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Educ. Soc., Campinas, v. 44, e271371, 2023 1
https://doi.org/10.1590/ES.271371 EDITORIAL
NOVAS POSSIBILIDADES HISTÓRICAS PARA A DEMOCRACIA E
PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA
NEW HISTORICAL POSSIBILITIES FOR DEMOCRACY AND PUBLIC EDUCATION
NUEVAS POSIBILIDADES HISTÓRICAS PARA LA DEMOCRACIA Y LA EDUCACIÓN PÚBLICA
R L
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D M
N C A
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A M F A
C J F
V S
P G
S X
L C V S L
A R T
X R
1.Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: leher.roberto@gmail.com
2.Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas (SP), Brasil | Centro de Estudos Educação e Sociedade,
Campinas (SP) Brasil. E-mail: ivanypino@gmail.com
3.Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Educação, São Carlos (SP), Brasil. E-mail: dazu@ufscar.br
4.Universidade Federal de São Carlos, Centro de Educação e Ciências Humanas, São Carlos (SP), Brasil | Centro de Estudos
Educação e Sociedade, Campinas (SP), Brasil. E-mail: luana.ees@gmail.com
5.Universidade de Federal do Paraná, Departamento de Planejamento e Administração Escolar, Curitiba (PR), Brasil. E-mail:
adrianadragonesilveira@gmail.com
6.Universidade de Passo Fundo, Faculdade de Educação, Passo Fundo, (RS), Brasil. E-mail: vcdalbosco@hotmail.com
7.Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, São Paulo (SP), Brasil. E-mail: moraescs@usp.br
8.Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas (SP), Brasil. E-mail:dmazza@unicamp.br
9.Universidade Federal de Goiás, Departamento de Educação, Goiânia (GO), Brasil. E-mail: nelsoncardosoamaral@gmail.com
10.Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, São Paulo (SP), Brasil. E-mail: sanzakia@usp.br
11.Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas (SP), Brasil. E-mail: aalmeida@unicamp.br
12.Centro de Estudos Educação e Sociedade, Campinas (SP), Brasil. E-mail: celsojoaoferretti@gmail.com
13.Ponticia Universidad Católica de Valparaíso, Escuela de Psicología, Valparaiso, Chile. E-mail: vicente.sisto@gmail.com
14.Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Filosoa e História da Educação, Campinas (SP), Brasil. E-mail:
pedro.goergen@hotmail.com
15.Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Santo André (SP), Brasil.
E-mail: salomaoximenes@gmail.com
16.Universidade do Minho, Departamento de Ciências Sociais da Educação, Braga, Portugal. E-mail: llima@ie.uminho.pt
17.Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas (SP), Brasil. E-mail: detrevis@unicamp.br
18.Universitat Autònoma de Barcelona, Departament de Sociologia, Barcelona, Espanha. E-mail: xavier.rambla@uab.cat
Novas possibilidades históricas para a democracia e para a educação pública
Educ. Soc., Campinas, v. 44, e271371, 2023
2
A
vastidão do fundamentalismo político, moral, religioso e cultural empreendido por diversas
linhagens de extrema direita na educação mundial causa inquietação e assombro nos setores
democráticos de todos os povos. O encerramento do governo Jair Bolsonaro, presidente do
Brasil de 2018 a 2022, após sua derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva, que assume seu terceiro
mandato como presidente da República (2023–2026), é um alento histórico que, para ser sustentável social
e politicamente, exigirá da educação pública a irradiação de culturas democráticas e de massiva pedagogia
política que contribuam para a desfascistização da sociedade.
Para alcançar tal propósito, a educação pública está instada a somar forças com outras instituições
culturais, cientícas, artísticas e iniciativas populares comprometidas com a democracia e com práticas
pedagógicas que, deliberadamente, incidam nas disposições ideológicas que nutrem o polissêmico senso
comum
1
(GRAMSCI, 1978; LIGUORI; VOZA, 2017), atualmente sob considerável inuência da extrema
direita. O esclarecimento crítico é imperioso, mas não bastará. Mudanças de tão grande magnitude exigem
novas formas de participação popular e democrática nos rumos do governo do País; novas experiências de
fazimento do público, especialmente frente à mercantilização da educação, às inuências de instituições
religiosas e de um largo espectro de organizações empresariais que lograram hegemonizar a agenda
educacional no Brasil. O movimento democrático na educação terá de enfrentar as ações deliberadas de
esvaziamento intelectual e pedagógico do trabalho e da formação docente e demandará a reorganização
do protagonismo dos estudantes e das entidades que forjam a defesa da educação pública, notadamente
as entidades acadêmicas, sindicais e movimentos sociais, sem as quais a participação popular democrática
estará obstaculizada.
A defesa da educação pública será efetiva se inscrita em um amplo movimento cultural e político em
prol da cidadania política e social de todo o povo. Isso requer o combate dos determinantes da desigualdade
econômico-social, das abissais desigualdades educacionais, do racismo, e do ódio às pessoas LGBTQIA+,
aos favelados, aos camponeses, aos povos originários e, genericamente, aos que vivem do próprio trabalho
e são explorados.
No caso brasileiro, a principal pré-condição para a reconstrução da educação democrática foi a
constituição de uma coalizão capaz de assegurar condições políticas para a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro,
em favor da vitória de um governo democrático. Isso exigiu a formação de uma complexa, inorgânica e
contraditória frente ampla sem a qual dicilmente teria sido possível derrotar a recondução de um governo
cujo objetivo era a fascistização do País.
Sem embargo, a derrota eleitoral da extrema direita não implica, necessariamente, na consolidação
da educação pública unitária, omnilateral, capaz de assegurar a formação integral de todo o povo. Três grandes
desaos terão de ser enfrentados:
• A extrema direita alargou sua proeminência no senso comum popular, está em relativa ascensão
em outros países e segue ativa, como os graves episódios de 8 de janeiro de 2023
2
comprovam.
Éirrealista, por conseguinte, supor que renunciará a sua agenda de transformação das escolas em
trincheiras da guerra cultural e de seguir ampliando sua inuência no senso comum.
• A inuência de Aparelhos Privados de Hegemonia empresariais (APHe) que, há mais de uma
década, estão hegemonizando a pauta empresarial na educação pública.
• A mercantilização da educação. Após dominar o mercado de educação superior, grupos de capital
aberto estão segmentando suas atividades econômicas, por meio de cursos a distância, educação
digital, cursos presenciais para estudantes de alto poder aquisitivo e da acelerada expansão na
educação básica. Ademais objetivam ampliar seus negócios com a educação pública para dar vazão
aos seus sistemas de ensino e plataformas de trabalho.
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Leher R, Pino RP, Zuin AAS, Almeida LC, Silveira AAD, Dalbosco CA, Moraes CSV, Mazza D, Amaral NC, Souza SMZL,
Almeida AMF, Ferretti CJ, Sisto V, Goergen P, Ximenes SB, Lima LCVS, Trevisan AR, Rambla X
Como a referida tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 ilustra, o combate aos movimentos
de extrema direita no País ainda é uma tarefa democrática inconclusa, urgente e imperiosa. E isso requer
agregação de forças, mas não nos mesmos moldes da frente ampla que levou Lula da Silva à presidência da
República. Nem a educação mercantilizada, nem a agenda empresarial serão capazes de tornar a educação
pública uma força construtiva que permita avanços na democracia política e na democracia econômica.
O exame dos temas dos Editoriais, dos Dossiês e dos artigos publicados pela Revista E&S a partir
de 2018, ano em que dois projetos de sociedade disputaram as eleições presidenciais, contribui para a
compreensão da agenda reacionária e da extrema direita na educação. O Editorial do no 144, A educação no
atual cenário político econômico mundial: A disputa eleitoral e os retrocessos na educação, alertou para o risco
da eleição de Jair Bolsonaro para o Estado Democrático de Direito (PINO etal., 2018). Após o resultado
eleitoral que conrmou a vitória do candidato da extrema direita, o Editorial de 2019 (XIMENES etal., 2019)
Rearmar a defesa do sistema de ciência, tecnologia e ensino superior público brasileiro, voltou a interpelar as
investidas hostis às concepções democráticas, destacando a defesa da ciência, do fundo público, criticando
a nomeação ilegítima de reitores nas universidades Federais e outras medidas antidemocráticas do novo
governo. A mesma edição dedicou um Dossiê (GOERGEN etal. 2019) focalizado no tema Educação no
Cenário Político Mundial que delineia o escopo das ações da extrema direita e das forças autocráticas, ecoando
a gravidade do novo contexto brasileiro que ultrapassa as fronteiras nacionais.
Em 2020, a Revista E&S persevera o tema no Editorial (O que esperar) (ADRIÃO etal., 2020), no
Dossiê temático Movimentos Sociais e Transformações no Ativismo Contemporâneo (BRINGEL; SPOSITO; 2020)
e em artigos. No Dossiê de 2021, Educação e Comportamento Político (TOMIZAKE; SILVA, 2021), os temas
focalizados pelos autores estão, todos, em confronto com os preceitos da extrema direita e da guerra cultural,
interpelando a relação entre a escolaridade e a escolha política, em especial a aderência à extrema direita radical,
e outros temas considerados malditos pela extrema direita, a exemplo das derivas sexuais e do racismo.
Avultam sinais de que as investidas reacionárias na educação pública possuem capilaridade social
e estão hegemonizando parcelas crescentes do senso comum popular em diversos países. Não se trata apenas
de medidas exaradas unilateralmente por governos autocráticos. Um breve panorama sobre o modus operandi
da extrema direita nos Estados Unidos da América é necessário para compreender as iniciativas hostis ao
ensino público democrático.
Frequentemente, são as famílias que se insurgem contra os professores e as escolas públicas ao
defenderem medidas que colidem com o caráter laico, secular, democrático e aberto ao tempo históricoda
educação pública. Os coletivos de pais e familiares ganharam organicidade e maior escala na pandemia
deCOVID-19 quando esses sujeitos se mobilizaram para a pronta reabertura do ensino presencial, a despeito
da situação sanitária. Nesse contexto, as organizações ultradireitistas ampliaram sua inuência junto às
famílias. O ativismo das famílias não foi espontâneo. Organizações da extrema direita como operadoras
de celular (Patriot Mobile Action), think tanks (Heritage Foundation, Florida Citizens Alliance), facções
partidárias vinculadas à extrema direita republicana, grupos extremistas neofascistas (e Proud Boys),
comitês de ação política, instituições religiosas fundamentalistas e outros aparelhos privados de hegemonia
muito capitalizados passaram a disputar os conselhos distritais (HARRIS; ALTER, 2022a).
Neste país, apenas em 2021 foram questionados, por diversas organizações, 1.597 livros, o maior
número desde que as proibições começaram a ser rastreadas há 20 anos (HARRIS; ALTER, 2022b). O foco
político é o direito dos pais de escolher a educação adequada para proteger os seus lhos, como assinalado
por um porta voz da Florida Citizens Alliance. Na eleição para governador no estado da Virginia (novembro
de 2021), o candidato vencedor, Glenn Youngkin, fundamentou sua campanha nos programas escolares,
combatendo a teoria crítica de raça (corrente de pensamento que analisa o racismo como um sistema que
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permeia todos os níveis da sociedade para além dos preconceitos individuais) e, o que é crucial, sustentando
que a escola pública deve estar subordinada às famílias (LERER; PETERS, 2021). Movimentos semelhantes
acontecem no Texas e na Flórida, estados que lideram um perigoso processo de revisão dos livros de história
(MAZZEI; HARTOCOLLIS, 2023). A justicativa do revisionismo é que não pode haver registro de fato
histórico nos livros que possa provocar constrangimento em um segmento da população. Desse modo,
segundo diversas organizações da extrema direita, não é aceitável que o ensino mostre a brutalidade da
escravidão, caso a análise do fato histórico produza constrangimento nos estudantes brancos.
De modo extemporâneo, ressurgiu também todo um léxico relacionado à Guerra Fria, ao
macarthismo e ao anticomunismo. A chamada direita alternativa tem pautado novas agendas estratégicas da
guerra cultural, como o combate ao climatismo e ao globalismo. Uma expressão que sumariza o modus operandi
dessas investidas é o brado popularizado por Steve Bannon em sua cruzada anti-iluminista (ALEXANDER,
2018) de que a ciência é uma cção verbal, recurso largamente utilizado pelos negacionistas climáticos e,
notadamente, no transcurso da pandemia de COVID-19.
Retomando o caso brasileiro, a maioria das organizações empresariais com atuação educacional
relevante se somou à frente ampla contra a reeleição de Bolsonaro; porém, ao mesmo tempo, agiu de
modo ecaz na disputa sobre os rumos da educação, defendendo os pilares da austeridade. Muitas vezes a
austeridade é associada unicamente à agenda econômica (responsabilidade scal), mas tal concepção não
se coaduna com a realidade. Como salientou Mattei (2022), tais pilares foram erigidos no fascismo italiano
eaperfeiçoados em governos autocráticos e violentos, a exemplo da ditadura Pinochet. Seu objetivo central é
afastar os sujeitos da classe trabalhadora do efetivo governo do Estado. Para tanto, sustentam a ideologia da
economia pura da qual deriva a defesa de que os assuntos de Estado devem ser cuidados pelos especialistas e
pela tecnocracia guiados pelos preceitos da responsabilidade scal e da ecácia. Organizações como Todos
pela Educação e Fundação Lemann atuam com base nestes fundamentos, como se a proclamada qualidade
da educação somente pudesse ser alcançada pelo agir técnico, com base em metas, descritores, focalizações
e denição de competências elaboradas por (seus) especialistas que, supostamente, não fazem concessões
aos corporativismos. Com base nestes fundamentos, tais APHe assumiram o lugar de vozes autorizadas
para falar da educação pública nos grandes meios de comunicação e na frente ampla e, com isso, lograram
signicativa presença no Ministério da Educação em governos anteriores e no vigente governo Lula da Silva.
Como muitos artigos em circulação na revista E&S permitem concluir, também os APHe comprometem
a liberdade de cátedra. Com base na doutrina da austeridade, têm incidido sobre currículos, como na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), na reforma do ensino médio e na valoração do desempenho docente
por meio de métricas baseadas em avaliações de larga escala, prêmios salariais e constrangimentos para adotar
sistemas e plataformas de ensino que expropriam o trabalho intelectual e criativo. E isso repercute na educação
política. De modo insidioso, o estudo do fascismo foi excluído da BNCC do ensino médio, a despeito do fato
de que o mundo vê a ascensão dessa ideologia e de práticas por elas informadas.
A vitória do candidato da frente ampla, Luiz Inácio Lula da Silva, é uma virada copernicana para
o mundo por derrotar um governo de cariz neofascista, mas isso não signica uma página virada no País.
A propagação da cultura democrática capaz de interpelar o senso comum reacionário requer uma vontade
coletiva, nacional, popular, consciente da necessidade de enfrentamento às disposições de pensamento
difundidas pela extrema direita. Como salientado, não será a agenda empresarial utilitarista e nem seus
tecnocratas que poderão levar essa tarefa a bom termo. Sem a mobilização criativa de professores, técnicos-
administrativos, estudantes e, ainda, das entidades historicamente comprometidas com a educação pública,
o movimento de educação democrática não poderá agregar os milhões de estudantes e trabalhadores da
educação que podem massicar a difusão da cultura democrática.
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Leher R, Pino RP, Zuin AAS, Almeida LC, Silveira AAD, Dalbosco CA, Moraes CSV, Mazza D, Amaral NC, Souza SMZL,
Almeida AMF, Ferretti CJ, Sisto V, Goergen P, Ximenes SB, Lima LCVS, Trevisan AR, Rambla X
Uma premissa é que tais sujeitos sejam reconhecidos em sua legitimidade e possam resgatar a
condição de educadores de toda a população escolar. Nesse prisma, é preciso recuperar o debate sobre a política
educacional e sobre o Ministério da Educação (MEC) no novo governo que pretendemos pleno de esperançar.
Na área de educação, a Comissão de Transição foi constituída majoritariamente pelos representantes
empresariais e pelos agentes da austeridade tecnocrática. A análise do desmonte da educação pelo governo
Bolsonaro (GOVERNO DE TRANSIÇÃO, 2022) foi guiada pelas agruras do momento, focalizando o
orçamento, o caos administrativo no MEC, a corrupção, a descontinuidade de políticas, o aparelhamento
ideológico, a desarticulação entre os entes, a interdição dos conselhos participativos, o não cumprimento
de metas do Plano Nacional de Educação, todas, de fato, relevantes. No entanto, conforme as entrevistas do
novo ministro da Educação, Camilo Santana, os problemas educacionais do País serão solucionados com
a sobralização (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2023) da
educação brasileira (FREITAS, 2023). O perl da maioria dos nomeados para os cargos mais importantes do
MEC são congruentes com tal agenda (MORAES etal. 2022). Não casualmente as diretrizes sugeridas pelos
novos dirigentes foram efusivamente celebradas pelos APHe.
Questões cruciais como a necessidade de elaboração de outra BNCC e de outra reforma do ensino
médio, em diálogo com os educadores, tratadas em Editorial da E&S (MORAES etal. 2022) constam no
Relatório Final da Comissão de Transição em outro prisma: o Relatório critica o fato de não terem sido
implementadas, ignorando as pautas das lutas pela educação pública que justamente reivindicam a revogação
de tais medidas. Nada é dito no Relatório sobre a necessidade de revogação das Diretrizes Nacionais para
a Formação Inicial de Professores (Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019) e das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Formação Continuada de Professores (Resolução CNE/CP Nº 1, de 27 de outubro
de 2020), em favor das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior e para a
Formação Continuada (Resolução CNE CP 02/2015) e, tampouco, a propósito das intervenções do governo
Bolsonaro nas universidades federais e a propósito do impostergável problema do controle do Estado para
impedir a mercantilização e a nanceirização da educação particular. Predominou um diagnóstico com
escasso diálogo com os sujeitos que realizaram a resistência às ofensivas do governo Bolsonaro.
Se o objetivo é generalizar a cultura democrática na educação, as dilacerantes urgências do presente
não poderiam ter sido analisadas sem considerar as formulações históricas do Fórum Nacional em Defesa
da Educação Pública, das Conferências Nacionais de Educação e dos Congressos Nacionais de Educação e,
mais recentemente, da Conferência Nacional Popular de Educação e sua Carta de Natal. O diagnóstico colide
com as expectativas de todos aqueles que, nos tempos ásperos da ofensiva bolsonarista sobre a educação, a
ciência e a cultura praticaram a resistência ativa ao manterem vivos os germes da educação pública do futuro.
No âmbito geral, o novo governo Lula da Silva tem anunciado medidas que enfrentam resolutamente
as bases da guerra cultural empreendida pela extrema direita, a exemplo do fortalecimento do Sistema Único
de Saúde, retomando a prioridade na vacinação da população; do restabelecimento do Ministério da Cultura,
colocando pessoas com sólidos compromissos públicos e participação nas lutas de suas áreas em órgãos
estratégicos, como a Biblioteca Nacional e a Fundação Palmares; o mesmo tem se dado nas áreas de Direitos
Humanos, Povos Originários, Igualdade Racial, Ciência e Tecnologia, entre outros. Entretanto tal não ocorreu
na educação e em suas principais divisões e órgãos vinculados: os interlocutores coletivos da educação
pública estão claramente situados fora dos centros decisórios da educação no ministério. Naeducação, causa
preocupação a aparente incompreensão da conjuntura política e da dimensão das disposições de pensamento
reacionárias e fundamentalistas da extrema direita no senso comum de grande parte da população, assim
como dos dilacerantes desaos educacionais. Essas lacunas terão de ser superadas pelo estabelecimento de
diálogos efetivos e sistemáticos com as entidades da educação. Em nenhuma circunstância seria aceitável a
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rotulação feita pelos agentes da austeridade de que as entidades educacionais expressam interesses corporativos
estranhos aos objetivos maiores da educação pública.
Urge a realização de um levantamento sistemático da evasão de estudantes da educação básica e
superior durante a pandemia e a alocação de recursos para que as medidas necessárias à reinserção desses
estudantes possam ser prontas e virtuosas. É prioridade ampliar de modo expressivo as verbas do Programa
Nacional de Assistência Estudantil destinado às instituições de ensino superior e a sua conversão em lei; assim
como empreender ações junto com os estados e municípios para resgatar as condições objetivas de retorno e
desenvolvimento escolar de milhões de estudantes que foram constrangidos a se afastar das escolas no contexto
da pandemia, problema que deve contemplar os que deixaram de participar do Exame Nacional do Ensino Médio.
É essencial um ousado plano de recuperação e melhoria da infraestrutura das universidades e
institutos federais de educação tecnológica e de equacionamento das dívidas de custeio destas instituições
advindas do estrangulamento orçamentário dos últimos anos.
É também imperioso debater e estabelecer normas que assegurem efetiva regulação da educação
privado-mercantil, especialmente do seu segmento organizado como sociedades anônimas, sob controle
de fundos de investimentos e com ações na bolsa. Essa regulação somente será efetiva se contemplar
obrigatoriamente a interrupção, ainda que planejada para assegurar os direitos dos atuais estudantes, de
repasse de verbas do fundo público para o segmento mercantil.
É indubitável que as entidades que compõem o campo educacional vêm manifestando compromisso
com a consolidação da democracia e com a criação de condições para que a educação pública possa contribuir
vivamente para a cultura democrática, entretanto, criticam a desconsideração de suas agendas históricas.
Por isso, um processo permanente de diálogo em que todos os sujeitos que forjam a educação, a cultura, a
ciência e tecnologia possam discutir de modo sistemático as políticas, as estratégias, as ações das áreas mais
relevantes, é imprescindível. A participação dos sujeitos que lutam pela educação pública como organizadores
da frente democrática — engajados na luta contra o neofascismo e em prol dos direitos humanos — pode
contribuir para denir os rumos da democracia no País.
Notas
1.
Liguori (2017) destaca que, em Gramsci, o senso comum corresponde à concepção de mundo, à ideologia mais
difundida e que: a) “todo estrato social tem o seu senso comum”, e, portanto, numa sociedade, convivem vários deles;
b) o senso comum se dene como “a concepção de vida e a moral mais difusa” num determinado estrato social; c)
o senso comum deriva da sedimentação deixada pelas correntes losócas precedentes (é “o folklore da losoa”);
d) o senso comum se modica incessantemente (logo, se sucedem no tempo vários sensos comuns). Por isso, uma
força política que se coloque do lado dos subalternos deve instaurar com ele uma relação dialética para que ele seja
transformado e se transforme, até se alcançar um novo senso comum, necessário no âmbito da luta pela hegemonia
(LIGUORI; VOZA, 2017, p. 1426).
2.
No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro realizaram em Brasília um ato de extrema violência
contra as instituições que representam a ordem democrática: o Palácio do Planalto, a sede do Supremo Tribunal
Federal (STF) e as instalações do Congresso Nacional. Os atos de características terroristas envolveram depredação
das instalações, obras de arte e de lugares simbólicos dos três poderes da República. Os terroristas conclamaram as
Forças Armadas a efetivar um golpe para destituir o presidente legítimo, Lula da Silva. Houveconivência e apoio
da Secretaria de Segurança do Distrito Federal (DF), levando o presidente Lula da Silva a intervir na Segurança
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Leher R, Pino RP, Zuin AAS, Almeida LC, Silveira AAD, Dalbosco CA, Moraes CSV, Mazza D, Amaral NC, Souza SMZL,
Almeida AMF, Ferretti CJ, Sisto V, Goergen P, Ximenes SB, Lima LCVS, Trevisan AR, Rambla X
Pública do DF. O STF afastou o governador do DF por 90 dias. Também setores militares foram coniventes, visto
que o intento de golpe era de conhecimento público e muitos participantes da investida golpista estavam acampados
em área militar. A Guarda Presidencial, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, não cumpriu com sua
missão de proteção do palácio do Planalto.
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ES0101-73302019230375
Nota da Diretoria do CEDES
Inegavelmente, o processo de transição no Governo Federal nos traz grande esperança de
retomada de um caminho direcionado a defesa da educação pública, a valorização dos profissionais da
educação e a organização do ensino sob o princípio da gestão democrática, todos preceitos garantidos
na CF 1988 e resultado de esforços da ampla mobilização dos movimentos e entidades do campo
daeducação.
Nesse sentido, vários aspectos da política educacional devem ser objeto de nossas contínuas
ações e preocupações quando acompanhamos e participamos do processo de construção da agenda de
governos, formulação e implementação da política educacional.
As diretrizes de formação de professores ganham relevo especial dentre essas preocupações e ações,
uma vez que os sucessivos golpes a democracia e as garantias do direto à educação, que sofremos nos últimos
seis anos, agravaram históricos cenários de desvalorização da categoria.
Por isso, é imperioso manter os esforços empreendidos no GT de Transição do Governo Federal,
que referendou a Carta de Natal (CONAPE 2022), no sentido de revogar as Diretrizes Nacionais para a
Formação Inicial de Professores (Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019) e das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Formação Continuada de Professores (Resolução CNE/CP Nº 1, de 27 de outubro
de 2020), em favor das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior e para a
Formação Continuada (Resolução CNE CP 02/2015), aprovada com amplo debate social e participação dos
movimentos sociais, entidades do campo da educação e IFES; além da imprescindível revogação do chamado
Novo Ensino Médio e da BNCC, revogações também referendadas na Carta de Natal e, pelo movimento do
CEDES, Anped, Anpae, Anfope, Forumdir, CNTE, sindicatos e diversas entidades e movimentos do campo
da educação, todos representados no FNPE.
Educ. Soc., Campinas, v. 44, e271371, 2023 9
Leher R, Pino RP, Zuin AAS, Almeida LC, Silveira AAD, Dalbosco CA, Moraes CSV, Mazza D, Amaral NC, Souza SMZL,
Almeida AMF, Ferretti CJ, Sisto V, Goergen P, Ximenes SB, Lima LCVS, Trevisan AR, Rambla X
Nossas preocupações têm se consubstanciado:
• Na aproximação das fundações privadas, com forte inuência no processo de transição de governo,
e com a chamada “experiência educacional do Ceará”, que incorpora medidas advindas do campo
privatista e neoliberal (terceirização, responsabilização etc.), já reconhecidamente inecazes nos
objetivos educativos, de melhoria do ensino-aprendizagem, e reducionistas do direito à educação;
• Com a composição do CNE, que desde 2016 se esvaziou como órgão de Estado (alterando
nomeações, composição e formas de indicação de seus membros, em desrespeito a legislação
vigente), tornando-se apenas assessor de decisões políticas do MEC e com um perl iminentemente
homogêneo e associado ao setor privado da educação;
• Com a timidez do documento síntese “Gabinete de Transição Governamental – Relatório Final”, que
foi publicizado e divulgado onde, particularmente, na área de Educação, não representa a direção
e o sentido de reconstrução da educação nacional, não fazendo jus as discussões e diagnósticos
que foram levantados durante diversas reuniões de trabalho e os documentos que foram entregues
pelas entidades do campo da educação.
Recebido: 20 jan. 2023
Aceito: 23 jan. 2023