normalização imediata da vida administrativa.
O próximo passo era dar início à “Operação Limpeza”. Esta já ocorria “ilegalmente”.
Nos primeiros meses mais de 50 mil pessoas foram presas (diz a revista Time 10 mil pessoas
foram presas na primeira semana). Devido ao grande número de pessoas, prisões tiveram que
ser improvisadas, usando-se navios da Marinha e mesmo o Maracanã (Forattini 2018: 168).
Antes mesmo do golpe já existiam listas com nomes de “subversivos”. Qualquer
um poderia entrar neste rol, mesmo que fosse por desavenças políticas ou pessoais.
Logo após o golpe militar uma vasta campanha de busca e detenção foi
desencadeada em todo o país. Ruas inteiras eram bloqueadas e cada casa era
submetida a busca para detenção de pessoas cujos nomes constavam de listas
previamente preparadas. ... especialmente visados eram líderes sindicais e
estudantis, intelectuais, professores, estudantes e organizadores leigos dos
movimentos católicos nas universidades e no campo. (Alves 1989: 38)
[A limpeza] não se limitou a expurgos em organismos políticos e burocráticos.
Desde o início cresceram em círculos militares as pressões para uma repressão
mais direta da população. Elaboravam-se nos quartéis listas dos que deveriam
ser expurgados e presos. (ibid.: 58)
O apoio dos jornais era tão aberto que suas edições possuíam títulos como: “Ato
Institucional garante armas para a democracia” (OG, 10/04/1964). A eles, um Ato que
permitia que o governo cassasse mandatos, suspendesse direitos por dez anos, impedisse
contestações na justiça e afastasse do serviço público quem “ameaçasse a segurança
nacional” era um instrumento garantidor da democracia. A charge de Jaguar denunciava
essa incongruência ao mostrar o namoro abusivo entre um militar e uma democracia frágil
e refém, com uma bola de ferro no pé chamada AI-1:
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 216
Figura 85. Jaguar e o Dia dos Namorados
Fonte: UH, 12/05/1964
A luta, diziam, seria contra os comunistas e os corruptos. As charges abaixo nos
dão ideia de quem seriam esses e como se conduziria a limpeza: não pela lei, mas pela
eliminação. Notar que os elementos caçados serão os mesmos atingidos no rol descrito
acima como forma de organização social: políticos, sindicalistas e estudantes:
Figura 86. Segundo objetivo: corrupção
Fonte: OESP, 07/04/1964: 4
Figura 87. Cassação de Mandatos: políticos
Fonte: OESP, 07/04/1964:.4
Figura 88. Dedetização nos Sindicatos [s/n]
Fonte: OESP, 21/04/1964: 4
Figura 89. Estudantes [s/n]
Fonte: OESP, 16/07/1964: 4
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 217
Figura 90. Golpe Final
Fonte: OESP, 10/10/1964: 4
Vemos que a violência era contra qualquer forma de coletivização e representação
social. Na primeira imagem, dizem que os comunistas (a cobra) já haviam sido
“exterminados”, agora a busca seria contra os corruptos (os ratos)
49
– a inversão do
binômio anticomunismo/anticorrupção começava a ser “legitimada”, para implicar quem
quisessem da classe política e burocracia, graças à representação aqui nesta tese muito
discutida de que qualquer pessoa ligada ao Estado seria um corrupto em potencial. A
segunda charge continua na mesma toada, um dedetizador com o veneno chamado de
“Revolução de 31 de março”
50
está a entrar nos sindicatos. A ideia de dedetização também
ocorre na outra charge em que se borrifa todo o Congresso Nacional com um veneno
chamado “cassação de mandatos”, pouco importando que esses políticos tenham sido
legitimamente eleitos pelo povo. Também, temos a classe estudantil retratada como
crianças puxadas por uma mão forte, enquanto seus livros de Marx e Fidel caem de suas
mãos: ou seja, seriam “castigados” e, assim, “reeducados”. A última charge mostra a bola
de boliche do AI-1 derrubando os pinos barbudos (comunistas) e os ratos (corruptos).
Em um balanço do primeiro ano, “Movimento de Abril a Abril”, o jornal
Correio da Manhã fala em 378 cidadãos cassados, 500 asilados e evadidos,
mais de 10 mil pessoas demitidas ou aposentadas e mais de 500 pessoas
obrigadas a se demitir por pressões (cerca de 30 do ISEB). Entre 15 e 20 mil
pessoas foram presas, sendo que 10% destas ficaram presas por mais de 60 dias.
Também relatam que naquele ano existiram mais de 5 mil IPMs envolvendo
mais de 40 mil pessoas. Contabilizam o fechamento de cerca de 400 diretórios
_______________________________________
49
A estratégia de vilificar um grupo opositor pela antropomorfização com animais tidos como sujos (ratos,
baratas) ou ligados a sujeira (urubus) foi utilizada em outros regimes totalitários como o nazista contra os
judeus: estes eram sempre associados a ratos (o mais conhecido filme de propaganda nazista, O Eterno
Judeu, de 1940, utiliza essa tática). Desumaniza-se um grupo, tira-se sua essência humana e o relaciona a
animais “nocivos”, a pragas que deveriam ser eliminadas. Cria-se uma visão binária de mundo de “eles”
contra “nós”: o inimigo é assinalado, compulsoriamente julgado e com a sentença determinada.
50
Mudam a data pois percebem-se do ridículo de uma “revolução” feita no dia da mentira (1º de abril).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 218
estudantis e 15 uniões estaduais; 400 sindicatos foram fechados e mais de 100
encontravam-se sob interdição. (Forattini 2018: 169)
As listas eram tantas que o serviço público e as empresas estatais chegaram a parar e
perder dinheiro devido à ineficiência dada a vacância. Em montagem, Fotopotoca brinca
com a ideia de uma burocrata responsável pelas listas que não aguentava mais tantos papéis.
“Ainda bem que o Ato Institucional acabou... Já não tinha mais onde guardar tanta lista”.
Figura 91. As listas
Fonte: Fotopotoca, 5
Ninguém mais sabia quem estava ou não em lista, as acusações chegavam a todo
momento. O ambiente de caça às bruxas, vital à desorganização social, estava tão
exacerbado que a expressão dedurismo tomaram conta das representações coletivas, com
funcionários comentando o “dedo-duro” das repartições (charge da esquerda) e o
“monumento ao dedo-duro”, então uma “instituição nacional”
Figura 92. Jaguar e o "Dedo-Duro"
Fonte: UH, 23/04/1964
Figura 93. Jaguar e o Monumento ao Dedo-Duro
Fonte: UH, 20/05/1964
A repressão era tamanha que Claudius, no primeiro número da revista Pif-Paf, de
enorme sucesso de vendas, retratou uma criança que ao vender bala na rua (DROPS) é
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 219
questionada por um militar por desavisadamente alertar a todos ao gritar sobre a bala,
confundida com o DOPS, o Departamento de Ordem e Política Social, órgão de repressão.
Diz: “Avisei sem querer, só gritei ‘OLHA O DROPS!’”.
51
Figura 94. "Olha o DROPS!"
Fonte: PIF-PAF, 1, 1964: 5
Como visto no capítulo III, os militares buscavam em seus discursos,
historicamente, trazer à tona a representação de seres morais superiores aos civis. Este
será o mesmo tom adotado durante o golpe, como visto no discurso de Castelo Branco:
Defenderei e cumprirei com honra e lealdade a Constituição do Brasil,
inclusive o Ato Institucional que a integra. [...] Meu governo será o das leis, o
das tradições e princípios morais e políticos que refletem a alma brasileira. [...]
Farei quanto em minhas mãos estiver para que se consolidem os ideais do
movimento cívico da nação brasileira nestes dias memoráveis de abril, quando
se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a
democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções a tornavam
irreconhecível (Discurso de Posse de Castelo Branco 15/04/1964, grifo meu).
A exaltação moral dos militares era frequente nos discursos golpistas, incluso pela
imprensa. Mesmo quando comprovados casos de tortura e corrupção eram trazidos à tona,
os jornais diziam que era impossível que isso ocorresse, e que se aconteceu é porque os
militares tinham um “senso de justiça” elevado que os levava a cometer abusos
“benignos”, visando causa maior. Diferente da justiça comum que seria ineficaz e lenta.
_______________________________________
51
O impacto na vida cotidiana não pode ser minimizado. Como diz o humorista Stanislaw Ponte Preta, o
autor que mais vendia livros e revistas na época: “aqui no Brasil pegou a moda da subversão. Tudo que se
faz e que desagrade a alguém é considerado subversivo”. Todos eram passíveis de serem considerados
agitadores. E.g. A professora Eunice Lemos Jekiel deu-se a conversar em inglês com a amiga em João
Pessoa. Prontamente foi presa por vários dias por falar idioma estrangeiro e, logo, estava a serviço da
subversão. Ou do médico Thomas Maack (FMUSP), que foi preso por cinco meses no navio Raul Soares
acusado de atividades subversivas. A prova: o cesto em que carregava sua filha, quando caminhava em
direção ao trabalho, era vermelho. A própria a Encíclica Mater et Magistra foi apreendida em Niterói por
ser considerada pelos policiais, ignorantes, como “material subversivo”. Em Brasília, a venda de vodca
chegou a ser proibida “para combater o comunismo”. Entre muitos, muitos outros casos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 220
Pode-se afirmar sem receio de propalar uma inverdade que a luta contra a
subversão e a corrupção foi conduzida com superior eficácia [pelos IPMs] ...
Outro tanto não se verificou na área civil, na qual a ação da Justiça deixa muito
a desejar ... E, contudo, ninguém ousará contestar a benignidade do expurgo
aqui empreendido [pelos militares]. (OESP, 02/08/1964)
Será assim que retratavam Castelo legitimando-o como líder perfeito para dirigir
o país, como fizeram no editorial “A forte personalidade do novo líder”. Nele retratam a
escolha de Castelo “feita pelo povo”, em que muitas das características tidas como
positivas serão criticadas a frente, como “senso de justiça”, visto como empecilhos:
Vem-se revelando até aqui extremamente feliz o movimento revolucionário
destinado a restabelecer no País a normalidade democrática e a pureza
republicana. Parece estarmos assistindo a um verdadeiro milagre ... Sabia o
suficiente o povo brasileiro desse admirável cidadão e militar para com tanta
segurança e com tal unanimidade apontá-lo para um posto de sacrifícios. ... Das
virtudes de soldado modelar já falava bem alto sua longa folha de serviços ao
País [...] Dentre essas virtudes se destacam a energia, a retidão, o espírito de
disciplina, o dever na obediência, assim como no comando, o senso de justiça
e todas as demais qualidades indispensáveis para que se considere exemplar
um grande soldado. (OESP 16/04/1964, grifo meu)
Essa honradez seria passada também aos seus ministros, em que a descrição da
capacidade moral fica acima da técnica – tema antes tão caro aos jornais.
Dos que aplaudirão sem reservas a nova equipe governamental participarão
todos que se disponham a ver nela o que na realidade ela é, um grupo de
individualidades que têm, sobretudo, a distingui-las o seu incontestável valor
moral. Sob esse aspecto não podia ter sido mais feliz o sr. marechal Humberto
Castelo Branco na escolha de seus auxiliares. (OESP 16/04/1964, grifo nosso)
Vemos, em suma, que não só os valores morais são citados, mas estes serão tidos
como a base para o “sucesso da revolução” que estava já estaria ocorrendo. Da alta moral
dos militares advinha a eficiência, o combate à corrupção, à defesa da Constituição e da
democracia. O único problema do governo aos jornais era que ele era muito legalista e
benevolente. Ao Globo, o ponto principal da “revolução” seria a “Recuperação Moral”:
A causa principal da mudança foi o novo de governo e a qualidade de seus
componentes, muito mais que atos positivos ou repressivos destinados a
coibir a corrupção. [...] Um governo honesto propaga a honestidade. [...] Só
um governo de procedimento moral incensurável e de mentalidade sã, como o
que possuímos, teria condições de salvar o Brasil do apodrecimento que ia
iniciado. (OG, 29/12/1964, grifo nosso)
Isso valeria mais do “que os êxitos na seara econômica”, que não chegavam ao
povo. Sem a recuperação moral, não haveria “revolução” e nem seus êxitos: “um governo
só pode ser corajoso, decidido e firme ... se sua ação for alicerçada em sólidos princípios
éticos e se ele se conduzir de acordo com as normas morais que nutrem e fortalecem a
sua autoridade e o seu prestígio”. (ibid.)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 221
Dá para se entender um pouco melhor o quanto o discurso moralista teve impacto
tanto na formação do golpe, quanto durante o regime autoritário na vida cotidiana do
brasileiro, especialmente dentro da vida privada. As mulheres e os relacionamentos
pareciam ser fortes alvos dessas ações, muitas dando continuidade à políticas de Jânio.
Proibiu-se trajes de banho nas praias, “pernas de fora” em carnavais, “fantasias que
ofendam as Forças Armadas” (Ponte Preta 1975: 8); em Belo Horizonte, o beijo foi
proibido; em Curitiba, um coronel ia às ruas a fechar filmes que continham beijos. O
prefeito de Petrópolis baixou uma portaria ditando normas para banhos de mar (Petrópolis
é cidade serrana). Por outro lado, o Prefeito Faria Lima de S. Paulo quis proibir mulheres
em campanhas publicitárias e propôs que “‘figuras da nossa História ilustrassem os
anúncios’, isto é, Rui Barbosa vendendo sabão em pó; Tiradentes, já definitivamente
barbudo, fazendo anúncio de lâmina de barbear etc.” (ibid.: 23).
O Última Hora foi um dos únicos que buscou desmistificar a figura do militar,
trazendo-o ao universo do homem comum, que se colocado em poder, também abusará
deste. Em “Jaguar e as Revistas Imorais”, há “relato” de caso ocorrido em 1965 em que
milhares de revistas “obscenas” foram apreendidas e passou por perícia. Jaguar mostra
tanto o censor, quanto o militar deleitando-se com as revistas durante a perícia, para
depois abalizá-las à imprensa como “o que há de mais repulsivo, vil e degradante”.
Figura 95. Jaguar e as Revistas Imorais
Fonte: UH, 15/01/65
Ou quando no primeiro dia do golpe, empastelaram o Última Hora. O chargista
retrata a brutalidade e selvageria por parte dos “agentes da democracia”. Aponta,
principalmente, a distância entre o discurso oficial e a realidade. Falava-se em democracia
e respeito à lei, mas, depredava-se a imprensa (Legenda: “Como disse o sr. Adhemar de
Barros: nosso objetivo é preservar a democracia e impor a ordem”). Vemos em suas faces
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 222
a expressão de prazer, mesmo infantil (como podemos ver em seus movimentos e feições,
como a língua para fora ao bater nas máquinas, o movimento de pular com os dois pés,
são retratações comuns em desenhos infantis) na destruição e na desordem que eles criam.
Também pode-se dizer que a falta do artigo definido “o” na preposição “de” em
“Depredadores de UH”, denota ambiguidade ao mostrar o improviso em que estes atores
começaram a agir: não somente depredando o jornal Última Hora, mas pelo fato de ser
um poder repentino, somado a um sentimento de brutalidade e vingança, então,
reprimidos antes pela lei: tornaram-se “depredadores de última hora”.
Figura 96. Jaguar e os Depredadores de UH
Fonte: UH, 04/04/1964
Figura 97. Jaguar e o Centauro
Fonte: UH, 10/04/1968
Na última charge vemos a mostra da bruteza do militar, no sentido da prevalência
da força física em relação à racionalidade pela via do zoomorfismo parcial, em que apesar
da figura apresentar um hibridismo entre homem e cavalo (animal utilizado pelos
militares para reprimir manifestações), o chargista deixa claro que ele vê neste tipo de
militar não um misto, pois este seria apenas aparente, mas um completo cavalo (gíria
popular para designar alguém bruto). O título é elucidativo: “metade cavalo e metade
idem”. Nessa imagem temos o prazer orgástico da figura ao usar as armas (há sangue na
faca e no chão) e em perseguir o povo e ser temido por ele.
O que nos importa no caso da luta anticorrupção é que qualquer um que
simpatizasse com o regime ou visse em sua adesão algum ganho, poderia se revestir
desses pretensos atributos “inerentes ao militar e à revolução”. Foi o caso do político
nacionalmente conhecido como corrupto, Adhemar de Barros, que forneceu apoio
logístico, monetário e de mobilização popular ao golpe de 1964 (sua mulher Leonor, foi
uma das principais organizadoras da Marcha da Família com Deus pela Liberdade).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 223
OESP, que o detestava, vivia a denunciar o fato de Adhemar utilizar do discurso do golpe
como armadura para se proteger de investigações.
Figura 98. O Herói da Arena
Fonte: OESP, 11/12/1965, p.4
Figura 99. Armadura e Proteção [s/n]
Fonte: OESP, 20/08/1964, p.4
Na primeira imagem temos Ademar enganando o touro dos inquéritos com sua
armadura “31 de março” e na outra Adhemar caminhando tranquilamente enquanto as
flechas dos inquéritos batiam em sua armadura e quebravam. Em ambas temos a caixinha
pendurada na armadura, acusando Adhemar de continuar a praticar atos de corrupção.
O jornal falha a entender que havia pragmatismo pessoal e político na proteção de
Adhemar, o governador do estado mais rico do país, com mais de 30 mil homens a seu
dispor e o apoio da FIESP, além de ter financiado o golpe e diversos militares (e.g. pagou
a grande dívida de jogos do ministro da Guerra, Costa e Silva [Forattini 2018]). Havia
complacência com a corrupção na ditadura e, em diversos casos, houve o estímulo a ela
em troca de apoio político e econômico, interno e externo.
O argumento d’OESP era que se a corrupção é um problema que aumenta
desigualdades e favorece o sentimento de impunidade, alijando as bases do Estado
Democrático de Direito, e a “revolução” veio para “salvar esse Estado” e reerguer os
valores morais do país, obviamente que ela deveria, por princípio, lutar contra a
corrupção. Todos os corruptos deveriam e iriam, de acordo com eles, ser punidos. Diz:
“Mansamente se vão higienizando as posições políticas, quietamente se vão afastando
dos cargos administrativos os corruptos e os corruptores” (OESP, 16/04/1964).
Entretanto, como visto, de manso não houve nada. A violência é que foi silenciada, seja
por ter ocorrido normalmente em prisões, seja devido à mídia que a apoiava. Somente
gritavam contra o “legalismo”, quando pediam pela “higienização” dos corruptos.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 224
Figura 100. Progresso e Revolução [s/n]
Fonte: OESP, 31/03/1965
Figura 101. Os "democráticos"
Fonte: Biganti, OESP, 18/06/1966
Figura 102. Revolução e Legalismo [s/n]
Fonte: Biganti, OESP, 29/04/1965, p.4
Figura 103. Triste Herança
Fonte: Biganti, OESP, 17/07/1966
O jornal tenta mostrar pelas charges que apesar da classe política estar pedindo por
democracia (com placa: “Abaixo à ditadura!”), o que eles realmente desejavam era um
pedaço do bolo (ou o queijo na outra charge) que seria o país (ou o Tesouro Nacional).
Ou seja, diziam que pedir pela democracia era o mesmo que desejar voltar a corromper.
Também denunciam os corruptos (os ratos) se protegendo dos inquéritos pela armadura
do golpe; ou de que o “espírito legalista” estaria impedindo o dedetizador (chamado de
“revolução”) de matar o restante das moscas. Assim, também culpam o governo por não
retirar da arena pública todos quem desejavam.
O jornal ainda continuará a, quando crê necessário, louvar o governo e a criticá-lo.
Mas o interessante é como fazem para alternar entre discursos tão díspares:
Nestes últimos dias já se vinham fazendo ouvir vozes reclamando ação mais
pronta e enérgica do governo revolucionário no tocante ao trabalho dos
expurgos e limpeza, tanto dos quadros administrativos do Estado, como da
política nacional. [...] Achávamos apressadas essas críticas à ação
revolucionária do governo. (OESP, 08/05/1964, grifo nosso)
Esquecem-se de seus outros editoriais que acusavam o governo de simplesmente
ter dado um golpe de Estado, pois sem as prisões não haveria “revolução”: “Revolução
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 225
ou simples golpe de Estado” (29/04/1964); e “A revolução e a Suprema Justiça”
(18/04/1964), ou seja, uma Justiça acima da justiça dos homens, que não a poderia julgar.
Ainda assim, permanecerá o discurso de uma “revolução moralizadora”, como diz
O Globo em seu primeiro editorial exclusivo sobre a luta contra a corrupção: era o “Início
de uma era de honestidade e decência” (18/04/1964) ou em “Agora pode-se afirmar sem
medo: O Brasil não voltará à corrupção e subversão!” (OG, 08/10/1965). Pediam foco
total na corrupção. “É preciso que ela restaure a honestidade e acabe com a corrupção,
pois é indiscutível que em sua campanha subversiva nada auxiliou mais aos comunistas
do que a corrupção”, ou “Os inimigos da revolução não voltarão ao poder, nem com eles
a corrupção ou o comunismo” (OG 08/10/1965). “Tem ela [a revolução] muitas
incumbências e deveres, porém o dever de expulsar os desonestos e os corruptos é,
certamente, um dos que a população mais deseja ver cumprido” (ibid.).
A já falada mudança de enfoque do anticomunismo à anticorrupção foi dada
precisamente 20 dias após o golpe. Em 21/04, OESP irá dizer que não só as forças de
Kruschev e Chu En-Lai é que faziam parte da tarefa de limpeza do novo governo.
Nos círculos políticos de Brasília começa-se, finalmente, a compreender que o
movimento revolucionário de 31 de março não teve unicamente em vista do
desmonte das posições comunistas [...] [Para as Forças Armadas e
“preeminentes figuras civis”] a influência e as posições conquistadas pelos
comunistas na área governamental decorriam [...] da proteção que receberam
da demagogia oportunista. [...] Não são apenas os caudatários de Kruschev e
Chu En-Lai que estão em discordância com os objetivos saneadores da
Revolução brasileira. Estão-no, do mesmo modo e do mesmo grau, todos
aqueles que, por meio da corrupção, do nepotismo e do suborno, concorreram
para o descalabro econômico e moral a que chegamos. (OESP, 21/04/1964)
Dizem que o comunismo está no mesmo grau de importância que a corrupção,
nepotismo e suborno. Fazem a ligação com Vargas e com o Estado inchado que resultou
na deturpação moral e populista que levou à entrada do comunismo no país.
Em verdade, os casos de corrupção e nepotismo subiram vertiginosamente durante
a ditadura. Sem ter que prestar conta à população e com o auxílio da força, não havia
medo de práticas de corrupção por parte de civis e militares do novo governo. Os militares
acabaram com os concursos públicos nas grandes empresas brasileiras, bastando “uma
entrevista pessoal”. Os IPMs da oposição ao governo cresciam de tamanho enquanto o da
Previdência Social, famosa por seus casos de corrupção, foi arquivado.
Preferem não só não apurar e não condenar corruptos, como incentivar a corrupção.
Um exemplo é que já no imediato pós-golpe Olímpio Mourão Filho, desacreditado que era
é deixado de lado pelos dirigentes do golpe. Como bônus Costa e Silva, tido como o
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 226
incorruptível pela mídia, dá-lhe a ideia de simplesmente aparecer na Petrobrás e tomar a si
a presidência da estatal “em nome da revolução”. Mourão aprova, mas é “barrado”
amistosamente por um dirigente da empresa que lhe explica que precisava de ordem direta
do presidente e com carteira de identidade e não simplesmente ir tomando o lugar. Mourão
sai a contragosto e dá entrevista falando sobre as mudanças que faria na empresa. Mal sabia
que enquanto aguardava pelos documentos, outro militar tomava o poder na estatal:
marechal Adhemar de Queiroz mediante outra “carteirada”. (Gaspari, 2002: 121).
Mesmo assim, o discurso oficial era de que a base do golpe era a luta anticorrupção
e os jornais ecoarão esse discurso ao dizer que todos os corruptos iriam ser punidos.
4. A luta seletiva: o amigo Adhemar e o problema JK
O primeiro e maior alvo da ditadura será JK. Juscelino, ainda imprimia temor nos
círculos das pessoas que apoiaram o golpe e não confiavam nos resultados das urnas. A
pecha de mau-perdedores era tão forte que OESP sente-se na necessidade de explicar-se.
No dia 21/04/64 dirão que não são contra a candidatura de JK por medo dele ganhar nas
urnas, mas que sua candidatura seria contra o espírito do golpe. Juscelino era o provável
líder das eleições de 1965. Além disso, boa parte da elite golpista de 1964 era a mesma
que havia tentado tirar JK das eleições de 1955.
Os ataques para tirá-lo do poder versavam sobre a inflação que ele estaria trazendo
de volta junto com a “velha política” (corrupção, com os mesmos “argumentos” de 1954-
55). As charges abaixo sintetizam a opinião nos jornais: Juscelino traria a inflação (onça)
de volta e a corrupção cabendo ao governo pô-lo no caminhão de “limpeza pública”.
Figura 104. Problema
Fonte: Biganti, OESP, 18/04/1964, p.4
Figura 105. Limpeza Pública [s/n]
Fonte: Hilde, OESP, 19/04/1964, p.4
O argumento mais utilizado era a “não entrega da declaração de bens” de 1955. A
ditadura instaurou o processo n.98.329/65, chegando à conclusão de que ele tinha “um
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 227
meio peculiar de multiplicar o seu dinheiro” (OESP 01/12/1965: 4). Como vimos, a
declaração era incompleta, mas não suficiente para derrubar um político como JK.
Os pedidos para sua retirada da arena política aumentam. A montagem abaixo
mostra JK preocupado com a cassação de seu mandato. Onde enfiaria sua cara após ter
votado a favor de Castelo e de ter apoiado a “revolução”.
Figura 106. Onde enfio minha cara?
Legenda: “Se eles cassam meu mandato, onde é que eu enfio a cara?
Fonte: Fotopotocas, 5
Os jornais irão falar que a candidatura de JK não só foi irresponsável com as
finanças e administração do país, mas contribuiu para a alta inflação que levou a
instabilidades políticas e fez com que surgissem demagogos e comunistas que ali viram
espaço para impor seu plano de subversão e desordem (OESP, 21/04/64).
Foi ele, com seu sistema governativo a um tempo leviano e irresponsável, que
em muito contribuiu para o regabofe inflacionário que se instalou nas finanças
públicas e com o qual manobraram os demagogos e os comunistas para seu
plano de subversão e desordem. [Propor sua candidatura é] dignificar e
enaltecer o que a mesma revolução tem por indigno e condenável.
Adicionam, outro elemento a JK ao colocá-lo junto ao perigo da subversão
comunista. Seria muito difícil que o governo e seus apoiadores conseguissem ligar JK ao
comunismo de forma direta, mas não querendo deixar de utilizar a “palavra de ordem”,
associaram o seu desequilíbrio econômico e modo de fazer política à infiltração
comunista e a Goulart (assim como fizeram no caso da Carta Brandi, em que Jango é
sempre citado indiretamente). Vemos na charge, Goulart como sombra de Juscelino.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 228
Figura 107. Sombra do Passado
Fonte: OESP, 30/04/1964
No dia 05/06/64, O Globo admite que não gostaria de ver JK novamente no poder.
No âmbito político, dizem, a cassação de JK já deveria ter ocorrido e ao não ter tomado
a atitude desde o início, o povo poderia ver JK como o grande beneficiário da “revolução”.
Os dias de Juscelino estavam contados. Em 01/06/1964 JK fará seu último discurso.
Sabendo que iria ter seus direitos cassados, julgou “ser seu dever dirigir dessa tribuna
algumas palavras à nação brasileira” (Discurso de Juscelino 01/06/1964). Era seu dever
avisar a todos sobre a ditadura que se instalava no país. Ele defendeu os princípios da
“revolução”, mas disse que sua cassação seria uma “sanha” de pessoas que “tentam
manchar uma revolução feita para salvar-nos da tirania comunista”. JK caiu e seu
desastroso projeto de voltar à presidência em 1965 também. O jornal paulista retratou
esse discurso como seu “canto do cisne”, para depois ser “sepultado”.
Figura 108. A Dança do Cisne
Fonte: OESP, 07/06/1964, p.4
Figura 109. Jaguar e as Consequências
Legenda: Tenho más notícias para você!
Fonte: UH, 10/05/1964
Com sua condenação há comemorações de uma “justiça feita”. OESP dirá que a
cassação foi um corolário lógico de uma revolução moralizadora. Para eles, o ex-
presidente, não devia ser, em realidade, tão popular assim, pois a opinião pública teria
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 229
recebido com alívio sua condenação. Obviamente, fatos provam o contrário
52
e em
nenhum momento o jornal fala de onde tirou esse “dado”. Sumarizam o ato: foi preso por
dois motivos, um foi o de ter contribuído, de maneira decisiva, para que os comunistas
chegassem a ocupar o governo; o outro pela corrupção que instalou no país e seu
enriquecimento pessoal ilícito. Vemos a força que um discurso e uma estratégia antiga,
datada desde 1955, por mais que antes rechaçados, tiveram em sua condenação.
Apesar de ser de inexplicável o enriquecimento de JK, sua cassação esteve longe
de ter como causa a luta anticorrupção. Foi uma cassação política. Como prova da
seletividade dessa luta, temos Adhemar e sua blindagem enquanto ele apoiar a ditadura.
Desde os primeiros meses de 1963, Adhemar apoiou o confronto aberto com
Goulart. A disputa se acirra e Adhemar em fevereiro de 1964 pede a intervenção militar
dizendo que as eleições seriam adiadas pois “o que está aí será derrubado”. Sua mulher,
Leonor Mendes de Barros, organiza a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. No
dia do golpe, Adhemar discursa da ditadura e foi peça-chave à consolidação do nome de
Castelo. Logo, não é de se estranhar sua proteção visando interesses mútuos.
Entretanto, Adhemar não conseguiu influir na formação do ministério, pois a UDN
resistia a seu nome. Com o tempo, Adhemar foi progressivamente afastado do governo.
A primeira rusga ocorreu com a instalação de dois IPMs chefiado pelo gen. Dalísio Mena
Barreto para investigar irregularidades na Companhia Municipal de Transportes
Coletivos (CMTC) de São Paulo e no comércio de trigo enquanto Adhemar era prefeito
da cidade. Barreto chega a prender diversos assessores de Adhemar, mas em 15/08/1964
estes foram soltos e em 19/08/1964 Mena Barreto foi demitido de suas funções no IPM
(Costa e Silva enviou carta a Barreto explicando a intromissão federal).
OESP ficou indignado com a proteção ao seu inimigo e aconselha ao governo a
repensar este ato pois poderia dar a impressão de que a luta era seletiva (15/08/1964). O
governo continua a proteção e encerra o processo ao alçá-lo ao Governo Federal.
Causou profunda impressão o fato de o Governo Federal ter determinado que
da alçada de São Paulo passassem à da República os dois IPMs [...] com o
objetivo de apurar irregularidades ocorrida na CMTC e no comércio de trigo
durante a administração do sr. A. de Barros. [...] [Podendo criar] em muita
gente a convicção de que as autoridades federais estariam dispostas a abrir uma
exceção que de maneira nenhuma se justificaria. (15/08/1964)
_______________________________________
52
“Uma pesquisa do Ibope, realizada no então estado da Guanabara, em maio de 1964, sobre o tema da
cassação mostrou a força da imagem de JK. Enquanto 56% dos entrevistados disseram ser a favor do
expurgo de políticos em geral, apenas 25% mostraram-se a favor” da cassação de JK. (Motta, 2016: 30-31)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 230
OESP sairá com duas charges criticando essa proteção à Adhemar. Em especial a
primeira em que Adhemar é mostrado matando os ratos da corrupção, mas foi publicada
em 1º de abril, ou seja, era engano:
Figura 110. 1º de Abril
Fonte: OESP, 01/04/1965
Figura 111. Estranha Proteção
Fonte: OESP, 11/11/1965
Como dirá o editorial do jornal Última Hora, sempre com boa dose de ironia:
“Atualmente os chamados ‘anjos da guarda’ do governador Adhemar de Barros são só
fardados” (18/08/1964). Falam de um compromisso pró-corrupção entre Adhemar e os
policiais paulistas que para o proteger tinham ganhado do governador fraques, carros, verba
pessoal etc. A polícia paulista era a maior do país, impondo cautela ao governo federal.
Adhemar sabia que sua subida ao topo estava difícil, mas nem por isso deixaria de
acreditar em sua posse. A figura abaixo mostra Adhemar fazendo as contas de quem teria
que sair da cena política para ele ganhar a presidência:
Figura 112. Contando nos dedos
Fonte: Fotopotocas, 6
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 231
Adhemar somente sofrerá perseguições políticas quando nota que as eleições
prometidas em 1965 não ocorrerão. De então fará eco às críticas de Lacerda (que havia
rompido com a ditadura pelos mesmos motivos), ambos sendo retratados como
agitadores. Barros denunciará a política econômica do PAEG como arrocho e
desindustrializadora e chega mesmo a emitir títulos da dívida pública, desafiando a
política econômica ortodoxa. Com o AI-2, seu partido tenta entrar na ARENA, mas são
afastados do centro das decisões. Ele chega até a ganhar da ARENA nas eleições da
Assembleia Legislativa de S. Paulo, mostrando suas forças contra o governo. O jornal
paulista ficará abismado com o governo federal em sua condescendência, pedem decoro,
jogam até o argumento da segurança nacional para que barrem a eleição. Dizem que ela
seria uma vergonha ao governo que deixou que corruptos se destacassem (OESP,
13/03/1966). Ademar redobra suas críticas e no mesmo mês exige a renúncia de Castelo.
A pressão a Adhemar é intensificada. Adepto de São Jorge, enquanto os outros
solenemente fecham os olhos ou olham para frente, vemos Adhemar como que suplicando
aos céus alguma forma de ajuda: “São Jorge Guerreiro, Protege o meu mandato!”
Diante desta pressão Castelo pede uma solução em que a Arena enviaria uma lista
tríplice de “revolucionários autênticos” (Roberto de Abreu Sodré é escolhido). Castelo se
reúne com Golbery do Couto e Silva (chefe do SNI), Ernesto Geisel (chefe do Gabinete
da Militar da Presidência) e outros ministros e decide pela cassação do mandato e
suspensão dos direitos políticos de Adhemar por dez anos. Roberto Campos é consultado
para saber se poderia existir alguma revolta por parte da população e do empresariado
paulista. Campos diz para não se preocupar com o empresariado e
quanto à reação popular: “Ademar é um político clientelesco e não ideológico.
Estes, como Brizola, são perigosos porque podem despertar lealdades fanáticas.
Aqueles aglutinam interesses temporários. Em face da perspectiva de luta, o
cliente do político clientelesco não derrama sangue por teses ou ideias. Busca
logo um novo patrão”. (FGV, Verbete Adhemar de Barros)
Sua queda é festejada. De fraco, Castelo volta ser exemplo coragem à mídia golpista.
Vemos que o combate incondicional à corrupção da “revolução” não era tão
incondicional. Mesmo em momentos de grave crise a ação estava condicionado à forte
pressão da imprensa, de partidos aliados, a diversas consultas de alto nível, questão
econômica, política e possíveis reações da opinião pública, para então, após quase dois
meses, uma ação ser tomada. Assim, sua cassação não ocorreu devido ao fato de ter seu
nome envolvido em diversos casos de corrupção, pois inquéritos foram terminados; mas
sim, devido a pressões e ao contínuo enfrentamento de um antigo aliado político. Caso
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 232
contrário, cremos, Adhemar não teria sido afastado da política. A frase de Castelo ao pedir
“julgamento sumário aos corruptos”, não se provou verdadeira. Mas, no final, Adhemar,
um dos arautos do golpe, saiu de mãos abanando e sua “armadura” não resistiu:
Figura 113. Antes tarde que nunca
Fonte: OESP, 07/06/1966: 4
5. Mas e a Corrupção? Corrupção como Arranjo Político-Econômico e o Silêncio da
Mídia.
Os jornais, historicamente anticorrupção, ficarão mudos em casos de corrupção
pública e privada durante a ditadura. O mais flagrante caso ocorreu no carnaval de 1967
quando o governo desvalorizou o Cruzado, criando o Cruzeiro Novo, promovendo forte
valorização do dólar. O mais interessante foi a época em que essa operação foi realizada,
um dia antes do Carnaval, impossibilitando que qualquer cidadão pudesse resgatar seu
dinheiro por vários dias, privilegiando quem possuía essa informação de antemão. Muitos
enriqueceram com esse “vazamento” de informação, pois ao saber que o dólar sairia
valorizado, compraram a moeda. O termo jurídico adequado para isso é nenhum outro
que corrupção ativa por tráfico de influência.
Enquanto todos pulavam no salão o dólar pulava no câmbio. Ah coisas
inexplicáveis! Até hoje não se sabe porque foi durante o carnaval que o governo
aumentou o dólar fazendo muito rico ficar mais rico. E porque o ministro do
planejamento e seus cúmplices, aliás, digo seus auxiliares aumentaram o dólar
e desvalorizaram o cruzeiro em pleno carnaval.
O senhor Juracy Magalhães [...] respondia a um repórter que lhe perguntou se
tinha tomado conhecimento das acusações do deputado Mário Piva (então
acusando seu filho, vice-governador escalado da Bahia) como um dos que
tinham ganhado dinheiro com a alta do dólar; e respondeu zangado que “se
tivesse ouvido tal ataque eu mataria, por isso aliás é que deixo a política. Sinto
que sou um perigo ambulante”. (Ponte Preta 1976.: 27-28)
Na verdade, sr. Juracy Magalhães era sim um perigo ambulante, seja na política
externa: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”; seja na interna
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 233
(célebre censor no Estado Novo; depois pessoa forte na censura como Ministro da Justiça)
e, quando “deixa a política”, não foi porque estava cansado dela, mas sim porque viu no
setor privado altas chances de lucro sendo presidente de diversas empresas (nacionais e
internacionais), movimento muito comum, por sinal, em militares durante a ditadura. Seu
filho (Jutahy Magalhães) ganhou o cargo de vice-governador da Bahia, foi “eleito”
deputado, senador e, depois de perder a vaga, foi empossado como senador biônico.
O custo de vida aumentou imediatamente em ao menos 25% com a forte
desvalorização feita por decreto. Um dos poucos jornais a falar sobre isso foi o Jornal do
Commercio que evitou falar em corrupção, mas denunciou a medida tanto pela
oportunidade (“a maioria [dos economistas] admitia que a desvalorização não deveria
ocorrer no princípio deste ano”), quanto pelo “aumento do custo de vida”. Dando destaque
à fala do vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Nilo Sevalho, que
classificou a medida como “esdrúxula”.
Se o capital comercial e industrial não gostou da medida. O capital financeiro e
especulativo comemorou: “outros círculos, financeiros, consideraram a nova medida
como o último passo de manobra que teve início nos últimos 90 dias” (ibid.). Falavam de
decreto-lei “que concedia estímulos ao mercado de ações, que possibilitou o hot-money”.
“Admitiram que a nova desvalorização proporcionou a muitos um lucro de ao menos
15%, considerando que muitos foram obrigados a levantar dinheiro em banco para tal fim
pagando juros de 3 % ao mês.” (ibid.). Ou seja, não só aplicaram o que tinham, mas
emprestaram o que podiam (inclusive, imagina-se, com bancos públicos) para lucrar ao
menos 15% numa semana de carnaval, pagando apenas 3% ao mês.
Figura 114. Evolução da Taxa do Dólar (1944-1967)
Fonte: Jornal do Commercio 09/02/1967: 1
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 234
O caso da moeda deixou o governo em crise. A sociedade pela primeira vez teve
acesso a um caso flagrante de corrupção. “O MDB não abre mão da CPI para apuração
da reforma cambial” (Jornal do Commercio 09/03/1967). A presença de Roberto Campos
na Câmara dos Deputados para explicar o caso foi “considerada inócua” (ibid.). A própria
reforma cambial era vista como desindustrializadora, com impactos de
“desnacionalização, empobrecimento e desemprego, com indisfarçáveis efeitos de uma
gestão que sobre nosso povo de forma penosa e insuportável” (ibid.). A reforma de
Campos e Bulhões visava seguir o receituário do FMI e da visão neoliberal de contenção
da demanda via gastos públicos e privados (austeridade): “em 1966, o governo iniciou a
primeira verdadeira experiência com a ortodoxia monetarista [da história brasileira]”
(Abreu, op. cit. 204). Com ela, a boa vontade dos EUA voltou. A USAID volta a
emprestar dólares ao Brasil, sendo este o quarto país que mais recebeu benefícios atrás
apenas de países vitais ao tabuleiro da Guerra Fria como Vietnã, Paquistão e Índia. “Os
empréstimos e financiamentos obtidos em 1965 aumentaram 65% em relação ao nível de
1964, enquanto os investimentos diretos quase triplicaram.” (ibid.: 202). Era tanto
empréstimo externo que pela primeira vez o governo financiou seu déficit sem recorrer à
emissão monetária. Inicialmente, a indústria cresce, devido à capacidade ociosa, depois,
a política restritiva mostrou seus efeitos, levando ao menor consumo com a bruta queda
salarial, à desindustrialização e a mais desemprego. Como denunciava o líder do MDB,
Mário Covas, era uma política que empobrecia e desindustrializava o país em favor do
capital externo. Prova disso é que do total do gigantesco volume de empréstimos que o
país recebia, a indústria nacional privada ficou apenas com 6,5%, a outra metade com
empresas privadas internacionais e o restante com empresas públicas nacionais (ibid.).
Apesar das denúncias da oposição, como se tratava de uma ditadura, essa mesma
oposição era “consentida”, ou seja, possuía limites. A maioria dos jornais protegeu o
governo e a reforma cambial passou incólume, bem como o caso foi esquecido. OESP irá
defender a nova política cambial e afiançar os ministros responsáveis, em especial Otávio
Bulhões, pois
todos quantos nos leem não desconhecem o alto conceito que fazemos da
capacidade de s. exa. e o apoio que desde a primeira hora fazemos emprestamos
à sua política financeira, a única em nossa opinião compatível com os interesses
do País e da Revolução (OESP, 11/02/1967).
Em momento algum tocarão no episódio de corrupção que tomava conta das
conversas no país, sua análise focará apenas na parte técnica da medida. Se houve críticas
foi pela maneira com que foi tomada a medida, mesmo que “com as melhores intenções”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 235
O mesmo ocorre no editorial “O cruzeiro novo e a taxa cambial” (10/02/1967), o editorial
mais detalhado em análise econômica da matéria. Por fim, em 12/02/1967, em “Taxa
Cambial e Crédito Internacional”, mostram o apoio de diversos órgãos nacionais e
jornais estrangeiros à ação (12/02/1967), desistindo de suas críticas anteriores. A luta
contra a corrupção d’OESP passou longe neste caso – ubíqua naqueles tempos.
Imaginemos como reagiriam se este caso tivesse ocorrido durante o governo de Goulart.
Da grande mídia que apoiava o governo, somente O Globo irá demandar
investigações, adotando retórica forte, mas ainda assim não culpando o governo.
Interessante é entender como um governo desvaloriza uma moeda, cria outra em plena
véspera de feriado, com somente certas elites sabendo da mudança e antecipando o
movimento, sem o envolvimento do governo. Ao jornal deve-se buscar os culpados pois
além dos fundamentos do sistema econômico vigente, são abalados os alicerces
morais de um governo honrado, operoso e capaz, e cujos integrantes principais
estão a salvo de quaisquer suspeitas (OG, 16/02/1967).
Ao jornal, o caso abalaria a confiança na honradez do governo, se não solucionado.
Outro caso com impacto na opinião pública foi a entrega de minérios raros brasileiros
ao truste estadunidense Hanna Mining Company. Assim como outros negócios escusos
(como a venda de parte da Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA; compra das
concessionárias da AMFORP – uma compra de mais de 120 milhões de dólares sem
negociação, mesmo com resistência da sociedade civil e de militares; entre outras), estes
faziam parte de uma tentativa de diminuir as “áreas de atrito” entre o governo brasileiro e o
estadunidense existentes desde o governo Goulart que dificultavam a obtenção de
empréstimos para o Brasil. Como vimos, a resolução de “áreas de atrito” foi ideia de Goulart
à Kennedy, mas em vista das absurdas exigências deste, Goulart encerrou as conversas.
Agora, em 1964, os golpistas “verdadeiramente nacionalistas”, buscavam
alinhamento aos EUA a qualquer custo e cedem a este país, sem qualquer negociação ou
visão de soberania nacional. Obviamente que o discurso de Castelo era outro:
Hoje o Governo sente-se em condições de pleitear a necessária colaboração
externa com a altivez de quem solicita uma transação normal. Ao contrário do
que ocorria até a Revolução, emprestar ao Brasil tornou-se investimento
aceitável. [...] É com orgulho que submetemos às agências financiadoras do
exterior os nossos programas de realizações. [...] O Governo revolucionário não
busca apenas defender o interesse nacional: vai ampliá-lo. (Discurso de Castelo
Branco 14/12/1964)
Buscando maiores investimentos, boa vontade dos EUA e empréstimos, o governo
brasileiro negociou os ativos nacionais pelo preço pedido pelos EUA, mesmo que com
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 236
boa parte da opinião e setores do governo (civis e militares) contra. Tratava-se de um
governo que se dizia nacionalista, mas que ao realizar tais acordos praticamente
depauperavam as empresas e as contas nacionais em troca de empréstimos externos.
A mais contenciosa envolveu a venda de minérios raros outorgados ao truste Hanna
Mining Company. Este truste visava obter monopólio de exploração dos minérios em
Minas Gerais. Para facilitar sua exploração pediam porto privativo no Rio de Janeiro (em
Sepetiba); exclusividade no transporte de minérios do quadrilátero ferrífero do Vale do
Paraopeba; e nova política nacional da exploração e transporte de minérios em detrimento
da publicada em 1963 que proibia o monopólio de empresas estrangeiras (“BRAZIL
TIGHTENS LAWS ON MINING” NYT 12/12/1963). Goulart já havia cassado as
licenças da empresa Hanna dadas por Juscelino.
Sabendo que se tratava de uma atitude vista como entreguista e altamente contestada
inclusive nos círculos militares, Castelo retira o poder de veto dos votos dos militares nas
“comissões consultivas”, obrigatórias. Das duas Comissões, Castelo cria mais uma que
funcionaria como um voto de segurança, visto que o Conselho de Segurança era
definitivamente contra. A nova comissão era formada por pessoas favoráveis, como o
ministro da Viação, Juarez Távora; do Planejamento, Roberto Campos – responsável pelo
relatório final; e das Minas e Energia, Mauro Thibaud. Todos os pedidos da Hanna são
aprovados, em especial sobre a implantação de uma nova política de exportação de minério
de ferro em geral, e em particular, do minério do Vale do Paraopeba (MG). Evita-se o
Congresso e editam decreto-lei. (“BRAZIL RESOLVES FOREIGN DISPUTES: 2 Big
Investment Barriers Removed Last Week” NYT 28/12/1965).
A Hanna ganha tudo: domínio do quadrilátero ferrífero do Vale do Paraopeba (MG)
– o mais rico do mundo; um porto privativo na baía de Sepetiba (RJ) – algo contrário à
soberania nacional (Castelo teve que expressamente defender esse concessão à Hanna ao
discursar à Assembleia Nacional do Espírito Santo, em 17/09/1964); conquista
progressiva do monopólio do transporte ferroviário deste minério para outros portos; além
de nova política nacional de minérios. (“Castelo Discourages State Monopolies in
Deposit” NYT 23/12/1965). Como relatou o NYT:
Um decreto presidencial pediu hoje o desenvolvimento competitivo privado
das vastas reservas de minério de ferro do Brasil e ordenou o desencorajamento
de qualquer monopólio por parte do estado ou de outras empresas. (ibid.)
Figura 115. O governo nacionalista entrega um porto exclusivo à um truste
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 237
Fonte: ibid.
Nesse caso, vários contratos foram subfaturados; houve ingerência na Companhia
Vale do Rio Doce para que a Hanna tivesse mais vantagens e menos competição; fraudes
na Rede Ferroviária Federal etc. Diante de tanta corrupção expressamente contrária aos
interesses de desenvolvimento nacionais uma CPI foi instalada e logo foi extinta. Ainda
assim, se constatou que o governo continuava a subsidiar a Hanna cobrando custos de
fretes na Central do Brasil menores que os praticados pelo mercado e pagos pela
concorrente nacional, a Vale do Rio Doce (CVRD). Outro fato interessante é que a própria
Hanna retirou, dias depois, o pedido de um porto exclusivo, dizendo-o desnecessário. A
CVRD perdeu seu ponto mais rico de exploração. Os vários casos de nepotismo também
quase deixam quebraram a estatal devido à paralização por falta de pessoal técnico.
Ontem um grupo de coleguinhas jornalista estava comentando a nota enviada
... ao sr. Ministro das Relações Exteriores. A nota, em síntese, pede a sua
excelência que tenha suas relações exteriores, mas sem prejudicar suas relações
interiores; isto é, os notistas ficaram um bocado chateados com as declarações
de s. Exa. de que o noticiário dos repórteres que fazem a cobertura do
contrabando de minérios por cidadãos norte-americanos, é tudo mentira e os
rapazes são todos comunistas, interessados apenas em atrasar nossas relações
diplomáticas com a grande nação da América do Norte. (Ponte Preta, 1965: 65)
Os jornais sempre críticos à corrupção, ficavam em silêncio. Nos raros editoriais,
defendem a opção pelo contrato com a Hanna. Para eles, era um ato de grandeza do
governo em não ligar para acusações de entreguismo e romper de vez com a” demagogia
nacionalista”. Em seu editorial “Chega de Demagogia” (22/12/1964), O Globo dirá que
o Brasil precisava de divisas para outros investimentos, como os minérios brasileiros
eram requeridos no exterior, era necessário utilizar esse produto como forma de divisa.
Bastou que o Governo Revolucionário tratasse de equacionar o problema da
exportação de minérios e logo se levantou uma violenta tempestade, sendo ele
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 238
acusado de estar preparando um esquema destinado somente a servir à Hanna
às custas do interesse nacional, da Companhia Vale do Rio Doce e “de tudo
quanto há mais de sagrado. (grifo meu)
Ao jornal, considerações geopolíticas, de segurança nacional, os esquemas de
corrupção, nada valiam. Isso seria intriga da oposição, brizolista de um nacionalismo
“ultrapassado”. Para eles “a Hanna não é uma companhia como muitas outras de seu ramo
que poderá vender o minério de ferro, que temos em demasia, naqueles mercados não
abastecidos pela Vale do Rio Doce” (idem). Se sua atuação for prejudicial, “o Brasil, país
soberano e senhor de seu destino e a mandará embora. A ela ou a qualquer outra que deixe
de nos interessar ou nos contrarie. É o que fazem todas as nações sem complexo”.
Aparentemente, agora, o jornal era a favor da desapropriação quando uma empresa
estrangeira não cumpre com seu dever.
OESP seguirá a mesma linha (no dia 01/01/1965), dizendo que não havia “um só
argumento” contra um decreto “irrespondível” de Castelo, que as críticas eram apenas
“alegações brizolistas”. Criticará o fato de jornais e políticos terem levantado o passado
dos dirigentes da Hanna e de suas ações empresariais duvidosas e danosas em outros
países. Defendem as instalações em território brasileiro de terminais para a empresa
controlada por ela (pois deveriam ser construídos, prioritariamente, por empresas
nacionais) e defendem a utilização do porto no Rio de Janeiro. Chamam qualquer forma
de defesa do controle do espaço nacional como brizolismo, denotando-o como démodé.
“só a ignorância ou a má fé podem contestar que o decreto presidencial significa uma
solução nacionalista”. Novamente, a corrupção não era fator relevante ao jornal se
ocorresse em relação a interesses estrangeiros, do equacionamento da dívida externa e,
principalmente, na instalação de um sistema neoliberal nos moldes estadunidenses no
Brasil. A luta anticorrupção pedida era somente contra os “inimigos internos”, que
servissem a uma “ideologia externa” (não a estadunidense, a outra...).
Somente no Última Hora, Correio da Manhã e no NYT encontraremos críticas.
Essas vieram dos maiores apoiadores do golpe como Carlos Lacerda (RJ) e Magalhães
Pinto (MG). Lacerda criticará abertamente Campos por favorecer empresa estrangeira
num local que o estado do RJ já iria construir um porto; Magalhães escreveu carta à
Castelo Branco pedindo que não fosse dada à licitação à Hanna. O influente general
golpista Peri Bevilacqua também denuncia publicamente a gestão de Castelo Branco.
(NYT 23/12/1964). O governo não dá ouvidos e cede à Hanna.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 239
Fica clara a racionalidade desse caso, que está de acordo com toda a proposta desta
tese: a destruição dos elementos protecionistas (varguistas) da tessitura político, social
econômica, em favor da implementação de uma racionalidade político-econômica
neoliberal. Nesse caso, o protecionismo em relação à CVRD e a abertura ao capital
estrangeiro na exploração de minérios (algo proibido desde a CF de 1937) – lembrar que
o Brasil possui (e já se sabia naquela época) um terço de toda a reserva global de minério
de ferro. Para a abertura da economia, as acusações de corrupção pouco importavam se
as entendermos como parte do próprio neoliberalismo, como propomos aqui.
O decreto assinado pelo presidente Castelo Branco favorece os planos da
Hanna Mining Company dos Estados Unidos e ao grupo Antunes de Mineração
na qual a Bethlehem Steel Corporation dos Estados Unidos possui interesse.
A decisão de Castelo Branco sobre os minérios de ferro e gás reverte uma
tendência sobre monopólio estatal criada por setores de esquerda, nacionalistas.
Em relação ao petróleo, o Sr. Vargas deu à Petrobrás o monopólio da produção
de petróleo há mais de dez anos. (NYT 24/12/1964)
Note-se que, em relação ao petróleo, por mais que os EUA visassem essa
exploração, não houve momentum dentro do governo para essa flexibilização.
Sobre a compra das concessionárias estadunidenses que operavam no Brasil
(chamadas pelo deputado do PTB, Doutel de Andrade de “escândalo do século”), o caso
foi mais simples. A compra não só não era necessária, como não era conveniente. O
agravante foi na hora de avaliar o capital destas empresas, no qual o governo brasileiro
pouco negociou o que pedia os EUA. O negócio foi feito de modo tão imoral que a UDN
reclamou da necessidade do negócio e da velocidade da compra: o termo utilizado pelos
políticos brasileiros foi “rolo compressor”. O próprio BNDE, em 1958, quando seu
presidente era Roberto Campos, considerou a compra dessas concessionárias da
AMFORP como um abuso aos cofres públicos. Entretanto, com a ditadura e com Campos
como ministro ele muda de tom e aprova a compra que antes era vista por ele como ruim.
Desta vez o Congresso não foi obstáculo. Apesar de inicialmente oferecer
resistência, mudam de ideia e barram qualquer tentativa de discussão do projeto. Este foi
“analisado” e votado por completo (em todas as suas 65 emendas) em apenas um dia.
Jaguar ironiza essa compra ao colocar um símbolo de dólar no prédio do Congresso
Nacional. O “golpe moralizador” de 1964 foi ótimo aos interesses dos EUA.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 240
Figura 116. Jaguar e a Compra das Concessionárias
Fonte: UH, 08/10/1964
Castelo foi implicado diretamente nestes negócios por políticos e jornalistas e a
conta da Balança de Pagamentos ficou comprometida por essas ações. Esperava-se que
os investimentos e a ajuda externa prometida em contrapartida tapassem o buraco.
As conexões políticas de Castelo para viabilizar as medidas necessárias, buscando
manter alguma aparência de “legalismo”, também foram criticadas. A suposta “linha
dura” fazia públicas suas críticas ao ver o deputado Armando Falcão, conhecido como
“corruptor e corrupto”, como interlocutor entre Castelo e a UDN.
Desde o tempo do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, no
governo do honrado Marechal Eurico Dutra, quando comprava votos a serem
pagos com empregos nos Institutos de Previdência Social (ver caso Juarez Maia
Negreiros
53
) e durante tantos anos de República, particularmente sob Juscelino
de cujo Governo foi líder na Câmara dos Deputados e, finalmente, Ministro da
Justiça, o Armando Falcão fez misérias. As denúncias são conhecidas e
largamente documentadas. Todavia amparado exatamente pela “Revolução”, o
corrupto e corruptor resiste a tudo. (UH, 18/08/1964)
Entretanto, devemos relativizar esse “horror” da linha dura com pessoas corruptas.
O caso de Falcão é emblemático pois ele continuará como pessoa forte durante toda a
ditadura, chegando a ser Ministro da Justiça de Ernesto Geisel durante os anos de 1970.
Casos de nepotismo e favorecimento ocorreram em todos os níveis da
administração. Lembra-se o leitor dos ministros de “moral ilibada”, afiançados pelos
jornais? Pois eles de pronto empossaram seus próprios filhos e familiares em diversos
órgãos sob sua batuta. Roberto Campos nomeia seu filho João Cláudio Dantas Campos
_______________________________________
53
Este outro caso, também esquecido de Armando Falcão, trata-se de nos anos 1950, Falcão comprava 200
votos no município de Russas (CE), por um emprego no Institutos de Previdência Social. Juarez Maia
Negreiros ficou encarregado de conseguir esses votos e, após consegui-lo, Falcão não cumpre sua promessa.
Como troco, Negreiros dá declaração ao jornal Última Hora e Gazeta de Notícias, contando sua história e
publicando a carta em que Falcão faz a sugestão. (Cf. a Carta em UH, 19/02/1954: 3)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 241
para fazer parte do corpo jurídico do Banco Nacional de Habitação; e o sobrinho de
Otávio Gouveia Bulhões também foi parar no mesmo banco.
Militares e civis que apoiavam o governo ditatorial viram o golpe como forma de
poder “limpar” cargos administrativos não por motivos moralizadores, mas por uma
questão simples: cabide de empregos. O número de pessoas indicadas, via nepotismo,
para ingressar em empresas públicas foi grande. Talvez por isso, como dito, a “revolução
moralizadora” aboliu o regime de admissão por concurso no Banco Nacional de
Habitação e de outras estatais como na Petrobrás (abolido pela resolução n. 39/64). O
“filhotismo” e o “pistolão” se tornaram norma nas empresas públicas.
Sob a batuta do Presidente, Marechal Adhemar de Queirós, decidiu a diretoria
da Petrobrás que a seleção de pessoal de qualquer nível [...] será feita por meio
de simples entrevista individual [...] sem concurso e sem prova de espécie
alguma a um alto posto, sem comprovar sua competência profissional. [...] Com
a demissão de técnicos e operários altamente qualificados, o rendimento da
produção de petróleo caiu. [...] Tudo com a generosidade, ao filhotismo e ao
pistolão, que os “revolucionários” tanto condenavam. (UH, 13/11/1964)
Quando havia concursos, eles não eram honrados: quem passava não era
empossado, mas indicados sim. Havia várias denúncias de semianalfabetos empossados
em cargos baixos para depois de dois anos, com segurança jurídica, serem promovidos.
Alguns outros casos de corrupção dessa época devem ser colocados às claras, pois
há muito são apagados: o saque de Cr$ 500 milhões do Instituto de Previdência dos
Empregados da Guanabara feito pelo “líder civil e moral da revolução”, Carlos Lacerda,
para poder pagar as contas de suas obras às empreiteiras, em 05/10/1964. Ou do
governador do Acre, capitão do Exército Edgar Cerqueira Filho, nomeado por Castelo,
que abandonou o território estadual com um cheque visado em seu favor de mais de Cr$
1,5 bilhão (Cr$1.533.146.166,90) – cheque do Banco do Brasil, datado de 28/09/1964,
com o número 553.651. Ao ser denunciado pelo presidente da Assembleia, deputado José
Akel Fares, ao presidente Castelo Branco, ao presidente do STF, Senado, Câmara e
ministros da Guerra e da Justiça, o governador simplesmente retornou ao seu Estado.
(UH, 07/10/1964, grifo nosso). Fica difícil ao pesquisador investigar os casos de
corrupção em uma ditadura. Casos de corrupção são notoriamente difíceis de se investigar
mesmo numa democracia. Mas pela facilidade com que estes casos citados acima
ocorriam, fica fácil imaginar o quanto não se chegou, e nem se chegará, a saber.
Por fim, devemos falar do escândalo da Panair do Brasil. Esta era uma das empresas
mais importante do país. Mas, no dia 10/02/1965, o governo suspende as linhas aéreas da
empresa alegando que a situação financeira da empresa era irrecuperável. Entretanto, no
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 242
ano anterior, com o Aviso Ministerial n. 8 da Diretoria Aeronáutica Civil (DAC), temos
a declaração de uma empresa bem administrada e com as melhores chances de se
recuperar. No dia da cassação das linhas, a empresa e suas empresas correlatas, como a
Celma (mais avançada oficina de reparação de motores de avião do Hemisfério Sul) e seu
Departamento de Comunicações foram ocupados por tropas armadas.
A Panair pede concordata na 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro visando preservar seu
patrimônio e suas linhas cassadas. Em cinco dias, em velocidade incrível a qualquer
membro do judiciário, o juiz contraria a empresa, “analisa” todos seus livros e prospectos
e decreta a falência, como queria o governo. Por “coincidência”, outras empresas,
estavam prontas com pedidos e logística para assumir as linhas. A Varig, poucas horas
após o decreto de Castelo, já tinha avião pronto no pátio do Galeão para fazer o voo que
sairia à Europa naquela noite. Mais de 5 mil funcionários perdem seu emprego.
Os jornais nada falam sobre esse caso. OESP dará alguma atenção. Em “O caso da
Panair” (13/021965), culparam a má administração da empresa que teria a utilizado como
“instrumento de corrupção”. Sem alternativa, dizem, “os competentes órgãos que tinham de
levar em consideração o prestígio do país, não encontraram outra alternativa senão cassar as
concessões” e entregar suas linhas às empresas “idôneas”. A eles, o caso Panair foi mais um
caso de “corrupção combatida pelo governo” em favor da livre iniciativa (25/02/1965).
Obviamente existiram outros casos de corrupção durante a ditadura civil-militar,
especialmente com a implantação de grandes obras e projetos no período pós-PAEG.
54
Os jornais se calavam diante destes casos flagrantes de corrupção. Quando não o
faziam, atacavam o mensageiro. Podemos resumir suas posições como a ideia de que o
que Castelo estava fazendo era “quebrar tabus” ao realizar políticas antes independentes
de ideologia, mas que eram pragmáticas, ao criticado por “falsos nacionalistas”. Para eles,
o que os outros faziam, como nos casos dos minérios, era levantar barreiras ideológicas
ao desenvolvimento, impedindo que os verdadeiros interesses nacionais fossem
defendidos. Por fim, dizem que Castelo quebrou também o dogma da intocabilidade da
Petrobrás, a “estatal vilã” em todos os governos para estes jornais, que só servia para
acobertar roubalheiras e escândalos (OG, 09/12/1964). Tudo isso afirmando sem nem
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Alguns casos devem ser citados como, os escândalos das empreiteiras (especialmente Delfim e a
Camargo Correa), Rodovia Transamazônica, escândalo do MOBRAL, o envolvimento de militares e PMs
no jogo do bicho (isso também antes do PAEG), Maluf e o caso Lutfalla, caso Capemi e o dossiê
Baumgarten (este morto em razão das denúncias), Grupo Delfin e o BNH, as “mordomias” que militares e
civis tinham, Ponte Costa e Silva (Rio-Niterói), entre muitos outros.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 243
tocar no negócio em si. Dizem que o Brasil agora teria um bom “nome na praça”,
respeitado, pois estava “ficando adulto”. OESP ficará na mesma toada, pregando “uma
política de minérios sem complexo” (OESP, 10/12/1964). Em ambos os jornais, assim
como nas outras acusações de corrupção que vimos, o foco residirá na análise econômica
e na desqualificação do questionamento moral e criminal da ação.
Trata-se de tópico importante para mostrar como o discurso anticorrupção era visto
seletivamente, novamente, se resultasse de favorecimento ao capital privado, nacional ou
internacional, dentro de uma lógica de ampliação do mercado e de sua desnacionalização.
De todo resto, qualquer forma de intervenção estatal, ou de grupos de influência comunal,
como sindicatos, seria visto como corrupção que tinha que ser extirpada, mesmo que com
violência. Também é um tópico importante pois desmitifica representação até hoje
utilizada de que militares possuem uma moral superior a civis e de que na ditadura não
havia corrupção. Essa desmistificação é vital não só para se entender o passado, mas para
se garantir um futuro democrático.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 244
Conclusão
Seria preciso escrever uma conclusão. Mas, como? Como concluir, se nas mãos
só temos um esboço? A conclusão poderia ser tautológica: retomando os pontos
mais relevantes do trabalho, justificar, uma vez mais, seu aparecimento e uso.
Inútil redundância. Se aquilo que se escreveu não for a justificação do que se
fez, nenhum posfácio será capaz de promover sua validade – em vez de
persuadir o leitor, deixá-lo-emos de orelha em pé. Tautológica ou lembrete, a
conclusão torna-se desnecessária. (Chauí 1970: 226)
Buscamos propor nesta tese uma nova forma de se entender a agenda anticorrupção
atual pelo viés de sua inserção na racionalidade, como parte da essência, do
neoliberalismo. Espero ter conseguido convencer o leitor de que essa inserção mostra uma
realidade mais complexa desse fenômeno e de como ele nos ajuda a entender a história
política brasileira, e global, para além de simples instrumentalização política.
Vimos o quanto ela foi essencial para garantir com que o empresariado e,
principalmente o capital financeiro nacional e internacional fossem vistos como os
agentes do desenvolvimento, tidos como morais e técnicos, que seguiam apenas a
racionalidade do mercado; em detrimento da percepção sobre o trabalho e do trabalhador,
visto como explorados e joguetes nas mãos de sindicatos, retratados como corruptos e
que não representam seus afiliados. Igualmente é verdadeiro o quanto ela foi essencial
para desacreditar a classe política e a democracia em sua representatividade, visto sua
gênese conservadora, como mostramos.
Ao mesmo tempo, mostrei que com a crescente inserção do país num sistema
capitalista ocidental e seus valores, bem como com o crescimento das urbes e de maior
anseio por representação política aliada às facilidades dos meios de comunicação de
massa, o carisma se tornou essencial à qualquer político, bem como o elemento
anticorrupção se tornou cada vez mais indispensável como forma de conexão com o
eleitorado, possuindo cada vez mais força mobilizadora, mas não por instrumentalização,
afirmação que nega racionalidade desse eleitorado, mas por afinidade moral e/ou
ideológica. Por fim, os discursos mostraram que em grande parte das elites havia um
sentido de que o Brasil possuía um “rumo” a ser trilhado e que dele não poderia escapar:
os EUA e seu modelo político-econômico vistos como paradigmas. Entretanto, não se
tratava de uma busca acéfala, pois mesmo os mais americanistas possuíam certo
pragmatismo quando entendiam ser prematuro a adoção incontinenti dessas mudanças,
como vimos na postergação da adoção de taxa cambial única e nas negociações com o
FMI. Algo visto como reservas inclusive em relação à necessidade de um modelo mais
democrático, quando muitos começavam a querer impor uma “democracia tutelada”,
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 245
vulgo golpe. Mesmo nesses casos, da democracia tutelada ou do golpe de 1964, o discurso
anticorrupção teve papel preponderante e mutável, sendo o agente do conservadorismo
que é. Busquei mostrar as tensões entre os sistemas e a necessidade vista por importante
parte da elite em eliminar o que chamavam de getulismo, algo associado à corrupção e à
maior participação social via o populismo e sindicalismo, a todo custo, mesmo que a custo
da democracia. Nesse sentido, a ideia de corrupção das instituições é essencial para
desacreditar a democracia e buscar se legitimar o golpe.
Creio ter mostrado que quando os interesses do capital privado se fazem sentir, o
discurso anticorrupção adota tom extremamente pragmático, inclusive em círculos
políticos, mesmo que às vezes, alguém mais histriônico com as vestes de herói busque
lucrar com acusações (vide Carlos Lacerda ou Jânio Quadros). Ainda assim, não
questionam o sistema que propicia essa corrupção, culpando apenas uma ou outra
empresa. De resto, protege-se o capital privado. O silêncio impera na simbiose entre
público e privado.
Ao longo dos capítulos também vimos outro fenômeno: a necessidade de legislação
e regulação para conter fraudes no setor privado e a formação de trustes. Mostrou-se que
havia uma racionalidade em se suprir o problema crônico brasileiro da falta de divisas,
mas que, incentivado pelo Estado, retirava parcialmente o poder de decisões do governo
sobre esse dinheiro que entrava pois este era canalizado ao poder privado, consolidando
a BVRJ como fonte quase que exclusiva de investimentos. Apesar disso, mostrei que
esses regramentos foram sem dentes. Ninguém foi punido e o resgate, quando necessário
em casos de fraudes, foi rápido e em montante gigantesco.
Essa proposta desta tese permite ao pesquisador unir esses dois lados da corrupção
numa racionalidade só. Isso permite não só que estudos sobre a corrupção privada
finalmente surjam, como que responsabilizemos essa capital privado por medidas
antipopulares mas revistadas de caráter técnico-moralista que retirem a participação
pública de importantes instrumentos econômicos (como a criação do Banco Central para
“moralizar o mercado financeiro”, ou a sua recente independência para “moralizar a
política de juros e o combate à inflação”), ou quando golpes e movimentos
antidemocráticos surjam em nossa história, algo que faltou, por exemplo, na
responsabilização política do pós-ditadura no Brasil.
Por fim, essa perspectiva aqui adotada permite que repensemos como lidamos com
a corrupção e seu combate, entendendo que esse combate não é técnico, mas dotado de
forte carga política e moralista, podemos os refutar ou ao menos compreender pelo que
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 246
são. Isso é fundamental em tempos de órgãos internacionais criados no pós-1990 para se
imiscuir nas políticas públicas internas, que se apresentam como técnicos, mas, como
sugere seu próprio “ranking”, cuida apenas das percepções (vide o CPI – Corruption
Perception Index da Transparência Internacional, um ranking “técnico” que elenca países
mais ou menos corruptos, mas que cuida apenas da corrupção do poder público pela
percepção de atores privados, em sua maioria empresários).
Sei que possam existir lacunas nesta tese, mas creio que as contribuições
historiográficas apresentadas, as novas formas de trato, pesquisa, metodologia e dados
sobre o tema da corrupção aqui propostos, superam essas lacunas.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 247
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APÊNDICE A – Candidatos e Resultados Eleitorais (1945-2018)
Tabela 21. Candidatos e Resultados Eleitorais (1945-2018)
Candidatos
Partido
Posição
Eleição
Resultado
1 turno
Resultado
2 turnos
Vitória
Eurico Gaspar Dutra
PSD
Presidente
1945
55.39%
Sim
Eduardo Gomes
UDN
Presidente
1945
34.74%
Não
Yedo Fiúza
PCdoB
Presidente
1945
9.17%
Não
Getúlio Vargas
PTB/PSP
Presidente
1950
48.73%
Sim
Eduardo Gomes
UDN/PRP/PDC/PL
Presidente
1950
29.66%
Não
Cristiano Machado
PSD/PR/POT
Presidente
1950
21.49%
Não
Café Filho
PTB/PSP
Vice-Presidente
1950
35.76%
Sim
Odilon Braga
UDN/PRP/PDC/PL
Vice-Presidente
1950
23.40%
Não
Juscelino Kubitschek
PSD/PTB/PR/PTN/PST/PRT
Presidente
1954
35.68%
Sim
Juarez Távora
UDN/PDC/PL/PSB
Presidente
1954
30.27%
Não
Adhemar de Barros
PSP
Presidente
1954
25.77%
Não
Plínio Salgado
PRP
Presidente
1954
8.28%
Não
João Goulart
PSD/PTB/PR/PTN/PST/PRT
Vice-Presidente
1954
44.25%
Sim
Milton Campos
UDN/PDC/PL/PSB
Vice-Presidente
1954
41.70%
Não
Jânio Quadros
PTN/UDN/PR/PL/PDC
Presidente
1960
48.26%
Sim
Henrique Teixeira Lott
PSD/PTB/PST/PSB/PRT
Presidente
1960
32.94%
Não
Adhemar de Barros
PSP
Presidente
1960
18.79%
Não
João Goulart
PSD/PTB/PST/PSB/PRT
Vice-Presidente
1960
36.10%
Sim
Milton Campos
UDN/PR/PL/PTN
Vice-Presidente
1960
33.70%
Não
Fernando Collor
PRN, PSC, PST, PTR
Presidente
1989
30.47%
53.03%
Sim
Lula
PT, PSB, PCdoB
Presidente
1989
17.18%
46.97%
Não
Affonso Camargo Neto
PTB
Presidente
1989
0.53%
Não
Afif Domingos
PL, PDC
Presidente
1989
4.83%
Não
Enéas Carneiro
PRONA
Presidente
1989
0.53%
Não
Leonel Brizola
PDT
Presidente
1989
16.51%
Não
Mário Covas
PSDB
Presidente
1989
11.51%
Não
Paulo Maluf
PDS, PP
Presidente
1989
8.85%
Não
Roberto Freire
PCB
Presidente
1989
1.13%
Não
Ulysses Guimarães
PMDB
Presidente
1989
4.73%
Não
Fernando Henrique Cardoso
PSDB/PFL
Presidente
1994
54.24%
Sim
Lula
PT
Presidente
1994
27.07%
Não
Enéas Carneiro
PRONA
Presidente
1994
7.38%
Não
Orestes Quércia
PMDB
Presidente
1994
4.38%
Não
Leonel Brizola
PDT
Presidente
1994
3.19%
Não
Esperidião Amin
PPR
Presidente
1994
2.75%
Não
Carlos Antônio Gomes
PRN
Presidente
1994
0.61%
Não
Hernani Fortuna
PSC
Presidente
1994
0.38%
Não
Flávio Rocha
PL
Presidente
1994
0.00%
Não
Caetano Matanó Jr
PTdoB
Presidente
1994
0.00%
Não
Fernando Henrique Cardoso
PSDB, PFL, PTB
Presidente
1998
53.06%
Sim
Lula
PT
Presidente
1998
31.71%
Não
Ciro Gomes
PPS
Presidente
1998
10.97%
Não
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 267
Enéas Carneiro
PRONA
Presidente
1998
2.14%
Não
Ivan Frota
PMN
Presidente
1998
0.37%
Não
Alfredo Sirkis
PV
Presidente
1998
0.31%
Não
José Maria de Almeida
PSTU
Presidente
1998
0.30%
Não
João de Deus
PTdoB
Presidente
1998
0.29%
Não
José Maria Eymael
PSDC
Presidente
1998
0.25%
Não
Thereza Ruiz
PTN
Presidente
1998
0.25%
Não
Sérgio Bueno
PSC
Presidente
1998
0.18%
Não
Vasco Azevedo Neto
PSN
Presidente
1998
0.16%
Não
Lula
PT/PL
Presidente
2002
46.44%
61.27%
Sim
José Serra
PSDB/PMDB
Presidente
2002
23.19%
38.72%
Não
Anthony Garotinho
PSB
Presidente
2002
17.86%
Não
Ciro Gomes
PPS/PTB
Presidente
2002
11.97%
Não
José Maria de Almeida
PSTU
Presidente
2002
0.47%
Não
Rui Costa Pimenta
PCO
Presidente
2002
0.04%
Não
Lula
PT/PRB
Presidente
2006
48.61%
60.83%
Sim
Geraldo Alckmin
PSDB/PFL
Presidente
2006
41.64%
39.17%
Não
Heloísa Helena
PSOL
Presidente
2006
6.85%
Não
Cristovam Buarque
PDT
Presidente
2006
2.64%
Não
Dilma Rousseff
PT/PMDB
Presidente
2010
46.91%
56.05%
Sim
José Serra
PSDB/DEM
Presidente
2010
32.61%
43.95%
Não
Marina Silva
PV
Presidente
2010
19.33%
Não
José Maria Eymael
PSDC
Presidente
2010
0.09%
Não
Dilma Rousseff
PT/PMDB
Presidente
2014
41.59%
51.64%
Sim
Aécio Neves
PSDB
Presidente
2014
33.55%
48.36%
Não
Marina Silva
PSB
Presidente
2014
21.32%
Não
Luciana Genro
PSOL
Presidente
2014
1.55%
Não
Pastor Everaldo
PSC
Presidente
2014
0.75%
Não
Eduardo Jorge
PV
Presidente
2014
0.61%
Não
Levy Fidelix
PRTB
Presidente
2014
0.43%
Não
José Maria de Almeida
PSTU
Presidente
2014
0.09%
Não
José Maria Eymael
PSDC
Presidente
2014
0.06%
Não
Mauro Iasi
PCB
Presidente
2014
0.05%
Não
Jair Bolsonaro
PSL
Presidente
2018
46.03%
55.13%
Sim
Fernando Haddad
PT
Presidente
2018
29.28%
44.87%
Não
Ciro Gomes
PDT
Presidente
2018
12.47%
Não
Geraldo Alckmin
PSDB
Presidente
2018
4.76%
Não
João Amoedo
NOVO
Presidente
2018
2.50%
Não
Cabo Daciolo
PATRI
Presidente
2018
1.26%
Não
Henrique Meirelles
MDB
Presidente
2018
1.20%
Não
Marina Silva
PV
Presidente
2018
1.00%
Não
Álvaro Dias
PSC
Presidente
2018
0.80%
Não
Guilherme Boulos
PSOL
Presidente
2018
0.58%
Não
João Goulart Filho
PPL
Presidente
2018
0.03%
Não
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 268
APÊNDICE B – Análise em Quasi-Sentenças de todos os Manifestos
Partidários e Programas de Governo e a Tabela de Categorias Utilizada
Tabela 22. Tabela para Análise Documental em Quasi-Sentenças
(1) Relações Exteriores
(5) Políticas Públicas
101
Integração Regional e Multilateralismo
501
Meio Ambiente
102
Soberania Nacional
502
Cultura/Lazer
103
Anti-imperialismo
503
Equidade/justiça social
104
Militarização
504
Expansão do Estado de Bem-estar social
105
Paz
505
Educação
106
Imigração
506
Saúde
(2) Liberdade e Democracia
507
Qualidade de vida/Desigualdade Social
201
Democracia
508
Justiça/Leis
202
Constituição
509
Reforma Agrária
203
Direitos Humanos
508
Justiça
204
Mudança
(6) Tecido social
205
Continuidade
601
Moral e costumes tradicionais/família
206
Ditadura
602
Ordem e progresso
207
Liberdade/independência
603
Multiculturalismo
208
Problemas Nacionais Políticos
604
Harmonia Social/União/Conciliação
(3) Sistema Político
605
Religião/Deus/fé
301
Descentralização
(7) Grupos sociais
302
Centralização
701
Classe de baixa renda/Operários
303
Eficiência da Máquina Administrativa
702
Sindicalismo/Greve
304
Transp./ Anticorrupção/Corrupção Política
703
Minorias
305
Anticomunismo
704
Classe média
306
Antiliberalismo
705
Elite
307
Aumento da Presença do Estado
706
Sociedade civil/ONGs
(4) Economia
(8) Valores de Valência
401
Análise Liberal
801
Preparado/forte
402
Análise Marxista/Comunismo
802
Honesto/Justo/Moral
403
Nacionalização e Protecionismo
803
Gestor/Administrador/"Faz as coisas"
404
Privatização/Capital Privado
804
Democrata
405
Inflação/Impostos/Dívida Pública
805
"Do povo"/Empático
406
Economia Planejada/Keynes/Infraestrutura
806
Despreparado
407
Trabalho/Emprego/Desemprego
807
Mentiroso/Sem moral/Corrupto
408
Salário-Mínimo
808
Descolado da realidade/Não é do povo
409
Agricultura/Agropecuária/Pesca
809
Autoritário
410
Indústria/Industrialização
810
Ufanismo/Patriota
411
Ortodoxia/Heterodoxia Monetária/Orçamento
811
Traz alegria ao povo/Esperança
412
Infraestrutura
413
Capitalismo "humanizado e responsável"
Tabela 23. Tabela Com Resultado dos Dados Compilados De Manifestos E Programas Partidários Sobre
Corrupção, Transparência (Código 304) e Eficiência Administrativa (Código 303)
Partido ou Coligação
Ano do
Programa
Candidato e Vice
Tipo/Nome do Programa
[303]
[304]
Agregado
Páginas
Partido Republicano
1870
PR
Programa de Partido
-
-
0.0
16
Partido
Católico
1876
Pcat
Programa de Partido
-
-
0.0
7
Partido Republicano
Histórico do Rio Grande do Sul
1890
PRS
Programa de Partido
-
-
0.0
8
Partido Operário de São Paulo
1890
PO
Programa de Partido
-
-
0.0
5
Partido Republicano
Federal - Conservador e Liberal
1893
PRF
Programa de Partido
-
-
0.0
19
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 269
Partido Democrata
1926
PD
Programa de Partido
-
-
0.0
3
Bloco Operário
1927
BO
Programa de Partido
-
-
0.0
3
Partido Democrático Nacional
1927
PDN
Programa de Partido
-
-
0.0
3
Aliança Nacional Libertadora
1934
ANL
Programa de Partido
-
-
0.0
5
União Democrática Brasileira
1937
UDB
Programa de Partido
-
-
0.0
2
União Nacional do Trabalho
1945
UNT
Programa de Partido
3.6
8.4
12.0
9
Partido Nacional Evolucionista
1945
PNE
Programa de Partido
2.2
3.3
5.5
6
Partido Democrático Progressista
1945
PDP
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
9
Partido da Lavoura, Indústria
e Comércio
1945
PLIC
Programa de Partido
10.7
8.9
19.6
5
Partido Republicano
1945
PR
Programa de Partido
1.7
1.7
3.4
7
Partido Socialista Cristão
1945
PSC
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
9
Partido Socialista do Brasil
1945
PSB
Programa de Partido
6.8
6.0
12.8
35
Partido Democrata Cristão
1945
PDC
Programa de Partido
1.2
3.5
4.7
20
Partido Libertador
1945
Plor
Programa de Partido
1.7
7.8
9.5
22
Partido Industrial Agrícola
Democrático
1945
PIAD
Programa de Partido
6.7
0.0
6.7
5
Partido Nacional Classista
1945
PNC
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
22
Confraternização Social
Democrata
1945
CSD
Programa de Partido
7.9
1.6
9.5
44
Partido Republicano Trabalhista
1945
PRT
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
12
Aliança Social-Democrata
1945
ASD
Programa de Partido
0.0
5.0
5.0
11
Partido Popular Sindicalista
1945
PPSin
Programa de Partido
4.8
2.4
7.2
18
Partido Regenerador
1945
Prgen
Programa de Partido
1.9
5.6
7.5
24
Partido Orientador Trabalhista
1945
POT
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
1
Partido Comunista Brasileiro
1945
PCB
Programa de Partido
2.0
2.0
4.0
4
União Democrática Socialista
1945
UDS
Programa de Partido
2.6
9.2
11.8
8
Esquerda Democrática
1945
ED
Programa de Partido
0.0
1.9
1.9
5
Partido Social Democrático
1945
PSD
Programa de Partido
3.3
2.5
5.8
23
União Democrática Nacional
1945
UDN
Programa de Partido
7.0
1.7
8.7
6
Partido Trabalhista Brasileiro
1945
PTB
Programa de Partido
0.9
3.5
4.4
15
Partido de Representação Popular
1945
PRP
Programa de Partido
0.7
0.0
0.7
11
Partido Democrata Cristão
1945
PDC
Programa de Partido
0.0
5.3
5.3
11
Partido Social Democrático
1945
Dutra
Programa de governo
-
-
0.0
10
União Democrática Nacional
1945
Eduardo Gomes
Programa de governo
-
-
0.0
15
PCB
1945
Yedo Fiúza
Programa de governo
-
-
0.0
3
Partido Social Progressista
1946
PSP
Programa de Partido
6.0
2.7
8.7
14
Partido Popular Progressista
1947
PPP
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
4
Aliança Democrática Brasileira
1954
ADB
Programa de Partido
2.5
7.5
10.0
5
União Democrática Nacional
1957
UDN
Programa de Partido
7.7
10.3
18.0
6
Movimento Trabalhista Renovador
1961
MTR
Programa de Partido
4.6
5.7
10.3
8
Partido Democrata Cristão
1961
PDC
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
6
Partido Comunista do Brasil
1962
PCdoB
Programa de Partido
0.0
14.6
14.6
11
Partido da Boa Vontade
1963
FPN
Programa de Partido
0.0
5.6
5.6
3
Frente Parlamentar Nacionalista
1963
PBV
Manifesto de Partido
1.7
5.0
6.7
6
Partido Trabalhista Republicano
1965
PTR
Programa de Partido
3.9
5.9
9.8
7
ARENA
1966
ARENA
Programa de Partido
5.5
0.0
5.5
166
MDB
1966
MDB
Programa de Partido
2.0
1.8
3.8
44
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 270
Partido Nacionalista
1979
PDS
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
16
Partido Democrático Social
1979
PDT
Programa de Partido
1.1
1.6
2.7
21
Partido Popular Socialista
1979
PN
Programa de Partido
0.9
0.9
1.8
9
Partido Democrático Trabalhista
1979
PP
Programa de Partido
1.7
4.2
5.9
17
Partido do Movimento Democrático
Brasileiro
1980
PMDB
Programa de Partido
0.5
2.1
2.6
36
Partido dos Trabalhadores
1980
PT
Programa de Partido
0.0
0.7
0.7
9
Partido Trabalhista Brasileiro
1981
PTB
Programa de Partido
1.6
3.2
4.8
20
Partido Comunista Brasileiro
1984
AD
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
3
Partido da Frente Liberal
1984
PCB
Programa de Partido
3.3
3.9
7.2
11
Aliança Democrática (PFL-PMDB)
1984
PFL
Manifesto de Partido
2.6
2.6
5.2
4
PT, PSB, PCdoB –
Brasil Frente Popular
1989
Lula e José Paulo Bisol
Brasil Urgente
1.4
2.3
3.7
190
PSDB
1989
Mário Covas e Almir
Gabriel
Mário Covas: O desafio de ser
presidente
2.5
4.5
7.0
15
PRN (PTC), PSC, PST, PTR -
Movimento Brasil Novo
1989
Fernando Collor e
Itamar Franco
O fenômeno Collor
3.9
3.7
7.7
59
PDT
1989
Leonel Brizola e
Fernando Lyra
Programa de governo
-
-
0.0
-
PDS, PP
1989
Paulo Maluf e
Bonifácio Andrada
Programa de governo
-
-
0.0
-
Partido Popular Socialista
1990
PMN
Programa de Partido
0.6
1.1
1.7
22
Partido Social Cristão
1990
PPS
Programa de Partido
4.2
7.4
11.6
47
Partido da Mobilização Nacional
1990
PSC
Programa de Partido
0.0
4.8
4.8
29
Partido Verde
1993
PV
Programa de Partido
0.0
20.8
20.8
2
PT, PSB, PPS, PV, PCdoB,
PCB, PSTU
1994
Lula e Aloízio
Mercadante
Lula presidente: uma
revolução democrática no
Brasil
4.4
0.9
5.2
520
PSDB, PFL, PTB
1994
FHC e Marco Maciel
Mãos à obra Brasil
5.6
1.1
6.7
150
PRONA
1994
Enéas e Lenine
Madeira de Souza
Um grande projeto nacional
3.0
1.9
4.9
191
Partido Progressista Brasileiro
1995
PPB
Programa de Partido
2.5
3.3
5.8
13
Progressistas
1995
PP
Programa de Partido
0.9
0.9
1.8
3
Democracia Cristã
1995
DC
Programa de Partido
1.2
3.6
4.8
6
Podemos
1995
PODE
Programa de Partido
1.8
1.8
3.6
5
Partido da Causa Operária
2015
PCO
Programa de Partido
0.0
5.3
5.3
11
Partido Social Liberal
1998
PSL
Programa de Partido
8.3
16.7
25.0
4
PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB
1998
Lula e Leonel Brizola
União do povo: muda Brasil
0.5
2.8
3.3
83
PSDB, PFL, PPB, PTB, PSD
1998
FHC e Marco Maciel
Avança Brasil
4.5
0.2
4.8
329
PPS, PL, PAN
1998
Ciro Gomes e Roberto
Freire
Alternativa para o Brasil
5.1
2.9
8.0
19
PT, PL, PCdoB, PMN, PCB
2002
Lula e José Alencar
Coligação Lula Presidente:
Carta ao Povo Brasileiro
5.4
1.6
6.9
73
PSDB, PMDB
2002
José Serra e Rita
Camata
Trabalho e Progresso para
todos
2.4
1.0
3.4
80
PPS, PTB, PDT
2002
Ciro Gomes e Paulinho
da Força
Desenvolvimento com Justiça
3.1
2.5
5.6
19
PSB, PGT, PTC
2002
Garotinho e José
Antônio Figueiredo
Brasil Esperança
3.8
1.2
5.0
260
Republicanos
2019
Republicanos
Programa de Partido
2.1
2.1
4.2
10
Partido Socialismo e Liberdade
2005
PSOL
Programa de Partido
0.0
7.6
7.6
12
Partido Liberal
2006
PR/PL
Programa de Partido
0.0
3.4
3.4
9
PT, PRB, PCdoB
2006
Lula e José Alencar
Lula de novo com a força do
povo
3.2
3.7
6.9
34
PSOL, PCB, PSTU –
Frente de Esquerda
2006
Heloísa Helena e César
Benjamin
Manifesto da Frente de
Esquerda
0.8
12.0
12.8
3
PSDB, PFL
2006
Geraldo Alckmin e
José Jorge
Coligação por um Brasil
decente
6.7
6.0
12.8
208
PT, PMDB, PDT, PCdoB,
PSB, PR, PRB, PSC, PTC e PTN
2010
Dilma Rousseff e
Michel Temer
Para o Brasil continuar
mudando
1.5
1.1
2.7
121
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 271
PV
2010
Marina Silva e
Guilherme Leal
Juntos pelo Brasil que
queremos
5.7
0.5
6.2
36
PSDB, DEM, PPS, PMN,
PTdoB e PTB
2010
José Serra e Índio da
Costa
O Brasil pode mais
5.4
1.8
7.1
280
Patriota
2012
Patriotas
Programa de Partido
7.8
6.5
14.3
9
Rede Sustentabilidade
2013
REDE
Manifesto de Partido
0.0
18.2
18.2
5
PT, PMDB, PSD, PP, PR,
PDT, PRB, PROS, PCdoB
2014
Dilma Rousseff e
Michel Temer
Com a força do povo
3.6
0.7
4.3
42
PSB, PPS, PSL, PHS, PPL, PRP
2014
Marina Silva e Beto
Albuquerque
Unidos pelo Brasil
3.9
1.2
5.2
244
PSDB, SD, PMN, PEN, PTN,
PTC, DEM, PTdoB, PTB
2014
Aécio Neves e Aluysio
Nunes
Muda, Brasil
8.1
0.5
8.6
76
Partido Novo
2015
NOVO
Programa de Partido
11.8
7.4
19.2
50
Rede Sustentabilidade
2015
Sustentabilidade
Programa de Partido
6.7
6.7
13.4
49
Partido da Mulher Brasileira
2015
PMB
Programa de Partido
0.0
0.0
0.0
36
PT, PCdoB, PROS
2018
Fernando Haddad e
Manuela D'Avila
O povo feliz de novo
1.7
1.0
2.6
62
PDT, AVANTE
2018
Ciro e Kátia Abreu
Brasil soberano
2.9
1.7
4.6
62
PSDB, PP, PTB, PSD, PRB,
PR, DEM, SD e PPS
2018
Geraldo Alckmin e
Ana Amélia
Para unir o Brasil
7.4
1.6
8.9
100
NOVO
2018
Amoedo e Christian
Mais Oportunidades, Menos
Privilégios
-
-
0.0
23
PSOL, PCB
2018
Boulos e Sônia
Guajajara
Vamos sem medo de mudar o
Brasil
-
-
0.0
228
PODE, PRP, PSC e PTC
2018
Álvaro Dias e Paulo
Rabello
Plano de Metas 19 + 1
-
-
0.0
15
PV e REDE
2018
Marina e Eduardo
Jorge
Brasil Justo, Ético, Próspero e
Sustentável
-
-
0.0
24
MDB, PHS
2018
Meirelles e Germano
Rigotto
Pacto pela Confiança
-
-
0.0
21
PATRIOTA
2018
Daciolo e Suelene
Balduino
Plano de Nação para a Colônia
Brasileira
-
-
0.0
17
PSL, PRTB
2018
Bolsonaro e Mourão
Brasil acima de tudo, Deus
acima de todos
1.2
5.3
6.5
81
Cidadania
2019
Cidadania
Programa de Partido
0.0
4.3
4.3
2
Unidade Popular
2019
UP
Programa de Partido
0.0
3.6
3.6
24
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 272
APÊNDICE C – Análise de Jingles (1930-2018) e Tabela de Categorias para
Essa Análise
Tabela 24. Valores Semânticos de Todos os Jingles à Presidência (1930-2018)
Valores
No de
Repetições
% do Total de
Versos
% Total de Versos
Classificáveis
Mudança/Continuidade (Progresso)
221
17.17%
10.95%
Felicidade/Esperança (trazedor da)
203
15.77%
10.05%
Corrupção/Honestidade
147
11.42%
7.28%
Preparado/Experiente
146
11.34%
7.23%
Empático/"Do povo"
116
9.01%
5.75%
Gestor/Administrador/Trabalhador
87
6.76%
4.31%
Patriota
81
6.29%
4.01%
Harmonia Social/União
79
6.14%
3.91%
Desemprego/Emprego/Classe
Trabalhadora
36
2.80%
1.78%
Deus/fé/moral cristã
32
2.49%
1.58%
Saúde, Educação e Estado de Bem-Estar
Social
22
1.71%
1.09%
Equidade/Desigualdade Social
18
1.40%
0.89%
Lei e Ordem
14
1.09%
0.69%
Democrata/Democracia
10
0.78%
0.50%
Anticomunismo
5
0.39%
0.25%
Antiliberalismo
3
0.23%
0.15%
Total de Versos Classificáveis
1287
64%
Versos Não-classificáveis
732
36%
Total de Versos
1836
100%
Número de Jingles Analisados
158
Tabela 25. Tabela com as Categorias Utilizadas para Definir Cada Verso de Cada Jingle
(1) Relações Exteriores
(5) Políticas Públicas
101
Integração Regional e Multilateralismo
501
Meio Ambiente
102
Soberania Nacional
502
Cultura/Lazer
103
Anti-imperialismo
503
Equidade/justiça social
104
Militarização
504
Expansão do Estado de Bem-estar
social/Aposentadorias
105
Paz
505
Educação
106
Imigração
506
Saúde
(2) Liberdade e Democracia
507
Qualidade de vida/Desigualdade Social
201
Democracia
508
Justiça/Leis
202
Constituição
509
Reforma Agrária
203
Direitos Humanos
508
Justiça
204
Mudança
(6) Tecido social
205
Continuidade
601
Moral e costumes tradicionais/família
206
Ditadura
602
Ordem e progresso
207
Liberdade/independência
603
Multiculturalismo
208
Problemas Nacionais Políticos
604
Harmonia Social/União/Conciliação
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 273
(3) Sistema Político
605
Religião/Deus/fé
301
Descentralização
(7) Grupos sociais
302
Centralização
701
Classe de baixa renda/Operários
303
Eficiência da Máquina Administrativa
702
Sindicalismo/Greve
304
Transp./ Anticorrupção/Corrupção Política
703
Minorias
305
Anticomunismo
704
Classe média
306
Antiliberalismo
705
Elite
307
Aumento da Presença do Estado
706
Sociedade civil/ONGs
(4) Economia
(8) Valores de Valência
401
Análise Liberal
801
Preparado/forte
402
Análise Marxista/Socialização/Comunismo
802
Honesto/Justo/Moral
403
Nacionalização/Indústria
Nacional/Protecionismo
803
Gestor/Administrador/"Faz as coisas"
404
Privatização/Capital Privado
804
Democrata
405
Inflação/Impostos/Dívida Pública
805
"Do povo"/Empático
406
Economia Planejada/Keynes/Infraestrutura
806
Despreparado
407
Trabalho/Emprego/Desemprego
807
Mentiroso/Sem moral/Corrupto
408
Salário-Mínimo
808
Descolado da realidade/Não é do povo
409
Agricultura/Agropecuária/Pesca
809
Autoritário
410
Indústria/Industrialização
810
Ufanismo/Patriota
411
Ortodoxia/Heterodoxia Monetária/Orçamento
811
Traz alegria ao povo/Esperança
412
Infraestrutura
413
Capitalismo "humanizado e responsável"
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 274
APÊNDICE D – Análise do Discurso e Agenda Anticorrupção em Portugal
(Império) e no Brasil (Colônia e Independente): 1400-1945
A etimologia da palavra corrupção remonta ao latim corruptĭo: deteriorado, podre,
corrompido. Quase todos os dicionários atuais e antigos possuem basicamente a mesma
definição primária. Entretanto, diferente de dicionários atuais que dão mais ênfase à
corrupção do erário e a orgânica, o Vocabulário Português e Latino (1728), irá priorizar a
corrupção moral do particular
55
em relação ao todo. O padre jesuíta municiar-se-á de
autores que nos auxiliam a entender as mudanças político-econômicas e filosóficas da
época e a importância que o combate à corrupção possuía a uma nova forma de Estado. São
eles: três estoicos (Cícero, Plínio e Lucena) e um missionário católico (S. Francisco Xavier).
Não deve causar espanto que países de tradição cultural e linguística latina que
passaram pela transição do feudalismo ao capitalismo mercantilista buscaram nas
instituições e cultura da Antiguidade Clássica os exemplos que os ajudariam a reformular
suas estruturas. Dicionários como Dictionnaire de l’Académie française (Furetière,
1694), Thresor de la langue françoyse tant ancienne que moderne (1606), Tesoro de la
lengua castellana o española (1611), entre outros, empregavam a palavra corrupção
referindo-se à degradação moral e dos costumes da sociedade e indivíduo, muitas vezes
correlacionando-a com a acepção biológica de putrefação do corpo. A corrupção não era
a prática em si, como entendemos hoje, mas resultado de ação individual corruptora.
A prática corruptora era designada por distintos substantivos. Referente ao
arcabouço legal anticorrupção, o principal crime, o suborno, tinha origem romana e era
chamado de “peita” (pactum)
56
, variante do largitio
57
romano
58
, normalmente designado
à corrupção de membros da Justiça. Trata-se de importante termo que marcou a metrópole
_______________________________________
55
Definindo-a como a “suspensão do concurso conservativo e introdução de qualidades alterantes e
destrutivas” (Bluteau, 1728, p. 572)
56
Apesar de não ser utilizada à larga atualmente, seria ingênuo pensarmos que essa palavra desapareceria
de nossa cultura, pois encontramo-la em textos legais, decisões judiciais, atas econômicas e mesmo em
seções opinativas de alguns jornais, como sinônimo de suborno.
57
O largitio era o ato de presentear um indivíduo em troca de lealdade e, também, um modo encontrado
por oficiais em disseminar iconografia imperial. Para além de suborno, o largitio foi importante instrumento
político utilizado durante as invasões romanas em terras germânicas, buscando garantir estabilidade
naquelas turbulentas fronteiras. “After the Barbarian Migrations the nobility of the Germanic kingdoms of
the post-Roman West were labelled proceres, priores, maiores, or seniores and were bound to the king by
gift-giving (largitio)” (cf. Oxford Dictionary of Late Antiquity, vol. 1, p. 130).
58
O dicionário de Bluteau utilizará obras latinas clássicas, como De Oratore de Cícero que utiliza o
instrumento da largitione: “liberalitatem ac benignitatem ab ambitu atque largitione seiungere” (“Deve-se
separar a generosidade e a bondade e misericórdia das despesas abundantes e pródigas.” tradução própria).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 275
portuguesa e suas colônias, com influência decrescente até hoje em textos jurídicos e de
negócios, alguns publicados em jornais.
O nascimento da “arte de governar” e do “bem público”
O fato do termo corrupção pós-século XVI até o XVIII ter versado mais sobre o
viés moralista particularista, devia-se à transição do reinado português que saía do sistema
político-econômico feudalista a uma economia capitalista-mercantilista, enquanto muitos
países, como Portugal, passavam por rápido processo de expansão territorial.
Com o mercantilismo, e, vale dizer o protestantismo e Maquiavelismo, há clara
redefinição cultural e moral sobre o papel da religião e do governante na condução do
Estado, especialmente no que se refere a uma “arte de governar” – englobando questões
como privilégios, a organização burocrática
59
, bem público e paternalismo.
Como sabido, a fonte do poder do monarca advinha da concessão divina ao monarca
para que este governasse Seu povo (“almas”); a conservação de Sua Justiça e de Seu
Poder de qualquer forma de corrupção era alicerce dessa concessão. Assim, a religião
fornecia a legitimidade do monarca em governar e aplicar a Justiça não só em seu
território original, mas com novos povos advindos da expansão colonial que,
consequentemente, necessitavam de crescente burocracia. Controlar a corrupção era tema
de importância máxima à corte, não só porque prejudicava o erário e o bem comum, mas
porque feria as bases da instituição monárquica e sua relação com a Justiça Divina.
As definições legais sobre corrupção mantiveram-se relativamente estáveis ao longo
do Império português do século XV ao XVIII. Nas Ordenações Afonsinas (1446), a
corrupção é associada à imagem do rei e a Deus. Diz o Código, “a Real Dignidade recebeu
[a Justiça] de Deus [..] e o princípio dela está na boa governança da Justiça” (OA. Livro III,
Título CXXVIII) que é repassada pelo monarca a seus subalternos para executarem-na.
Em um dos autos mais famosos de Gil Vicente, O Auto da Barca do Inferno, o fator
decisivo a que o Diabo condenasse um corregedor ao Inferno foi que ele aceitava peitas:
Não é tempo Bacharel [este pedia ajuda a Deus]. Entre no barco porque julgaste
com malícia. [...] não temeste a Deus. Ficaste muito rico à custa do sangue dos
trabalhadores, ignorantes pecadores, sem sequer ouvi-los. (Vicente, 2014)
_______________________________________
59
Entendemos burocracia como a racionalização das atividades do Estado em uma organização ou
estrutura organizativa regida por regras e procedimentos que garantem a divisão e especialização do
trabalho de forma impessoal e hierárquica. Seu desenvolvimento, segundo Weber, garantiria o nivelamento
entre as diferenças socioeconômicas em que a lei representaria o ponto de equilíbrio, sendo a justiça, a
técnica e a meritocracia suas bases de legitimação (Weber, 1982).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 276
Para organizar e controlar a administração da Metrópole e colônias, a
intelectualidade neoclássica ibérica, irá buscar inspiração na tradição filosófica e jurídica
romana, nas traduções de Sêneca, Cícero e Tácito que pregavam o “governo de si”
mediante o cultivo da virtus e o respeito à mos maiorum
60
. Será essa conurbação entre o
governo de si e o governo de todos, mediada pela religião católica e centralizada na
personalidade do monarca que deveria preservar a moral divina em seu governo, que fará
com que a principal característica da formação da administração do Estado Moderno
português seja moralista particularista.
Assim, a partir do século XVI, teremos na Península Ibérica crescente número de
escritos sobre o trato do agente público, ainda que restringindo-se ao disciplinamento do
indivíduo. Temas como moralidade, imparcialidade e publicidade, que ainda hoje balizam
a administração pública brasileira (art. 37, CF/88), constituirão o foco desses textos. Os
tratados políticos que na Idade Média buscavam aconselhar o regente como se comportar,
ser aceito pelos súditos, amar a Deus e reproduzir Sua vontade e moral, serão atualizados
ao buscar criar “arte de governar” o Estado e a si mesmo (Foucault, 1999b).
Grande parte dessa mudança veio em contraposição ao divisor de águas que foi a
publicação d’O Príncipe de Maquiavel
61
. Nele, a posição do príncipe era de singularidade
e exterioridade a seu reinado devido a seus laços serem “sintéticos”, sem conexão natural
e jurídica com o povo e território. Como corolário, a função do príncipe seria a de proteger
sua posição de modo pragmático e com moral relativizada, não mais regida por princípios
“superiores”. A marca da governança será a descontinuidade. “É isto que a literatura anti-
Maquiavel quer substituir por uma arte de governar. Ser hábil em conservar seu
principado não é de modo algum possuir a arte de governar”. (Foucault, 1999b, p. 165)
O foco desses textos anti-maquiavélicos residia na introdução da economia, em sua
acepção original de oikos [casa] nomos [gestão], no exercício político. A visão de um
Estado gerido como uma família – gerido patriarcalmente por um monarca e seus asseclas
_______________________________________
60
Esses são os antigos costumes e códigos morais implícitos que que regulavam as práticas privadas,
políticas e militares da Roma Antiga e que Sêneca busca resgatar em uma época em que Roma era vista
como uma sociedade corrompida, em franco declínio moral e de costumes.
61
Em Portugal, até metade do Setecentos, a leitura de Maquiavel foi proibida devido ao grande interesse
suscitado pelo autor florentino. Em carta, D. Vasco Luís da Gama relata, com pesar, o interesse de nobres
portugueses que liam Maquiavel “sem licença nem escrúpulo”. Mesmo religiosos com autorização para ler
livros proibidos pela Inquisição não podiam portar obras de Maquiavel. Seus escritos deviam ser guardados
“em segredo e fechados à chave para não passarem às mãos de outrem [...] acusava-se o autor de colocar
os interesses dos príncipes acima da religião e dos súditos”. (Monteiro e Dantas, 2014, p. 2) Bluteau irá
consagrar o vocábulo “maquiavelista” em seu dicionário como quem segue a doutrina “de perniciosos
dogmas” de um filósofo que “caiu em miséria” e “sem religião alguma”. (Bluteau, 1728, p. 234)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 277
– é essencial para se entender como países como Portugal e Espanha irão compreender a
relação entre o bem público e o privado, corrupção e paternalismo, gerando efeitos
duradouros inclusive na organização institucional e no imaginário brasileiro.
Conflitos entre organização medieval e o desenvolvimento do capitalismo na
gestão do bem público e a influente vertente orgânica da corrupção e do corpo
O Estado começava a ser visto como um todo orgânico em que cabia à cabeça reger
o resto do corpo em todas as suas atribuições. A cabeça, dotada de razão e empatia, era
representada pelo monarca e entre suas principais funções estava prevenir corrupção
desse corpo – econômica, política e moral – para garantir sua sobrevivência e
prosperidade/crescimento. A união entre as duas vertentes (corrupção da saúde e do
Estado) passou a ter crescente influência.
O escritor português Diogo do Couto ao descrever os territórios portugueses na
Índia utilizará termos ligados à medicina para descrever o problema/doença e receitar os
remédios, que cabiam ao rei, no caso o médico, aplicar: “porque já na Índia não há cousa
sã: tudo está podre e afistulado, e muito perto de herpes; e, se se não cortar um membro,
virá a enfermar todo o corpo e a corromper-se” (Couto, 1937, p. 90).
Entretanto, a solução não era tão simples. A administração ibérica ainda passava
por uma fase de transição, com fortes resíduos feudais, sendo uma de suas bases a relação
privada de lealdade e honra entre o rei e os nobres, normalmente os escolhidos para altos
cargos administrativos. Para muitos, como Diogo do Couto, a falta do mérito como um
dos critérios de escolha era principal causa da corrupção e decadência do Estado e
colônias.
A ambição desenfreada que emergia das promessas de fortuna em alguns dos
territórios ultramarinos levou ambos os governos ibéricos, com dificuldades, a buscarem
legislar sobre o enriquecimento lícito e ilícito. Questões como formas legítimas de
enriquecimento, nobreza e meritocracia foram debatidas por vários estratos da sociedade.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 278
Ficaram conhecidas as obras de soldados sobre a ambição e falta de honradez das
autoridades nas Índias que buscavam o enriquecimento. Questionavam a escolha dessas
autoridades em que se privilegiava o critério do sangue e alianças ao invés do mérito
62
.
Assim, se, por um lado, as críticas se apoiavam num ideal heroico (importante
representação do imaginário anticorrupção até hoje) cavalheiresco em declínio, que
buscava a honra e fama em atos grandiosos de bravura e num código de conduta antiquado
– vide Dom Quixote. Por outro, os nobres que recebiam as críticas também não
compreendiam a tentativa de racionalização do Estado. Para eles, as reformas
anticorrupção que pediam por maior transparência em suas ações e em seus bens eram
indecorosas a sua posição. Entendiam que seu status, advindo de laços pessoais com o
próprio soberano, garantia-lhes a completa confiança do rei que representavam, não
podendo serem reduzidos a meros subalternos. Essa posição em muito se assemelha a
posição de altos burocratas e políticos durante o Império (que herdarão o sentido de
“homens bons”), na República Velha e, mesmo, contemporaneamente.
Já no teatro e poesia palacianos a crítica centrar-se-á na corrupção moral e de
costumes advindas desses nobres que “nada respeitavam”. Francisco de Sá de Miranda,
um dos maiores poetas portugueses e amigo de D. João III, atacará a nobreza portuguesa
que nada queriam senão vilipendiar o reino para, depois de saciados, voltarem às suas
terras. O autor denunciará a corrupção do bem público pelo patrimonialismo do nobre
português e a decadência moral dessa classe que preferia a luxúria ao bem comum,
prevendo um futuro sombrio à Metrópole.
A mesma crítica pode ser encontrada no Cancioneiro Geral (1516) de Garcia de
Resende – compilação de mais de mil poemas de poesia palaciana dos séculos XV e XVI.
Lisboa será descrita como eivada de corrupção generalizada e cancro corruptor de todo o
Estado por nela habitar esses homens (e.g. Poema 57, vol. 1), que serão punidos por Deus
devido às suas atitudes corruptoras da moral e costumes (e.g. Poema 142, vol. 1).
Tendo em vista a transição político-econômica e de costumes, a corrupção não deve
ser vista como característica de um Estado português desorganizado como eminentes
_______________________________________
62
Obras como O Soldado Prático, de Diogo do Couto (escrita no início do século XVII); Primor e honra da
vida soldadesca no Estado da Índia, de Antônio Freire (1630); e Reformação da milícia e governo do estado
da Índia oriental, de Francisco Rodrigues Silveira (1621); todas, falam sobre os problemas de corrupção e
degradação do Estado português na Índia, focando na crítica à má administração regida pela cobiça,
incompetência e corrupção – em seu sentido político, moral e econômico.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 279
intelectuais a retrataram como Sérgio Buarque de Holanda (1995); Caio Prado Jr. (2013);
Raymundo Faoro (2012); e Charles Boxer (2002)
63
. Ao contrário,
indica a força de um modelo que comportava em seu interior inúmeras forças
que produziam um direito legítimo, incumbindo ao monarca o papel de árbitro
das diferentes tensões em torno da interpretação da lei. Dada a
indissociabilidade entre o poder político do príncipe e uma justiça virtuosa era
imprescindível que a engrenagem funcionasse de forma adequada. (Conceição,
2021, p. 136)
Na prática, como afirma diz Stuart Schwartz (1979, p. 63), para que a administração
“funcionasse adequadamente” dever-se-ia tratar a corrupção como uma prática ilegal,
mas tolerável até certo ponto – o sistema de spoil system de Charles Boxer.
[Os administradores da colônia estavam] envolvidos em negócios ilícitos até a
raiz dos cabelos. [Eles são] exemplos concretos dos limites de tolerância no
Império, dos meandros do spoil system, do enraizamento, em nível local, das
redes clientelares que se teciam em Lisboa. (Souza, 2006, p. 18)
A corrupção era aceitável, até certo ponto, para altos administradores reais e,
também, utilizada, como instrumento de enraizamento do Estado português nas
sociedades coloniais. Assim como ocorria na Roma Antiga em que o largitio era uma
política de Estado para influenciar territórios ocupados; na Europa Moderna, Portugal
também utilizava a corrupção como estratégica política. Entretanto, a distinção é que
devido ao caráter religioso/moral da legitimação do monarca, tal prática não podia ser
abertamente idealizada como política de Estado.
Essa distinção entre prática e teoria administrativa-legal fez com que poucos
realizassem a importância da corrupção como forma de administrar o Estado português.
Nesse sentido, Novais (1989) inova ao entender a corrupção, em especial o contrabando,
como instrumento econômico intrínseco à inserção portuguesa no comércio ultramarino.
Entretanto, devido ao seu enfoque influenciado pela vertente dialética marxista entre
_______________________________________
63
Caio Prado Jr., por exemplo, em Formação do Brasil contemporâneo (1942), dirá que a administração
portuguesa era “lamentável”: desorganizada, ineficiente, cara, não especializada e corrupta – em que o
público e o privado não se distinguiam. Para Laura de Mello e Souza (2006: 37) essa visão é anacrônica,
pois Prado Jr. busca compreender o sistema monárquico metropolitano português pelos olhos de quem
analisa o Estado Liberal moderno, racionalizado de acordo com sua própria lógica. Em verdade, tratava-se
de um modelo administrativo em formação e reformulação que tinha como função principal, em relação às
colônias, sua exploração comercial, desqualificando, assim, críticas em relação à suposta “inabilidade”
portuguesa em “criar algo original”, em nível estrutural, no Brasil, quando as mudanças eram, no máximo,
singulares – erro também encontrado em Sérgio Buarque de Holanda (1936) e Raymundo Faoro (1958).
Por outro lado, Gilberto Freyre dirá que a organização administrativa se adaptou ao ambiente da colônia,
determinado pela organização familiar-patriarcal, o que também seria erro afirmar. Por fim, Charles Boxer
(2002) ao analisar o Império português utilizou de escritos quinhentistas para justificar certo “atraso cultural
português” em que toda a sociedade seria corrupta ou corrompida, afetando a administração das colônias
(Cf. Souza, 2006, Cap. 1; Ribeiro, 2017, Cap. 1).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 280
dominante/dominado, Novais compreenderá a dinâmica entre colônia e metrópole apenas
pelo viés da exploração comercial do exclusivo metropolitano, relegando, em sua análise,
os fatores culturais e políticos a lugar secundário para entender a formação social e,
mesmo, as dinâmicas político-econômicos. Com Novais, a corrupção não ocupa, para além
de instrumento de inserção econômica, o seu devido lugar de influência na formação
institucional, social e político-econômica portuguesa e brasileira. Assim, naquela época,
[Lidar com a corrupção] dependia das questões fundamentais de distribuição de
poder e riqueza para definir a relação entre governo e sociedade política. Isso não
necessariamente impediu o desenvolvimento de um ethos de ofício baseado na
lealdade, integridade e responsabilidade, ou a formulação de legislação para ação
governamental, mas condicionou seus efeitos práticos e criou um espaço de nuance
e contradição que só poderia ser descrito, aproximadamente, como tolerância de
corrupção para pequenos atos (Faria, 2018, p. 32)
Um exemplo da pouca tolerância com grandes atos de corrupção foi após a
descoberta de ouro e diamante em Minas Gerais em que o controle real devido à
importância econômica dessa região foi muito mais rigoroso que em qualquer outra parte
da colônia. Ainda assim, mesmo a região mais controlada, a de diamantes, casos de
corrupção ainda preocupavam a corte e a elite portuguesa. Mesmo com fortes regulações
e com tomada da administração ao governo Real, não foi possível controlar a corrupção,
em grande parte pelos motivos já expostos:
[Mesmo com as restrições de trabalho] abriu-se a porta a toda a espécie de
fraudes [...] e a este engano fechavam os olhos os agentes do Governo, que
recebiam a paga com uma mão e a peita com a outra. Fizeram os contratadores
presentes a homens que tinham influência na Corte [...] até cerca de 1772,
quando o Governo determinou tomá-las em mãos [...] Era tempo de reformar
abusos e de pôr este rico distrito debaixo de melhores regulamentos; mas
descuidaram-se disso; o prejuízo trinfou da prudência e o manejo foi
encarregado a homens que não entendiam os interesses reais do
estabelecimento ou, o que é mais provável, se achavam tão restritos em sua
autoridade que não os podiam seguir. (Correio Braziliense, Londres, 1812)
Visando impor limites, Portugal irá, em seus Códigos, dar atenção especial ao tema,
sendo este o único objeto de lei em que se decidiu por não compilar leis anteriores, exigindo
a inovação em lei específica. Ao mesmo tempo que buscava impor limites ao agente
burocrata, Portugal tentava educá-lo, “garantir sua virtude” e, por conseguinte, do reino e
d’El-Rei – não à toa este ser um dos poucos capítulos das Ordenações Afonsinas de retórica
claramente moralista. O mesmo acontecerá com os dois próximos Códigos que afetaram
diretamente a organização da estrutura legal portuguesa e brasileira: as Ordenações
Manuelinas (1512) e as Ordenações Filipinas (1595) que vigeu no Brasil até a
promulgação do Código Civil Brasileiro em 1916 (Lei 3.071 de 1916). A única clara
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 281
diferença entre essas duas Ordenações era de punibilidade: à medida que o Império
português crescia, também as penas ficavam mais duras para grandes atos de corrupção
64
.
É interessante que nesses códigos Portugal tenha às vezes mais se preocupado em
punir os agentes de Justiça que aceitavam peitas que o corruptor, trato diferente do dado
aos administradores, mesmo que velado. O Código expressamente previa penas mais
brandas, ou mesmo a não punição ao infrator que se arrependesse e denunciasse o juiz
corrompido, uma espécie de delação premiada – algo institucionalizado no Brasil em 2013.
A vertente religiosa como legitimação do regime e do governante
A vertente religiosa será a que mais permeará o “discurso anticorrupção moderno
brasileiro” devido à sua capacidade de adaptação à vertente liberal. Muitos dos escritos
da época buscavam não condenar as posses, mas o modo utilizado para as obter. Para
eles, a ambição deveria ser vista como fator benéfico à alma, mas que se opunha à
ganância e avareza. Elas é que corrompem o homem, pobre ou nobre. Esses textos
utilizarão diversos trechos da Bíblia, devido ao seu caráter pragmático-normativo, como
fontes de validação argumentativa e normativa
65
.
Se cabia ao rei aplicar a Justiça divina e escolher os administradores, muitos
começaram a o culpar como responsável direto pela corrupção da Metrópole e colônias
66
e, pior, acusavam-no de não exercer seu dever monárquico, imposto por Deus, de proteger
_______________________________________
64
E.g. nas Ordenações Manuelinas, a pena mínima era o degredo de 5 anos, além da perda das posses e
ofícios. Para quantias maiores e ofícios mais altos, o degrado seria para sempre à Ilha de São Tomé, além
de outras penas como perda de ofício e posses. Se acima de dois marcos de prata a pena seria de morte. Já
o oficial que não fosse juiz, a pena seria ao menos o pagamento de 30 para 1 da quantia recebida, metade
paga à Coroa e a outra metade a quem o denunciou. (OM, Livro V, Título LVI)
65
Entre os trechos bíblicos mais explícitos sobre corrupção e mais citados estão Miquéias 7.2-3 “Os
piedosos desapareceram do país; não há um justo sequer. Todos estão à espreita para derramar sangue; cada
um caça seu irmão com um laço. Com as mãos prontas para fazer o mal, o governante exige presentes, o
juiz aceita suborno, os poderosos impõem o que querem; todos tramam em conjunto.”. Êxodo 23.8
“Também suborno não aceitarás, pois ele cega os que têm vista, e perverte as palavras dos justos”. Isaías
5.22-23 “ai dos que...justificam o ímpio por suborno, e ao justo negam justiça”. Provérbios 17:23 “O ímpio
aceita às escondidas o suborno para desviar o curso da justiça”
66
“Em 1661, o provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, Lourenço de Brito Correia, escreveu ao rei,
pedindo que enviasse para a América bons ministros, “para que tudo não seja tirania, interesses, e aumento
da fazenda própria, em grande prejuízo dos vassalos de Vossa Majestade”. Em termos semelhantes, a
Câmara do Rio de Janeiro se dirige ao monarca: “pela glória de seu trono, felicidade e amparo dos vassalos,
pede e clama seja servido dar eficazes providências na escolha de homens para o governo desta terra”
(Romeiro, 2017, p. 159)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 282
o povo (Salmos 82.2-5, Isaías 1.23)
67
. Como disse Couto: “sabe de que me escandalizo é
de que os reis hão de dar grande conta a Deus”; e termina por realçar a impunidade do
administrador: “mas como sabem que tudo passa por alto, e que o mais que vos fazem é
prender-vos na vossa quinta, nada vos dá de nada: não temeis ao rei nem a Deus” (Couto,
1937, pp. 111-112).
Os contornos políticos dessa crítica eram claros. A legitimidade divina dos reis
começa a ser questionada e o principal argumento será a corrupção do cargo ocupado.
Teorias contratualistas e teorias teológico-políticas, como a de Francisco Suarez da
Escola de Salamanca, irão colocar boa parte de responsabilidade (direitos e deveres a
serem cumpridos) no monarca, prevendo hipóteses em que o soberano poderia ser
deposto: quando o bem comum e a preservação da Justiça fossem corrompidos
68
. Um
embrião do argumento do impeachment por corrupção.
A luta contra o príncipe, se ele for o agressor, não é intrinsicamente má. [...]
Essa conclusão é válida somente quando o líder é um tirano. O motivo é que,
por ser um tirano, ele é o agressor, lançando uma guerra e nos comprometendo
contra o interesse público e contra cada um dos membros da comunidade; tendo
todos o direito à defesa. (Suarez, 1584, DB, tópico 8.2)
Muito mais críticos à moral, justiça e ao rei serão os poemas produzidos no Brasil
colônia, como, por exemplo, por Gregório de Matos. Tomando a Bahia como um corpo,
dotado de físico e moral, o poeta irá fazer um Juízo Anatômico da Bahia em que não só
a Bahia, mas, por extensão, toda a colônia será retratada como um ente sem honra, falso,
corrompido. Apenas um negócio à Metrópole, com uma Justiça “bastarda, vendida,
injusta” dada ao Brasil pelo rei. (Matos, 1996, p. 6)
69
. A justiça d’El-Rei era retratada
com ironia pelo poeta por favorecer injustos e manter o estado de corrupção na colônia.
70
_______________________________________
67
Salmos 82.2-5 “Até quando defendereis os injustos, e tomareis partido ao lado dos ímpios? Defendei a
causa do fraco e do órfão; protegei os direitos do pobre e do oprimido. Livrai o fraco e o necessitado; tirai-
os das mãos dos ímpios. Eles nada sabem, e nada entendem. Andam em trevas”. Isaías 1.23 “Os teus
príncipes são rebeldes, companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno, e corre atrás de presentes.
Não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas”
68
Para Suarez, por exemplo, era permitido se insurgir contra um rei que prejudicasse o bem comum do
povo para obter ganhos próprios. Nesses casos, o governante agia como um tirano; meros meios para um
fim privado. Conferir as seções 4 e 8 da Disputatio XIII et Ultima: De Bello, encontrado no Tractactus
Tertius: De Charitate parte da Obra Omnia publicada em 1584 e, republicada em íntegra em 1856-1878)
69
Que falta nesta cidade? -Verdade. Que mais por sua desonra? - Honra. Falta mais que se lhe ponha? -
Vergonha. [...] Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. Quem a pôs neste socrócio? - Negócio.
Quem causa tal perdição? - Ambição. E o maior desta loucura? - Usura. [...] E que justiça a resguarda? -
Bastarda. É grátis distribuída? - Vendida. Que tem, que a todos assusta? - Injusta. Valha-nos Deus, o que
custa que El-Rei nos dá de graça, Que anda a justiça na praça Bastarda, vendida, injusta.
70
E.g. Décimas: “Se o tal Paternidade rouba as rendas do Convento para aludir ao sustento da puta, como
da peita, com que livra as suspeitas, do Geral, do Viso-Rei: esta é a justiça que manda El-Rei” (Matos,
1996, p. 17).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 283
Estudar a “arte da gestão”, buscar o bem público, racionalizar a administração
pública e prevenir a corrupção nunca foi tão importante. Conceitos de tirania e bem
comum contrapõem-se a interesses particulares, injustiças e corrupção, formando o
arcabouço de um discurso político de responsabilização do rei e suas decisões frente ao
povo, fornecendo as bases de um discurso anticorrupção moderno, inserido em nova
ordem econômica, política e moral. Como fica claro em editorial de 1821 do jornal
Correio Braziliense, escrito em Londres, sobre as indicações reais à administração:
Medidas arbitrárias [...] [são] de perniciosas consequências, pois dela se segue
que os que assim compram os ofícios por força hão de esfolar o povo para ter
com que pagar a peita, por meio do qual obtém esses ofícios. (Correio
Braziliense, Londres, 1821, p. 463)
Império: adaptações discursivas, o favor e a barganha como ascensão social e o
redesenho, parcial, da burocracia.
Com a Independência e o Império pouco mudou em relação aos discursos sobre
corrupção. O rei, apesar de poderes mais limitados, pois era regido por uma Constituição,
ainda era visto como o Poder Moderador (“Defensor Perpétuo do Brasil”, art. 4, CI 1824):
a figura incorruptível capaz de direcionar, inclusive moralmente, o país e o povo. Os
políticos eram os “bons homens”, uma derivação da classe nobre, suposta casta de raça e
moral superior ao povo e à grande massa de escravos e indígenas. Também no caso do
ordenamento legal específico à corrupção, pouco mudou.
Em relação à vertente da corrupção do erário pouco se falava em jornais ou por
críticos, em parte devido ao patrimonialismo reinante, ao sistema político excludente e ao
liberalismo de fachada adotado nos discursos políticos e nos textos da intelligentsia
brasileira
71
. A gestão do Tesouro, quando criticada, será, na maior parte das vezes, não
por corrupção por parte do Imperador ou de seus gestores, mas por discordância em
relação às ações – ao menos no nível do governo central.
Mesmo o Brasil tendo sido o país com o molde mais conservador de independência,
com as bases político-econômicas num sistema monárquico e escravagista, ainda assim
_______________________________________
71
Para além das vertentes ligadas à corrupção acima citadas, teremos presentes em jornais críticas à
corrupção moral da sociedade em relação à determinados jornais e peças de teatros, ou seja, debatia-se os
limites da liberdade de opinião. O trecho abaixo faz parte de uma série de cartas e colunas sobre o papel do
teatro e de certos jornais na década de 1840: “Abra o contemporâneo os Tristes de Ovídio [...]:
“Desenganemo-nos por uma vez: dos teatros só podem nascer sementes de corrupção. Fora com todos
eles!” [...] Finalmente em algumas cartas de Sêneca, diz grande filósofo a respeito dos espetáculos [...]:
“Nada me parece tão nocivo quanto frequentar os teatros. Que quereis que vos diga? Venho de lá mais
avarento, mais ambicioso, mais luxurioso” (Jornal do Commercio, 22/01/1840, p. 2)”
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 284
ele fazia parte de uma mudança continental em que o sistema colonial era gradualmente
substituído pelo modo de organização social e político constitucional burguês e pelo
sistema econômico capitalista. Enquanto buscava-se passar a ideia de um Estado moderno
seguindo os exemplos de nações liberais, a maior parte da população encontrava-se fora
da arena pública, os escravos ainda estavam sob a chibata e os não-proprietários tinham
que “civilizar” a arte da barganha, do favor e do clientelismo, em especial no que tange
à administração pública.
Exemplos históricos e literários sobre a barganha e favor no Império são vários. Em
obras de Machado de Assis como Helena (1876) e Dona Iaiá (1878), as protagonistas são
cientes de sua posição numa sociedade excludente e patriarcal como o Brasil imperial,
sendo necessário, para alcançar certos objetivos, civilizar as práticas do favor. O mesmo
ocorre em Memórias de um Sargento de Milícias (1852), de Manuel Antônio de Almeida,
em que Leonardo é solto e alcança o posto de Sargento, somente quando Major Vidigal –
representante da lei e ordem – recebe “a troca de favores/afetos” com a antiga namorada.
O exemplo histórico mais emblemático, que conjuga não só esse aspecto, mas o
arranjo político e sua ligação com a administração pública, é o de Antonio Nicolau
Tolentino (1810-1888).
A comparação fica ainda mais substantiva quando pensamos nos romances da
chamada segunda fase machadiana, na qual as boas intenções da primeira dão
lugar à certeza quanto ao caráter antissocial da classe dominante brasileira. Esta
aparece com toda a sua crueza num episódio central da carreira de Tolentino.
Aqui está um tema importantíssimo e ainda pouco explorado pela historiografia
do Império: o conflito entre os presidentes de província, nomeados pelo poder
central, e as Assembleias, que representavam os mais encarniçados interesses
regionais. (Ohata, 2007, p. 213)
Patrimonialismo, favor e genrismo no funcionalismo público e as dificuldades de
reformas
O funcionalismo público é uma chaga que devora as rendas públicas, escreveu
o visconde do Uruguai em 1862. "O funcionalismo é um cancro que devora e
aniquila as forças do país", ecoou Castro Carreira em 1889. Uma casta inútil de
funcionários e doutores suga os cofres da nação, continuou Tobias Monteiro
em 1916. O erário, a administração, a nação são um animal multimâmico "de
cujos peitos se dependuram, aos milhares, as crias vorazes (...) para cuja gana
insaciável não há desmame", esbravejou Rui Barbosa em 1920. A burocracia é
um estamento que desde as origens do país se contrapõe aos interesses da
nação, completou Raymundo Faoro em 1958. (Carvalho, 2002)
Assim, apesar de a Constituição Imperial de 1824 garantir o Poder Moderador ao
Imperador, em realidade ela transferiu boa parte das decisões relativas à gestão do Estado
e ao bem público à Assembleia Nacional, como a organização da administração público,
a decisão sobre o orçamento e a regulação dos bens nacionais.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 285
Como vimos, uma das vertentes mais críticas dos colonos em relação à Portugal era
em relação aos privilégios da nobreza na administração. Ainda que os privilégios tenham
continuado e a carreira pública fosse quase que inatingível ao cidadão comum, a
Constituição determinou que privilégios e títulos de nobreza não eram mais critérios de
admissão, ressaltando a meritocracia como elemento principal (art. 179 XIV e XVI)
72
.
Em verdade, a burocracia imperial não era tão grande, nem custosa ao erário, como
muitos discursos da época afirmavam. Mesmo no período de expansão, já no meio ao
final do Império, o funcionalismo não chegava a 79 mil pessoas (governo central,
províncias, municípios, padres e militares), em uma população de 10 milhões de pessoas,
com uma burocracia altamente concentrada no governo central (70%) e consumindo
apenas menos de 60% da receita (Carvalho, 2002).
Sendo uma burocracia fortemente concentrada no governo central, ficava claro sua
importância político-econômico, em que interesses particulares buscavam se sobrepor
contra qualquer tentativa de racionalização e modernização.
Em análise da vida do burocrata Antonio Nicolau Tolentino feita por Antonio
Candido (2007) vemos como conviviam a idealização de um país em mudança,
consubstanciado na busca por uma modernização na gestão do Estado, com a realidade
patrimonialista, apegada ao passado de privilégios e excludente que quase o levou à
derrota. “[Naquela época,] o progresso era desejável e existia, mas era considerado de um
ângulo objetivo que o relativizava” (Ohata, 2007, p. 212).
Tolentino (1810-1888), vinha de família humilde, saiu da pobreza por esforço
próprio, sendo reconhecido, apadrinhado e defendido publicamente por altas
personalidades do período, como Caxias, Mauá e Rio Branco. Entretanto, apesar de seus
méritos, para alçar cargos maiores e evitar embaraços, teve de fazer vistas grossas à
corrupção, ter o tino de esperar o momento oportuno a agir, adotar resignação ao ser
atacado injustamente e ter arranjado a si um bom casamento com mulher da elite.
Esse último ponto era prática comum apelidada na época de genrismo, em que
homens de posse, mas de pouca educação, buscavam homens jovens de famílias
modestas, mas que fossem aplicados, inteligentes e de talento para esposar suas filhas:
“O próprio visconde do Uruguai era filho de médico, nascido em Paris, sem conexões
_______________________________________
72
“Art. 179, XIV. Todo o cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares,
sem outra diferença, que não seja dos seus talentos, e virtudes”. E “Art. 179, XVI. Ficam abolidos todos os
Privilégios, que não forem essenciais, e inteiramente ligados aos Cargos, por utilidade pública.”
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 286
familiares importantes. Talento e amizades certas o levaram a casamento com a filha de
um fazendeiro fluminense, dando-lhe a base social de que precisava” (Carvalho, 2002).
Tolentino encontrava-se em momento inflexivo em que se buscava modernizar a
administração pública pós-1850. Entretanto, as duas vezes em que teve a carreira
ameaçada foi quando assim buscou assim fazê-lo e foi parado pelo patrimonialismo. A
primeira em 1857, quando presidente da Província do Rio de Janeiro, buscou aplicar
reforma administrativa já aprovada pela própria Assembleia que reconhecia como
irracional a falta de continuidade administrativa a cada mudança política.
Tolentino empenhou-se na tarefa, tentando racionalizar o expediente, acabar
com as sinecuras e estabelecer critérios para os gastos, tudo em linha com a
impessoalidade da norma que vale para todos. Logo um deputado protestou,
soltando uma declaração auto incriminatória: “S. Exª. veio para a Província e
veio resolvido a acabar com todos os abusos ante os quais tinham-se quebrado
a força do prestígio dos srs. Marquês de Paraná e Visconde de Sepetiba”
(Ohata, 2007, p. 213).
Sem o apoio do Gabinete e encurralado pela Assembleia, Tolentino pede demissão.
Anos depois, quando em cobiçado cargo na Alfândega, Tolentino busca reformar o
sistema burocrático alfandegário e coibir casos de corrupção. Será imbricado num deles
e pedirá demissão – escrevendo vasto livro em que se defende e faz acusações ao
imobilismo e corrupção presente no sistema administrativo-político brasileiro. Seu
reformismo que, como diz Candido, pode ser visto como marca do idealismo e
radicalismo da classe média, encontrou-se com a desfaçatez e patrimonialismo das elites.
Como conclui José Murilo de Carvalho:
O exame do caso de Tolentino e de outros semelhantes revela a natureza
ambígua do sistema. A tradição patrimonialista e a sociedade com escassas
oportunidades de mobilidade social ascendente valorizavam o emprego
público, sobretudo na corte, como fonte de renda, de status e de poder. O
emprego público tornava-se moeda indispensável de troca política. Por outro
lado, o sistema político estável e excessivamente centralizado permitia estreita
supervisão do chefe de Estado sobre a formação e a ação da elite política. Parte
dessa elite tinha os pés em dois mundos, o mundo do ideal europeu de
civilização e o mundo da sociedade escravista e patrimonial. O liberalismo
tinha que ser compatibilizado com o escravismo, o interesse público com o
privado, a racionalidade da administração com o clientelismo, o mérito com o
empenho. Uma das saídas era criar ilhas de mérito no serviço público,
utilizando, ironicamente, os mecanismos do patronato. A estabilidade do
sistema e a complexidade das redes de proteção, abrangendo os dois partidos,
permitiam que essas ilhas sobrevivessem às constantes mudanças de governo
permitindo que se desenvolvesse, nas palavras de Antonio Candido, "um
serviço público provavelmente singular na América Latina". (Carvalho, 2002)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 287
Transição e República Velha
Com a transição à República, algumas vertentes irão gradualmente perder espaço
no imaginário coletivo, mas sem, obviamente desaparecer, muitas vezes moldando-se às
novas circunstâncias, como foi o caso com o debate sobre “nobreza” e inviolabilidade,
controle e publicidade de seus atos; e a função “moralizante” do monarca. Nesse
momento, a sociedade brasileira passava pelo que Evaristo de Moraes chamou de “uma
era de experiências [...], um porre ideológico”
73
graças à variedade ideológica dos debates
e projetos de nação, especialmente nas universidades e no campo político. O tema da
corrupção adotará um tom mais “científico”, graças a influência na academia de teorias
positivistas, de Comte, e naturalistas, de Taine, advindas da Europa que buscavam
compreender o indivíduo e sua relação com o todo, aliado à ideia de “progresso”.
A predominância da vertente da agenda anticorrupção racial e “civilizacional”
na política e academia brasileira
Corrupção será entendida pela ideia de doença do corpo social, sendo a função da
agenda anticorrupção diagnosticar a doença e prevenir a infecção deste todo. Entretanto, o
foco dessa época, do “novo país” que se queria liberal, civilizado e moderno não era a
corrupção do erário ou da Justiça, mas a corrupção social e do processo civilizacional. O
público-alvo desses discursos era extremamente restrito - devido à forma pouco democrática
de governo - à alta intelectualidade, políticos, elite econômica e altos funcionários públicos,
muitos com formação intelectual similar na chamada “República dos bacharéis”.
Autores como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Franco da Rocha, parte da chamada
geração positivista do período da Belle Époque brasileira (1898-1914), estavam
preocupados em compreender e defender a “pureza” da parte civilizada da população
contra a influência “degenerada/corruptora e corrompida” de outros setores como a
afrodescendente, recém liberta, e que teria de ser, de uma forma ou de outra, integrada à
sociedade, e de miscigenados.
Esse estilo biomédico de se compreender a sociedade associado ao pensamento
positivista e neodarwinista de evolução social, baseado nas teorias do inglês Herbert
_______________________________________
73
“Na realidade, aqueles foram anos de um verdadeiro porre ideológico. [...] de fato, havia de tudo:
comunistas, integralistas, pátrio-novistas, social-democratas, socialistas, liberais, positivistas... Até a
instauração do Estado Novo, havia muita liberdade, muito debate, uma atmosfera idealista que nos
empurrava à elaboração de ideias” (Morel, 2015, p. 300).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 288
Spencer, criou a percepção de que sociedades podem regredir e degenerar quando em
contato com elementos corruptores. Os intelectuais dessa época veem no Brasil “a mais
temida e comumente mais diagnosticada doença da virada do século na Europa, a
degeneração” (Borges, 1995: 59, tradução nossa).
Seguindo escritos antropológicos europeus que entendiam sociedades africanas
como primitivas, limitou o modo que a intelligentsia brasileira compreendia as expressões
culturais e as influências afrodescendentes
74
.
Descendendo das flores da nobreza peninsular para aqui transplantada,
medalham-se todos pelo tipo medieval do cavaleiro, cheio de hombridade e
pundonor. No meio da corrupção colonial, [...] eles guardam as belas
qualidades peninsulares, o espírito cavalheiresco, o culto da honra, o amor das
aventuras e aquela “portuguesa alta excelência de lealdade firme e obediência”.
Enquanto as classes inferiores [...] degradam-se pela corrupção, pela miséria,
pela ociosidade, pela poligamia intensa, e perdem, pela mestiçagem, a pureza
de sangue e de caráter, eles se conservam puros e estremes, mantendo, intactas,
as qualidades nobres e heroicas da raça. (Vianna, 1952, n.p.)
Por sua vez, essas teorias tiveram impacto decisivo na elite político-econômica
brasileira, responsável pela elaboração de políticas públicas de imigração visando o
“branqueamento” da sociedade brasileira para conter a “corrupção da sociedade e do
processo civilizatório”.
75
Em regra, o que chamamos mulato é o mulato inferior, incapaz de ascensão,
degradado nas camadas mais baixas da sociedade e provindo do cruzamento do
branco com o negro de tipo inferior. Há, porém, mulatos superiores, arianos
pelo caráter e pela inteligência ou, pelo menos, suscetíveis da arianização,
capazes de colaborar com os brancos na organização e civilização do País. São
aqueles que, em virtude de caldeamentos felizes, mais se aproximam, pela
moralidade e pela cor, do tipo da raça branca. (VIANNA, 1952: n.p.)
A reprodução dessas teorias foi clara nas elites, como podemos ver num dos mais
tradicionais e influentes jornais do Brasil, OESP e, especialmente, no livro de seu mais
influente proprietário, Júlio de Mesquita Filho. Em A Crise Nacional (1925), Mesquita
não se preocupará primariamente com corrupção ao erário, ou crises políticas. Para ele, a
_______________________________________
74
In the guise of criminology, the psychiatry of influences shaped social science reinterpretations of the
menace of Brazil's African heritage. The topic of the bad influence of slaves on the Brazilian family was a
perennial; even abolitionism had used it as a perverse argument that slavery should be ended before immoral
slaves could corrupt more families. But after abolition in 1888, white Brazilian intellectuals shifted their
tone in discussions of Black Brazilians, who no longer slaves now became "Africans" an alien and polluting
presence (Borges, 1995, pp. 62-63)
75
O livro Populações Meridionais no Brasil, de Oliveira Viana, é uma síntese desse pensamento: “Essa
famosa corrupção de costumes [...] tem o campo das suas devastações quase que inteiramente limitado às
classes inferiores. Toda a classe superior se esforça e luta, ao contrário, por manter intactas a pureza do
sangue e a pureza do caráter. Essa é a colocação social dos elementos brancos das bandeiras nas paragens
recém-descobertas. Essas bandeiras levam, porém, como elementos componentes uma escorralha de
mestiços de toda a ordem.”
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 289
raiz da crise nacional era a corrupção da moralidade nos costumes e, logo, política que o
país passava desde a abolição (opinião repetida em editoriais do jornal).
É interessante ver como a grande maioria dessas teorias, mesmo que advindo de
fontes liberais, tendem a enaltecer o “espírito nobre” do português que havia chegado à
colônia e resistido à corrupção para formar, no Império brasileiro, as bases da elite – que
se autointitulava branca – sob Dom Pedro II e da nova República.
Dom Pedro II, dizem, graças a sua educação e civilidade, conseguia congregar o
povo brasileiro a viver de modo harmônico rejeitando a “tendência autoritária” dos menos
educados (tidos como “semibárbaros” nesses textos). Entretanto – devemos atentar ao
tom médico –, com a abolição: “chegou a circular no sistema arterial de nosso organismo
político a formidável e impura massa de dois milhões de negros, subitamente dotados de
prerrogativas constitucionais” (Mesquita Filho, 1925). Esse “influxo inesperado de
toxinas” teria alterado a consciência nacional do ardor cívico para “demonstrar os sinais
mais alarmantes de decadência moral”.
Assim, se pudermos falar de preocupação e em medidas estruturadas, abrangentes e
pragmáticas de anticorrupção no Brasil Republicano, podemos dizer que a prioridade foi a
agenda da anticorrupção racial-civilizacional advinda de uma visão estreita do que seria a
sociedade brasileira, sendo as políticas de imigração uma de suas primeiras manifestações.
Ao mesmo tempo, essas teorias incentivaram a criação de perspectivas contrárias a
essa perspectiva de “corrupção da raça e da sociedade” a partir de 1920-30, levando, no
médio prazo, à significativa perda de relevância deste debate com estes termos.
Entre 1890 e 1940, intelectuais brasileiros respondendo aos debates científicos,
incluindo intelectuais literários e oponentes da ortodoxia científica, reverteram
sua avaliação do legado africano. Inicialmente, a maioria dos intelectuais
rejeitou a herança africano como sendo uma das mais perigosas e poluidoras
ameaças que deveria ser isolada ou silenciada. Entre 1920, eles mudaram sua
posição ao reconhecê-la como elemento intrínseco da cultura brasileira.
(Borges, 1995, p. 59)
76
Em Casa Grande & Senzala (1933), escrito como forma de reação contra os escritos
“científicos” da época, Freyre buscará demonstrar que há herança cultural mestiça que
forma o povo brasileiro e que não se trata de uma raça separada que corrompe outra.
_______________________________________
76
“Between 1890 and 1940, Brazilian intellectuals responsive to scientific debates including literary
intellectuals and opponents of scientific orthodoxy- reversed their evaluation of the African legacy.
Initially, most intellectuals rejected the African heritage as one of many dangerous and polluting social
menaces that should be isolated or smothered. Around 1920, they shifted towards acknowledging it as an
intrinsic element of Brazilian culture.”
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 290
[Freire tentou] demonstrar que não existia uma casta mais pura ou melhor na
colonização do Brasil, para defender sua tese de que brasileiros compartilham
uma herança cultural mestiça. As perguntas que permeiam digressivamente ao
longo do ensaio são "quem corrompeu quem primeiro?" (Ibid., grifo nosso).
77
No campo literário, teremos o embate entre essas posições. Enquanto em obras
como O Mulato (1881), O Cortiço (1890), O Bom Crioulo (1895), O Missionário (1891),
entre outras, teremos a retratação da corrupção entre grupos sociais, em que grupos
“trabalhadores e honestos” seriam corrompidos por outros, usualmente negros ou
miscigenados dotados de uma lassidão moral que levariam todos à ruína. Já a partir de
1920, teremos obras críticas ao sistema político-econômico da República e seus dirigentes,
descrevendo-os como corruptos e moralmente fracos, focando na arte de governar e na
incapacidade de separar o público do privado.
Lima Barreto, por exemplo, chega a creditar a corrupção não à raça, mas ao racismo
predominante na sociedade como um todo, em especial nas elites. Para ele, as ideologias
de exclusão e “purificação” social vigente na elite brasileira era influenciada por
“ideologias imperialistas” estadunidenses
78
(cf. Congresso Pamplanetário). Ao escritor,
a corrupção social não residia somente no preconceito racial, mas perpassava toda
sociedade brasileira.
Em As Aventuras do Dr. Bogoloff
79
, Barreto pinta um quadro nada favorável da
República, ressaltando a corrupção como característica principal:
Aqui o meu desprezo era total, era completo e por mais que me esforçasse por
ter alguma veneração pelos senadores, deputados e autoridades restantes, não
me era possível. Eu as tinha visto por assim dizer no nascedouro e sabia
perfeitamente como se faziam, o que representavam de fraude, de compressão
e corrupção. Conhecia-lhes, além do mais, a sua ignorância, a sua falta de
inteligência e a nenhuma sinceridade deles todos. [...] Para mim, era uma
sociedade de ladrões, de mistificadores, de exploradores, sem tradições, sem
ideias, disposta sempre à violência e opressão. (Barreto, 2021, p. 348)
Barreto mostra o quanto ele crê que políticos e a alta burocracia buscavam não
direcionar o país, mas apenas “serem sócios do governo”, buscar subsídios, tirar
_______________________________________
77
“[Freyre tried to] Demonstrate that there was no pure or better caste in the colonization of Brazil, to
defend his thesis that all Brazilians share a mestizo cultural heritage. The questions that meander
digressively through the essay are ‘who corrupted whom first?’”.
78
É inegável que a influência estadunidense no Brasil republicano era crescente não só ideológica, mas
economicamente. O desenho e organização institucional -burocrática buscava assemelhar-se cada vez mais
aos moldes estadunidenses, apesar de ainda encontrar resistências nas próprias instituições.
79
Nessa obra temos um estrangeiro que veio ao Brasil – um país que detesta, e que crê ser endemicamente
amoral – para fugir da miséria não importando a que custo moral.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 291
proventos. Que os pobres, explorados, eram subservientes, sem sentido de classe. Barreto
mostra como todos seriam corrompidos e corruptos de um modo ou de outro
80
.
[Neles não há] alguma coisa de pensamento, de ideal, de saber. [...] Eles
queriam os subsídios, os ordenados e as gratificações e a satisfação pueril de
mandar. Falavam em princípios republicanos e democráticos; enchiam a boca
de tiradas empoladas sobre a soberania do povo; mas não havia nenhum deles
que não lançasse mão da fraude, da corrupção, da violência, para impedir que
essa soberania se manifestasse. [...] De resto, esse povo do Brasil metia-me um
ódio terrível. Eram de uma fraqueza e puerilidade revoltantes. (ibid.)
A inação política em relação à corrupção econômica e o silenciamento parcial
visando preservar um ideal e a imagem da República
Um dos motivos da corrupção econômica não ter sido alvo nesse período de grandes
ações políticas devia-se ao caráter pouco democrático do regime republicano e de se tratar
de um sistema político-econômico em transição em que o sistema econômico e legal
estava sendo reformulado.
O capitalismo introduzia novo dinamismo na ordem econômico-política
internacional. Sua internacionalização introduzia novo modo de grupos sociais
experimentarem o tempo e o espaço e, consequentemente, o modo de organizarem-se nas
relações sociais, de trabalho, hierárquicas.
A economia capitalista, como não poderia deixar de ser, tornou-se global. Ela
consolidou essa sua característica de forma mais intensa durante o século XIX,
à medida que foi estendendo suas operações para regiões cada vez mais remotas
do planeta, transformando assim essas áreas de modo mais profundo.
Sobretudo, essa economia não reconhecia fronteiras, funcionando melhor onde
nada interferia na livre movimentação dos fatores de produção. O capitalismo
era assim não só internacional na sua prática, mas internacionalista na sua
teoria. (Hobsbawn, 2015, p. 73)
A República pode e deve ser vista, em grande parte, como um dos efeitos dessa
transição. Queria-se moderna, assim como nossa intelligentsia, queria ser vista à altura
de seus pares nos EUA ou na Europa. Para isso, era necessário alterar não só as raízes da
sociedade brasileira, vide a preocupação com a corrupção racial/social, mas também as
instituições políticas e sua relação com o público e as relações e modus operandi das
classes sociais e o trabalho nos moldes do liberalismo.
_______________________________________
80
É interessante a representação que Barreto fará do Barão do Rio Branco, político com maior crédito na
época. Em O Barão, as costureiras e outras coisas, o escritor descreverá Paranhos como um homem que
não distingue entre o bem público e privado. Que passa por cima de leis e pessoas para conseguir o que
quer e agraciar quem quiser. “— Este Juca Paranhos faz do Rio de Janeiro a sua chácara... Não da satisfação
a ninguém... Julga-se acima da Constituição e das leis... Distribui o dinheiro do Tesouro como bem entende
[...] O seu sistema de governo é a corrupção” (Barreto, 2021, p. 858)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 292
Essa nova relação entre o governo e diversas classes obviamente trouxe problemas
no Brasil e no mundo. Alterar costumes e culturas centenárias em alguns anos
desestabiliza estruturas também centenárias, incentivando guerras e levantes – como
ocorreu em Canudos em que o massacre foi justificado pelo governo mediante uma
narrativa de luta entre “progresso e barbárie”.
No decorrer do processo de mudança política, os cargos rendosos e decisórios
– antigos e novos – passaram rapidamente para as mãos desses grupos recém-
chegados à distinção social, premiados com as ondas sucessivas e fartas de
“nomeações”, “indenizações”, “garantias”, “subvenções”, “favores”,
“privilégios”, e “proteções” do novo governo. O revezamento das elites foi
acompanhado pela elevação do novo modelo do burguês argentário como o
padrão vigente do prestígio social. Mesmo os gentis-homens remanescentes do
Império, aderindo à nova regra, “curvam-se e fazem corte ao burguês
plutocrata”. Era a consagração olímpica do arrivismo agressivo sob o pretexto
da democracia e o triunfo da corrupção destemperada em nome da igualdade
de oportunidades (Sevcenko, 1995, p. 26)
Além disso, o próprio sistema eleitoral baseava-se num modelo que incentivava a
corrupção e inação em combatê-la
81
. A imagem de uma república (no sentido de “coisa
do povo”: res publica) democrática, como queriam representar, não tinha como ser posta
em prática e, por isso, a corrupção econômica e política não faziam parte de suas
principais preocupações, sendo, em verdade, uma de suas bases de sustentação.
O espírito de especulação, de enriquecimento pessoal a todo custo, denunciado
amplamente na imprensa, na tribuna, nos romances, dava ao novo regime uma
marca incompatível com a virtude republicana. Em tais circunstâncias, não se
podia nem mesmo falar na definição utilitarista do interesse público como
sendo a soma dos interesses individuais. Simplesmente não havia preocupação
com o público. Predominava a mentalidade predatória, o espírito do
capitalismo sem a ética protestante (Carvalho, 1998, pp. 95-96)
Prova de que o debate sobre corrupção por políticos e alta elite até 1930 não focava
no manejo do Estado e do bem público, é que mesmo durante o Encilhamento não
veremos atitudes tão contundentes por parte dos órgãos da República (Legislativo,
Executivo e Judiciário), para tentar coibir a corrupção político-econômica. Esse episódio
foi um dos maiores fenômenos socioeconômicos no Brasil até hoje, caracterizado por
frenesi especulativo e de corrupção generalizada em busca de lucro fácil.
Como é sabido, cidadãos de todas as partes do Brasil e do mundo, todos buscavam
participar avidamente do “frenesi”. Empresas que não existiam abriam capital na bolsa e
a busca por suas ações era intensa. Governos, federal e estadual, estimulavam esse frenesi,
_______________________________________
81
A corrupção presente no coronelismo era criticada desde antes da República por adversários do regime
monárquico, especialmente durante a contagem dos votos – como discutido adiante.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 293
que ocorria não somente graças à expansão monetária de Rui Barbosa, mas também
expedindo decretos e regulações que apesar de não possuir nenhuma concretude e
viabilidade geravam notícia, expectativa e logo favoreciam a especulação e a cotação de
determinada empresa que muitos já eram acionistas.
Ainda assim, pouco se falou em corrupção. As críticas, quando ocorreram, focaram,
especialmente após a administração de Joaquim Duarte Murtinho, na doutrina de
expansão monetária heterodoxa de Rui Barbosa, que continuou a expansão mesmo
quando o mundo todo já se acautelava com uma perspectiva de alta global da inflação.
Uma das exceções será a obra O Encilhamento de Taunay (1893)
82
que não medirá
palavras, muito devido ao monarquismo do autor, ao associar o episódio à corrupção
econômica, jurídica e política da recém-nascida República
83
.
Em A Falência (1891), Júlia Lopes de Almeida, conta a história de Teodoro,
português comerciante, e sua família que perderá tudo com especulação no ápice do
Encilhamento. A novela utiliza o episódio para mostrar diferentes tipos de “rompimentos”
num Brasil em rápidas transformações (Arsenault, 2002, p. 57). Nela, há não só a mostra
da corrupção e do frenesi gerado pelo Encilhamento, mas da corrupção moral que o país
passava. “O Encilhamento era somente pano de fundo para um drama mais compelente
das relações familiares. A tragédia real da narrativa é causada não só pela falência, mas
pela incompreensão de Teodoro de seu papel e de seu valor à sua família” (ibid. 76)
privilegiando uma visão capitalista, liberal, pelo poder do capital
84
.
Dain Borges quando escreve sobre as famílias brasileiras naquele período dirá:
O homem ideal não era um “lord”, mas um homem de negócios, um conselheiro.
Seu poder não derivava do comando militar, mas do controle de influência política
ou do capital financeiro. Urbanidade cosmopolita era o ideal das maneiras do
homem em público”. (Borges, 1992, p. 66; apud Arsenault, 2002, p. 77)
_______________________________________
82
Apesar de ser um romance ao estilo de L’Argent de Emile Zola, o livro O Encilhamento de Taunay nos
traz um retrato desse episódio que muito condiz com o que vemos em outros cronistas e em jornais.
83
Além de retratar o próprio ambiente ao redor da bolsa pululando de “gatunos e batedores de carteira”,
Taunay dirá sobre o episódio: “tomava todos os visos de honesto labor o trabalho que se operava naquele
atrito de interesses e ambições. [...] Do alto descia senão bem às claras o exemplo ou pelos menos o
incitamento. O governo, na ânsia de tudo destruir, [...] olhando pouco à natureza e qualidade dos elementos
e materiais de que se ia servindo, visando efeitos imediatos e esquecendo do futuro e da lógica [...]
promulgava decretos sobre decretos, expedia avisos e mais avisos, concessões de todas as espécies,
garantias, subvenções, privilégios, favores sem fim, sem conta sem
84
“The ideal man was not a lord, but a man of affairs, a counselor. His power derived not from military
chieftainship but from control of political influence or financial capital. Cosmopolitan urbanity was the
ideal of the man’s manner in public.”
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 294
Machado também criticará o Encilhamento em livro – como em Esaú e Jacó (1904)
– e à corrupção presente na jovem República e suas promessas em crônicas. O retrato à
corrupção da nova República fica claro em sua crônica n’A Semana em 1896:
A virtude, ainda obrigada, é sublime. Os desfalques andam tão a rodo que a
gente de ânimo frouxo já inquire de si mesma se isto de levar dinheiro das
gavetas do Estado ou do patrão é verdadeiramente delito ou reivindicação
necessária. Tudo vai do modo de considerar o dinheiro público ou alheio. Se se
entender que é deveras público e não alheio, mete-se no bolso a moral, a lei e
o dinheiro, e brilha-se por algumas semanas. É sabido que dinheiro de desfalque
nunca chega a comprar um pão para a velhice. Vai-se em folgares, e a pessoa
que se dê por muito feliz, se não perde o emprego. (Assis, 02/08/1896)
Enquanto na Argentina, na mesma época, em 1888, a crise do Banco Constructor
de la Plata
85
gerou forte agenda contra esquemas de corrupção e clientelismo, no Brasil
pouco se buscará associar o Encilhamento com corrupção. No máximo, veremos em
jornais expressões como orgia, festa, extravagância, farra (OESP, 14/08/1909), enfim,
algo ligado ao descontrole de indivíduos, nada visto como ações organizadas, sistemáticas
advindas de relações nada honrosas entre interesses privados e públicos.
Muito dessa abstenção de críticas se deve ao clima e à representação que se queria
dar do Brasil: um país que seria finalmente livre da Europa e inscrito num sistema
moderno, capitalista e civilizado. A ideia de um país do futuro, era, também, uma
necessidade para justificar o novo regime em contraposição à monarquia.
É interessante o quanto tanto a imprensa daquela época, quanto muitos economistas
e historiadores econômicos hoje em dia buscam diminuir o nível de corrupção do
Encilhamento utilizando uma narrativa em favor de um modelo econômico heterodoxo,
como a emissão monetária como forma de promoção do desenvolvimento (visando maior
consumo e industrialização/produção) – algo atacado por políticas neoliberais ou
ortodoxas – ao mesmo tempo negando que essas políticas econômicas possam trazer em
seu bojo, ou incentivar, a corrupção. Esse debate, entre corrupção e política monetária,
especialmente sua ligação com a heterodoxia, provou ser um dos mais importantes no
noticiário econômico nas últimas décadas, como veremos a frente.
É inegável que se tratou de uma tentativa de Rui Barbosa e da elite que o apoiava
em fomentar a industrialização do país e, ao mesmo tempo, aumentar a atratividade do
Brasil frente a capitais internacionais. Entretanto, negar que essa política foi favorável ao
_______________________________________
85
Esse episódio, de consequências internacionais, desencadeou a segunda grande crise econômica da
história argentina em 1888, além de ter quase levado à bancarrota o banco Baring Brothers e todo o sistema
bancário, monetário e do mercado de commodities do mundo.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 295
aumento de graves casos de corrupção que beneficiaram muitos da elite político-
econômica, e não tocar no papel que Executivo, Legislativo e Judiciário incentivavam
esse caos e corrupção, é muito ingênuo.
O economista e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco (2007; 2017) e
outros, criticarão essa visão de que o Encilhamento se tratou de um caso de corrupção,
normalmente fazendo eco a Wilson Martins (1977) que rotulou essas críticas como
o grito de revolta de uma vítima, de um dos esfolados [...] “a vingança amarga
do monarquista contra os vitoriosos do novo regime”; a expressão da
“mentalidade arcaica resistindo às transformações inevitáveis do progresso” e
ao “impulso modernizador e industrializante” “não tanto com a imoralidade da
nova classe”, mas com “uma nova moralidade que então se formulava”.
(Martins, 1977, apud Franco, 2007, p. 313, grifo nosso).
Entretanto, intelectuais como John Gledson (1990), Nicolau Sevcenko (1998), John
Schulz (1996) e Raymundo Faoro (1976), para além dos escritores já citados, verão
naquele momento uma das fases mais escandalosas/indecorosas da imberbe República,
criando um clima de desilusão face às promessas do novo sistema. Um sentimento que
pode ser expresso por Euclides da Cunha, ávido republicano que rapidamente ficou
decepcionado ao ver nela os
sintomas mórbidos de uma política agitada, expressa no triunfo das
mediocridades e na preferência dos atributos inferiores [...] a extinção em toda
linha das belas qualidades de caráter, transmudadas numa incompatibilidade à
vida, e a vitória estrepitosa dos fracos sobre os fortes [...] imaginai o darwinismo
pelo avesso aplicado à história (Cunha, apud Sevcenko,1998, p. 16)
Há algo importante na frase final de Martins, que buscamos estabelecer nessa tese:
tratava-se, de fato, de uma nova moralidade que se formulava. Não uma moral saudosa
monarquista que se reformulava apenas para combater a República, mas, como dirá
Sevcenko uma moralidade advinda de uma nova classe, que ele chamará argentária, e que
impactará definitivamente o imaginário anticorrupção e os rumos políticos brasileiros.
Esse é, em verdade, um dos principais motivos que nos alongamos um pouco mais
no Encilhamento. Pois ele não é apenas um caso emblemático de tentativa de
“modernização à rolo compressor” – com resultados tímidos nesse quesito – ou de
remoção do verniz da áurea pura da nova República, logo desanimando seus defensores,
ao expor graves casos de corrupção e enriquecimento de todos os espectros de
governantes. Mas ele foi um divisor de águas, junto com a expansão do setor cafeeiro, ao
determinar a consolidação da configuração do capital financeiro, ao arruinar boa parte
dos “capitalistas tradicionais” e propiciar “uma nova camada de arrivistas” “enriquecidos
nas especulações e negociatas” (ibid.: 15)
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 296
Paradoxalmente essa classe de argentários de moralidade dúbia se
transformaria, junto aos cafeicultores do Sudeste, nas principais bases sociais e
econômicas de sustentação da elite científica e tecnocrática inspirada no rígido
racionalismo positivista. Esse processo de mudança social alcançou amplas
dimensões, na medida em que o advento do novo regime e a instauração da
nova ordem econômica desencadearam igualmente movimentos especulativos
em torno das taxas cambiais, do mercado imobiliário e de aluguéis, dos
fornecimentos de gêneros alimentícios de primeira necessidade e da ampla
gama de importações, além das generalizadas deposições e ainda mais
volumosas reposições nos quadros de funcionários e empregados públicos de
toda ordem, por meio das “degolas”, “derrubadas”, “exílios”, “despejos”.
(ibid.)
Vemos que se tratou de uma revolução social, econômica e política muito mais
influente que a Proclamação da República em vários locais do país, para além das cidades,
afinal os tentáculos do capital se alastravam ao campo e moldava também sua cultura
político-econômica, bem como nascendo a capital financeiro-econômica que servirá
como modelo do moderno que se queria impor ao país e, de certo modo, irá ditar parte
dessa nova moral e rearranjos institucionais e econômicos de que fala Sevcenko.
Entretanto, diferente do que diz Sevcenko, não se trata de uma “nova” moral, dúbia
que virá com esses novos “donos do poder”, especialmente quando se junta num mesmo
parágrafo a palavra como especulação. Uma moral somente é dúbia se em contraposição
à outra tida como “reta”, caso contrário é apenas moral, significativa e representativa de
um tempo e espaço.
Nesse caso, a fala de Sevcenko se iguala aos discursos moralistas presentes já em
Portugal quando se criticava uma nova “moral capitalista” em detrimento das noções, já
em decadência, de cavalheirismo ou estrita religiosa cristã. O que temos após o
Encilhamento é apenas uma continuação na linha do tempo da implementação e
internacionalização do capitalismo e sua moral.
A especulação, normal e necessária ao capitalismo (vide a disputa e confusão na
mídia entre duas funções naturais da Bolsa de Valores, entre investimento e especulação),
é vista com maus olhos por uma moral não capitalista (justificada ou não). Trata-se de
uma vertente, que abordaremos no Capítulo referente à moral econômica e inflação, que
não é nova em reprovação de boa parte da sociedade em qualquer período histórico e
sempre estará relacionada à corrupção, levando muitas vezes a revoltas sociais. Enfim,
não se trata de moral dúbia, estranha à sociedade, mas apenas do reforço da
implementação de uma moral capitalista que não será completamente aceita mesmo por
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 297
setores que se dizem liberais ou ultraliberais, especialmente quando estão no “lado
perdedor” da especulação/inflação, como a classe média.
Classe média, classe argentária e o crescimento da vertente liberal
Se boa parte das elites não se incomodava com a corrupção eleitoral e ao erário,
com o apoio de parte da mídia – diversa ideologicamente ainda – ao povo – em especial
a parcela mais pobre e à emergente classe média – a corrupção era grave problema.
Analisando jornais liberais e magazines com linguagem mais direta com a
população, vemos a crescente predominância deste tema. Humorísticos como O Malho,
Fon-Fon e Careta sempre darão destaques à corrupção eleitoral e econômica – algo que
demonstra uma narrativa que encontrava alta ressonância com seu público leitor
86
.
Figura 117. Cabala Eleitoral
87
Fonte: O Malho, 27/01/1906, p. 43
_______________________________________
86
Na capital carioca, inicialmente humoristas como Pardal Mallet, Lúcio de Mendonça, Artur Azevedo e
José do Patrocínio publicarão textos satíricos sobre a “desilusão republicana” em formas de romances,
contos, crônicas em jornais e pasquins. Com a popularização de magazines, a presença do tema da
corrupção crescerá.
87
Legenda: – Si o sinhô dá água de Caxambu a gente vota na chapa do governo; – Podem votar: vou mandar
três caixas a cada um da soberana das aguas de mesa, CAXAMBU. Podem votar!
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 298
O Malho, por exemplo, desde seu início irá apontar a máxima de que “a corrupção
vem de cima, mas também de cima vem a solução”. Para isso era importante lutar contra
a corrupção eleitoral que “deixando de abrir a porta a quem tem merecimento, escancara-
a diante de criaturas pulhíssimas. O Malho protesta contra essa orientação e aconselha
aos cidadãos que votem nos nomes não perfilhados pelos corrilhos eleitorais. É o meio
de acertarem” (27/01/1906: 43). Ainda assim, entendiam que pouco poderia mudar, pois
o exemplo vindo de cima fazia com que o povo fosse indiferente: “Quanto ao povo, não
temos o direito de estranhar a sua indiferença; desde que o exemplo partiu de cima com
a corrupção da chapa.” (17/02/1906: 10).
O tópico da corrupção será, ao longo da República gradualmente “sequestrado” pela
vertente liberal político-econômica, em consonância com o contexto internacional e
interno, em que as outras vertentes, apesar de ainda influentes, começaram ou a perder
espaço ou a serem adaptadas ao discurso liberal brasileiro, que devido ao modo sui
generis em que foi forjado soube comportar em si vertentes dissonantes.
Inicialmente, o foco da vertente liberal será, inclusive, um tanto quanto diferente
das vertentes vistas em países como os Estados Unidos e Inglaterra que davam ênfase à
corrupção da Justiça, da política e da economia. No caso brasileiro, nos jornais e discursos
de políticos liberais, como veremos mais adiante, o foco será na corrupção política, via
a crítica ao sistema eleitoral e, depois, ao erário
88
.
Esse “sequestro” vai fortalecendo-se a partir do momento que o país se urbaniza,
que há mais consciência da necessidade de participação social do governo, em especial
com a democracia, e que o liberalismo ganha influência, com sua disseminação facilitada
pelo surgimento de novos meios de comunicação em massa liderados por uma mídia que
partilha dessa ideologia.
_______________________________________
88
Expressões como “bandalheira”, ligadas a ideia de roubo ou de organizações fora da lei, bagunça, tornar-
se-ão sinônimos de corrupção ao erário e ao sistema político pela força entre 1910 e 1930, tornando-se
quase impossível ligar corrupção a outros significados que não o desvio econômico e à corrupção do sistema
eleitoral. Em verdade, todo um capítulo poderia ser escrito sobre essa expressão e como ela sintetiza esse
momento. É muito interessante ver o crescimento de sua utilização em jornais e sua aplicação cada vez
mais a roubos ao erário. Inicialmente víamos utilizada tanto em relação ao erário quanto à corrupção da
moralidade reinante e, depois, à corrupção eleitoral; com avanços institucionais e com o foco no manejo do
bem público essa palavra predominará, junto com “falcatrua”, nos anos pós-ditadura de Vargas até 1960,
sendo utilizada, com menos frequência, até hoje.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 299
A figura abaixo mostra a presença, em cada década, das vertentes acima citadas em
7126 títulos, entre jornais e revistas de todo país digitalizados pela Biblioteca Nacional
Digital (BND), contando quase 39 milhões de páginas.
Figura 118. Vertentes sobre corrupção em Jornais e Revistas na BND em % de todas as páginas
publicadas
Fonte: Autor
Como a Figura acima trata de todos os jornais e revistas produzidos e armazenados
no acervo da BND, com periódicos de variados graus de influência e matriz ideológica,
se compararmos com jornais de maior influência histórica e de matriz ideológica mais
bem definida e de viés liberal, como o jornal OESP, veremos que a distribuição de
relevância por matriz se altera um pouco, mas não drasticamente (cf. Figura 10).
Podemos notar na Figura acima que a vertente que liga corrupção ao corpo
(englobando tanto saúde do corpo físico – subvertente prioritária – quanto à saúde do
corpo da nação) cairá gradualmente em desuso. Também podemos notar, como
afirmamos, que durante os anos de 1890 a 1921, há crescimento significativo da vertente
da corrupção racial, para depois também cair em influência. Corrupção e Desigualdade,
apesar de não ser um tema abordado ainda nesta pesquisa foi incluída como medida para
capítulo futuro em que começará a crescer de importância, ainda assim, apesar de
insignificante, vemos que há o seu germe inicialmente em discursos liberais e depois
impulsionada por discursos da esquerda socialista e, principalmente, desenvolvimentista.
Se compararmos o gráfico acima com um jornal estritamente liberal – ou melhor,
“liberal conservador” ou alcunhado por si como “liberal realista” (Forattini, 2018, p. 299)
– e de oposição como OESP, temas liberais como corrupção e política, corrupção do
1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950
Corrupção e Religião/Deus 0.135% 0.073% 0.064% 0.062% 0.054% 0.048% 0.110%
Corrupção e Justiça 0.069% 0.047% 0.104% 0.093% 0.086% 0.072% 0.232%
Corrupção do Erário 0.121% 0.089% 0.086% 0.080% 0.066% 0.060% 0.202%
Corrupção do Corpo e Saúde 0.162% 0.128% 0.094% 0.075% 0.065% 0.054% 0.097%
Corrupção e Desigualdade 0.009% 0.006% 0.005% 0.005% 0.005% 0.006% 0.010%
Corrupção Racial 0.101% 0.026% 0.068% 0.059% 0.053% 0.043% 0.052%
0.000%
0.500%
1.000%
% presença total do
tópico da corrupção
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 300
erário e corrupção e justiça sempre serão temas prioritários (a última crescendo de
importância pós-1940), enquanto a vertente da corrupção racial será tema de crescente
relevância até meados da década de 1910.
Figura 119. Vertentes sobre corrupção no jornal OESP
Fonte: Autor
Outros pontos devem ser ressaltados. O primeiro é a preponderância do tema que
no jornal paulista é quase mais que o dobro que a média nacional. O segundo é a década
de 1920 em que o jornal tem queda brusca em relação ao tema associando-se à média
nacional. O motivo dessa queda é que nessa década o jornal passou por período grave de
censura, com seu proprietário Júlio de Mesquita chegando inclusive a ser preso. Vale
dizer que a censura não é privilégio d’OESP no Brasil, quase todos os decênios na
República brasileira até 1990 passaram por alguma forma institucionalizada de censura,
o que muito influencia a presença de cada vertente anticorrupção, por exemplo. O que
podemos constatar é que após cada período de censura temos um pulo quantitativo e
qualitativo nas denúncias de corrupção.
Corrupção eleitoral no final da República Velha
“Echo das eleições
- Tome lá vinte mil reis e vá votar no meu candidato.
- E qual é o seu programa?
- Antes de tudo: guerra à corrupção eleitoral.”
Fon-Fon (26/03/1910: 24)
A disputa entre ortodoxia e heterodoxia cambial, a inflação, a incapacidade do
governo em atender às reivindicações das classes mais pobres e da classe média e a falta
1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950
Corrupção e Religião/Deus 0.291% 0.377% 0.207% 0.065% 0.152% 0.308% 0.253%
Corrupção e Justiça 0.086% 0.073% 0.015% 0.025% 0.098% 0.227% 0.239%
Corrupção do Erário 0.777% 0.429% 0.087% 0.128% 0.375% 0.753% 0.538%
Corrupção do Corpo e Saúde 0.466% 0.477% 0.186% 0.069% 0.125% 0.183% 0.241%
Corrupção e Desigualdade 0.000% 0.005% 0.006% 0.000% 0.007% 0.016% 0.022%
Corrupção Racial 0.311% 0.359% 0.321% 0.094% 0.121% 0.166% 0.138%
0.000%
0.500%
1.000%
1.500%
2.000%
% de presença do tópico da
corrupção como um todo
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 301
de representatividade fazia com que o discurso anticorrupção começasse a focar tanto na
gestão do erário quanto na lisura do processo eleitoral.
Figura 120. O diabo é a corrupção eleitoral: “Na cozinha política”
Fonte: Careta, 26/04/1919, capa
O Malho também contará em sua seção de notícias diversos casos em que grupos
sociais, normalmente de classe média, buscaram diminuir a corrupção eleitoral, mas sem
sucesso, para além de São Paulo, Rio de Janeiro, ou outras capitais. Como foi o caso em
Pelotas, já em 1904:
Telegrama de Pelotas, contou-nos o renhido pleito eleitoral municipal, ferido
naquela cidade e no qual até ilustres damas se empenharam cabalando a favor
de vários candidatos. Acrescentava o despacho ter havido corrupção franca
nessa eleição, sendo obtidos votos de cinquenta e trezentos mil réis. Parece que
a intervenção das senhoras não modificou em nada os processos eleitorais
conhecidos desde a invenção do voto... livre (O Malho, 09/07/1904, p. 20)
Nas principais campanhas que se buscava atribular o status quo (Campanha
Civilista de 1910 e a Aliança Liberal de 1930) teremos como um dos focos a corrupção
eleitoral – praticamente inexistente nos discursos políticos eleitorais de grande parte dos
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 302
outros candidatos daquela época
89
, mas tema amplamente debatido mesmo antes da
Proclamação da República com, por exemplo, a Lei Saraiva de 1881 (Decreto 3.029 de
1881).
Na figura acima vemos o Diabo, representação do corruptor por excelência,
denominado Maquiavel – resgatando a vertente crítica à Maquiavel e seu modo de
governar em benefício próprio não importando os meios – que corromperá o sistema
democrático ao converter os votos de Rui Barbosa para Epitácio Pessoa.
Será devido à tentativa de reformar o sistema político e eleitoral, além de trazer um
discurso liberal afeito às grandes cidades, dirigindo-se à classe média e às classes mais
baixas por meio de palanques de improviso, santinhos e cartazes, que o discurso político
de Rui Barbosa irá focar em “corrupção” mediante linguagem mais moderna, utilizando
representações presentes até hoje para atacar a elite política.
O Brasil não é “isso” [...] Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas
do Tesouro. Não são os mercadores do parlamento. Não são as sanguessugas
da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. [...] Não são
corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. (A Época,
21/03/1919)
Esse discurso com fortes características anticorrupção trará a vitória ao político nas
grandes capitais. Ainda que com menos ênfase, Getúlio também utilizará o discurso
anticorrupção como parte de sua estratégia política no pleito de 1929 e para justificar o
golpe de 1930. Esse discurso anticorrupção focará na constante sobre a corrupção do
sistema eleitoral e na apropriação do erário.
Mesmo quando seus discursos eram dirigidos aos operários ou à população geral,
como em seu importante comício na Central do Brasil em fevereiro de 1930, seu foco
residirá sobre a corrupção eleitoral, econômica e política. Os jornais serão laudatórios em
mostrar a diferença entre Getúlio, tido como liberal, e seus adversários.
No estilo da tradição liberal de nossa História. Reclamávamos o direito de
escolher livremente o futuro Presidente da República. E o orador chamou
particularmente a atenção da assistência, que o aclamava a cada instante, à
diversidade de processos usados na campanha [que o adversário usava ao]
infiltrar com solércia a maldade nos meios coletivos, a corrupção, a peita, o
suborno, substituídos, quando rechaçados, pela ameaça e pela violência.
Bastava esse simples confronto para ressaltar a fraqueza do governo [que]
canalizava à algibeira os dinheiros públicos que são produtos de extorsivos
impostos arrancados do contribuinte. (Jornal do Comércio, 06/02/1930)
_______________________________________
89
Apesar de não ser o foco dessa pesquisa, olhamos em todos o acervo da Biblioteca Nacional e em jornais
de arquivo privado, como OESP, por discursos dos candidatos à Presidência durante esse período sobre
corrupção em comparação com os discursos de Rui Barbosa e Getúlio Vargas, para praticamente não
encontrar menção à corrupção eleitoral, política ou ao econômica por parte desses senhores.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 303
Vemos a principal vertente adotada por jornais liberais em suas críticas ao governo
pela via da corrupção. Tudo giraria em torno do tema da corrupção: um governo corrupto,
que teme a livre escolha do povo, rouba-o mediante impostos injustos e busca intimidá-
lo inicialmente com pequenos subornos e peitas, mas, quando a estratégia não dá certo,
utiliza a violência, recorre ao explícito autoritarismo. É, ainda, um governo tido como
maquiavélico, para alcançar seu fim, a conservação no poder, pouco importa os meios. O
tema da tirania associado à corrupção é forte em discursos políticos e na mídia
90
.
Com Vargas há avanço na profissionalização e especialização da burocracia, a
legislação administrativa cresce a ponto de pela primeira vez podermos falar em Direito
Administrativo no Brasil – com a substituição gradual do direito contratual francês pelo
direito estadunidense. Apesar de ainda não existir o concurso público como regra ao
ingresso no serviço público, o número de burocratas especializados e que buscavam
modernizar a gestão do Estado cresce, ao mesmo tempo que enfrentavam resistências
políticas e sociais internamente.
Ainda assim, a contínua política de sustento do preço do café pós-1930, o
crescimento da influência dos jogos de azar e casinos, a militarização das polícias – agora
com privilégios em seu disciplinamento –, denúncias de obras superfaturadas e
nepotismo, a pouca transparência típica de um governo autoritário, bem como a cooptação
feita por Vargas às agremiações empresariais e sindicatos de trabalhadores, bem como ao
sistema político, mostram que os avanços foram esparsos. Sua gestão ficou marcada por
representações entre uma mescal de autoritarismo e corrupção que impactarão seu
governo no regime democrático e, mesmo, de seus padrinhos políticos.
O domínio dessa crítica, junto com a preponderância estadunidense como
paradigma político-econômico pelas elites e boa parte da sociedade, foi tamanho que
houve pouco espaço na arena pública a qualquer outra vertente relacionada à corrupção
que não a liberal.
“Nada Vem do Nada”
“Nada vem do nada”. Esse apêndice buscou delinear e apresentar de maneira breve,
mas não rasa, as vertentes anticorrupção históricas e suas afluências, influências e
adaptações. Buscamos prover o leitor de bagagem suficiente para entender as bases das
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90
O mesmo discurso será utilizado contra Getúlio em 1932 por jornais paulistas e, após 1945, por outros
jornais contrário ao regime ditatorial de Vargas, muitos silenciados durante 1937-45.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 304
disputas e “coligações” entre vertentes anticorrupção pós-1945 e os temas e discussões
que essas vertentes já traziam em seu bojo histórico, possibilitando-nos discorrer sobre
esse tópico sem idas e vindas ou estranhos recortes inseridos de forma incongruente.
É erro pensar que se trata de fenômeno teleológico, algo muito comum em todas as
teses sobre corrupção, como veremos adiante. Diversas circunstâncias moldaram e
possibilitaram a formação do discurso predominante hodierno que poderá seguir diversos
rumos no futuro, como aventamos algumas possibilidades em futuro próximo.
A influência crescente, desde o Império, do liberalismo no discurso anticorrupção
é inegável. Mas será no final do período da República Velha à Era Vargas que o que
chamamos de “discurso anticorrupção moderno” será finalmente germinado e ganhará
gradativamente mais espaço à medida que a influência estadunidense crescerá no mundo.
É inegável a força que o liberalismo e a implementação de um sistema democrático,
mesmo que imperfeito, terão para moldar o discurso e a agenda anticorrupção.
Preocupações com o bem público se sobreporão à “corrupção das almas” e o dever do
governante em as educar; ou da nobreza inerente a certas classes em detrimento da
especialização e meritocracia na gestão burocrática – ainda assim, essas características
permanecerão no discurso anticorrupção, mas serão moldadas. A gestão do bem público,
sua distinção com o bem privado, o crescimento da atuação do Estado na vida política e
econômica, a urbanização e maior acesso à informação com a crescente
profissionalização da mídia e outros meios de comunicação de massa, liberais, e que
buscarão impor sua ideologia cada vez mais à agenda brasileira farão com que a
preocupação do todo social com a corrupção da gestão de seus bens e, consequentemente,
sua qualidade de vida torne-se prioridade.
Entretanto, é erro pensar que esse foco do discurso anticorrupção significa
empobrecimento discursivo, pois sua importância político-econômica aumentará,
surgindo diversas linhas intradiscursivas e representacionais entre vários grupos sociais.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 305
APÊNDICE E – As Reformas no Funcionalismo Público e a Influência
Estadunidense
Se todo o sistema jurídico brasileiro nasceu baseado nas leis portuguesas de tempos
coloniais e posteriormente, com a Independência, passou por remodelação de molde
francês, após a 1ª Guerra Mundial, a maioria das instituições políticas se sentiram mais
confortáveis em remodelar o sistema burocrático e legal ligado ao forte senso de
"modernização do Brasil" de acordo com o modelo estadunidense.
A criação da disciplina do Direito Administrativo nos Estados Unidos confunde-se
com a formação de outra disciplina, a Administração Pública, uma ciência pragmática
sobre como regular as políticas governamentais e o estudo do papel dos funcionários
públicos no serviço público e a implementação dessas políticas por esses agentes. Se essa
ciência nasceu como necessidade para regular a economia em negócios que afetavam o
interesse público num momento em que o país aumentava suas fronteiras a Oeste com
crescente interseção entre bens públicos e privados, o mesmo acontecia no Brasil na
década de 1940 com o impulso de uma necessária expansão e modernização do Estado.
Deve-se entender essa modernização durante a Era Vargas como necessidade
sentida por burocratas e intelectuais do Direito brasileiro devido a um processo de
expansão e modernização do Estado e do capital brasileiro e internacional em áreas que
se tornavam de difícil distinção entre bem público e privado, exigindo revisão das funções
administrativas e do ordenamento jurídico brasileiro. Era natural que as Faculdades de
Direito e o próprio sistema jurídico começasse a se adaptar inspirando-se no país do
Norte, com significativa influência, de obras de John Clark Adams; Frank Goodnow;
Ernst Freund (“Administrative Powers over Persons and Property”, 1928) e de William
Willoughby (“Principles of Public Administration: With Special Reference to the
National and State Governments of the United States”, 1923).
A noção do interesse público de certas atividades econômicas foi modelada
pela figura da public utility, ou seja, a necessidade do Poder Público de
disciplinar determinadas empresas privadas em razão de sua importância à
coletividade [...] sob permanente fiscalização das comissões administrativas,
sujeitas ao controle final dos tribunais, consolidou, no direito norte-americano,
o chamado princípio do serviço pelo custo (service at cost), que desde então
lastreou amplamente a legislação, a jurisprudência e a doutrina norte-americana
no campo dos serviços de utilidade pública. (Tacito 1977: 24-25)
Tratava-se de uma lei com dois objetivos principais: 1) racionalizar e disciplinar a
burocracia brasileira, substituindo o coronelismo pelo clientelismo e fortalecendo o
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 306
governo central (Bresser-Pereira 1996: 273); 2) e mais importante, abrir espaço ao
desenvolvimento não só pelo Estado, como muitos querem devido a uma análise
superficial do que seria o governo Vargas, mas principalmente abrir espaço ao capital
privado (nacional e internacional). Esses dois objetivos coadunam-se e fortalecem-se: ao
mesmo tempo que se diminui o poderio de “coronéis” locais, fortalecendo o governo
central, esses não conseguiriam impor obstáculos (como subornos e corrupção política) a
planos dirigistas e do grande capital privado ou internacional, bem como tolheria a
discricionariedade essa burocracia disciplinada perderia gradativamente poder
discricionário que encarecem custos e investimentos.
A corrupção burocrática e seus efeitos era um dos principais alvos. Por isso, era tão
importante definir o que seria utilidade pública de acordo com o direito estadunidense
que havia passado por problemas similares de expansão capitalista e de poder territorial.
Para isso, A literatura brasileira começará a reavaliar, em evento sísmico, sua tradicional
teoria do Direito sobre o serviço público e a relação entre os agentes (privados e públicos)
devido ao problema das concessões ao interesse privado sobre matérias concernentes ao
interesse público, para superar a concepção puramente contratual, oriunda de Lei
francesa dos anos de 1900. A nova concepção capacitará com poder normativo e “quase
jurisdicional” os órgãos administrativos, aptos a ordenar e julgar matérias especializadas
e remover entraves burocráticos à entrada do capital e aos custos gerados ao Estado.
A influência estadunidense ficou clara com a criação do Subcomitê Nabuco,
instalado no Ministério das Relações Exteriores, para redesenhar a administração pública
brasileira, redefinindo cargos, instituindo concursos públicos e criando um órgão que
fiscalizasse a Administração Pública e assegurasse que essas reformas sejam
implementadas: o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) considerado
verdadeira renovação científica da Administração Pública Federal, que seguiu as
diretrizes preconizadas por William Willoughby (1923) no capítulo IV de seu livro, em
que ele recomenda a reunião de tais serviços em um Bureau of Public Administration.Fica
impossível deixar de enfatizar o quanto o intercâmbio de brasileiros nos Estados Unidos
foram fundamentais à essa onda de mudanças.
Certo é que o sistema do mérito e os conceitos de classificação de cargos vieram
para a lei e a prática brasileiras diretamente dos manuais americanos de
administração e dos cadernos de notas de aula dos técnicos brasileiros que se
especializaram nos Estados Unidos. (Tacito 1977: 27)
A tese de Astério Dardeau Vieira (1940) sobre a reorganização salarial dos
servidores públicos partiu de sua experiência nos Estados Unidos e foi baseada no
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 307
Classification Act de 1923. A figura de Vieira é emblemática, pois ele fez parte do um
grupo de burocratas que buscou a modernização da gestão pública de acordo com os
moldes estadunidenses, sendo responsáveis pela implementação dessas políticas em
órgãos públicos como o DASP e, posteriormente, em outros órgãos públicos,
universidades e até empresas. Entre essas pessoas estava Beatriz Wahrlich,
administradora, reconhecida como uma das maiores responsáveis pela modernização da
administração pública brasileira, mestre e doutora pela Universidade da Califórnia do Sul
que tinha como grande parte do foco de seus estudos o scientific management da
administração com técnicas baseadas no modelo machine , de F. Taylor, pela
normatização rígida de toda e qualquer atividade de trabalho, busca pela eficiência e
combate à corrupção e ineptidão, como descrito em seu artigo “Contribuição norte-
americana ao progresso da administração pública brasileira” (Wahrlich 1946: 91).
Deve-se notar que há certa confluência entre as representações acerca da burocracia
brasileira e do servidor público, propagadas tanto por neoliberais quanto por autores
weberianos. Nelas, o Brasil e sua administração e funcionários são mostrados como
atrasados, ineficientes, com foco em demasia no conceito de patrimonialismo. Por
consequência, esse retrato fez com que muitos buscassem a modernização desse setor e
desse funcionário nos moldes estadunidenses (Cruz, 2020: 24), pouco se questionando
como o próprio cidadão dos EUA percebia a sua burocracia, ou se ambos os modelos
poderiam ser falhos. Portanto, não seria completa nossa análise se apontássemos que esse
“movimento aos EUA” fosse apenas resultante de indivíduos ligados à ideologia neoliberal.
No Brasil, as análises sociais e históricas, em geral amparadas em Weber,
destacam a permanência do patrimonialismo para justificar o insucesso do
processo de racionalização. Dentre os expoentes desta interpretação estão
Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, que inauguraram, vasta literatura
sobre o tema. Para Campante, essa explicação teria ascendência tão marcante
“que influencia o senso comum e a imagem que o brasileiro tem de si, cuja
característica principal é enxergar o Brasil como uma alteridade atrasada e
patrimonialista em relação ao modelo norte-americano (Campante 2003: 175)
De todo, pretendia-se modernizar a administração pública introduzindo o que
Bresser-Pereira chamará de “administração pública burocrática” de vertente
estadunidense, tendo seus principais alvos a racionalização e a luta contra a corrupção e
o nepotismo: “a administração burocrática, substituta da patrimonial, teria como
característica principal o poder racional-legal, visando evitar a corrupção e o nepotismo,
com controle rígido dos processos” (Carvalho 2021: 135).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 308
Entendia-se por corrupção não somente o ato de suborno. O Decreto-Lei
1.713/1939 (que criou o DASP e efetuou os estudos do Subcomitê Nabuco) será claro em
elencar o que hoje aceitamos como normal e correto, mas que rendeu calorosas discussões
e problemas ao governo Vargas, levando jornais favoráveis como o grande Jornal do
Brasil a criar coluna diária para esclarecimentos sobre a nova lei e mostrar os grandes
feitos da lei ao público e à burocracia (“As atividades do DASP”). Esse decreto elencará
tanto regras autoritárias (como o dever à família, obrigação em comparecer a eventos
cívicos e o dever de obediência ao superior – incluindo a impossibilidade de tecer críticas;
todos no art. 224); e a proibição de fazer greve (art.226 inciso VII). Bem como regras
relacionadas à gestão pública (mas entendendo-a gradativamente pelo viés privado
interacional entre os agentes) focando em ilegalidades como roubo (art.224 e 225) de
tempo (faltar ao trabalho, “matar tempo”, tratar de assuntos particulares, defender
colegas, não comunicar irregularidades, presteza no serviço); pecuniário (zelar pelo bem
público, inclusive materiais de escritório); ou, especialmente, presente na relação entre o
público e a empresa privada (art.226), além de determinar as devidas penas.
É interessante que, quando analisada em prática, a visão sobre o funcionalismo
público brasileiro adquire matizes que invalidam a assumpção de que o funcionário
público, especialmente de baixo escalão, seria naturalmente corrupto e o principal entrave
ao desenvolvimento brasileiro, ou à entrada de capitais (seja devido à sua ineficiência,
cobrança de propinas, ou suposta [ir]racionalidade incompatível à lógica do mercado).
Foi isso que atestaram pesquisadores e professores estadunidenses em intercâmbio
ao Brasil para estudar, pela ótica da otimização da Administração Pública, a burocracia
brasileira. Se o intuito inicial era entender o problema da “morosidade” e aplicar
princípios como eficiência e moralidade, os professores John Rood e Frank Sherwood
criarão seminal artigo (traduzido por Astério Vieira), intitulado “O Burro de Carga na
Administração Pública do Brasil” (1963). Este artigo nasceu de aulas e pesquisas feitas
em 1962 sob os auspícios da Escola Brasileira de Administração Pública, da Fundação
Getúlio Vargas e, novamente, a figura da Universidade da Califórnia do Sul.
Os professores criticam o que muitos consideravam (e ainda consideram) como
uma representação factual dos funcionários públicos e da Administração Pública
brasileira e como a corrupção prospera entre esses elementos. Este artigo não apenas
resume esses preconceitos, mas tenta ser o mais objetivo possível na análise desse setor
e suas representações e, apesar de todas as suas falhas (e, às vezes, preconceitos), é
laudatória a sensibilidade que expressam para o servidor público brasileiro.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 309
Buscam entender de onde vêm as ineficiências da Administração Pública. Suas
descobertas apontam para duas questões principais, que serão retratadas extensivamente
na cultura popular brasileira em relação ao serviço público: (1) seria a falta de educação
formal do burocrata inferior, responsável pela maior parte do trabalho realizado (daí a
ideia de "burro de carga": força bruta sem maior raciocínio) sem reconhecimento, sem
tarefa específica, mas com medo de levar toda a culpa (e a “chibata”). Estes devem
enfrentar um Estado que emprega pessoas despreparadas, em grande parte por meio de
indicação/compadrio que praticam todos os tipos de grau de corrupção.
Essa visão do “burro de carga” e de sua relação com os superiores não era nova no
Brasil, ela apenas começou a ser entendida sistematicamente como um problema a ser
enfrentado por burocratas a partir do final da década de 1950. Podemos encontrá-la no
passado num dos mais conhecidos livros de Graciliano Ramos: Angústia (1936), em que
a vida de um burocrata brasileiro é representada como uma "sinecura", em que Luís da
Silva, baixo funcionário público, possui um trabalho opressivo e sem sentido e que sofrerá
por perder sua noiva para Julião, membro da elite alagoana e seu supervisor. Essa visão
do baixo funcionário público desanimado, não criativo, passivo e subserviente com seus
superiores, mesmo em casos de corrupção praticada por funcionários de médio/alto
escalão não é diferente da que encontramos na maioria dos romances brasileiros que
retratam de algum modo esse tema, e mesmo em outras formas de expressões culturais,
como nas extremamente populares novelas brasileiras.
Uma das marchinhas de carnaval mais famosas da década de 1950 se chamava
“Maria Candelária” (1952), escrita por Blecaute (Otávio Henrique de Oliveira) e
apresentada pela primeira vez ao presidente da República Getúlio Vargas, sob inicial
apreensão por parte de seus acólitos. A letra da marchinha
91
conta a história de Maria
Candelária, alta funcionária pública que, indicada a seu cargo, saltou “de paraquedas” no
serviço (ou seja, sem qualificação) e “caiu na letra Ó, Ó, Ó” (letra Ó seria gíria aos
funcionários públicos “bem pagos”, os “marajás”) e nunca trabalha. Ela começa seu turno
ao meio-dia e já à uma da tarde inicia seu “trabalho” indo ao dentista, café, modista e às
quatro retorna ao escritório para bater ponto: “Que grande vigarista ela é”.
Rood e Sherwood dizem que esse empregado ("o burro") entende seu trabalho como
ele compreende a sua vida, como uma sinecura que ele deve enfrentar e, para isso, ele
_______________________________________
91
“Maria Candelária / É alta funcionaria / Saltou de paraquedas / Caiu na letra ó, ó, ó / Começa ao meio-
dia / Coitada da Maria / Trabalha, trabalha / Trabalha de fazer dó / Á uma vai ao dentista / Ás duas vai ao
café / Às três vai a modista / Ás quatro assina o ponto e dá no pé / Que grande vigarista que ela é”.
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 310
usa o segundo elemento para sobreviver: (2) “solidariedade e tolerância” ao seu colega e
suas práticas, mesmo que ditas ilegais.
o brasileiro tende a aceitar as falhas e imperfeições do sistema social, com
muito mais facilidade que o norte-americano, por exemplo. Na verdade, essas
imperfeições de há muito são aceitas como um sistema de vida. Assim, o
funcionário brasileiro de categoria inferior, lutando com toda sorte de
dificuldades na sua vida privada e assoberbado com um sem-número de
problemas no ambiente de trabalho, demonstra vigoroso senso de fraternidade
e solidariedade em relação ao colega em condições semelhantes. É uma
fraternidade que nasce da comunhão de incertezas, problemas e dificuldades,
gerando a necessidade de cerrar fileiras, porque amanhã o infortúnio pode
recair sobre ele próprio. (Rood; Sherwood 1962: 11-12)
Devido a essa boa-fé com o próximo, erros e faltas são toleráveis. Entretanto, se
entendem que os problemas estão sendo criados deliberadamente, estes deixam de ser
toleráveis. A administração pública era vista, segundo eles, como uma forma de estado-
bem-estar social e que o cumprimento da eficiência administrativa não era visto como
uma das metas caso prejudicasse os próprios funcionários. Esta condolência permitiria
todos os tipos de percalços e formas de corrupção.
O problema, entretanto, não se restringe à aceitação de irregularidades no
ambiente de trabalho, pois há indícios de que essa atitude de tolerância conduz
à corrupção. Muito se discutiu sobre os limites que se impõem à proteção
devida a outro colega no caso de falsificação do cartão de ponto. Se esse
comportamento deveria mesmo ser classificado como ato de corrupção? [...]
parece meio ingênuo distinguir, segundo as boas ou más intenções de cada um,
o "sujeito bom” do “sujeito mau”, quando ambos praticam o mesmo ato de
corrupção. (ibid.: 12-13)
A recomendação dos autores? "Evidentemente nenhuma". Oferecem observações:
que, acima de tudo, deve-se considerar que no Brasil a escala de valores é
predominantemente humana: onde quer que se manifeste um conflito entre a
condição humana e a eficiência do sistema, a probabilidade é que ele ganhe o
primeiro. Portanto, ao armar uma estratégia de reforma, é importante atuar
dentro de determinados parâmetros, que não ameaçam o bem-estar dos
funcionários existentes. (ibid.: 14)
Aos autores, o que o Estado chamaria de corrupção seria algo intrínseco à
Administração Pública brasileira, pois ela é condicionada pela condição social de seus
burocratas e da estrutura política que castiga demasiadamente a população, privilegiando
poucos. Em vista desse sistema desigual, há condolência em relação às falhas visando a
proteção mútua e ao reconhecimento de que as “castas” superiores iriam de qualquer modo
praticar atos de corrupção e cobrá-los pelas falhas que ocorram no sistema administrativo.
Qualquer projeto de reforma da burocracia deveria levar em conta primeiramente a
qualidade da vida do funcionário público, não somente por “caridade”, mas por motivos
de ordem pragmática. Assim, a simples importação de leis estadunidenses não
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 311
funcionava, levando burocratas, políticos e intelectuais a efetuar diversos estudos e
discussões antes mesmo de enviar o projeto de lei ao Legislativo.
Os conceitos reunidos nas fontes indicadas são subsídios valiosos que a
criatividade de nossos estudiosos sabiamente adaptou às realidades e
exigências do meio nacional. A inspiração inicial deflagrou a centelha
renovadora da Administração Pública brasileira, que continuou a produzir
frutos seja no campo da estrutura administrativa (que a Lei n. 200 de 1967 viria
a remodelar) seja no tocante às sucessivas reformulações do regime de
classificação de cargos. (Tacito 1977: 32)
Em relação a essa adequação, podemos citar a dificuldade histórica em se
padronizar o ingresso, a ascensão e os salários na administração pública, especialmente
nos altos escalões. Como a reforma estadunidense de 1923, as reformas administrativas
no Brasil pré-1990 não conseguiram atingir os altos escalões, ainda sujeitos à patronagem.
Seguindo o ponto de vista getulista e nacional-desenvolvimentista, o jornal Última
Hora – UH - (14/01/1954) criticará exatamente esse ponto da reforma. Enquanto louvam
a organização dos funcionários em categorias, evitando desvio de função, o jornal
criticará essa classificação servir somente aos “barnabés”, enquanto os “adendos”
(indicados sem concurso) recebiam “promoção automática” mesmo sem vagas (ascensão
vertical). Pediam, seguindo Weber, o aumento da burocracia, mas sua racionalização. Em
contraposição, os defensores do argumento de um Estado inchado pedirão o Estado
mínimo e lutarão contra leis que buscassem aumentar o tamanho da burocracia e as
condições materiais do funcionalismo, como fez Café Filho a pedido de Gudin em 1954.
Assim, a disputa entre neoliberalismo e nacional-desenvolvimentismo estava
explícita no debate anticorrupção envolto, nesse caso, nas reformas administrativas. O
jornal UH em 15/11/1954 (p. 4) começará a defender frequentemente o funcionalismo
público contra a representação de ineficiente e corrupto, demandando a aprovação do
projeto de aumento salarial. Diversos artigos e editoriais defenderão essa posição,
inclusive o DASP das acusações de corrupção. Se a defesa focou nos “barnabés”, o ataque
ficou sob aos “figurões”, que sempre buscavam favores políticos, ganhos econômicos e
inclusive que lideravam a “luta anticorrupção” contra o governo de Juscelino Kubitschek.
Entretanto, obviamente existirão denúncias de corrupção sendo o caso do próprio
DASP o mais emblemático que favoreceu a representação do funcionalismo público,
como diziam os liberais da época, de um antro de favorecimentos ilícitos” (Motta 2008:
244). O jornal getulista será sempre a favor do funcionalismo público, dando voz para
diretores negarem casos de corrupção e quase nenhum espaço às acusações (e.g. “Diretor
do DASP Nada Sabe Sobre Corrupção no Funcionalismo” 02/02/1959).
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 312
A ideia de uma formação de quadros técnicos ao serviço público que iriam acabar,
como um passe de mágica, com uma estrutura que privilegia e fornece acesso a ganhos
materiais e imateriais de forma ilícita sempre teve forte impacto no imaginário popular.
Como se esses técnicos também fossem incorruptíveis. Esse mote está presente em todo
discurso neoliberal anticorrupção propagado por políticos dirigindo-se, especialmente, à
classe média, uma classe composta por indivíduos de formação técnica.
O mesmo ocorreu com o DASP. Buscou-se determinar por demasiado a
administração por meio do regramento dos funcionários, como se estes fossem o
problema da administração pública, como se eles fossem corruptos e ineficientes por
natureza e um manejo técnico-normativo sanaria diminuiria a discricionariedade,
acabando com esses problemas. Mas o controle político criado pelo clientelismo da
ditadura Vargas, o crescimento de uma máquina sindical burocrática e a desorganização
política com o fim da ditadura levaram a um sem-fim de nomeações de extranumerários,
desorganização dos orçamentos públicos, compras de materiais superfaturados em grande
escala e na expansão da ineficiência do modelo de gestão concebido pelo DASP.
Isso se deveu, como nota Marcelino, à característica central da reforma
administrativa implementada no Estado Novo, que focou na reforma dos meios
de administração sem pensar a reforma dos fins, ou seja, as atividades
substantivas da administração pública (Marcelino, 2003). A corrupção, nesse
contexto de crescente desorganização do DASP, fez com que o controle
corporativista do serviço público desse lugar à existência de uma máquina
sindical [de favorecimentos ilícitos] (Filgueiras e Aranha 2011: 360)
O avanço do Estado durante o período democrático e a desorganização
administrativa, inclusive dentro do próprio DASP, fez com que a corrupção avançasse
durante os anos de 1950 e 1960, auxiliando o descrédito da experiência democrática.
As crescentes denúncias contra os chefes dos Executivos, o favorecimento de
empreiteiras e a ocupação desenfreada das estatais levou a um quadro de
agravamento da corrupção na cena pública brasileira, sendo ela um dos
elementos centrais para a justificação retórica de reconstrução do autoritarismo
no Brasil (Starling, 2008). [...] Dada a posição do pensamento autoritário de
que o Brasil não estaria apto para a democracia, a modernização apenas se
concretizaria com a elevação do Estado sobre a sociedade e a condução, pelo
alto, das reformas (Filgueiras e Borges Filho, 2005). (ibid.)
Esse será o fim do modelo técnico-normativo de administração no Brasil, iniciado
com Vargas. Com o golpe de 1964, haverá uma tentativa de sanar os problemas
decorrentes das reformas feitas no DASP por um viés mais neoliberal, mas ainda com
uma visão desenvolvimentista de racionalidade “gerencial” com a multiplicação de
administrações indiretas. Esta visava aplicar técnicas privadas à administração pública
para flexibilizá-la a rigidez burocrática, diminuir seu tamanho e torná-la mais eficiente
MIRAMONTES, F M. O Novo Leviatã: a Agenda Anticorrupção e a Expansão do Neoliberalismo 313
(Brasil, PDRAE 1996: 19), enquanto buscava acabar com a força dos sindicatos.
Obviamente, essa implementação somente foi possível por um governo autoritário. Assim
ressaltou o ditador Castello Branco ao Congresso:
De fato, os estudos realizados revelaram a existência de uma máquina
emperrada, excessivamente centralizada, descoordenada, inadequada para
atender, na forma desejável, às mais elementares necessidades de um serviço
público compatível com o: dinamismo de nossa época. Daí o objetivo
primordial da Reforma ter sido a modernização de seus instrumentos,
principalmente no sentido da descentralização, e o estabelecimento da efetiva
responsabilidade dos seus administradores e, ao mesmo tempo, a criação de
controles que assegurem a correta aplicação dos dinheiros públicos, sem
prejuízo do ritmo de trabalho e sem diminuir seu grau de eficiência. (Castello
Branco, Mensagem ao Congresso 1967: 93-94)
Mas a corrupção da administração pública continuou durante o regime militar, em
verdade, sem a necessidade de prestar contas à população, ela aumentou. Logo nos seus
primeiros dias, o governo Castello Branco irá abolir a regra que previa a necessidade de
concurso público como forma de ingresso na carreira pública (regra desde 1962/63:
resolução 4/62 e 36/63; abolidas pela resolução n. 39/64) em certas áreas como o Banco
Nacional de Habitação e outras estatais como a Petrobrás. A ideia de um regime estrito
moral e austero, capitaneado por ferozes defensores do neoliberalismo cedeu às
conveniências políticas e sanhas de poder, aumentando o número de agregados (cargos
comissionados) e diminuindo a previsibilidade do orçamento e racionalidade da
administração pública. Casos de nepotismo pulularam no governo desestabilizando não
só a administração direta, mas principalmente a indireta em grandes empresas estatais.