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UM ESTÁGIO NO MUSEU COM PRIMO LEVI: CIÊNCIA, LITERATURA E DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA

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O relato de experiência descrito está inserido na discussão e na defesa da necessidade de ampliação dos espaços formativos envolvidos no estágio curricular supervisionado. Os museus de Ciências apresentam potencialidade de difundir conhecimentos não fragmentados e são peças importantes para uma divulgação científica com compromisso social. Tivemos como objetivo oferecer a futuros professores uma atuação crítica e reflexiva fundamentada nas possibilidades de ações educativas para o ensino de Química em museus de Ciências e construir uma exposição com base na vida e na obra do químico e escritor Primo Levi. O trabalho foi realizado no contexto da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado do curso de licenciatura em Química, com abordagem em três eixos: i) teórico: estudos sobre a interface entre a educação, a educação museal e a educação em Ciências; ii) observacional: visitas a quatro museus de Ciências; e iii) prático: planejamento, montagem e execução da exposição a partir da seleção de conteúdos e da transposição museográfica da obra híbrida e humanística de Levi. Como principais resultados da experiência formativa, destacamos: a construção de uma proposta de museu e de sua função social; a valorização dos espaços museais; a importância da preparação docente para atuar e trabalhar com esses espaços; os desafios do processo de construção de uma exposição; o reconhecimento da relação existente entre Ciência e Literatura.
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doi: 10.22407/2176-1477/2022.v13i4.1823
Recebido em: 12/05/2021 Aprovado em: 13/09/2022 Publicado em: 15/04/2023
VOLUME 13, N.4 OUTUBRO/DEZEMBRO 2022
UM ESTÁGIO NO MUSEU COM PRIMO LEVI: CIÊNCIA,
LITERATURA E DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE QUÍMICA
AN INTERNSHIP AT THE MUSEUM WITH PRIMO LEVI: SCIENCE,
LITERATURE AND HUMAN RIGHTS IN CHEMISTRY TEACHER EDUCATION
LUCIANE JATOBÁ PALMIERI
1
,5
[
LUJPAL@GMAIL.COM
]
LUCIANA MASSI
2
,6
[
LUCIANA.MASSI@UNESP.BR
]
RAFAELA VALERO DA SILVA
3
,7
[
RAFAVALERO16@GMAIL.COM
]
CARLOS SÉRGIO LEONARDO JÚNIOR
4
,7
[
CARLOS.LEONARDO@UNESP.BR
]
5- UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - CENTRO POLITÉCNICO - CAMPUS DE CURITIBA
6- UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO - FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS - CAMPUS
DE ARARAQUARA
7- UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO - FACULDADE DE CIÊNCIAS - CAMPUS DE BAURU
RESUMO
O relato de experiência descrito está inserido na discussão e na defesa da necessidade de
ampliação dos espaços formativos envolvidos no estágio curricular supervisionado. Os museus de
Ciências apresentam potencialidade de difundir conhecimentos não fragmentados e são peças
importantes para uma divulgação científica com compromisso social. Tivemos como objetivo
oferecer a futuros professores uma atuação crítica e reflexiva fundamentada nas possibilidades de
ações educativas para o ensino de Química em museus de Ciências e construir uma exposição com
base na vida e na obra do químico e escritor Primo Levi. O trabalho foi realizado no contexto da
disciplina de Estágio Curricular Supervisionado do curso de licenciatura em Química, com
abordagem em três eixos: i) teórico: estudos sobre a interface entre a educação, a educação
museal e a educação em Ciências; ii) observacional: visitas a quatro museus de Ciências; e iii)
prático: planejamento, montagem e execução da exposição a partir da seleção de conteúdos e da
transposição museográfica da obra híbrida e humanística de Levi. Como principais resultados da
experiência formativa, destacamos: a construção de uma proposta de museu e de sua função
social; a valorização dos espaços museais; a importância da preparação docente para atuar e
trabalhar com esses espaços; os desafios do processo de construção de uma exposição; o
reconhecimento da relação existente entre Ciência e Literatura.
PALAVRAS-CHAVE: educação museal; ensino de Química; estágio supervisionado; museus de
Ciências; Primo Levi.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática da Universidade Federal do Paraná.
Mestre em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática da Universidade
Federal do Paraná. Licenciada em Química pela Universidade Federal do Paraná.
2
Doutora em Ensino de Química pela Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo. Licenciada
em Química pela UNESP, Araraquara-SP. Docente da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP e docente do Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da UNESP, Bauru-SP.
3
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP, Bauru-SP. Mestre em Educação para a
Ciência pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP, Bauru-SP. Licenciada em Química pela UNESP,
Araraquara-SP.
4
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP, Bauru-SP. Licenciado em Química pela
UNESP, Araraquara-SP.
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ABSTRACT
The experience report described is inserted in the discussion and defense of the need to
expand the training spaces involved in the Supervised Curricular Internship. Science museums
have the potential to spread non-fragmented knowledge and they are important pieces for
scientific dissemination with social commitment. We aimed to offer future teachers a critical
and reflective performance grounded on the possibilities of educational actions for teaching
Chemistry in Science museums and to build an exhibition based on the life and work of the
chemist and writer Primo Levi. This article was carried out in the context of the Supervised
Curricular Internship course of the degree course in Chemistry, with a three-axis approach: i)
theoretical: studies on the interface between education, museum education and Science
education; ii) observational: visits to four Science museums; and iii) practical: planning,
assembling and executing the exhibition based on content selection and museographic
transposition of Levi's hybrid and humanistic work. As main results of the training experience,
we highlight: the construction of a proposal for a museum and its social function; the
enhancement of museum spaces; the importance of teacher preparation to act and work with
these spaces; the challenges of the process of building an exhibition; the recognition of the
relationship between Science and Literature.
KEYWORDS: museum education; teaching Chemistry; supervised internship; Science
museums; Primo Levi.
INTRODUÇÃO
O estágio é um dos momentos fundamentais na formação inicial de professores. De
acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, os estágios curriculares supervisionados nos cursos de licenciatura devem ocorrer em
escolas de Educação Básica, “de modo que cada instituição formadora construa projetos
inovadores e próprios” (BRASIL, 2002, p. 4). Em 2015 surgiram novas exigências para os
cursos de formação inicial e continuada de professores, os quais tiveram que se adequar até
o início de 2018 (BRASIL, 2015). As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial
em Nível Superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada apresentam elementos que
indicam uma ampliação quanto ao local de estágio, considerando o currículo como um conjunto
de valores que deve conter práticas educativas formais, não formais e orientação para o
trabalho (BRASIL, 2015).
As pesquisas sobre museus, especificamente os de Ciências, destacam seu
distanciamento com a práxis do educador, que muitas vezes desconhece seu objetivo
pedagógico e não consegue construir estratégias e instrumentos para uma mediação entre o
espaço do museu e o currículo escolar. Assim, é sugerido que os “aspectos educativos
desenvolvidos nestes espaços” sejam discutidos “propondo abordagens para a práxis
educativa” (MARANDINO, 2003, p. 184). Esses questionamentos são oriundos da ampliação
indicada na diretriz (BRASIL, 2015), a partir da qual algumas instituições de Ensino Superior
brasileiras Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal do ABC (UFABC),
Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho
(UNESP), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (UFTM) incorporaram em suas grades curriculares a opção de realização
dos estágios supervisionados em espaços não formais de educação, como centros e museus
de Ciências, planetários, observatórios e zoológicos (MONTEIRO, 2011; PUGLIESE, 2015;
MORI; KASSEBOEHMER, 2019; MELLINI; GOMES, 2020). Para Pugliese (2015), cuja pesquisa
caracterizou a inserção das atividades de campo e museus em cursos de formação inicial de
professores de Biologia, as visitas a museus de Ciências são entendidas como eficientes
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metodologias de ensino, considerando que esses espaços podem contribuir no processo de
alfabetização científica e cultural de professores em formação.
Segundo Mori e Kasseboehmer (2019), a inserção do espaço do museu de Ciências na
formação inicial de professores de Química pode se dar por meio de quatro estratégias
relacionadas ao estágio curricular supervisionado em ensino de Química, com a carga horária
dividida entre o contexto escolar e não escolar: i) estágio na escola e no museu; ii) atividades
experimentais dos museus realizadas na escola; iii) organização de uma exposição na escola;
e, iv) após o estágio na escola e no museu, proposição de atividades extraclasse no ambiente
escolar. Para eles, o espaço do museu de Ciências favorece a “formação de docentes mais
críticos e conscientes de diversas questões postas na atualidade” (MORI; KASSEBOEHMER,
2019, p. 809). De acordo com Monteiro e colaboradores (2016), a defesa do estreitamento da
relação entre museu e escola vem sendo feita de maneira incisiva no contexto das pesquisas
sobre letramento científico, educação e divulgação da Ciência, indicando como um possível
caminho na formação inicial de professores para ampliar as práticas educativas para além dos
muros da escola.
Portanto, a partir da leitura das pesquisas apresentadas, acreditando na potencialidade
educativa dos espaços museológicos como difusores de conhecimentos não fragmentados e
como peças importantes na ampliação da divulgação científica com compromisso social, foi
construída e desenvolvida no ano de 2019 a experiência formativa aqui descrita.
Aproveitando o espaço de um museu universitário, foi desenvolvida a disciplina Estágio
Curricular Supervisionado VI Metodologia e Prática de Ensino de Química (ECS VI) para o
curso de licenciatura em Química do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho Campus de Araraquara. Nosso objetivo foi contribuir com uma
formação inédita e diferenciada de sete futuros professores de Química, que tiveram a
oportunidade de estudar alguns conceitos teóricos oriundos da educação museal, pensar na
integração do museu à escola, conhecer e observar esses espaços e atuar efetivamente no
processo de produção e montagem de uma exposição museográfica que visasse uma
concepção de mundo menos fragmentada.
Defendendo que um educador deve valorizar conhecimentos científicos, artísticos e
filosóficos, buscamos conectar o universo da divulgação da Ciência e Tecnologia à formação
inicial de professores de Química, proporcionando a eles o entendimento do que é um museu
de Ciências, de como ocorre sua organização em determinados tempos históricos e sociais, de
qual é o seu objetivo pedagógico e, ainda, de que maneira essas instituições podem contribuir
no processo de ensino e divulgação da Química. Também foram discutidas as opções de locais
para atuação profissional, mostrando que o espaço do museu de Ciências pode vir a ser um
campo de trabalho. A experiência também buscou superar o desafio de comunicar a Química
no espaço do museu, considerada o campo científico com menor representatividade devido às
suas particularidades fenomênicas, reduzida nesses ambientes ao seu caráter estritamente
experimental (PALMIERI; SILVA, 2017).
Foi definido, antecipadamente, que a montagem da exposição museográfica envolveria
os temas da Química, da Literatura e dos Direitos Humanos. Essa escolha atendia a duas
efemérides celebradas em 2019: o centenário de nascimento de Primo Levi, autor
homenageado na exposição, e o Ano Internacional da Tabela Periódica, estabelecido pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO). Primo Levi
(1919-1987) foi um químico e escritor italiano, de origem judaica, que em 1944 foi feito
prisioneiro do campo de concentração nazista em Auschwitz. Após a traumática experiência,
ele começou a escrever seu primeiro livro de testemunho:
É isto um homem?
. Levi escreveu
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não sobre o
Lager
5
, mas também ficção científica, fantasia, poesia, romance, artigos e
ensaios. Vários de seus textos contêm a Química e a Literatura articuladas de maneira
indissociável para divulgar a Ciência e tratar de temas relacionados aos direitos humanos.
Assim, defendemos que o estudo sobre a vida e a obra desse autor seria o fio condutor
de toda a experiência formativa, uma vez que seria enriquecedor para a formação dos
licenciandos, que poderiam resgatar a esfera humanística pouco explicitada em um curso de
Química. Além disso, os alunos poderiam compreender a função social de um museu,
valorizando esses espaços; a importância da preparação docente para incorporar um trabalho
com esses ambientes no plano de ensino da Educação Básica; os desafios do processo de
construção de uma exposição; e a relação existente entre Ciência e Literatura por meio da
instigante vida e obra de Primo Levi. Defendemos que as licenciaturas devem proporcionar
aos estudantes uma formação cultural ampla, possibilitando uma visão mais integrada e
abrangente dos conhecimentos escolares e da realidade.
Portanto, este relato tem como objetivo apresentar uma experiência formativa junto a
futuros professores a partir de uma atuação crítica e reflexiva sobre as possibilidades de ações
educativas para o ensino de Química em museus de Ciências.
A EXPERIÊNCIA FORMATIVA: CONTEXTO, OBJETIVOS E CONTEÚDOS
CONTEXTO
O trabalho foi desenvolvido durante o ano de 2019 com sete licenciandos matriculados
na disciplina Estágio Curricular Supervisionado VI (Metodologia e Prática de Ensino de
Química), ofertada pelo Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Letras, para
o curso de licenciatura em Química do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Araraquara. Essa disciplina fez parte da antiga estrutura
curricular do curso de 2009 , sendo uma das componentes do Estágio Supervisionado
atrelada à disciplina teórica de Metodologia e Prática de Ensino de Química. Em 2019 teve sua
oferta com caráter de turma especial solicitada pelos alunos para ocorrer aos sábados (8h às
12h). Nesse contexto planejamos a realização dos estágios de observação e prática em
espaços não escolares, mais especificamente nos museus de Ciências, atendendo às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2015) e
contando com aprovação do Conselho de Curso. A escolha desse formato de estágio em
espaços não formais levou em consideração a disponibilidade de um museu de Ciências na
instituição, a formação como pesquisadora e linha de pesquisa de uma das professoras
responsáveis pela disciplina e a possibilidade de integração entre ensino-pesquisa-extensão.
Cada um desses motivos será detalhado no decorrer deste texto.
A oferta dessa disciplina, com carga horária anual de 120 horas, teve como inspiração
a indissociável tríade ensino-pesquisa-extensão. Dessa forma promovemos o ensino por meio
da efetivação da disciplina, contemplando conteúdos teóricos, de observação e práticos, tendo
o eixo da pesquisa relação direta com pesquisas de pós-graduação em andamento, e com a
extensão se concretizando na exposição museográfica produzida pelos alunos como o produto
final dessa experiência formativa. Cabe destacar que, para a realização da extensão, contamos
com a parceria de um antigo projeto de extensão do Instituto de Química: o Centro de Ciências
de Araraquara (CCA)
6
. Inaugurado em 1989, o CCA vem cumprindo o papel de divulgador da
5
Primo Levi utiliza esse termo em sua obra para se referir ao campo de concentração nazista. O termo alemão é a
abreviação de
Konzentrationslager
e intensifica o significado de ignorância, incapacidade de discernimento ou de
demonstrar reconhecimento.
6
Para mais informações sobre o Centro de Ciências de Araraquara, acesse o link: https://www.iq.unesp.br/#!/cca/.
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Ciência ao público escolar, a professores e à comunidade de Araraquara e região. Também é
um espaço conhecido e admirado pelos estudantes do curso de licenciatura em Química, que
podem atuar como monitores do museu durante a graduação. Outra inspiração foi a vida e a
obra de Primo Levi, por entender que a tríade poderia ser desenvolvida acompanhada de uma
formação mais humanística dos alunos, permitindo novos olhares para a divulgação da Química
nos espaços não formais, para além do espetáculo.
Dentre os sete licenciandos que cursaram a disciplina ECS VI em 2019, três deles foram
monitores do CCA durante algum período da graduação, os quais relataram que, mesmo tendo
atuado nesse espaço, não tinham a compreensão exata de sua importância para o ensino de
Ciências, e que essa dimensão foi melhor compreendida após terem cursado o ECS VI. Em
vista disso, destacamos novamente a necessidade de incluir práticas formativas nas
licenciaturas atreladas ao contexto dos museus de Ciências, visando fortalecer o
desenvolvimento pessoal e profissional de professores para que, além de ensinar, possam
contribuir com a divulgação de conhecimentos científicos. O planejamento da disciplina teve
início em dezembro de 2018, respeitando a essência de seu plano de ensino original, mas com
a meta de explorar uma nova dimensão na atuação profissional desses futuros professores de
Química: os espaços de educação não escolares. Todo o planejamento e implementação das
aulas contou com a participação de duas docentes, de uma aluna de mestrado e estagiária
docente, de um aluno de mestrado e colaborador voluntário e de uma aluna do curso de
licenciatura em Química que atuou como monitora.
OBJETIVOS DA EXPERIÊNCIA FORMATIVA
A experiência formativa teve como
objetivo
oferecer aos estudantes uma atuação
crítica e reflexiva sobre as possibilidades de ações educativas para o ensino de Química em
museus de Ciências. Para atingir o objetivo proposto, operacionalizamos alguns
objetivos
específicos
, indicados a seguir: conhecer as especificidades da educação museal e sua relação
intrínseca com o ensino de Ciências/Química; problematizar como a Química é divulgada nos
museus de Ciências, buscando identificar seus limites e possibilidades de avanço; desenvolver
uma ação educativa no espaço do museu que cumprisse o papel de divulgar a Química por
meio da Literatura, em busca da integração de conhecimentos científicos, artísticos e
filosóficos.
Em relação à formação do licenciando em Química, tivemos como objetivo oferecer um
estágio curricular supervisionado que fornecesse embasamento teórico e prático relacionado
à viabilidade de o espaço do museu ser uma estratégia didática efetiva no processo de ensino
e aprendizagem. Para isso, a disciplina proporcionou ao licenciando:
Discutir pesquisas teóricas do campo da educação em museus e seu estreitamento
com o ensino de Ciências/Química;
Visitar quatro museus de Ciências, possibilitando um novo olhar sobre as ações
educativas realizadas, além de entender a urgência em superar a forma reduzida de
como a Química vêm sendo divulgada;
Participar de maneira efetiva no processo de produção de uma exposição museal,
desde o planejamento, a seleção de conteúdo e a montagem até a apresentação ao
público visitante do museu;
Entender a importância e urgência da inserção de disciplinas obrigatórias que discutem
a modalidade de educação não escolar nos cursos de licenciatura;
Produzir registros individuais em relação às aulas, resultando na composição de
portfólios.
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CONTEÚDOS
Os conteúdos curriculares trabalhados foram norteados pelo plano de ensino da
disciplina Estágio Curricular Supervisionado VI (Metodologia e Prática de Ensino de Química),
sendo os principais o museu, o currículo e o ensino de Química. Os conteúdos escolhidos
tiveram como objetivo possibilitar aos licenciandos uma atuação no espaço do museu de
Ciências que lhes permitisse realizar análises dos processos educativos que são desenvolvidos
nesses ambientes, a observação e a problematização da divulgação da Química, e também o
embasamento teórico para concretizar a intervenção desenvolvida. Para tanto, os conteúdos
trabalhados foram organizados em três eixos: conteúdos teóricos, conteúdos discutidos nos
estágios de observação e conteúdo da prática realizada. O Quadro 1 resume o cronograma da
disciplina, indicando os dias de realização das aulas, o tema trabalhado e/ou a atividade
desenvolvida nos três eixos determinados.
Quadro 1: Cronograma simplificado de temas e atividades da disciplina. Estágio Curricular
Supervisionado VI (Metodologia e Prática de Ensino de Química)
DATA
TEMA/ATIVIDADE
09/03
Apresentação da disciplina.
16/03
Narrativas literárias, autobiográficas e avaliação da disciplina (uso de portfólios).
23/03
Museus de Ciências: Educação sistematizada/assistemática
versus
educação
escolar/não escolar. Texto: MORI, R. C.; CURVELO, A. A. S. O pensamento de Dermeval
Saviani e a educação em museus de Ciências. Educação e Pesquisa, v. 42, n. 2, p.
491-506, 2016.
30/03
Relação museu-escola: O estágio em ambiente não escolar e tendências pedagógicas
dos museus de Ciências. Texto: CAZELLI, S.
et al
. Tendências pedagógicas das
exposições de um museu de ciência.
In
: II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 1999, Valinhos. Anais [...] Rio de Janeiro: Abrapec, 1999, p.
1-12.
06/04 -
27/04
Estágio de observação e o currículo no museu: Centro de Divulgação Científica e Cultural
(CDCC); Museu de Arqueologia e Paleontologia de Araraquara (MAPA); Centro de
Ciências de Araraquara (CCA); Museu Catavento (3 aulas).
04/05
A obra de Primo Levi: Ideias centrais a partir da leitura de livros selecionados.
11/05
Os conteúdos químicos em museus de Ciências e a transposição museográfica.
18/05
Apresentação da proposta de exposição no CCA relacionada com a obra de Primo Levi.
25/05 -
29/06
Planejamento da exposição (busca por apoiadores, seleção dos conteúdos químicos,
elaboração das seções, escolha e cotação de mobílias e materiais, produção de
audiovisual etc.) (5 aulas).
03/08 -
31/08
Montagem da exposição (4 aulas).
14/09
Os mediadores: Quem são e qual o seu papel nos museus de Ciências no Brasil?
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21/09 -
28/09
Planejamento e orientação da mediação da exposição (2 aulas).
05/10 -
09/11
Mediação da exposição (Inauguração: 01/10) (4 aulas).
16/11
Análise geral da exposição e da mediação.
23/11
Finalização do material base da mediação para entrega no Centro de Ciências de
Araraquara.
30/11
Visita à exposição pelos discentes do Programa de Pós-Graduação em Educação para a
Ciência da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Bauru.
07/12
Encerramento da disciplina.
Total de 30 aulas: 11 aulas teóricas em sala de aula utilizando metodologia expositiva e dialogada
e recorrendo a leituras prévias feitas pelos licenciandos; e 19 aulas práticas com visitas técnicas e ao
CCA.
Legenda:
Encontros teóricos
Encontros práticos
Estágio de observação
Fonte: Elaborado pelos autores.
O Quadro 2 especifica os principais textos de Primo Levi que foram referência para as
discussões em sala de aula com os estudantes.
Quadro 2: Descrição das obras de Primo Levi trabalhadas em sala de aula.
Obra
Descrição
Assim foi Auschwitz
Testemunhos 1945-1986
(publicado originalmente
em 1946)
Escrito com Leonardo De Benedetti, o livro apresenta testemunhos na
forma de relatórios que descrevem as condições físicas do campo de
concentração e a higiene e saúde dos prisioneiros. Publicado em 2015
pela Companhia das Letras.
É isto um homem?
(publicado originalmente
em 1947)
Primeiro livro escrito pelo químico após seu exílio, esse é um relato sobre
o ano em que Primo Levi ficou preso no campo de concentração de
Auschwitz. O livro foi publicado no Brasil em 1988 pela Editora Rocco.
71 contos de Primo Levi
O livro reúne contos das obras
Histórias naturais
(1967),
Vício de forma
(1971)
e
Lilith
(1981), com histórias que oscilam entre a fantasia, a ficção
científica e a distopia. Principalmente nas duas primeiras obras, Levi nos
alerta para as consequências da Ciência e seus aparatos tecnológicos na
sociedade, partindo da sua experiência no maquinário monstruoso da
guerra. A reunião de textos foi publicada no Brasil pela Companhia das
Letras em 2005.
A tabela periódica
(publicado originalmente
em 1975)
Esse livro está centrado em discussões sobre a Química e o trabalho do
químico. Dividido em 21 capítulos, que recebem nomes de elementos
químicos,
A tabela periódica
foi premiado pela
Royal Institution of Great
Britain
como melhor livro popular de Ciências já escrito. Foi publicado no
Brasil em 1994 pela Editora Relume Dumará.
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Rev. Ciênc. & Ideias
O ofício alheio
(publicado
originalmente em 1985)
Livro composto por contos e ensaios, no qual os seguintes temas são
abordados: Natureza, Botânica, Zoologia, Astronomia, Química,
Literatura, Linguagem, a relação entre os dois ofícios do autor e contos
ainda inéditos sobre o
Lager
. No Brasil, a obra foi publicada em 2016 pela
Editora Unesp.
A assimetria e a vida
Artigos e ensaios 1955-
1987
(publicado
originalmente em 2002)
A obra reúne artigos e ensaios de Levi acerca do esquecimento e da
banalização das atrocidades ocorridas na II Guerra Mundial. Em alguns
textos o autor aproxima-se de uma escrita mais filosófica, como o texto
que dá nome ao livro, “A assimetria e a vida”. Publicado em 2016 pela
Editora Unesp.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Todos esses conteúdos estão interligados e perpassam o desenvolvimento da
disciplina. A definição do tema da exposição se deu levando em conta a possibilidade de uma
ação educativa em homenagem às duas datas comemorativas do ano de 2019 o centenário
de nascimento de Primo Levi e os 150 anos da Tabela Periódica. No primeiro trimestre de 2019
iniciamos um esforço coletivo em busca de financiamento para a montagem da exposição em
paralelo ao desenvolvimento da disciplina.
Elaboramos um projeto museográfico em parceria com uma editora local, e buscamos
tanto captar recursos junto a indústrias de tintas, levando em conta o fato de Primo Levi ter
atuado como químico nesse ramo industrial, como também patrocínios de sociedades
científicas e culturais. Outro caminho escolhido foi o financiamento coletivo por meio de uma
campanha virtual, cujo montante captado foi irrisório, mesmo tendo uma divulgação intensa
durante os dois meses que ficou no ar. Persistimos bastante na busca por patrocinadores e,
no final de junho de 2019, conseguimos recursos do departamento envolvido na oferta da
disciplina, do Conselho de Curso de Graduação, além da doação de livros do autor
homenageado na exposição e de móveis e alguns objetos que compõem o cenário expositivo.
A escolha por trabalhar a literatura de Primo Levi no ECS VI também se deu em função
do contexto do grupo de pesquisa coordenado por uma das autoras, que orientou e orienta
pesquisas de iniciação científica e pós-graduação e projetos de extensão envolvendo a vida e
a obra do químico e escritor italiano e suas múltiplas relações com a Ciência, a Literatura, os
Direitos Humanos e a educação em Ciências. Defendemos a inserção da literatura de Primo
Levi no contexto da formação inicial de professores de Química por entender que ela amplia e
valoriza o entendimento das relações entre a Ciência e a Arte, permitindo-nos propor uma
formação de futuros educadores com uma nova concepção de mundo, ou seja, um mundo
menos fragmentado.
Os conteúdos curriculares trabalhados no ECS VI foram definidos de modo a apresentar
aos futuros professores de Química as especificidades do espaço do museu de Ciências,
passando a considerá-lo como mais uma possibilidade no processo de ensino e aprendizagem.
Para isso, organizamos e discutimos os conteúdos a fim de atender aos objetivos a que nos
propusemos para a formação dos licenciandos em Química. Ao longo de 2019, foram
desenvolvidos os seguintes conteúdos e seus respectivos subtópicos:
I. Narrativas literárias e autobiográficas: definição de narrativas literárias a partir do
capítulo “Vanádio” (LEVI, 1994). Tomando como base a leitura desse material,
exploramos a importância da produção de uma narrativa autobiográfica, com ênfase
no percurso pessoal e formativo dos licenciandos.
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II. Portfólios como instrumentos de avaliação: definição, motivo da escolha, principais
características e construção.
III. Educação sistematizada/assistematizada
versus
escolar/não escolar: explicação das
diferentes modalidades de educação a partir do pensamento de Dermeval Saviani
(1996) e do reconhecimento do lugar ocupado pelos museus nesse contexto.
IV. História dos museus de Ciências: definição do que é um museu e o que é um museu
de Ciências. Apresentação da historicidade dos museus de Ciências, exemplificada por
meio das principais instituições brasileiras.
V. Teorias pedagógicas da educação em Ciências no ambiente do museu: retomada do
desenvolvimento das teorias pedagógicas (Tradicional, Renovada, Tecnicista,
Libertadora, Crítico-Social) no campo da educação em Ciências e sua influência nas
exposições museográficas em museus de Ciências.
VI. Relação do museu com a escola: considerando que no Brasil a maioria dos museus de
Ciências são universitários e que seu público é formado sobretudo por alunos da
Educação Básica, exploramos as possibilidades de integração dessas duas modalidades
de educação, pensando no processo de ensino e aprendizagem de Ciências/Química.
VII. Estágio supervisionado no espaço dos museus: apresentação das ações que vêm
sendo realizadas em outras universidades nos espaços permitidos por lei para a
realização dos estágios nas licenciaturas, e discussão sobre a necessidade de formar
profissionais aptos a planejar práticas pedagógicas em espaços educativos
diferenciados.
VIII. Conhecimentos químicos em museus de Ciências: problematização na teoria e na
prática de como a Química vem sendo divulgada nos museus de Ciências, discutindo
quais os limites, as dificuldades e os possíveis avanços para comunicar essa Ciência,
de forma a sistematizar como poderíamos avançar nessa comunicação por meio da
nossa exposição sobre a vida e obra de Primo Levi.
IX. Transposição museográfica: definição e discussão dos principais conceitos envolvidos,
articulados aos elementos que fizeram parte da exposição (textos, imagens, objetos,
conteúdos audiovisuais, elementos cenográficos).
X. Vida e obra de Primo Levi: biografia de Primo Levi e algumas de suas principais obras
(que vão desde literatura de testemunho, ensaios e artigos até contos de ficção
científica), com leituras de textos previamente selecionados, buscando extrair desses
materiais os conteúdos da exposição.
XI. Mediação humana em museus de Ciências: conceito de mediação humana em museus,
identificação de quem são os mediadores nos museus brasileiros, qual o papel
desempenhado por eles, como são formados e quais saberes desenvolvem durante a
mediação de uma exposição.
Toda a bibliografia, os
slides
utilizados nas aulas e os materiais complementares foram
disponibilizados para os alunos na Plataforma
Moodle
. Essa ferramenta foi o principal canal de
comunicação entre os envolvidos na disciplina ECS VI.
OS PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
O trabalho didático com os licenciandos foi organizado e executado em 30 encontros,
respeitando os três eixos de conteúdos da disciplina: o teórico, que englobou as discussões
sobre as ações educativas da instituição museal; o observacional, que aproximou os alunos
desses espaços e proporcionou um novo olhar sobre o até então desconhecido; e o prático,
buscando uma intervenção direta e transformadora, mediante atividades previamente
planejadas.
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1)
Ações envolvendo os conteúdos teóricos
Foram realizados sete encontros de caráter teórico no primeiro semestre e quatro no
segundo semestre. As atividades envolveram aulas expositivas e dialogadas, com
apresentação de
slides
, explicação em lousa, leitura e discussão de textos indicados
previamente (Quadro 1 e 2) e apresentação de vídeos com o objetivo de enriquecer os temas
trabalhados e fomentar as discussões realizadas.
Na primeira das aulas teóricas, cada uma delas com duração de quatro horas, foi feita
a apresentação da disciplina. Foram expostas aos licenciandos as justificativas de seu formato,
o modo de avaliação e a proposta de planejamento, montagem e execução da exposição. Na
sequência, foram discutidas as características de uma narrativa literária e as possibilidades de
trabalhar esse gênero textual na educação em Ciências. Os alunos fizeram a leitura do capítulo
“Vanádio” (LEVI, 1994) e discutiram suas impressões sobre o texto. Essa atividade inicial teve
como objetivo apresentar o autor que seria trabalhado ao longo de todo o ano letivo e convidar
os alunos a escreverem sua própria narrativa autobiográfica, destacando os principais
elementos do percurso pessoal e formativo, principalmente as vivências com os espaços não
escolares e o interesse em relação a assuntos de Ciência e Tecnologia. Esses conteúdos foram
trabalhados pela mestranda e estagiária docente, cuja pesquisa tem como objeto de estudo a
relação entre a Ciência e a Arte presente na obra de Primo Levi.
No segundo encontro foi feita a indicação de alguns livros de Primo Levi aos alunos,
com capítulos, contos, ensaios e artigos previamente selecionados, os quais mostram de forma
mais explícita a relação com a Ciência/Química. O objetivo das leituras foi permitir que os
alunos entrassem em contato com a literatura de Levi e realizassem a seleção de conteúdos
para compor a exposição. A distribuição dos livros foi realizada de maneira aleatória e cada
aluno ficou responsável pela leitura das partes selecionadas, embora tenhamos recomendado
a leitura da obra completa. Foi solicitado o compartilhamento de excertos que mais chamaram
a atenção durante a leitura individual, por meio de postagens na Plataforma
Moodle
,
colaborando com o enriquecimento de temas possíveis de serem abordados na exposição.
O terceiro e o quarto encontro foram destinados a trabalhar os conteúdos da interface
entre educação, educação museal e educação em Ciências. Os dois encontros tinham indicação
de um texto como leitura obrigatória (Quadro 1) para guiar a organização dos temas
apresentados durante a aula. O número reduzido de alunos na disciplina favoreceu a dinâmica
das aulas, de modo que conseguimos trabalhar intercalando a explanação da docente e as
intervenções dos licenciandos. Além disso, foi possível explorar o surgimento das diferentes
gerações de museus de Ciências, a forma como esses espaços vêm sendo inseridos nos
estágios supervisionados e sua relação com a escola. Também tivemos a oportunidade de
propor momentos para os alunos refletirem sobre os principais apontamentos da educação
não escolar: quando começa e quando termina a visita a um museu, o papel do professor
durante a visita a esses espaços, entre outros.
A discussão sobre o reflexo das teorias pedagógicas da educação em Ciências nas
exposições de museus foi feita por um levantamento coletivo, com registro na lousa, indicando
possíveis aproximações do papel do museu, principais conteúdos divulgados, métodos de
interação entre a exposição e o público, e as três gerações dos museus de Ciências de acordo
com as pedagogias tradicional, renovada, tecnicista, libertadora e crítico-social. Essa aula foi
bastante produtiva, pois os licenciandos relembraram os conhecimentos aprendidos na
disciplina de Didática das Ciências.
O quinto encontro teórico, ministrado pela estagiária docente, abordou a vida e a obra
de Primo Levi, contextualizando os aspectos principais de sua biografia, a formação como
químico, sua prisão no campo de concentração de Auschwitz, a descoberta do ofício de escritor
e suas principais obras literárias. Essa aula foi fundamental, porque acreditamos que nesse
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momento os alunos puderam conhecer Primo Levi e entender como sua obra ressalta
elementos fundamentais para serem explorados no ensino de Química. Outro destaque foram
os relatos dos alunos a respeito da identificação dos conhecimentos químicos nos textos do
autor, ressignificando toda a formação dentro de um contexto que privilegia as disciplinas de
caráter específico (teórico-prático) da Química. Todos os licenciandos tiveram contato com a
literatura de Primo Levi pela primeira vez durante a disciplina.
O sexto encontro foi destinado a discutir a Química nos museus de Ciências,
problematizando os desafios e as dificuldades para divulgar essa Ciência por meio de trabalhos
e experiências museais que discutem essas questões. Também trabalhamos com os alunos o
conceito da transposição museográfica, assumindo que no espaço do museu acontece um
fenômeno educativo, de forma que é preciso pensar a produção de novos saberes do
científico ao museal.
A obra de Primo Levi embasou discussões sobre a divulgação de conhecimentos
químicos no espaço do museu, e foi problematizada como uma ferramenta didática
enriquecedora para ser utilizada em sala de aula. O último encontro teórico do primeiro
semestre foi destinado a discutir a proposta da exposição, com destaque para o espaço em
que seria montada dentro do CCA. Não podemos deixar de mencionar que essa aula foi
marcada por muitos diálogos de euforia por parte dos alunos e algumas inseguranças, oriundas
do medo de não se conseguir executar o projeto.
As aulas teóricas do segundo semestre abordaram a mediação humana utilizada pelos
museus de Ciências, a análise das mediações realizadas pelos licenciandos e a finalização do
texto que foi produzido, reunindo os principais conteúdos envolvidos na exposição. Discutimos
o significado de mediação, quem são os mediadores dos museus brasileiros e qual o seu papel,
com enfoque no conceito dos saberes da mediação.
Essas reflexões foram base para os alunos analisarem suas próprias mediações,
trazendo para o debate em sala de aula as diferentes abordagens que puderam experienciar,
bem como seus desafios e dificuldades.
2)
Ações envolvendo o estágio de observação
No que diz respeito ao estágio de observação, programamos essa etapa em três
encontros, com visitas agendadas a três museus de Ciências: Centro de Divulgação Científica
e Cultural (CDCC), Museu de Arqueologia e Paleontologia de Araraquara (MAPA) e o Centro
de Ciências de Araraquara (CCA). Em cada um deles fomos recebidos pela equipe gestora,
responsável por nos acompanhar e mediar as exposições. Também visitamos o Museu
Catavento, na cidade de São Paulo, mas não foi possível agendar uma visita guiada, pois aos
sábados o museu não disponibiliza esse tipo de agendamento.
Os alunos tinham em mãos um roteiro orientador para a observação que foi
apresentado e discutido em sala de aula e que versava sobre diversos aspectos que os
licenciandos deveriam observar e registrar durante as visitas. O roteiro de observação foi
elaborado pelas docentes responsáveis pela disciplina e trazia elementos relacionados à
descrição da instituição (história, equipe, público-alvo, ações educativas ofertadas, meios de
comunicação, localização, estrutura física); à avaliação do acervo expositivo; à exposição dos
conteúdos químicos; à avaliação do atendimento ao público; à avaliação das potencialidades
didáticas; à identificação das tendências pedagógicas estudadas; à contribuição da visita para
o processo de formação de professores de Química; e à avaliação pessoal da instituição.
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Solicitamos aos alunos que realizassem registros escritos das visitas em um caderno
ou aparelho celular e também o registro de imagens para compor o relatório, que foi postado
na Plataforma
Moodle
.
Essa etapa do estágio de observação teve como objetivo o olhar para a Química no
ambiente dos museus de Ciências, problematizando essa divulgação a fim de propor uma ação
educativa de comunicação desse campo científico no museu. Foi fundamental conhecer essas
instituições e identificar as possíveis articulações entre o museu e a escola, possibilitando aos
licenciandos o reconhecimento desses espaços como possibilidades futuras para
complementar o ensino de Química.
3)
Ações envolvendo a prática de intervenção
A dimensão prática da disciplina envolveu 16 encontros, divididos entre o planejamento
(7), a montagem da exposição (4) e a sua mediação (5), etapa essa que foi realizada durante
os meses de outubro e novembro de 2019.
A etapa de planejamento contemplou a busca pelos apoiadores financeiros, a seleção
dos conteúdos químicos, a elaboração das seções, a escolha e cotação de mobílias e materiais
e a produção audiovisual. Nosso primeiro encontro para planejamento foi marcado por uma
retomada dos conteúdos teóricos estudados e das observações aos espaços museais visitados,
que foram referência para propor uma nova perspectiva de divulgar e comunicar a Química
em museus por meio da obra de Primo Levi. Essa aula foi marcada pela construção coletiva
de uma definição do que é Química, sendo que cada licenciando compartilhou o seu
entendimento, fruto de todo o conhecimento adquirido no curso de licenciatura, assim como
novas definições problematizadas após a leitura dos textos de Levi.
Também contamos com um colaborador voluntário em um encontro com os alunos,
responsável pela orientação das escolhas de imagens e produção do material audiovisual da
exposição a partir das propostas dos alunos. Ele ficou encarregado da comunicação visual da
exposição, além de ter trabalhado em um projeto de extensão com textos de Primo Levi.
Atualmente, é mestrando em Educação para a Ciência e investiga o estatuto ontológico e o
epistemológico da Ciência nos contos de ficção científica distópica de Primo Levi, com base no
referencial marxista.
As tarefas relacionadas à montagem da exposição foram divididas entre os
participantes do projeto, o que envolveu o acompanhamento dos serviços de marcenaria, a
organização dos móveis na sala da exposição, a definição dos objetos expositivos, a impressão
de fotos e textos, a montagem dos quadros que compõem uma das seções, a colagem das
plotagens nas paredes, as filmagens, as gravações de áudio e o teste das telas com os
materiais audiovisuais. O processo foi desafiador por termos que conciliar as propostas dos
alunos, revisar continuamente as produções e padronizar os materiais no
layout
da exposição,
o que exigiu contato frequente entre os envolvidos em momentos extraclasse.
O preparo para a realização da mediação foi pautado nas discussões feitas nos
encontros teóricos. No sábado que antecedeu a inauguração da exposição, simulamos uma
visita mediada e cada licenciando ficou responsável por apresentar uma das seis seções. Na
Figura 1, apresentamos algumas capturas das seções que compõem a exposição, compostas
por quadros, livros, objetos de laboratório, multimídias etc.
Ressaltamos que, embora cada seção esteja centrada em um aspecto da vida de Primo
Levi, elas foram pensadas e construídas de tal forma que se complementam dentro do espaço
da exposição, assim como essas esferas se articulam na vida e na obra do autor. O momento
da simulação da visita mediada serviu para discutirmos coletivamente algumas vidas de
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conteúdo, dinâmicas possíveis para serem trabalhadas com os grupos de visitantes e
questionamentos interessantes para envolver o público com a temática da exposição.
Figura 1: Seções da exposição I: Tabela Periódica Interativa; II: Cronologia; III: Químico; IV:
Auschwitz; V: Mesa híbrida; VI: Escritor. Fonte: Elaborado pelos autores.
Durante um mês de atendimento ao público, a exposição recebeu aproximadamente
300 visitantes (público escolar e espontâneo). Dentre o público escolar, a mediação foi feita
com turmas do 5º, 8º e do 9º ano do Ensino Fundamental, e uma do Ensino Médio. Também
recebemos uma turma do curso de graduação em Pedagogia da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” Campus de Araraquara. A experiência da mediação vivenciada pelos
licenciandos foi fundamental para a produção do material de apoio com os conteúdos
presentes na exposição, pensando na futura formação de novos mediadores do CCA.
Além disso, realizamos um trabalho de divulgação da exposição na Escola Estadual
João Batista de Oliveira, em Araraquara, com a participação de duas licenciandas. Essa
atividade consistiu no contato com os estudantes das três séries do Ensino Médio, enfatizando
os temas da Química na obra de Primo Levi e convidando-os para visitarem a exposição. Foi
uma forma de divulgar tanto a ação prática realizada dentro do estágio, bem como o próprio
museu de Ciências, sabendo que essas instituições recebem um número bastante reduzido de
visitantes espontâneos.
Solicitamos que fosse produzido um texto sobre os principais pontos discutidos nos
encontros, contemplando as dúvidas, comentários e outras observações que os alunos
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considerassem pertinentes. Esse material compôs o portfólio de cada um e serviu como
avaliação da disciplina.
AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA FORMATIVA
A avaliação dos alunos foi planejada a partir da produção de portfólios individuais,
compostos por textos produzidos ao longo de toda a disciplina. Optamos por trabalhar com
uma avaliação formativa, propiciando a cada estudante acompanhar seu próprio processo de
aprendizagem (VILLAS BOAS, 2001).
Portanto, toda a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado VI (Metodologia e
Prática de Ensino de Química) foi documentada por meio dos registros e reflexões realizadas
após cada aula. É importante mencionar o desafio de trabalhar com esse instrumento de
avaliação, principalmente no que diz respeito à devolutiva dos estudantes após a correção do
professor, além do exercício de trazer no texto reflexões que fazem conexão com as práticas
sociais vivenciadas pelos alunos.
Como instrumentos de avaliação, tivemos as narrativas autobiográficas produzidas no
início da disciplina, 11 textos sobre as aulas teóricas, quatro roteiros de observação após as
visitas aos museus de Ciências e uma análise sobre as mediações realizadas. Todas essas
produções textuais foram elaboradas individualmente pelos licenciandos.
Após a leitura na íntegra de todo o material produzido durante a disciplina, destacamos
quatro grandes contribuições que o estágio em museus de Ciências com Primo Levi trouxe aos
estudantes. Apresentamos aqui, alguns excertos extraídos dos textos produzidos pelos
licenciandos que exemplificam essas contribuições.
Construção de uma concepção de museu e de sua função social, e valorização dos
espaços museais: esses trechos demonstram que o estágio propiciou a construção de
uma concepção de museu de Ciências e auxiliou os licenciandos a compreenderem a
função social do museu, a importância do museu como espaço de educação e a
importância da escola como instituição que pode contribuir para a valorização desses
espaços.
[...] extraí a importância do museu para nossa sociedade, pois ele é
responsável por resguardar o direito do cidadão a ter acesso à sua própria
história, seja para fins de estudo ou mesmo contemplação; no entanto, para
que isso aconteça é necessário que esta instituição (museu) se comprometa
a conservar diferentes objetos e coleções, disponibilizando-as da melhor
forma posteriormente ao público [...] embora não haja experiência de museu
por parte da família ou escola, a disciplina de ECS VI pode trazer grandes
contribuições para nossa formação pessoal enquanto público frequentador de
museus e, ainda sim, nos capacitar para atuarmos como mediadores em
visitas com futuros alunos.
Carol
7
[...] além de todos os referenciais teóricos da área de ensino não formal
abordados ao longo do ano, recebemos a oportunidade de conhecer novos
museus e refletir sobre a importância desses espaços para a formação dos
7
Os nomes são fictícios, respeitando a cláusula de anonimato presente no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido assinado pelos licenciandos no início da disciplina.
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alunos e para a sociedade, ressaltando a necessidade de lutarmos para que
espaços como esses sejam valorizados e recebam mais incentivos para seu
desenvolvimento.
Aline
Importância da preparação docente para a atuação nos espaços de educação não
escolar: os licenciandos demonstraram entender a importância da atuação do professor
que visita museus de Ciências com seus alunos. A visita pode e deve considerar a faixa
etária dos estudantes e os objetivos educacionais. Além disso, deve ter relação com os
conteúdos trabalhados em sala de aula e pode contar com a participação do professor
que planejou a visita.
[...] foram discutidos alguns aspectos sobre os treinamentos que são
oferecidos para os monitores. Devido a minha experiência como monitora,
pude perceber que a maioria dos professores que acompanhavam os alunos
na visita ao CCA não estavam aptos devidamente para as visitas e poucos
aproveitavam tudo que podíamos oferecer. Como aluna de licenciatura, pude
perceber o quanto é importante o estágio em museus ou centro de ciências.
Bia
De maneira geral, a exposição me fez notar o quanto é importante a
existências de espaços não formais para complementar o ensino que é dado
dentro da sala de aula.
Bruno
É extremamente importante para todos os licenciandos que darão aula ou dão
aula terem consciência que esses espaços precisam ser conhecidos
previamente antes de qualquer visita, e que o professor não é mero
coadjuvante nas visitas a esses lugares
Eliza
[...] a disciplina também trouxe grandes aprendizados, conheci referenciais
teóricos da área de ensino não formal, como a Martha Marandino, novos
museus e me fez ter a certeza que quando for professora de Química
trabalharei os conceitos científicos de diferentes maneiras, optando se
possível por realizar visitas a espaços de divulgação científica; buscando não
só levar os alunos a esse espaço de maneira pontual, mas os preparando para
esse momento e incentivando a explorarem esse espaço de maneira crítica,
ativa e reflexiva.
Carol
Discussões acerca da epistemologia da Química e sobre o conhecimento químico
presente em museus de Ciências: o processo de construção de uma exposição para
um museu de Ciências envolveu a discussão sobre quais aspectos da Química
destacados pelos licenciandos deveriam ser apresentados. Por isso, discussões acerca
da epistemologia da Química e de como o conhecimento químico é abordado nos
museus de Ciências estiveram presentes nas aulas. Essas discussões fizeram com que
os alunos discutissem sobre algo tão importante para um cientista e para um futuro
professor de Ciências: questões acerca da Natureza da Química.
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Uma parte de mim estava inquieta por não saber se realmente a Química
[sic]
este significado claro para mim mesma, algumas vezes as frases dos meus
colegas tomavam rumos diferentes do que eu acreditava e já não sabia quem
estava certo ou errado naquele momento.[...] Essa definição do que é Química
foi o resultado da discussão realizada entre todos os alunos, ela mostra o
objetivo de todos os visitantes terem acesso às múltiplas facetas da Química;
compreendendo-a como uma área que não só permite compreender o mundo
ao nosso redor, mas também pode ser uma área utilizada apenas para atender
interesses de pequenas classes sociais.
Carol
Reconhecimento da relação existente entre a Ciência e a Literatura: o contato com a
literatura de Primo Levi e o esforço de apresentar a Química relacionada com os textos
do autor italiano fez com que os licenciandos entendessem esses conhecimentos
escolares de forma integrada e de modo mais humanizado, reconhecendo nessa
relação uma potencial forma de divulgar a Ciência.
É impossível pensar em seu trabalho químico e literário isolados de um período
histórico assombroso, o que faz de sua vida e obra um referencial inestimável
para uma abordagem multifacetada que necessita o ensino em Química.
Caio
Sem dúvidas foi uma experiência que trouxe uma grande contribuição para
minha formação, pois me trouxe o olhar da importância da nossa exposição
para que ocorresse uma mudança da concepção do que é a Química e sua
articulação com a literatura para os estudantes que tinham uma visão muito
fragmentada dessas duas áreas, mas que mostraram-se interessados pela
humanização trazida nas obras do Primo Levi.
Aline
REFLEXÕES SOBRE O ESTÁGIO NO MUSEU
Esta experiência formativa e de produção de uma exposição museográfica dependeu
de uma equipe de trabalho cujo mérito e aprendizagens não podem ser avaliados
separadamente. Nesse sentido, apresentamos a seguir as autoavaliações e as avaliações da
experiência formativa feitas por cada um dos integrantes da equipe envolvida no projeto.
A coordenadora da disciplina e da exposição reforçou sua defesa no trabalho coletivo
e no potencial da licenciatura para a formação ampla dos professores de Química. Coordenar
a equipe possibilitou propor e pensar em conjunto soluções para os desafios envolvidos nesta
tarefa, a partir da busca de alternativas que apontassem como engajar os estudantes de final
de curso em um estágio tão trabalhoso, como viabilizar os recursos e a estrutura para montar
a exposição, e como integrar ações de ensino-pesquisa-extensão. As aprendizagens foram tão
grandes quanto os desafios, e buscar novas formas de atuação no Ensino Superior, novas
parcerias, trazer e estudar novos temas foram alguns dos caminhos encontrados para vencer
esses desafios. Embora o engajamento dos estudantes tenha variado ao longo da experiência,
a participação foi suficiente para construir a exposição, garantir as aprendizagens objetivadas
e sentir orgulho no momento da inauguração do espaço. A equipe continua envolvida com a
exposição buscando manter viva a experiência, e no ano de 2020, diante da pandemia que
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enfrentamos, foi inaugurada a exposição no formato virtual
8
, permanecendo, de alguma
forma, aberta para a sociedade.
A professora que ministrou a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado VI
(Metodologia e Prática de Ensino de Química) em 2019 destacou que essa foi, sem dúvida, a
maior e melhor experiência que vivenciou enquanto professora de Química e pesquisadora em
formação. Foi também sua primeira atuação como docente no Ensino Superior, tendo que lidar
com o medo e a insegurança durante todo esse processo. Destacou que apesar de todo o
planejamento antecipado, e como em qualquer outra disciplina, houve momentos em que
foram necessários pequenos ajustes frente a alguns imprevistos. Esses foram superados
graças à colaboração fiel da equipe que fez parte deste trabalho e da compreensão dos
licenciandos que participaram da experiência.
Falar do potencial formativo dos museus de Ciências, até então, estava restrito aos
espaços dos congressos científicos e à escrita de produções acadêmicas. Com a disciplina de
ECS VI, conseguimos comunicar para sete futuros professores de Química a importância
educativa desses ambientes, e lhes proporcionar uma vivência intensa, que teve início com
discussões de assuntos amplos que compõem a educação museal, passando pela
problematização da divulgação do conhecimento químico e encerrando com a materialização
de uma exposição que é fruto de tudo o que foi vivido nesse contexto. Ao longo de toda a
experiência, a vida e a obra de Primo Levi suscitaram diversas discussões híbridas e despertou
uma nova compreensão da Química e sua relação com a Arte e a Sociedade. Finalizamos a
disciplina com a certeza da importância da inserção de discussões no âmbito da formação
inicial de professores sobre os aspectos teórico e prático da educação em museus. Traçamos
um caminho possível e viável para o contexto dos Estágios Supervisionados nos cursos de
licenciatura, marcado por algumas inquietações. Dentre essas, destacamos a falta de
metodologias sistematizadas para as atividades desenvolvidas pelos museus, pesquisas que
debatam teoricamente como superar as dificuldades de divulgar a Química, estudos que
problematizam e apontem caminhos mais objetivos acerca da forma de realização da mediação
humana, além da urgência no aumento de políticas públicas mais consistentes para essas
instituições continuarem promovendo divulgação científica e tecnológica de qualidade e
socialmente referenciada.
A estagiária docente destacou que sua atuação trouxe contribuições que foram além
do papel de um estágio desse tipo. Ressalta que no contexto do Estágio Curricular
Supervisionado VI (Metodologia e Prática de Ensino de Química) teve a oportunidade de
acompanhar de perto o desenvolvimento de uma proposta enriquecedora para a formação
docente: a preparação do professor para atuação em espaços não escolares. Ao mesmo
tempo, enfatizou que teve a oportunidade de aprofundar seus estudos sobre o próprio objeto
de sua pesquisa de mestrado. As discussões com os alunos sobre o autor e o ato de
compartilhar novos olhares para o mesmo texto literário foram férteis. Ressaltou também a
importante contribuição que a participação nessa experiência ímpar proporcionou, compondo
a equipe que planejou e montou uma exposição sobre Química, Literatura e Direitos Humanos.
Essa exposição, que divulga a Química de um modo não comum, de uma forma integrada com
a Literatura e com o mundo concreto, auxiliou a equipe a partilhar de uma perspectiva menos
fragmentada de mundo, além de possibilitar aos licenciandos um meio de discutir sobre
questões humanísticas e filosóficas integradas à Ciência/Química em um curso de licenciatura
em Química que pouco favorece essas discussões.
8
A exposição virtual “Um quimiscritor no museu: ciência, literatura e direitos humanos com Primo Levi” pode ser
visitada no endereço eletrônico: https://sites.google.com/unesp.br/quimiscritor.
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O mestrando e colaborador voluntário ressaltou que sua identificação com Primo Levi
era anterior ao Estágio Curricular Supervisionado VI (Metodologia e Prática de Ensino de
Química), mas foi por meio do planejamento e da montagem da exposição que teve contato
mais intenso com sua vida e obra. Lembrou que durante sua graduação cursou o ECS VI com
a professora coordenadora e também realizou o estágio no Centro de Ciências de Araraquara,
interessados na caracterização e na potencialidade de espaços não escolares, bem como na
divulgação do CCA para um público mais amplo (MASSI; LEONARDO JÚNIOR, 2016). Assim,
disse acreditar que retornar àquele espaço após alguns anos, com outra visão de mundo e
novas leituras, e poder intervir diretamente por meio de uma exposição foi uma experiência
satisfatória e significativa para sua formação e direcionamento para o mestrado. Como tinha
experiência com filmagens e edição, contribuiu orientando e padronizando as propostas dos
alunos que surgiam a partir das aulas, compartilhando do seu conhecimento sobre o autor e
em relação aos espaços não escolares, e avaliando a viabilidade de alguns materiais para a
proposta e o espaço disponível.
Avaliamos que as contribuições da experiência formativa relatadas tiveram implicações
diretas no contexto da formação inicial de professores de Química, para os futuros professores
que participaram do processo, para a equipe (professoras e colaboradores) e para a instituição
museal onde foi realizada a parte prática da disciplina. Arriscamo-nos a dizer que os
licenciandos participantes desta experiência, que tiveram a oportunidade de atuar do início ao
fim na produção de uma exposição museográfica no contexto de uma disciplina, foram
pioneiros pelo menos no âmbito nacional na execução de uma proposta cuja abordagem
temática integrou três temas Ciência, Literatura e Direitos Humanos abordados de maneira
brilhante por Primo Levi e que são vistos de forma fragmentada na sociedade.
Esperamos que esse formato de estágio supervisionado possa inspirar outras disciplinas
de caráter prático-pedagógico, e que a exposição aqui apresentada seja um recurso didático
a ser explorado em futuras formações.
Agradecimentos
Agradecemos ao Centro de Ciências de Araraquara (CCA) por ceder o espaço para a
montagem da exposição, a todos os apoiadores financeiros, aos apoios recebidos na forma
de doação e divulgação da exposição, aos licenciandos envolvidos no projeto, e a todos
envolvidos com o processo de produção e montagem da exposição.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução
CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena. 2002. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf. Acesso em: 22 abr. 2020.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução
CNE/CP nº 2, de 1 de julho de 2015. Diretrizes curriculares nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica
para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-
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LEVI, P. A tabela periódica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
VOLUME 13, N.4 OUTUBRO/DEZEMBRO 2022
167 | P á g i n a
UM ESTÁGIO NO MUSEU COM PRIMO LEVI... pp: 149-167
Revista Ciências & Ideias, ISSN 2176-1477
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Article
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Este texto relata a organização do trabalho desenvolvido na disciplina Avaliação da Aprendizagem, do Curso de Pedagogia da UnB, adotando-se como eixo norteador o porta-fólio. O trabalho da disciplina enfrenta o seguinte desafio: possibilitar aos alunos estudar, pesquisar e analisar a avaliação que defendemos e, ao mesmo tempo, praticá-la de forma convencional, isto é, para aprovar ou reprovar os alunos, ou vivenciar e construir, juntamente com eles, práticas avaliativas que apoiem a sua aprendizagem e os ajudem a selecionar as que poderão utilizar quando estiverem atuando em escolas. Pensando nisso é que se introduziu a construção do porta-fólio por aluno, com o propósito de preparação dos futuros profissionais para uma prática reflexiva, em todas as dimensões do trabalho escolar. O porta-fólio tem possibilitado a prática da co-responsabilidade (professora e alunos) no desenvolvimento das atividades e das práticas avaliativas e tem se “constituído um exemplo vivo de que a avaliação pode ser um processo prazeroso e construtivo para o aluno, servindo-lhe, inclusive, como ferramenta para se auto-avaliar, visto ser um instrumento que traduz a subjetividade de cada um” (aluna da disciplina, 1999).
Article
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We present, in this article, an investigation about the potential of the relationship between formal and non-formal educational environments. Therefore it is not an empirical research, but an essay on the topic. This paper demonstrates the concept that science education and science outreach can be privileged by actions that are developed by closer relations between formal and non-formal places. Currently, non-formal environments such as museums and science and technology centres are considered potential educational resources within the reach of schools. Educators from museums have conducted studies which demonstrate a predominant model of the utilization of these institutions by teachers, which consists of illustrative visits during the exhibitions, but does not feature a collaborative relationship or partnership between schools and these institutions. In Brazil, the main examples of approaches to collaboration between these places and schools have been taking place through the initiatives of teachers or through projects developed by the educational sector, aiming to broaden the dialogue between their institutions and the school community. Another approach mechanism relates to research and extension projects developed by university researchers, sponsored by state and federal funding agencies. In this case, the universities and university museums appear as new social actors that stand in the way of the schools and the cultural environments, complicating the relationship and, at the same time, bringing new questions to the field of educational research. We believe that the discourse in this paper should bring about further discussions in the initial teacher training courses to contribute to the understanding of practices related to the extension of the field of activity of the school.
Chapter
O livro “OS MUSEUS E A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL - textos e contextos”, gestado ao longo dos anos de 2018 e 2019, retrata algumas das pesquisas desenvolvidas por integrantes do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Ensino de Ciências (GENFEC), com sede no Museu dos Dinossauros da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberaba, Minas Gerais. O GENFEC, grupo certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), liderado pelos organizadores deste livro, iniciou suas atividades em 2017 e tem se dedicado ao desenvolvimento de pesquisas empíricas e teóricas, em nível de graduação e pós-graduação, sobre as possibilidades educacionais dos espaços educacionais externos à escola, em especial na relação museu-escola-comunidade, acessibilidade, parceria educação formal-educação não formal, divulgação científica e formação inicial (e continuada) de professores.
A prática de ensino nas licenciaturas e a pesquisa em ensino de ciências: questões atuais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física
  • M Marandino
  • L Massi
  • C S Leonardo Júnior
MARANDINO, M. A prática de ensino nas licenciaturas e a pesquisa em ensino de ciências: questões atuais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 20, n. 2, p. 168-193, 2003. MASSI, L.; LEONARDO JÚNIOR, C. S. Estágio Supervisionado em espaço não formal: perspectivas e reflexões sobre uma experiência. In: LEÃO, A. M. C. de; MUZZETI, L. R. (Org.).
A inserção do tema da Educação em Ciências em espaços não formais na formação de professores de Química. Prêmio Professor Rubens Murillo Marques
  • B A P Monteiro
MONTEIRO, B. A. P. A inserção do tema da Educação em Ciências em espaços não formais na formação de professores de Química. Prêmio Professor Rubens Murillo Marques, Rio de Janeiro, p. 19-80, 2011.
Estratégias para a inserção de museus de ciências no estágio supervisionado em ensino de Química. Química Nova
  • R C Mori
  • A C Kasseboehmer
MORI, R. C.; KASSEBOEHMER, A. C. Estratégias para a inserção de museus de ciências no estágio supervisionado em ensino de Química. Química Nova, v. 42, n. 7, p. 803-811, 2019.
Educação: do senso comum à consciência filosófica. 11
  • D Saviani
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 11. ed. Campinas: Autores Associados, 1996.