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Ayahuasca no tratamento do transtorno bipolar com caracter´ısticas psic´oticas
Mika Turkia
Pesquisador independente, mika.turkia@alumni.helsinki.fi. Helsinki, Finland, March 8, 2023
Abstract
Ayahuasca ´e uma bebida vegetal de origem ind´ıgena amazˆonica. Possui efeitos psicod´elicos, antiinflamat´orios, neu-
roprotetores, citot´oxicos e antiparasit´arios, principalmente devidos aos inibidores da monoamina oxidase (IMAO)
e N,N-dimetiltriptamina (DMT). Este estudo de caso retrospectivo descreve o caso de uma mulher de trinta e
tantos anos com trauma complexo devido a abuso sexual grave durante anos na primeira infˆancia, resultando em
uma condi¸c˜ao crˆonica de d´ecadas envolvendo tendˆencias suicidas. Ela foi diagnosticada com transtorno bipolar e
transtorno de personalidade lim´ıtrofe, mas se recusou a aceitar qualquer um deles. Ela apresentava del´ırios para-
sit´arios e profunda dissocia¸c˜ao. Apesar de ser gravemente psic´otica em particular, ela parecia funcionar bem em
p´ublico, escondendo a maioria de seus sintomas.
Com trinta e poucos anos, ela participou de uma cerimˆonia de ayahuasca em um ambiente legal. Resolveu sua
tendˆencia suicida, eliminou seu isolamento social e reduziu sua vergonha relacionada ao trauma inicial. Mais nove
cerimˆonias aliviaram ainda mais sua ang´ustia. Seu agressor tamb´em participou de uma cerimˆonia de ayahuasca e
confirmou suas mem´orias de abuso na infˆancia.
A primeira entrevista foi realizada 1,5 anos ap´os sua primeira cerimˆonia e uma entrevista de acompanhamento 2,5
anos depois. Ela passou por dezesseis cerimˆonias adicionais, reconheceu a validade de seu diagn´ostico de transtorno
bipolar e acreditou que seu trauma precoce era a ´unica causa. Seu trauma central permaneceu parcialmente sem
resolu¸c˜ao, mas seus sintomas dissociativos continuaram a diminuir. Ela observou v´arios outros casos de psicose e
transtorno bipolar nos quais a ayahuasca resultou em efeitos positivos. Este estudo de caso contribui para uma
melhor compreens˜ao do uso da ayahuasca no transtorno bipolar e no traumatismo grave. Tamb´em revisa o estado
da arte atual no tratamento do transtorno bipolar usando ayahuasca em baixas doses e um caso em que o transtorno
bipolar foi resolvido com LSD.
Keywords: ayahuasca, psicod´elicos, terapia psicod´elica, abuso sexual infantil, transtorno de estresse p´os-traum´atico
complexo, transtorno bipolar, psicose, parasitose delirante, LSD
Introdu¸c˜ao
Exemplos documentados do tratamento de psicoses e transtorno bipolar com psicod´elicos s˜ao atualmente raros. Um
estudo recente do autor apresentou um adolescente com transtorno de estresse p´os-traum´atico complexo (C-PTSD),
predisposi¸c˜ao gen´etica `a esquizofrenia, psicose desencadeada pelo uso de cannabis e tendˆencia suicida aguda (Turkia,
2022b). Ele resolveu com sucesso o suic´ıdio agudo com uma ´unica sess˜ao n˜ao supervisionada com 100–200 µg de LSD
realizada sozinho em casa. Posteriormente, ele resolveu seu C-PTSD com mais cinco sess˜oes semelhantes de LSD e
alguns meses de sess˜oes quase di´arias de N,N-dimetiltriptamina (DMT) de baixa dose (psicol´ıtica). Enquanto algumas
alucina¸c˜oes auditivas residuais permaneceram, o adolescente as interpretou como representa¸c˜oes de experiˆencias
adversas da infˆancia (ACEs) n˜ao processadas e considerou as informa¸c˜oes contidas nessas representa¸c˜oes ´uteis para
reconhecer o material n˜ao processado remanescente. Ap´os um ano de autotratamento sem supervis˜ao, ele adquiriu a
capacidade de estudar e trabalhar.
O artigo tamb´em apresentou uma discuss˜ao geral sobre o papel do autotratamento e das pol´ıticas de redu¸c˜ao de
danos, a seguran¸ca do LSD, um mecanismo de a¸c˜ao proposto de psicod´elicos na cura do C-PTSD, compara¸c˜oes de
v´arios modelos de terapia psicod´elica e exemplos de tratamento bem-sucedido de crian¸cas gravemente psic´oticas com
LSD e psilocibina nas d´ecadas de 1960 e 1970 (Turkia, 2022b).
De acordo com o artigo, o principal ’mecanismo de a¸c˜ao’ da terapia psicod´elica era reviver ou trazer de volta `a
vida eventos traum´aticos reprimidos ou dissociados. Esses eventos n˜ao foram apenas “lembrados” como mem´orias
cognitivas, mas revividos como experiˆencias incorporadas, com seus sentimentos f´ısicos originais associados (outra
interpreta¸c˜ao poderia ser que os psicod´elicos agiam como “anti-dissociativos”). Quando esses traumas n˜ao resolvidos
se originam em uma idade muito jovem, eles podem se apresentar como sintomas psic´oticos. Um estado psic´otico
pode ser entendido como uma regress˜ao parcial ao quadro conceitual da ´epoca do trauma original. A estrutura
conceitual daquela ´epoca poderia consistir em conceitos vagos e n˜ao desenvolvidos, incluindo conceitos vagos de
tempo e causalidade, inadequados para navegar no mundo adulto.
Preprint
Tamb´em foi proposto que id´eias psic´oticas distorcidas poderiam simplesmente resultar do aprendizado das carac-
ter´ısticas do ambiente infantil de algu´em, que era muito diferente dos outros ambientes nos quais algu´em mais tarde
tentou aplicar esses modelos aprendidos. Esses modelos ’tendenciosos’ n˜ao poderiam produzir previs˜oes confi´aveis,
ou seja, n˜ao poderiam permitir o racioc´ınio correto sobre os comportamentos de outras pessoas e as caracter´ısticas
do ambiente de vida atual. Se a magnitude desses erros de previs˜ao fosse alta, a condi¸c˜ao de uma pessoa poderia ser
considerada psic´otica, enquanto erros de menor magnitude poderiam ser rotulados como transtornos de personalidade
ou, digamos, ’ser uma pessoa dif´ıcil’.
O caso atual tem semelhan¸cas com o caso acima com o adolescente, mas o resultado foi alcan¸cado com ayahuasca,
uma bebida psicod´elica `a base de plantas amazˆonicas, administrada em grupo (Frecska et al., 2016; Hamill et al.,
2019; Palhano-Fontes et al., 2018; dos Santos et al., 2017, 2016; Wolff, 2020). Os efeitos da ayahuasca s˜ao con-
siderados principalmente devido aos inibidores da monoamina oxidase (IMAO) harmina (originalmente conhecida
como ’telepatina’), harmalina, tetrahidroharmina e outros alcal´oides harmala, bem como DMT (Durante et al., 2021;
Kaasik et al., 2020). Os efeitos da ayahuasca n˜ao se limitam aos efeitos psicod´elicos, mas incluem, por exemplo,
efeitos antiinflamat´orios, neuroprotetores, citot´oxicos e antiparasit´arios (Flanagan and Nichols, 2018; Katchborian-
Neto et al., 2022, 2020; Santos et al., 2022; Sim˜ao et al., 2020). Em pessoas com dist´urbios dissociativos, parece
exercer um efeito ’anti-dissociativo’.
Quanto `a seguran¸ca fisiol´ogica da ayahuasca, coadministra¸c˜ao com ISRSs, algumas triptaminas psicod´elicas (5-MeO-
xxT, como 5-MeO-DMT (Reckweg et al., 2022)), anfetaminas, MDMA (Sottile and Vida, 2022), coca´ına (Simon and
Kreek, 2016) , tramadol e dextrometorfano (DXM) s˜ao considerados perigosos (Tripsit.me, 2022). A coadministra¸c˜ao
com ´alcool e metoxetamina (MXE) ´e considerada insegura (Tripsit.me, 2022). Aconselha-se cautela em combina¸c˜ao
com cannabis, mescalina, anfetaminas substitu´ıdas (DOx), fenetilaminas substitu´ıdas (NBOM), fenetilaminas psi-
cod´elicas (2C-x, 2C-T-x), cetamina e opioides (Tripsit.me, 2022). A coadministra¸c˜ao de DMT com l´ıtio pode causar
convuls˜oes (Nayak et al., 2021).
Na pr´atica, as pessoas que usam ISRSs participaram de cerimˆonias de ayahuasca sem consequˆencias adversas. Ruf-
fell observou que n˜ao havia um ´unico caso conhecido de toxicidade da serotonina registrado na literatura (Ruffell,
2022). Recentemente, Malcolm e Thomas revisaram detalhadamente a toxicidade da serotonina de psicod´elicos
serotonin´ergicos (Malcolm and Thomas, 2021). Eles observaram que pouca informa¸c˜ao est´a dispon´ıvel sobre as cir-
cunstˆancias de toxicidades graves, mas ´e improv´avel que a ayahuasca por si s´o represente um alto risco de toxicidade da
serotonina, e sua propens˜ao a induzir o vˆomito tamb´em pode limitar a capacidade de consumir grandes quantidades.
Al´em disso, a psilocibina e o LSD parecem ser relativamente seguros em combina¸c˜ao com a ayahuasca. Henr´ıquez-
Hern´andez et al. discutiu recentemente aspectos gerais da toxicologia de psicod´elicos (Henr´ıquez-Hern´andez et al.,
2023).
Uma revis˜ao sistem´atica de dos Santos et al. encontraram trˆes s´eries de casos envolvendo membros da igreja brasileira
sincr´etica de ayahuasca Uni˜ao do Vegetal (UDV) e dois relatos de casos descrevendo epis´odios psic´oticos associados
`a ingest˜ao de ayahuasca (dos Santos et al., 2017). A incidˆencia geral de epis´odios psic´oticos no contexto da UDV
foi estimada em menos de 0,1% (0,052–0,096%), e o uso de cannabis n˜ao pode ser exclu´ıdo como um fator con-
tribuinte. Eles observaram que a incidˆencia de epis´odios psic´oticos parecia rara tanto em ambientes rituais quanto
recreativos/descontrolados. Uma s´erie de casos europeus de apresenta¸c˜oes para departamentos de emergˆencia lidando
com drogas recreativas agudas e toxicidade de novas substˆancias psicoativas (n=5529) n˜ao mencionou a ayahuasca
(Vallersnes et al., 2016).
O uso da ayahuasca se difundiu internacionalmente na d´ecada de 2000 (Labate and Cavnar, 2013; Labate and
Jungaberle, 2011). ´
E normalmente usado em configura¸c˜oes de grupo ritualizadas, ou seja, ’cerimˆonias’, nas quais guias
psicod´elicos treinados direcionam as experiˆencias dos participantes cantando (Beyer, 2009; de Mori, 2009; Turkia,
2022b). Nas sociedades ocidentais, as cerimˆonias normalmente acontecem durante a noite durante os fins de semana,
come¸cando na noite de sexta-feira e terminando na manh˜a de domingo. Os participantes geralmente apresentam
condi¸c˜oes psiqui´atricas resistentes ao tratamento, como depress˜ao resistente ao tratamento, transtorno de estresse
p´os-traum´atico (TEPT) e transtorno de estresse p´os-traum´atico complexo (C-PTSD), e esgotaram outras op¸c˜oes
oficiais de tratamento. Normalmente, as pessoas com condi¸c˜oes psic´oticas e bipolares s˜ao exclu´ıdas, principalmente
devido `a falta de recursos suficientes para acompanhamento e ao aumento dos riscos legais para os organizadores.
No presente caso, entretanto, o paciente psic´otico compareceu a dezenas de cerimˆonias sem complica¸c˜oes.
Em muitos casos, as cerimˆonias de ayahuasca organizadas em outros lugares ainda seguem v´arias tradi¸c˜oes ind´ıgenas
amazˆonicas, a maioria das quais permanece escassamente documentada ou n˜ao documentada na literatura cient´ıfica.
Um exemplo documentado de tal tradi¸c˜ao ´e a tradi¸c˜ao Shipibo (Gonzalez et al., 2021), embora na Europa as
cerimˆonias aderindo a essa tradi¸c˜ao pare¸cam relativamente raras.
O’Shaughnessy e Berlowitz estudaram as pr´aticas de ’dieta vegetal’ da medicina amazˆonica peruana (O’Shaughnessy
and Berlowitz, 2021). Graham e outros. investigou a fenomenologia de ouvir ’icaros’, ou can¸c˜oes medicinais, durante
uma cerimˆonia de ayahuasca (Graham et al., 2022). Callon et ai. discutiram as perspectivas dos l´ıderes da cerimˆonia
de ayahuasca sobre as pr´aticas de prepara¸c˜ao e integra¸c˜ao dos participantes (Callon et al., 2021). Sapoznikow et
ai. observou que o uso cerimonial transcultural pode ter vantagens em rela¸c˜ao ao uso psicon´autico (individual)
2
(Sapoznikow et al., 2019). Kaasik descreveu a cultura da cerimˆonia da ayahuasca na Estˆonia (Kaasik and Kreegipuu,
2020) e analisou a composi¸c˜ao qu´ımica da ayahuasca tradicional e anal´ogica (Kaasik et al., 2020). Byrska et ai.
observou que a composi¸c˜ao qu´ımica da ayahuasca apreendida na Polˆonia variava (Byrska et al., 2022). Pontual et
ai. estudaram a importˆancia de fatores n˜ao farmacol´ogicos como o ambiente para induzir ou promover experiˆencias
m´ısticas ou desafiadoras entre usu´arios de ayahuasca em contextos de igrejas neoxamˆanicas e sincr´eticas na Holanda
e no Brasil (de Deus Pontual et al., 2022).
Dobkin de Rios et ai. descreveu como a Uni˜ao do Vegetal (UDV), uma igreja sincr´etica brasileira, obteve permiss˜ao
para o uso ritual e religioso da ayahuasca na Suprema Corte dos Estados Unidos (Dobkin de Rios and Rumrrill,
2008). Seu livro tamb´em discute a igreja do Santo Daime no Brasil, o uso tradicional da ayahuasca pelos povos
ind´ıgenas, o ’neoxamanismo’ e a globaliza¸c˜ao da ayahuasca. Groisman e outros. descreveu o correspondente processo
legal relativo `a igreja do Santo Daime na Suprema Corte dos Estados Unidos (Groisman and Dobkin de Rios, 2007).
Groisman e outros. analisaram os aspectos curativos, neurofenomenol´ogicos e terapˆeuticos do uso ritual e religioso
da ayahuasca na igreja do Santo Daime (Groisman and Sell, 1996).
Um livro editado por Roberts discutiu o uso cerimonial de psicod´elicos de forma mais geral (Roberts, 2020). Al-
cantarilla et ai. apresentou um caso de psicose ap´os o uso de ayahuasca (Alcantarilla et al., 2022); Neyra-Ontaneda
apresentou outro caso (Neyra-Ontaneda, 2017). Williams e outros. discutiu ontologias nativas (Williams et al.,
2022). Devenot et ai. discutiu uma alternativa de c´odigo aberto ao capitalismo psicod´elico (Devenot et al., 2022a).
Fotiou alertou contra a idealiza¸c˜ao de tribos ind´ıgenas sul-americanas (Fotiou, 2016). Som´e discutiu o tratamento
da primeira psicose em um contexto ind´ıgena africano, enfatizando a importˆancia dos rituais (Som´e, 1997).
James et ai. forneceu uma revis˜ao narrativa sobre o estado atual da pesquisa m´edica da ayahuasca (James et al., 2022).
Um manual recente de alucin´ogenos m´edicos editado por Grob et al. cobriu uma ampla gama de aspectos relacionados
`a terapia psicod´elica (Grob and Grigsby, 2021). Devenot et ai. examinou como as estruturas terapˆeuticas interagem
com a substˆancia psicod´elica de maneiras que podem remodelar rapidamente a identidade e o senso de identidade
dos participantes (Devenot et al., 2022b). Friesen discutiu os emaranhados hist´oricos e os contrastes contemporˆaneos
entre a pesquisa em psicose e a pesquisa em terapia psicod´elica (Friesen, 2022). Nemu discutiu vieses e preconceitos
no estudo acadˆemico da ayahuasca (Nemu, 2019). Maia e cols. revisou recentemente o potencial terapˆeutico da
ayahuasca (Maia et al., 2023). Perkins et ai. apresentou os resultados de um estudo longitudinal natural´ıstico sobre
mudan¸cas na sa´ude mental, bem-estar e personalidade ap´os o consumo de ayahuasca, concluindo que o consumo de
ayahuasca em participantes ingˆenuos pode precipitar amplas melhorias na sa´ude mental, relacionamentos, estrutura
da personalidade e uso de ´alcool (Perkins et al., 2022). Perkins et ai. tamb´em discutiu processos psicoterapˆeuticos
e neurobiol´ogicos associados `a ayahuasca (Perkins et al., 2023). Bouso et al. resultados de pesquisas relatadas sobre
efeitos adversos (Bouso et al., 2022). Mastinu et al. revisaram os usos etnobotˆanicos das plantas psicod´elicas mais
conhecidas e os mecanismos farmacol´ogicos dos principais princ´ıpios ativos que continham (Mastinu et al., 2023). A
farmacopeia da tribo Huni Kuin do Brasil contou com mais de cem plantas medicinais (Muru and Quinet, 2019).
Ona et al. descreveu as caracter´ısticas e benef´ıcios essenciais das pr´aticas tradicionais e a importˆancia de incorpor´a-
las em um movimento de ’Sa´ude Mental Global’ (Ona et al., 2021). A terapia de grupo e os aspectos comunit´arios
foram discutidos por Hartogsohn (Hartogsohn, 2021, 2022), Gonzalez et al. (Gonzalez et al., 2021), e Meckel Fischer
(Meckel Fischer, 2015; Sessa and Meckel Fischer, 2015). Oehen e Gasser descreveram o tratamento de pacientes com
C-PTSD na Su´ı¸ca desde 2014 (Oehen and Gasser, 2022). Aspectos gerais do uso de psicod´elicos em psicoterapia
foram discutidos em um livro recente editado por Read et al. (Read and Papaspyrou, 2021). Danforth discutiu a
psicoterapia orientada para o foco como um complemento `a prepara¸c˜ao para a terapia psicod´elica (Danforth, 2009).
Dolezal et ai. sugeriram que a pr´atica sens´ıvel `a vergonha ´e essencial para a abordagem informada sobre o trauma
(Dolezal, 2022; Dolezal and Gibson, 2022).
Bosch e outros. revisou psicod´elicos no tratamento da depress˜ao bipolar, comentando que a integra¸c˜ao dessas
substˆancias promissoras e fascinantes na biomedicina contemporˆanea parece vi´avel e at´e desej´avel (Bosch et al., 2022).
Szmulewicz et ai. relatou um caso de mania ap´os o consumo de ayahuasca em um homem com transtorno bipolar
(Szmulewicz et al., 2015); Oliveira e cols. relatou um caso semelhante (Oliveira et al., 2018). Wrobel et al. pesquisou
traumas na infˆancia e sintomas depressivos no transtorno bipolar, observando que os sentimentos de inutilidade
emergiram como um sintoma-chave entre os participantes com - mas n˜ao sem - uma hist´oria de trauma na infˆancia
(Wrobel et al., 2023). Janikian investigou o potencial e os riscos dos psicod´elicos no transtorno bipolar (Janikian,
2020). Blackwell apresentou o m´etodo ’respira¸c˜ao bipolar’: uma adapta¸c˜ao da respira¸c˜ao holotr´opica desenvolvida
para pacientes bipolares (Blackwell, 2011; Bray, 2018; Grof, 2010). Young e cols. discutiu a neurobiologia do
transtorno bipolar (Young and Juruena, 2020). Healy revisou a hist´oria do transtorno bipolar (Healy, 2008). Uma
pr´e-impress˜ao de McCutcheon et al. apresentou um novo sistema de classifica¸c˜ao baseado na afinidade do receptor
para medicamentos antipsic´oticos (McCutcheon et al., 2023).
Um artigo de Fusar-Poli et al., co-escrito por especialistas por experiˆencia e acadˆemicos, revisou a experiˆencia vivida
da psicose usando um m´etodo de baixo para cima (derivando uma teoria de material etnogr´afico) em vez de um
m´etodo de cima para baixo (tentando sobrepor uma teoria aos dados) (Fusar-Poli et al., 2022). Utilizando o mesmo
m´etodo, Estrad´e et al. revisou as experiˆencias vividas por familiares e cuidadores de pessoas com psicose (Estrad´e
et al., 2023). Sips tamb´em discutiu a fenomenologia e a vivˆencia da psicose (Sips, 2022). Um livro editado por
3
Moskowitz et al. discutiu a rela¸c˜ao entre psicose, trauma e dissocia¸c˜ao (Moskowitz et al., 2019). Um livro editado
por Dorahy et al. reuniu pensamentos e conceitua¸c˜oes atuais sobre dissocia¸c˜ao e transtornos dissociativos (Dorahy
et al., 2023). Um livro editado por Vermetten et al. discutiu a neurobiologia e o tratamento da dissocia¸c˜ao traum´atica
(Vermetten et al., 2007); Vermetten et ai. tamb´em estudou psicoterapia assistida por MDMA para PTSD (Vermetten
and Yehuda, 2019). Beutler et ai. revisou o conhecimento sobre a rela¸c˜ao entre a dissocia¸c˜ao relacionada ao trauma
e o sistema nervoso autˆonomo (Beutler et al., 2022). Trauma e dissocia¸c˜ao tamb´em foram discutidos por van der
Hart (van der Hart, 2021). Ratcliffe discutiu alucina¸c˜oes, traumas e confian¸ca (Ratcliffe, 2017). Um livro editado por
Woods et al. discutiu vozes na psicose a partir de uma perspectiva interdisciplinar (Woods et al., 2022). Um livro de
Lanius et al. discutiu o impacto do trauma na infˆancia na sa´ude e na doen¸ca, considerando-o uma ’epidemia oculta’
(Lanius et al., 2010). Ritunnano et ai. observou que os del´ırios tˆem e d˜ao significado (Ritunnano and Bortolotti,
2021).
Bourgeois et ai. observou que jovens abusados sexualmente tinham dez vezes mais risco de receber um diagn´ostico
de transtorno psic´otico do que jovens da popula¸c˜ao em geral (Bourgeois et al., 2018). Rodes et ai. discutiu a
rela¸c˜ao entre psicose e trauma, incluindo a rela¸c˜ao entre psicose e abuso sexual infantil (Rhodes, 2022; Rhodes et al.,
2018); no entanto, os casos parecem diferir significativamente do presente caso. McLaren descreveu m´etodos para
(auto)tratamento das consequˆencias do abuso sexual na infˆancia usando a terminologia ’espiritual’ (McLaren, 1997).
Mat´e discutiu as ra´ızes ’espirituais’ do trauma, considerando que a causa de qualquer transtorno mental era o trauma
(transgeracional) (Mat´e, 2018, 2019). Youngman et ai. discutiu a modelagem de sistemas adaptativos complexos nas
ciˆencias humanas (Youngman and Hadzikadic, 2014); neste contexto, Turkia apresentou anteriormente um modelo
computacional de emo¸c˜oes (Turkia, 2009). Dourron et ai. apresentou uma nova teoria, a teoria do alargamento
autoentr´opico, examinando como os psicod´elicos poderiam ser terapˆeuticos enquanto imitavam os sintomas da psicose
(Dourron et al., 2022).
Kettner et al. observou que a experiˆencia intersubjetiva durante as sess˜oes de grupo psicod´elico previu mudan¸cas
duradouras no bem-estar psicol´ogico e na conex˜ao social (Kettner et al., 2021). Brennan et ai. apresentou uma
explora¸c˜ao qualitativa dos desafios e pr´aticas ´eticas relacionais na cura psicod´elica (Brennan et al., 2021). Aixal`a
escreveu sobre a integra¸c˜ao psicod´elica p´os-sess˜ao em detalhes (Aixal`a, 2022). Hendricks propˆos o temor como um
suposto mecanismo de a¸c˜ao (Hendricks, 2018). Scull observou que ’as limita¸c˜oes do empreendimento psiqui´atrico at´e
o momento repousam em parte nas profundezas de nossa ignorˆancia sobre a etiologia dos dist´urbios mentais’ (Scull,
2022); o presente estudo de caso visa tamb´em esclarecer aspectos etiol´ogicos.
Schwartz descreveu a abordagem terapˆeutica dos Sistemas Familiares Internos (IFS) (Schwartz, 2021; Schwartz and
Sweezy, 2020). Yugler discutiu psicod´elicos no contexto do IFS (Yugler, 2021), observando que ’partes’ (subper-
sonalidades, alteres) correspondiam a ’entidades’, ’seres’ ou ’esp´ıritos’ no contexto psicod´elico. Vozes alucinat´orias
originadas das partes/entidades. Al´em das partes, havia tamb´em uma fonte imut´avel e ilimitada de energia chamada
’o Self’, cuja energia era caracterizada por compaix˜ao, curiosidade, calma, clareza, coragem, conex˜ao, confian¸ca e
criatividade (8 C’s). No final, qualquer resultado terapˆeutico era devido `a energia do Self, n˜ao a um terapeuta ou
substˆancia. Todos, independentemente da gravidade de seus traumas anteriores, tinham a capacidade de se curar.
Yugler tamb´em descreveu os conceitos de ’desabafamento’, ’polariza¸c˜ao’ e ’combina¸c˜ao’. O IFS era um m´etodo ou
’kit de ferramentas’ para ’navegar’ em qualquer experiˆencia, incluindo as psicod´elicas.
Wolynn revisou as pesquisas atuais sobre a heran¸ca epigen´etica do trauma, ou seja, as evidˆencias sobre a heran¸ca
gen´etica transgeracional do trauma (Wolynn, 2016). Pesquisas em camundongos indicaram que gatilhos de trauma
podem ser herdados epigeneticamente pela prole (Dias and Ressler, 2013; Morin et al., 2021). Levine, o inventor do
m´etodo de experiˆencia som´atica (Kuhfuß et al., 2021; Winblad et al., 2018), forneceu uma vis˜ao geral introdut´oria
do papel da mem´oria no trauma, incluindo a longa hist´oria do papel das estruturas filogeneticamente mais antigas
do c´erebro no trauma (Levine, 2015).
O m´etodo de tratamento de manuten¸c˜ao de baixa dose de Mudge
Mudge desenvolveu um m´etodo para o tratamento do transtorno bipolar com ayahuasca e o utilizou para seu pr´oprio
transtorno bipolar por anos (Janikian, 2020; Mudge, 2016, 2022; Saiardi and Mudge, 2018). Desde a adolescˆencia,
descrevendo-se como um ’paciente complacente na psiquiatria convencional’, ele tentou, sem sucesso, dezessete
medicamentos farmacˆeuticos diferentes. Ele disse que seus efeitos adversos foram minimizados ou ignorados. Em
sua juventude, os ISRSs desencadearam uma mania que foi ignorada por seu psiquiatra, que dobrou a dose. Isso
levou a um epis´odio man´ıaco completo com caracter´ısticas psic´oticas. Ele foi hospitalizado e injetado com antip-
sic´oticos. Nos anos seguintes, ele recebeu dezessete medicamentos diferentes, sem resultados. Eventualmente, depois
de experimentar efeitos adversos ’massivos’, ele desistiu.
Ap´os descobrir a ayahuasca por volta de 2006, n˜ao fazia uso de drogas farmacˆeuticas (Buller et al., 2021). Inicialmente,
ele o usava com doses psicod´elicas em cerimˆonias com alguns meses de intervalo. No entanto, o efeito n˜ao durou
meses; portanto, ele inventou uma pr´atica mais regular de autotratamento de baixa dose. Ele iniciou um programa
de pesquisa e, como parte de seus estudos de doutorado, testou v´arias prepara¸c˜oes de ayahuasca em si mesmo.
Ao todo, Mudge tem 15 anos de experiˆencia no uso da ayahuasca e em prepar´a-la ele mesmo em v´arias formula¸c˜oes, us-
ando diferentes variedades do cip´o da ayahuasca, resultando em diferentes propor¸c˜oes dos IMAOs harmina, harmalina
4
e tetrahidro harmina. Propor¸c˜oes diferentes produziram efeitos diferentes: estimulantes, sedativos ou equilibradores.
Ele estava atualmente analisando 50 variedades diferentes em um laborat´orio. Mudge tamb´em recebeu treinamento de
facilitador de cerimˆonias nos contextos do Santo Daime e v´arias tradi¸c˜oes ind´ıgenas, incluindo Huni Kuin (Muru and
Quinet, 2019), Shipibo (Gonzalez et al., 2021) e Yawanaw´a (Oikarinen, 2020; P´erez-Gil, 2001). Ele estava planejando
criar um manual para guiar cerimˆonias para pessoas bipolares.
O principal risco era que, em pessoas bipolares, os psicod´elicos poderiam induzir mania, at´e mesmo mania psic´otica.
No entanto, alguns casos n˜ao implicam que todas as pessoas bipolares devam ser exclu´ıdas do uso de psicod´elicos
(uma generaliza¸c˜ao exagerada). Al´em disso, os efeitos adversos muitas vezes foram exagerados; alguns foram devido
a tomar ayahuasca quatro noites seguidas e n˜ao dormir, por exemplo (Buller et al., 2021). Mugde afirmou que
a exclus˜ao de pessoas bipolares n˜ao era apenas il´ogica, mas tamb´em perigosa porque as pessoas bipolares eram
altamente suicidas. O princ´ıpio ’n˜ao causar danos’ foi aplicado de forma il´ogica. Ao tratar o transtorno bipolar como
uma contra-indica¸c˜ao, os pacientes receberam uma mensagem: ’Vamos apenas ignor´a-lo’, privando-os de esperan¸ca.
Outra consequˆencia foi que os bipolares estavam ’fazendo isso de qualquer maneira, de forma confusa’, por exemplo,
mentindo na triagem para cerimˆonias e terminando em um tipo de cerimˆonia errado para eles, com uma variedade
de ayahuasca que n˜ao foi projetada para tˆem um efeito equilibrador, mas, digamos, estimulante. Portanto, as
pessoas bipolares devem ser inclu´ıdas, mas suas necessidades especiais devem ser levadas em considera¸c˜ao. Al´em dos
bipolares, a quest˜ao da exclus˜ao tamb´em se aplicava aos esquizofrˆenicos. Mudge afirmou que ’n˜ao fazer nada n˜ao era
igual a n˜ao fazer mal’; na verdade, implicava evitar responsabilidades.
O fato de o comitˆe de ´etica ter impedido Mudge de oferecer seu medicamento a pessoas suicidas necessitadas o levou
a ’questionar todo o conceito de ´etica definido por um comitˆe institucional de especialistas, em oposi¸c˜ao `a ´etica de
pares baseada na compaix˜ao’. Mudge n˜ao via nenhuma raz˜ao l´ogica e ´etica para pessoas bipolares n˜ao poderem
ajudar umas `as outras. Al´em disso, quem tinha o direito de decidir quais riscos eles poderiam correr? Evitar a
tendˆencia suicida era mais importante do que prevenir a mania. De acordo com Mudge, ningu´em tinha o direito de
dizer que n˜ao poderia tentar um rem´edio que possivelmente salva vidas. Ele acrescentou que ’os especialistas em
psicod´elicos adotaram essa atitude paternalista dos psiquiatras’. Devido `a populariza¸c˜ao dos psicod´elicos, n˜ao havia
mais necessidade de ser excessivamente cauteloso com as aparˆencias; em vez disso, era hora de ser mais corajoso.
Mudge esteve profundamente envolvido com a igreja sincr´etica brasileira Santo Daime (Hartogsohn, 2021), bem como
com v´arias tribos ind´ıgenas da regi˜ao amazˆonica. Ele se descreveu como ’p´os-bipolar’, mencionando que desenvolver
seu m´etodo foi complicado e desafiador, mas foi ’incrivelmente ben´efico’ para ele (Janikian et al., 2021). Ele concluiu
que, devido ao seu curto tempo de liga¸c˜ao ao receptor 5-HT2A, o DMT n˜ao induziu mania em pessoas com transtorno
bipolar, mas atuou como um intensificador/estabilizador do humor. A tetrahidroharmina, por sua vez, proporcionou
um efeito semelhante ao SSRI.
Mudge comentou que ficou ’seriamente man´ıaco’ com LSD ou mescalina e ’quase man´ıaco de uma maneira engra¸cada’
com psilocibina (Buller et al., 2021). Com MDMA, ele ’se sentiu p´essimo depois’; a cetamina parecia um pouco
melhor. Com a ayahuasca, parecia que o efeito de equil´ıbrio era devido aos MAOIs; posteriormente, ele poderia
’obter os benef´ıcios psicod´elicos em um contexto equilibrado’. Por meio da ayahuasca, ele aprendeu a reconhecer
quando estava prestes a entrar em mania e, ent˜ao, interromper o processo a tempo. Em outras palavras, ele tinha
menos ’autonega¸c˜ao’. Ele tamb´em se tornou mais compassivo ou consciente das consequˆencias sociais adversas dos
epis´odios man´ıacos, ou seja, danos a outras pessoas pr´oximas a ele; isso o motivou a parar as coisas que aumentavam
a mania. A crescente autocompaix˜ao tamb´em reduziu os comportamentos autodestrutivos e a tendˆencia suicida.
Em resumo, a autoconsciˆencia era a chave. A ironia era que era o oposto de entorpecer-se com drogas farmacˆeuticas.
O entorpecimento impedia o acesso ao trauma: ’a raz˜ao pela qual as pessoas bipolares ficavam deprimidas em
primeiro lugar’. Curiosamente, ele comentou que havia ’uma epidemia de trauma sexual’, afetando particularmente
as mulheres, e havia uma grande correla¸c˜ao estat´ıstica entre trauma sexual e transtorno bipolar. Mudge tinha
um amigo que j´a havia recebido 65 drogas farmacˆeuticas diferentes e 50 aplica¸c˜oes de terapia eletroconvulsiva sem
resultado. No processo, seu trauma sexual nunca foi abordado. O trauma acabou sendo tratado por uma mulher
Shipibo em uma cerimˆonia de ayahuasca. Atualmente, ela estava ’obtendo ´otimos resultados com a ayahuasca’.
Assim, a cura psicossocial poderia acontecer com psicod´elicos que basicamente eliminassem os gatilhos subjacentes.
Mudan¸cas na dieta e no estilo de vida (h´abito do sono) tamb´em foram decorrentes do uso da ayahuasca.
Com base em dados de entrevistas qualitativas sobre 75 pessoas bipolares que consumiram ayahuasca, Mudge re-
conheceu numerosos casos de pessoas bipolares que se tornaram man´ıacas, mas sua an´alise detalhada indicou que
muitos desses resultados eram falsos negativos e que a maioria das pessoas bipolares teve experiˆencias terapeutica-
mente positivas com ayahuasca (Mudge, 2022). Os eventos adversos foram devidos a mentalidades e/ou ambientes
inadequados ou diferen¸cas farmacˆeuticas resultantes de diferen¸cas nos m´etodos de prepara¸c˜ao.
Mudge concluiu que o fator determinante crucial para as pessoas com transtorno bipolar era a t´ecnica culin´aria,
porque as varia¸c˜oes culin´arias afetavam as propor¸c˜oes dos quatro principais ingredientes psicoativos. Al´em disso,
era fundamental que a ayahuasca n˜ao fermentasse, para evitar a forma¸c˜ao de ´alcool (Janikian et al., 2021). O
´alcool desencadeou epis´odios depressivos (Buller et al., 2021). Com essas melhorias, os efeitos adversos podem ser
minimizados ou evitados.
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Tamb´em era fundamental evitar o uso concomitante de quaisquer outros agentes psicoativos, principalmente cannabis/tetra-
hidrocanabinol (THC), tabaco (rap´e) (de Mori, 2020; Narby and Pizuri, 2021) e at´e cafe´ına, chocolate, suplementos
esportivos , e incenso. O THC pode superestimular o sistema dopamin´ergico e induzir paran´oia e psicoses. O uso
concomitante de MAOIs amplificou esse efeito do THC. Esta combina¸c˜ao tinha sido associada a quatro incidentes
de violˆencia ou homic´ıdio. Independentemente disso, embora uma grande parte da popula¸c˜ao que frequenta as
cerimˆonias consuma cannabis regularmente, e muitas tribos e igrejas sincr´eticas consumam cannabis em cerimˆonias,
tais incidentes s˜ao muito raros e podem envolver apenas pessoas com transtorno bipolar.
A m˜ae de Mudge era uma professora de neurobiologia especializada em transtorno bipolar depois que seu filho foi
diagnosticado com a doen¸ca. Ela descobriu que as mudan¸cas de humor correspondiam a modula¸c˜oes na frequˆencia
do ciclo de renova¸c˜ao do fosfoinosit´ıdeo nos neurˆonios corticais; conforme o processo c´ıclico acelerava e desacelerava,
o humor oscilava para cima e para baixo (Saiardi and Mudge, 2018). L´ıtio e fluoxetina regulam a taxa de s´ıntese
de fosfoinosit´ıdeo em neurˆonios. O receptor 5-HT2Aparece estimular a hidr´olise de fosfoinosit´ıdeo (da Costa et al.,
2020; Rabin et al., 2002). A ayahuasca provavelmente tamb´em continha um componente de neutraliza¸c˜ao e, portanto,
modulou a s´ıntese de fosfoinosit´ıdeo da mesma forma que a combina¸c˜ao de l´ıtio e fluoxetina, resultando no efeito
estabilizador e de melhora do humor mencionado anteriormente.
Mudge mencionou que havia atualmente uma ’cren¸ca comunit´aria’ infundada funcionando como um ’tabu cultural’
de que psicod´elicos e bipolares eram contra-indicados. Mudge mencionou que, devido `a burocracia e aos obst´aculos
relacionados `a ’aprova¸c˜ao ´etica’, a realiza¸c˜ao de ensaios cl´ınicos se mostrou imposs´ıvel para ele, e ele s´o conseguiu pro-
duzir estudos pr´e-cl´ınicos. Nesse ´ınterim, cinco de seus 75 entrevistados haviam cometido suic´ıdio. Mudge ’n˜ao estava
disposto a esperar quinze anos’ antes que as pessoas pudessem ser tratadas. Em termos de academia/comunidade,
Mudge sentiu ter ’lutado contra tabus, obtendo respostas mistas’. Algumas conferˆencias pareciam favor´aveis, outras
’simplesmente n˜ao queriam saber’: o assunto era ’muito controverso’. Mudge descreveu que antes, um professor de
psiquiatria, depois de ler seu resumo, comentou: ’Ent˜ao, uma pessoa bipolar pensa que desenvolveu um tratamento
para o transtorno bipolar sozinho e acha que ´e ayahuasca. Bem, isso soa como uma grande ilus˜ao, n˜ao ´e? Dois anos
depois, ap´os ouvir a apresenta¸c˜ao de Mudge, o professor reconheceu o trabalho de Mudge como ’muito progressivo’.
Young, um importante especialista em transtorno bipolar no Reino Unido (Young and Juruena, 2020), recentemente
se envolveu com a pesquisa da ayahuasca (Ruffell et al., 2020, 2021). Houve tamb´em um projeto da Standish visando
obter um produto padronizado de ayahuasca aprovado pelo FDA, produzido a partir de vinho de ayahuasca cultivado
no Hava´ı (Standish, 2019); no entanto, de acordo com Mudge, sua receita atual provavelmente n˜ao era adequada para
o transtorno bipolar. Tamb´em houve interesse inicial e ’encorajamento n˜ao oficial’ no assunto, mas nenhum recurso
na Associa¸c˜ao Multidisciplinar de Estudos Psicod´elicos (MAPS). No entanto, nenhum indiv´ıduo ou institui¸c˜ao, fora
do painel de supervis˜ao do PhD, havia apoiado oficialmente o estudo de Mudge. Mudge considerou as atuais pr´aticas
de pesquisa dominantes ’jogando um jogo reducionista’.
Sobre a ideia de usar um produto sint´etico contendo apenas DMT, ou DMT e harmina, Mudge comentou que um
produto sem harmalina, tetrahidroharmina e outros componentes provavelmente n˜ao forneceria o efeito de equil´ıbrio
necess´ario. Al´em disso, o conceito ritual´ıstico-cerimonial era central para ele. No entanto, adquirir uma propor¸c˜ao
espec´ıfica de componentes seria mais f´acil. Em suma, como uma op¸c˜ao de prescri¸c˜ao, mesmo um produto sint´etico
de produ¸c˜ao em massa ’abaixo do padr˜ao’ seria uma melhoria significativa em rela¸c˜ao `a situa¸c˜ao atual, ou seja, o uso
de antipsic´oticos. Al´em disso, inicialmente, o pr´oprio Mudge s´o conseguiu adquirir produtos que agora considerava
abaixo do padr˜ao.
O protocolo de manuten¸c˜ao consistia em ’microcerimˆonias’: tomar uma dose baixa de ayahuasca antes de dormir,
em um ritual de medita¸c˜ao autoorganizado e ininterrupto, realizado aproximadamente uma vez a cada uma a duas
semanas, de acordo com a necessidade, ou seja, dependendo da intensidade de depress˜ao. Depois de tal ritual,
o ’resplendor’, ou efeito calmante e edificante, geralmente durava uma ou duas semanas. No que diz respeito `a
dosagem, a dose necess´aria para um efeito de equil´ıbrio foi significativamente menor do que a necess´aria para efeitos
psicod´elicos. Mudge recomendou tomar 1/8 da dose ’padr˜ao’ (aproximadamente uma colher). De acordo com Mudge,
esse tratamento de manuten¸c˜ao provavelmente precisaria ser cont´ınuo.
Com rela¸c˜ao `as ra´ızes ind´ıgenas da ayahuasca, Mudge apontou para a extrema pobreza das tribos, a falta at´e mesmo
de ´agua pot´avel, seu cinismo sobre a biopirataria por empresas comerciais (como aconteceu com a psilocibina no
M´exico) e ’pol´ıticas governamentais ativas de genoc´ıdio contra popula¸c˜oes ind´ıgenas’ em alguns pa´ıses. Por outro
lado, as pessoas bipolares tamb´em estavam ’desesperadas e com risco de vida’, mas Mudge ’n˜ao via por que n˜ao
poderia haver uma situa¸c˜ao em que todos ganhassem se fosse feito da maneira certa, com ´etica’.
Havia muitas quest˜oes polˆemicas: um produto sint´etico seria essencialmente biopirataria, a menos que grande parte
dos lucros fosse dada aos ind´ıgenas. Houve tamb´em um conflito entre empresas com fins lucrativos, possivelmente
colocando o medicamento no mercado mais rapidamente e universidades, possivelmente fornecendo um produto sem
fins lucrativos uma d´ecada ou mais depois. Uma vantagem das empresas com fins lucrativos era que elas n˜ao se
importavam com reputa¸c˜ao acadˆemica ou tabus. Mais de USD 200 bilh˜oes foram gastos anualmente nos EUA no
tratamento do transtorno bipolar, a grande maioria dos quais foi para empresas farmacˆeuticas e psiquiatras. Mudge
comentou que havia ’muita gente lucrando com a doen¸ca de meu povo’.
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As startups de psicod´elicos estavam ligeiramente separadas dos neg´ocios farmacˆeuticos tradicionais e, como exemplo,
um gerente de fundos de hedge cuja esposa era bipolar mencionou que talvez ele pudesse ’ajudar’. Mudge propˆos um
modelo alternativo aos modelos liderados por universidades e liderados por empresas: fundar uma nova igreja que
levasse em conta as necessidades espec´ıficas de pessoas bipolares, que a igreja do Santo Daime n˜ao havia acomodado.
No dia anterior, ele havia recebido trˆes liga¸c˜oes de trˆes amigos suicidas.
Aspectos do presente caso
A estrat´egia de dosagem apresentada por Mudge era n˜ao psicod´elica, destinada a equilibrar o humor sem acessar
mem´orias traum´aticas e utilizada sem apoio em casa em ’microcerimˆonias’ regulares e auto-organizadas, dependendo
da necessidade percebida subjetivamente. Essa dosagem pode ser chamada de sub-psicol´ıtica, algo entre ’micro-
dosagem’ e ’psicol´ıtica’ (Passie et al., 2022). A ayahuasca era feita de acordo com uma receita especial desenvolvida
para o tratamento do transtorno bipolar.
Em contraste, no presente caso, a dosagem foi psicod´elica, destinada a acessar as mem´orias traum´aticas e utilizada
em um contexto de cerimˆonia em grupo. As cerimˆonias da ayahuasca eram ’neosxamˆanicas’, ou seja, n˜ao seguiam
estritamente nenhuma linhagem tradicional espec´ıfica da regi˜ao amazˆonica. A paciente frequentava sempre o mesmo
grupo, organizado pelo mesmo facilitador n˜ao ind´ıgena. No total, ela participou de 26 cerimˆonias ao longo de quatro
anos. Houve um intervalo de nove meses entre as cerimˆonias, mas, em m´edia, ela compareceu a uma cerimˆonia a
cada dois meses. A ayahuasca era sempre preparada pela mesma pessoa, mas n˜ao era preparada especificamente
para pacientes bipolares e provavelmente seria considerada abaixo do padr˜ao pelos padr˜oes de Mudge. N˜ao houve
tratamento de manuten¸c˜ao com ayahuasca entre as cerimˆonias. As cerimˆonias descritas foram organizadas em um
ambiente legal; mais detalhes s˜ao omitidos para fins de anonimiza¸c˜ao.
As informa¸c˜oes foram obtidas a partir de uma grava¸c˜ao de ´audio de 20 minutos produzida pelo entrevistado em 2019
e duas entrevistas retrospectivas semiestruturadas com dura¸c˜ao total de aproximadamente trˆes horas realizadas em
2020. Diagn´osticos e prescri¸c˜oes foram confirmados a partir de trechos de prontu´ario fornecidos pelo paciente. Em
geral, com exce¸c˜ao dos ´ultimos dois anos, seu contato com o sistema de sa´ude psiqui´atrica foi espor´adico e superficial.
Discuss˜oes completas de acompanhamento e uma revis˜ao de todos os dados foram realizadas em 2023.
O entrevistado favoreceu o termo ’espiritual’. Pollan propˆos ’ego´ısta’ como o antˆonimo de ’espiritual’ (Pollan, 2018).
Nesta apresenta¸c˜ao, as ’ra´ızes espirituais’ do trauma correspondem aproximadamente a ’ter a ver com a perda
da agˆencia individual’. Da mesma forma, o termo ’despertar’ refere-se `a lembran¸ca de mem´orias traum´aticas ou
seu ressurgimento do subconsciente. Assumindo que ressurgem em sua forma original espec´ıfica para a idade, tais
mem´orias podem parecer incompreens´ıveis.
Uma inten¸c˜ao deste artigo ´e a facilita¸c˜ao de um quadro conceitual compartilhado, ou seja, uma fus˜ao preliminar
de v´arios paradigmas. Conceitos foram adotados do IFS (Schwartz and Sweezy, 2020), o paradigma das rela¸c˜oes
objetais (T¨ahk¨a, 1993, 2006), o paradigma da psicose como um ’despertar espiritual’ (Blackwell, 2011; Grof, 1990), a
abordagem do Di´alogo Aberto (Bergstr¨om et al., 2022; Mosse et al., 2023) e v´arias tradi¸c˜oes ind´ıgenas da ayahuasca.
A presente descri¸c˜ao do caso n˜ao deve ser tomada como uma diretriz de tratamento ou uma recomenda¸c˜ao. Mesmo
que os m´etodos descritos tenham produzido um resultado vi´avel para essa pessoa e em outro caso brevemente revisado
na se¸c˜ao de discuss˜ao, existe um grau de imprevisibilidade na natureza dos psicod´elicos, e as mesmas abordagens
podem n˜ao produzir os mesmos resultados em outras pessoas com antecedentes diferentes. e caracter´ısticas. A
inten¸c˜ao do presente estudo ´e abrir novas perspectivas e linhas de pesquisa sobre C-PTSD, psicose e transtorno
bipolar. O papel dos estudos de caso no contexto do paradigma atual, medicina baseada em evidˆencias (EBM), foi
discutido no artigo anterior do autor (Turkia, 2022b).
Descri¸c˜ao do caso
Na ´epoca da entrevista, a entrevistada tinha trinta e tantos anos. Desde a infˆancia, ela foi exposta a abusos sexuais
graves e cont´ınuos por parte de um irm˜ao mais velho do casamento anterior da m˜ae. O menino n˜ao se dava bem com o
padrasto (pai da menina). O abuso foi frequente e cont´ınuo por v´arios anos. Como sua vida parecia insuport´avel, ela
’inventou um mundo maravilhoso’ que ’misturou com este’ para poder ’respirar, escapar de uma situa¸c˜ao inevit´avel,
obter algum controle’, ou seja, agˆencia.
Seus pais n˜ao sabiam ou n˜ao responderam ao abuso. Ela descreveu que amava seus pais e queria fazˆe-los felizes sendo
ela mesma feliz. Em suas palavras, ’eu entendi que ser feliz era o maior presente que vocˆe poderia dar `as pessoas que
vocˆe ama. Ent˜ao eu tomei isso como meu dever. Mas eu n˜ao poderia ser feliz se vivesse neste mundo, ent˜ao constru´ı
outro, ou escolhi vˆe-lo, e escolhi desaparecer deste mundo toda vez que a porta daquele quartinho se fechava e eu
sabia o que viria a seguir. . Escolhi amar meu irm˜ao e esquecer tudo por anos. Embora na verdade nunca tenha
esquecido.
Em sua mem´oria, o abuso estava em andamento. Ela n˜ao sabia dizer exatamente quando come¸cou, mas com base
em certos eventos, ela cronometrou seu in´ıcio aos cinco ou seis anos de idade. Ela descreveu que uma crian¸ca n˜ao
tinha mem´oria de que a vida era de outra maneira; uma parte da mente da crian¸ca assumiu que tal vida era normal.
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No entanto, havia outra parte que tinha a informa¸c˜ao de que tal abuso n˜ao era aceit´avel. Essas duas partes estavam
em conflito. Segundo ela, por esses motivos, o trauma precoce era dif´ıcil de lidar ou tratar e residia na raiz de todos
os diagn´osticos psiqui´atricos.
Seu relacionamento com os pais era ’bom’. Ela sempre foi ’uma boa menina’, comportando-se bem e n˜ao causando
problemas. Ela era ’perfeita na escola e com os amigos’. Ocasionalmente, por´em, seu comportamento mudava
rapidamente e ela se tornava impulsiva e fisicamente violenta, embora voltasse `a normalidade com a mesma rapidez.
Seus pais n˜ao reconheceram o abuso cont´ınuo. Durante toda a infˆancia, eles descartaram seus sintomas como um
sinal de que ela havia sido ’mimada’. Ela acreditava que seus pais ’n˜ao queriam ver; se eles realmente quisessem ver,
eles teriam visto’. Ela descreveu que, como seu ambiente n˜ao a ’via’, sua mente adotou o mesmo mecanismo e o
aplicou a si mesma. A parte que n˜ao havia sido reconhecida, ou seja. ’visto’, foi ’dividido’ como uma parte separada.
Este processo de ’divis˜ao’ levou a problemas.
Fui abusado em um quarto. Quando meus pais voltaram para casa, tive que fingir que estava feliz e
agir como uma boa menina. Na escola, eu parecia ser um aluno perfeito. Mas `a noite minha vida era
completamente diferente do dia. Isso criou um grande conflito interno: uma cis˜ao. N˜ao se pode processar
um trauma grave enquanto ele est´a acontecendo. A divis˜ao interna era na verdade um mecanismo de
sobrevivˆencia.
Como forma de manter um senso de controle sobre sua vida, ela foi secretamente para o telhado de sua casa todos
os dias durante anos com a inten¸c˜ao de pular, mas nunca o fez. N˜ao pular serviu como prova de sua agˆencia. Ela
n˜ao se lembrava de ter experimentado qualquer dor. Ela ’s´o queria morrer sem motivo aparente’.
Os sintomas dissociativos come¸caram com devaneios intencionais e conscientes como uma forma de escapismo, mas
acabaram se transformando em uma resposta autom´atica incontrol´avel e inconsciente. As vis˜oes da crian¸ca de amigos
imagin´arios e criaturas m´ıticas, que foram inicialmente criadas para criar um mundo pessoal seguro e control´avel,
ganharam vida pr´opria e levaram a severa dissocia¸c˜ao e desrealiza¸c˜ao. Ela sentiu como se n˜ao estivesse no presente,
mas n˜ao sabia onde estava.
Ela come¸cou a ’mudar entre os mundos’. Essa mudan¸ca foi acompanhada por uma sensa¸c˜ao f´ısica em seu estˆomago.
Quando ela se dissociou, ela parecia existir em m´ultiplos estados de consciˆencia ao mesmo tempo, em parte no
momento presente como se estivesse tendo uma experiˆencia fora do corpo, e em parte em uma dimens˜ao sem tempo
onde ela se sentia como se estivesse simultaneamente no presente, passado e futuro. Havia tamb´em uma dimens˜ao
sem causalidade, onde suas percep¸c˜oes e a¸c˜oes pareciam desconectadas umas das outras.
Ela sentiu que tudo o que via ao seu redor era ’criado por ela e tamb´em partes dela’. Os limites entre o interior
e o exterior dissolveram-se na ’unidade’. Quando ’tudo coexistia na atemporalidade’, a intera¸c˜ao social era dif´ıcil.
As palavras podiam se transformar em unidades de tempo, ou em ’almas que encontraram suas correspondˆencias
vibracionais em seus arredores’. Para ’trazer-se de volta’, ela aplicou m´etodos obsessivo-compulsivos: sons repetitivos
e rituais, ’para mantˆe-la com os p´es no ch˜ao antes que ela se perdesse completamente nos outros mundos’.
Quando seus pais finalmente descobriram sobre seu h´abito, eles fecharam todo o acesso ao telhado. Posteriormente,
ela come¸cou a sentir a dor. Ela descreveu que ’partiu meu cora¸c˜ao sentir que estava sendo levado at´e mesmo por esse
controle e liberdade. Ficar no limite todos os dias era o meu segredo. Senti que minha escolha de n˜ao pular havia
me tornado uma boa menina e, depois do bloqueio, essa escolha n˜ao era mais minha ’. Posteriormente, ela come¸cou
a andar como sonˆambula, brincando com facas e lˆaminas, cortando-se e engolindo rem´edios e detergentes. Certa vez,
ela parou em uma linha de bonde quando um bonde estava chegando, mas um vizinho a empurrou para longe dos
trilhos. Ela se lembrava de ter sido empurrada, mas n˜ao de como acabou parada ali.
Sua tendˆencia suicida se originou de ’n˜ao ser vista: provavelmente o trauma mais comum e influente na escala social’.
Segundo ela, muitas pessoas realmente n˜ao queriam viver, mas permaneceram inconscientes dessa tendˆencia. A falta
de tendˆencias suicidas evidentes n˜ao implicava na ausˆencia de um desejo inconsciente de morrer. Essa falta de vontade
era ’o maior conflito que algu´em poderia ter’. Em um organismo com um instinto de sobrevivˆencia fundamental,
ele enviou um ’sinal completamente errado’. Um indiv´ıduo saud´avel lutou para permanecer vivo. Um indiv´ıduo em
conflito interno pode ter perdido esse objetivo.
No caso dela, o abuso foi ’mais dram´atico e, portanto, teve efeitos mais dram´aticos’, mas uma crian¸ca hipersens´ıvel
’invis´ıvel’ poderia ficar traumatizada na ausˆencia de eventos dram´aticos, apenas por negligˆencia. O mecanismo
subjacente era o mesmo: n˜ao ser visto levava a n˜ao ser protegido. Foi interpretado como n˜ao sendo importante o
suficiente para ser protegido, o que levou a baixa autoestima e esfor¸cos para compensar com desempenho na escola
e no trabalho.
Toda vez que uma crian¸ca ´e espancada pelos pais, ela recebe a mensagem de que n˜ao ´e digna de n˜ao ser
espancada. Se ele for al´em, como muitos fazem, ele traduzir´a isso em: N˜ao sou digno de estar aqui,
n˜ao sou digno de ser amado, n˜ao sou digno de nada. Eu sofro, mas permanece invis´ıvel e, portanto,
n˜ao validado. A mensagem subconsciente ´e que mere¸co esse sofrimento porque ningu´em me salvou. A
conclus˜ao l´ogica ser´a naturalmente que n˜ao mere¸co estar aqui, e j´a que estar aqui traz apenas sofrimento,
por que eu deveria estar aqui?
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Aos treze anos, ela desenvolveu ’uma firme cren¸ca irracional’ de que tinha cˆancer terminal. Exames de sa´ude anuais
a deixavam ’hist´erica’, mas quando os resultados voltaram completamente normais, isso apenas fortaleceu sua cren¸ca
de que sua doen¸ca havia se tornado ’muito pior’. Ela acreditava saber o tipo exato e a localiza¸c˜ao do tumor e estava
tentando preparar sua m˜ae para sua morte, rezando para que sua m˜ae parasse de am´a-la para n˜ao ser ferida por
sua morte. Em retrospecto, ela descreveu que a cren¸ca ’n˜ao tinha fundamento na realidade’ e que ’o fato de eu ter
sido perfeitamente saud´avel durante todos esses anos n˜ao estava de forma alguma conectado em minha cabe¸ca `a
possibilidade de eu n˜ao ter cˆancer’.
Por sete anos, ela estava convencida de que morreria em um mˆes, no m´aximo. Em seu di´ario, ela organizou seu
funeral e escreveu cartas para sua m˜ae, contando como havia sido feliz durante sua vida, pedindo a ela que n˜ao
ficasse triste. Seu cora¸c˜ao estava partido por causa da dor que sua m˜ae sentiria. Ela chorou ’todas as noites, sem
exce¸c˜ao, a partir das 22h. `as 3 ou 4 da manh˜a’ Ela chorou ’tanto que n˜ao conseguia respirar’ e implorou a Deus que
a perdoasse por morrer e causar tanta dor para sua m˜ae.
Apesar desses problemas, ela era ’uma aluna nota A, ganhando o primeiro lugar todos os anos em todos os concursos
ou competi¸c˜oes’. Ela disse que ’absolutamente ningu´em sabia’ sobre sua tendˆencia suicida. Algumas vezes, ela tentou
o suic´ıdio porque ’n˜ao suportava ver todo o sofrimento que estava esperando em meu futuro pr´oximo por causa desse
cˆancer imagin´ario’.
Por volta dos 20 anos, a cren¸ca de ter cˆancer foi substitu´ıda por outra cren¸ca: del´ırio parasit´ario. Ela se convenceu
de que dentro de seu corpo havia esp´ecies ´unicas de insetos que se multiplicavam cada vez mais r´apido porque seu
corpo os alimentava. Ela viu insetos ao redor de seu corpo: eles estavam se movendo sob a pele de seus bra¸cos, em
sua cabe¸ca e dentro de seu c´erebro. Descrevendo sua pergunta como ’curiosidade’ n˜ao relacionada a ela mesma, ela
perguntou a um m´edico se tal fenˆomeno era poss´ıvel. O m´edico ’me explicou porque isso n˜ao podia acontecer, e eu
entendi perfeitamente a explica¸c˜ao, mas n˜ao fez diferen¸ca: eu sabia que os bichos estavam l´a. Eu os estava vendo e
sentindo, e toda vez que me olhava no espelho, tinha que vomitar de nojo dos insetos’. Ela sempre odiou insetos e
ainda odiava.
A psicose pode ser causada por trauma ou sensibilidade extrema. Sua mente era hipersens´ıvel, extremamente flex´ıvel e
’permitida viajar para lugares muito incomuns’. Ele ’faltava uma esp´ecie de identidade’, ou seja, pontos de referˆencia.
A hipersensibilidade em si n˜ao era um problema, mas a incapacidade de fundamentar essa hipersensibilidade em
qualquer coisa a ejetou ’para o espa¸co sideral’. Sua mente ’flu´ıa como uma onda’, mas quando se ligava a algo,
tornava-se r´ıgida ’em um nanossegundo’. Cren¸cas e opini˜oes cotidianas foram formadas gradualmente, mas na
psicose, uma impress˜ao instantaneamente se transformou em uma cren¸ca imut´avel. A cren¸ca se transformou em ’um
buraco negro sugando tudo’, e toda a sua vida foi subseq¨uentemente subordinada a essa cren¸ca.
Por exemplo, quando vi aquele inseto perto de mim, imediatamente disse: ’ ´
E meu’. Eu n˜ao sei por quˆe.
Simplesmente aconteceu. Depois disso, qualquer sensa¸c˜ao confirmava aquela ideia. Se senti coceira ou
vi uma folha se movendo ao vento, foi por causa dos insetos. Minha mente fez grandes esfor¸cos para
fabricar hist´orias para sustentar o pensamento. Eu comecei a criar.
Criar ´e a essˆencia da psicose e sua conex˜ao com o reino espiritual. Criamos nossa realidade e mani-
festamos externamente o que est´a dentro de n´os. A psicose ´e um exemplo extremo de cria¸c˜ao de sua
pr´opria realidade: vocˆe molda tudo ao seu redor para se adequar `as suas cren¸cas. Minha mente ficou
muito imaginativa. Cada pensamento, cada movimento, a maneira como as roupas se ajustam em mim
e como me sinto depois de comer corroboram essa cren¸ca. Se tinha um amassado na cal¸ca era porque
tinha um bicho embaixo do tecido. Se eu me senti melhor ou pior depois de comer, foi porque os insetos
gostaram ou n˜ao gostaram daquela comida.
Retrospectivamente, ´e interessante olhar para tr´as e ver o que uma mente muito brincalhona foi capaz de
inventar. Foi como um exerc´ıcio de improvisa¸c˜ao: como posso vincular tudo no meu mundo a uma ´unica
cren¸ca? Quando vocˆe j´a entende que a cren¸ca era falsa, parece engra¸cado.
Parecia que construir um mundo melhor, ou ’escolher vˆe-lo’, era fundamental para manter a agˆencia individual.
Lysaker et ai. observou que a recupera¸c˜ao da doen¸ca mental envolvia recapturar um senso de agˆencia (Lysaker and
Leonhardt, 2012). Criando tamb´em alinhado com o conceito de psicose como uma estrat´egia de sobrevivˆencia em
estresse severo (Bergstr¨om et al., 2022; Seikkula, 2019), bem como com o conceito de psicose como um sistema de
defesa massivo (Fisher, 1970, 1997; Walsh and Grob, 2005).
Depois de contemplar a quest˜ao do parasita por duas semanas, ela ingeriu veneno de rato, presumindo que mataria
os insetos, mas n˜ao ela. No entanto, quando come¸cou a se sentir mal, percebeu que havia se envenenado e chamou
a ambulˆancia. No hospital, ela descreveu a situa¸c˜ao e foi encaminhada para um psiquiatra, que mencionou que ela
poderia ter ’esquizofrenia latente’, acrescentando que ela precisaria passar por uma avalia¸c˜ao formal para estabelecer
um diagn´ostico formal. Ela recusou tanto a sugest˜ao quanto a avalia¸c˜ao, comentando que estava ’recusando-se a ter
essa doen¸ca’. O psiquiatra pareceu sentir pena dela e comentou que n˜ao era uma escolha dela: ningu´em decidia se
tinha ou n˜ao o problema. Ela repetiu que teve a escolha e que ’decidiu n˜ao ter ou ser aquilo’. Independentemente
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disso, ela aceitou a medica¸c˜ao antipsic´otica prescrita e prometeu iniciar um programa de terapia, mas nunca o fez.
Os medicamentos que ela tomava ocasionalmente.
Segundo ela, os medicamentos antipsic´oticos ’n˜ao necessariamente pioram a pessoa, embora possam’, mas principal-
mente apenas ’escondem completamente as causas da doen¸ca’. Ela os considerava n˜ao rem´edios, mas anest´esicos, que
suprimiam os sintomas em vez de atacar as causas profundas. As causas dos transtornos n˜ao eram ’psiqui´atricas’,
mas ’espirituais’, e precisavam ser tratadas como tal.
Nesse contexto, ’psiqui´atrico’ referia-se `a vis˜ao de que a psicose era devida a predisposi¸c˜oes biol´ogicas (variˆancia
gen´etica) levando a um ’estado de falha’ que deveria ser corrigido com medicamentos para permitir o retorno a um
estado de normalidade. ’Espiritual’, por sua vez, referia-se a uma vis˜ao hol´ıstica segundo a qual a psicose se devia `a
perda da agˆencia individual: a perda do ’esp´ırito’ de algu´em, como resultado de um processo `as vezes referido como
’perda da alma’. Ela n˜ao era contra a medica¸c˜ao antipsic´otica, mas considerava muito importante misturar as duas
abordagens e ’evitar os extremos’. Ela propˆos um di´alogo entre essas abordagens para melhorar o tratamento de
doen¸cas graves.
Na psicose, a mente torna-se r´ıgida ou calcificada em torno de uma ideia, perdendo toda a flexibilidade.
Assemelha-se a um m´usculo muito tenso. Uma pessoa cega por uma cren¸ca t˜ao r´ıgida precisa de ajuda.
´
E imposs´ıvel trabalhar com algu´em que n˜ao dorme h´a quatro noites. Primeiro, ela precisa relaxar. Os
antipsic´oticos podem funcionar como “relaxantes musculares”. Depois, ela pode ser abordada por um
m´edico, um amigo ou at´e ela mesma. No meu caso, a pessoa que se aproximava geralmente era eu. Ao
perceber que havia perdido a conex˜ao comigo mesmo, usei temporariamente o que fosse necess´ario para
me desobstruir, ap´os o que fiz o que mais fosse necess´ario. Meu trabalho era muito pessoal; ningu´em me
ensinou como fazer. Foi uma intui¸c˜ao passo a passo. A essencialidade de inspecionar as pr´oprias cren¸cas
´e uma regra geral que se aplica a todos: n˜ao tenha cren¸cas r´ıgidas nem caia no fanatismo. As opini˜oes
podem e devem sempre ser combinadas.
Ela come¸cou a se educar sobre ’o que significava esquizofrenia e como ter certeza de que n˜ao a tinha’. Ela descreveu
que, quando os antipsic´oticos (aripiprazol, 15 mg) funcionaram como pretendido, ela “reconheceu a natureza anor-
malmente r´ıgida e inflex´ıvel de suas cren¸cas, que sempre estiveram em completa contradi¸c˜ao com qualquer tipo de
realidade racional”. Por esta raz˜ao, ela admitiu para si mesma que sua mente n˜ao estava funcionando corretamente.
Ela descreveu ter passado por ’rituais incont´aveis o dia todo’: contar v´arias coisas ou dizer palavras espec´ıficas em
certas sequˆencias fixas. A justificativa para isso era ’garantir que um grande desastre, como um acidente fatal para
algu´em que eu amava, ou um terremoto fatal, n˜ao aconteceria durante a pr´oxima meia hora’.
Ela descreveu como, ao ler sobre a esquizofrenia, ela ’lentamente come¸cou a entender que isso n˜ao era normal’. Para
resolver a situa¸c˜ao, ela iniciou ’um programa para aprender a maneira correta de pensar, da mesma forma que algu´em
reaprende a andar ou falar, ou como crian¸cas autistas aprendem sobre sentimentos’. Ela aprendeu a discernir como ’o
tipo, densidade ou energia’ de suas cren¸cas, sons, presen¸cas ou vozes psic´oticas diferiam das ’verdadeiras, saud´aveis’.
Ela se tornou sua ’treinadora mais dura e implac´avel’, verificando constantemente se o que ela via, ouvia, sentia e
pensava era semelhante `as percep¸c˜oes, sentimentos e pensamentos dos outros. Quando ela observava as diferen¸cas, ou
adotava os modos dos outros ou enterrava completamente sua ideia ou h´abito. Seu m´etodo provou ser bem-sucedido
e, depois de algum tempo, ela estava ’fazendo isso quase automaticamente, como consertar pe¸ca por pe¸ca um motor
em movimento, um motor que constantemente funcionava erroneamente’.
Na presen¸ca de medo ou paran´oia, ela experimentou uma dissolu¸c˜ao parcial dos limites: um objeto externo era ’dela
ou nela’. N˜ao houve identifica¸c˜ao total: ela n˜ao era uma com o ob jeto. A experiˆencia se assemelhava a um tipo de
proje¸c˜ao paran´oica na presen¸ca de um ilimitado parcial. Para superar tal proje¸c˜ao, ela desenvolveu uma t´ecnica para
diferenciar as id´eias paran´oides das n˜ao paran´oides.
Comecei a questionar tudo desta forma: ’Esse pensamento ou ideia se origina do medo ou do amor?’ As
ideias ’eu sou o inseto’ e ’eu sou o universo’ originaram-se do amor. Essas ideias boas e funcionais me
levaram mais longe. Por outro lado, a ideia de que dentro de mim havia bichos me atacando vinha do
medo. Era uma esp´ecie de met´afora para o trauma subjacente: vocˆe ´e uma v´ıtima sem controle sobre o
que acontece com vocˆe, com seu corpo. A psicose ´e sempre uma met´afora.
Os fatores diferenciadores foram seu estado emocional e o grau de identifica¸c˜ao com o objeto. Na presen¸ca do
amor, a pessoa podia se identificar totalmente com o mundo e suas partes (talvez ’render-se’ a ele): ela experimen-
tava a ’unidade’. Na presen¸ca do medo, a pessoa experimentava o mundo como consistindo de partes separadas e
amea¸cadoras, e precisava se defender delas.
Ela sentiu que estava alimentando o atacante simplesmente por estar viva. O bug parecia ser uma representa¸c˜ao ou
uma met´afora do agressor. Seu c´erebro tentou convencˆe-la de que, para deixar de ser atacada, ela precisava morrer.
Embora, de uma perspectiva puramente factual, a morte fosse uma solu¸c˜ao para o problema, ela tamb´em entrava em
conflito com as duas inten¸c˜oes ou ’impulsos’ mais fundamentais: sobrevivˆencia e reprodu¸c˜ao.
O c´erebro ´e extremamente inteligente desta forma, na verdade. O fato de vocˆe estar vivo alimenta seu
atacante. Essa era a mensagem que meu c´erebro estava tentando me enviar: ’Vocˆe se sente atacado, e
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o que eu quero que vocˆe fa¸ca: eu quero que vocˆe morra. Esse ´e o seu papel. Como fa¸co para que vocˆe
morra? Ent˜ao criei essa hist´oria: ’O fato de eu estar vivo est´a mantendo o bicho vivo. Ent˜ao, o que devo
fazer? Veja bem: ´e uma esp´ecie de quebra-cabe¸ca, um truque do c´erebro, que sempre lhe dar´a a mesma
resposta. ´
E isso que a mente faz: ela d´a um loop. Vocˆe ter´a que morrer, e como fa¸co para fazer isso?
Eu te conven¸co de que vocˆe tem uma doen¸ca, eu te conven¸co de que vocˆe est´a sendo atacado. De v´arias
maneiras, a mente tentar´a convencˆe-lo a fazer a mesma coisa: morrer.
Em suas palavras, sua ’for¸ca vital alimentava a posi¸c˜ao de v´ıtima’. Por outro lado, ’ser v´ıtima era alimentar o bicho’, o
que poderia ser interpretado da seguinte forma: a agressora estava recebendo energia do abuso, ou seja, seu sofrimento
estava promovendo o bem-estar da agressora. No contexto da ayahuasca, esse fenˆomeno ´e normalmente referido
como ’troca de energia’. Independentemente dos detalhes metaf´oricos, a essˆencia era sobre sua vulnerabilidade, seu
’sentimento central’, origin´ario de um trauma pessoal e transgeracional. Ela estava ’certa de que poderia existir
informa¸c˜ao gen´etica dizendo que vocˆe ´e vulner´avel, o que poderia se manifestar como met´aforas’ (ver, por exemplo,
(Dias and Ressler, 2013; Morin et al., 2021; Wolynn, 2016)).
Independentemente de seu relativo sucesso em corrigir seus preconceitos, ela comentou que ’nunca fui um todo: havia
apenas pe¸cas que tornei funcionais’. Ainda assim, sua ´unica raz˜ao para permanecer viva era o medo de ferir sua m˜ae
e sua fam´ılia com sua morte. Como na adolescˆencia, ela continuou funcionando muito bem profissionalmente aos
vinte anos, adquirindo um PhD e iniciando sua pr´opria fam´ılia. Mantendo seus sintomas em segredo com sucesso,
ela apresentava apenas ’momentos breves, mas frequentes, em que meus amigos viam uma falha e surgia uma crise’.
Ela descreveu que todos a consideravam ’muito at´ıpica, explosiva e imprevis´ıvel, mas divertida e uma boa amiga’.
No entanto, depois de alguns anos, ela ’n˜ao conseguia mais controlar suas emo¸c˜oes’ e estava come¸cando a agir ’cada
vez mais impulsiva, perigosa e inst´avel’. Ela ’explodiu em ataques de raiva incontrol´avel, violˆencia e automutila¸c˜ao’.
Freq¨uentemente, ela estava ’observando impotente como outra pessoa estava no controle’, algu´em que estava destru-
indo sua vida, relacionamentos e fam´ılia.
Seu marido, sem saber que ela j´a havia consultado um psiquiatra, a convenceu a procurar um. O segundo psiquiatra
realizou um EEG, que ele disse estar mostrando um ’padr˜ao bipolar cl´assico com atividade anormal ao redor’. Ele
ent˜ao a diagnosticou como bipolar, prescrevendo um estabilizador de humor (valproato de s´odio, 1000 mg) e um
antiepil´eptico (clonazepam, 0,5 mg). Ela contou ao marido sobre a prescri¸c˜ao de alguns medicamentos, mas n˜ao
sobre o diagn´ostico.
Depois de tomar os novos medicamentos por um curto per´ıodo, ela decidiu que tamb´em n˜ao aceitaria o diagn´ostico
de transtorno bipolar. Superar as caracter´ısticas bipolares foi mais dif´ıcil porque eram ’mais sobre emo¸c˜oes’, que ela
descreveu como seu ’ponto fraco’. Seus pensamentos eram mais f´aceis de controlar do que suas emo¸c˜oes. Na ´epoca
da entrevista, ela disse que esse problema ’ainda n˜ao estava completamente curado, mas muito mais f´acil do que
antes’ e que ela poderia lidar com isso. Ela ligou a esquizofrenia a vieses cognitivos e del´ırios, e o transtorno bipolar
`a instabilidade emocional.
Por motivos m´edicos, ela teve que interromper a gravidez. Depois disso, ela teve outra gravidez com alto risco
de morte para ela e para a crian¸ca. Seu marido estava ciente do risco, mas n˜ao da gravidade dele at´e o final da
gravidez. Sua dor pela perda do primeiro filho e o medo de perder o segundo a tornaram mais inst´avel do que antes.
Seu marido novamente pediu que ela consultasse outro psiquiatra, que acrescentou um diagn´ostico de transtorno
de personalidade lim´ıtrofe. Ela permaneceu incerta se este diagn´ostico pretendia substituir ou complementar o
diagn´ostico de transtorno bipolar, mas ’eles pareciam bastante semelhantes de qualquer maneira’.
Mais uma vez, ela come¸cou a estudar seu diagn´ostico rec´em-adquirido, trabalhando para compreendˆe-lo e reunir
habilidades para lidar com ele. No entanto, desta vez ela estava ’muito cansada’. Ela descreveu ter estado ’comple-
tamente exausta e sentindo a dor c´osmica de que meus filhos acabariam perdendo a m˜ae, porque nem mesmo meus
filhos, que eu amava al´em do poss´ıvel, eram suficientes para eu realmente querer viver, ou gostar daqui’. Somando-se
`a exaust˜ao, ela teve ’outra experiˆencia sexual traum´atica’ (n˜ao revelada, mas supostamente um estupro), que levou
a mais uma tentativa de suic´ıdio envolvendo um acidente de carro.
A essa altura, embora pudesse reconhecer em si muitas das caracter´ısticas associadas ao diagn´ostico de transtorno
bipolar, ela se convenceu de que ’nunca havia sido realmente esquizofrˆenica ou bipolar’. Ela se identificou mais com
os crit´erios lim´ıtrofes, que, segundo ela, tamb´em explicavam sua hist´oria de psicose. Ela ’desistiu de todos os trˆes
diagn´osticos’ e dos medicamentos prescritos relacionados. Independentemente disso, ela ’n˜ao estava lidando bem’.
A lembran¸ca dos diagn´osticos ’continuava a assust´a-la’, mantendo-a ’talvez at´e excessivamente consciente de qualquer
estado mental irregular’. Ela descreveu que seu senso de identidade pessoal ou confian¸ca em seus pensamentos ou
sentimentos estava ’completamente ausente’. Depois de anos ’formando-se com base nos padr˜oes de outras pessoas’,
ela acabou ’sem nenhuma ideia’ do que ela gostava ou quem ela realmente era (um ’efeito adverso’ de seu m´etodo de
treinamento, talvez). Ela tamb´em estava ’apavorada com a possibilidade de algu´em ver atrav´es da minha compostura
bem organizada’. Isso n˜ao era por medo do abandono, mas principalmente porque ’eu sabia que se algu´em me
considerasse louco, eu n˜ao teria ferramentas contra me ver instantaneamente da mesma maneira e acabaria sendo
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exatamente isso - se houvesse algo para salva-me de ser isso, eu era meu segredo e minha decis˜ao de que n˜ao era
nenhum desses diagn´osticos’.
Nessa situa¸c˜ao, a ayahuasca havia sido sua ’´ultima chance’. Ela disse que, embora at´e aquele momento de sua vida ela
tamb´em tivesse experimentado ’muitos momentos felizes’ e ’sinceramente aproveitado a vida muitas vezes’, apenas
sua primeira experiˆencia com a ayahuasca transcendeu sua hist´oria de vida em ’uma hist´oria de luz’.
A primeira coisa que experimentei durante a cerimˆonia foi a tempestade emocional que treinei para
controlar durante anos. Em seguida, senti a energia familiar, alta densidade e o isolamento inevit´avel da
psicose. S´o que naquela ´epoca esses sentimentos eram passageiros e sempre terminavam em um oceano
inimagin´avel de amor e apoio, vindo de dentro e de fora de mim. Foi um grau de apoio que nunca havia
sentido antes e, o mais importante, experimentei em um estado em que n˜ao tinha como esconder nada.
Para mim, naquele momento, n˜ao havia mais segredos.
Fiquei chocado com duas coisas. Primeiro, sobre a enormidade da dor e do terror que viviam dentro
de mim, que eu via t˜ao claramente que n˜ao conseguia acreditar que tivesse conseguido sobreviver. Em
segundo lugar, sobre receber tanto apoio e confian¸ca, mesmo que essa dor tenha vindo `a tona e fosse
vis´ıvel. Percebi que havia tratado essa dor como uma doen¸ca, como minha culpa e como minha maior
vergonha. Eu n˜ao conseguia sentir nada al´em de compaix˜ao e espanto sobre como consegui viver por tanto
tempo com isso, com o que senti foram muitas gera¸c˜oes de dor, solid˜ao e pura tristeza. Pela primeira
vez, me senti genuinamente orgulhoso de estar vivo.
As cerimˆonias subsequentes de ayahuasca a afastaram de ter uma autoimagem de estar ’mentalmente quebrada’. Ela
ganhou ’uma compreens˜ao da enorme divis˜ao e fragmenta¸c˜ao que havia sido criada em mim’. Seus desafios anteriores
consistiam em n˜ao enviesar seus pensamentos (aspectos cognitivos ou ’esquizofrˆenicos’) e ignorar ou controlar suas
emo¸c˜oes (aspectos emocionais ou ’bipolares’). Seu novo desafio tornou-se ’como manter tanto amor, tantas presen¸cas
de apoio e toda a compreens˜ao das dimens˜oes da alma’ (conectando-se com o Self, talvez). Ela descreveu que ’a
abertura de tantos outros n´ıveis de consciˆencia finalmente criou um espa¸co no qual eu como um todo fazia sentido’.
Uma vez visitei um psicoterapeuta que perguntou sobre minha infˆancia. Eu disse que tive uma infˆancia
perfeita. Foi perfeito. E no exato momento em que vocˆe diz isso, sua crian¸ca interior, que foi ferida e
n˜ao foi vista, meio que se separa de vocˆe. Era exatamente disso que se tratava metade da minha ´ultima
jornada com a ayahuasca. Eu vi uma menina que me disse: ’Toda vez que vocˆe repetiu essa mentira, vocˆe
me negou completamente’.
Facilitadores de cerimˆonias de ayahuasca treinados de acordo com as diretrizes ind´ıgenas tradicionais frequentemente
mencionam que nas cerimˆonias eles tˆem a capacidade de acessar as vis˜oes dos participantes. Curiosamente, a
entrevistada descreveu possuir a mesma habilidade: em uma cerimˆonia, ela teve a vis˜ao de outro participante; isso
foi confirmado em uma discuss˜ao posterior. Em uma cerimˆonia ap´os outra, os participantes perceberam que um
grupo de participantes havia compartilhado uma vis˜ao de ter estado em uma cidade medieval em chamas, alguns
como atacantes, outros como v´ıtimas.
Conforme descrito, seus sintomas na infˆancia inclu´ıam f´uria violenta, sonambulismo, comportamento suicida e auto-
mutila¸c˜ao e tentativas reais de suic´ıdio. Sua m˜ae continuou negando a existˆencia desses eventos ou interpretando-os
como inconsequentes ou inofensivos. A entrevistada acabou admitindo a transgress˜ao de seus pais: ’Permitir-me
acusar meus pais de transgress˜ao foi uma grande coisa para mim. Foi essencial porque a valida¸c˜ao de mim como um
todo s´o se tornou poss´ıvel depois que admiti que n˜ao estava bem, em vez de dizer a mim mesmo a vida toda que
estava tudo bem’.
Antes da primeira entrevista, ela havia assistido a dez cerimˆonias de ayahuasca. Para a ´ultima cerimˆonia, ela tinha
duas inten¸c˜oes: primeiro, ver se existiam traumas n˜ao resolvidos (parecia que nada de significativo restava); segundo,
descobrir se a ayahuasca era segura para pessoas psic´oticas. Para ela, isso foi significativo porque ela ’se importava
muito e acreditava de todo o cora¸c˜ao neste medicamento’. Ela iria se dedicar o m´aximo que pudesse ’para levar para
as pessoas que precisam’. Ela sentiu que iria partir seu cora¸c˜ao se ela sentisse que a ayahuasca machucaria as pessoas
que ela queria ajudar.
O resultado dessa investiga¸c˜ao foi que a ayahuasca ’n˜ao poderia fazer mal a ningu´em, pelo menos n˜ao sozinha’.
Segundo ela, tudo o que a ayahuasca fazia era ’purificar’. Ela descreveu que, embora a ayahuasca muitas vezes causasse
vˆomito, ’a purga¸c˜ao’ deveria ser entendida como uma met´afora, como uma purga¸c˜ao de elementos indesejados do
corpo. De maneira semelhante, a psicose ou mania deveria ser conceituada como ’vˆomito da mente’.
Embora sua primeira cerimˆonia tenha sido explicitamente sobre seu trauma pessoal inicial, nas subsequentes ela foi
for¸cada a adotar o papel de terapeuta para almas perdidas ou ’esp´ıritos’ que precisavam ser vistos. Essa fun¸c˜ao de
servi¸co social sobrenatural era paralela ao seu pr´oprio trauma de n˜ao ter sido vista. Durante anos, ela aprendeu
v´arias maneiras de conceituar fenˆomenos psicol´ogicos e podia escolher um ponto de vista: ’esp´ıritos’ podiam ser
alucina¸c˜oes, partes exiladas que ela n˜ao conseguia integrar ou representa¸c˜oes de traumas transgeracionais. Mas essa
teoriza¸c˜ao foi ´util ou apenas a deixou pior? Ao escolher um ponto de vista, ela poderia escolher sua realidade.
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Desta forma, criamos nossa pr´opria realidade. Regras que s˜ao pragm´aticas para vocˆe podem n˜ao ser
pragm´aticas para mim. ´
E por isso que uma pessoa deve confiar principalmente em sua pr´opria intui¸c˜ao.
Quando vir esp´ıritos chegando, vocˆe pode perguntar: ’Eles fazem vocˆe se sentir mal? Eles s˜ao intrusivos?
Essas perguntas realmente importam. Descobri que, para mim, os esp´ıritos s˜ao na verdade f´osforos vi-
bracionais. Sempre fui uma pessoa muito emp´atica. Sinto as emo¸c˜oes dos outros ao meu redor, assim
como as minhas, com muita intensidade. Muitas vezes senti presen¸cas claras ao meu redor. Eu n˜ao os vi
ou ouvi, apenas senti sua presen¸ca. Sempre tive a mesma rela¸c˜ao com eles: precisava dizer que estavam
bem.
Eu poderia chamar isso de trauma transgeracional, mas n˜ao pensei assim. Eu os sentia vindo a mim o
tempo todo, para me mostrar os mortos em suas fam´ılias. Eu n˜ao os via visualmente: eles s´o existiam
em minha mente, como se eu os estivesse imaginando. Eles poderiam vir com uma crian¸ca morta nos
bra¸cos e dizer: ’Olha o que aconteceu! Ningu´em sabia disso.’
Estava quebrando meu cora¸c˜ao. Tive momentos em que n˜ao pude continuar com minhas tarefas. Isso foi
o mais dif´ıcil para mim. N˜ao sei se esse aspecto espec´ıfico deveria ser chamado de psicose. Um m´edico
pode dizer: ’Sim, porque atrapalha suas a¸c˜oes’. Eu ficava err´atico e parava o que estava fazendo. Eu
sentiria que estava quebrando. Tive momentos em que chorei como se toda a minha fam´ılia estivesse
morta. Mais tarde, aprendi a administr´a-lo at´e certo ponto.
Cada vez eu perguntava a eles: ’O que vocˆes esperam que eu fa¸ca? Eu sinto vocˆe, eu vejo vocˆe, e eu
realmente sinto muito por vocˆe. Vocˆe vˆe que estou quebrando, mas n˜ao sei o que fazer com vocˆe, mas vocˆe
continua vindo’. A mensagem deles era sempre a mesma: ’S´o queremos que algu´em nos veja’. Depois de
lutar contra isso, acabei aceitando a situa¸c˜ao, dizendo: ’Sabe de uma coisa? Talvez eu simplesmente seja
o tipo de pessoa que precisa ver as pessoas mortas ou o que quer que seja, o sofrimento que precisa ser
visto’.
Minha primeira cerimˆonia de ayahuasca foi sobre meu trauma pessoal e a purifica¸c˜ao dele. Logo em
seguida, os esp´ıritos come¸caram a chegar em massa, e minhas cerimˆonias se transformaram nesse tipo
de trabalho coletivo. Comecei a vˆe-los visualmente, pessoalmente. Eles podem parecer pessoas comuns ou
corpos de luz. Cada vez, ficou perfeitamente claro para mim por que eles vieram me ver. N˜ao era mais
sobre mim. Eu estava apenas abrindo espa¸co para esses esp´ıritos.
Inicialmente, parecia que eu estava morrendo de verdade. A dor c´osmica era de tal intensidade que me
senti incapaz de conter tudo. Eu estava desesperadamente inquieto. Por fim, aprendi que a maneira
correta de manter o espa¸co era permitir que suas emo¸c˜oes passassem por mim. Foi uma li¸c˜ao importante
para me abrir. Eu relaxei. Eles incorporaram meu corpo por alguns segundos e depois seguiram seus
caminhos. A energia deles simplesmente precisava fluir atrav´es de mim para ser liberada. Eles eram
energia presa no universo porque nunca haviam sido vistos ou validados. A energia s´o precisava passar
por algo, como quando vocˆe est´a bravo e precisa ir ao jardim s´o para quebrar alguma coisa.
Quando tive a ideia e aceitei meu papel, as coisas ficaram mais f´aceis. Atualmente, esse trabalho acontece
n˜ao apenas em cerimˆonias, mas o tempo todo. Talvez isso realmente n˜ao fa¸ca o meu caso de que n˜ao
sou mais psic´otico. Eu mencionei aos meus amigos que agora eu realmente vejo os esp´ıritos visualmente
e me comunico com eles. Eles provavelmente pensaram que eu ainda era psic´otico. Mas, desde que vocˆe
seja funcional e o processo pare¸ca satisfat´orio para vocˆe, isso n˜ao ´e um problema.
Eventualmente, descobri que, da mesma forma que eles precisam de mim, eu preciso deles. N˜ao estou
apenas fazendo trabalho de caridade para os esp´ıritos. Porque eles s˜ao minhas correspondˆencias vibra-
cionais, e o fato de eu precisar que minha dor seja vista atrai vibra¸c˜oes semelhantes de todas as camadas
da realidade ao meu redor. ´
E como se juntar. Pensamos que nossa alma tem uma experiˆencia humana
em nosso corpo, mas talvez minha alma seja composta por todas essas partes externas e fragmentos que
est˜ao se juntando.
Desde crian¸ca, tive a possibilidade orgˆanica de ver essas coisas. N˜ao foi porque fui ensinado a vˆe-los.
Eu fui ensinado de forma diferente. Mas era assim que eu me sentia por dentro desde os trˆes ou quatro
anos. Nas cerimˆonias, outras pessoas ao meu redor compartilharam a mesma experiˆencia, que eu pensava
ser apenas minha psicose. Usei a completa instabilidade emocional e intensidade da experiˆencia psic´otica
como uma ponte para me conectar profundamente com aqueles ao meu redor, bem como com minha alma
como um todo em toda a sua carga passada. Reconheci que, por causa de minhas caracter´ısticas incomuns,
fui capaz de me conectar a uma sabedoria maior, ao eu superior e sentir amor incondicional e absoluto.
Comecei a considerar essas caracter´ısticas um privil´egio.
Nas diretrizes para os participantes da cerimˆonia de ayahuasca e terapia psicod´elica em geral, os participantes s˜ao
normalmente instru´ıdos a ’se render’ ou ’deixar ir’ de resistir `as suas emo¸c˜oes. O processo descrito refletia em grande
parte essas instru¸c˜oes. A ideia de energia emocional sendo liberada atrav´es da experiˆencia tamb´em foi descrita em
outro estudo de caso sobre terapia psicod´elica (Turkia, 2022a). Uma interpreta¸c˜ao convencional pode considerar
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seu espa¸co para os esp´ıritos como um processamento indireto de um trauma transgeracional ou pessoal. A maior
visibilidade dos esp´ıritos pode ser interpretada, por exemplo, como um fortalecimento das conex˜oes entre as partes
exiladas e o Self.
Era essencial pertencer a um grupo onde se sentia aceito em vez de ser ’uma aberra¸c˜ao deixada sozinha’. Suas
tentativas anteriores de pertencer foram baseadas em conformidade, imita¸c˜ao e fingir que ela era como as outras
e acreditava nas mesmas coisas. Isso se assemelhava `a sociedade ’colocando cren¸cas em sua cabe¸ca’ quando essas
cren¸cas n˜ao se encaixavam nela. Posteriormente, ela acreditou que havia algo errado com ela.
Nas cerimˆonias, ela descobriu que outros participantes vivenciavam as mesmas ’dimens˜oes’ por meio da ayahuasca.
Ser capaz de compartilhar sua experiˆencia interna a conectou com outras pessoas, dissolvendo seu sentimento de
completo isolamento: ’Superar esse isolamento pela primeira vez na minha vida foi a raz˜ao de minhas experiˆencias
com a ayahuasca serem um grande al´ıvio para mim’. Em vez de ser ’louca’, ela foi ’despertada’. Apesar disso, ela
s´o conseguiu se conectar com um pequeno grupo de pessoas que compartilhavam sua experiˆencia, ao inv´es de toda a
sociedade.
Ela tamb´em percebeu que ’precisava escolher o que ´e pr´atico’. A ideia dela criar tudo ao seu redor era impratic´avel
no dia a dia. Entre os infinitos mundos alternativos, a solu¸c˜ao mais pr´atica era escolher um ponto de vista. Existir
em todas as dimens˜oes tornava a vida di´aria imposs´ıvel e igualava-se `a psicose. A incapacidade de escolher um ponto
de vista parecia igual a uma falta de identidade.
A psicose era em parte ’uma esp´ecie de esclarecimento’: um processo de recebimento de muitas informa¸c˜oes relevantes.
S´o se tornou um problema quando a pessoa n˜ao entendeu a informa¸c˜ao, n˜ao conseguiu process´a-la ou escolher um
ponto de vista e, posteriormente, ficou confuso. Outras pessoas poderiam fornecer pontos de referˆencia, para discernir
entre ’verdadeiro’ e ’falso’, pr´atico e impratic´avel. Embora ela considerasse muitos conceitos comuns (como, no
momento da primeira entrevista, a ideia de objetos externos n˜ao serem criados por ela) arbitr´arios e fundamentalmente
falsos, ela havia ’optado por seguir as regras, jogar o jogo social’ (por exemplo, acreditar que os objetos externos
eram ’reais’). Essa aceita¸c˜ao foi ’sua chave para o sucesso profissional’.
Outro conceito essencial foi a ’aceita¸c˜ao radical’ originada do Zen Budismo e da terapia comportamental dial´etica
(Linehan and Wilks, 2015). Sua aceita¸c˜ao da utilidade da aceita¸c˜ao radical baseava-se em seu valor pragm´atico na
vida cotidiana. Sua essˆencia era que n˜ao havia bem ou mal, e acreditava-se que tudo era necess´ario. Ao eliminar a
resistˆencia, a luta e as emo¸c˜oes negativas associadas, a aceita¸c˜ao estabelece uma ordem para a vida: ´e preciso apenas
’entrar no jogo’.
Apesar de ter apresentado ’todas as contra-indica¸c˜oes’ para o uso de psicod´elicos, bem como contra-indica¸c˜oes para
frequentar a maioria dos retiros de ayahuasca, suas cerimˆonias foram produtivas e sem problemas. Em sua opini˜ao, o
prop´osito das contra-indica¸c˜oes era proteger os organizadores de retiros de fim de semana que n˜ao poderiam fornecer
amplo apoio na cerimˆonia e/ou acompanhamento ap´os as cerimˆonias. Essas contraindica¸c˜oes eram compreens´ıveis,
mas, em uma vis˜ao mais ampla, contraproducentes.
Os pacientes mais dif´ıceis eram ’geralmente presos a todos os tipos de terapias ou medicamentos que funcionavam
como anest´esicos, apenas escondendo seus problemas’. A fim de otimizar a rela¸c˜ao custo-efic´acia dos servi¸cos de sa´ude
mental, esses pacientes mais desafiadores deveriam ter sido priorizados em rela¸c˜ao aos ’mais f´aceis’. O escasso recurso
das cerimˆonias da ayahuasca deveria ter sido usado para aqueles que n˜ao foram socorridos por outros meios, bem
como para aqueles que mais prejudicaram a si mesmos, aos outros e `a sociedade ao permanecerem sem tratamento.
As cerimˆonias deveriam ter sido complementadas com cuidados posteriores adequados (’integra¸c˜ao psicod´elica’); o
importante era o que se fazia depois da cerimˆonia. Ela planejava fornecer esses servi¸cos sozinha no futuro.
Com rela¸c˜ao aos ’efeitos adversos’ durante a cerimˆonia, ela comentou que ’se algo indesejado aconteceu, foi porque
a alma escolheu isso como m´etodo para se curar’. Ocasionalmente ocorreram eventos adversos: uma mulher bipolar
tornou-se man´ıaca ap´os uma cerimˆonia. De acordo com o entrevistado, isso acontecia porque a mulher ’faltava
de qualquer insight sobre seus problemas, bem como de qualquer habilidade para lidar com sua qu´ımica cerebral
espec´ıfica’. Portanto, ela tamb´em era vulner´avel a v´arios gatilhos ambientais cotidianos.
Os eventos adversos funcionaram como um filtro diagn´ostico. Em vez de os problemas dos pacientes permanecerem
como ’pontos cegos’ e esses pacientes se recusarem a admitir a existˆencia e/ou gravidade de seus problemas, os
chamados ’eventos adversos’ os tornaram atentos aos seus problemas, dando-lhes a chance de aprender como os
manuseie. O prop´osito dos psicod´elicos era revelar tais quest˜oes n˜ao processadas, para ’trazer `a luz o que permanecia
invis´ıvel’. Permitir que isso acontecesse era ’muito necess´ario’. Em vez de privar esses pacientes de tratamento, era
necess´aria uma abordagem mais abrangente.
Atitudes tamb´em foram essenciais. Um curandeiro ind´ıgena (encontrado fora do contexto da cerimˆonia) com uma
’forma muito gentil de se comunicar e julgamento zero’ parecia ’lˆe-la’ n˜ao verbalmente, fazendo-a se sentir ’muito
vista e validada’. A abordagem dele era trabalhar em conjunto para ensinar algo a ela, sem colocar em palavras.
O curador mostrou a ela como navegar pelas ’dimens˜oes’ sem psicod´elicos. O pessoal psiqui´atrico, em contraste,
verbalizou, rotulou e julgou, assim como pareceu assustado e evitativo, tratando os sintomas como ’monstros’. Ser
rotulado frequentemente chocava os pacientes, ampliando seus sentimentos de inadequa¸c˜ao.
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Tais pr´aticas surgiram e propagaram o ’trauma coletivo’. Em sua opini˜ao, as estruturas sociais foram traumatizadas.
Na ausˆencia de experiˆencias com modos alternativos de ser, a traumatiza¸c˜ao coletiva parecia normal. Apesar de
tais aparˆencias, o indiv´ıduo poderia sentir a anormalidade como um conflito interno, ou seja, a dor e o sofrimento
arraigados nas estruturas. Tais rela¸c˜oes causais permaneceram em grande parte n˜ao reconhecidas. Algumas pessoas
podem permanecer abertas para perceber esse estado de coisas. As psicoses podem resultar de traumas coletivos. A
falha em encontrar explica¸c˜oes nas hist´orias de vida individuais pode levar os pacientes a serem tratados como sistemas
mecanicistas que podem ser ’ajustados com bot˜oes: raiva para baixo, dor para baixo, alegria para cima’. No caso
extremo, o trauma coletivo pode levar a uma falta de vontade inconsciente e subconsciente de viver, resultando em
fracasso em escala social para prosperar, ou respostas inadequadas ou atrasadas, ’rea¸c˜oes coletivas de congelamento’,
diante de amea¸cas como a mudan¸ca clim´atica. As sociedades normalmente queriam reprimir ainda mais o trauma
coletivo em vez de ’sentar-se com ele para transcender a n´ıveis mais elevados de consciˆencia’.
No n´ıvel individual, o estresse crˆonico do trauma coletivo pode se manifestar como problemas psiqui´atricos ou
som´aticos, como dist´urbios do sistema imunol´ogico ou cˆancer. O fen´otipo exato foi determinado por quanto do
trauma um indiv´ıduo poderia aceitar, ou seja, processar e liberar ou ’passar’. O restante da ’energia estagnada’
permaneceu no corpo, causando doen¸cas.
Com rela¸c˜ao `a sua psicose infantil, ela comentou que havia ’optado por n˜ao me incluir no mundo porque n˜ao estava
pronta para reconhecer toda aquela escurid˜ao e tamb´em porque estava baseando minha chamada mod´estia no fato
de que ainda era vivos e outros n˜ao’. Al´em disso, ficar confuso era devido `a experiˆencia simultˆanea de v´arios ’estados
de consciˆencia’ ou ’dimens˜oes’, alguns dos quais careciam dos conceitos de tempo e causalidade, bem como troca
involunt´aria entre esses estados.
Pr´aticas diagn´osticas que ela considerava inadequadas. A esquizofrenia foi mencionada uma vez em um pronto-
socorro e nunca mais por nenhum m´edico. O transtorno bipolar foi diagnosticado ap´os uma breve consulta com um
psiquiatra, com base em um EEG. Ela se considerava ’uma v´ıtima de rotulagem superficial’. Embora algumas pessoas
possam ser ’na verdade bipolares’ ou ’esquizofrˆenicas’, ela se considerava diferente devido ao seu alto desempenho
na vida profissional, o que seria imposs´ıvel se ela fosse realmente bipolar ou esquizofrˆenica. Ela ’exibia alguns tra¸cos
incomuns’, mas se identificava predominantemente com uma condi¸c˜ao lim´ıtrofe. Portanto, ela n˜ao queria se ver como
algu´em que havia sido curado de transtorno bipolar e/ou esquizofrenia.
Segundo ela, a causa raiz da esquizofrenia era atualmente considerada trauma combinado com ocult´a-lo. Seus
amigos psicoterapeutas que trabalhavam com pacientes esquizofrˆenicos consideravam ’impedir que seus pacientes se
escondessem’ como seu principal m´etodo. Uma pessoa s´o pode se curar sentindo-se segura e parando de se esconder.
Eles poderiam experiment´a-lo primeiro em sess˜oes de terapia e, posteriormente, na vida real; em contraste, ’tomar
sedativos e tornar-se complacente’ n˜ao curou.
Os resultados das primeiras psicoses foram determinados por como as culturas conceituavam as psicoses. Ela apren-
deu sobre o conceito de psicose como ’despertar’ nas apresenta¸c˜oes de v´ıdeo do TED Talk, que mencionavam que
em muitas culturas ind´ıgenas, se uma crian¸ca tivesse alucina¸c˜oes, ela era instantaneamente separada de seus colegas,
cuidadosamente cuidada, considerada portadora de habilidades especiais e posteriormente treinado como curandeiro
(Borges, 2021; Som´e, 1997). Indiv´ıduos com hipersensibilidade a quest˜oes interpessoais foram identificados pergun-
tando se haviam experimentado experiˆencias de quase morte ou epis´odios psic´oticos. Eles estavam abertos para
receber uma quantidade incomum de informa¸c˜oes em situa¸c˜oes interpessoais, mas se n˜ao tivessem habilidade para
organizar e processar essas informa¸c˜oes, eles se tornariam disfuncionais. Eles s´o poderiam se tornar curandeiros,
l´ıderes ou profetas aprendendo a processar as informa¸c˜oes. As abordagens ind´ıgenas `as primeiras psicoses visavam
inicialmente acalmar esses indiv´ıduos, explicando que nada estava realmente errado (Som´e, 1997). Posteriormente,
eles aprenderam as habilidades necess´arias e, posteriormente, receberam um papel em sua sociedade como um solu-
cionador de quest˜oes interpessoais/psiqui´atricas e/ou m´edicas complexas.
Esta informa¸c˜ao ´e confusa e muito irracional. Mas se vocˆe considera isso como: ’Oh, que interessante!
Vocˆe ´e psic´otico, talvez vocˆe tenha um dom, talvez vocˆe tenha uma habilidade especial, vamos ver o que
podemos fazer com isso’, ent˜ao vocˆe muda completamente a perspectiva, prioriza aquela pessoa, faz com
que ela se aceite, talvez at´e tenha orgulho de si mesma : ’Ah, olha: eu sou especial, eu tenho esse tipo de
coisa’. Por isso dizem que os psic´oticos s˜ao futuros xam˜as.
Suas lutas foram em grande parte resultado de uma sobrecarga de informa¸c˜oes. Convencionalmente, a fonte pode
ser considerada o subconsciente ou as partes exiladas. Ela ’ainda n˜ao estava perfeitamente saud´avel e ainda havia
processamento a ser feito’. A parte da menina abusada permaneceu dissociada: ela n˜ao sentia nada ao falar sobre
isso, e falar sobre isso desencadeava rea¸c˜oes escapistas.
Ainda n˜ao consigo me conectar a ele de forma alguma. Da vez anterior, quando conversamos sobre
o abuso, n˜ao consegui sentir nada. Eu estava completamente em branco. Eu n˜ao poderia lidar com a
situa¸c˜ao. Senti que, se me conectasse, ficaria completamente deprimido. Depois, optei por entorpecer
tudo com ´alcool e coca´ına e festejei trˆes noites. Drogas de festa e ´alcool, em contraste com rem´edios
`a base de plantas, isolam vocˆe completamente de si mesmo e do mundo ao seu redor - de tudo. Eles
funcionam exatamente como drogas psiqui´atricas, que s˜ao artificiais e t´oxicas. Eu sabia muito bem o que
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estava fazendo, e fiz de prop´osito. Foi uma resposta traum´atica fazer exatamente o oposto. ´
E assim que
as pessoas se tornam alco´olatras ou viciadas em drogas.
Ainda possuo esses padr˜oes dissociativos arraigados que afetam minha mem´oria. Mesmo quando n˜ao bebo
nem uso drogas, quando saio com amigos e tomo apenas ch´a, no dia seguinte s´o me lembro de chegar
no bar e estar em casa de manh˜a. ´
E estranho. Normalmente, havia um gatilho: algo doloroso que me
fazia perder o contato comigo mesmo. No entanto, meus amigos n˜ao notaram nada. Mais tarde, quando
perguntei, eles disseram que eu tinha agido completamente normal. Independentemente disso, nada disso
foi armazenado em minha mem´oria.
Como outro exemplo, as pessoas costumam me dizer que me encontrei com elas ontem, e eu fico tipo:
Oh sim, nos conhecemos ontem, claro, eu sei disso. E eu sei disso, mas s´o me lembro de uma frase de
uma reuni˜ao de uma hora. Essas situa¸c˜oes s˜ao extremamente dif´ıceis: tenho que fingir que me lembro
de tudo, sen˜ao vou parecer louco. Tais situa¸c˜oes perpetuam um c´ırculo vicioso: ao fingir que me lembro,
nego a parte magoada que me fez esquecer o que aconteceu. N˜ao consigo validar essa parte. Isso cria
ainda outra divis˜ao. Idealmente, eu simplesmente diria a eles: ’Minha mem´oria falha porque estou muito
traumatizado’. Mas n˜ao posso dizer isso.
Alguns de seus amigos mais pr´oximos, a quem ela havia contado sobre esse assunto, podiam ’vigiar por ela’, ou seja,
ocasionalmente notar mudan¸cas em seu comportamento e, posteriormente, assumir um papel protetor ao ’n˜ao sair
de seu lado a partir daquele momento’.
Muitas vezes me vejo de fora, digamos, pedindo dez tequilas em um bar. Eu ficava completamente fora de
mim, observando a situa¸c˜ao e dizendo: ’eu n˜ao quero fazer isso, por favor, pare, vocˆe vai ficar bˆebado’.
Tenho certeza de que n˜ao quero ficar bˆebado, mas estou olhando para essa pessoa de cima: olhando
para algo que n˜ao posso influenciar ou impedir. Preciso ter amigos comigo que digam: ’Pare com isso!’
Atualmente, isso acontece com menos frequˆencia do que antes, talvez uma vez a cada duas ou trˆes vezes
que participo de eventos sociais. Eu chamo isso de ’meus p´es escorregando’.
Meu amigo ent˜ao me diz: ’Vocˆe est´a agindo irracionalmente, vocˆe est´a louco, pare com isso!’ E eu fa¸co.
Sou muito complacente nessas situa¸c˜oes, mesmo que `as vezes n˜ao entenda o que eles est˜ao dizendo. Eu
poderia perguntar: ’O quˆe?’ e eles me diriam algo que contradiz completamente minha pr´opria ideia
de meu comportamento. Pode assemelhar-se a descri¸c˜oes de transtorno bipolar. Eu poderia comprar o
que as pessoas quiserem no bar, para muita gente, para pessoas que n˜ao conhe¸co, sentindo que realmente
as conhe¸co muito bem, como se fossem todas minhas amigas. Um verdadeiro amigo meu pode ent˜ao
interferir, dizendo: ’Vocˆe n˜ao conhece essas pessoas!’ Eu perceberia que ela est´a certa: eu n˜ao os conhe¸co.
Mas de certa forma, sinto que somos amigos. `
As vezes preciso de ajuda com essas coisas.
Ela tamb´em consultou seus amigos sobre projetos relacionados ao trabalho. O feedback externo e a valida¸c˜ao lhe
deram ’muita seguran¸ca’. Independentemente disso, ela estava tentando encontrar um equil´ıbrio entre o apoio externo
e a confian¸ca em si mesma, ’porque vocˆe precisa confiar em si mesmo’.
Ap´os sua primeira sess˜ao de ayahuasca, na qual experimentou pela primeira vez a possibilidade de n˜ao ter que se
esconder, ela participou de sess˜oes de terapia IFS. A terapeuta pediu que ela prestasse muita aten¸c˜ao aos tra¸cos
dissociativos. Em algumas sess˜oes, ele perguntava se podia falar com ’a outra ela’ e ’ainda outra ela’. De acordo
com o psiquiatra, suas partes possu´ıam vozes diferentes, moviam-se de maneira diferente e relacionavam-se com as
pessoas de maneira diferente. Ela mesma estava ciente do problema e mencionou que essas caracter´ısticas tamb´em
se originaram de seus traumas de infˆancia e que a alternˆancia entre essas partes foi causada por gatilhos de trauma.
Ela escolheu contar sua hist´oria ’porque n˜ao era apenas sua hist´oria’. Ela sentiu a culpa do sobrevivente por acabar
como um daqueles que n˜ao pularam do telhado, embora acreditasse que a sele¸c˜ao foi ’aleat´oria’. Essa ’completa
aleatoriedade’ foi a li¸c˜ao mais dif´ıcil de sua sobrevivˆencia. Ela se considerava sortuda porque seus problemas haviam
sido graves o suficiente para ’empurr´a-la para uma consciˆencia clara das causas subjacentes’. Pessoas com proble-
mas menos graves podem permanecer incapazes de identificar as causas subjacentes e permanecer indefinidamente
confusas e cronicamente deprimidas. As pessoas que foram ’apenas negligenciadas’, independentemente, ’receberam
a mensagem de que n˜ao eram material de sobrevivˆencia e n˜ao importavam’. Como um cachorrinho doente ignorado
pela m˜ae, eles desistiram de tentar. Nesses casos, pode ser indicada a ’recupera¸c˜ao da alma’ ou uma revivescˆencia
guiada de um evento traum´atico em um ambiente seguro, acompanhada de ’reescrita’ da mem´oria traum´atica de
forma que a agˆencia pessoal seja restabelecida (esse mecanismo pode ser considerado o essˆencia central compartilhada
por todas as psicoterapias).
Eventualmente, sua alma se parte. Nesses casos, se nos tornarmos mais espirituais, a ’recupera¸c˜ao da
alma’ pode ser ´util. ´
E uma met´afora, uma medita¸c˜ao sobre a sua totalidade: voltar `a cena do evento
traum´atico e recuperar algo que ficou para tr´as, porque ´e isso que o trauma faz: quebra vocˆe e deixa uma
parte de vocˆe na cena.
Uma revis˜ao completa das discuss˜oes anteriores em uma entrevista de acompanhamento, dois anos e meio depois,
revelou que, depois de dois anos, nem tudo o que ela havia dito antes refletia seus pontos de vista atuais. A principal
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diferen¸ca era que ela agora reconhecia a validade de seu transtorno bipolar (oficialmente, transtorno bipolar tipo
II, CID-11 6A61; com ciclagem r´apida, 6A80.5). Com base na descri¸c˜ao do caso, pode-se dizer que antes de sua
primeira cerimˆonia de ayahuasca, ela apresentou epis´odios depressivos graves (suicidas) com sintomas psic´oticos.
Ap´os as primeiras cerimˆonias, os epis´odios graves n˜ao surgiram mais. Durante a primeira entrevista, ela pode
ter ficado ligeiramente man´ıaca. Ela estava tomando estabilizadores de humor (lamotrigina, 200 mg/dia), mas
tamb´em continuando o trabalho regular de fitoterapia com ayahuasca. Segundo ela, os estabilizadores de humor
n˜ao atrapalharam o trabalho da fitoterapia. Com rela¸c˜ao aos sintomas dissociativos, ela mencionou que eles foram
amplamente resolvidos.
Ela acreditava que seu trauma inicial era o ´unico respons´avel pelo in´ıcio de seu transtorno bipolar, que era uma
adapta¸c˜ao ao trauma, e o cerne de seu trauma inicial permaneceu em grande parte sem solu¸c˜ao. Ela precisava de
mais terapia focada em C-PTSD e trabalho som´atico para superar a vergonha t´oxica restante e os mecanismos de
enfrentamento, que inclu´ıam a automutila¸c˜ao. Por meio da pr´atica constante de fitoterapia paralela `a terapia de
trauma, ela estava progredindo lentamente com essas quest˜oes.
Ela ainda lutava ocasionalmente com sintomas bipolares e, embora a medicina vegetal trouxesse ’imensos presentes
para sua vida diariamente’, os anos trouxeram uma clara consciˆencia de que n˜ao havia curado seu transtorno bipolar.
Ela era, portanto, ’mais moderada e humilde’ na forma como falava sobre plantas medicinais. Plantas medicinais ou
psicod´elicos, em todo caso, ’abriram a porta para integrar as partes fragmentadas do trauma, o que automaticamente
ajudou a resolver os mecanismos bipolares’.
Ela sustentou que uma hist´oria de transtornos psic´oticos n˜ao era uma contra-indica¸c˜ao para a terapia psicod´elica.
Ela esteve envolvida com plantas medicinais e traum´aticas o tempo todo, e observou, detalhadamente e por longos
per´ıodos de tempo, v´arias pessoas com diagn´ostico de transtorno bipolar ou epis´odios psic´oticos. Ela estava usando
sua experiˆencia para treinar psicoterapeutas no trabalho de fitoterapia.
Ela considerava a esquizofrenia fora do escopo de sua especialidade. Ela ’n˜ao queria arriscar ningu´em’ ao dizer que
a planta medicinal poderia curar psicose, esquizofrenia ou transtorno dissociativo de identidade. Seu sofrimento n˜ao
correspondia ao ’sofrimento realmente profundo’ das pessoas com esquizofrenia. Ela viu seu pr´oprio diagn´ostico de
esquizofrenia como um erro: era ’apenas uma palavra que algu´em jogou uma vez’, n˜ao algo com o qual ela tivesse
que lidar. Em vez disso, praticamente todos os seus desafios se deviam ao transtorno bipolar. A ayahuasca a ajudou
muito com isso, assim como com a tendˆencia suicida, e ela observou os mesmos efeitos positivos em outras pessoas.
A perspectiva do agressor
Em contraste com a maioria dos casos de abuso sexual na primeira infˆancia, no presente caso, o agressor admitiu
posteriormente o problema, validando as mem´orias da v´ıtima. Esse reconhecimento foi consequˆencia de ele ter
participado de uma cerimˆonia de ayahuasca.
Sobre meu trauma inicial, posso falar em termos gerais: foi abuso sexual que durou alguns anos. Ent˜ao
eu esqueci. Essa amn´esia ´e t´ıpica. Chama-se mem´oria dissociativa: vocˆe meio que esquece essas coisas.
E porque ´e uma esp´ecie de s´ındrome de Estocolmo, vocˆe come¸ca a repetir o mesmo padr˜ao. Vocˆe se sente
atra´ıdo pelo mesmo tipo de pessoa, porque ´e assim que vocˆe entende que ´e valorizado.
Um dia, lembrei-me do abuso. Independentemente disso, sempre duvidei que essas mem´orias fossem
reais. Sempre havia pelo menos um gr˜ao de d´uvida: e se eu n˜ao estiver certo? E se eu estiver apenas
imaginando? Duvidei de minhas mem´orias porque elas haviam sido esquecidas por tantos anos. Isso
´e muito t´ıpico para v´ıtimas, especialmente para v´ıtimas de trauma na primeira infˆancia. Quando vocˆe
finalmente se lembra, ´e claro que ´e chocante e vocˆe se sente magoado. Ao mesmo tempo, vocˆe tamb´em
sente que talvez esteja louco ou que tenha inventado tudo. Vocˆe n˜ao tem o luxo de uma pessoa comum
espancada na rua. Ele n˜ao vai questionar a si mesmo ou ao fato de ter sido espancado. Portanto, ele se
permitir´a sofrer e sentir raiva de seu agressor.
Por outro lado, se vocˆe carregou uma mem´oria dissociada com vocˆe por anos ou d´ecadas e de repente se
lembra do que aconteceu, a menos que tenha a chance de realmente colocar o problema na mesa, sempre
n˜ao ficar´a claro para vocˆe se o evento vocˆe lembrou que realmente aconteceu em primeiro lugar. Muitas
pessoas n˜ao tˆem a chance de falar com o agressor depois para dizer: ’Ei, isso realmente aconteceu?’
Algumas pessoas fazem isso. Eles tˆem coragem. N˜ao tive coragem de abrir aquela discuss˜ao. Mas muitos
o fazem. ´
E claro que, normalmente, o agressor mentir´a e dir´a que o abuso n˜ao aconteceu. A v´ıtima ficar´a
ainda mais confusa, sem saber mais o que ´e certo ou errado. Acho que, com o tempo, essa resposta pode
realmente causar esquizofrenia. ´
E uma divis˜ao: uma parte de vocˆe est´a magoada e sabe disso, enquanto
outra parte acusa a parte magoada de estar errada.
Eu tamb´em carreguei esse conflito at´e recentemente. Ent˜ao descobri que tudo isso era verdade, embora
uma parte de mim j´a soubesse que era verdade. No entanto, receber a confirma¸c˜ao foi um al´ıvio. Mas
n˜ao tive coragem de abrir essa discuss˜ao. A outra pessoa fez.
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Curiosamente, o abusador acabou assumindo a quest˜ao como resultado de tamb´em participar de um retiro de
ayahuasca, embora n˜ao imediatamente depois. Ela presumiu que a cerimˆonia havia ’aberto algo nele’. Al´em disso,
durante os anos anteriores, o agressor havia buscado o ’autodesenvolvimento’, percebendo que tamb´em estava trauma-
tizado. Segundo ela, ambos foram v´ıtimas. Seu trauma tamb´em foi um problema da primeira infˆancia: o div´orcio
de seus pais. Ap´os o div´orcio, seus pais n˜ao se deram bem. Como o agressor n˜ao se dava bem com o padrasto, ou
seja, o pai da menina, a situa¸c˜ao pode ter inclu´ıdo um elemento de vingan¸ca: abusar da menina para se vingar do
padrasto.
As pessoas pensam que psicose significa apenas ter del´ırios visuais ou auditivos, mas n˜ao ´e s´o isso.
Tamb´em pode ser uma cren¸ca que vocˆe tem. No meu caso, meu terapeuta sempre disse que se vocˆe n˜ao
conversar com seu agressor, se n˜ao contar a ele que sabe o que aconteceu, vocˆe nunca ficar´a totalmente
curado. Vocˆe precisa ouvir como o agressor reage, a fim de fazer a ponte entre sua realidade e a realidade
do agressor. Apesar de tudo, mantive contato pr´oximo com o agressor. Passamos muito tempo juntos,
mas aquela realidade n˜ao tinha nada a ver com a realidade da minha infˆancia. Eles existiam como dois
mundos completamente separados.
Mais tarde, reconheci o mesmo fenˆomeno em outros. Uma crian¸ca vive entre as duas realidades incom-
pat´ıveis da m˜ae e do pai, cada um dos quais acusa o outro. Na casa do pai, ele tem que agir como se
a m˜ae fosse horr´ıvel. Independentemente disso, ela ainda ´e sua m˜ae e ele a ama. Essa situa¸c˜ao induz
ao trauma, pois a crian¸ca est´a apresentando uma fachada, agindo e sendo algo que n˜ao ´e. Da mesma
forma, no lugar da m˜ae, existe o mesmo tipo de conflito em rela¸c˜ao ao pai. Como toda crian¸ca deseja
ser aceita e amada, ela precisa alternar entre essas duas realidades conflitantes. Ele tentar´a agradar o
pai com quem est´a morando no momento. ´
E muito dif´ıcil para uma crian¸ca encontrar um meio-termo,
ent˜ao ela dir´a exatamente o que cada pai espera que ela diga. Isso cria uma divis˜ao na mente da crian¸ca.
Ele n˜ao tem ideia de como escolher ou qual ´e a verdadeira realidade. Como ele ama ambos os pais, ele ´e
for¸cado a se sentir constantemente ’errado’.
Segundo ela, abusar de outras pessoas era outra forma de obter agˆencia pessoal em uma situa¸c˜ao de conflito, talvez
uma alternativa `a cria¸c˜ao psic´otica. Nesta op¸c˜ao, a cria¸c˜ao era mais concreta do que ilus´oria. Enquanto um psic´otico
exercia poder sobre objetos imagin´arios, um abusador exercia poder sobre pessoas reais.
Abuso de outra pessoa era sua maneira de se vingar e criar sua pr´opria realidade que ele poderia controlar.
´
E assim que as pessoas se tornam agressores. Inicialmente, todas as vezes, eles s˜ao v´ıtimas. As crian¸cas
v´ıtimas perdem o controle sobre suas vidas. Por exemplo, em tal div´orcio, a crian¸ca ficar´a completamente
dividida entre seus pais e n˜ao ter´a controle sobre sua pr´opria vida, sua realidade ou o que pode criar. Ou
talvez suas necessidades e desejos sejam constantemente invalidados ou julgados. Ele pode ser considerado
’nunca bom o suficiente’ ou ganancioso. Para uma crian¸ca traumatizada, n˜ao existe certo ou errado,
apenas o desejo de repara¸c˜ao. Ao encontrar algu´em mais vulner´avel e fazer algo ao seu alcance por essa
pessoa, ele cria uma realidade sobre a qual tem controle. Ao validar seus desejos, suas a¸c˜oes o fazem se
sentir poderoso. E porque o que ele fez era um segredo, ele n˜ao poderia ser julgado.
Intimidar algu´em na escola ou abusar sexualmente de algu´em foram ambos causados pelo mesmo mecanismo. A
diferen¸ca talvez residisse no fato de a sexualidade ser ’uma for¸ca vital’. A agress˜ao sexual e o abuso sexual eram
formas de expressar essa for¸ca vital, mas de maneira errada.
Se um trauma ´e muito profundo, afeta o n´ucleo vital de uma pessoa e se manifesta atrav´es da sexualidade.
Na verdade, n˜ao ´e sexual: ´e apenas energia vital que precisa ser liberada sem ser julgada enquanto se
sente poderosa o suficiente para liber´a-la. Esta ´e a quest˜ao central, e ´e assim que as pessoas se tornam
estupradores ou abusadores sexuais. ´
E f´acil cham´a-los de monstros, mas eles n˜ao s˜ao isso. Eles podem se
tornar monstros, mas o processo em si ´e sempre explic´avel. Seria importante que nossa sociedade ousasse
olhar para essas quest˜oes e come¸car a falar sobre elas de forma mais aberta.
A raz˜ao pela qual o trauma do abusador se manifestou como abuso sexual em vez de outros tipos de violˆencia
foi porque a sexualidade trouxe (mais) prazer. Segundo ela, uma pessoa traumatizada est´a sempre gravemente
deprimida. Estar deprimido significava que a pessoa n˜ao conseguia mais encontrar prazer em nada. No entanto,
todos os animais buscavam prazer. Podia vir por meio de afeto, compreens˜ao ou outras formas, mas quando faltava
tudo isso, recorria-se a atalhos: ’qualquer maneira f´acil e animalesca de encontrar prazer’ (em outros tipos de casos, a
busca por prazer poderia se manifestar como abuso de substˆancias ou outros v´ıcios, incluindo v´ıcio em pornografia).
Ela expressou surpresa por esses mecanismos geralmente n˜ao serem claramente explicados em nenhum lugar. Mesmo
os terapeutas raramente os explicavam aos pacientes. No entanto, muitos teriam se beneficiado com explica¸c˜oes
claras, como: ’Vocˆe estava nessa situa¸c˜ao, ent˜ao fez isso, e talvez tenha sido um erro, e posteriormente isso e aquilo
aconteceu, e agora vocˆe precisa parar de se dividir e se esconder’. Ela disse que atualmente essas quest˜oes s˜ao tratadas
de maneira errada.
Pessoas com experiˆencia nesses mecanismos devem falar sobre eles. Eles s˜ao realmente muito simples,
e entendˆe-los torna muitas coisas muito mais f´aceis. Isso impediria que as pessoas se perdessem em
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coisas n˜ao essenciais, como diagn´osticos, e, em vez disso, permitiria que trabalhassem em seus problemas
centrais, traumas centrais. Existem alguns terapeutas que podem realmente chegar ao problema central de
qualquer pessoa em cinco minutos, deixando totalmente claro de onde o problema dessa pessoa se originou.
Transtorno bipolar como consequˆencia de trauma
Sobre a rela¸c˜ao entre trauma emocional e transtornos mentais, o entrevistado afirmou que a causa raiz de todos os
transtornos mentais era o trauma complexo (C-PTSD). No que diz respeito especificamente ao transtorno bipolar, ela
sustentou que a ideia de o transtorno bipolar ter um fundo gen´etico era uma suposi¸c˜ao n˜ao comprovada. Houve um
’desequil´ıbrio qu´ımico’ no c´erebro bipolar, mas esse desequil´ıbrio foi uma rea¸c˜ao normal `as circunstˆancias anormais
da infˆancia da pessoa bipolar. Em outras palavras, era a manifesta¸c˜ao neuroqu´ımica dos mecanismos de defesa
desenvolvidos contra o trauma – consequˆencia de um padr˜ao de comportamento bipolar, e n˜ao sua causa.
Trauma foi definido como o que aconteceu em uma pessoa como resultado do que aconteceu com essa pessoa. O
trauma n˜ao foi uma causa direta do evento em si, mas uma consequˆencia da rea¸c˜ao do indiv´ıduo ao evento. O trauma
s´o se desenvolveu quando o evento foi vivenciado de forma avassaladora, ou seja, quando excedeu a capacidade da
pessoa de process´a-lo. Em geral, as crian¸cas mais novas tinham menos capacidade adaptativa e, portanto, eram mais
facilmente traumatizadas do que as crian¸cas mais velhas ou adultos. Normalmente, em casos de abuso ou negligˆencia,
a crian¸ca n˜ao pode falar sobre isso com ningu´em, ou o mal foi feito por algu´em da fam´ılia. A crian¸ca talvez fosse
incapaz de conceituar o problema, n˜ao confiasse em seus pais para compartilhar sua experiˆencia ou fosse for¸cada a
manter segredo.
Dependendo da idade de in´ıcio e da intensidade do evento, a crian¸ca pode desenvolver uma variedade de mecanismos
de defesa. Um dos mecanismos era a grandiosidade e a independˆencia como defesa: ’Tudo posso, n˜ao preciso de
nada, sou todo-poderoso, sou forte, posso fazer tudo sozinho’. Isso muitas vezes levaria ao perfeccionismo, supera¸c˜ao
e hiperatividade. Devido `a repress˜ao de muitas emo¸c˜oes, a crian¸ca tamb´em estaria propensa `a impulsividade, atua¸c˜ao
e agress˜ao. Essas caracter´ısticas representavam os padr˜oes mentais da mania. Esses padr˜oes podem posteriormente
levar `a paran´oia sobre algu´em ou algo tentando ferir a pessoa; isso representava a vulnerabilidade relacionada ao
trauma original sobre o qual a crian¸ca n˜ao conseguia falar. A paran´oia era uma ’met´afora do trauma’.
O segundo polo do transtorno bipolar era a depress˜ao: consequˆencia da pessoa ficar sem energia para manter a
defesa man´ıaca. `
A medida que a pessoa ’desaparecia’ ou se esgotava, outra caracter´ıstica relacionada `a experiˆencia
traum´atica original vinha `a tona: impotˆencia; ’Estou completamente desprotegido e vulner´avel, sem esperan¸ca, isso
´e intermin´avel; qual ´e o sentido de tentar qualquer coisa? Eu simplesmente desistirei’.
Resumindo o que foi dito acima, o transtorno bipolar pode ser conceituado como uma flutua¸c˜ao dependente do n´ıvel
de energia entre a repress˜ao dos sintomas do trauma e a falha nisso. Nessa perspectiva, resolver o trauma subjacente
resolveria totalmente o transtorno bipolar. At´e que ponto o trauma subjacente pode ser resolvido provavelmente
depende dos recursos do indiv´ıduo e de seu ambiente. Mais especificamente, a resolu¸c˜ao provavelmente requer que
seja alcan¸cado um n´ıvel suficiente de seguran¸ca emocional subjetivamente percebida.
Discuss˜ao
Noorani, que tamb´em estudou psicoses no contexto dos psicod´elicos, perguntou se a maior contribui¸c˜ao do renasci-
mento psicod´elico poderia realmente emergir da pesquisa em estados rotulados como psic´oticos e esquizofrˆenicos
(Noorani, 2022). Ele aconselhou contra a normaliza¸c˜ao da contra-indica¸c˜ao de psicod´elicos em pessoas com hist´orico
familiar de psicose e outros ’transtornos graves’. Ele tamb´em alertou contra a formaliza¸c˜ao excessiva de modalidades
de terapia psicod´elica. Como exemplo, ele mencionou o dom´ınio da ideia de que as experiˆencias psicod´elicas eram
’viagens desafiadoras que terminavam com o retorno de um tesouro’. Visto da perspectiva de possibilidades infinitas,
as tentativas de restringir a experiˆencia psicod´elica e as terapias psicod´elicas a modelos r´ıgidos, como as conven¸c˜oes
m´edicas atuais, podem parecer contraintuitivas e contraproducentes.
As pr´aticas religiosas ind´ıgenas e sincr´eticas representam alternativas ao modelo m´edico. Muitas vis˜oes de mundo
ind´ıgenas diferem muito das conven¸c˜oes do primeiro mundo, at´e o ponto de incompreensibilidade. No entanto,
conforme ilustrado por este caso, as aplica¸c˜oes derivadas dessas vis˜oes de mundo e pr´aticas podem resultar em
resultados mais vi´aveis do que as alternativas mais familiares. Tais diferen¸cas ilustram a arbitrariedade acima
mencionada em como os conceitos e pr´aticas podem ser escolhidos nas sociedades.
Tradicionalmente, a ayahuasca e outras plantas medicinais, como psilocibina, peiote, mescalina e iboga´ına, tˆem sido
usadas em contextos espiritual-religiosos e centrados na comunidade com estruturas ritual´ısticas constru´ıdas com
prop´osito que implicam certos princ´ıpios ´eticos e sociais. Para garantir melhores resultados de tratamento, em vez
de tentar subjugar esses medicamentos ao contexto m´edico, sua ado¸c˜ao internacional deveria seguir amplamente os
modelos centrados na comunidade j´a estabelecidos nas pr´aticas de v´arias tradi¸c˜oes ind´ıgenas e igrejas sincr´eticas.
Outra caracter´ıstica do modelo m´edico ´e a busca, muitas vezes aparentemente exagerada, da minimiza¸c˜ao dos riscos.
Como visto, o paciente descrito apresentou todas as contraindica¸c˜oes t´ıpicas, mas n˜ao apresentou um ´unico ’evento
adverso’. Efeitos indesejados podem ocorrer com mais frequˆencia em pessoas que apresentam tra¸cos psic´oticos e/ou
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bipolares, mas, conforme descrito por Mudge, m´etodos para evitar a maioria desses efeitos j´a foram desenvolvidos.
Al´em disso, conforme descrito pelo paciente, os efeitos indesejados podem servir como um m´etodo de triagem para
identificar pacientes com traumas mais profundos.
No contexto da terapia psicod´elica, a compreens˜ao tradicional do conceito de ’eventos adversos’ raramente, ou nunca,
´e ´util ou aplic´avel. As experiˆencias negativas s˜ao quase sempre devidas ao trauma subjacente, ou seja, devido a reviver
ou reviver emo¸c˜oes e sensa¸c˜oes som´aticas relacionadas ao trauma original. O processo de cura requer explicitamente
que o paciente os reviva conscientemente. Normalmente, por´em, na ausˆencia de resistˆencia, o per´ıodo de reexperiˆencia
´e breve, conforme ilustrado pela descri¸c˜ao de reviver o estado psic´otico. Outro aspecto ´e que em muitos ensaios
cl´ınicos, eventos adversos como pensamentos suicidas ou idea¸c˜ao suicida aguda s˜ao contados e interpretados como
efeitos nocivos da substˆancia. Isso provavelmente indica um mal-entendido do processo terapˆeutico. Al´em disso,
compara¸c˜oes da prevalˆencia de pensamentos suicidas ou idea¸c˜ao suicida aguda antes e depois do tratamento raramente
s˜ao feitas, ou nunca. Consequentemente, nenhuma conclus˜ao pode ser tirada; a suicidalidade pode ter aumentado,
permanecido inalterada ou diminu´ıdo.
Quanto `a dosagem, tanto Mudge quanto o paciente descrito utilizaram inicialmente a ayahuasca em doses psi-
cod´elicas. Mais tarde, Mudge adotou a pr´atica de dosagem de manuten¸c˜ao com ayahuasca. O paciente descrito
parece ter adotado uma pr´atica de manuten¸c˜ao semelhante, mas com antipsic´oticos (em rela¸c˜ao aos antipsic´oticos,
McCutcheon et al. onde a ayahuasca e seus componentes MAOI estariam localizados nesta taxonomia). A pr´atica de
manuten¸c˜ao provavelmente permitiu um processamento gradual do trauma subjacente. Quanto ao motivo de n˜ao ter
sido totalmente resolvido, em geral, reviver o trauma requer uma mentalidade e um ambiente adequados. Deve haver
seguran¸ca suficiente. Se o paciente n˜ao se sentir seguro o suficiente, os eventos traum´aticos n˜ao podem ser revividos.
Al´em disso, como ´e o caso do C-PTSD, pode haver centenas de eventos traum´aticos. Embora eventos semelhantes
`as vezes possam ser processados ’em massa’ (de acordo com o conceito de ’sistemas de experiˆencias condensadas’ de
Stanislav Grof, ou COEX (Grof, 2019)), o processamento de centenas de eventos geralmente leva anos. Al´em disso,
novas estruturas de personalidade ’adultas’ podem precisar ser formadas onde estavam faltando.
Um ambiente de grupo pode aumentar parcialmente a seguran¸ca, mas devido `a necessidade de levar os outros em
considera¸c˜ao e poss´ıveis medos relacionados aos outros, tamb´em pode impedir o alcance de um estado de seguran¸ca
total. O fator mais importante, por´em, s˜ao as caracter´ısticas do facilitador da cerimˆonia; no presente caso, os
detalhes n˜ao estavam dispon´ıveis. Da mesma forma, em um ambiente de terapia individual, as caracter´ısticas do
terapeuta podem permitir ou impedir que o paciente se sinta seguro (Turkia, 2022b). Portanto, uma regra geral
provavelmente seria que, quando um resultado suficiente n˜ao foi alcan¸cado, a situa¸c˜ao n˜ao o permitiu. Ou seja, ainda
n˜ao foi alcan¸cada seguran¸ca suficiente para reviver os eventos traum´aticos. Deve-se notar, no entanto, que houve um
progresso cont´ınuo e gradual.
Uma raz˜ao para a falta de resultados esperados pode ser a falta de seguran¸ca. Outra raz˜ao pode ser poder ou energia
mental excessivos, o que permite resistˆencia. Estimulantes (por exemplo, cafe´ına) aumentam a resistˆencia. Um dos
prop´ositos prov´aveis das dietas vegetais ´e enfraquecer a pessoa. Contraintuitivamente, uma pessoa com problemas
de sa´ude pode ser mais f´acil de curar do que uma pessoa com sa´ude melhor. `
A medida que a pessoa gradualmente
(re) ganha energia, a cura de problemas residuais pode se tornar mais dif´ıcil, pois a pessoa possui mais energia
para combater a energia dos psicod´elicos, que tentam empurrar a pessoa ’al´em do limiar’. Al´em disso, quest˜oes
residuais s˜ao tipicamente mais profundamente arraigadas e sobre a personalidade do que sintomas p´os-traum´aticos
mais superficiais. Nesse sentido, a terapia psicod´elica poderia ser conceituada como uma luta entre o poder mental
da pessoa e o poder da substˆancia psicod´elica.
A pr´atica descrita de misturar a dosagem psicod´elica para acessar o trauma com a dosagem psicol´ıtica ou de
manuten¸c˜ao para equilibrar o humor provavelmente seria aplic´avel e necess´aria em muitos casos de depress˜ao re-
sistente ao tratamento. Em estudos de caso anteriores, estimou-se que na ausˆencia de retraumatiza¸c˜ao (ou seja, sob
condi¸c˜oes ideais), existia uma propor¸c˜ao de um para dez entre anos de terapia psicod´elica e anos de traumatiza¸c˜ao
anterior (Turkia, 2022c). Em uma situa¸c˜ao menos ideal (ou seja, na presen¸ca de retraumatiza¸c˜ao constante), uma
propor¸c˜ao de um para quatro era mais prov´avel (Turkia, 2022a). No presente caso, o paciente era traumatizado
h´a aproximadamente trinta anos. Assim, um processo ´otimo poderia levar trˆes anos; um menos ideal pode levar
aproximadamente oito anos. No presente caso, o processo de tratamento da ayahuasca estava em andamento h´a
quatro anos, situando-se assim em algum ponto intermedi´ario.
Esse paciente em particular era altamente educado, extremamente capaz de introspec¸c˜ao e an´alise e pode n˜ao repre-
sentar um paciente psic´otico t´ıpico. Independentemente disso, o caso dela ilustra o imenso potencial dos psicod´elicos
na psicose. Seu processo tamb´em se alinhou com as experiˆencias de tratamento bem-sucedido de crian¸cas psic´oticas
gravemente traumatizadas no in´ıcio dos anos 1970 nos EUA (Fisher, 1970, 1997; Walsh and Grob, 2005), bem como
o caso mencionado anteriormente do menino psic´otico suicida (Turkia, 2022b).
Mudge propˆos uma estrutura religiosa como a mais adequada para o manejo de indiv´ıduos bipolares. Os ind´ıgenas
consideram as cerimˆonias da ayahuasca um sacramento. Suas pr´aticas podem n˜ao ser diretamente aplic´aveis `as
sociedades ocidentais. Portanto, adapta¸c˜oes baseadas em um n´ucleo conceitual comumente aceito podem ser as mais
apropriadas. As cerimˆonias ’neosxamˆanicas’ das quais o paciente participava representavam tal adapta¸c˜ao.
20
Groisman e outros. antecipou que os princ´ıpios da liberdade religiosa triunfar˜ao sobre as defini¸c˜oes pol´ıticas de atos e
substˆancias il´ıcitas Groisman and Dobkin de Rios (2007). Eles propuseram que o uso ’alucin´ogeno’ para acessar reinos
espirituais deveria ser diferenciado do uso de substˆancias para amortecer a dor e a ang´ustia ou para proporcionar
experiˆencias hedonistas.
LSD na resolu¸c˜ao do transtorno bipolar
Uma importante ´area de pesquisa ´e a rela¸c˜ao exata entre trauma e transtorno bipolar: o trauma ´e a ´unica causa do
transtorno bipolar e por que o trauma causa transtorno bipolar em alguns casos, mas, digamos, depress˜ao resistente ao
tratamento em outros? Tal investiga¸c˜ao provavelmente tamb´em permitiria um novo tipo de sistema de diagn´ostico
baseado na etiologia, com base na idade de in´ıcio do trauma e na intensidade e outras caracter´ısticas dele, por
exemplo, se o perpetrador era um dos pais, irm˜ao ou outra pessoa , e se o trauma foi causado por negligˆencia ou
agress˜ao.
A ideia de defesa man´ıaca se origina de Melanie Klein (Bowins, 2008; Klein, 1940; Schweitzer et al., 2005). Nessa
perspectiva, a mania apareceria como uma defesa contra a depress˜ao causada pela perda da expectativa de satisfa¸c˜ao
das necessidades b´asicas ou pela tomada de consciˆencia de um evento traum´atico. Posteriormente, a resolu¸c˜ao do
trauma subjacente resolveria o transtorno bipolar.
Um desses casos de resolu¸c˜ao foi documentado por Haden e Woods em 2019 (Haden and Woods, 2020). Aos doze
anos, o pai de uma jovem foi preso e ela foi condenada ao ostracismo por seus colegas. Na mesma idade, ela foi
diagnosticada com um transtorno psic´otico n˜ao especificado, com depress˜ao psic´otica, transtorno bipolar e transtorno
esquizofreniforme como poss´ıveis diagn´osticos. Ela relatou ter ouvido vozes intermitentes em sua cabe¸ca por v´arios
anos, bem como ter estado deprimida devido a v´arios estressores psicossociais. Dois de seus parentes paternos tinham
diagn´ostico de bipolaridade e alcoolismo. Al´em disso, houve trauma em sua linhagem materna. Ela foi inicialmente
medicada com sertralina, que pareceu piorar sua depress˜ao. Um tratamento com caixa de luz induziu hipomania.
Ela usava maconha diariamente e experimentou ecstasy duas vezes. Um pouco mais tarde, sua av´o morreu. Ela foi
diagnosticada com transtorno bipolar II e prescreveu um estabilizador de humor. Mais tarde, ela foi hospitalizada
por um epis´odio man´ıaco completo com caracter´ısticas psic´oticas. O diagn´ostico foi alterado para transtorno bipolar
I, sendo medicada com l´ıtio e olanzapina.
Aos quinze anos, em junho de 2000, ela ingeriu acidentalmente aproximadamente 1100 µg de LSD l´ıquido em vez dos
100 µg pretendidos. Nas 6,5 horas seguintes, seu comportamento foi err´atico. No final, ela estava deitada em posi¸c˜ao
fetal com os bra¸cos e punhos cerrados com for¸ca; isso foi interpretado como uma convuls˜ao e uma ambulˆancia foi
chamada. Quando a ambulˆancia chegou, ela estava alerta e orientada, sem sinais de convuls˜ao. Presumiu-se que ela
havia perdido a consciˆencia brevemente ou estava intensamente preocupada com sua experiˆencia. Independentemente
disso, ela foi hospitalizada para vigilˆancia. Na manh˜a seguinte, referindo-se ao seu transtorno bipolar, ela declarou:
’Acabou’. Em 2019, ela comentou que ap´os o incidente, ela viveu sua vida ’com um c´erebro normal’, enquanto antes,
seu c´erebro parecia ’quimicamente desequilibrado’. Seu uso de cannabis permaneceu inalterado, ou seja, diariamente.
Ela tinha um emprego est´avel, amizades positivas est´aveis e boas rela¸c˜oes de trabalho.
Em compara¸c˜ao com o presente caso, essa paciente era muito mais jovem, n˜ao havia tendˆencias suicidas e seu trauma
inicial provavelmente era menos grave. Pode ser que uma intensidade de efeito semelhante n˜ao possa ser alcan¸cada
com a ayahuasca devido `a sua propens˜ao a induzir o vˆomito. Al´em disso, o LSD provavelmente seria mais pr´atico
no contexto m´edico. As sess˜oes de altas doses s˜ao tipicamente autoguiadas. Essas sess˜oes n˜ao supervisionadas
foram descritas em um livro recente escrito por um professor de estudos religiosos que passou por 73 sess˜oes solo
com 500–600 µg de LSD entre 1979 e 1999 (Bache, 2019). Como exemplificado por seu caso, uma organiza¸c˜ao
excessivamente complexa pode nem sempre ser necess´aria. Um tratamento pode consistir em uma sess˜ao de 16 a 24
horas, preferencialmente supervisionada por um facilitador experiente, seguida de vigilˆancia noturna ou de um dia
que pode ser realizada, por exemplo, por uma enfermeira. O principal requisito para o supervisor ´e a capacidade de
manter a calma e o foco. Deve-se notar que, subjetivamente, doses em torno de 1000 µg podem ser qualitativamente
muito diferentes de doses mais baixas, como 100 µg, mas esta tamb´em ´e a prov´avel raz˜ao para o resultado excepcional
no caso da menina. Antes de tal sess˜ao, doses mais baixas devem ser experimentadas. Mais pesquisas e experimentos
sobre esta op¸c˜ao s˜ao necess´arios.
O papel do trauma na etiologia da psicose
Com rela¸c˜ao ao presente caso, Moreira-Almeida e Carde˜na discutiram o diagn´ostico diferencial entre experiˆencias
psic´oticas e espirituais n˜ao patol´ogicas e transtornos mentais a partir de uma perspectiva latino-americana (Moreira-
Almeida and Carde˜na, 2011). Considerando a natureza crˆonica da condi¸c˜ao desta paciente e o sofrimento excessivo
causado por seus sintomas, sua condi¸c˜ao antes do tratamento parecia patol´ogica. No entanto, a experiˆencia da
ayahuasca pareceu transformar sua condi¸c˜ao em ’espiritual’: quase todo o sofrimento se dissipou e o n´ıvel de com-
prometimento social e funcional foi bastante reduzido.
A paciente havia sido diagnosticada como bipolar e lim´ıtrofe por m´edicos qualificados, e foi sugerido que ela poderia
apresentar um dist´urbio dissociativo. Um cl´ınico tamb´em sugeriu que ela poderia ser esquizofrˆenica. Do ponto de
vista etiol´ogico, o diagn´ostico prim´ario poderia ter sido transtorno de estresse p´os-traum´atico complexo (C-PTSD;
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CID-11 6B41) (Maercker et al., 2022). Com rela¸c˜ao ao trauma precoce, um diagn´ostico mais ´util poderia ter sido
encontrado na categoria de transtornos dissociativos (por exemplo, amn´esia dissociativa, CID-11 6B61). Devido ao
fato de que seu trauma inicial parecia permanecer apenas parcialmente processado, muitos dos sintomas dissociativos
permaneceram mesmo ap´os dez cerimˆonias. No acompanhamento de 2,5 anos, no entanto, ela mencionou que os
sintomas dissociativos haviam sido amplamente resolvidos.
Com rela¸c˜ao `a esquizofrenia, ela n˜ao parecia ter apresentado os sintomas de primeira ordem de Schneider: n˜ao havia
alucina¸c˜oes auditivas, nenhuma retirada, inser¸c˜ao, interrup¸c˜ao ou transmiss˜ao de pensamentos e nenhum sentimento
ou a¸c˜ao experimentada como feita ou influenciada por agentes externos (Soares-Weiser et al., 2015). Alucina¸c˜oes
som´aticas e percep¸c˜oes delirantes podem ter sido consideradas um transtorno delirante (CID-11 6A24).
Khan e outros. descreveu um caso de parasitose delirante ap´os abuso sexual (Khan et al., 2021). Norman e out-
ros. observou que os pacientes freq¨uentemente rejeitavam inerentemente o diagn´ostico de del´ırio, recusavam-se a
aceitar cuidados psiqui´atricos e, em vez disso, solicitavam um n´umero crescente de testes diagn´osticos e tratamentos
antiparasit´arios (Norman and L´opez-V´elez, 2021).
Em outro caso n˜ao documentado e n˜ao resolvido de psicose epis´odica crˆonica causada por violˆencia dom´estica e abuso
sexual na primeira infˆancia pelo irm˜ao da m˜ae, a menina tentou contar `a m˜ae sobre o abuso, mas a m˜ae se recusou
a acreditar na menina, ficou com raiva e culpou a garota por mentir. A resposta da m˜ae, portanto, equivalia a uma
extrema trai¸c˜ao de confian¸ca. No presente caso, a paciente ficou calada sobre o abuso enquanto a m˜ae possivelmente
’optou por n˜ao ver’; isso pode ser visto como uma trai¸c˜ao semelhante, mas mais moderada.
Mitchell, um terapeuta do IFS, definiu a psicose como um enorme conflito interno com dois grupos de ’partes’ da
personalidade com inten¸c˜oes conflitantes: um grupo de partes que precisam que algo seja conhecido e outro grupo de
partes que precisam que a mesma coisa n˜ao seja conhecida (Mitchell, 2021). Mitchell referiu-se `a psicose como um
’despertar espiritual’. Mitchell mencionou que seus pacientes descreveram os estados psic´oticos ’incomuns’ como os
’mais aterrorizantes que j´a experimentaram’ (Mitchell, 2021). O terapeuta precisava manter uma atitude ’curiosa,
mas completamente destemida’ para apoiar (’manter espa¸co’) tais pacientes. As observa¸c˜oes e sugest˜oes de Mitchell
foram consistentes com as feitas no presente caso.
De forma inovadora, Fusar-Poli et al. utilizou m´etodos etnogr´aficos e escreveu um artigo sobre a experiˆencia sub jetiva
da psicose junto com pacientes (Fusar-Poli et al., 2022). Eles dividiram a experiˆencia subjetiva da psicose em cinco
fases: 1. pr´e-m´orbida; 2. prodrˆomico; 3. o primeiro epis´odio; 4. reca´ıda; e 5. crˆonica. A fase pr´e-m´orbida era muitas
vezes assintom´atica e caracterizada por solid˜ao, isolamento, perda do bom senso e desconforto corporal ou aliena¸c˜ao.
A fase prodrˆomica foi caracterizada por um sentimento de que uma verdade importante sobre o mundo logo seria
revelada. O senso de identidade foi perturbado e o contato com a realidade foi comprometido. Essas quest˜oes eram
normalmente mantidas em segredo. Na primeira fase do epis´odio, o in´ıcio dos del´ırios desencadeou uma sensa¸c˜ao de
al´ıvio e resolu¸c˜ao. Havia a sensa¸c˜ao de que tudo se relacionava consigo mesmo. Os limites entre os mundos interno e
externo foram perdidos, assim como o arb´ıtrio. Havia uma sensa¸c˜ao de opress˜ao e caos, e uma perda de confian¸ca no
mundo. A fase de reca´ıda foi sobre luto por perdas pessoais, sentindo-se dividido entre as realidades e a incerteza do
futuro. A fase crˆonica consistia em aceitar o novo mundo pessoal, esconder o caos interior dos outros, sentir solid˜ao
e ter uma necessidade desesperada de pertencer.
Na descri¸c˜ao do presente caso, a maioria das caracter´ısticas dessas fases pode ser reconhecida, mas n˜ao houve fases
claras. Em vez disso, ela parecia ter sido mais ou menos psic´otica durante toda a infˆancia, sem uma clara ’primeira
psicose’. Sua recusa em aceitar os diagn´osticos funcionou como uma forma de manter um certo grau de agˆencia
pessoal.
Em contraste com o presente estudo de caso, o estudo de Fusar-Poli et al. n˜ao reconheceu ou discutiu o papel do
trauma emocional ou precoce. Eles tamb´em pareciam apresentar a psicose como crˆonica e incur´avel, aparentemente
com foco na esquizofrenia, enquanto o presente caso discutia o transtorno bipolar com caracter´ısticas psic´oticas.
O que faltava em sua descri¸c˜ao das fases era a recupera¸c˜ao gradual e a remiss˜ao. No presente caso, tal fase de
recupera¸c˜ao pode ser reconhecida. O estado atual pode ser considerado uma fase de remiss˜ao quase completa: ela
tinha um alto desempenho profissional, seus relacionamentos e vida familiar eram funcionais e o principal problema
remanescente era uma dissocia¸c˜ao relativamente leve.
No que diz respeito `a heran¸ca transgeracional do trauma, al´em dos mecanismos epigen´eticos que n˜ao deixam rastros
cognitivos (Morin et al., 2021), o trauma tamb´em pode ser captado a partir do comportamento dos pais, av´os,
parentes ou qualquer pessoa. As rea¸c˜oes dos pais acionados podem sobrecarregar seus filhos, fazendo com que
partes exiladas surjam. O trauma se propagaria, ou evoluiria, com conte´udo cognitivo exilado ligeiramente diferente,
mas possivelmente (quase) consequˆencias fisiol´ogicas idˆenticas. Independentemente disso, a essˆencia do conte´udo
cognitivo provavelmente seria vergonha e inadequa¸c˜ao. O trauma coletivo, ou seja, o trauma compartilhado em toda
a sociedade, se propagaria da mesma maneira interpessoal, mas tamb´em atrav´es de quaisquer estruturas existentes:
comportamentos de grupo, h´abitos, rituais, mentalidades, institui¸c˜oes e/ou arquitetura.
Como um aparte, a entrevistada mencionou que a press˜ao social para se conformar a fez sentir como se a sociedade
estivesse “colocando cren¸cas em sua cabe¸ca” e que tais cren¸cas “n˜ao se encaixavam nela”. Hipoteticamente, esse
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padr˜ao de pensamento, quando expresso de forma mais vaga (digamos, como diria uma crian¸ca de quatro anos),
parece se assemelhar ao conceito de ’inser¸c˜ao de pensamento’ na esquizofrenia. Afinal, a influˆencia externa, digamos,
na forma de propaganda, ´e essencialmente ’inser¸c˜ao de pensamento’.
No estudo de caso anterior (Turkia, 2022b), foi proposto que os antipsic´oticos deveriam ser usados tempor´aria ou
intermitentemente em vez de como profilaxia. H´a evidˆencias de que, a curto prazo, os antipsic´oticos melhoram a
qualidade de vida, o funcionamento e a incapacidade, reduzem a psicopatologia, a gravidade da doen¸ca, o compor-
tamento compulsivo e melhoram o insight cognitivo (Verma et al., 2020). No entanto, em um acompanhamento
de 19 anos, o tratamento de manuten¸c˜ao antipsic´otico cumulativo moderado e alto nos primeiros cinco anos ap´os
o primeiro epis´odio psic´otico foi consistentemente associado a um maior risco de resultados adversos (uso cont´ınuo
de antipsic´oticos, tratamento psiqui´atrico, subs´ıdios por incapacidade, mortalidade), em compara¸c˜ao com exposi¸c˜ao
baixa ou zero (Bergstr¨om et al., 2020). O presente caso alinhou-se com a ideia de uso intermitente.
O c´erebro como um filtro
O entrevistado se referiu `a hip´otese de longa data no discurso psicod´elico: o c´erebro como um potencial receptor de
informa¸c˜oes existentes em um campo universal (uma hip´otese in´edita propunha que as informa¸c˜oes seriam codificadas
como ondas eletromagn´eticas estacion´arias; devido `as ondas serem estacion´arias, elas poderiam ser acessado em
qualquer ponto, e qualquer altera¸c˜ao na forma de onda seria imediatamente refletida em todos os lugares). Segundo
a entrevistada, o campo se manifesta como ’amor absoluto, incondicional’. Na terminologia IFS, tal campo de amor
absoluto pode se referir aos poderes absolutos do Self; na terminologia religiosa crist˜a, pode referir-se ao conceito de
’c´eu’. A interpreta¸c˜ao sugerida seria que tal campo de informa¸c˜ao poderia ser acessado apenas em um determinado
estado, e este estado seria caracterizado pelos atributos de amor incondicional, ˆextase, ’unidade’ ou ’dissolu¸c˜ao do
ego’; em outras palavras, atrav´es de uma completa ausˆencia de medos.
No que diz respeito ao cristianismo, uma not´avel busca recente ´e a rede Ligare (ligare.org): ’uma rede aberta
de pessoas que desejam acesso legal e seguro e acreditam que o cristianismo e outras tradi¸c˜oes religiosas existentes
oferecem caminhos para preparar, vivenciar e integrar experiˆencias m´ısticas, incluindo aqueles ocasionados por plantas
e compostos sagrados’. A rede foi fundada pelo reverendo Hunt Priest, um dos participantes de um estudo sobre
psilocibina em 2016 envolvendo profissionais religiosos (Lattin, 2022). Uma rede judaica semelhante foi fundada por
outro participante do estudo (shefaflow.org).
Huxley, que experimentou a planta psicod´elica mescalina, sustentou que os psicod´elicos abriam uma ’v´alvula redutora’
no c´erebro e no sistema nervoso que normalmente inibia o acesso n˜ao apenas ao subconsciente, mas a ’tudo o que est´a
acontecendo em todos os lugares do universo’ (Huxley, 2004). A filtragem foi ´util para evitar sobrecarga em alguns
aspectos, mas tamb´em foi contraproducente em outros. O campo poderia ser acessado por pessoas psic´oticas, pessoas
sob a influˆencia de psicod´elicos e crian¸cas que ainda n˜ao estavam habituadas a essa filtragem. Osmond notou que
o c´erebro n˜ao apenas filtrava as informa¸c˜oes, mas tamb´em n˜ao fornecia meios de descrevˆe-las (Huxley and Osmond,
2018). Portanto, tais experiˆencias n˜ao poderiam ser adequadamente colocadas em palavras.
Carhart-Harris et al. sugeriram que os psicod´elicos diminuem a atividade e a conectividade nos principais centros de
conex˜ao do c´erebro, permitindo um estado de cogni¸c˜ao irrestrita (Carhart-Harris et al., 2012). A psilocibina ’parecia
inibir regi˜oes do c´erebro respons´aveis por restringir a consciˆencia dentro dos limites estreitos do estado normal de
vig´ılia, uma interpreta¸c˜ao notavelmente semelhante `a proposta por Huxley h´a mais de meio s´eculo’ (Halberstadt and
Geyer, 2012).
Algumas tradi¸c˜oes ind´ıgenas usam dietas vegetais e restri¸c˜oes alimentares para transformar o corpo tornando-o
’amargo’ consumindo apenas plantas amargas (P´erez-Gil, 2001). Tais pr´aticas pareciam supor que o consumo de
sal ou qualquer alimento doce, bem como qualquer comportamento sexual, impedia o acesso adequado a essas
informa¸c˜oes.
Os trˆes tipos de intui¸c˜ao
Essas informa¸c˜oes tamb´em podem ser acessadas sem substˆancias por meio da serenidade, ou seja, na ausˆencia
de medo, por meio de estados mentais euf´oricos, harmˆonicos ou ’conectados’ (talvez atrav´es do Self). Raami, que
pesquisou inventores finlandeses, observou que a maioria deles descreveu ter adquirido suas ideias por meio de m´etodos
’inexplic´aveis’ ou ’intui¸c˜ao’ (Raami, 2015, 2019b); exemplos mais conhecidos incluem Nicola Tesla e a citogeneticista
Barbara McClintock (Keller, 1983). Para compara¸c˜ao com o paradigma EBM e como exemplo, McClintock utilizou
um m´etodo bastante diferente, talvez mais ’compat´ıvel com psicod´elicos’ para aquisi¸c˜ao de conhecimento (Keller,
1983). Seu m´etodo foi descrito como m´ıstico e baseado na intui¸c˜ao, dissolu¸c˜ao do ego e no conceito de consciˆencia
vegetal (Owl, 2022). Posteriormente, ela foi ridicularizada por d´ecadas. Em 1983, ela recebeu o Prˆemio Nobel
n˜ao compartilhado de Fisiologia ou Medicina. Com rela¸c˜ao a outros m´etodos, o m´etodo das constela¸c˜oes familiares
geralmente parece produzir informa¸c˜oes ’inexplic´aveis’ semelhantes sobre as vidas dos participantes (Wolynn, 2016).
Raami classificou a intui¸c˜ao em trˆes tipos: baseada em instinto, espec´ıfica de dom´ınio e ’superintui¸c˜ao’ (Raami,
2019a). No que diz respeito ao tempo, o primeiro dizia respeito ao presente, o segundo `a hist´oria e ao futuro, e ao
terceiro faltava o conceito de tempo. V´arios indiv´ıduos e grupos enfatizaram diferentes tipos. Em uma categoriza¸c˜ao
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muito grosseira, pode-se considerar que os profissionais m´edicos enfatizam o segundo tipo, o que pode levar a perspec-
tivas r´ıgidas de lente ´unica. Os ind´ıgenas parecem enfatizar o primeiro tipo. Psicod´elicos e psicose parecem abrir o
terceiro tipo, tamb´em ocasionalmente acess´ıveis por outros meios. As rela¸c˜oes entre grupos que usam tipos diferentes
podem se tornar tensas. Da perspectiva do dom´ınio espec´ıfico, o terceiro tipo aparece baseado na supersti¸c˜ao, e o
primeiro tipo parece irracional. De uma perspectiva baseada no instinto, o segundo tipo aparece como minucioso,
r´ıgido, elitista e impratic´avel, e o primeiro tipo como fraco e pregui¸coso. Da perspectiva do terceiro tipo, o primeiro
pode parecer ego´ısta, brutal e anti´etico, e o segundo, arrogante, sem cora¸c˜ao, impass´ıvel, frio e chato. Todas essas
desconex˜oes foram baseadas e alimentadas por medos e separa¸c˜ao.
Na pr´atica, do ponto de vista ind´ıgena, a necessidade de ’pesquisar a efic´acia e seguran¸ca’ dos m´etodos que eles
usaram com sucesso por s´eculos pode parecer rid´ıcula, especialmente se as pessoas em quest˜ao se recusam a testar
os m´etodos por si mesmas, aparecendo posteriormente como pusilˆanimes. Por outro lado, os profissionais m´edicos
podem considerar a aplica¸c˜ao desses m´etodos ’sem base de evidˆencias’ completamente ’irrespons´avel’. Na medida do
poss´ıvel, o presente estudo de caso visa ilustrar que essas vis˜oes polarizadas s˜ao desnecess´arias e que o tipo necess´ario
de progresso social s´o pode decorrer da ado¸c˜ao e aplica¸c˜ao de todas as trˆes abordagens.
Vitimiza¸c˜ao/perspectiva-objeto versus agˆencia/perspectiva-sujeito
No que diz respeito `a vitimiza¸c˜ao, grande parte da popula¸c˜ao pode se ver como v´ıtima. Embora compreens´ıvel,
´e contraproducente do ponto de vista de recuperar o arb´ıtrio. De modo mais geral, essa atitude pode resultar
da vis˜ao de si mesmo e do mundo como objetos conceituais, em vez de sujeitos ou processos. Nesta condi¸c˜ao,
as percep¸c˜oes aparecem para a consciˆencia principalmente como conceitos predefinidos e rela¸c˜oes l´ogicas entre eles
(uma vis˜ao ’hist´orica’). Uma alternativa ´e perceber a si mesmo como estando no presente em um campo sensorial
imediato, que ´e um processo em constante mudan¸ca. Essas experiˆencias ’pr´e-conceituais’ podem ser experimentadas
com psicod´elicos. Na vida cotidiana, a experiˆencia pr´e-conceitual pode ser mais comum em, digamos, dan¸carinos
e crian¸cas. Tamb´em pode ser mais t´ıpico para os ind´ıgenas, que podem se referir `a maneira r´ıgida e conceitual de
experimentar como ’a mente da pessoa branca’. Na abordagem sensorial, ou ’sensual’, o mundo pode parecer mais
fluido, imediato e mut´avel: as coisas, incluindo a pr´opria pessoa, s˜ao processos, n˜ao objetos. Eles podem aparecer
principalmente como ’energias’ ou impress˜oes; a experiˆencia pode parecer mais ’direta’, n˜ao filtrada ou imediata. Tal
experiˆencia pode estar relacionada com a readquiri¸c˜ao de um sentimento corporificado de agˆencia – uma sensa¸c˜ao
dif´ıcil de descrever de experimentar a si mesmo como um sujeito em vez de um objeto; t˜ao poderoso, ou como algu´em
que pode criar.
Um senso de agˆencia incorporado ´e necess´ario para implementar as mudan¸cas necess´arias na vida cotidiana. Embora
os psicod´elicos possam mostrar o que deve ser feito e resolver alguns gatilhos que impedem certas a¸c˜oes, no final,
eles n˜ao fazem as coisas por vocˆe. Como exemplo, suponhamos que eventos traum´aticos avassaladores causaram o
ac´umulo de tens˜ao crˆonica no corpo, e essa tens˜ao impediu o funcionamento adequado do sistema linf´atico, o que
levou `a doen¸ca som´atica. Os psicod´elicos podem revelar que tal tens˜ao est´a presente e at´e dissolver os gatilhos. No
entanto, o trabalho som´atico, como a ioga, pode ser necess´ario para resolver os efeitos da tens˜ao crˆonica (Namkhai
Norbu, 2008; Wangyal and Dahlby, 2002). Como outro exemplo, os psicod´elicos podem revelar que vocˆe reside em um
ambiente social constantemente retraumatizante (por exemplo, casamento, local de trabalho), mas eles n˜ao mudam
esse ambiente para vocˆe (Turkia, 2022a,c). Isso nos leva ao aspecto comunit´ario: conforme ilustrado pelo presente
caso, tanto a doen¸ca quanto a cura s˜ao processos, n˜ao estados. Eles tamb´em s˜ao fenˆomenos sistˆemicos em vez de
individuais.
Aspectos sociais
No contexto do ’renascimento psicod´elico’, muitas vezes houve certa cautela em n˜ao repetir a rea¸c˜ao dos anos 1970.
Hughes e outros. observou que a descriminaliza¸c˜ao portuguesa de todas as drogas il´ıcitas em 2001 n˜ao levou a
grandes aumentos no consumo de drogas; em vez disso, as evidˆencias indicaram redu¸c˜oes no uso problem´atico,
danos relacionados `as drogas e superlota¸c˜ao da justi¸ca criminal (Hughes and Stevens, 2010; Rˆego et al., 2021).
A disponibilidade cont´ınua de psilocibina na Holanda tem sido tranquila (van Amsterdam et al., 2011). Holoyda
observou que pesquisas epidemiol´ogicas em larga escala sugeriram que os psicod´elicos podem reduzir o risco individual
de violˆencia interpessoal (Holoyda, 2020). Roberts delineou um programa para aprimorar as capacidades humanas
para igualar ou superar as crescentes capacidades da inteligˆencia artificial (Roberts, 2013).
Desde a d´ecada de 1980, em n´ıvel social, ap´os algumas d´ecadas de desenvolvimentos aparentemente lim´ıtrofes,
epis´odios psic´oticos evidentes parecem ter surgido em algumas na¸c˜oes na d´ecada de 2020. Nesta situa¸c˜ao, mesmo uma
ado¸c˜ao generalizada e descontrolada de psicod´elicos pode apenas adicionar clareza, impor limites e esclarecer vis˜oes de
longo prazo de objetivos sociais. Em geral, as pessoas tendem a evitar enfrentar seus traumas e, conseq¨uentemente,
mesmo quando tˆem uma chance, tendem a inventar qualquer tipo de desculpa para evitar o uso de psicod´elicos.
Em outras palavras, eles procuram ativamente psicod´elicos e expressam interesse em tom´a-los, mas, quando tˆem
a oportunidade, acabam optando por n˜ao participar. A curto prazo, a disponibilidade gratuita de psicod´elicos
provavelmente n˜ao levaria a muito, como foi observado com a legaliza¸c˜ao da cannabis. A m´edio e longo prazo, no
entanto, provavelmente levaria a melhorias significativas na sa´ude mental e nas habilidades de lideran¸ca.
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As pr´aticas democr´aticas parecem estar falhando em muitas sociedades devido a uma capacidade decrescente de
entender como as sociedades funcionam (todos devem sentir que tˆem uma tarefa e um prop´osito pessoalmente
significativos, deve haver um entendimento compartilhado de quais tarefas e m´etodos s˜ao necess´arios e ´uteis e que
n˜ao s˜ao, e as tarefas ´uteis devem ser executadas de forma harmoniosa e sincronizada). Muitos sistemas de sa´ude
parecem perdidos em miopia, falta de perspectiva e busca por lucros, bem como presos em uma busca cada vez
maior por ’evidˆencias’ por meio de m´etodos arcaicos. Se as sociedades ocidentais desejam manter alguma relevˆancia,
elas precisam melhorar significativamente a clareza de pensamento e a tomada de decis˜oes das pessoas em posi¸c˜oes
de lideran¸ca. Parecia imposs´ıvel de alcan¸car com os m´etodos atuais. Como afirmado em uma cita¸c˜ao famosa,
’problemas n˜ao podem ser resolvidos no mesmo n´ıvel de consciˆencia que os criou’ (de Geus, 1997), ou ’um novo tipo
de pensamento ´e essencial se a humanidade quiser sobreviver e se mover em dire¸c˜ao a n´ıveis mais elevados’ (Foster,
2011).
Celidwen et ai. propˆos que os princ´ıpios ´eticos da medicina ind´ıgena tradicional poderiam guiar a pesquisa e a
pr´atica psicod´elica (Celidwen et al., 2023). Um processo de consenso ind´ıgena global identificou oito princ´ıpios ´eticos
interconectados, incluindo: reverˆencia pela M˜ae Natureza, respeito, responsabilidade, relevˆancia, regulamenta¸c˜ao,
repara¸c˜ao, restaura¸c˜ao e reconcilia¸c˜ao. Na pr´atica, a inten¸c˜ao parecia ser, grosso modo, que a autoridade ind´ıgena
deveria ser priorizada em qualquer coisa relacionada a psicod´elicos, os atores ind´ıgenas deveriam liderar ou participar
da lideran¸ca de todas as pr´aticas relacionadas a psicod´elicos, os atores ind´ıgenas deveriam ser inclu´ıdos em conselhos
de revis˜ao ´etica e os lucros deveriam v˜ao principalmente para os ind´ıgenas.
Do exposto, pode-se inferir que um conflito amplamente irreconcili´avel pode persistir por algum tempo. Uma solu¸c˜ao
pr´atica seria que a ayahuasca permaneceria principalmente, dentro do razo´avel, sob o controle dos povos ind´ıgenas,
enquanto as terapias do primeiro mundo seriam baseadas principalmente na aplica¸c˜ao sem patente de LSD, DMT,
MDMA e 2C-B (Meckel Fischer, 2015), por exemplo. Em outras palavras, pelo menos os psicod´elicos sint´eticos e
as terapias baseadas neles devem ser livres de qualquer finalidade lucrativa e dispon´ıveis a todos sem restri¸c˜oes.
Por outro lado, uma ditadura ind´ıgena semelhante `a ’Big Pharma’ tamb´em n˜ao deveria ser constru´ıda em torno de
psicod´elicos vegetais. ´
E necess´ario um equil´ıbrio razo´avel entre os interesses. Tanto as pr´aticas abusivas e ignorantes
da psiquiatria voltada para o lucro quanto a ind´ustria psicod´elica, e a pobreza e amargura dos povos ind´ıgenas s˜ao
quest˜oes que devem ser abordadas. Independentemente disso, a resposta ao abuso n˜ao deve ser contra-abuso (Turkia,
2023). Todas as partes devem superar seus padr˜oes destrutivos. Por exemplo, em algumas tribos, apesar do uso da
ayahuasca, as mulheres ainda s˜ao ocasionalmente submetidas a extrema violˆencia sexual.
Para ser justo, enquanto, em muitos casos, as pr´aticas ind´ıgenas atuais podem ser consideradas ’n´ıvel universit´ario’ e
as pr´aticas correspondentes do primeiro mundo ’n´ıvel de jardim de infˆancia’, os ind´ıgenas n˜ao s˜ao os ´unicos inventores
de psicod´elicos ou terapias psicod´elicas. O LSD foi inventado na Su´ı¸ca, o MDMA na Alemanha e o 2C-B nos EUA
(Shulgin and Shulgin, 1991, 1997). Independente das pr´aticas ind´ıgenas, as terapias baseadas nelas tˆem uma hist´oria
relativamente longa nos pa´ıses ocidentais. Exemplos not´aveis incluem o tratamento de crian¸cas psic´oticas com LSD
nos EUA no in´ıcio dos anos 1970 (Fisher, 1970, 1997; Walsh and Grob, 2005) e o uso de MDMA na Europa e nos
EUA (Passie, 2018). O caso da psilocibina ´e complexo, pois os cogumelos com psilocibina crescem naturalmente na
maior parte do mundo.
Aspectos neurobiol´ogicos
A origem das dimens˜oes sem tempo ou causalidade ´e uma interessante quest˜ao em aberto. Do ponto de vista da
modelagem, em um sistema de controle simples sem mem´oria e capaz apenas de rea¸c˜oes fixas e reflexivas a est´ımulos,
cada rea¸c˜ao ´e causalmente independente e n˜ao h´a experiˆencia de tempo cont´ınuo. A adi¸c˜ao de recursos rudimentares
de aprendizado (por exemplo, condicionamento cl´assico e habitua¸c˜ao) permite o aprendizado dos gatilhos do trauma.
Se a ’experiˆencia de vida’ de tal sistema fosse observada de fora, poderia se assemelhar a uma s´erie de imagens
semelhantes a flashbacks ocorrendo em intervalos de tempo irregulares e aparentemente aleat´orios (determinados
pelo ambiente), com cada est´ımulo causando uma rea¸c˜ao instantˆanea sem racional compreens´ıvel. O sistema reagiria
apenas quando ’desencadeado’, e as rea¸c˜oes pareceriam incompreens´ıveis para um observador sem compreens˜ao da
estrutura f´ısica. Na presen¸ca de uma camada superior com seu pr´oprio sistema de controle, as rea¸c˜oes desencadeadas
na camada inferior prevaleceriam sobre as decis˜oes da camada superior. Al´em da capacidade m´ınima de condiciona-
mento e habitua¸c˜ao, da perspectiva da camada superior observadora, a vida pareceria incontrol´avel e interrompida
aleatoriamente.
Juntos, o tronco cerebral, o cerebelo e o sistema nervoso autˆonomo podem formar a maior aproxima¸c˜ao de tal sistema
em humanos. Eles s˜ao considerados respons´aveis por regular fun¸c˜oes b´asicas de sustenta¸c˜ao da vida, como respira¸c˜ao,
frequˆencia card´ıaca, press˜ao sangu´ınea e controle de movimento, incluindo comportamentos instintivos, autom´aticos
e relacionados `a sobrevivˆencia (lutar, fugir e congelar). Um trauma grave pode alterar a conectividade entre essas e
outras partes do c´erebro para que a pessoa possa observar seu funcionamento interno. Observou-se que os psicod´elicos
aumentam a conectividade entre algumas ´areas do c´erebro (Preller et al., 2018). Hipoteticamente, o aumento da
conectividade pode permitir essa inspe¸c˜ao direta, e o mesmo fenˆomeno pode estar presente em traumas graves.
Os comportamentos relacionados `a sobrevivˆencia podem ser vistos como programas fixos. O congelamento deve
terminar em reativa¸c˜ao, lutar em vit´oria e fugir em uma fuga bem-sucedida. Nesse contexto, o trauma seria uma
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interrup¸c˜ao desses programas. Curar o trauma seria deixar esses programas funcionarem at´e o fim.
Em 2017, Roelofs revisou os mecanismos neurobiol´ogicos no congelamento de animais e humanos, propondo uma
agenda de pesquisa para estimular a pesquisa translacional animal-humana no campo emergente das respostas de-
fensivas ao estresse humano (Roelofs, 2017). Essa agenda provavelmente envolveria o papel da mem´oria impl´ıcita ou
procedimental no trauma (Levine, 2015). As estruturas de controle fundamentais respons´aveis pelos comportamentos
relacionados `a sobrevivˆencia podem atualmente ser a dire¸c˜ao mais promissora para pesquisas futuras.
A maioria das pessoas nunca experimenta uma disfun¸c˜ao envolvendo trauma grave e dissocia¸c˜ao incontrol´avel. A falta
de experiˆencia direta e pessoal pode prejudicar tanto a pesquisa quanto a terapia. Pode ser por isso que algumas
tradi¸c˜oes ind´ıgenas exigem que os poss´ıveis facilitadores da cerimˆonia da ayahuasca passem por um treinamento
extensivo que induz a fome prolongada e experiˆencias de quase morte: os mecanismos diferem muito da l´ogica
emocional-cognitiva convencional e podem ser compreens´ıveis apenas por meio da experiˆencia pessoal.
A pr´atica da auto-experimenta¸c˜ao
No que diz respeito `a pesquisa, embora os psicod´elicos possam ser vistos como uma abordagem um tanto progressiva,
uma quest˜ao mais interessante, no entanto, ´e: o que vem depois dos psicod´elicos? Em grande parte, os psicod´elicos
lidam com os limites da observa¸c˜ao do processo de observa¸c˜ao. Existe ainda outro, nunca visto, um n´ıvel ou modo
de experienciar? Existe uma explica¸c˜ao ainda mais profunda do processo de estar vivo?
A autoexperimenta¸c˜ao, ou seja, a experimenta¸c˜ao cient´ıfica na qual o experimentador conduz o experimento em si
mesmo, tem uma longa hist´oria na medicina (Weisse, 2012). Exemplos recentes not´aveis incluem o desenvolvimento do
produto de desintoxica¸c˜ao de opi´oides Heantos-4 por um fitoterapeuta vietnamita tradicional, Tran Khuong Dan, que
testou seu m´etodo viciando-se primeiro em ´opio e depois em hero´ına, confirmando a efic´acia de sua inven¸c˜ao baseada
em doze substˆancias n˜ao t´oxicas , componentes fitoter´apicos n˜ao viciantes (Turkia, 2021). As tetraidroprotoberberinas
foram posteriormente identificadas como os ingredientes ativos mais prov´aveis (Ahn et al., 2020; Nesbit and Phillips,
2020).
A instˆancia de auto-experimenta¸c˜ao conduzida por Mudge se alinha com a tradi¸c˜ao hist´orica de empreendimentos
semelhantes empreendidos por investigadores anteriores. Conforme observado por Weisse, v´arios desses pesquisadores
receberam prˆemios Nobel. Ele acrescentou que ’embora a auto-experimenta¸c˜ao por m´edicos e outros cientistas
biol´ogicos pare¸ca estar em decl´ınio, a coragem dos envolvidos e os benef´ıcios para a sociedade n˜ao podem ser negados’
(Weisse, 2012).
Conclus˜oes
Este artigo visa aprofundar a compreens˜ao atual do transtorno bipolar e dos epis´odios psic´oticos causados por trauma
precoce. Conforme demonstrado pelo presente caso, ao contr´ario da cren¸ca comum, os psicod´elicos podem aumentar
a clareza mental e adicionar estrutura `a vida. O tratamento de manuten¸c˜ao de baixa dose do transtorno bipolar com
certas prepara¸c˜oes de ayahuasca mostra-se promissor. Doses maiores podem aliviar a tendˆencia suicida e facilitar
o processamento de eventos traum´aticos, mas o processo requer comprometimento e paciˆencia. Embora uma ´unica
sess˜ao com ayahuasca ou LSD possa resolver o suic´ıdio agudo, resolver os efeitos de longo prazo do abuso precoce
pode ser um desafio. Assim, a preven¸c˜ao de traumas complexos permanece cr´ıtica.
As terapias psicod´elicas podem beneficiar principalmente indiv´ıduos com alta capacidade cognitiva e motiva¸c˜ao
intr´ınseca para seu uso, mas com orienta¸c˜ao adequada, podem ser ben´eficas para a maioria das pessoas com trauma
grave. Nesse caso particular, parecia que, embora nem os estabilizadores de humor nem a ayahuasca sozinhos fossem
suficientes para resolver o transtorno bipolar a curto prazo, em combina¸c˜ao eles permitiam um progresso cont´ınuo na
cura de seu complexo trauma a longo prazo. As pesquisas em andamento podem fornecer novas perspectivas sobre
o uso da ayahuasca no manejo do transtorno bipolar. No que diz respeito `a resolu¸c˜ao total, em vez do controle dos
sintomas, o tratamento com altas doses de LSD pode abrir novas perspectivas sobre o assunto.
’Mesmo quando fazemos pequenos trabalhos para vinte pessoas, temos o potencial de impactar milh˜oes de pessoas.’
’Quero que pessoas que j´a passaram por situa¸c˜oes semelhantes ou¸cam minha hist´oria. Eu estava procurando por
pessoas que diriam: ’Eu tamb´em tive isso!’ Mas eu n˜ao tinha com quem conversar. Eu me senti sozinho e em
conflito. Seria muito importante para mim se as pessoas come¸cassem a compartilhar essas hist´orias.’
’A verdade s´o pode ser encontrada atrav´es de introspec¸c˜ao silenciosa, e o caminho certo ´e ficar parado e observar.’
’Do seu cora¸c˜ao, para todos n´os.’
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Abreviaturas: As seguintes abreviaturas s˜ao usadas neste manuscrito:
2C-B 4-Bromo-2,5-dimetoxifenetilamina
2C-x fenetilaminas psicod´elicas (por exemplo, 2C-B)
2C-T-x fenetilaminas psicod´elicas (por exemplo, 2C-T-7)
Receptor 5-HT2Aum subtipo de receptores de serotonina (5-HT)
5-MeO-xxT triptaminas psicod´elicas (por exemplo, 5-MeO-DMT)
ACE experiˆencia adversa na infˆancia
C-TEPT transtorno de estresse p´os-traum´atico complexo
DOx anfetaminas substitu´ıdas (por exemplo, 2,5-dimetoxi-4-metilanfetamina; DOM)
DMT N,N-dimetiltriptamina
DXM dextrometorfano
EEG eletroencefalografia
LSD dietilamida do ´acido lis´ergico
IMAO inibidor da monoamina oxidase
MDMA 3,4-metilenodioximetanfetamina
MXE metoxetamina
NBOM fenetilaminas substitu´ıdas (por exemplo, 25E-NBOMe)
TEPT transtorno de estresse p´os-traum´atico
ISRS inibidor seletivo da recapta¸c˜ao de serotonina
THC tetrahidrocanabinol
UDV Uni˜ao do Vegetal
Agradecimentos: A autora gostaria de agradecer: sensei 白い城e seus conhecidos; Elise (NL); psic´ologo Iikka Yli-
Kyyny (FI) pelo apoio. Este artigo ´e dedicado a uma menina com ’duas m˜aes: uma boa e uma m´a’.
Contribui¸c˜oes dos autores: O autor foi respons´avel por todos os aspectos do manuscrito.
Financiamento: Esta pesquisa n˜ao recebeu nenhuma concess˜ao espec´ıfica de agˆencias de financiamento nos setores
p´ublico, comercial ou sem fins lucrativos.
Disponibilidade de dados e materiais: Devido `a prote¸c˜ao do anonimato, os materiais n˜ao est˜ao dispon´ıveis.
Aprova¸c˜ao ´etica e consentimento para participa¸c˜ao: Foi obtido consentimento para participa¸c˜ao do paciente. A
pr´e-aprova¸c˜ao ´etica n˜ao se aplica a estudos etnogr´aficos retrospectivos.
Consentimento para publica¸c˜ao: Foi obtido o consentimento do paciente em forma de grava¸c˜ao de ´audio. Devido `a
natureza delicada do assunto, o entrevistado solicitou a isen¸c˜ao de outras formas de documenta¸c˜ao de consentimento
informado (45 CFR §46.117(c)(1)(i)).
Interesses conflitantes: O autor declara que n˜ao tem interesses conflitantes.
Detalhes do autor: Pesquisador independente, Helsinque, Finlˆandia. ID ORCID: 0000-0002-8575-9838
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