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Respostas indígenas à pandemia: Ação pública em contextos de emergência

Authors:

Abstract and Figures

The indigenous health policy in Brazil is composed of an ecosystem of diverse organizations, including government agencies and indigenous, indigenist, and religious associations. Regional and ethnic diversities and the differences in the nature of the partnerships bring challenges to guaranteeing the rights of indigenous peoples. This paper adopts a multi-centric perspective of public action to understand how this network of actors articulated responses to the impacts of the COVID-19 pandemic and the conservative government of President Jair Bolsonaro on indigenous lands. We present two case studies based on the experiences of agents and organizations focused on indigenous health in the municipalities of São Paulo (SP) and São Gabriel da Cachoeira (AM), both in Brazil. The results indicate that the networks created among agents supporting indigenous agendas played a central role in confronting the crises and worked as a protective web for indigenous populations’ rights during periods of democratic regression. The study highlights the importance and challenges of maintaining an intercultural dialogue with indigenous communities and partner organizations’ ethical and political commitment to the effectiveness of this model of indigenous health policy. Keywords: civil society; State; participation; indigenous health; COVID-19
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CGPC | Cadernos Gestão Pública e Cidadania | FGV EAESP
1FGV EAESP | CGPC | VoL. 28 | 2023 | e88502 | ISSN 2236-5710
ARTIGOS
Submetido 08-12-2021. Aprovado 19-05-2023
Avaliado pelo sistema double blind review. Editor Associado: Andrea Leite Rodrigues
Os revisores não autorizaram a divulgação de sua identidade e relatório de avaliação.
Versão original | DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v28.85060
RESPOSTAS INDÍGENAS À PANDEMIA: AÇÃO PÚBLICA
EM CONTEXTOS DE EMERGÊNCIA
Indigenous responses to the pandemic: Public action in contexts of emergency
Respuestas indígenas a la pandemia: Acción pública en situaciones de emergencia
Teresa Harari*1 | harariteresa@gmail.com | ORCID: 0000-0002-0272-2467
Paola De Angelis1 | pa.deangelis@hotmail.com | ORCID: 0009-0008-3500-2440
Pedro Vianna Godinho Peria1 | p.v.g.peria@gmail.com | ORCID: 0000-0003-2635-7959
Sophia Veronesi1 | sophiavdias@outlook.com | ORCID: 0009-0005-6468-2551
*Autora correspondente
1 Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
A política de saúde indígena no Brasil é composta de um ecossistema de organizações diversas que abarca desde
órgãos governamentais até associações indígenas, indigenistas e religiosas. As diversidades regionais e étnicas,
somadas às diferenças nas naturezas das parcerias, trazem desaos para a garantia dos direitos dos povos indígenas.
O presente trabalho fundamenta-se em uma perspectiva multicêntrica da ação pública para compreender como
essa rede de atores articulou respostas para os efeitos da pandemia de Covid-19 e do governo conservador de
Jair Bolsonaro nas Terras Indígenas. Apresentamos dois estudos de caso baseados nas experiências de agentes e
organizações voltados à saúde indígena nos municípios de São Paulo (SP) e São Gabriel da Cachoeira (AM). Os
resultados apontam que as redes criadas entre agentes solidários às pautas indígenas foram o fator central para o
enfrentamento das crises e funcionam como uma malha de proteção aos direitos das populações indígenas em
contextos de retrocesso democrático. Ficaram patentes a importância e os desaos da manutenção de um diálogo
intercultural com as comunidades indígenas e do comprometimento ético e político das organizações parceiras
para a efetividade do modelo.
Palavras-chave: sociedade civil, Estado, participação, saúde indígena, Covid-19.
ABSTRACT
The indigenous health policy in Brazil is composed of an ecosystem of
diverse organizations, including government agencies and indigenous,
indigenist, and religious associations. Regional and ethnic diversities
and the differences in the nature of the partnerships bring challenges
to guaranteeing the rights of indigenous peoples. This paper adopts
a multi-centric perspective of public action to understand how this
network of actors articulated responses to the impacts of the COVID-
19 pandemic and the conservative government of President Jair
Bolsonaro on indigenous lands. We present two case studies based
on the experiences of agents and organizations focused on indigenous
health in the municipalities of São Paulo (SP) and São Gabriel da
Cachoeira (AM), both in Brazil. The results indicate that the networks
created among agents supporting indigenous agendas played a central
role in confronting the crises and worked as a protective web for
indigenous populations’ rights during periods of democratic regression.
The study highlights the importance and challenges of maintaining
an intercultural dialogue with indigenous communities and partner
organizations’ ethical and political commitment to the effectiveness of
this model of indigenous health policy.
Keywords: civil society, State, participation, indigenous health,
COVID-19.
RESUMEN
La política de salud indígena en Brasil está compuesta por un ecosistema
de organizaciones diversas, que van desde organismos gubernamentales
hasta asociaciones indígenas, indigenistas y religiosas. Las diversidades
regionales y étnicas, sumadas a las diferencias en la naturaleza de
las alianzas, plantean desafíos a la garantía de los derechos de los
pueblos indígenas. El presente trabajo parte de una perspectiva
multicéntrica de la acción pública para entender cómo esta red de
actores articuló respuestas a los efectos de la pandemia de COVID-19 y
del gobierno conservador de Jair Bolsonaro en las tierras indígenas (TI).
Presentamos dos estudios de caso basados en las experiencias de agentes y
organizaciones centrados en la salud indígena en los municipios de São
Paulo (SP) y São Gabriel da Cachoeira (AM). Los resultados indican
que las redes creadas entre agentes solidarios con las agendas indígenas
fueron el factor central para enfrentar las crisis y funcionan como una
“red de protección” de los derechos de las poblaciones indígenas en
contextos de regresión democrática. Se evidenciaron la importancia y
los desafíos de mantener un diálogo intercultural con las comunidades
indígenas y el compromiso ético y político de las organizaciones aliadas
para que el modelo sea efectivo.
Palabras-clave: sociedad civil, Estado, participación, salud indígena;
COVID-19.
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INTRODUÇÃO
As vítimas, queimando de febre, tinham coceiras insuportáveis e sua pele se desfazia em
pedaços. Elas não cavam doentes por muito tempo, morriam logo, uma depois da outra.
Não demorou para haver cadáveres por todos os lados na casa de Sina tha, tombados no
chão ou encolhidos em suas redes. [...] Os espíritos xawarari da epidemia devoraram com
voracidade um grande número de mulheres, velhos e crianças, bem como vários xamãs.
[...] Assim nossos maiores foram dizimados pela primeira vez. Antes dessa epidemia, ainda
eram muito numerosos. Hoje, restam poucos (Yanomami & Albert, 2019, p. 249-250).
Epidemias fazem parte da história dos povos originários desde o início da colonização. Se
há relatos de epidemias avassaladoras desde os primeiros anos da invasão portuguesa, Aparecida
Villaça (2020, p. 10) arma que “as pestes continuaram, ao longo dos séculos, a submeter os
indígenas aos mesmos tipos de sofrimento e perdas”. Assim, há que se pesar o caráter de novi-
dade da pandemia vivenciada desde março de 2020. Não era desconhecido que consequências
relativas à capacidade de resposta do governo afetariam os povos indígenas. Diversas organiza-
ções alertaram para a superposição de vulnerabilidades que seriam agravadas com a chegada
do novo coronavírus aos territórios indígenas (ISA, 2021) e denunciaram que o governo sob a
batuta de Jair Bolsonaro tomou atitudes anti-indígenas (Apib, 2020; ISA, 2023).
Estudos já apontaram que, do ponto de vista da gestão da saúde e das relações interfede-
rativas, o governo federal não apenas foi omisso, mas agiu ativamente contra a construção de
respostas tempestivas à situação de emergência (Abrucio et al., 2020; Fróes Couto et al., 2022;
Oliveira et al., 2021; Paiva et al., 2022; Simoni Junior et al., 2022). Uma série de outras pesqui-
sas publicadas em periódicos nacionais da área de administração pública revelaram, por meio
de diferentes matizes, como a pandemia aprofundou desigualdades raciais (Oliveira et al., 2020)
e incidiu sobre comunidades vulneráveis (Rodrigues et al., 2020; Souza & Castro-Silva, 2022),
refugiados (Martuscelli, 2020) e burocratas de nível de rua (Lima-Silva et al., 2020). Nessa
direção, nota-se que os estudos que relacionam a pandemia com os impactos nos povos origi-
nários são poucos e foram publicados em periódicos das áreas de saúde (Apinaje et al., 2022;
Olivar et al., 2022; Pimentel et al., 2022; Rodrigues, D. et al., 2020; Santos et al., 2020). Há
uma lacuna de pesquisas originárias do campo de políticas públicas que tragam contribuições
teóricas, metodológicas e empíricas para o problema da pandemia de Covid-19 e os ataques e
as omissões governamentais sobre povos originários no Brasil.
É sobre esse gap que o presente artigo procura contribuir ao admitir que, no campo das polí-
ticas públicas, temos instrumental teórico e analítico produtivo para avançar no conhecimento
dessa problemática. Ao revés de uma abordagem estadocêntrica, as perspectivas multicêntricas
(Secchi, 2017) permitem entender a importância das interfaces entre diferentes atores da socie-
dade civil – entre eles próprios e entre eles e diferentes esferas do Estado –, a m de investigar
limites e potências dessas relações em contextos emergenciais. Devem-se levar em conta as
possibilidades de resposta à crise mobilizadas pelo público em arenas também públicas (Cefaï,
2017; Spink, 2016) com enfoque analítico “multicêntrico e multiatores, que considera que o
escopo do governar vai muito além da ação do governo” (Andion, 2020, p. 938). Propomos que,
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para investigar uma crise humanitária composta de uma ameaça sanitária e de ameaças políti-
cas, é preciso avançar em direção à rede de agentes governamentais e não governamentais que
se debruçaram sobre o problema público da saúde indígena na pandemia.
Com base no questionamento de como organizações indígenas e indigenistas articularam
respostas para os efeitos da pandemia de Covid-19 nas Terras Indígenas (TIs), realizamos um
estudo qualitativo no ano de 2021 das estratégias de saúde em duas TIs, uma no município de
São Paulo (SP) e outra no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). A extrema dispari
-
dade entre os casos em termos étnicos, ambientais, institucionais, históricos e de governança é
produtiva para traçar um quadro, ainda que reduzido, da complexidade da gestão de saúde indí-
gena no Brasil. A despeito das diferenças, no entanto, os resultados da pesquisa mostram que o
fortalecimento da rede de parcerias, institucionalizadas ou informais, foi fundamental para o
enfrentamento das crises e funciona como uma malha de proteção aos direitos das populações
indígenas em contextos de retrocesso democrático.
As parcerias, contudo, não foram construídas sem conitos nem de forma homogênea.
Por um lado, permitem maior abertura da administração pública às respostas criadas pela socie-
dade civil em benefício do público. Por outro, as diferenças de tratamento e as diculdades
de controle das atividades das entidades parceiras – que na questão indígena envolvem desde
associações religiosas a movimentos dos próprios povos – exigem um questionamento sobre as
possibilidades de manutenção e expansão desse modelo. Em vista disso, estudos já apontaram
desaos no subsistema de saúde indígena, tais como a insuciência de recursos, a rotatividade
dos prossionais de saúde e a ausência de um diálogo intercultural efetivo, peças-chave para a
construção de parcerias construtivas (Ferreira, 2015; Garnelo & Sampaio, 2003). Os casos dis-
cutidos neste artigo corroboram essa armação.
Em seguida a esta introdução, abordamos estudos da perspectiva multicêntrica no campo
de políticas públicas relacionando-os com pesquisas focadas na saúde indígena que, como se
verá, apresentam íntima aproximação com o que já foi escrito sobre ação pública. Na terceira
seção trazemos a abordagem metodológica do estudo, explicitando os critérios para a seleção
dos casos e as técnicas de investigação e análise. Na seção de resultados, discutimos os achados
empíricos acerca das respostas criadas para as TIs estudadas em São Paulo e em São Gabriel da
Cachoeira. Em uma seção de discussão, pontuamos suas diferenças e pontos de convergência
à luz do debate multicêntrico das políticas públicas para que, nas considerações nais, sejam
traçadas algumas lições aprendidas com esses estudos de casos.
AÇÃO PÚBLICA E INTERCULTURALIDADE
Como primeiro movimento analítico, devemos aproximar os estudos sobre a saúde indígena
daqueles dedicados à compreensão dos processos envolvidos na produção de políticas públicas.
Uma chave interessante para pensar essa convergência é a da ação pública. Esta é desenvolvida
como forma de contrapor visadas às políticas públicas que concediam primazia e protagonismo
para as ações ou inações do Estado, ignorando relações multifacetadas com outros agentes. Spink
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e Burgos (2019) alertam para o perigo de imaginar que é o governo o único agente capaz de
agir no âmbito das políticas públicas: “Há, ao contrário, uma variedade de linguagens de ação.
[...] Às vezes essas diferentes linguagens cooperam; às vezes entram em conito e em outras,
simplesmente se ignoram” (Spink & Burgos, 2019, p. 100). Assim, Estado não é sinônimo de
assuntos públicos ou de ações no público e para o público.
Em um paradigma multicêntrico (Secchi, 2017), Abreu (2014) coloca que a abordagem
da ação pública permite ver três movimentos entre diferentes agentes: “A ação estatal, o público
pressionando o Estado e o público agindo diretamente para o público” (Abreu, 2014, p. 31). A
noção de ação pública, então, cumpre o papel de oferecer um mecanismo analítico para dar
conta da multiplicidade de relações formais e informais que começam, terminam e se transfor-
mam sem seguir uma norma homogênea, mas que são responsáveis pela construção de ações
voltadas para o público, sendo elas ligadas a políticas públicas governamentais ou não. É uma
concepção que torna a análise mais complexa, anal o agir publicamente para e pelo público
pode emergir de qualquer lugar e em diferentes formatos.
Em direção às contribuições de Cefaï (2017), devemos entender que grupos inquietos se
mobilizam e se organizam para denir um problema com base em suas próprias experiências,
e essa ação orientada à solução de situações entendidas como problemáticas se dá precisamente
na arena pública, entendida como “uma arena social cujos atores visam bens públicos, refe-
rem-se ao interesse público, denem seus problemas como públicos e sentem, agem e falam
em consequência disso” (Cefaï, 2017, p. 200). O ponto de partida, então, é a mobilização que
constitui uma arena pública e formula um problema pelo qual se deve lutar. Dessa forma, as
múltiplas performatizações do público pelo Estado e por atores da sociedade civil estão intima-
mente relacionadas, não de maneira homogeneizante, mas por meio de diversos “repertórios
de interação” (Abers, Seram & Tatagiba, 2014). Trata-se de perceber, portanto, que as ações
do Estado e da sociedade civil se dão de fronteiras mais imprecisas e ambíguas do que comu-
mente imaginamos.
O problema público da saúde indígena no Brasil é um rico exemplo de situações nas
quais o Estado e grupos sociais diversos entram em conito e em convergência, bem como em
relações cuja natureza se altera no tempo. A questão indígena é objeto de políticas públicas no
Brasil desde a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1910. Naquele momento,
o “problema público” a ser enfrentado era a ocupação de uma extensa área do território nacio-
nal por grupos que eram entendidos como distantes da civilização e que, portanto, careciam
da tutela do Estado (Souza Lima, 2015). As políticas públicas voltadas aos indígenas visavam
garantir a sedentarização e submissão jurídica desses sujeitos.
A criação do SPI foi fortemente inuenciada pela ideia da “incapacidade dos índios”,
razão pela qual eles deviam estar sob a “tutela” do Estado (Gersem dos Santos, 2006). Assim,
a função do órgão era prover saúde, educação e subsistência àqueles considerados incapazes
de participar plenamente da comunidade política, além de integrá-los à sociedade civilizada.
Era recorrente a ideia de que as sociedades indígenas seriam um objeto transitório da atenção
das políticas públicas: ou seriam logo extintas sicamente, ou sobreviveriam de forma indi-
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ferenciada em relação à sociedade brasileira como um todo, dispensando, assim, a atuação
indigenista (Garnelo, 2012).
Em 1967, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai), no entanto não
houve mudanças signicativas na política tutelar, e o novo órgão indigenista continuou centra-
lizando toda a ação do governo (Gersem dos Santos, 2006). Foi apenas com os resultados do
processo de redemocratização, a partir da década de 1980, que os termos do problema público
da “questão indígena” se inverteram para levar em consideração os direitos dessas populações
(Gersem dos Santos, 2006). A Constituição Federal trouxe o princípio da participação social
como elemento-chave e marcou o início de uma nova etapa do movimento indígena e da sua
relação com o Estado (Baniwa, 2007). O texto constitucional deu m ao regime tutelar, admi-
tiu o direito à autodeterminação dos povos (Castro, 2018) e reconheceu as organizações dos
povos indígenas e os seus direitos territoriais (Gersem dos Santos, 2006; Souza Lima, 2015).
Nesse contexto, a hegemonia da Funai foi rompida, e as políticas voltadas aos povos indí-
genas passaram a ser conduzidas também por ministérios e autarquias (Baniwa, 2007; Souza
Lima, 2015). Os povos indígenas foram inseridos no bojo das reformas no Sistema Nacional
de Saúde com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), mas apenas nove anos depois da
criação do SUS, em 1999, foi estabelecida uma política de saúde especíca às populações
indígenas (Cardoso, 2015; Ferreira, 2015. A Lei Arouca consolidou o Subsistema de Atenção
à Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) como forma de orga
-
nização de serviços em territórios indígenas. Nesse mesmo ano, foi regulamentada a Política
Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), delegando à Fundação Nacio-
nal de Saúde (Funasa) a responsabilidade por executá-la (Ferreira, 2015).
O objetivo da PNASPI era “garantir aos povos indígenas o acesso integral à saúde, de acordo
com os princípios e diretrizes do SUS, contemplando a diversidade social, cultural, geográca
e política [...] reconhecendo a ecácia de sua medicina e o direito desses povos à sua cultura”
(Brasil, 2002, p. 13). Os DSEIs consistem em uma rede interconectada de serviços de saúde
capaz de oferecer cuidados de atenção primária adequados às necessidades sanitárias especí-
cas de cada população (Cardoso, 2015; Garnelo, 2012). A distribuição dos distritos sanitários
buscou obedecer às características culturais, à localização das terras indígenas e aos critérios
demográcos (Garnelo, 2012) e prevê a existência de unidades básicas de saúde nas aldeias
ou em polos-base. Conforme Cardoso et al. (2007), a insuciência de recursos humanos apre-
sentou-se como um dos maiores obstáculos no início do PNASPI. Uma vez que a Funasa não
dispunha de pessoal para atuar nos DSEIs, a alternativa encontrada foi a terceirização dos ser-
viços, transferindo total ou parcialmente as suas responsabilidades para a esfera privada ou para
outros entes federados (Garnelo & Sampaio, 2003; Gersem dos Santos, 2006).
Somado às complexidades do formato de gestão, Pontes et al. (2015) identicam o impe-
rativo de “adequar a prestação de serviços à variabilidade das culturas indígenas, prevendo a
inclusão de racionalidades médicas diversicadas” (Pontes et al., 2015, p. 3200) como a dire-
triz básica do PNASPI. Os autores ainda caracterizam seus princípios como a consideração das
especicidades culturais, dos sistemas de representações e da participação de lideranças e orga-
nizações indígenas na formulação e execução da política de saúde. Nesses termos, a oferta de
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uma atenção diferenciada deve signicar “colocar em interação diferentes visões de mundo em
disputa” (Pontes et al., 2015, p. 3202).
Assim, no campo da saúde indígena, o conceito de interculturalidade caracteriza as relações
e os processos comunicativos estabelecidos no contato entre as diferentes culturas – ocidental
e indígena (Ferreira, 2015). A intermedicalidade, forma então assumida pela interculturali-
dade no campo da saúde, reconhece os povos indígenas como agentes de mudança, na medida
em que são articuladores dos sentidos e práticas de saúde provenientes de diferentes culturas.
Desse modo, possibilita a esses povos a apropriação de aspectos do sistema ocial de saúde com
o qual interagem, atribuindo-lhes novas funções mediante sua incorporação aos seus próprios
universos socioculturais.
Na prática, a atenção diferenciada e o diálogo intercultural nas políticas de saúde não
foram plenamente promovidos, com graves efeitos sobre os indicadores de saúde da população
indígena (Cardoso, 2015). As congurações interculturais, assumidas na realidade brasileira das
políticas públicas de saúde enquanto mediação cultural, são marcadas por singelas formas de
violência, desigualdades de forças e assimetrias de poder, instituídas por intermédio das nego-
ciações de signicados estabelecidos entre os distintos agentes sociais em interação (Ferreira,
2015). O campo da saúde indígena é constantemente referenciado como zonas de contato,
onde ocorre o encontro intermédico e no qual as medicinas tradicionais indígenas assumem o
caráter de códigos mediadores híbridos, utilizados para facilitar a comunicação entre os povos
indígenas e os serviços de saúde (Ferreira, 2015; Foller, 2004).
Desse modo, o campo das políticas públicas voltadas aos povos originários é uma arena
pública complexa. Mais do que apenas uma ação ou inação do Estado, essa arena constitui-se
de uma complexa rede de relações entre entidades mais ou menos organizadas de diferentes
etnias e regiões, associações religiosas, organizações internacionais, grupos de ativistas indige-
nistas e governos de todas as esferas da federação.
Admitindo o potencial construtivo da ação pública, quando o público se une em volta de
um problema público tanto em contextos de crise sanitária (Alves & Costa, 2020) quanto em
conjunturas de retrocessos democráticos (Borges, 2020), podemos analisar as estratégias criadas
ao longo da pandemia de Covid-19 em TIs. Trata-se, portanto, de compreender a complexa
rede na qual se baseia a saúde indígena no Brasil: se a parceria foi o modelo encontrado no
m da década de 1990 para a concretização do Subsistema de Saúde Indígena, devemos nos
perguntar quais fatores trazem melhores resultados no que se refere à garantia dos direitos dos
povos originários.
METODOLOGIA
A pesquisa foi balizada por dois estudos de caso qualitativos: respostas à pandemia nas TIs do
Jaraguá, na zona norte do município de São Paulo, e do Alto Rio Negro, município de São Gabriel
da Cachoeira. Com base em Stake (2005), entendemos ambos os casos como instrumentais por
permitirem produzir resultados que vão além da realidade examinada, facilitando a compreensão
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de uma questão teórica mais ampla por meio da investigação de um contexto empírico particular.
Foram estabelecidos alguns critérios para selecionar os casos, como se verá adiante.
Relevância
O primeiro passo foi a seleção de contextos relevantes no Brasil. Por meio da sistematização de
informações referentes às respostas à pandemia por organizações ligadas aos povos originários
num âmbito territorial abrangente, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o
Instituto Socioambiental (ISA), identicamos as dez TIs mais vulneráveis à pandemia (Figura 1).
Figura 1. Terras Indígenas (TIs) mais vulneráveis à pandemia de Covid-19
ÍNDICE DE
VULNERABILIDADE
TERRA INDÍGENA
TI Barragem
0,0000
0,5000
10000
0,7296 0,6981 0,6826 0,6647 0,5936 0,5506 0,5293 0,5203 0,5201 0,5124
TI Yanomami
TI Jaraguá (reestudo)
TI Vale do Javari
TI Guarani do Krukutu
TI Raposa Serra do Sol
TI Tio Branco (do...
TI Serra da Moça
TI Truaru
TI Alto Rio Negro
Fonte: ISA (2021).
Também nos interessavam casos que tivessem articulado uma resposta eciente à pande-
mia por meio de alianças interinstitucionais. As TIs Jaraguá e Alto Rio Negro foram consenso
em entrevistas exploratórias e relatórios das organizações indígenas e indigenistas. O municí-
pio de São Paulo contabilizou apenas quatro mortes de indígenas por Covid-19 (entre os nove
do estado). Em São Gabriel da Cachoeira foram contabilizados dez óbitos, das 284 vítimas no
estado do Amazonas (Apib, 2023).
Contextos territoriais diversos
Por mais que a questão indígena seja frequentemente tratada de forma indiscriminada, o avanço
dessa agenda depende da percepção das idiossincrasias territoriais. A diversidade é garantida à
medida que os casos estão localizados em regiões diferentes, com contextos históricos e atores
variados, conforme Tabela 1.
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Tabela 1. Caracterização dos casos
TERRA INDÍGENA JARAGUÁ TERRA INDÍGENA ALTO RIO NEGRO
Município/estado São Paulo/SP São Gabriel da Cachoeira/AM
Região Sudeste Norte
Etnias Guarani Mbya e Guarani
Ñandeva
Arapaso, Baniwa, Bará, Barasana, Baré,
Desana, Hupda, Isolados do Igarapé
Waranaçu, Isolados do Rio Cuririari,
Isolados do Rio Uaupés, Karapanã,
Koripako, Kotiria, Kubeo, Makuna, Mirity-
tapuya, Pira-tapuya, Siriano, Tariana,
Tukano, Tuyuka, Warekena e Yuhupde
População 583 26.046
Reconhecimento territorial Homologada em 1987 Homologada em 1998
Área 1,73 ha 7.394.714,56 ha
Presença do Estado
Coordenação Regional da
Fundação Nacional do Índio
(CR-Funai) Litoral Sudeste
e Distrito Sanitário Indígena
Litoral Sul
Coordenação Regional da Funai (CR-
Funai) Rio Negro e Distrito Sanitário
Indígena Alto Rio Negro
Pressões e ameaças Conflitos fundiários Garimpo
Fonte: ISA (2023).
Acessibilidade
A imersão profunda em outras realidades possui limitações operacionais, técnicas e nanceiras
para a ampliação da amostra de casos (Fernandes, 2002; Mahoney, 2003). É importante con-
siderar que a pesquisa foi desenvolvida durante a pandemia de Covid-19, restringindo o acesso
dos pesquisadores às TIs. Por outro lado, a interlocução direta com atores envolvidos foi pilar
fundamental para a análise, colocando-se ênfase nos métodos de entrevista e na busca por inter-
locutores com disponibilidade de internet e acesso a ela.
Por m, Desmond (2012, p. 96) reconhece que “ganhar entrada está entre os aspectos
mais difíceis e frustrantes do trabalho de campo”. Essa aceitação não é concedida de imediato
no início do trabalho de campo. Trata-se de um processo contínuo, construído numa base regu-
lar e de conança. Assim, foi essencial recorrer à rede de contatos dos pesquisadores que, por
conta de trabalhos prévios, já tinham relações com atores e organizações das regiões escolhidas.
Embora seja inevitável alguma comparação entre os casos, reforçamos que compará-los
não é o objetivo do nosso estudo. Por outro lado, compreendê-los em profundidade foi uma
escolha epistemológica. Com base em Stake (2005), armamos que a análise em profundidade
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contribui para entender a singularidade de cada território e para a identicação de caracterís-
ticas comuns do fenômeno. Assim, analisar os casos das TIs Jaraguá e Alto Rio Negro permite
compreender de que forma as semelhanças entre as comunidades (alta vulnerabilidade), bem
como suas respectivas singularidades (territoriais, socioculturais, organização e articulação com
o poder público e organizações indigenistas), interferem e se manifestam em suas respostas à
pandemia.
As informações foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas com prossio-
nais da saúde, gerentes de equipamentos e membros de organizações indígenas e indigenistas
atuantes na política de atenção à saúde indígena nos territórios focalizados. Todas as entre-
vistas foram realizadas entre fevereiro e setembro de 2021, de modo remoto. Cada entrevista
proporcionou uma corrente de novos contatos, de forma que a lista de entrevistados chegou a
12 pessoas, nove diretamente envolvidas na gestão de equipamentos públicos ou de organiza-
ções indigenistas e três estudiosas da questão da saúde indígena no Brasil, conforme a Tabela 2.
A análise foi conduzida com base na metodologia reexiva proposta por Alvesson e Skoldberg
(2000), que consiste em analisar de maneira aprofundada os fenômenos e processos sociais,
interpretando seus diversos sentidos e signicados.
Tabela 2. Caracterização dos entrevistados
ENTREVISTA VOZ
1 Comunidade científica
2 Comunidade científica
3Médico UBS TI Jaraguá
4Gerente UBS TI Jaraguá
5 Área de Saúde Indígena na Prefeitura de São Paulo
6 Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo
7 Programa de Imunização Projeto Xingu
8 Fundação Oswaldo Cruz
9Projeto Xingu
10 Instituto Socioambiental e Federação das Organizações dos Povos Indígenas do Rio
Negro – Assessoria de Comunicação
11 Instituto Socioambiental e Federação das Organizações dos Povos Indígenas do Rio
Negro– Assessoria Jurídica
12 Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro
UBS: unidade básica de saúde; TI: Terra Indígena.
Fonte: Elaborado pelos autores.
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PERSPECTIVAS DA AÇÃO COLETIVA EM TERRITÓRIOS INDÍGENAS: A
EXPERIÊNCIA DAS TIS JARAGUÁ (SP) E ALTO RIO NEGRO (AM)
Em diálogo com a literatura, observamos que a multiplicidade de entidades governamentais e
não governamentais que atuam no Subsistema de Saúde Indígena gera uma dinâmica de gestão
complexa (Pontes et al., 2015).
A gestão da saúde na TI Jaraguá se concretiza pela parceria com a Universidade Fede-
ral de São Paulo (Unifesp). O vínculo é fruto do Projeto Xingu, extensão universitária
pioneira na formação de prossionais da saúde voltados às especicidades da atenção às
populações indígenas. O objetivo principal da parceria rmada entre Secretaria Munici-
pal da Saúde e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), braço
da Unifesp qualicado como organização social, era a estruturação do modelo assistencial:
contratação de pessoal qualicado para trabalhar nos equipamentos de saúde recém-instala-
dos. Aqui reside uma idiossincrasia fundamental da gestão pública da saúde no município
de São Paulo: impera o modelo de contratos de gestão com organizações sociais de saúde.
Diferentemente de termos de convênio, os contratos de gestão envolvem maior tempo de
contratação, a mensuração de metas a serem alcançadas e só podem ser realizados com enti-
dades qualicadas como organizações sociais. Nesse sentido, trata-se de um instrumento
mais seguro e completo para a realização de parcerias com entidades sem nalidade lucra-
tiva. Outra idiossincrasia da gestão paulistana se refere ao nanciamento: desde 2010, os
recursos destinados à saúde indígena provêm do tesouro municipal, tendo dotação própria.
Segundo um dos entrevistados, essa mudança foi essencial para assegurar a continuidade
das políticas desenvolvidas.
É relevante ressaltar que a parceria se empenhou para que houvesse a inserção de lideran-
ças indígenas no conselho gestor do hospital e a presença de funcionários residentes na própria
TI. Por um lado, a presença de membros das comunidades indígenas no corpo técnico das redes
de atenção à saúde deve ser vista como positiva tanto por aproximar a política pública do seu
público-alvo quanto por incentivar a formação e capacitação de indígenas. Nesse sentido, as
entrevistadas foram unânimes em salientar a importância dessa interlocução para a construção
de estratégias efetivas. Por outro lado, deve-se apontar que as pessoas colocadas nessa posição
intermediária, funcionárias-indígenas, também têm de lidar com situações delicadas: ao mesmo
tempo que representam a comunidade indígena, representam os órgãos governamentais res-
ponsáveis pela garantia do direito à saúde. Uma das entrevistadas ilustra essa dinâmica:
Eu, como gestora, sou uma liderança, mas não sou uma liderança da aldeia. Então o meu
povo que eu tenho que defender são os funcionários da [unidade básica de saúde] UBS. Então,
quando chega algum conito, quem tem que ser o escudo deles sou eu […]. Eu acho que o
trabalho de um gestor e de uma liderança é ser a ponte, a ligação e o escudo também. E é o
que eu estou tentando fazer. A gente não se desliga, não é igual ao trabalhador comum não
indígena. O juruá pode ser prossional das 8 da manhã às 5 da tarde. Na aldeia você tá ali
sempre, 24 horas (Entrevista 4, 2 abr. 2021).
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As entrevistas apontaram que o modelo de parceria da Secretaria Municipal da Saúde com
a SPDM foi exitoso quanto às práticas de enfrentamento à pandemia. Segundo avaliação de
um entrevistado atuante no posto de saúde do Jaraguá, a ecácia obtida no combate à Covid-
19 se deu, principalmente, em decorrência do trabalho de comunicação e conscientização da
gerência e do posto médico com os residentes da comunidade. As entrevistas atribuem o êxito à
comunidade fortalecida e a uma rede de parceiros eciente: “Os lugares [nos quais] caminhou
bem o enfrentamento foi porque houve uma rede de parceiros eciente, que captou recursos, deu
apoio, trabalhou junto, falou com os indígenas na mesma língua sobre a doença, desconstruiu
fake news e o discurso ambíguo do governo” (Entrevista 9, 7 maio 2021).
A pandemia de Covid-19 alcançou São Gabriel da Cachoeira sob a imagem da contami-
nação em massa. A prefeitura agiu rapidamente ao criar, uma semana após o marco de início da
pandemia, o Comitê Interinstitucional de Combate ao Coronavírus, aproveitando a instância
do Fórum Interinstitucional, prática de governo e participação social já presente no município.
Os objetivos do comitê eram reunir as principais instituições da região, promover o diálogo e
a articulação e garantir transparência nas ações do setor público.
A comunicação foi um dos pilares centrais dessa atuação. Além de boletins diários, enviados
por WhatsApp, com os principais encaminhamentos do comitê e as informações de conta-
minação, as associações indígenas e indigenistas buscaram explicar a doença e sua forma de
contaminação, combater as fake news e confeccionar cartilhas relativas às medidas de pre-
venção ao vírus nas línguas indígenas ociais dos municípios. Para uma das entrevistadas, o
objetivo principal era “massicar a informação, inclusive nas diversas línguas” (Entrevista 4, 25
jun. 2021). A presença constante dessas organizações em diálogo com os órgãos públicos fez
com que a informação circulasse na contramão da disseminação de fake news. Nesse sentido,
vale destacar a atuação da rede de comunicadores indígenas do Rio Negro, a Rede Wayuri. O
coletivo foi criado em 2017 e desde então leva informações sobre questões indígenas e territo-
riais às comunidades da região.
Na falta de estruturas hospitalares adequadas, a participação dos Expedicionários da Saúde
(EDS), associação indigenista voltada para a garantia de atendimento médico adequado, foi fun-
damental. Por intermédio do diálogo com o comitê, a EDS instalou 11 Unidades de Atenção
Primária Indígenas – enfermarias de campanha nas TIs –, apoiando a capacitação das equipes e
a provisão de equipamentos, além de uma unidade de terapia intensiva improvisada na enferma-
ria do Hospital Militar. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) também esteve presente
na região na primeira fase da pandemia. Ela apoiou tanto a qualicação técnica para operar
a máquina quanto a articulação com fornecedores dos materiais necessários para a adaptação.
Com relação às entidades religiosas que operam na região e sua atuação na pandemia,
houve grande cooperação da Igreja Católica com o ISA no que se refere às medidas de preven-
ção. Por parte da instituição religiosa, foram suspensas, no início da pandemia, as atividades
que envolviam aglomerações. Essa postura não foi adotada, entretanto, pela Igreja Evangélica,
que manteve as reuniões e atividades religiosas que causavam aglomeração, além de demons-
trarem resistência à vacinação.
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Em ambos os casos, observamos a importância de parcerias entre o poder público, entida-
des não governamentais ligadas ao tema da saúde indígena e lideranças das TIs para a articulação
de respostas tempestivas em momentos de crise. Vale ressaltar o papel das organizações indíge-
nas regionais e nacionais que construíram com organizações aliadas formas de auto-organização
articuladas com as ações de solidariedade, arrecadações, doação de alimentos orgânicos, cestas
básicas, distribuição de materiais de higiene para os povos indígenas. Não restam dúvidas de
que as soluções encontradas só foram possíveis graças à rápida mobilização dos atores engaja-
dos, a despeito das condições estruturais precárias e das barreiras institucionais criadas também
por agentes públicos.
A perspectiva multicêntrica propicia a compreensão desses casos como interconexões e
capacidades de múltiplos atores da sociedade civil atuantes em uma arena política em circuns-
tâncias emergenciais. Borges (2020) argumenta que diante de crises, como a pandemia causada
pela Covid-19, se tornam ainda maiores os desaos para a manutenção de ações sem o apoio
de políticas públicas consistentes, fazendo com que as populações mais vulneráveis sejam as
mais afetadas. Por outro lado, os casos evidenciam a fundamentalidade das parcerias enquanto
forma de ação pública. Chamam a atenção as alternativas criadas nos próprios territórios com
base em vivências e lutas particulares. Dito isso, as possibilidades de coprodução de políticas
públicas dependem da capacidade do poder público de reconhecer a existência de experiências
coletivas singulares, formadas por organizações diversas e em torno de características das regiões.
Nesse contexto, transparência, abertura, participação social e conexões socioestatais tor-
nam-se elementos centrais à gestão da ação pública. Ao mesmo tempo, diante de um vácuo
federal no que se refere à implementação de políticas públicas de combate à pandemia, a ação
coletiva adquire não só papel de denúncia e controle social (Borges, 2020), mas também de
malha de proteção aos direitos das populações vulneráveis.
Por outro lado, permanece o desao de garantir uma governança que de fato permita a
contribuição mais signicativa de atores diversos, especialmente indígenas. Nesse sentido, convém
reetir sobre a dinâmica de relações na arena pública, marcada por encontros que incluem
organizações indígenas e indigenistas, associações religiosas e poder público. Se a literatura da
ação pública lança luz sobre os conitos e interesses plurais na denição de problemas públicos
(Abers, Seram & Tatagiba, 2014; Borges, 2020; CefaÏ, 2017), nossas análises reforçam as
possibilidades e os desaos de uma interação horizontal e intercultural no âmbito da questão
indígena (Ferreira, 2015; Foller, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho baseou-se em uma lacuna identicada na literatura do campo de políticas públi-
cas em relação à discussão sobre ações governamentais voltadas às populações indígenas no
Brasil. Focalizando as estratégias de saúde construídas ao longo da pandemia de Covid-19, foi
possível traçar conexões entre as contribuições da abordagem da ação pública e o problema
empírico da grave emergência humanitária vivenciada por indígenas nesse período.
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Ao estudar os casos da TI Jaraguá e da TI Alto Rio Negro, salta aos olhos uma convergên-
cia fundamental para compreender como respostas foram criadas tempestivamente. A despeito
das ameaças políticas e da desconstrução institucional dos órgãos federais como Funai e Secre-
taria de Saúde Indígena, a rede de agentes solidários às pautas indígenas foi o fator central para
os resultados alcançados em cada contexto. Como uma malha de segurança, as performances
da ação pública construíram estratégias pelas quais os impactos negativos das crises puderam
ser mitigados.
Esses resultados trazem contribuições analíticas para o campo de políticas públicas. Em
primeiro lugar, trata-se de perceber a riqueza da abordagem da ação pública e de perspectivas
multicêntricas para a investigação de circunstâncias nas quais convergem um retrocesso demo-
crático e uma emergência humanitária. Em segundo lugar, ressalta-se a relevância de incorporar
as problemáticas das populações indígenas no país como objetos e sujeitos de nossas pesquisas.
Deve-se colocar, por m, que o contexto político, institucional e epidemiológico foi radical-
mente alterado em 2023. A cobertura vacinal da população subiu a níveis seguros para o retorno
às atividades cotidianas, ainda que com cuidados. O início do terceiro governo de Luiz Inácio
Lula da Silva marca um retorno aos ideais democráticos com avanços consideráveis na pauta
indígena. O recém-criado Ministério dos Povos Indígenas e a consequente saída da Funai da
alçada do Ministério da Justiça, bem como a ocupação de cargos por pessoas indígenas (Sônia
Guajajara como ministra, Joenia Wapichana como presidenta da Funai e Weibe Tapeba como
secretário nacional de Saúde Indígena), são marcos fundamentais em direção à construção de
políticas públicas consistentes no mote “nada sobre nós, sem nós”.
Assim, os cenários são positivos e oportunos para que novas pesquisas sejam feitas a m de
acompanhar as formas criativas pelas quais as redes criadas em contextos adversos e violentos
se reorganizam para aprofundar avanços conquistados e batalhar por outros.
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CGPC | Respostas indígenas à pandemia: Ação pública em contextos de emergência
Teresa Harari | Paola De Angelis | Pedro Vianna Godinho Peria | Sophia Veronesi
17 FGV EAESP | Cadernos Gestão Pública e Cidadania | VoL. 28 | 2023 | e85060 | ISSN 2236-5710
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Companhia das Letras.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os/as autores/as não têm conitos de interesse a declarar
CONTRIBUIÇÃO DOS/DAS AUTORES/AS
Teresa Harari: Conceituação, curadoria de dados, análise formal, aquisição de nanciamento;
Investigação; Metodologia; Administração de projetos; Recursos; Programas; Supervisão; Vali-
dação; Visualização; Redação – rascunho original; Redação – revisão e edição.
Paola de Angelis: Conceituação, curadoria de dados, análise formal, aquisição de nanciamento;
Investigação; Metodologia; Administração de projetos; Recursos; Programas; Supervisão; Vali-
dação; Visualização; Redação – rascunho original; Redação – revisão e edição.
Pedro Vianna Godinho Peria: Conceituação, curadoria de dados, análise formal, aquisição de
nanciamento; Investigação; Metodologia; Administração de projetos; Recursos; Programas;
Supervisão; Validação; Visualização; Redação – rascunho original; Redação – revisão e edição.
Sophia Veronesi: Conceituação, curadoria de dados, análise formal, aquisição de nanciamento;
Investigação; Metodologia; Administração de projetos; Recursos; Programas; Supervisão; Vali-
dação; Visualização; Redação – rascunho original; Redação – revisão e edição.
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Resumo A partir da experiência do projeto Respostas Indígenas à COVID-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global (PARI-c), na região do Alto Rio Negro (AM), buscamos refletir neste artigo sobre as possibilidades e implicações da produção colaborativa de conhecimento com pesquisadoras indígenas, levando em consideração a emergência sanitária, as imobilidades territoriais, as desigualdades sociais e as diferenças epistemológicas e de políticas ontológicas. A partir da ideia de Cestos de conhecimento, pensamos as formas e possibilidades dessa colaboração, à luz de discussões contemporâneas sobre processos de “descolonização” da saúde pública (global, planetária) e do conhecimento em saúde. A base empírica para este artigo é uma descrição da experiência metodológica, de produção de conhecimento, focada em duas faces: o campo e a escrita. Esse material nos permite tecer algumas considerações em torno da relevância e do sentido de formas de geração de “saberes híbridos”, para lidar com contextos de crises globais ou sindemias. Estas formas, como veremos, atravessam o realinhamento das alianças e têm na escrita de mulheres um lugar especial de atenção.
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Resumo Nos primeiros meses da pandemia de covid-19, em 2020, os movimentos e organizações indígenas da região Nordeste do Brasil estabeleceram uma extensa rede de apoio e parcerias com grupos de pesquisadores e entidades da sociedade civil para a organização de campanhas de solidariedade aos povos indígenas. A produção de informações gerais e dados empíricos sobre como a doença atingiu os territórios e populações indígenas constituiu uma das principais estratégias de ação. Essa mobilização foi a base para a constituição de redes colaborativas que investigaram como ocorreu o enfrentamento dos povos diante da pandemia, por meio de um viés antropológico e aplicando métodos que poderíamos definir como uma pesquisa colaborativa virtual. Este artigo, portanto, discute o potencial desse tipo de parceria para a reflexão sobre o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, argumentando que esse modelo pode constituir uma forma de apoio ao controle social exercido por parte das comunidades.
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Resumo Este ensaio apresenta as reflexões de Sheila Baxy P. Castro Apinaje e Júlio Kamêr Ribeiro Apinaje sobre sua atuação como pesquisadores da Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à covid-19 (PARI-c), na Terra Indígena Apinaje, no contexto da crise sanitária mundial provocada pelo novo coronavírus. Através da descrição dos procedimentos de pesquisa adotados, os autores se apropriam do conceito de metodologia de forma particular e criativa, refletindo não apenas sobre as estratégias de produção de conhecimento acadêmico, mas também sobre como, para eles, cada uma destas estratégias deve estar alinhada às lutas panhĩ pela proteção de sua autonomia sobre seus modos de vida e seu território.
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In the first months of the covid-19 pandemic, in 2020, indigenous movements and organizations in the Northeast region of Brazil established an extensive network of support and partnerships with groups of researchers and civil society entities to organize campaigns of solidarity with the indigenous peoples. The production of general information and empirical data on how the disease reached indigenous territories and populations constituted one of the main strategies for action. This mobilization was the basis for establishing collaborative networks that investigated how the indigenous peoples faced the pandemic, from an anthropological bias and applying methods that we could define as virtual collaborative research. The article, thus, discusses the potential of this type of partnership for reflection on the Indigenous Health Care Subsystem, arguing that this model can constitute a kind of support for social control exercised by the communities.
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Resumo A violência doméstica é uma problemática que tem suas raízes firmadas nas desigualdades de gênero e na concentração de poder. Com a pandemia do novo coronavírus (covid-19), essas desigualdades se tornaram ainda mais evidentes. Partindo disso, neste artigo discute-se o aumento da violência doméstica na Vila dos Pescadores durante esse período e as formas de enfrentamento encontradas pela comunidade. A pesquisa se dividiu em duas fases: análise documental e trabalho de campo. A análise documental teve como base artigos, textos e dados sobre violência doméstica e a pandemia da covid-19, inclusive no território estudado. Por sua vez, a etapa do trabalho de campo consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas e roda de conversa. Os resultados foram analisados baseados na Hermenêutica de Profundidade, proposta por Thompson, e apontaram que, não obstante a ineficiência de atenção e cuidado dado pelo Estado, as instituições de base comunitária presentes no bairro desempenharam um importante papel no enfrentamento de situações de vivências dramáticas de angústia e abandono das mulheres em situação de vulnerabilidade. Tal fato se deu por meio do estabelecimento da associação de base comunitária, espaço para escuta sensível e acolhimento, e de outros encaminhamentos, como serviços de proteção de saúde e justiça.
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A dimensão do federalismo fiscal é central na eficácia da resposta estatal aos desafios trazidos pela Covid-19. Analisamos a atuação da União no auxílio financeiro a entes subnacionais por meio de abordagem qualitativa e quantitativa, e argumentamos que o governo Bolsonaro emprega uma estratégia de coordenação conflitiva e negativa, prejudicando o funcionamento do federalismo cooperativo, padrão que caracterizara o Brasil desde 1988. A omissão do Executivo fez com que a clivagem regional fosse predominante, e acabou levando a resultados subótimos mesmo para as preferências dos atores situados no governo federal. Assim, o artigo chama atenção para a importância das escolhas e estratégias do Executivo federal, para além do arranjo institucional, no funcionamento do federalismo cooperativo.
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O objetivo deste artigo é mostrar que a expectativa de uma resposta robusta e eficaz no enfrentamento dos danos sanitários e econômicos da pandemia do Covid-19, através do fortalecimento da cultura institucional do federalismo cooperativo, foi frustrada. O resultado tem sido relacionado à violação da política dos subnacionais pelo governo federal, o que tem obstruído um movimento histórico de descentralização e fortalecimento do federalismo cooperativo, bem como fomentado a litigância e impedido a construção de estratégias institucionais coordenadas e com responsabilidades compartilhadas.
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O objetivo deste artigo é analisar criticamente a liderança política de Jair Bolsonaro em relação à coordenação das ações dos demais entes federativos durante a pandemia Coronavirus Disease 2019 (Covid-19), a partir dos direcionamentos da análise crítica do discurso de Van Dijk. Utilizamos dos apontamentos do método da materialidade audiovisual para trabalharmos com 15 vídeos publicados na plataforma do YouTube nos canais oficiais do presidente da República. Seguindo as diretrizes desenvolvidas por Van Dijk, analisamos os dados. Os resultados sugerem que a liderança presidencial na coordenação dos entes federativos subnacionais constituiu uma antítese do que é prescrito na literatura sobre liderança pública. Bolsonaro posicionou-se de maneira agressiva, constituindo um cenário discursivo de guerra contra as demais lideranças políticas da nação. Sua postura pode ser associada à figura de um antilíder, um agente que busca a desagregação e a descoordenação dos atores em prol de suas próprias concepções.
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Globally, policy environments have become increasingly more complex with the growth in the number of wicked problems, such as that posed by the COVID-19 pandemic. In their response to these problems, public administrations have, from necessity, become heavily reliant on their intergovernmental relations systems, as the challenges posed generally require multilevel responses. This paper analyzes the role of intergovernmental relations in shaping the responses of the BRICS countries when confronted with COVID-19. We develop an analytical framework to understand the dynamics of intergovernmental relations in these countries. Based on this we assess the capacity of the state and political systems to manage intergovernmental relations and ensure effective responses to the COVID-19 crisis. This framework is based on an analysis of three dimensions of the policy domain: the political and state system, formal and informal institutions, and the political alignment between them. Whilst state and political systems were found to be instrumental in formulating an immediate response to the crisis, informal institutions and political processes also played a prominent role in determining the extent to which strategies were implemented, particularly in countries that are more decentralized. Countries lacking the robust formal institutions needed to facilitate intergovernmental relations and to ensure swift policy responses, tend to deliver ineffective and inefficient results when confronted with wicked problems.