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Redes de Inovação Farmacêutica: evidências do Brasil
Nathalia Guimarães Alves
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Resumo
A inovação farmacêutica encontra-se crescentemente amparada na formação de redes de colaboração
para acesso a fontes externas de conhecimento e ativos complementares. Neste artigo, analisaram-se
as redes de colaboração que amparam os processos de pesquisa, desenvolvimento, inovação e
produção farmacêutica por rotas químicas e biotecnológicas no Brasil. O estudo se baseia na análise
da rede conformada por 398 acordos de colaboração disponibilizados pela base Cortellis Deals
Intelligence da Clarivate Analytics. O estudo fornece uma primeira aproximação da conformação
sistêmica das atividades farmacêuticas do Complexo Econômico Industrial da Saúde no Brasil.
Identifica-se um viés no estabelecimento de vínculos com empresas e instituições internacionais ou
transnacionais em detrimento dos vínculos nacionais, sinalizando a fragilidade e os desafios, ainda,
enfrentados para a consolidação e o aumento da complexidade produtiva e tecnológica das atividades
farmacêuticas no país.
Palavras-chave: Redes, inovação farmacêutica, colaboração, Complexo Econômico Industrial da
Saúde, saúde, Brasil.
Abstract
Pharmaceutical innovation is increasingly supported by the formation of collaborative networks to
access external sources of knowledge and complementary assets. In this article, the collaboration
networks that support the research, development, innovation and pharmaceutical production
processes through chemical and biotechnological routes in Brazil were analyzed. The study is based
on the analysis of the network formed by 398 collaboration agreements made available by Clarivate
Analytics' Cortellis Deals Intelligence database. The study provides a first approximation of the
systemic conformation of the pharmaceutical activities of the Economic-Industrial Health Complex
in Brazil. A bias is identified in the establishment of links with international or transnational
companies and institutions to the detriment of national links, signaling the fragility and challenges
still faced for the consolidation and increase of the productive and technological complexity of
pharmaceutical activities in the country.
Keywords: Networks, pharmaceutical innovation, collaboration, Health Economic Industrial
Complex, health, Brazil.
Classificação JEL: L65, O30
Área AKB: Microeconomia, economia industrial e estrutura produtiva
1
Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora
de pós-doutorado na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP).
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP 2022/08616-0).
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1. Introdução
Nas últimas décadas, a organização industrial das atividades farmacêuticas foi marcada por
uma série de mudanças evolucionárias e dinâmicas auto-reforçadoras relacionadas à busca pela
redução de custos, aumento da rentabilidade dos projetos de P, D & I em novos fármacos e
medicamentos, redução da estrutura interna de P, D & I das grandes empresas e por uma tendência
crescente à terceirização de um amplo conjunto de serviços tecnológicos relacionados à fase de
descoberta, à realização de ensaios clínicos e às fases de produção de medicamentos em âmbito global
(BALCONI; LORENZI, 2017; MAZZUCATO, 2014; MALERBA; ORSENIGO, 2015).
Apesar do considerável aumento nos gastos globais com P, D & I em compostos
farmacêuticos, que passaram de USD$ 108 bilhões de dólares em 2006 para USD$ 141 bilhões de
dólares em 2015, o número de novas entidades moleculares (NME) lançadas no mercado nos últimos
anos é relativamente limitado (SCHUHMACHER et al, 2016). A probabilidade de sucesso técnico e
regulatório de um novo medicamento é de em média de 4,1% e o processo de desenvolvimento e
colocação final de uma nova droga no mercado requer em média um período de 14 anos
(SCHUHMACHER et al, 2016. BALCONI; LORENZI, 2017).
O baixo desempenho no lançamento de novos fármacos e medicamentos frente à elevação dos
custos em P, D & I coloca em risco a sustentabilidade do atual modelo de P, D & I farmacêutico e
induz as empresas a buscarem estratégias alternativas, como: opções de crescimento por meio de
fusões e aquisições; expansão de investimentos de capital de risco; restruturação de laboratórios e
instalações corporativas de P, D & I em unidades de biotecnologia menores e mais facilmente
gerenciáveis; colaborações, parcerias de pesquisa e terceirização de atividades para ampliar as áreas
de competência e acessar candidatos a medicamentos em todas as fases do processo de P, D & I
(SCHUHMACHER et al, 2016. BALCONI; LORENZI, 2017; MALERBA; ORSENIGO, 2015). As
alianças envolvendo grandes empresas farmacêuticas, empresas de biotecnologia e, especialmente,
instituições acadêmicas e laboratórios públicos permitem que as firmas se beneficiem de incrementos
de flexibilidade e acessem peças de conhecimento científico-tecnológico financiadas e fomentadas
com recursos públicos (MAZZUCATO. ROY, 2018).
As atividades farmacêuticas se configuram em torno de um número crescente de empresas de
biotecnologia muito especializadas, com capacidades internas limitadas, que dependem
constantemente do financiamento provido por fontes públicas e por grandes empresas
biofarmacêuticas globais e dos serviços especializados de Organizações de Pesquisa Contratadas
(CROs) e Organizações de Fabricação Contratada (CMOs). A presença de empresas portadoras de
capacidades muito especializadas tende a facilitar as condições de entrada e a heterogeneidade da
estrutura industrial (BALCONI. LORENZI, 2017). A cadeia de P, D & I apresenta uma tendência
crescente de especialização tecnológica e desintegração vertical, já que é progressivamente mais
3
vantajoso terceirizar tarefas tecnológicas específicas para parceiros intensivos em conhecimento
altamente especializado. Concomitantemente, o crescimento de operações de fusões e aquisições de
grandes corporações farmacêuticas que se beneficiam de economias de escala e escopo e que são
capazes de atender aos crescentes requisitos de capital necessários para o financiamento dos projetos
de P, D & I de novas drogas indica uma tendência contraditória no sentido de uma maior concentração
industrial (BALCONI. LORENZI, 2017; SCHUHMACHER et al., 2016; MALERBA. ORSENIGO,
2015).
Observa-se o surgimento de uma nova forma organizacional nas atividades farmacêuticas,
pautado pela emergência de uma densa rede de colaborações e alianças estratégicas entre agentes
heterogêneos, resultando na transferência virtual do locus de inovação da firma individual para a rede
de colaborações através de um processo de divisão do trabalho inovador (ARORA.
GAMBARDELLA, 1995; GRAVAGLIA et al., 2006; ORSENIGO et al., 2001; MALERBA.
ORSENIGO, 2015).
2. A caracterização das redes de inovação farmacêutica
Em atividades nas quais o progresso científico-tecnológico é acelerado e o conhecimento
encontra-se dispersamente distribuído, as firmas individuais dificilmente dispõem de todas as
competências necessárias para um posicionamento à frente na fronteira nas múltiplas áreas de
conhecimento cujas peças precisam ser integradas para geração de inovações (ORSENIGO et al.,
2001). No caso da farmacêutica, além da elevada multidisciplinariedade e mutabilidade
características da base de conhecimento, as elevadas exigências de ativos complementares e recursos
financeiros para a condução de processos de P, D & I altamente incertos e onerosos, favorecem o
surgimento de vínculos próximos entre empresas de biotecnologia, universidades, laboratórios
públicos e grandes empresas farmacêuticas estabelecidas em colaborações que são mutuamente
benéficas para as partes envolvidas e que resultam em processos de aprendizado cumulativos e
coletivos derivados do ato de interagir – learning by interacting – (POWELL. GRODAL, 2005;
MALERBA, 1992). As colaborações assumem múltiplas formas, como consórcios de pesquisa,
formação de joint ventures, alianças estratégicas e relações de subcontratação. Mesmo quando as
alianças se tornam estáveis por longos períodos, não necessariamente resultam em processos de
integração vertical, originando a formação de redes complexas de empresas e instituições bastante
heterogêneas (POWELL. GRODAL, 2005).
Arora e Gambardella (1995) propõem um esquema baseado em interações sistemáticas para a
geração, difusão e uso de conhecimentos, tecnologias para desenvolvimento e comercialização de
novos produtos farmacêuticos, envolvendo universidades, empresas de biotecnologia e grandes
empresas farmacêuticas. Dentro da rede de colaborações observam-se diferentes estratégias de acesso
4
a ativos tangíveis e intangíveis necessários para a geração de inovação. Destacam-se quatro padrões
de comportamento – mutuamente complementares e não excludentes – disponíveis para as grandes
empresas farmacêuticas: (i) acordos de pesquisa e desenvolvimento com empresas de biotecnologia;
(ii) Acordos de pesquisa conjunta com universidades; (iii) Aquisição de ações de empresas de
biotecnologia para monitoramento e acesso prioritário a novas tecnologias; (iv) Fusões e aquisições
2
de empresas de biotecnologia, internalizando as atividades de P, D & I via integração vertical
(ARORA. GAMBARDELLA, 1995). A decisão entre as estratégias alternativas de interação estaria
supostamente relacionada a um trade off entre os custos de transação envolvidos em cada alternativa
e a capacidade de absorção requerida para selecionar, transferir, absorver, processar e utilizar a
informação tecnológica. O conhecimento específico envolvido na transação é determinante para o
efetivo aproveitamento das conexões com fontes externas (ARORA. GAMBARDELLA, 1995;
ARAGÃO, 2011; TEECE, 2010).
Identifica-se uma polarização na literatura sobre a evolução estrutural das atividades
farmacêuticas no mundo. Por um lado, alguns autores apontam para a sustentação no longo prazo dos
padrões de divisão e especialização do trabalho inovador como uma dinâmica sustentável através da
perpetuação das redes de colaboração em um regime de inovação baseado em ciência (MCKELVEY.
ORSENIGO, 2001; ARAGÃO, 2011; BIANCHI, 2013). Por outro lado, a intensificação dos
processos de fusões e aquisições em todos os níveis estruturais, promove níveis crescentes de
concentração, integração e globalização das atividades farmacêuticas (SAVIOTTI et al., 2005;
SAVIOTTI. CATHERINE, 2008; SCHWEIZER. KNYPHAUSEN-AUFSESS, 2008). Os padrões de
especialização e divisão do trabalho inovador coevoluam no tempo e é difícil especificar qualquer
tendência clara de longo prazo no sentido da internalização e integração vertical do conjunto de
atividades envolvidas nos processos de P, D & I farmacêutica (ARORA. GAMBARELLA, 1995;
ARAGÃO, 2011).
Em termos gerais, organizações com redes sociais mais amplas e heterogêneas são expostas a
mais experiência, a competências diversificadas e à um número maior de oportunidades. A
heterogeneidade do portfólio de parceiros colaboradores proporciona vantagens relacionadas à
difusão de informação, status, compartilhamento de recursos, acesso à ativos especializados e
aprendizado, garantindo acesso a bases mais amplas de conhecimento (POWELL. GRODAL, 2005).
A intensidade interna de P, D & I e a sofisticação tecnológica estão positivamente correlacionados
2
Schweizer e Knyphausen-Aufsess (2008) destacam que o fato das operações de fusão e aquisição serem consideradas
um tipo de colaboração entre firmas, evidencia as peculiaridades envolvidas na estrutura de redes sociais de inovação em
atividades farmacêuticas. Ao longo dos anos 2000, observou-se uma intensificação da frequência de aquisição (parcial ou
total) de empresas dedicadas à biotecnologia por grandes empresas farmacêuticas (ARAGÃO, 2011; ARORA.
GAMBARDELLA,1995).
5
com o número e com a intensidade das alianças estratégicas estabelecidas por uma empresa
(POWELL. GRODAL, 2005). Fluxos de informação só são de fato estabelecidos quando existem
canais de comunicação através dos quais a mensagem pode ser transmitida e códigos comuns capazes
de traduzir o conteúdo a ser transmitido (LUNDVALL, 1988).
As firmas que acessam fontes externas de conhecimento não devem ser consideradas
receptoras passivas de conhecimentos e tecnologia. A transação de conhecimento tecnológico requer
um volume expressivo de conhecimento prévio e capacidades tecnológicas. Para que os
transbordamentos de conhecimentos sejam efetivos é necessário que as firmas acumulem
capacitações internas em P, D & I (ARORA. GAMBARDELLA, 1995; POWELL. GRODAL, 2005;
COHEN. LEVINTHAL, 1989; TEECE, 2010).
As atividades farmacêuticas baseadas em rotas químicas e biotecnológicas no brasil se
inserem no contexto amplo do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) na forma de um
subsistema específico povoado por diferentes conjuntos de empresas e instituições interconectadas,
destacando-se neste trabalho os seguintes componentes: i) empresas de biotecnologia e biociências
operando em nichos específicos da cadeia de P,D&I e produção de fármacos, medicamentos e
imunobiológicos; ii) laboratórios públicos de pesquisa e produção de fármacos e imunobiológicos,
(iii) empresas farmacêuticas transnacionais instaladas no país, (iv) empresas farmacêuticas brasileiras
e joint ventures farmacêuticas criadas para explorar oportunidades no campo de medicamentos
biológicos; e (v) universidades e centros de pesquisa que não compõem a base produtiva do
subsistema de atividades farmacêuticas do CEIS mas desempenham papel crítico na geração,
apropriação, uso e difusão de conhecimentos sensíveis para as atividades farmacêuticas tendo em
vista seu caráter fortemente baseado em ciência (ALVES, 2022).
A evolução da rede de colaboração em atividades farmacêuticas apresenta um
desenvolvimento incipiente no período 1970-2000, marcado pela articulação de empresas privadas –
em sua maioria as empresas transnacionais instaladas no Brasil desde a década de 1950 – e, em grau
bastante limitado, a atuação do Estado brasileiro através do Ministério da Saúde, da Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e do Instituto Butantan. Apenas a partir da implementação no Brasil da
lei dos genéricos (Lei Nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999), pode-se observar de fato a emergência
e a consolidação no país de uma rede de colaborações estruturadas no país em concomitância com o
processo de fortalecimento das empresas farmacêuticas nacionais. A década de 2010 – marcada pela
atuação estruturante das políticas de PDPs e pela consolidação das capacitações nacionais em
atividades farmacêuticas por rota química que viabilizaram os esforços para incorporação da rota
biotecnológica – foi acompanhada por uma estruturação mais densa e mais complexa da rede de
colaboração no país (ALVES, 2022)
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3. Objetivos, hipóteses e questões norteadoras
O artigo analisa a conformação estrutural das redes de colaboração entre empresas e
instituições que amparam os processos de pesquisa, desenvolvimento, inovação e produção de
fármacos, medicamentos e imunobiológicos produzidos por rotas químicas e biotecnológicas no
Brasil. O objetivo do estudo é responder às questões norteadoras da pesquisa: Como as empresas e
laboratórios inseridos em atividades farmacêuticas por rotas químicas e biotecnológicas no Brasil
interagem em nível nacional e em nível global? Existem diferenças nos padrões de interação nacional
e internacional? O estudo busca avaliar a validade de três hipóteses principais:
Hipotese 1: baixa frequência de interação envolvendo empresas e instituições de ciência e tecnologia
brasileiras;
Hipótese 2: frequência elevada de interações envolvendo produtores estrangeiros e empresas
transnacionais instaladas no Brasil;
Hipótese 3: padrões diferentes de interação entre empresas e instituições brasileiras em nível nacional
e internacional para a realização de etapas específicas que compõem as atividades de PD&I e
produção farmacêutica.
O artigo fornece uma primeira aproximação da configuração estrutural da rede de
colaborações que ampara a P, D & I farmacêutica no Brasil, permitindo a identificação de padrões de
interação em âmbito nacional e internacional. O estudo também identifica a posição de centralidade
de empresas e instituições que são, potencialmente, mais propensas a adensar o tecido industrial e as
interfaces com a estrutura de ciência e tecnologia que amparam a P, D & I farmacêutica no Brasil.
O estudo encontra-se estruturado em oito seções principais. Nas duas primeiras seções são
apresentas uma introdução teórica e uma caracterização das redes de inovação farmacêutica. Na
terceira seção são apresentados os objetivos, as hipóteses e as questões norteadoras da pesquisa. Na
quarta seção é apresentada a metodologia utilizada no estudo. Nas seções subsequentes são
apresentados os resultados da pesquisa, como: as características gerais dos acordos de colaboração; a
conformação das redes nacionais e a conformação de redes de colaboração com empresas e
instituições estrangeiras. Na oitava seção são apresentadas as considerações finais do artigo, seguidas
das referências bibliográficas.
4. Metodologia
As análises apresentadas neste artigo foram realizadas a partir da utilização de dados
referentes a acordos de colaboração em ciências da vida publicizados pela base Cortellis Deals
Intelligence da Clarivate Analytics. A base de dados disponibiliza informações sobre 99.923 acordos
de colaboração estabelecidos por 1426 empresas e instituições dedicadas às ciências da vida em todo
o mundo. A base possuí atualização contínua. Os dados foram coletados e atualizados em 11 de
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novembro de 2019, 15 de outubro de 2020 e 13 de julho de 2021. A triagem dos dados seguiu dois
critérios: (i) empresa principal localizada no Brasil (principal company HQ = BR); (ii) empresa
parceira localizada no Brasil (partner company HQ = BR).
Optou-se pela análise individual das 398 observações identificadas, tendo em vista
incompletudes da base de dados. Optou-se pela variável “Tipo de Acordo” como mote principal de
análise dos dados. Os 16 tipos de acordos disponíveis na base de dados foram catalogados em quatro
categorias apresentadas no Quadro 1.
Quadro 1 Classificação por tipo de acordo de colaboração
Classificação Geral - Tipo de acordo
Tipo de acordo
Joint Ventures
Empresas - Joint Venture
Fusões e aquisições no todo ou em parte e
desinvestimento de Ativos
Empresas - F&A (no todo ou em parte)
Drogas e medicamentos - Desinvestimento de Ativos
Tecnologia - Desinvestimento de Ativos
Licenças de comercialização, fornecimento e
desenvolvimento
Drogas e medicamentos - Licença de Comercialização
Drogas e medicamentos - Serviços de Desenvolvimento
Drogas e medicamentos - Licença de Desenvolvimento / Comercialização
Drogas e medicamentos – Financiamento
Drogas e medicamentos - Fabricação / Fornecimento
Estágios iniciais das cadeias de P, D & I
Drogas e medicamentos - Descoberta / Design
Drogas e medicamentos - Pesquisa / Desenvolvimento Inicial
Drogas e medicamentos – Seleção (Screening)/Avaliação
Patentes - Direitos Exclusivos
Patentes - Acordo de Litígio
Tecnologia – Entrega (Delivery)/Formulação
Tecnologia - Outra Proprietária
Fonte: Elaboração própria
A metodologia se ampara em uma análise de redes sociais – Teoria dos Grafos –. A opção
metodológica se justifica pela compatibilidade do arcabouço analítico-conceitual da inovação
farmacêutica, em uma abordagem neo-schumpeteriana, considerando a importância dos
relacionamentos estruturados para acesso a fontes externas de conhecimento e ativos complementares
para o sucesso dos esforços de inovação no âmbito das firmas.
Um grafo é uma representação gráfica diagramática abstrata de uma estrutura interconectada
composta por um conjunto de elementos chamados nós (vértices) que são interligados em pares por
um ou mais tipos de interdependência (arestas, links ou conexões). O contexto social pode ser
expresso em termos de padrões ou regularidades identificados nos relacionamentos entre os nós que
compõem um determinado sistema (WASSERMAN. FAUST, 1994). Optou-se, neste estudo, pela
conformação de redes construídas sobre nós que representam as empresas, laboratórios e instituições
envolvidas em colaborações para acesso a fontes externas de conhecimento e a ativos complementares
que amparam as diversas atividades que compõem as cadeias de P, D & I farmacêutica no Brasil.
O estudo da estrutura de uma rede supõe uma abordagem de conceitos e processos relacionais,
que pressupõem a importância dos relacionamentos e interdependências estabelecidas entre unidades
autônomas como canais para a transferência ou fluxo de recursos tangíveis e intangíveis. A estrutura
8
da rede é composta pelos padrões estáveis de relacionamento entre os nós que a compõem. As
variáveis que buscam mensurar esses padrões são denominadas varáveis estruturais (WASSERMAN.
FAUST, 1994).
A unidade de análise de grafos é o conjunto de nós e suas interdependências. O estudo dos
grafos não está orientado à análise de uma empresa ou componente de forma individual, embora seja
consistente com o estudo de ações individuais em contextos caracterizados por relacionamentos
estruturados
3
. Busca-se compreender as propriedades “estruturais” do ambiente social, econômico e
político; e suas influências sobre as características e associações das unidades componentes das redes.
Dada uma amostra de nós ou agentes, a análise de redes permite analisar indicadores estatísticos
calculados a partir dos atores e suas conexões dentro da amostra, bem como estudar processos de
mudanças de padrões no tempo (WASSERMAN. FAUST, 1994; KOSORUKOFF. PASSMORE,
2011)
As relações entre os pares de agentes podem ser orientadas por alguma relação de causalidade
ou direção pré-definida, – grafos direcionados – ou podem ser relações não-orientadas – grafos não
direcionados – (KOSORUKOFF; PASSMORE, 2011). As redes direcionadas foram conformadas no
sentido dos fluxos de tecnologias e conhecimentos desde o nó que representa a fonte (source) para o
nó alvo (target). Por exemplo, se uma grande empresa farmacêutica adquire uma empresa de
biotecnologia para acessar suas competências e capacitações tecnológicas, fluxo de conhecimentos
tecnológicos e ativos parte da fonte da tecnologia que é a empresa de biotecnologia (source) em
direção à empresa adquirente que é o alvo do fluxo tecnológico (target)
4
. Acordos de colaboração
que poderiam ser considerados bidirecionados foram incluídos como relacionamentos não-
direcionados pela dificuldade da triagem dessas operações.
Em sua definição mais simplificada, a centralidade de um nó em uma rede pode ser definida
em termos da capacidade de estabelecer vínculos com os demais nós da rede. Define-se CD(ni) como
um indicador de centralidade individual em termos do grau de conexão do nó (d(ni)). Um ator com
grau elevado está em contato direto com muitos nós adjacentes e, portanto, tende a ser reconhecido
pelos demais atores como um ponto focal de informação relacional que ocupa localização central na
rede (WASSERMAN. FAUST, 1994).
𝐶𝐷(𝑛𝑖)= 𝑑(𝑛𝑖)= 𝑥𝑖+ = ∑ 𝑥𝑖𝑗
𝑗= ∑ 𝑥𝑗𝑖
𝑗
3
Um uso comum da teoria é o emprego de indicadores estatísticos da rede como variáveis mensuráveis em nível individual
como fatores explicativos dentro de contextos de interdependência. Variáveis de composição da rede são aquelas
orientadas à mensurar os atributos de agentes individuais (WASSERMAN. FAUST, 1994).
4
Ou seja, se uma empresa A adquire uma empresa B, incorporando suas capacitações, o direcionamento do vínculo se
estabelece da fonte dos ativos da empresa adquirida B em direção a empresa adquirente A. Nos relacionamentos que
envolvem a participação direta de fontes de fomento, a mesma lógica é estabelecida da origem para a aplicação dos
recursos.
9
Uma limitação da utilização do grau como medida de centralidade é sua dependência do
tamanho do grupo de atores (g), onde o maior número de contrapartes é (g-1). Propõe-se, portanto, a
padronização do índice pela proporção de nós que são adjacentes a ni, tal que C´D (ni) é independente
de g e pode ser comparado a outras redes (WASSERMAN. FAUST, 1994).
𝐶´𝐷(𝑛𝑖)=𝑑(𝑛𝑖)
𝑔 − 1
A interação entre um par de nós adjacentes pode, ainda, depender dos demais nós da rede,
especialmente dos nós localizados ao longo do caminho percorrido entre o par de nós. A distância
geodésica é definida como a menor distância que une dois pontos na rede. Os nós localizados ao
longo do caminho definido pela distância geodésica podem exercer algum tipo de controle ou
influência relacional dos nós adjacentes extremos. Portanto, os nós intermediários – com maior grau
de intermediação entre pares de nós adjacentes – são capazes de exercer um maior controle ou
influência sobre os caminhos da rede. A centralidade, neste caso, é mensurada em termos de
influência relacional ou capacidade de intermediação, tal que nós centrais estão entre a distância
geodésica de múltiplos pares de nós que compõem a estrutura do grafo (WASSERMAN. FAUST,
1994).
Uma propriedade comum em estruturas de rede é a formação de cliques que representam
grupos de nós muito relacionados entre si. O coeficiente de aglomeração (clustering) mensura a
tendência à formação de aglomerados devido à transitividade das relações estabelecidas na rede. Seja
um nó i qualquer conectado a ni outros nós através de ni arestas, então se os nós adjacentes próximos
do nó original i formassem uma aglomeração haveria um total de ni(ni-1)/2 arestas entre estes nós. O
coeficiente de aglomeração individual pode ser calculado através da razão entre o número total de
vínculos efetivamente estabelecidos por cada nó (Ei) pelo total de arestas associadas à ocorrência de
aglomeração ni(ni-1)/2 (ALBERT AND BARABÁSI, 2002; BORGATTI ET AL., 2013).
𝐶𝑖=2𝐸𝑖
𝑛𝑖(𝑛𝑖−1)
As redes podem apresentar um padrão de conformação pela concatenação de ligações
aleatórias, mas tendem a ser organizadas em torno de agentes específicos ou intermediários-chave
que ligam outros nós bem menos conectados à rede, atuando como pontes de interligação na estrutura
de rede. As redes tendem, portanto, a serem organizadas em torno de ”hubs” ou “conectores chave”
constituídos por nós com um número anormalmente grande de interligações. Neste sentido, a maioria
dos atores constituintes das redes possuem vinculações limitadas e se comunicam ou trocam recursos
e conhecimentos por meio de um número limitado de ”hubs” ou “conectores chave” altamente
conectados (SCOTT, 2011).
Os hubs reduzem a cadeia de comando – promovendo a redução do comprimento médio do
caminho – entre quaisquer dois nós na rede. Essencialmente, esses conectores chave coordenam as
10
atividades em rede na ausência de uma hierarquia de controle central. Nesse sentido, a eliminação
dos hubs causa grandes interrupções nos fluxos de ativos e conhecimentos na estrutura de rede social,
mesmo quando esses hubs não são líderes institucionalmente reconhecidos (SCOTT, 2011).
Os indicadores de hierarquia e prestígio dos hubs podem ser dicotomizado em duas partes
principais: uma parte resultante da quantidade de prestígio que um ator recebe na estrutura em rede –
prestígio derivado – e uma segunda parte resultando do prestígio recebido de volta para um conector
chave, através do fluxo de ativos e conhecimentos enviados ao um outro conector chave na mesma
estrutura de rede social – prestígio refletido –. Identificam-se, desta forma, os nós que representam
elos adjacentes a muitos atores periféricos (hubs) e as pontes que atuam como conectores entre um
número limitado de atores centrais ou de prestígio (WASSERMAN. FAUST, 1994). O uso do termo
ponte constitui, neste sentido, um sinônimo para um atalho ou corte de linha teórico no grafo cuja
atuação em rede se reflete nos indicadores de prestígio e autoridade. Os hubs possuem grandes índices
de prestígio refletido, enquanto as pontes apresentam elevados índices de prestígio derivado
(WASSERMAN. FAUST, 1994).
5. Características gerais dos acordos de colaboração
Os 398 acordos nacionais e internacionais identificados encontram-se sistematizados na
Tabela 1, conforme a classificação em 16 categorias de relacionamento fornecidas pela base de dados
Cortellis Deals Intelligence.
Os estágios iniciais dos processos de pesquisa e desenvolvimento de novas moléculas e
medicamentos, bastante intensivos em processos de aprendizado e inovação tecnológica,
correspondem a 16% da amostra total (64 operações). Estas interações envolvem atividades iniciais
de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos (52), descoberta e desenho de novas moléculas e
suas aplicações (6), busca – screening – e avaliação de novas drogas e medicamentos (1), além da
entrega e formulação de novas tecnologias (5). Apesar do volume limitado de operações, as
colaborações contidas nesta amostra amparam o núcleo dinâmico da inovação farmacêutica no Brasil.
As interações mais frequentes da amostra envolveram acordos de fabricação e fornecimento
de drogas e medicamentos (19%) e licenças de comercialização
5
(13%). Essas formas de interação
ocorrem em estágios mais avançados das cadeias de P, D & I e produção farmacêutica e em estágios
que tendem a ser menos intensivos em inovações disruptivas. Contudo, os acordos que envolvem
licenças de desenvolvimento e comercialização, inclusive licenças de desenvolvimento de serviços
tecnológicos, também ocorrem com frequência relevante (51), constituindo aproximadamente 13%
da amostra.
5
Sem vinculação direta com etapas de desenvolvimento.
11
Por um lado, as licenças de comercialização, desenvolvimento e produção incorporam
acordos associados a encomendas tecnológicas, a processos de transferência de tecnologia e à
estratégia de nacionalização da produção de fármacos e imunobiológicos. Esses acordos constituem
uma importante alternativa de difusão tecnológica e de construção nacional de capacitações
produtivas e inovativas. No Brasil, esses acordos estiveram principalmente relacionados aos nichos
de medicamentos genéricos, biossimilares e imunobiológicos.
Por outro lado, as licenças também comportam acordos de distribuição e comercialização
local de drogas e medicamentos com baixa ou nenhuma intensidade em termos de esforços
tecnológicos realizados no país. Estes acordos representam uma alternativa de acesso ao mercado
brasileiro por empresas transnacionais e uma fonte não desprezível de receita às empresas brasileiras
envolvidas nos acordos.
De forma geral, o conhecimento tácito envolvido nas etapas de produção constitui fonte
relevante de inovações incrementais de produto e processo. As etapas de marketing e distribuição
também podem envolver algum grau de inovação organizacional, além da retroalimentação de
informações provenientes da interação com fornecedores e clientes.
Observam-se, ainda, 73 acordos (18% da amostra) relacionados aos diversos tipos de
operações patrimoniais relacionados às estratégias das empresas em termos de formação de
consórcios, fusões e aquisições (F&A) e desinvestimento de ativos. Essas operações patrimoniais
estão diretamente associadas às estratégias empresariais de P, D & I, produção e distribuição em
atividades farmacêuticas. A Tabela 1 incorpora a distribuição amostral por tipos de acordos e as
dimensões nacionais e internacionais desses acordos.
Tabela 1 – Colaborações nacionais e internacionais por tipos de acordo
Tipo de Acordo
Total
Colaborações
nacionais
Colaborações
internacionais
N
%
N.
%
BR/Total
N.
%
EX/Total
Empresas - Joint Venture
19
5%
11
17%
58%
8
2%
42%
Empresas - F&A (no todo ou em parte)
48
12%
11
17%
23%
37
11%
77%
Drogas e medicamentos - Desinvestimento de Ativos
5
1%
2
3%
40%
3
1%
60%
Drogas e medicamentos - Licença de Comercialização
53
13%
0
0%
0%
53
16%
100%
Drogas e medicamentos - Serviços de Desenvolvimento
6
2%
0
0%
0%
6
2%
100%
Drogas e medicamentos - Licença de Desenvolvimento /
Comercialização
45
11%
6
10%
13%
39
12%
87%
Drogas e medicamentos - Descoberta / Design
6
2%
2
3%
33%
4
1%
67%
Drogas e medicamentos - Pesquisa / Desenvolvimento Inicial
52
13%
14
22%
27%
38
11%
73%
Drogas e medicamentos – Financiamento
14
4%
4
6%
29%
10
3%
71%
Drogas e medicamentos - Fabricação / Fornecimento
77
19%
8
13%
10%
69
21%
90%
Drogas e medicamentos – Seleção (Screening)/Avaliação
1
0%
0
0%
0%
1
0%
100%
Patentes - Direitos Exclusivos
3
1%
2
3%
67%
1
0%
33%
Patentes - Acordo de Litígio
1
0%
0
0%
0%
1
0%
100%
Tecnologia - Desinvestimento de Ativos
1
0%
0
0%
0%
1
0%
100%
Tecnologia – Entrega (Delivery)/Formulação
5
1%
0
0%
0%
5
2%
100%
Tecnologia - Outra Proprietária
62
16%
3
5%
5%
59
18%
95%
Total
398
100%
63
100%
16%
335
100%
84%
Fonte: elaboração própria a partir de dados extraídos da base Cortellis Deals Intelligence (2021)
12
6. Redes nacionais de colaboração em atividades farmacêuticas
Nesta seção são apresentados os resultados envolvendo a análise dos 63 acordos da amostra
total de 398 interações identificadas na base de dados que envolvem empresas e instituições
brasileiras atuando como “empresa principal” e “empresa parceira” na base de dados Cortellis Deals
Intelligence (2021).
A primeira observação que deve ser feita é que a amostra de relacionamentos nacionais dentro
do subsistema de atividades farmacêuticas do Complexo Econômico Industrial da Saúde no Brasil
corresponde apenas 15,8% do total de acordos identificados. Em primeiro lugar, esse indicador
representa uma possibilidade – que não seve ser descartada – de subidentificação dos dados em função
de algum viés de seleção na coleta dos dados da Cortellis Deals Intelligence (2021) pela empresa
internacional Clarivate Analytics. Em segundo lugar, o indicador corrobora a hipótese de viés para
fora ou de estrangeirização das relações estabelecidas pelas empresas e laboratórios brasileiros que
atuam em atividades farmacêuticas por rotas química e biotecnológica no Brasil.
Neste sentido, os dados coletados reforçam a hipótese de incompletude e baixo adensamento
das redes de inovação em âmbito nacional, comprometendo o desempenho inovador e a inserção
competitiva das empresas e laboratórios brasileiros e, principalmente, dificultando as condições de
retenção das capacitações científico-tecnológicas no Brasil frente à concorrência internacional e aos
processos de acirramento das operações de fusões e aquisições em âmbito global.
Os dados ganham eloquência quando analisados considerando-se os tipos de acordos
estabelecidos estritamente nos limites do contexto brasileiro. Fica, neste caso, evidente a relevância
das operações relacionadas à formação de joint ventures e operações de Fusões e Aquisições (F&A),
como forma de reorganização estrutural e estratégia de inovação das empresas brasileiras.
No primeiro caso, as operações de joint ventures representaram um esforço conjuntural no
âmbito da política de PDPs das empresas farmacêuticas brasileiras em busca por inserção e por
ampliação de sua participação no segmento de medicamentos biossimilares. Nas operações de F&A
é possível observar as estratégias de reconfiguração das capacitações dinâmicas de algumas firmas
no sentido de integrar ou desintegrar atividades características em determinados nichos de atividade.
Um exemplo é o caso da integração vertical da Aché através da aquisição da Melcon, da Nortis
Farmacêutica e da Tiaraju Farmacêutica na busca por ampliar sua participação nos nichos de
medicamentos hormonais, antibióticos e fitoterápicos, respectivamente. Outros exemplos são: a
integração vertical do segmento de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) pela Blanver, através da
incorporação da CYG Biotec; e a integração da Hypermarcas através da aquisição da Mantecorp e da
Neo Química, especializadas nos nichos de produtos dermatológicos, suplementos e medicamentos
genéricos.
13
Outra dimensão importante da análise dos acordos estabelecidos em âmbito nacional concerne
a importância relativa das etapas de pesquisa e desenvolvimento inicial (22% do total da amostra
doméstica) que indica a importância desses relacionamentos para a viabilização de inovações em
âmbito nacional no segmento de fármacos, medicamentos e imunobiológicos. Este indicador é
corroborado quando consideramos os indicadores que comparam percentualmente a amostra nacional
com relação a amostra total de acordos, consolidadas na Tabela 1.
Os acordos envolvendo direitos exclusivos de patentes (67% da amostra total), atividades de
descoberta e desenho de novas drogas e medicamentos (33% da amostra total), financiamento de
atividades de P, D & I de novos medicamentos (29% da amostra total) e atividades de pesquisa e
desenvolvimento inicial de novas drogas e medicamentos (27% da amostra total) indicam a relevância
relativa dos acordos nacionais nas atividades mais intensivas em aprendizado, acúmulo de
capacitações e inovações em âmbito nacional.
Por outro lado, as licenças de comercialização quando verificadas em âmbito doméstico
envolveram necessariamente algum tipo de atividade de desenvolvimento local. Neste sentido, os
dados tendem a corroborar a hipótese de necessidade de adensamento das redes de inovação nacionais
para o fortalecimento dos estágios iniciais de pesquisa e desenvolvimento e de atividades intensivas
em conhecimento pelo subsistema de atividades farmacêuticas por rotas química e biotecnológicas
do CEIS no Brasil.
Não é possível identificar um padrão estável de evolução dos acordos nacionais no tempo. Há
um forte aumento das operações no ano de 2012 em decorrência do elevado número de operações de
formação das joint ventures Orygen e Bionovis, como parte de uma estratégia conjuntural das
empresas farmacêuticas brasileiras na busca por inserção no segmento de medicamentos
biossimilares, em resposta aos estímulos de políticas públicas implementados através das PDPs. Esse
mesmo estímulo das PDPs ajuda a explicar a elevação média no volume de operações a partir de
2010. Em 2016, há uma intensificação das operações de F&A e da reconfiguração das capacitações
dinâmicas das empresas brasileiras. O ano de 2020 é marcado pela emergência da pandemia de covid-
19 e por um grau de diversificação mais elevado da pauta de acordos para este ano específico, em
parte, como resposta à crise sanitária.
Observa-se, ainda, uma elevada frequência de acordos entre empresas farmacêuticas
brasileiras que é explicada, em grande parte, pelas operações relacionadas à formação de joint
ventures e aos processos de fusões e aquisições entre essas empresas que compõem cerca de 34% da
amostra de acordos estritamente nacionais. Em menor grau, destacam-se: os sete acordos entre
Instituições Brasileiras de C&T; cinco acordo entre empresas farmacêuticas nacionais e Instituições
brasileiras de C&T e outros cinco acordos entre as farmacêuticas nacionais e os Laboratórios Oficiais
de Pesquisa e Produção de Fármacos e Imunobiológicos.
14
De forma geral, considerando a participação das empresas, laboratórios e instituições como
“empresa principal” ou “empresa parceira”, observa-se uma prevalência das empresas farmacêuticas
nacionais nos acordos nacionais. As empresas farmacêuticas brasileiras concentram 47% da amostra
de acordos, seguidas pelas Instituições brasileiras de C&T (21%), pelos Laboratórios Oficiais de
Pesquisa e Produção de Fármacos e Imunobiológicos (10%) e pelas empresas brasileiras de
biotecnologia e biociências (8%). O governo brasileiro atua diretamente como parte contratante de
5% da amostra de acordos estritamente brasileiros. Os demais 10% da amostra envolve a atuação de
outros componentes do CEIS no Brasil como hospitais, empresas transnacionais instaladas no país,
empresas fornecedoras de máquinas e equipamentos médicos e empresas cujo grupo de atuação não
pode ser identificado.
A Figura 1 apresenta a estrutura da rede de inovação farmacêutica conformada pelos acordos
extraídos da Cortellis Deals Intelligence (2021) restritos aos limites nacionais, isto é, considerando-
se apenas os relacionamentos entre empresas e instituições brasileiras ou sediadas no Brasil
6
. Cabe
notar que a rede apresentada na Figura 1 é mista, isto é, composta por pares de nós conectados através
de relacionamentos direcionados e não direcionados. O direcionamento das interações tem relevância
limitada na rede apresentada na Figura 1 em decorrência das interações serem nacionais e, portanto,
do fato dos ativos e capacitações permanecerem dentro do sistema nacional. Neste sentido, o
direcionamento das redes ganha maior relevância quando se analisam interações do Brasil – suas
empresas e instituições – com o resto do mundo conforme análise apresentada na próxima seção.
A Figura 1 representa uma primeira aproximação da configuração sistêmica das empresas,
laboratórios e instituições brasileiras inseridas no subsistema de atividades farmacêuticas do CEIS no
Brasil. A rede apresentada na Figura 1 é composta por 61 nós e 64 arestas
7
. Fica evidenciada na
estrutura da rede a importância relativa de grandes empresas farmacêuticas nacionais como:
Eurofarma, Cristália, Aché, Hypermarcas, além das joint ventures Bionovis e Orygen; das
universidades: USP, UNICAMP, UFRJ e UFMG; dos Laboratórios: Biomanguinhos e
Farmanguinhos da Fiocruz e do Instituto Butantan; além da fornecedora de IFAs Casa da Química e
da atuação do Governo Federal como articulador da rede através da atuação do Ministério da Saúde.
Os indicadores de rede dos principais nós supracitados são consolidados na Tabela 2.
A identificação dos nós que desempenham maior importância estrutural na rede de
relacionamentos brasileira tem implicações para a formulação de políticas públicas. Tendo em
consideração a importância relativa dos relacionamentos intensivos em conhecimento e inovação, os
6
Apesar de serem identificadas algumas empresas transnacionais sediadas no Brasil, a base Cortellis Deals Intelligence
(2021) tende a considerar a localização de empresas transnacionais com referência no país sede da matriz da empresa.
7
Arestas em duplicidade são desconsideradas pelo Software. Isto é, se dois nós estabelecem duas relações entre si, esta
interligação é considerada uma única vez sem dupla contagem. Foram inseridas arestas para interligar os Laboratórios
Biomanguinhos e Farmanguinhos à Fiocruz e o Ministério da Saúde ao governo brasileiro.
15
principais nós identificados representam empresas e instituições mais capacitadas a produzirem
estímulos na direção do adensamento da rede nacional a partir da incorporação de novos nós e arestas,
especialmente quando estimulados através de políticas públicas sistêmicas. Os dados também
revelam a importância da política de PDPs e da atuação do governo federal através das ações do
Ministério da Saúde como articulador sistêmico do CEIS no Brasil.
Figura 1 – Rede de colaborações nacionais
Fonte: elaboração própria com base em Cortellis Deals Intelligence (2021).
Tabela 2 - Indicadores dos principais nós na estrutura da rede nacional
Nós
Grau
Grau ponderado
Centralidade de proximidade
Autoridade
Hub
Coef. de aglomeração
EUROFARMA
8
9
0,41
0,69
0,30
0,11
CRISTALIA
7
8
0,36
0,54
0,00
0,05
ACHE
6
7
0,33
0,00
0,24
0,00
FIOCRUZ
5
5
0,30
0,00
0,00
0,00
HYPERMARCAS
5
5
0,32
0,00
0,24
0,00
BIONOVIS
5
5
0,27
0,00
0,00
0,00
ORYGEN
5
6
0,36
0,00
0,63
0,20
UNICAMP
5
5
0,26
0,00
0,05
0,00
USP
5
6
0,34
0,11
0,31
0,10
UFRJ
4
5
0,33
0,11
0,31
0,17
BIOMANGUINHOS
4
4
0,30
0,00
0,00
0,00
BUTANTAN
3
3
0,30
0,00
0,26
0,00
BR_GOV_MS
3
3
0,29
0,00
0,00
0,00
CAQ
3
3
0,26
0,00
0,00
0,00
UFMG
2
2
0,26
0,11
0,00
0,00
Fonte: elaboração própria com base em Cortellis Deals Intelligence (2021).
16
7. Redes internacionais de colaboração em atividades farmacêuticas
Nesta seção são apresentados os resultados da análise das redes de colaboração estabelecidas
por empresas e instituições brasileiras com empresas e instituições estrangeiras ou transnacionais.
São analisadas as 335 colaborações estabelecidas entre o Brasil e outros países através de empresas
e instituições envolvidas em atividades farmacêuticas por rotas química e biotecnológica, conforme
dados previamente consolidados na Tabela 1.
Os 335 acordos internacionais representam cerca de 84,17% da amostra total de 398 acordos
identificados na base de dados Cortellis Deals Intelligence (2021). Embora não se descarte um
possível viés amostral na coleta de dados realizada pela Clarivate Analytics, os dados corroboram em
grande medida a hipótese de “viés para fora” ou de estrangeirização das colaborações estabelecidas
envolvendo, pelo menos, uma empresa ou instituição brasileira. A amostra de relacionamento do
Brasil com o resto do mundo indica a importante participação das colaborações internacionais em
praticamente todas as formas de acordos exceto na formação de joint ventures e na concessão de
direitos exclusivos de patentes, únicas duas categorias majoritariamente dominadas por
relacionamentos intrassistêmicos.
Na análise das joint ventures, apenas oito acordos envolveram parceiros internacionais. Ao
contrário do perfil das operações nacionais, apenas 37,5% das operações envolveram a condução de
algum esforço de P, D & I ao passo 63,5% estavam relacionadas às estratégias de distribuição e
marketing de empresas transnacionais no Brasil
8
.
Um fenômeno similar é observado nas licenças de comercialização, produção e
desenvolvimento, neste caso as licenças de comercialização que não envolvem esforços produtivos e
inovativos locais são 100% dominadas por colaborações internacionais. As licenças de
comercialização que envolvem atividades de desenvolvimento apresentam um percentual menor, mas
ainda majoritário de 86,7% de acordo internacionais. O mesmo efeito se observa para as licenças de
produção e fornecimento, que constituem uma amostra significativa de encomendas tecnológicas e
transferências de tecnologia para o Brasil, compostas por 89,6% de acordos internacionais. Os
serviços de desenvolvimento são integralmente contratados com empresas e instituições sediadas fora
do país.
Nas atividades intensivas em P, D & I, observa-se uma participação um pouco menor embora
ainda majoritária de 73,1% nos acordos internacionais de pesquisa e desenvolvimento inicial –
indicando também a relevância relativa das interações nacionais nesses processos – e de 66,7% nos
acordos de descoberta e desenho. Os acordos de licenciamento de patentes foram majoritariamente
8
Duas das cinco joint ventures para comercialização de produtos no brasil não envolviam atividades farmacêuticas,
embora envolvessem outros segmentos do CEIS.
17
domésticos, apenas 33,3% desses acordos envolveram empresas e instituições estrangeiras. Apesar
desses indícios, as etapas iniciais de seleção e avaliação de novas drogas e de entrega e formulação
foram integralmente compostas por colaborações internacionais.
A importância dos acordos internacionais, mesmo em estágios críticos das atividades de P, D
& I farmacêutica no Brasil, corrobora o viés para fora das colaborações e coloca o Brasil na posição
de dependência e vulnerabilidade tecnológica no contexto internacional. Apesar dos avanços em
termos de construções nacionais de capacitações e de redes domésticas de colaboração, a elevada
dependência das colaborações internacionais e a baixa densidade das redes domésticas colocam o
Brasil na posição de receptor de tecnologias, produtos e serviços tecnológicos provenientes de fontes
internacionais.
No caso das 37 operações internacionais envolvendo F&A e desinvestimentos de ativos, 31
acordos (83,8% dos acordos internacionais e 64,6% dos acordos totais deste tipo) estavam
diretamente relacionadas a atividades farmacêuticas. Dessas 31 operações, 35% (11 operações) foram
relacionadas à aquisição de empresas de biotecnologia e biociências; 29% (9 operações) à
internacionalização das empresas farmacêuticas brasileiras; 26% (8 operações) às estratégias de
acesso por parte de empresas estrangeiras e transnacionais ao mercado brasileiro; além de 3 operações
relacionadas às estratégias de reconfiguração das empresas brasileiras por meio da transação de ativos
com empresas transnacionais.
Na Tabela 3 são consolidadas as estatísticas da rede direcionadas por países das 31 operações
de F&A e desinvestimentos de ativos. Observa-se que o grau de saída ponderado do Brasil (21) supera
seu grau de entrada ponderado (11), o que indica que apesar das estratégias de internacionalização e
reconfiguração das empresas brasileiras que construíram capacitações produtivas e tecnológicas
principalmente a partir do marco da Lei dos Genéricos (Lei Nº 9.787/1999), os indicadores de rede
ainda apontam para uma saída de ativos em termos de operações internacionais de F&A e
desinvestimentos de ativos em âmbito global. Essa saída de ativos pode ser entendida, também, na
forma de aquisição de empresas no país por empresas transnacionais para incorporar capacitações,
para prevenir a emergência de competidores locais ou integrarem estratégias de investimento externo
direto das empresas transnacionais para acessar o mercado brasileiro.
Os ativos brasileiros foram adquiridos principalmente por empresas dos Estados Unidos,
França e Índia. O Brasil adquiriu ativos de um grupo de países sul-americanos como Chile, Uruguai
e Argentina, além de Estados Unidos, França, Suíça, Servia e Israel. As origens e destinos dos fluxos
de ativos corroboram, por um lado, a importância da vizinhança latino-americana e de economia para
o processo de internacionalização e expansão das capacitações dinâmicas das empresas brasileiras e,
por outro lado, são coerentes com a dispersão geográfica de importantes players globais em atividades
farmacêuticas.
18
Tabela 3 – Acordos internacionais de F&A e desinvestimentos de ativos por países
País
grau de entrada ponderado
grau de saída ponderado
grau ponderado
Brasil
11
21
32
Estados Unidos
9
2
11
França
4
1
5
Índia
2
0
2
Chile
0
2
2
Dinamarca
1
0
1
Canadá
1
0
1
Bélgica
1
0
1
Colômbia
1
0
1
Mundo
1
0
1
Costa Rica
1
0
1
Uruguai
0
1
1
Suíça
0
1
1
Sérvia
0
1
1
Israel
0
1
1
Argentina
0
1
1
Japão
0
1
1
Fonte: elaboração própria com base em Cortellis Deals Intelligence (2021).
Considerando-se a nacionalidade das empresas envolvidas nos demais tipos de acordos,
destaca-se nas joint ventures o envolvimento dos Estados Unidos, Índia, Alemanha e Canadá. Nas
licenças de comercialização, produção e desenvolvimento destacam-se como parceiros as empresas
dos EUA, Suíça, Coreia do Sul, Itália, Índia, China, Israel França e Reino Unido. Nos estágios iniciais
de P, D & I de drogas e medicamentos destacam-se as colaborações com EUA, Suíça, Reino Unido,
França, China e Canadá.
Em termos gerais, observa-se uma grande participação de empresas e instituições norte-
americanas como parceiros em todos os tipos de acordos. Além dos Estados Unidos, observa-se a
prevalência de países europeus e países em desenvolvimento do BRICS, com especial destaque para
Índia e China. Apesar da identificação de alguns acordos com países latino-americanos, a frequência
das interações com esses países é relativamente baixa.
Por um lado, a dispersão dos países reforça a inserção brasileira como receptora de tecnologias
do resto do mundo. Por outro lado, apesar dos esforços de internacionalização das empresas
farmacêuticas brasileiras, observam-se poucos indícios da atuação estratégica em termos geopolíticos
das empresas e Laboratórios Oficiais em países vizinhos na América Latina e na América Central, ou
até mesmo na África. A concentração da amostra de acordos envolvendo países na América no Norte
e Europa pode estar, ainda, relacionada a algum possível viés amostral na coleta dos dados da Cortellis
Deals Intelligence pela Clarivate Analytics.
Em termos da evolução dinâmica dos acordos internacionais, observa-se um aumento e uma
diversificação da pauta de colaborações a partir do ano 2007, com destaque para o triênio 2012-2014
e para o biênio 2019-2020. O aumento da frequência e da variedade de acordos internacionais também
está associada ao processo de fortalecimento da capacidade de absorção das empresas e laboratórios
19
brasileiros iniciada a partir da introdução da lei de genéricos em 1999 (Lei Nº 9.787/1999) e
estimulada pela política de PDPs na década de 2010. No triênio 2012-2014 é importante considerar
os impactos diretos e indiretos da implementação das PDPs sobre as estratégias de colaboração e
interação das pelas empresas e laboratórios brasileiros para acesso às fontes externas de conhecimento
e ativos complementares. No biênio 2019-2020, especialmente no ano de 2020, é necessário também
considerar o impacto da emergência da pandemia de covid-2019 sobre as colaborações internacionais
para condução de atividades de P, D & I e fornecimento de novas drogas, medicamentos e vacinas
para enfrentamento à pandemia de covid-19.
Quando analisadas por grupos de empresas envolvidas em colaborações internacionais,
observa-se a prevalência das empresas farmacêuticas estrangeiras e/ou transnacionais (30%)
9
, das
empresas farmacêuticas brasileiras atuando em colaboração com empresas e instituições de outros
países (19%)
10
e de empresas de biotecnologia e biociências estrangeiras (12%). Em menor grau, é
possível destacar a atuação dos Laboratórios Oficiais (6%), as instituições brasileiras de C&T (5%)
e a atuação do governo brasileiro (3%). Cabe ressaltar que todas as colaborações internacionais
possuem pelo menos um parceiro brasileiro e um parceiro estrangeiro e/ou transnacional.
A dispersão das empresas não é, contudo, equitativa em todos os tipos de acordo. A
participação das empresas farmacêuticas estrangeiras e transnacionais prevalece nas licenças de
comercialização e nas licenças de produção e fornecimento, especialmente em parceria com empresas
farmacêuticas brasileiras e em menor grau com o governo brasileiro em acordos para atendimento
das demandas do SUS. Nos demais tipos de acordos a dispersão por grupos de empresas tende a ser
mais dispensa e variada.
A rede conformada por relacionamentos envolvendo empresas e instituições estrangeiras ou
transnacionais que colaboram com empresas, laboratórios e instituições brasileiras é apresentada na
Figura 2. A rede é conformada por 416 nós e por 323 arestas. Na análise da estrutura da rede, é
possível observar a atuação central da empresa farmacêutica brasileira Eurofarma nos acordos
internacionais e, em menor grau, das empresas brasileiras EMS, Cristália, Biolab, Aché, Libbs,
Orygen e Biosintética. A empresa brasileira de biotecnologia ReceptaBio também se destaca nas
estatísticas da rede por suas colaborações com empresas e instituições estrangeiras.
A análise corrobora a posição de centralidade do Instituto Butantan e dos Laboratórios
Biomanguinhos e Farmanguinhos, integrados à estrutura da Fundação Oswaldo Cruz, não apenas pela
centralidade na rede de colaborações internacionais, mas também pelo perfil das colaborações
estabelecidas por estas instituições. O perfil das colaborações destes laboratórios é intensivo na
9
Considerando empresas sediadas em outros países e empresas transnacionais sediadas no Brasil.
10
Considerando empresas farmacêuticas brasileiras, inclusive as que possuem subsidiárias instaladas em outros países.
20
transação de ativos intensivos em conhecimento e processos de capacitação e aprendizado local, com
implicações importantes no sentido da construção de competências produtivas e inovativas nacionais.
O perfil das colaborações e a centralidade dos referidos laboratórios também é importante em termos
da capacidade dessas organizações estabelecerem vínculos em âmbito doméstico e, portanto,
potencialmente atuarem no adensamento das redes de colaboração que amparam os processos de P,
D & I farmacêutica por rota química e biotecnológica no Brasil. O governo brasileiro, através da
atuação do Ministério da Saúde, ganha centralidade como importante coordenador e propulsor das
colaborações no âmbito do subsistema de atividades farmacêuticas por rotas química e biotecnológica
do CEIS no Brasil. Por fim, destaca-se a atuação das empresas farmacêuticas internacionais e/ou
transnacionais
11
como MSD, Sanofi Aventis, Novartis, Chembio, Pfizer, Eli Lilly e Astrazeneca. A
Universidade de São Paulo é a única universidade brasileira com destaque em termos de medidas de
centralidade na rede de colaborações internacionais. As estatísticas dos principais nós da rede de
colaborações internacionais encontram-se consolidadas na Tabela 4.
Figura 2 – Rede de colaborações internacionais
Fonte: elaboração própria com base em Cortellis Deals Intelligence (2021).
11
Conforme já mencionado, a base Cortellis Deals Intelligence frequentemente localiza a empresa de acordo com o país
da matriz da empresa, sediando portanto empresas transnacionais em outros países mesmo quando essas empresas
possuem subsidiárias no Brasil. Há menção a empresas transnacionais sediadas no Brasil, mas a frequência dessas
observações é limitada na base de dados.
21
Tabela 4 – Indicadores dos principais nós na estrutura de rede internacional
Nós
grau
grau ponderado
centralidade de proximidade
autoridade
Hub
coef. Aglomeração
EUROFARMA
31
31
0,28
1,00
0,00
0,00
FIOCRUZ
15
17
0,30
0,00
0,00
0,03
EMS
13
13
0,20
0,06
0,00
0,00
FIOCRUZ_BIOMANGUINHOS
9
13
0,25
0,00
0,00
0,06
BUTANTAN
10
12
0,22
0,00
0,00
0,00
BR_GOV_MS
7
11
0,22
0,00
0,00
0,00
MSD
9
10
0,25
0,00
0,00
0,00
CRISTALIA
9
10
0,18
0,00
0,00
0,00
BIOLAB
9
9
0,26
0,00
0,00
0,00
ACHE
9
9
0,19
0,00
0,00
0,00
SANOFI_AVENTIS
6
9
0,23
0,00
0,00
0,00
FIOCRUZ_FARMANGUINHOS
6
8
0,24
0,00
0,00
0,07
LIBBS
7
7
0,17
0,00
0,00
0,00
DFNDI
5
7
0,24
0,00
0,00
0,10
USP
6
6
0,18
0,00
0,00
0,00
RECEPTA
6
6
1,00
0,00
0,00
0,00
BR_GOV
5
6
0,22
0,00
0,00
0,00
NOVARTIS
4
5
0,21
0,00
0,00
0,00
CHEMBIO
4
5
0,23
0,00
0,00
0,17
PFIZER
4
4
0,24
0,00
0,19
0,00
ELILILLY
4
4
0,21
0,00
0,00
0,00
ORYGEN
4
4
0,20
0,04
0,00
0,00
BIOSINTETICA_ACHE
4
4
0,19
0,00
0,00
0,00
ASTRAZENECA
3
3
0,26
0,00
0,00
0,00
Fonte: elaboração própria com base em Cortellis Deals Intelligence (2021).
8. Considerações Finais
O estudo apresentado neste artigo revela elementos chave das estratégias produtivas e
inovativas das empresas e laboratórios brasileiros e da estrutura em redes de colaboração sistêmicas
que amparam as atividades de P, D & I e produção farmacêutica no Brasil. Neste sentido, o estudo
fornece uma aproximação da configuração de organização estrutural em rede das colaborações para
acesso às fontes externas de conhecimento e a ativos complementares que amparam as atividades de
P,D&I e produção farmacêutica no Brasil.
Observa-se, no Brasil, a conformação dinâmica de uma rede estruturada de relacionamentos
fortemente marcada pela temporalidade de implementação no Brasil da Lei dos Genéricos (Lei Nº
9.787, de 10 de fevereiro de 1999), que favoreceu a construção de capacitações pela indústria nacional
e a participação das empresas farmacêuticas brasileiras no mercado nacional. Destaca-se, neste último
período, os impactos da política de Parcerias para Desenvolvimento Produtivo (PDPs) no sentido de
um aumento da densidade da rede de colaborações, da construção de capacitações produtivas e
tecnológicas pelas empresas brasileiras e do fortalecimento dos Laboratórios Oficiais de Pesquisa e
Produção de Fármacos e Imunobiológicos, especialmente no que tange os esforços para a
incorporação da rota biotecnológica no país.
A análise das colaborações nacionais revelou a posição de centralidade estrutural de um grupo
de empresas farmacêuticas nacionais – Eurofarma, Cristália, Aché, Hypermarcas, Bionovis e Orygen
22
– de determinados Laboratórios Oficiais – Instituto Butantan e dos Laboratórios Farmanguinhos e
Biomanguinhos integrados à Fundação Oswaldo Cruz – e de instituições brasileiras de C&T – USP,
UNICAMP, UFRJ e UFMG – no estabelecimento dos relacionamentos no contexto nacional.
As colaborações nacionais correspondem a apenas 15,8% do total de acordos identificados.
Os dados coletados reforçam a hipótese de incompletude e baixo adensamento das redes de inovação
em âmbito nacional, comprometendo o desempenho inovador e a inserção competitiva das empresas
e laboratórios brasileiros e, principalmente, dificultando as condições de retenção das capacitações
científico-tecnológicas no Brasil frente à concorrência internacional e aos processos de acirramento
das operações de fusões e aquisições em âmbito global.
No contexto nacional, destacam-se: as operações patrimoniais relacionadas à formação de
joint ventures e operações de Fusões e Aquisições (F&A), além de acordos envolvendo direitos
exclusivos de patentes, atividades de descoberta e desenho de novas drogas e medicamentos,
financiamento de atividades de P, D & I de novos medicamentos e atividades de pesquisa e
desenvolvimento inicial de novas drogas e medicamentos. As licenças de comercialização quando
verificadas em âmbito doméstico envolveram necessariamente algum tipo de atividade de
desenvolvimento local. Os resultados reforçam a importância do adensamento das redes de
colaboração nacionais, especialmente, em atividades mais intensivas em aprendizado, como
condicionantes do sucesso dos esforços produtivos e inovativos das empresas brasileiras.
Em termos de relações estabelecidas por empresas e laboratórios brasileiros e parceiros
internacionais e transnacionais, os indicadores apontam para uma inserção do Brasil através de suas
empresas e laboratórios como um receptor de tecnologias, bens e serviços em relação ao resto do
mundo. Apesar do volume de operações internacionais envolvendo licenças de comercialização com
baixa intensidade produtiva e inovativa local ser elevado, a frequência das colaborações
internacionais em todos os tipos de acordo corrobora a hipótese de viés para fora das colaborações e
de um elevado grau de dependência e de vulnerabilidade do acesso a fontes externas de conhecimento
e ativos complementares fora dos limites geográficos brasileiros.
Em termos de operações patrimoniais de F&A e desinvestimento de ativos, a análise do fluxo
de ativos no contexto internacional indica uma perda de capacitações nacionais no sentido da
aquisição de empresas e ativos brasileiros por parceiros estrangeiros. Os ativos de empresas
brasileiras foram adquiridos, principalmente, por empresas norte-americanas, francesas e indianas. A
aquisição de ativos por empresas brasileiras envolveu empresas de uma gama maior de países da
América Latina, além dos Estados Unidos, França, Suíça, e Israel.
Especialmente no caso de empresas baseadas em conhecimento, que são historicamente
apoiadas por políticas públicas e fontes públicas de fomento e financiamento, o potencial impacto
negativo das operações F&A sobre as capacidades produtivas e inovativas sugere um debate sobre o
23
compartilhamento dos riscos – através da utilização de fontes públicas dos recursos – e o
compartilhamento social dos retornos da inovação – por exemplo, na forma de novos medicamentos
a preços acessíveis para o SUS – que, em muitos casos, não está garantido. Embora as F&A também
envolvam o monitoramento e a exploração de novas oportunidades por empresas brasileiras no Brasil
e no exterior, os indícios apresentados indicam que as empresas brasileiras ainda atuam como
receptoras de tecnologias e tendem a ser adquiridas em casos de inovações disruptivas para o mercado
mundial.
A baixa densidade relativa da rede de colaboração nacional frente à importância relativa das
colaborações internacionais que amparam os processos de P, D & I e produção farmacêutica por rotas
química e biotecnológica no Brasil sinaliza os desafios enfrentados, em um contexto de
desenvolvimento tardio, para o sucesso dos esforços produtivos, inovativos e de emparelhamento na
inserção global das empresas e instituições brasileiras envolvidas em atividades farmacêuticas.
Considerando-se a totalidade da amostra de colaborações nacionais e internacionais, fica
evidenciada na análise das estruturas de rede a importância relativa de grandes empresas
farmacêuticas nacionais como: Eurofarma, Cristália, Aché, Hypermarcas, além das joint ventures
Bionovis e Orygen; das universidades: USP, UNICAMP, UFRJ e UFMG; dos Laboratórios:
Biomanguinhos e Farmanguinhos da Fiocruz e do Instituto Butantan; além da fornecedora de IFAs
Casa da Química e da atuação do Governo Federal como articulador da rede através da atuação do
24
Ministério da Saúde. Destaca-se, em especial, a posição estrutural das empresas farmacêuticas
brasileiras Eurofarma, Cristália e Aché, do Laboratórios Bio-Manguinho e do Instituto Butantan, além
da atuação estruturante do Ministério da Saúde e da Universidade de São Paulo que lideram em termos
de posição de centralidade ambas as redes de colaboração nacional e internacional. Uma investigação
cuidadosa das capacitações inovativas e tecnológicas desses hubs é sugerida dentro dos próximos
passos desta pesquisa para avaliar a correlação entre o desempenho inovador dessas organizações e a
capacidade de estabelecimento de alianças de colaboração.
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