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Microtrabalho no Brasil. Quem são os trabalhadores por trás da Inteligência Artificial?

Authors:

Abstract

O relatório abarca brasileiros envolvidos nas cadeias globais de produção de IA. Tratam-se de pessoas que realizam 'microtarefas' para gerar e anotar dados para aprendizado de máquina, ao mesmo tempo em que verificam saídas algorítmicas e, ocasionalmente, assumem o lugar de falhas na automação. São utilizadas plataformas internacionais de trabalho digital por meio das quais realizam tarefas sob demanda, principalmente para produtores de IA localizados no Norte Global. Como trabalhadores da plataforma, eles são pagos por peça e não têm compromisso de longo prazo com os compradores de seus produtos. Alguns destaques: - Três em cada cinco trabalhadores de dados brasileiros são mulheres, enquanto na maioria dos outros países pesquisados anteriormente, as mulheres são uma minoria (uma em cada três ou menos). - 9 reais (1,73 euros) por hora é o valor médio ganho nas plataformas. - Existem pelo menos 54 plataformas de microtrabalho operando no Brasil. - Um terço dos trabalhadores de dados brasileiros não tem outra fonte de renda e depende de plataformas de microtrabalho para subsistência. - Dois em cada cinco trabalhadores de dados brasileiros estão (fora dessa atividade) desempregados, sem atividade profissional ou na informalidade. No Brasil, o microtrabalho de plataforma surge do desemprego generalizado e da informalização do trabalho. - Três em cada cinco trabalhadores de dados concluíram o ensino de graduação, embora realizem principalmente tarefas de dados online repetitivas e pouco desafiadoras, sugerindo alguma forma de incompatibilidade de habilidades. - As piores microtarefas envolvem a moderação de conteúdos violentos e pornográficos nas redes sociais, bem como o treinamento de dados em tarefas que os trabalhadores podem achar desconfortáveis ou estranhas, como tirar fotos de cocô de cachorro em ambientes domésticos para treinar dados para "robôs aspiradores". - As principais queixas dos trabalhadores estão ligadas à incerteza, falta de transparência, insegurança no trabalho, cansaço e falta de interação social nas plataformas.
Matheus VIANA BRAZ, Paola TUBARO, Antonio A. CASILLI
MICROTRABALHO
NO BRASIL
QUEM SÃO OS TRABALHADORES
POR TRÁS DA INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL?
R E L A T Ó R I O D I P L A B &
L A T R A P S
Junho 2023
Como citar esse relatório: Viana Braz, Matheus; Tubaro, Paola; Casilli, Antonio, A.,
(2023). Microtrabalho no Brasil: quem são os trabalhadores por trás da
inteligência artificial? Relatório de Pesquisa DiPLab & LATRAPS, <https://diplab.eu/?
p=2833>.
MICROTRABALHO
NO BRASIL
R E L A T Ó R I O D I P L A B &
L A T R A P S
Schneider & Co. Digital Group 22
EQUIPE
Before even typing your report, first
take the time to consider who the
report is for. One good rule of thumb
to remember is that the higher up
the stakeholder is in the
organizational ladder, the more
succinct the report needs to be.
3
Matheus Viana Braz
Professor Adjunto do
Departamento de Psicologia da
Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG), Brasil, e Professor
do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
E-mail: matheus.braz@uemg.br
Paola Tubaro
Professora pesquisadora (diretora
de pesquisa) no Centro De
Pesquisa em Economia e
Estatística (CREST). Socióloga
especializada em ciência da
computação, vinculada ao
Laboratório Interdisciplinar de
Ciências Digitais (LISN). E-mail:
paola.tubaro@cnrs.fr
Antonio A. Casilli
Professor de Sociologia no
Instituto Politécnico de Paris -
Telecom Paris. Co-diretor do
DiPLab (Digital Platform Labor) e
co-fundador da Rede
Internacional de Trabalho Digital
(INDL). E-mail:
antonio.casilli@telecom-paris.fr
3
#DiPLab
O QUE É MICROTRABALHO?
O microtrabalho é uma forma de trabalho online feita em plataformas digitais, que
envolve a realização de microtarefas de baixa complexidade, repetitivas, feitas sob
demanda, reduzidas a um serviço e pagas por tarefa. Para cada microtarefa
realizada, o trabalhador recebe alguns centavos de reais ou dólares. Trata-se de um
trabalho informal, disperso globalmente, sem proteções sociais e trabalhistas,
porém que cumpre papel central no desenvolvimento tecnológico de nossa
sociedade, sobretudo no que diz respeito à cadeia de produção de Inteligência
Artificial.
QUAIS AS FINALIDADES DAS
MICROTAREFAS?
Categorizar imagens, classificar publicidades, transcrever áudio e vídeos,
avaliar anúncios, moderar conteúdos em mídias sociais, rotular pontos de
interesse anatômicos e digitalizar documentos.
Responder a pesquisas de mercado, testar e avaliar aplicativos, websites e
produtos, pesquisar URls e navegar em websites para geração de tráfego.
Assistir a vídeos, inscrever-se em canais, ouvir músicas, compartilhar, votar
etc. Criar contas falsas para seguir, curtir e/ou comentar, de maneira a
impulsionar perfis em mídias sociais como Youtube, Facebook, Instagram,
Twitter, TikTok, Kwai e Spotify.
Desde 2010, proliferaram-se no mundo plataformas de microtrabalho.
Mapeamos a existência de mais de 50 plataformas de microtrabalho no Brasil,
voltadas para distintas finalidades, que variam desde o treinamento de dados
para o aprendizado de máquinas, passando pelo testes de usabilidade remota
até a criação de perfis fakes para impulsionamento de mídias sociais (em
fazendas de cliques). As microtarefas, portanto, envolvem variados trabalhos,
como, por exemplo:
4
5
70% TEM ENTRE 18 E 35 ANOS
do qu e espera vam mens almente nas
plata formas.
OS TRABALHADORES GANHAM
3 VEZES MENOS
São P aulo, Ri o de Jan eiro e M inas Ger ais
são o s estado s com a maior pr esença d e
traba lhadores .
66% CONTAM COM UMA
QUANTIA MÍNIMA DE DINHEIRO
1 EM CADA 3 TRABALHADORES
PRINCIPAIS RESULTADOS
não t em outra fonte d e renda am das
plata formas.
a ser obtida nas plat aformas para o
pagam ento de suas con tas.
"Schneider & Co. enjoyed
a 30% increase on
audience reach in both
organic and paid posts."
31,9% TRABALHAM 7 DIAS POR
SEMANA
nas p lataform as de mi crotraba lho.
R$582,71 É A DIA MENSAL
DE RENDIMENTOS
3 EM CADA 5 TRABALHADORES
O MULHERES
Mulhe res trab alham pr oporcion almente
mais que os h omens. E las tamb ém ganha m
um po uco mais , pois e ntram co m maior
frequ ência na s plataf ormas e realizam
taref as em ho rários c om melho r
remun eração.
nas p lataform as de mi crotraba lho.
infer ior ao d a popula ção gera l.
O RENDIMENTO DIO MENSAL
GERAL DOS TRABALHADORES É
31,5%
15 HORAS E 30 MINUTOS
é o t empo méd io seman al dedic ado à
ativi dades re munerada s nas pl ataforma s.
73,7% DOS TRABALHADORES
DESEMPREGADOS SÃO
MULHERES
O TRABALHO OCULTO POR DETRÁS
DA IA
Em tempos de ChatGPT, quando pensamos em produção massiva de dados, logo
fazemos conexões com noções como deep learning, machine learning, redes
neurais artificiais etc. Associamos ainda esse processo a engenheiros de software,
arquitetos de dados e demais profissionais altamente especializados. No entanto,
ainda parece pouco conhecido no Brasil o fato de que a cadeia produtiva da
Inteligência Artificial depende de uma multidão de trabalhadores precários, que
trabalham em suas casas executando microtrabalhos sub-remunerados, que
humanos fazem de forma mais eficiente que máquinas.
Todo aprendizado de máquina depende da geração, classificação, preparação,
verificação e anotação de dados. E é aqui que o trabalho humano é vastamente
necessário. Globalmente, o trabalho de treinamento e anotação de dados é
externalizado pelas empresas e é realizado por trabalhadores em plataformas
globais de microtarefas como Amazon Mechanical Turk, Appen, LionBridge/Telus,
ClickWorker, Microworkers etc. Essencial na cadeia de produção de toda IA
desenvolvida no mundo, o microtrabalho implica um trabalho de extração e
geração de dados, reduzido a um serviço e pago por peça, feito em plataformas
digitais, controlado e organizado por gestão algorítmica. Nesse relatório, nos
interessa compreender qual o lugar do Brasil nessa cadeia global.
Segundo relatório publicado em 2018 pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), baseado em pesquisa com 3.500 pessoas de 75 países, a média de idade
encontrada entre os trabalhadores do mercado de microtarefas foi de 33,2 anos.
Em países em desenvolvimento, um em cada cinco trabalhadores eram mulheres.
37% possuíam ensino superior completo e 20% concluíram uma pós-graduação.
O valor/hora médio recebido era de US$ 4,43. Os trabalhadores dedicavam em
média 18,6 horas semanais à atividades remuneradas nas plataformas. 32%
tinham as plataformas como fonte primária de renda e 36% trabalhavam nas
plataformas 7 dias por semana.
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METODOLOGIA
Entrevistas em profundidade com 15 trabalhadores. Dez mulheres e cinco
homens foram entrevistados, com idade mínima de 22, máxima de 54 e média
de 36,2 anos. Entre os participantes,13 pessoas tinham ensino superior
completo, em diferentes áreas, como direito, engenharia de petróleo,
fisioterapia, engenharia civil, administração, biotecnologia, letras, comércio
exterior e ciência da computação. Atuavam em ao menos uma e no máximo
quatro plataformas concomitantemente, entre as listadas: Amazon
Mechanical Turk, Appen, Telus (anteriormente denominada Lionbridge),
Clickworker, Quadrant e OneForma.
Questionário sociodemográfico preenchido por 477 trabalhadores da
plataforma Microworkers. A escolha pela plataforma se justifica pelo fato de
abarcar variadas modalidades de microtrabalho.
Esse relatório apresenta uma síntese dos resultados da investigação empírica com
a maior amostragem realizada sobre o microtrabalho no Brasil até o momento.
Objetivou-se analisar as condições de trabalho no mercado de microtarefas e suas
relações com novas tecnologias. Os resultados foram obtidos a partir dos
seguintes métodos:
A pesquisa foi dirigida por Matheus Viana Braz (UEMG), Paola Tubaro (CREST),
Antonio Casilli (Polytechnic Institute of Paris) e foi cofinanciada pelo CNRS, MSH
Paris-Saclay e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG), mediante o programa FAPEMIG/UEMG (05/2021). Participaram das
entrevistas também os seguintes pesquisadores do Laboratório de Trabalho,
Saúde e Processos de Subjetivação (LATRAPS), vinculado à Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG): Thiago Casemiro Mendes, Yasmin Alexandre
Ferreira e Dafyne Krisch Marçal.
Os dados provenientes dos questionários foram coletados e armazenados em
conformidade com a General Data Protection Regulation (GDPR) da União
Europeia, mediante registro no serviço de proteção de dados do Centre National
de la Recherche Scientifique (CNRS), França. Destaca-se que os nomes utilizados
nesse relatório são fictícios, de maneira a resguardar a identidade dos
trabalhadores.
7
#DiPLab
QUAIS SÃO AS PLATAFORMAS MAIS
UTILIZADAS PELOS BRASILEIROS?
plataformas para anotação e treinamento de dados para IA;
plataformas para realização de pesquisas de mercado;
plataformas para impulsionamento de mídias sociais (também conhecidas
como fazendas de cliques), voltadas ao mercado de compra e venda de
seguidores, curtidas, comentários e inscritos em mídias sociais como
Instagram, Facebook, Youtube, TikTok, Kwai e Spotfy;
plataformas para pequenos serviços de freelancing;
plataformas para testes de usabilidade remota.
Em estudo anterior, identificamos ao menos 54 plataformas de microtrabalho
em operação no Brasil. Depois, as dividimos em cinco diferentes categorias:
Parece ser comum, nesse mercado, a realização de trabalhos em múltiplas
plataformas, de várias categorias. Parte significativa dos trabalhadores da
Microworkers (n=342/477) declarou já ter trabalhado em outras plataformas,
conforme evidenciado abaixo. No âmbito das fazendas de cliques brasileiras, as
plataformas mais utilizadas foram Ganhar no Insta (atualmente nomeada
Ganhar nas Redes) e Dizu:
8
ClickWorker
Appen
Oneforma
Picoworkers
UHRS
Lionbridge (Telus)
Ganhar no Insta
Dizu
50%
40%
30%
20%
10%
0%
QUEM SÃO OS TRABALHADORES
BRASILEIROS?
Os trabalhadores brasileiros são em sua maioria jovens, com idade entre 18 e 35
anos (70,6%), mulheres (63,9%) e casados, vivem com parceiros ou possuem
união estável (60,8%). Os três estados brasileiros com maior presença de
trabalhadores foram São Paulo (28,8%), Rio de janeiro (12,6%) e Minas Gerais
(9,7%). As taxas de escolarização dos trabalhadores foram também maiores que
as médias da população brasileira.
9
População Geral Mulheres Homens
18 – 24 anos 25 – 34 anos 35 – 44 anos 45 – 54 anos 55 – 64 anos 65 – 74 anos 75 ou mais
50%
40%
30%
20%
10%
0%
QUEM SÃO OS TRABALHADORES
BRASILEIROS?
10
28%
Microtrabalho População Geral (IBGE, 2019)
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Educação pré-escolar
Ensino básico
Ensino médio
Ensino profissionalizante
Ensino Superior
Mestrado
Doutorado
Não sei/ Não quero responder
Mulheres
63.9%
Homens
36.1%
Casado(a)
37.1%
Solteiro(a)
36.5%
União Estável
12.6%
Amasiado(a)
11.1%
Divorciado(a)
1.5%
Separado(a)
0.2%
SÃO PAULO 12% RIO DE JANEIRO 9% MINAS GERAIS
33,5% dos trabalhadores
tem como única fonte
de renda as plataformas
de microtrabalho
REMUNERAÇÃO
11
12
REMUNERAÇÃO
33,5% não têm outra fonte de renda e R$9,36 é o valor ganho em média
por hora nas plataformas de microtarefas.
R$1866 é o rendimento médio mensal dos trabalhadores, contando com
todas suas fontes de renda, o equivalente a 1,41 salário mínimo no Brasil.
15h horas e 30 minutos é o tempo médio semanal dedicado à
atividades remuneradas nas plataformas.
31,9% trabalham 7 dias por semana nas plataformas.
R$582,71 é a média de rendimentos mensais dos
trabalhadores nas plataformas.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE, 2022), o custo mensal estimado para uma única pessoa em cidades como Rio
de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte é superior a R$5400.
13
REMUNERAÇÃO
66% contam com uma quantidade mínima de dinheiro a ser obtida nas
plataformas para o pagamento de suas contas.
Dentre os trabalhadores que atuam na formalidade, 40,5% trabalham
em tempo parcial.
O rendimento médio mensal geral dos
trabalhadores (R$1866) é 31,5% inferior ao
rendimento da população geral (R$2727).
38,8% estavam desempregados, sem atividade profissional ou na
informalidade.
Quando perguntados sobre quanto esperavam receber no último mês,
por tarefas realizadas nas plataformas, a média encontrada foi de
R$1669,12, quase três vezes menor que a remuneração real recebida.
Necessidade de dinheiro, flexibilidade de horários e
preferência por trabalhar em casa são as principais
motivações que levam os trabalhadores a realizarem
microtarefas
POR QUE OS
TRABALHADORES
BUSCAM AS
PLATAFORMAS?
Diante do aumento da precarização e
informalização do trabalho, as plataformas se
apresentam como meio alternativo de
rendimentos. Além das plataformas de
microtarefas, mais de 50% da amostra já realizou
atividades relacionadas à vendas online, jogos de
azar ou apostas esportivas, o que indica que o
microtrabalho está inserido em um ecossistema
mais amplo, direcionado a oferta da obtenção de
renda extra na internet.
14
15
GÊNERO
Mulheres trabalham proporcionalmente mais que os
homens nas plataformas de microtrabalho. Elas também
ganham um pouco mais, pois entram com maior frequência
nas plataformas e realizam tarefas em horários com melhor
remuneração.
65,2% das mulheres
trabalham de
segunda a sexta-
feira nas
plataformas, contra
55,3% dos homens.
36,6% dos homens
trabalham aos
bados e
domingos, contra
35% das mulheres.
Dentre os
trabalhadores
desempregados,
73,7% o mulheres.
67,9% das mulheres
e 55,8% dos homens
entram ao menos
uma vez ao dia para
buscar novas tarefas
remuneradas nas
plataformas.
Enquanto a maior
proporção dos
homens (43,6%)
realiza os trabalhos
nas plataformas
após o horário
comercial (das 18h
às 22h), 54,8% das
mulheres costuma
realizar os trabalhos
entre às 14h e às
18h.
No estudo da OIT (2018), constatou-se que quase 70% dos trabalhadores da
plataforma Microworkers eram homens. No caso dos brasileiros que
trabalham nessa plataforma, essa relação é quase inversamente
proporcional, com a maioria de mulheres.
Em países em desenvolvimento, 1 em cada 5 trabalhadores são mulheres,
porém no Brasil 3 em cada 5 são mulheres. Nesses países, o valor/hora pago
em média é US$4,43, contra US$1,80 no Brasil.
Em países em desenvolvimento, a proporção de trabalhadores casados (ou
em união estável) é de 55%, contra 60,8% no Brasil.
Globalmente, em média 43% dos trabalhadores possuíam filhos que viviam
em suas casas. No Brasil, esse número chega a 53%. Em média, 57% dos
trabalhadores possuem ao menos uma graduação completa, contra 44% em
território nacional.
Em âmbito global, 66% dos trabalhadores possuem algum tipo de
plano/seguro privado de saúde, contra 31% no Brasil. Destaca-se, ainda, que
46% dos brasileiros mencionaram ter desistido de fazer algum tratamento
médico, no último ano, em função da falta de dinheiro.
No Brasil, dentre os trabalhadores que atuam na formalidade, 40,5%
trabalham em tempo parcial. Em âmbito global, esse percentual é de 33%.
Dentre os trabalhadores brasileiros que possuem outros trabalhos, além das
plataformas, 72% se dedicam a empregos de alta qualificação, contra 65%
em países da América Latina e Caribe, 61% em países da Ásia e do Pacífico,
bem como 59% na Europa e Ásia Central, e menos de 20% na América do
Norte.
Para situar o Brasil na geopolítica do microtrabalho, comparamos nossos dados
com a pesquisa realizada em 2018 pela OIT, que abarcou 75 países.
16
GEOPOLÍTICA DO MICROTRABALHO
Nas entrevistas realizadas, os trabalhadores mencionam que as "piores tarefas"
seriam relacionadas à moderação de conteúdos violentos e pornográficos em
mídias sociais. Tarefas caracterizadas como "estranhas" também entrariam no
rol das piores tarefas.
Helena, 54 anos, por exemplo, nos relatou que trabalhara em um projeto voltado
ao treinamento de dados de "robôs aspiradores de pó", para que o software
identificasse e evitasse passar por cima de fezes de cachorros e gatos. As
microtarefas, nesse sentido, consistiam em tirar "fotos de cocôs de tais animais"
em variados ambientes domésticos. Alguns centavos de dólares eram pagos
para cada foto enviada. A trabalhadora nos relatou que passara dois dias
movendo as fezes de seu cachorro e chegou a tirar mais de 250 fotos em
diferentes locais de sua residência.
17
Existem, sim, muitas tarefas estranhas,
mas, como normalmente pagam um
valor maior do que o normal, encaro
como um mal necessário. Entre elas,
tirar fotos de cocô de cachorro, avaliar
sites pornográficos, avaliar o conteúdo
pornográfico de imagens, gravar vídeos
de você em determinadas condições
(ambiente, luz, posicionamento etc.)
(Angélica, 27, anos)
QUAIS SÃO AS PIORES
MICROTAREFAS?
Na transcrição, quase fiquei louca,
porque eles mandavam uns áudios
com gritos, muito alto, com uns
áudios muito loucos, com tempo. Na
transcrição, teve um que desertei, [...]
são muitas pessoas falando
e você tem que transcrever tudo, as
tosses, os espirros, tem algumas chaves,
a pontuação também é muito
cobrada. Chegava à noite eu estava
muito irritada, não conseguia nem
escutar minha voz (Renata, 32, anos).
Em tarefas de moderação de conteúdos violentos e pornográficos em mídias
sociais, chama atenção nos relatos dos trabalhadores o custo psicológico de tais
atividades e a falta de suporte por parte das plataformas. Revolta, incômodo,
impotência e tristeza foram alguns dos sentimentos relatados pelos
trabalhadores diante de tais trabalhos.
18
Eu trabalhava em um projeto do
Facebook, tinha que verificar o
anúncio, pra avaliar se
tinha sangue, violência, abuso, se
continha arma. Muitas vezes, peguei
anúncio pesado. [...] Você precisa
ter um psicológico forte pra
trabalhar nisso. Você tinha que fazer
tudo dentro de uma hora. Eles só te
pagam o valor referente à hora. Eles
falam que se você for ver e não
conseguir terminar nem começa.
Precisava de ter um apoio
psicológico, um amparo. Uma
mulher que conheci teve que fazer
tratamento.
É preciso tentar minimizar o
impacto dos trabalhadores que
ficam assistindo a mortes, pra tirar a
imagem da cabeça da pessoa,
porque ninguém consegue
acostumar com isso. (Pedro, 23
anos).
QUAIS SÃO AS PIORES
MICROTAREFAS?
Não dá para se sentir bem com isso,
né? A gente sente nojo do ser humano,
infelizmente! Pensar que
esse tipo de ação vem de uma espécie
como a sua, é horrível você ver como o
ser humano é capaz de fazer
esse tipo de coisa (Claudio, 54 anos).
Poderia ser desenvolvido alguma coisa
no sentido de suporte psicológico para
o profissional, especialmente para lidar
com as emoções que a gente sente,
esse turbilhão de emoções
causado por esse tipo de trabalho
(Higor, 31 anos).
INCERTEZA e INSTABILIDADE: as ofertas de tarefas nas plataformas são
imprevisíveis e frequentemente não são claras as formas como são distribuídas.
Como a maior parte das plataformas são sediadas no Norte Global, os
trabalhadores queixam-se que a reposição de tarefas costuma ocorrer de
acordo com os fusos-horários dos clientes-sede, o que coloca os brasileiros em
desvantagem na realização de tarefas em projetos globais. Uma das alternativas
para contornar essa desvantagem é passar a trabalhar no período da
madrugada nos momentos onde ocorrem a reposição. Isso explica,
provavelmente, porque 27,9% da amostra trabalha nas plataformas entre 22h e
01 da manhã e 9,4% trabalha entre 01h e 05h da manhã.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA e INSEGURANÇA: os processos de
gerenciamento e controle sobre o trabalho não são claros. Precisamente, os
trabalhadores se queixam sobre a nebulosidade das políticas de desligamentos
(e bloqueio) e dos critérios de admissão em projetos, assim como de aprovação
e rejeição das tarefas nas plataformas. 67,6% dos trabalhadores que tiveram
microtarefas rejeitadas nas plataformas (e, portanto, que não foram
remuneradas) alegam não terem tido nenhum retorno ou justificativa acerca
dos motivos para tal rejeição. Claudia, 38 anos, que dedicava horas do seu dia ao
microtrabalho, nos contou sobre sua experiência ao ser desligada
repentinamente de um projeto em uma plataforma:
Para além do caráter repetitivo e por vezes sem sentido atribuído às atividades
realizadas, as queixas se concentram nas assimetrias existentes entre os
trabalhadores, os requisitantes das tarefas e as plataformas.
19
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS QUEIXAS
DOS TRABALHADORES?
Depois que eu fui demitida [da plataforma], tive uma crise bem horrível, aí tive
que procurar o psiquiatra e ele me medicou. [...] É revoltante, dói bastante, de
repente você fica sem o seu trabalho e em meio a uma pandemia. Eu mandei
vários e-mails quando fui demitida, mas não recebi nenhuma resposta. [...] Teve
uma época que estava sem task para fazer, a não ser que você acordasse 3 ou
4 horas da manhã para fazer. Tenho uma conhecida que fez isso e ela ficou
muito doente. Mas, assim mesmo, tem muita gente que faz, agora vai entrar
abril e maio, quem acordar às 3 é que vai conseguir trabalhar (Cláudia, 38
anos).
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS QUEIXAS
DOS TRABALHADORES?
CANSAÇO e FALTA DE INTERAÇÃO: os trabalhadores relatam que o caráter
repetitivo das tarefas gera cansaço, que se intensifica pela falta de interação.
Somente 22% dos trabalhadores participam de espaços de discussão, como
grupos de Whatsapp, Telegram e Facebook. Dentre eles, 45,4% alegam que
fazem parte desses grupos para conversar com outras pessoas que
trabalham online. Compartilhar informações sobre tarefas criticadas por
outros trabalhadores, queixar-se das plataformas e atualizar-se sobre tarefas
disponíveis são outras motivações para participar de tais espaços.
20
Não é uma coisa agradável de se
fazer, sentar na frente do
computador e ficar por horas ali
fazendo, é repetitivo demais, é
muito cansativo. [...] Nesse
trabalho de plataforma é só eu e
meu quarto (Anderson, 54 anos)
Nos grupos eu não sou de falar,
porque eles falam demais,
quando eu posso ajudar eu
ajudo. O pessoal é remoto e a
gente fica meio carente
trabalhar com internet e a
gente tem que interagir. Eu
gosto de acompanhar, eu tenho
três ou mais grupo, eu faço
parte do da Appen, de um
genérico também de remoto.
Eu gosto de participar de grupo,
porque é a forma de eu ter a
experiência de outra pessoa
que vai me ajudar em algo
(Denise, 51 anos).
s
Então existe os grupos de
Whatsapp, o que não pode ter
conforme as regras da plataforma.
Mas é uma forma da gente se
comunicar. Eu sinto que os grupos
do Whatsapp geram um
coletivismo ali dentro, mesmo
sendo um grupo de trabalho,
podemos nos comunicar sobre
outras coisas (Andressa, 29 anos).
Produto de uma colaboração frutífera entre o grupo de pesquisa brasileiro
LATRAPS e o grupo de pesquisa francês DiPLab, este relatório foi inspirado por
uma série de projetos que conduzimos entre os anos de 2018 e 2022, na Europa
e na América Latina. Essas pesquisas nos proporcionaram experiências
metodológicas e conhecimentos prévios, as quais subsidiaram o presente
estudo com trabalhadores brasileiros, tornando possível a identificação de
resultados únicos.
Quando comparados com seus pares globalmente, os trabalhadores brasileiros
no mercado de microtarefas são ligeiramente mais jovens, possuem níveis
inferiores de escolaridade, porém se distinguem substancialmente por
contarem com maior proporção de mulheres. Ao contrário das trabalhadoras
mulheres estudadas anteriormente em outros países, as brasileiras desse
mercado tendem a ganhar mais do que os homens, sobretudo porque dedicam
mais tempo a essa atividade. Essa constatação se revela uma importante
novidade. No futuro, objetivamos nos aprofundar sobre esse fenômeno, para
compreendermos se trata-se de uma especificidade local ou se esses dados
refletem tendências mais amplas no crescente mercado de microtarefas online.
O Brasil se sobressai em comparação a países do Norte Global, especialmente
no que diz respeito ao lugar do microtrabalho na sociedade. Diante do aumento
da flexibilização do trabalho, em uma economia que conta com 39 milhões de
pessoas na informalidade (38,8% do mercado de trabalho), as plataformas de
microtarefas se apresentam como uma alternativa de renda. Com efeito, o
microtrabalho se torna um fenômeno cultural entre adultos urbanos, sobretudo
entre as mulheres. Tal mercado se alinha a outras formas de trabalho em
plataformas, como serviços de entregas e transporte, ao mesmo tempo em que
representa um prolongamento do trabalho informal nas cidades.
21
EXPLORANDO O MICROTRABALHO
BRASILEIRO: TENDÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES
O panorama observado hoje é produto de uma série de choques exógenos
operados nos mercados internacionais, incluindo a pandemia da COVID-19 e
suas subsequentes crises econômicas e geopolíticas. Tais eventos levaram um
número crescente de indivíduos a recorrerem às plataformas de trabalho
remoto como meio de obter dinheiro online, trabalhando em casa, sem
enfrentar barreiras significativas. Contudo, a demanda por trabalho parece ter
permanecido volátil e não tem crescido tão rápida quanto a oferta, o que fez
com que o aumento da procura por microtrabalho tenha produzido a
depreciação das remunerações nas plataformas.
Além disso, o surgimento de novos intermediários também contribuiu para
remodelar esse cenário. Ao contrário do modelo “puro” de plataformas online
como marketplaces, comumente difundido desde meados dos anos 2000,
atualmente essas organizações se sofisticaram, logrando maior estabilidade ao
selecionar cuidadosamente grupos específicos de trabalhadores, impondo-lhes
acordos estritos de confidencialidade, mediante seus termos de serviço.
Embora esse relatório não tenha se aprofundado nessas estruturas
organizacionais, é importante observar brevemente a crescente diversificação
do setor, evidenciada pela presença de plataformas menores (locais), empresas
terceirizadas (via Business Process Outsourcing) e estruturas complexas,
multiestratificadas, que englobam várias organizações interrelacionadas com
distintos papéis e especialidades como, por exemplo, fornecimento de software,
recrutamento de trabalhadores, gestão de pagamentos, gestão tributária e
suporte técnico. Esses novos atores econômicos competem ao lado das
plataformas de trabalho online, cada um oferecendo especializações únicas
para atender a subsetores, demandas e produtos específicos.
22
EXPLORANDO O MICROTRABALHO
BRASILEIRO: TENDÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES
Esse relatório apresenta a ampla variedade dos trabalhos realizados nas
plataformas de microtabalho no Brasil. Nesse sentido, convergimos com as
pesquisas realizadas no bojo do Digilabour, acerca da expansão das fazendas de
cliques em território nacional nos últimos anos. Rafael Grohmann e sua equipe
lançaram luzes compreensivas sobre a estrutura desse mercado de trabalho,
baseado em microtarefas repetitivas cuja finalidade consiste em impulsionar a
popularidade de conteúdos e perfis em mídias sociais. Além disso, destaca-se
também o trabalho realizado para alimentar o desenvolvimento da Inteligência
Artificial (IA), que depende substancialmente do trabalho humano para treinar e
aperfeiçoar seus algoritmos, apesar de suas promessas centradas na
automatização de processos e negócios. O surgimento recente da chamada IA
generativa e o sucesso de modelos de linguagem como o ChatGPT exigem
dados específicos, concernentes a variados países e línguas. A necessidade do
fornecimento de exemplos e inputs para esses modelos de linguagem é um dos
principais impulsionadores da demanda por microtarefas no Brasil.
Relembremos que GPT significa Generative Pre-trained Transformer, portanto se
refere a algoritmos que geram conteúdos após serem "treinados" por humanos;
e os trabalhadores do mercado de microtarefas desempenham um papel
fundamental nesse desenvolvimento.
“Treinadores”, “anotadores” ou “trabalhadores de dados”, aos quais nos referimos
comumente na literatura como “microtrabalhadores”, desempenham um papel
fundamental no desenvolvimento dessa nova geração de soluções digitais.
Infelizmente, suas contribuições passam despercebidas e eles mesmos por
vezes não reconhecem a importância de seus trabalhos. As tarefas que esses
trabalhadores realizam podem parecer eventualmente simples, como
parafrasear uma sentença ou oração, transcrever uma conversa ou fornecer
palavras para descrever uma imagem. No entanto, muitas vezes eles têm um
alto nível de escolaridade e desenvolvem novas habilidades online, seja ao
realizar tarefas mais rapidamente, seja as executando com maior eficácia.
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EXPLORANDO O MICROTRABALHO
BRASILEIRO: TENDÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES
Todos os elementos destacados estão relacionados aos esforços em curso para
regular a tecnologia desenvolvida em diferentes continentes. As tentativas de
regulamentar o trabalho por aplicativo e a IA, tanto no Brasil como na Europa,
foram recebidas pela opinião pública como etapas necessárias para
compatibilizar o desenvolvimento tecnológico com valores humanos,
necessidades sociais e o bem-estar coletivo. Contudo, esses esforços regulatórios
em grande parte ignoraram os papéis vitais desempenhados pelos
“microtrabalhadores” no desenvolvimento da IA e sua centralidade no âmbito
da economia de plataformas.
Ao pesquisarmos o microtrabalho, objetivamos trazer em primeiro plano a
presença e condições de trabalho desses trabalhadores no Brasil. Esperamos
auxiliar os formuladores de políticas locais a compreenderem de modo mais
profundo essa forma de trabalho, que emerge em meio a intrincada teia de
dependências econômicas e políticas na qual está inserida. As plataformas de
microtarefas permitem que empresas de tecnologia do Norte Global se sirvam
das habilidades dos trabalhadores para treinar suas soluções tecnológicas. No
entanto, os benefícios derivados desse arranjo são direcionados
predominantemente para países mais desenvolvidos, enquanto países
periféricos, como o Brasil, deixam de arrecadar mais impostos, bem como não
conseguem desenvolver infraestrutura correlata local e tampouco fornecem
políticas adicionais de proteção social aos seus trabalhadores.
Dado que o microtrabalho no Brasil está intimamente ligado a amplas cadeias
de suprimentos de dados globais – conectando, por exemplo, apartamentos nos
arredores de São Paulo a centros de dados na Califórnia ou na Irlanda –, parece
evidente que a regulamentação efetiva da IA e do trabalho informal em
plataformas não pode ser alcançada sem que sejam abordadas e reguladas
essas complexas dependências globais.
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EXPLORANDO O MICROTRABALHO
BRASILEIRO: TENDÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES
Antes de concluir nossas considerações, devemos ainda abordar uma questão
terminológica importante: o uso do termo "microtrabalhadores" para
caracterizar os trabalhadores envolvidos no mercado online de microtarefas. É
fundamental destacar que essa terminologia ocasionalmente coincide com a
nomenclatura comercial empregada por certas plataformas, sugerindo se tratar
de atribuições menores, que exigiriam supostamente baixa qualificação. Tal
interpretação do trabalho tem chamado a atenção na literatura e gerado
apreensão nos círculos acadêmicos e especializados, devido às implicações
potenciais que carrega. Nesse sentido, alguns de nossos colegas brasileiros,
como Ludmila Costhek Abílio e Rafael Grohmann, têm enfatizado a necessidade
de irmos além dessa definição.
Aqui, faz-se necessário retornar às origens do termo "microtrabalho" e suas
implicações políticas. O conceito, que ganhou popularidade no final dos anos
2000 e início dos anos 2010, foi inicialmente cunhado com base no
"microcrédito", uma abordagem econômica que visa proporcionar inclusão
financeira a populações marginalizadas e desassistidas sem acesso a serviços
bancários. A ideia de que plataformas de trabalho orientadas à produção de
dados poderiam oferecer uma oportunidade semelhante, dessa vez em termos
de trabalho, foi então apresentada, por vezes com otimismo ingênuo e outras
vezes com um toque de ironia.
A controvérsia em torno desse termo não decorre de seu potencial para
desvalorizar o trabalho ao minimizá-lo. Pelo contrário, está relacionada à
promessa não cumprida de desenvolvimento, que sugere indiretamente a
difusão de uma ideologia de livre mercado com traços de colonialismo. Embora
tenhamos escolhido intitular este relatório de "Microtrabalho no Brasil", em
consonância com a literatura científica existente (à qual também contribuímos),
reconhecemos as complicações que essa escolha linguística acarreta.
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EXPLORANDO O MICROTRABALHO
BRASILEIRO: TENDÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES
Portanto, estamos ativamente engajados em diálogos envolvendo vozes
proeminentes de países em desenvolvimento, para desenvolvermos novas
categorias analíticas que apreendam com precisão esse fenômeno. Esses novos
conceitos provavelmente surgirão de um processo dialético entre círculos
acadêmicos e ativistas. Estes últimos têm demonstrado uma notável
adaptabilidade na escolha de operadores para organizar suas lutas pelo
reconhecimento de seus trabalhos. Sejam chamados de "anotadores de dados",
"analistas de informações", "revisores de IA", "moderadores" ou "especialistas
terceirizados" (terminologias já utilizadas), todos eles pertencem a uma
categoria crescente de trabalhadores, engendrada nos modos de produção
contemporâneos. Compreender suas vivências é fundamental para
apreendermos as transformações operadas em nosso trabalho, tanto em sua
natureza intrínseca quanto em seu significado mais amplo.
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EXPLORANDO O MICROTRABALHO
BRASILEIRO: TENDÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES
Abaixo, compartilhamos referências bibliográficas que analisam o microtrabalho no
Brasil e no mundo,
BERG, Janine; FURRER, Marianne; HARMON, Ellie; RANI, Uma; SILBERMAN
Six. Digital labour platforms and the future of work: towards decent work in the
on-line world. Geneva: International Labour Office, 2018.
CASILLI, Antonio A. Esperando a los robôts: investigación sobre el trabajo del clic.
Santiago, Chile, LOM Editores, 2022.
GROHMANN, Rafael; ARAÚJO, Willian F. Beyond Mechanical Turk:
the work of Brazilians on global AI platforms. In: VERDEGEM, Pieter. AI for
everyone? Critical perspectives. London: University of Westminster Press, 2021.
p. 247-266.,
GROHMANN, Rafael; PEREIRA, Gabriel; GUERRA, Abel; ABILIO, Ludmila Costhek; MORESCHI,
Bruno; JURNO, Amanda. Platform scams: Brazilian workers’ experiences of dishonest
and uncertain algorithmic management. New Media & Society, v. 24, n. 7, p. 01-30, 2022.
GROHMANN, Rafael; AQUINO, Maria Clara; RODRIGUES, Alison; MATOS, Évilin; GOVARI,
Caroline; AMARAL, Adriana. Click farm platforms: An updating of informal work in Brazil
and Colombia. Work Organisation, Labour & Globalisation, v. 16, n. 02, p. 07-20, 2022.
KALIL, Renan B. Capitalismo de plataforma e Direito do Trabalho:
crowdwork e trabalho sob demanda por meio de aplicativos, 366f. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Direito do Trabalho e da
Seguridade Social, Universidade de São Paulo, 2019.
MORESCHI, Bruno; PEREIRA, Gabriel; COZMAN, Fabio G. The Brazilian
workers in Amazon Mechanical Turk: dreams and realities of ghost workers.
Contracampo: Brazilian Journal of Communication, v. 39, n. 1, p. 44-64, 2020.
TUBARO, Paola; CASILLI, Antonio; COVILLE, Marion. The trainer, the verifier,
the imitator: three ways in which human platform workers support artificial
intelligence. Big Data & Society.
ROSENFIEL, Cinara; Mossi, Thays Wolfarth. Trabalho decente no capitalismo
contemporâneo: dignidade e reconhecimento no microtrabalho por plataformas.
Sociedade e Estado, v. 35, n. 03, p. 741-764, 2020.
VIANA BRAZ, Matheus. Heteromação e microtrabalho no Brasil. Sociologias, v. 23, n. 57, p.
134-172, 2021.
VIANA BRAZ, Matheus; MENDES, Thiago Casemiro; FERREIRA, Yasmin Alexandre. Ideologia
gerencialista e plataformas de treinamentos de dados para Inteligência Artificial (IA):
condições de trabalho e saúde dos trabalhadores no Brasil. Reciis – Revista Eletrônica de
Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, v. 16, n. 4, p. 759-784, 2022.
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INDICAÇÕES DE LEITURAS
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#DiPLab
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Article
Full-text available
O objetivo deste estudo é analisar as condições de trabalho e os seus impactos na saúde dos trabalhadores no mercado de microtarefas de treinamento de dados para a produção de Inteligência Artificial (IA), em especial no que diz respeito a suas relações com a ideologia gerencialista. Os dados são provenientes de uma netnografia realizada entre os anos de 2020 e 2021, de análises dos websites das plataformas e de entrevistas realizadas com 15 trabalhadores. A partir da análise de quatro instâncias mediadoras (econômica, política, ideológica e psicológica), argumentamos que a ideologia gerencialista, consubstanciada a ideologia californiana, se caracteriza como um operador central na gestão do trabalho, que tem por finalidade garantir a adesão dos trabalhadores às plataformas e ocultar os conflitos do trabalho, direcionando-os para o nível individual e produzindo um cenário de individualização do sofrimento.
Article
Full-text available
Resumo No paradigma da heteromação do trabalho, as mudanças operadas pela informatização da economia fazem com que uma massa expressiva de trabalhadores passe a desempenhar atividades essenciais, mas marginais. Objetiva-se, neste estudo, analisar as diferentes formas de microtrabalho heteromatizado remunerado presentes em território nacional, de maneira a lançar luzes compreensivas sobre as condições e especificidades do contexto laboral brasileiro. Para tanto, primeiro foi realizado um levantamento e descrição dos crowdworks de microtarefas em operação no Brasil. Depois, a partir do método netnográfico nos inserimos em 22 grupos de Facebook e de Whatsapp voltados a esse mercado (o que totaliza uma base de cerca de 16 mil perfis registrados) e os acompanhamos durante sete meses. Conclui-se que, no Brasil, há uma importante reserva de mão de obra de microtrabalho e que não estamos diante de um cenário isolado, monolítico e homogêneo. O microtrabalho está imbricado em novas formas de extração de valor da plataformização do trabalho e deve ser compreendido em meio a cadeias de produção mais amplas, globais, onde as condições de trabalho são polissêmicas, assimétricas e regidas mormente por países do Norte global.
Esperando a los robôts: investigación sobre el trabajo del clic
  • Antonio A Casilli
CASILLI, Antonio A. Esperando a los robôts: investigación sobre el trabajo del clic. Santiago, Chile, LOM Editores, 2022.
Capitalismo de plataforma e Direito do Trabalho: crowdwork e trabalho sob demanda por meio de aplicativos, 366f. Tese (Doutorado em Direito) -Programa de Pós-Graduação em Direito
  • Renan B Kalil
KALIL, Renan B. Capitalismo de plataforma e Direito do Trabalho: crowdwork e trabalho sob demanda por meio de aplicativos, 366f. Tese (Doutorado em Direito) -Programa de Pós-Graduação em Direito, Direito do Trabalho e da Seguridade Social, Universidade de São Paulo, 2019.