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1
PINK TAX: POR QUE AS MULHERES PAGAM MAIS DO QUE OS HOMENS
PELOS MESMOS SERVIÇOS? UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NAS CINCO
MAIORES REGIÕES METROPOLITANAS DO BRASIL
PINK TAX: WHY DO WOMEN PAY MORE THAN MEN FOR THE SAME
SERVICES? AN EXPLORATORY STUDY IN THE FIVE LARGEST
METROPOLITAN REGIONS OF BRAZIL
Brena Paula Magno Fernandez
1
Lara Pinheiro e Silva
2
RESUMO
Evidências sobre a prática de preços mais elevados em produtos e serviços voltados ao
público feminino, conhecida como pink tax, são observadas em diversos países no mundo. No
Brasil, a literatura existente sobre o tema ainda é extremamente incipiente, além de focar
sobretudo nos preços de produtos. Em primeiro lugar, o artigo faz uma revisão da literatura
internacional e brasileira acerca do tema da pink tax. Na sequência, apresentamos os nossos
próprios resultados de pesquisa. Investigamos a existência da pink tax nos serviços de
lavanderia e salões de beleza das cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil. O artigo
também discute a relação entre gênero e espaço econômico, a natureza econômica da pink tax
do ponto de vista da economia tradicional e o consumo feminino frente alguns estereótipos
atribuídos às mulheres na contemporaneidade.
Palavras-chave: Pink Tax; Desigualdade de Gênero no Mercado; Discriminação de Preços.
ABSTRACT
Evidence on the practice of higher prices on products and services for women, known as pink
tax, is observed in several countries around the world. In Brazil, the existing literature on the
subject is still extremely incipient, and focuses mainly on product prices. First, the article
reviews the international and Brazilian literature on the subject of the pink tax. Next, we
present our own research results. We investigated the existence of pink taxes in the laundry
and beauty salon services in the five largest metropolitan regions of Brazil. The article also
discusses the relationship between gender and economic space, the economic nature of the
pink tax from the point of view of traditional economics, and women's consumption in the
face of some stereotypes attributed to women in contemporaneity..
1
Professora Associada do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenadora
do Núcleo de Estudos em Economia Feminista (NEEF/CNPq).
2
Economista (UFSC).
2
Keywords: Pink Tax; Gender Inequality in Market; Price Discrimination.
1
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta uma das formas de discriminação de gênero ainda pouco
conhecidas e difundidas no Brasil, seja como objeto de pesquisa acadêmica, seja entre o
público leigo em geral: a chamada pink tax ou taxa rosa, em português. Essa expressão, que
vem a designar um fenômeno econômico de mercado, refere-se à prática de preços mais
elevados para produtos e serviços destinados ao público feminino, em comparação a produtos
similares – em que amiúde apenas a cor muda – destinados aos homens (Manzano et al.,
2018). Cabe ressaltar ainda que, embora a expressão carregue a cor rosa, a discriminação de
preços por gênero não se restringe apenas a produtos cor-de-rosa, contemplando, também,
como dito, o setor de serviços.
Dada a existência desse fenômeno, instituições e órgãos governamentais de alguns
países, como é o caso dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, propuseram-se a
levantar dados sobre o tema com o intuito de pesquisar as causas (e possíveis soluções) para o
fenômeno. Em 1992, uma pesquisa conduzida pelo Department of Consumer Affairs, de Nova
York, constatou a prática de preços mais elevados para mulheres nos setores de lavanderia,
salões de beleza e revenda de carros usados (Department of Consumer Affair apud De Blasio
e Menin, 2015, p.15). Mais tarde, outros estados iniciaram as suas próprias investigações
sobre discriminação de preços por gênero, como aponta a Harvard Law Review (1996), sobre
a pesquisa promovida pelo California Assembly Office Research, em 1993. Nesse estudo
realizado na Califórnia, constatou-se a prática de preços mais elevados de corte de cabelo em
40% dos salões de beleza analisados, e em 64% dos serviços de limpeza de camisetas brancas
femininas, em comparação com o preço cobrado para os homens. Posteriormente,
Duesterhaus (2011) publicou um estudo realizado em cidades do sudeste dos EUA, no qual
2
foram analisados preços para salões de beleza, lavagem a seco e produtos de cuidados
pessoais. Os resultados indicaram que, de forma geral, os preços dos serviços voltados para as
mulheres eram superiores àqueles direcionados aos homens em todas as categorias analisadas.
Na França, o Ministère de l’Economie, de l’Industrie et al. (2015) analisou a existência de
diferença de preços para três categorias de serviços: assistência para mudanças, serralheria e
reparo de automóveis, em estabelecimentos localizados em Paris e Lyon. O estudo concluiu
que houve discriminação de preços, atribuindo porém o fenômeno à forma como foram feitas
as chamadas telefônicas para pedido de orçamento, alegando que tais diferenças não estavam
atreladas ao gênero. Na Alemanha, segundo o Federal Anti-Discrimination Agency (2017),
aproximadamente 60% dos itens analisados foram precificados de forma diferente para
homens e mulheres – especialmente nos setores como salões de beleza e lavagem a seco.
No Brasil, até hoje existem apenas dois trabalhos publicados que se dedicaram a
investigar o tema nacionalmente. Mariano (2018) e Ruediger (2020), fundamentados pela
metodologia de comparação de preços adotada por De Blasio e Menin (2015), constataram a
presença da pink tax no Brasil para diversos produtos. Na pesquisa realizada por Mariano
(2018), foram identificados produtos voltados para mulheres com preços em média 12,3%
mais elevados em comparação com produtos direcionados aos homens, ou sem especificação
de gênero. No mesmo estudo o serviço de corte de cabelo também foi pesquisado,
apresentando preços em média 27% mais caros para mulheres. Posteriormente, a pesquisa
conduzida por Ruediger (2020), que investigou o comércio de produtos no varejo online,
também encontrou preços mais elevados em produtos de todas as cinco categorias
selecionadas para o estudo, a saber: brinquedos, produtos de higiene e cuidados pessoais,
material escolar, vestuário adulto e vestuário infantil.
3
Ressalta-se que os levantamentos de Mariano (2018) e Ruediger (2020) priorizaram a
coleta de preços no setor de produtos. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como intuito
trazer evidências sobre o tema no setor de serviços do Brasil, voltando-se para a precificação
dos serviços de lavanderia e de corte de cabelo. Em adição, por se tratar de um problema
pouco conhecido pelo público feminino, o estudo amplia as possibilidades de conscientização
das consumidoras que são impactadas diretamente pela pink tax.
O trabalho possui o caráter de estudo exploratório, uma vez que se propõe a elucidar
um tema ainda pouco familiar e difundido no país. Com relação ao levantamento de dados
primários, empregou-se a metodologia do assim chamado “cliente oculto” como ferramenta
de pesquisa nos setores analisados, que é definida por Christovam (2009, p. 54) como: “o tipo
de pesquisa efetuada por pesquisadores que são designados para atuar como consumidores
comuns em interações com os colaboradores de determinada empresa”. Assim, como
explicam Aaker, Kumar e Day (2018), é possível captar o comportamento usual dos
funcionários frente aos clientes, o que vem permitindo a identificação de casos de
discriminação em diferentes setores. A coleta de dados concentrou-se em estabelecimentos
escolhidos aleatoriamente nas cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil segundo o
IBGE: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Região integrada de desenvolvimento do
Distrito Federal e entorno, e região metropolitana de Porto Alegre. A coleta dos dados foi
realizada entre os meses de agosto e setembro de 2022, conforme as informações apresentadas
no Quadro 1:
Quadro 1 - Metodologia para coleta de dados
Setor de serviços
Metodologia
Serviço demandado
Salão de beleza
100 estabelecimentos
contatados via
Whatsapp
Corte básico masculino e feminino com
finalização
Lavanderia
Lavagem de terno masculino e feminino, blazer
masculino e feminino, camisa social masculina e
4
feminina, calça jeans masculina e feminina.
Fonte: Elaboração própria com base na coleta de dados (2022)
Em relação à estrutura do artigo, ele foi dividido em seis seções, incluindo essa introdução.
Na seção 2 apresentamos um panorama geral acerca da situação da mulher no mercado de
consumo, enfatizando em especial as expectativas de consumo que a sociedade tem para cada
gênero e como isso de certo modo justifica a existência da pink tax. Na sequência, ainda na
mesma seção, explicamos quais as relações existentes (ou não) entre a chamada “taxa” rosa e
a tributação, além de explicar como a teoria econômica tradicional enxerga (e justifica) o
fenômeno. Na seção 3, apresentamos uma revisão da literatura existente acerca da pink tax no
setor de serviços – lavanderia e cortes de cabelo em salões de beleza – dos Estados Unidos,
Reino Unido, Alemanha e Brasil. A seção 4 apresenta os resultados do nossa pesquisa nas
cinco maiores regiões metropolitanas brasileiras para os mesmos serviços referidos
anteriormente, com o intuito justamente de, na seção 5, fazer uma análise comparativa entre
os resultados encontrados no Brasil e no exterior. Nas considerações finais resumimos os
nossos principais argumentos, chamando atenção tanto para a necessidade de um
aprofundamento desses estudos no Brasil como para uma (re)interpretação dos resultados da
pink tax, à luz das desigualdades estruturais que marcam, na economia, o tratamento que é
dado aos homens e às mulheres.
2. A MULHER NO MERCADO DE CONSUMO
As últimas décadas trouxeram grandes transformações para o público feminino e para a
representação das mulheres sob o ponto de vista do consumo. A esse respeito, Lana e Souza
(2018, p. 124) afirmam que “a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a conquista de
5
direitos sociais são traduzidas na publicidade de produtos de higiene e beleza como liberdade
e autonomia para alcançar o corpo belo”. Para Lipovetsky e Serroy (2015), essa nova
dinâmica amplificou a valorização da beleza da mulher, visto que, mesmo com a ampliação
da representação feminina em funções tradicionalmente masculinas, as mulheres buscam
cultivar a sua própria identidade.
No entanto, o preço de se manter dentro da identidade feminina pode ser custoso.
Para as mulheres, em especial, o rigor estético é aparentemente maior, visto que os padrões
desejáveis pela sociedade são constantemente comunicados por meio de revistas, estratégias
de marketing, dentre outros canais (Yazıcıoğlu, 2018). Em relação a essa pressão estética,
Lipovetsky e Serroy (2015) afirmam que dificilmente, o consumo feminino deixará de estar
associado a algum ideal de beleza a ser alcançado. Tendo em vista os papéis de gênero, é
importante compreender como essa questão é incorporada à dinâmica do consumo. Para
Yazıcıoğlu (2018), a cultura associada aos produtos é um dos principais meios de se
disseminar as expectativas que a sociedade tem para cada gênero. Assim, a autora evidencia
que tal dicotomia é benéfica para o mercado à medida que produtos e serviços são
comercializados e pensados sob o pretexto de serem voltados exclusivamente para as
necessidades dos homens ou das mulheres. Desse modo, Yazıcıoğlu (2018, p.31) argumenta
que:
A maioria dos consumidores “compra” o marketing baseado
em essencialismo, afirmando que homens e mulheres são
diferentes e, portanto, precisam de produtos diferentes. Os
profissionais de marketing parecem ter convencido, com
sucesso, os homens e mulheres de que os produtos
específicos para gênero disponíveis no mercado são, de fato,
diferentes, não apenas devido ao design, mas também pelos
ingredientes e funcionalidade.
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Deste modo, compreender a situação da mulher no mercado de consumo é mais
complexo do que atribuir às consumidoras a responsabilidade integral por suas escolhas.
Nesse sentido, Baudrillard (1995, p. 69-70) afirma:
As necessidades visam mais os valores que os objetos e a
sua satisfação possui em primeiro lugar o sentido de uma
adesão a tais valores. A escolha fundamental, inconsciente e
automática, do consumidor é aceitar o estilo de vida de
determinada sociedade particular (portanto deixa de ser
escolha!) – acabando igualmente por ser desmentida a teoria
da autonomia e da soberania do consumidor.
Considerando o exposto pelo autor, infere-se que o consumo individual reflete o que
é designado ao grupo social a que ele pertence. Para as mulheres, o consumo pode ir além da
identidade feminina, como afirma Piscitelli et al. (2019) sobre o uso de cosméticos “ainda que
[...] esteja na esfera de autonomia das mulheres, [...], é igualmente verdade que o não
cumprimento desse padrão, especialmente em ambientes profissionais, é visto como sinal de
descuido e inadequação”. Desse modo, escolher um produto em razão do menor preço não é
sempre uma opção, visto que estar dentro das normas de determinado gênero é uma questão
de inclusão no convívio e de estar bem com o seu próprio corpo. Tendo isso em vista, é
possível compreender parte das razões que naturalizaram a prática da discriminação de preços
baseadas no gênero entre os consumidores.
2. 1 DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE CONSUMO: A PINK TAX
Para Mariano (2018), o surgimento da diferenciação de preços para homens e
mulheres pode remontar à década de 1930, período em que as lojas buscavam atrair
consumidores masculinos após a crise econômica. Desse modo, os preços foram reduzidos e
foram criadas promoções voltadas para esse público. Posteriormente, a partir da década de
7
1960, o autor argumenta que a as empresas começaram a investir no desenvolvimento de
produtos específicos para o público feminino, o que acarretou o aumento dos custos de
produção e consequentemente do produto final comercializado.
No entanto, a eclosão de um termo próprio para a discriminação de preços baseada
no gênero se deu somente em 2014, na França, quando acontecia uma campanha liderada pelo
grupo ativista Georgette Sand. Os manifestantes questionavam a cobrança mais elevada sobre
produtos femininos, em especial as lâminas de barbear cor-de-rosa que, possivelmente, deram
origem ao nome pink tax (Yazıcıoğlu, 2018). Além disso, é interessante observar que, após a
manifestação francesa, houve maior discussão sobre o tema, como afirmam Noronha,
Christino, Ferreira (2020, p.3) “o número de artigos publicados acerca da Pink Tax aumentou
significativamente depois de 2016 e em 2018 atingiu-se a maior média de publicações acerca
do tema”.
Em 2015, o tema ganhou ainda mais destaque com a divulgação do estudo realizado
pelo New York City Department of Consumer Affairs (NYDCA), que analisou 35 categorias
diferentes de produtos por meio da coleta de preços de quase 800 itens. Dentre os setores
escolhidos, foram contempladas diferentes etapas da vida de um indivíduo, desde roupas de
bebês a cuidados com idosos. Os resultados da pesquisa apontaram preços em média 7% mais
elevados para os produtos femininos. No entanto, ressalta-se que essa discrepância pode ser
maior, visto que setores como o de cuidado pessoal apresentaram diferenças maiores do que a
média e são utilizados ao longo de toda a vida adulta (De Blasio e Menin, 2015).
2.2 DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS POR GÊNERO E TRIBUTAÇÃO
8
O fato de a “taxa” rosa levar esse nome pode induzir a erro, tendo em vista que taxa é
um termo que possui um significado econômico bastante específico: “um tipo de tributo
instituído para remunerar um determinado serviço (ou uma determinada atividade) especial do
Estado, como a taxa de coleta de lixo ou a taxa de emissão de passaportes, por exemplo.”
(Fernandez; Ehlers, 2022, p. 6). Como não existe em nosso sistema tributário uma taxa rosa e
nem qualquer relação jurídico-tributária relacionada à cor de um produto, na maior parte das
vezes deveríamos falar da existência de uma “cobrança rosa” (ou pink charge) que é realizada
pelos empresários sobre produtos e serviços destinados ao público feminino que possuem um
equivalente para o público masculino. Ou seja, é preciso que fique claro que, na maior parte
dos casos, a pink tax não é um fenômeno tributário, mas sim mercadológico, uma prática
econômica que possui impacto bastante importante sobre as consumidoras. De fato, de acordo
com Habbal (2020, p.1):
A taxa rosa se manifesta de duas formas. Em primeiro lugar, certos
produtos ou serviços têm uma taxa adicionada ao seu preço. Em
segundo lugar, tem-se o que não é literalmente uma taxa, as empresas
vendem produtos comercializados para mulheres com um preço maior
do que os produtos comercializados para os homens, embora os
produtos sejam quase idênticos.
Os produtos taxados oficialmente pelo governo referem-se, especificamente, aos absorventes
e tampões higiênicos
3
. Como no entanto esse não é o foco do presente trabalho, a abordagem
da pink tax aqui realizada refere-se sempre às “taxas” não oficiais. A respeito disso, Ehlers
(2021, p.14) afirma que “em virtude de não ser possível associar diretamente a pink tax a
nenhum tipo de tributo, sua existência pode ser definida, então, como uma prática restritiva de
3
Para Yazıcıoğlu (2018), os produtos de higiene específicos para a mulher devem ser designados pelo seu termo
próprio: “tampon tax”, visto que eles possuem impostos oficiais sobre o seu preço. “No Brasil, temos uma
tributação pesada sobre os absorventes higiênicos, com uma carga tributária total de 27,5%. Chama muita
atenção o fato de que um item de necessidade básica seja tributado com níveis de alíquotas de IPI e ICMS
destinadas a produtos supérfluos (como perfumes, esmaltes e maquiagem).” (Fernandez: Ehlers, 2022, p. 73).
9
discriminação de preços”. Portanto, é essencial compreender de que modo a teoria econômica
tradicional (i.e., a microeconomia neoclássica) entende que a discriminação de preços opere
na economia.
Na microeconomia, parte-se do pressuposto que cada consumidor apresenta uma
disposição a pagar diferente. Ou seja, se determinado produto ou serviço aumentar de preço,
alguns consumidores deixarão de comprar enquanto outros não, pois a disposição a pagar de
diferentes grupos é distinta. Tendo em vista as diferentes disposições a pagar dos
consumidores, a discriminação de preços surgiria quando as empresas cobram diferentes
preços a clientes distintos, embora o produto ou serviço seja o mesmo, com o objetivo de
obter maiores lucros (Pindyck e Rubinfeld, 2005).
Segundo a teoria econômica tradicional, a discriminação de preços pode ser dividida
em três graus, sendo o primeiro grau referente a um cenário no qual a empresa consegue
cobrar de cada consumidor o maior preço que ele tem disposição a pagar. O segundo grau é a
prática de atribuir diferentes preços à medida que a quantidade adquirida difere. Por fim, a
discriminação de terceiro grau corresponde à atribuição de preços diferenciados de acordo
com grupos de consumidores com características distintas e que podem ser identificadas
(Liston-Heyes e Neokleous, 2000). Portanto, a pink tax se enquadraria como discriminação de
preços de terceiro grau.
Diversos exemplos de discriminação de terceiro grau podem ser encontrados no
mercado, tais como os descontos para estudantes, crianças e idosos. No entanto, no caso da
pink tax a discriminação não é tão evidente, visto que as empresas se beneficiam das
características atribuídas aos estereótipos de gênero e comercializam produtos voltados,
especificamente, a homens ou mulheres. Além disso, devido ao produto vendido não ser
100% idêntico, as empresas podem atribuir a discrepância de preços a essas pequenas
10
diferenças, tal como a fragrância utilizada em um desodorante feminino, por exemplo
(Habbal, 2020)
Portanto, como a pink tax pode alegadamente ser fundamentada nos custos
envolvidos na produção, na realização de determinados serviços ou nas diferentes disposições
a pagar de cada consumidor, torna-se necessário aprofundar os estudos existentes tanto no
exterior quanto no Brasil, buscando discutir os efeitos nocivos dessa prática já identificados
nos estudos internacionais.
3. A PINK TAX NO SETOR DE SERVIÇOS NOS ESTADOS-UNIDOS, NO REINO-
UNIDO, NA ALEMANHA E NO BRASIL
3.1 SALÕES DE BELEZA
Nos Estados-Unidos, o estudo de Duesterhaus et al. (2011) utilizou uma amostra de 100
salões de beleza localizados na região sudeste do país, selecionados aleatoriamente a partir de
anúncios nas páginas amarelas. Por meio de telefonemas, a cada estabelecimento foi
perguntado o preço básico para um corte masculino e um corte feminino. Ao final da coleta,
15 salões apresentaram preços iguais para ambos os gêneros e o restante da amostra
apresentou preços em média 53,7% maiores para as mulheres. Além disso, as diferenças de
preço encontradas foram entre $0 e $25. Ainda, por meio de procedimentos estatísticos, os
pesquisadores identificaram que, quanto mais sofisticado era o salão de beleza, maior a
discrepância por gênero entre o preço cobrado para o corte de cabelo.
Quadro 2 - Pesquisa de Duesterhaus et al. (2011)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
11
100 estabelecimentos contatados por
meio de telefonemas.
Preço base para: corte de
cabelo feminino com
finalização e corte de cabelo
masculino com finalização.
Preço pago, em média pelas
mulheres: $35,02
Preço pago, em média, pelos
homens: $22,78.
53,7% mais caro para as mulheres.
Fonte: Elaboração própria com base em Duesterhaus et al. (2011)
Em 1992, o DCA, da cidade de Nova York, realizou uma coleta de preços em 80
salões da região e constatou que, em média, as mulheres pagavam 25% a mais para o mesmo
corte de cabelo. Além disso, os pesquisadores apontaram que o desconhecimento sobre o
preço pago por outros clientes (no caso, do sexo masculino) contribuía para que as
consumidoras acabassem pagando a mais em certas situações (Department of Consumer
Affair (1992), apud De Blasio e Menin (2015, p.15).
Quadro 3 - Pesquisa do Department of Consumer Affairs (1992 apud De Blasio e Menin, 2015)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
Coleta de preços com 80 salões de
beleza.
Corte de cabelo similar para
ambos os gêneros
Em média, as mulheres pagavam
25% a mais para um corte de
cabelo similar ao masculino
Fonte: Elaborado pela autora com base em Department of Consumer Affairs (1992) apud De Blasio e Menin,
(2015)
No Reino Unido, Liston-Heyes e Neokleus (2000) realizaram um estudo com o
intuito de analisar a prática de diferenciação de preços por gênero, bem como de avaliar se tal
prática era proveniente de discriminação de preços ou de certa característica específica do
setor. Para essa finalidade, inicialmente foram conduzidas 90 entrevistas presenciais com
clientes selecionados aleatoriamente no Brent Cross Shopping, localizado em Londres, a fim
de questionar o preço básico que eles desembolsavam por um corte de cabelo (independente
do tempo, habilidade e/ou esforço envolvido). Depois, foram realizadas 150 entrevistas por
telefone com representantes de cabeleireiros unissex com a intenção de primeiro, questionar o
12
preço de um corte masculino e, em seguida, demandar o preço por um corte semelhante para a
companheira. Os resultados podem ser esquematicamente visualizados no quadro 4, abaixo:
Quadro 4 - Pesquisa de Liston-Heyes e Neokleus (2000)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
90 entrevistas presenciais com
clientes selecionados aleatoriamente
no Brent Cross Shopping, localizado
em Londres.
As entrevistas contemplaram clientes
de salões unissex, salões femininos e
barbearias.
Preço básico de um corte de
cabelo (independente do
tempo, habilidade e/ou esforço
envolvido).
Em média, o preço pago pelas
mulheres foi £10 mais caro
comparado aos homens.
150 entrevistas por telefone com
representantes de cabeleireiros
unissex, selecionados aleatoriamente
por meio das páginas amarelas.
1ª pergunta: preço de um corte
básico masculino
2ª pergunta: preço de um corte
de cabelo para a companheira
do homem, que tem um corte
de cabelo semelhante ao dele.
Em média, a diferença foi de
£4,95, que corresponde a um valor
43% mais alto para mulheres.
Fonte: Elaboração própria com base em Liston-Heyes e Neokleus (2000)
Os resultados mostraram que, em média, as clientes entrevistadas pagavam £10 a
mais do que os homens por um corte de cabelo, sendo a amostra composta por frequentadores
de salões unissex, salões femininos e barbearias. Já com relação aos profissionais de
cabeleireiros unissex entrevistados por telefone, o estudo explorou as diferenças de preço
cobradas por um corte de cabelo semelhante para homens e mulheres, o que resultou em uma
cobrança 43% mais alta para as mulheres.
Ainda, o estudo de Liston-Heyes e Neokleus (2000) questionou os estabelecimentos
unissex que cobraram preços mais elevados para o corte feminino, embora ele fosse
semelhante ao masculino.
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A resposta mais frequente foi que “as mulheres demoram mais tempo”, uma
desculpa que não faz muito sentido, visto que especificamos tanto o homem
quanto a mulher tinham cortes de cabelo semelhantes. As outras explicações
mais populares foram que “as mulheres são mais exigentes”, “as mulheres
são mais difíceis” e “as mulheres têm maiores expectativas” (LISTON-
HEYES; NEOKLEUS, 2000, p.115).
Já na Alemanha, o Federal Anti-Discrimination Agency (2017) realizou um estudo
nas cidades de Schwalbach am Taunus, Mainz, Rüsselsheim, Radebeu, Weinböhla e Dresden,
com 381 tipos de serviços voltados, especificamente, para homens ou mulheres, mas que
apresentavam características semelhantes. Dentre os setores analisados estavam salões de
beleza, serviços de lavanderia, tratamentos de cosmética facial e serviços de costura. O
resultado, considerando todos os segmentos analisados, revelou que 59% dos preços coletados
apresentavam diferenças, e dentre estes, 50% eram mais caros para serviços femininos e 9%
mais caros para o público masculino. Com relação aos salões de beleza, após a coleta de
preços em 205 estabelecimentos (sendo 116 estabelecimentos referentes ao corte curto e 89
estabelecimentos para o corte longo), o estudo indicou que, em média, o preço pago a mais
pelo corte de cabelo curto feminino foi de 12,50 €, o que equivale a 55% a mais para as
mulheres, enquanto o preço pago a mais pelo corte de cabelo longo feminino foi de 17,05 €, o
que equivale a 72% a mais para as mulheres. Além disso, destaca-se que o percentual de
salões de beleza que oferecia preços diferentes pelo mesmo serviço foi o maior dentre todos
os segmentos estudados: 89% dos estabelecimentos apresentaram preços diferentes para o
corte de cabelo curto e 87% dos estabelecimentos apresentou preços diferentes para o corte de
cabelo longo. No quadro 4, abaixo, essas informações foram sistematizadas:
Quadro 3 - Pesquisa do Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
Coleta de preços com 205
Corte de cabelo curto para
89% dos estabelecimentos pratica
14
estabelecimentos.
homem e mulher.
Corte de cabelo comprido para
homem e mulher.
preços diferentes para o corte de
cabelo curto em ambos os gêneros.
87% dos estabelecimentos pratica
preços diferentes para o corte de
cabelo longo.
As mulheres pagam, em média,
12,50 € a mais pelo serviço.
Fonte: Elaboração própria com base em do Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
No Brasil, Mariano (2018) elaborou uma pesquisa baseada em De Blasio e Menin
(2015), com o intuito de verificar a presença da taxa rosa em produtos e no serviço de corte de
cabelos. Os preços foram coletados entre outubro de 2016 a janeiro de 2017. Entretanto, as
informações a respeito de quantos estabelecimentos foram utilizados para a amostra, bem
como a localização, não estão disponíveis no documento apresentado pela pesquisa.
Quadro 4 - Pesquisa de Mariano (2018)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
Coleta e comparação de preços entre
produtos destinados a mulheres,
produtos destinados a homens e para
ambos os gêneros.
Corte de cabelo
Em média, o corte de cabelo
feminino ficou 27% mais caro.
Fonte: Elaboração própria com base em Mariano (2018).
3.2 LAVANDERIA
Nos Estados-Unidos, a pesquisa de Duesterhaus et al. (2011) realizou coleta de
preços no segmento de lavanderias e utilizou uma amostra com 100 estabelecimentos
selecionados aleatoriamente a partir de páginas amarelas e localizados na região sudeste do
país. A cada estabelecimento foi solicitado um orçamento para lavagem a seco dos seguintes
15
itens: terno masculino de duas peças, terno feminino de duas peças, blazer feminino, blazer
masculino, camisa feminina, camisa masculina, calça feminina e calça masculina.
O estudo comparou os preços coletados por meio de uma série de amostras
independentes. Ao final, não foram encontradas diferenças significativas para lavagem de
ternos, blazers e calças. No entanto, diferenças significativas foram encontradas para a
lavagem de camisas, as quais custavam, em média, cerca de 92% a mais para as mulheres.
Além disso, o estudo ressalta que essas diferenças entre cotações de preços foram impostas
pelas lavanderias antes que fosse questionado se as peças possuíam tecidos especiais ou
enfeites que justificassem tais orçamentos. No entanto, posteriormente o estudo menciona que
mais de 90% da amostra cobrava preços mais altos para tais especificidades, ou seja, as
lavanderias levaram em consideração a tendência de que as roupas femininas são mais
delicadas e, por isso, cobraram preços mais alto com base nessa suposição
Quadro 5 - Pesquisa de Duesterhaus et al. (2011)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
100 estabelecimentos contatados por
meio de telefonemas.
Preço para lavagem a seco das
seguintes peças: terno
masculino de duas peças, terno
feminino de duas peças, blazer
masculino, blazer feminino,
camisa masculina, camisa
feminina, calça masculina e
calça feminina.
Não foram encontradas diferenças
significativas para lavagem de
ternos, blazers e calças. No
entanto, o preço médio para a
lavagem de camisa masculina foi
de $2,06 e o preço médio de
camisa feminina foi de $3,95.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Duesterhaus et al. (2011)
Na Alemanha, o estudo conduzido pelo Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
nas cidades de Schwalbach am Taunus, Mainz, Rüsselsheim, Radebeu, Weinböhla e Dresden,
16
analisou preços de lavagem de roupas em 31 lavanderias, conforme apresentado no quadro 8,
abaixo:
Quadro 6 - Pesquisa do Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
Metodologia
Serviço demandado
Resultado
Coleta de preços com 31
estabelecimentos.
Lavagem a seco de blusas
femininas e camisas
masculinas.
Em média, a lavagem a seco de
blusas femininas é 1,80 € mais
cara, o que equivale a 92,6%.
1/3 dos estabelecimentos
apresentou diferentes taxas fixas
para camisas masculinas e
femininas.
Fonte: Elaboração própria com base em Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
Constatou-se que, em média, os preços eram 1,80 € mais caros, o equivalente a
92,6%, para blusas femininas em comparação com o preço de lavagem de camisas
masculinas. A pesquisa aponta que a explicação para essa diferença pode estar atrelada a
crença que existe sobre o cuidado com as blusas femininas, que deveriam ser passadas a mão,
enquanto as camisas masculinas poderiam ser passadas de forma automática. No entanto, essa
ideia é refutada pelos autores, que por meio de busca na internet, encontraram produtos que
permitiriam passar as blusas femininas de forma automática também.
4. ESTUDO EMPÍRICO NAS CINCO MAIORES REGIÕES METROPOLITANAS
DO BRASIL
4.1 SALÕES DE BELEZA
No Brasil, dentre os 60 salões de beleza unissex contatados, 10% apresentaram preços iguais
para o corte de cabelo masculino e feminino, nenhum apresentou preços menores para o corte
básico masculino, e 90% apresentaram preços maiores para o corte básico feminino. De
17
acordo com os preços coletados pela pesquisa, as mulheres pagaram, em média, R$41,28 a
mais do que os homens, o que equivale a uma cobrança de 64% a mais para o corte de cabelo
feminino. A partir dos preços coletados, relacionou-se as médias entre as diferenças de preços
encontradas para cada região metropolitana, como indicado na Figura 2, abaixo:
Figura 1 - Média de preços de corte de cabelo
Fonte: elaboração própria com base nos preços coletados (2022).
Os resultados indicam que a amostra de Porto Alegre apresentou maior discrepância
em comparação com as demais, além de ter obtido uma diferença de R$ 16,75 em relação à
São Paulo, região metropolitana com a menor média entre as diferenças de preço.
R$ 64.27
R$ 105.55
Homem Mulher
Média de preços de corte de cabelo
Gênero
18
Figura 2 - Média entre as diferenças de preço por Região Metropolitana
Fonte: elaboração própria com base nos preços coletados (2022).
A respeito da coleta de preços em lavanderias, não foram encontradas cobranças diferentes
para a peça masculina ou feminina de blazer e calça. As diferenças de preço encontradas
foram, em média, de 0,29% a mais para a lavagem de terno masculino e de 3,26% a mais para
a lavagem de camisa feminina. Em ambos os casos, não foi questionado pelos
estabelecimentos se as peças possuíam material diferente ou que demandasse algum tipo de
lavagem especial que justificasse uma cobrança diferente.
Quadro 7 - Preço médio cobrado para a lavagem de peça de roupa
Tipo de peça
Feminino
Masculino
Diferença de preço
Diferença percentual
Terno
R$ 45,39
R$ 45,52
R$ 0,13 mais caro para o
homem
0,29% mais caro para o
homem
Blazer
R$ 30,71
R$ 30,71
R$ 0
0%
Camisa
R$ 14,73
R$ 14,25
R$ 0,48 mais caro para a
mulher
3,26% mais caro para a
mulher
Blazer
R$ 30,71
R$ 30,71
R$ 0
0%
Calça
R$ 17,07
R$ 17,07
R$ 0
0%
R$33.08
R$39.42 R$40.00
R$44.08
R$49.83
SP DF RJ BH POA
Média entre as diferenças de preços
Região Metropolitana
19
Fonte: elaboração própria com base nos preços coletados (2022).
Com relação ao percentual de lavanderias que apresentaram discrepância de preços, tem-se
que 2,5% da amostra praticou cobrança de preços maiores para ternos masculinos, e 7,5%
praticaram preços maiores para camisas femininas.
5. COMPARAÇÃO ENTRE O ESTUDO EMPÍRICO E OS ESTUDOS ANTERIORES
5.1 SALÕES DE BELEZA
O resultado encontrado pelo presente estudo – preços 64% mais caros para o corte de
cabelo feminino – é compatível com outras pesquisas já realizadas no exterior, visto que
evidencia a prática de preços mais altos para mulheres. No entanto, a discrepância é superior
aos estudos realizados previamente, com exceção do resultado entrado pelo Federal Anti-
Discrimination Agency (2017) para corte de cabelo longo, que foi de 72% a mais para as
mulheres.
No estudo de Mariano (2018), realizado em território nacional, a diferença de preços
foi 27% maior para o corte de cabelo feminino, o que representa uma grande discrepância
frente a presente pesquisa. No entanto, considerando que as Regiões Metropolitanas
obtiveram resultados bastante distintos entre si, como ilustrado na Figura 3 (apresentada
acima), é plausível que as diferentes abrangências dos estudos justifiquem tais contrastes.
Os nossos resultados também estão em conformidade com as pesquisas de Liston-
Heys (2000), do Federal Anti-Discrimination Agency (2017), do Department of Consumer
Affairs (1992 apud De Blasio e Menin, 2015) e Duesterhaus et al. (2011), conforme
sistematizado no quadro 12, abaixo:
20
Quadro 8 – Síntese dos resultados dos estudos de Pink Tax em Salões de Beleza
Estudos
Resultados
Estudo empírico (2022)
64% mais caro para a mulher
Estudo de Duesterhaus (2011)
53,7% mais caro para a mulher
Estudo de Liston-Heyes (2000)
43% mais caro para a mulher
Estudo do Department of Consumer Affairs (1992)
25% mais caro para a mulher
Estudo do Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
Corte de cabelo curto: 55% mais caro para a mulher.
Corte de cabelo longo: 72% mais caro para a mulher.
Estudo de Mariano (2018)
27% mais caro para a mulher
Fonte: elaboração própria.
5.2 LAVANDERIAS
Os resultados encontrados estão, de certa forma, em conformidade com os estudos realizados
por Duesterhaus (2011) e pelo Federal Anti-Discrimination Agency (2017), visto que ambos
relataram preços superiores para a lavagem de camisas/blusas femininas. No entanto, nenhum
dos estudos apresentou preços maiores para ternos masculinos, como foi o caso da presente
pesquisa. Além disso, destaca-se uma grande diferença entre o resultado encontrado por nós
para o serviço de lavagem de camisas femininas, que constatou 3,26% de cobrança superior
para as mulheres, em comparação com Duesterhaus (2011) e o Federal Anti-Discrimination
Agency (2017), que apresentaram, respectivamente, 92% e 92,6% de diferença para o mesmo
serviço, conforme esquematizado no quadro 13, abaixo:
Quadro 13 – Comparativo entre Duesterhaus (2011), o Federal Anti-Discrimination Agency (2017) e o Estudo
Empírico por nós realizado
Estudos
Resultados
Estudo empírico (2022)
preços mais caros em 3,26% para camisas femininas
preços mais caros 0,29% para ternos masculinos
Estudo de Duesterhaus (2011)
preços mais caros em 92% para camisas femininas
Federal Anti-Discrimination Agency (2017)
preços mais caros em 92,6% para blusas femininas
Fonte: elaboração própria
21
Podemos aventar algumas hipóteses para tal disparidade, especialmente no que toca
especificidades econômicas e culturais entre o Brasil e os Estados Unidos (país onde foram
realizadas tanto a pesquisa de Duesterhaus (2011) quanto a da Federal Anti-Discrimination
Agency (2017)). Do ponto de vista econômico, é sabido que os Estados Unidos seguem como
maior potência e tendo um dos maiores PIB per capita do mundo. Já o Brasil, desde a
pandemia de covid 19 atravessa uma séria crise político-econômica tendo alcançado apenas a
87ª posição no ranking dos maiores PIBs per capita do mundo em 2022.Esses fatores ajudam
a explicar os menores salários que são pagos aqui, e a grande facilidade de se contratar
empregados/as domésticos/as que lavem e passem roupas em casa. Nesse sentido, como não
temos outros estudos brasileiros que sirvam como parâmetro de comparação, podemos inferir
que aqui não observamos o fenômeno da pink tax ocorrendo nas lavanderias porque a baixa
demanda que precisa ser diluída entre todos os estabelecimentos existentes não abre espaço na
economia local para repassar (mais) esse ônus para as consumidoras brasileiras. O argumento
da microeconomia tradicional de que as mulheres teriam uma predisposição de pagar mais
caro por produtos e serviços pode ser real em algumas classes sociais onde a diferença de
preços nos itens onde a pink tax é predominante, como no caso das lavanderias nos Estados
Unidos, tem pouco ou nenhum impacto sobre a sua renda. No entanto, esta não é a realidade
da maioria das mulheres no Brasil.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos estudos encontrados a respeito do tema da pink tax evidencia que a sua
existência já foi ou ainda pode ser verificada em diferentes lugares do mundo. Nos Estados
Unidos esse fenômeno já é estudado há vários anos. No Brasil, os estudos ainda são muito
22
recentes. Para combater as injustiças, é necessário, primeiramente tomar conhecimento delas,
iniciar o debate e promover uma maior conscientização do público afetado.
No que se refere à pink tax, o mercado age em duas instâncias: perpetuando o
estereótipo de gênero, de acordo com o qual as mulheres são mais predispostas a gastar que
os homens e se apropriando do mesmo em benefício próprio. Desse modo, ao mesmo tempo
que padrões de comportamento são impostos para as mulheres, novos produtos e serviços são
comercializados com o intuito de suprir uma demanda fomentada pelo próprio mercado.
Contudo, a prática de discriminação de preços em razão do gênero encontra, na economia
tradicional, uma série de justificativas, como a diferença nos custos envolvidos na realização
de determinados serviços, no tempo de execução e na predisposição a pagar entre os
consumidores.
Com relação à pesquisa empírica, é importante ressaltar que, por se tratar de um
estudo exploratório, os resultados encontrados não apresentam caráter conclusivo. No entanto,
a pesquisa apresenta resultados bastante interessantes e compatíveis com os estudos
internacionais, que apontam a existência da pink tax no setor de serviços de cortes de cabelo
no Brasil, visto que foi possível observar a presença da cobrança extra em diversos
estabelecimentos. No entanto, o mesmo não ocorreu com o caso da cobrança extra para peças
femininas em lavanderias, fato esse instiga a necessidade de novos estudos. Nessa direção,
seria ainda interessante que outros tipos de serviços pudessem ser investigados, tais como os
serviços de mecânica de automóveis, planos de saúde e o mercado de crédito, por exemplo.
Nesse contexto do que foi apresentado, o presente trabalho compreende ainda que,
constatada a maior vulnerabilidade das mulheres frente os homens (também) no mercado de
consumo, é necessário ampliar a discussão para além da discriminação de preços, uma vez
que até o presente momento a discussão da pink tax não tem considerado as desigualdades
23
estruturais existentes entre homens e mulheres na economia como um todo (e não apenas no
mercado de consumo).
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