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Euzébios Filho, A. (2022). Curso de Psicologia da Unesp-Bauru: resistência ético-política no campo social e
acadêmico. PLURAL – Revista de Psicologia UNESP Bauru, 1, e022002.
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CURSO DE PSICOLOGIA DA UNESP-BAURU: RESISTÊNCIA ÉTICO-POLÍTICA NO
CAMPO SOCIAL E ACADÊMICO
EUZÉBIOS FILHO
I
, Antonio
Resumo
Foram relatadas neste texto experiências vividas nos quatro anos como docente no curso de Psicologia
da Unesp-Bauru e como elas trouxeram importantes exemplos de resistência social e acadêmica
dentro e fora da universidade. Quatro aspectos fundamentais tornam o presente curso relevante na
conjuntura atual: (1) resistência no campo sindical, contra a precarização do ensino superior; (2)
resistência no campo social, quando a universidade se alia às lutas sociais de outros setores da
sociedade, que buscam resistir ao neoliberalismo; (3) luta contra o aligeiramento da formação
acadêmica, reafirmando o tripé ensino-pesquisa-extensão; (4) por fim, temos o mencionado curso de
Psicologia como um exemplo de formação sólida e não tecnicista. São estes espaços de resistência que
possibilitaram a mim – e a outros que estão e que por lá passaram – aprendizados que nos permitem
encontrar forças para seguir lutando por uma universidade pública de qualidade e por uma sociedade
mais justa.
Palavras-chave: Resistência ético-política; Neoliberalismo; Psicologia; Universidade pública.
UNESP-BAURU PSYCHOLOGY COURSE: ETHICAL-POLITICAL RESISTANCE IN THE
SOCIAL AND ACADEMIC FIELDS
Abstract
This text presents experiences lived in four years as a professor in the Psychology course at Unesp-
Bauru and how they brought important examples of social and academic resistance inside and outside
the university. Four fundamental aspects make the present course relevant in the current conjuncture:
(1) resistance in the union field, against the precariousness of higher education; (2) resistance in the
social field, when the university allies itself to the social struggles against the neoliberalism; (3) fight
against the easing of academic training, reaffirming the teaching-research-extension tripod; (4) finally,
Psychology course as an example of solid and non-technical training. It is these spaces of resistance
that made it possible for me - and for others have passed through and are still there – to gain knowledge
that allows us to find the strength to continue fighting for a public university of quality and a more just
society.
Keywords: Ethical political resistance; Neoliberalism; Psychology; Public university.
Euzébios Filho, A. (2022). Curso de Psicologia da Unesp-Bauru: resistência ético-política no campo social e
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CURSO DE PSICOLOGÍA EN UNESP-BAURU: RESISTENCIA ÉTICO-POLÍTICA EN
LOS ÁMBITOS SOCIAL Y ACADÉMICO
Resumen
Fueron presentadas en este texto experiencias vividas en cuatro años como profesor en el curso de
Psicología en Unesp-Bauru y cómo ellas trajeron ejemplos importantes de resistencia social y
académica dentro y fuera de la universidad. Cuatro aspectos fundamentales hacen relevante el
presente curso en la coyuntura actual: (1) la resistencia en el campo sindical, frente a la precariedad de
la educación superior; (2) la resistencia en el campo social, cuando la universidad se alía a las luchas
sociales contra el neoliberalismo; (3) luchar contra la flexibilización de la formación académica,
reafirmando el trípode docencia-investigación-extensión; (4) finalmente, tenemos la Psicología como
ejemplo de formación sólida y no tecnicista. Son estos espacios de resistencia los que posibilitaron para
mí - y para otros que están y pasaron por allí - un aprendizaje que nos permita encontrar fuerza para
seguir luchando por una universidad pública de calidad y una sociedad más justa.
Palabras clave: Resistencia ético-política; Neoliberalismo; Psicología; Universidad pública
INTRODUÇÃO
O curso de Psicologia da Unesp de Bauru torna-se (ainda) mais imprescindível na
conjuntura atual, considerando os diversos ataques políticos às universidades públicas e ao
pensamento crítico. Também se torna modelo de resistência em um cenário onde a formação
acadêmica tem sido aligeirada, compreendida como mero artifício do mercado, escravizada
pela lógica do empreendedorismo empresarial (Arantes, 2018; Chauí, 2014). E se coloca, mais
uma vez, como força contrária a uma universidade pública cada vez mais precarizada e que
vem sendo presa fácil de uma formação tecnicista também no campo da Psicologia.
Neste texto procuramos descrever alguns exemplos de resistência social e acadêmica
que pudemos observar em quatro intensos anos vividos como docente em Regime de
Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) no referido curso.
Embora haja concepções divergentes de universidade e o corpo docente e discente
não apresentem posições unânimes em torno das posições trazidas neste texto, podemos
afirmar, ainda assim, que se trata de um curso que, como buscaremos demonstrar, produz,
de forma geral, uma formação alternativa ao modelo neoliberal e por isto deixou marcas em
minha trajetória como docente, pesquisador e militante.
Não pretendemos idealizar um curso que, assim como qualquer outro, apresenta
contradições e limites. Apenas lançamos um olhar para as conquistas de um curso que
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apresenta, em seu Projeto Político Pedagógico (PPP), a materialização de um projeto de
resistência ético-política.
Para precisar, minimamente, o que denominamos de resistência ético-política, vamos
visitar rapidamente estes dois conceitos: ética e política. Para tanto, recorremos a Lessa
(2015), que coloca a necessidade de situar este debate no campo real da História. Não há, diz
o autor, uma ética sem História – não existe um conjunto de valores postos a prioristicamente.
Quem constrói os valores humanos é a própria humanidade nas relações sociais objetivas que
a sociedade elabora em suas fases de desenvolvimento histórico. O elemento fundante do
desenvolvimento histórico, diz ainda Lessa (2015), são as relações sociais de produção
material da vida. Assim, o autor afirma que:
A ética e a política não são relações sociais que passam a existir depois de serem
definidas teoricamente; pelo contrário, são relações e complexos sociais que existem
objetivamente, tenhamos ou não consciência delas. Claro, se há consciência da sua existência,
a qualidade da relação que os homens manterão com estes complexos será qualitativamente
distinta; todavia, não é a consciência que funda tais complexos sociais. Enquanto relações
sociais objetivas, a ética e a política existem, ou não, na reprodução social segundo as
determinações históricas de cada momento. E, ao definir tais complexos (como, aliás, deve
ser para todo e qualquer outro complexo), o decisivo é retirar da objetividade as suas
determinações imanentes e elevá-las a teoria, a conceito. A ética e a política devem ser
definidas a partir da função social que exercem em cada momento histórico. (Lessa, 2015, p.
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A ética, em uma compreensão que a liga ao senso comum, se traduz simplesmente
como bem comum. Para ser mais preciso, em outras palavras, tanto mais ética é uma
sociedade quanto mais os cidadãos renunciam a interesses particulares para que possam ser
atendidas necessidades genéricas. Sendo assim, cabe questionar: quando essa ética é ou será
possível? É justamente este o questionamento de Lessa (2015).
O autor observa que, diante da concepção generalista de ética, o contraditório logo se
estabelece: é a partir da sociedade de classes, como formação social, que surgem as noções
formais de liberdade e justiça. É também nela, especialmente a partir do capitalismo, que
foram estabelecidos procedimentos, padrões e modos de resolução de conflitos éticos que
conhecemos na sociedade moderna. E, no campo desses conflitos, nascidos na arena das
relações de poder econômico, é que a ética se encontra com a política (Lessa, 2015).
Sem se alongar no terreno árido desse complexo debate filosófico, queremos concluir com a
ideia de que a ética e a política, com as quais nos deparamos, são aquelas material e
historicamente possíveis. Convivem e são alimentadas por uma contradição que funda a
sociedade de classes: um bem comum irrealizável (Lessa, 2015).
Ainda assim, mesmo que ética e política representem processos de mediação de
conflitos paradoxalmente orientados para manutenção de relações econômicas de poder, não
podemos admitir - em nome de um projeto emancipatório ou de uma utopia, como queira -
que não haja possibilidades de resistência. E, sim, são possibilidades de resistência ético-
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políticas, ainda que estejam elas subordinadas ao mesmo contexto histórico de dominação e
exploração que fazem a mesma ética e política colidirem frontalmente: o bem comum se
choca com as relações de poder instituídas na sociedade de classes e no capitalismo.
Mas, vejam: há e sempre houve processos de resistência contra a ordem. Há e sempre
houve resistência ético-política, ainda que ela seja contraditória por reivindicar a superação
da própria condição de existência da ética e da política no capitalismo: as mediações de poder
social e econômico.
Com efeito, é importante mencionar que, quando falamos de resistência ético-política
estamos nos referindo a uma resistência nos marcos do liberalismo – isto é, das próprias
regras do jogo estabelecido. Trata-se especificamente de uma resistência contra o desmonte
do Estado de Bem-Estar Social e neste bojo, no que toca à universidade, contra o
desmantelamento do ensino superior público, um direito pretensamente universal (Chauí,
2014). Não estamos falando, portanto, em revolucionar ou subverter a ordem, nos termos
propostos por Marx (1875/2012). Referimo-nos a uma resistência aos ataques contra direitos
previstos pela consagrada cidadania moderna – o que já é muita coisa tratando-se da
conjuntura na atualidade, quando assistimos ao desmoronamento dos direitos sociais mais
básicos, entre outras atrocidades cometidas contra qualquer noção minimamente séria de
“bem comum”.
Com efeito, esta resistência se traduz em um combate ideológico a uma formação
social específica (Lessa, 2015) que coloca cada vez mais distante a realização de um bem
comum, que optou por razões históricas a mediar conflitos ‘pelo alto’ (Netto, 2007) de
maneira autoritária ou simplesmente por ignorar as demandas populares, que intensificou a
lógica da propriedade privada: o capitalismo em sua fase atual, o neoliberalismo (Arantes,
2018; Chauí, 2014).
Tratando, portanto, assim como Lessa (2015), o neoliberalismo como formação social
específica – e não apenas como formação econômica específica - é preciso lembrar outros
dois elementos sócio-políticos a serem combatidos, visto cada vez mais presentes na dinâmica
social atual: (i) a formação tecnicista e a relação instrumental do mercado com a Educação e
com o próprio conhecimento; (ii) e o que se torna explícito em uma conjuntura caracterizada,
dentro outros elementos que não caber aqui aprofundar, por uma onda conservadora:
falamos dos ataques ao pensamento crítico (ou simplesmente científico) fomentados pela
extrema-direita no Brasil e no mundo.
Na esteira do ensino superior público na atualidade, Chauí (2014) destaca o caminho
da subserviência da universidade à lógica de mercado. Deste modo, a resistência ético-político
se traduz em uma resistência ao que autora denominou de “Reforma” neoliberal. Segundo
ela:
A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é portador de
racionalidade sócio-política e agente principal do bem-estar da república. Esse pressuposto
leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de serviços
definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos
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direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível - nas atividades ligadas
à produção econômica -, mas também onde não é admissível - no campo dos direitos sociais
conquistados. (Chauí, 2014, p.1)
Ainda de acordo com a autora, no contexto da universidade pública isto significa que:
“A posição da universidade no setor de prestação de serviços confere um sentido bastante
determinado à ideia de autonomia universitária, e introduz termos como "qualidade
universitária", "avaliação universitária" e "flexibilização da universidade" (Chauí, 2014, p. 1).
Nestes termos, estamos tratando, precisamente, de uma resistência ético-política (no terreno
de relações históricas de conflito e poder) ao modelo de universidade operacional: como
prestadora de serviços e geradora de lucro.
Resistir a esse modelo de universidade (ou simplesmente ao desmonte da
universidade) é resistir também a um tecnicismo mercantil e ao aligeiramento da formação
acadêmica, em um contexto histórico em que a Educação pública, de modo geral, vem sendo
precarizada e até mesmo contestada (Arantes, 2018).
A universidade operacional descrita por Chauí (2014) é aquela que forma o
empreendedor: o sujeito das competências (competências estas definidas pelo mercado). As
competências do empreendedor são compreendidas aqui não como um conjunto isolado de
qualidades profissionais, algumas até válidas.... Afinal, quem seria contra formar um sujeito
dinâmico, apto a resolver problemas complexos?
Trata-se, contudo, de formar para o empreendedorismo empresarial (Chauí, 2014).
Um empreendedorismo voltado para atender às demandas econômicas do grande capital.
Assim, um modelo de empreendedorismo situado no contexto das desregulamentações dos
direitos sociais e trabalhistas, que invade o ensino superior público. Um dos resultados
práticos deste processo são as fundações: local em que a pesquisa se ajoelha diante dos
interesses de quem a quer financiar: o setor privado. É a utilização do recurso público para
satisfazer os interesses privados.
É de supor que, por uma questão econômica, não seria interesse daquele que quer
lucrar com a universidade - pois é disto que se trata - fomentar a livre iniciativa de pesquisa,
o desenvolvimento do pensamento crítico, o serviço à comunidade e o ensino sistematizado
da graduação até a pós-graduação. São estes alguns fatores que construíram o projeto de
universidade pública, os quais fundamentam nossa posição de resistência ético-política.
Derivam desse projeto histórico diversas características, dentre elas: a liberdade de
cátedra, democratização dos processos decisórios e autonomia financeira. Também outros
elementos os quais nos debruçaremos com mais profundidade ao longo do artigo:
estabelecimento de relações prolongadas nos âmbitos da extensão e da pesquisa, necessário
para a produção de um conhecimento sistematizado, uma formação profissional sólida,
presencial e socialmente comprometida (Chauí, 2014).
Os exemplos de resistência trazidos neste texto, operados pelo curso de Psicologia da
Unesp-Bauru, dizem respeito mais a estes últimos elementos citados: defesa do ensino
presencial, de uma formação sólida e socialmente comprometida. Para tanto, será necessário
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retomar o PPP do curso e relembrar algumas passagens vividas por nós, que remetem ao
comprometido de docentes do curso, por exemplo, com a luta sindical por uma universidade
pública gratuita e de qualidade.
Foram estas e outras características que vêm reunindo uma condição de resistência ao
mundo neoliberal e à fragilidade teórica comum à formação do psicólogo. São características
que, definitivamente, não são fáceis de preservar na atualidade. Porém, foi o que me deparei
quando ingressei como docente em 2014 e assim permaneci até 2018. Foi uma passagem
rápida, porém, intensa e de grandes aprendizagens.
Para um jovem pesquisador - um docente ainda em começo de carreira e sem
experiência concreta na universidade pública - ser trabalhador da Unesp, no curso de
Psicologia, trouxe verdadeiras lições de resistência ao que vem ocorrendo na sociedade, na
universidade e no interior da própria ciência e profissão Psicologia.
Poderíamos listar uma série de características que indicam o binômio da resistência e
consistência na formação – por exemplo, a ainda não citada preocupação com as instâncias
democráticas de decisão, que vigoram sobre o curso, entre outras. Estes e outros aspectos
serão discutidos sob a ótica pessoal das aprendizagens e vivências como docente do curso
durante os quatro anos citados.
PRIMEIRO EXEMPLO: RESISTÊNCIA SINDICAL AO DESMONTE DA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Universidade pública se sustenta no tripé ensino-pesquisa-extensão. Um tripé
ameaçado (cada vez mais) pelo projeto de desmonte do ensino público superior.
Consequentemente, também ameaçado está o Regime de Dedicação Exclusiva, o RDIDP, que
era (e continua sendo) fundamental para garantia da qualidade do ensino superior público.
Foi na Unesp de Bauru, propriamente no curso de Psicologia, que pude aprender como
uma universidade pública deve funcionar, em que pese travas sociais e econômicas para o
desenvolvimento integral do mencionado tripé e do RDIDP. Foi também lá que pude notar,
concretamente, que a ação sindical constitui a principal ferramenta de resistência ao projeto
de universidade operacional.
A participação no sindicato docente não é apenas mais um elemento que diz do
funcionamento da universidade pública. É a ferramenta que procurar garantir sua existência.
A luta por uma universidade pública e de qualidade, com valorização salarial, infraestrutura e
que preze pela indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, estão na pauta do
movimento sindical (Adunesp, 2018). São estes os valores defendidos pela Associação de
Docentes da Unesp (Adunesp), que conta com a participação, em peso, de docentes do curso
de Psicologia.
Nos quatro anos em que lá estive, foram muitas assembleias e períodos de greve em
que docentes do curso tiveram um protagonismo na manutenção e condução dos
movimentos grevistas, alertando para os riscos de neoliberalização da universidade – tão
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sentida nos dias de hoje. Ao ver meus colegas engajados nesses movimentos, tão certos de
que o envolvimento ético-político era parte da atividade docente, não restou alternativa que
não fosse me juntar a eles. O engajamento sindical, certamente, conduziu a um olhar mais
aprofundado sobre a universidade como um todo.
Tive a felicidade de compartilhar momentos na luta sindical e na resistência política ao
lado de colegas do curso de Psicologia: participando das assembleias, panfletando nos portões
da universidade embaixo de sol escaldante ou no frio cortante, passando em departamentos
e cursos para dialogar com docentes, funcionários e discentes sobre os perigos que a
universidade corria (e corre) e sobre a necessidade de engajamento coletivo, entre outras
ações que ficaram marcadas na memória como exemplo de resistência social e acadêmica.
São estas lutas cotidianas, no âmbito sindical, que ainda garantem o mencionado tripé
da universidade pública, o regime RDIDP, o funcionamento colegiado e democrático, entre
outras conquistas históricas.
Outro aspecto fundamental que garante o pleno funcionamento da universidade
pública é a questão da participação docente nas instâncias de deliberação acadêmica e
administrativa da universidade. Neste sentido, é importante salientar que o curso de
Psicologia tem um forte peso institucional na universidade: os docentes participam
ativamente de todos os espaços de decisão, levando discussões socialmente relevantes para
os espaços de deliberação, apontando para as relações de poder instituídas e denunciando o
desmonte da universidade pública.
Também é importante mencionar que, internamente, importantes deliberações do
curso se dão por meio de assembleia. A participação ativa de estudantes nas assembleias e
em conselhos deliberativos do curso, embora muitas vezes polêmica, sempre foi defendida
pela maioria dos docentes. Este é mais um indicador da denominada resistência ético-política.
No grupo de docentes do curso em que fui integrado assim que ingressei na Unesp, o
grupo da denominada “mediação Histórico-Cultural”, notei que os professores prezavam
tanto pela ação democrática e sindical como pelo desenvolvimento das ações no campo do
ensino, da pesquisa e da extensão, buscando integrá-los ao máximo: o ensino valorizando-o,
com muito custo, desde a graduação, a pesquisa com um olhar para os problemas concretos
da sociedade, articulada a projetos de extensão com enfoque no atendimento e
acompanhamento de questões que envolvem a garantia de direitos sociais básicos, como
saúde e educação públicas e assistência social.
São essas e outras ações no campo social e acadêmico que se somam e que fortalecem
um projeto de resistência.
SEGUNDO EXEMPLO: RESISTÊNCIA AO NEOLIBERALISMO PARA ALÉM DOS MUROS DA
UNIVERSIDADE
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O engajamento para fora da universidade de docentes do curso de Psicologia também
me contagiava e me mostrava, na prática, qual era a função social da universidade pública.
Lembro-me do período das ocupações das escolas estaduais, em 2016, que tomaram conta
de todo o país, especialmente do Estado de São Paulo e em Bauru. Quantas vezes levamos
nossos estudantes de graduação e pós-graduação para as escolas, seja para apoiar o
movimento ou para desenvolver atividades de extensão, especialmente aquelas ligadas à
Educação. Ali nas calçadas, em frente às escolas, estava a universidade pública. Ela era levada
até a comunidade também por meio de alguns docentes e discentes do curso de Psicologia.
Lembro-me das manhãs e madrugadas em frente às escolas públicas ocupadas.
Também me recordo de estar presente, ao lado de docentes e discentes do curso, em
manifestações de rua contra o desmonte de direitos sociais e contra a precarização do ensino
público. Estávamos ali como universidade, representando também o sindicato dos docentes
em cima de carros de som, na quadra dos sindicatos dos bancários, onde naquela época se
reunia parte importante dos setores combativos da cidade, entre outros espaços.
Também me lembro, ainda, de estar lado a lado com docentes e discentes na luta de
trabalhadores de uma fábrica que havia encerrado suas atividades sem ter pagado os salários
e direitos dos trabalhadores. Lá estavam nós da Unesp e do curso de Psicologia procurando
contribuir para a resistência fora dos muros da universidade: apoiamos as assembleias dos
trabalhadores, estivemos presentes nas manifestações em avenidas e rodovias que cortam a
cidade. Não eram doutores, docentes ou estudantes ali: todos se identificavam com a classe
trabalhadora. Sem dúvida, mais uma lição de resistência a partir da universidade, mas para
além dela.
TERCEIRO EXEMPLO: RESISTÊNCIA AO ALIGEIRAMENTO DA FORMAÇÃO ACADÊMICA
UNIVERSITÁRIA
É necessário reconhecer outro elemento de resistência ao desmonte da universidade:
que o referido curso preza pela formação presencial, considerando que ela não pode estar
limitada a uma interação ocasional entre seus membros, mas consagrada pela existência de
espaços formais que promovam uma relação duradora entre os docentes e discentes, dentro
e fora da sala de aula, a partir de projetos de pesquisa e extensão.
Advogar pela formação presencial não é uma obviedade atualmente. Pelo contrário:
pululam ações que visam ampliar radicalmente o Ensino à Distância, como proposta que
substitui, em grande medida, a formação presencial. Como tem sido apontado pela Associação
de Docentes da Unesp, o conceito de “inovações curriculares” trazido para debate em série
de workshops levados a cabo pela Pró-Reitoria de Graduação da Unesp, teve como interesse
real substituir gradualmente o ensino presencial pelo ensino à distância – continuando, assim,
a desobrigar a universidade a repor o quadro flagrantemente deficitário de docentes e de
funcionários (Adunesp, 2018).
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Nestes termos, o Ensino à Distância não pode ser compreendido apenas como uma
simples busca por sofisticadas “tecnologias de ensino”. Revela uma faceta do modelo
neoliberal de universidade operacional, em franca ascensão (Adunesp, 2018; Arantes, 2018;
Chauí, 2014). A formação acadêmica sistematizada, não aligeirada, livre e crítica, coloca
barreiras ao projeto de desregulamentação dos direitos sociais, consequentemente, é um
obstáculo para que se atinja os patamares de acumulação previstos ou desejáveis pelo capital.
A função social da universidade não é interessante para a classe dominante. Mas há
resistência e o curso de Psicologia da Unesp é novamente um exemplo.
Assim, uma das formas de resistência encontra-se no próprio currículo. Com todos os
limites institucionais e conjunturais, em um cenário de desmonte da universidade pública, o
curso se estrutura a partir de um currículo consistente e pela construção de espaços formais
de compartilhamento de projetos comuns, preocupados em estabelecer relações
significativas com a sociedade e com a cidade, explicitando no PPP uma intencionalidade
voltada para a construção de uma sociedade mais justa.
Com efeito, como mostra o portal disponível na internet, o curso conta, atualmente,
com 10 projetos de extensão (Unesp, 2019a). Sabemos que muitos destes projetos acontecem
há anos, com relativa permanência da equipe formada por docentes e estudantes. Foi comum,
na minha curta caminhada, observar estudantes identificados com uma proposta de trabalho
de um ou outro professor, ao longo de toda a graduação, sem prejuízo da formação
generalista. Ainda de acordo com a informação disponível no site, são 11 grupos de pesquisa
no departamento (Unesp – Faculdade de Ciências, 2019b). Também sabemos pela experiência
que muitos destes grupos são construções de longa data e que promovem relações
prolongadas entre estudantes e docentes. Apenas para dar um exemplo, citamos o grupo de
pesquisa que ainda fazemos parte, o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Social e
Educação, conhecido como NEPPEM e que completou 20 anos de vida.
A pesquisa e a extensão são partes importantes da formação do psicólogo, se
considerarmos a integralidade da formação profissional, assim como se apresenta no PPP do
curso. De acordo com o PPP, tem-se a preocupação com a:
Articulação dos conhecimentos psicológicos desde os primeiros anos do curso, por
meio de projetos interdisciplinares que se concretizam nas atividades complementares,
viabilizando o processo de formação teórico-prática (Unesp, 2007, p. 10).
O olhar para a formação a partir da articulação entre ensino, pesquisa e extensão -
outrora um elemento que poderia ser comum ao próprio conceito de universidade pública –
atualmente, como já mencionado, também é um ato de resistência. O tripé universitário
(ensino-pesquisa-extensão) vem sendo substituído, como alertamos em outra oportunidade,
pelo produtivismo e pela própria lógica de precarização da universidade (Euzébios Filho,
2016). De modo que se torna importante mencionar a patente preocupação do corpo docente
do referido curso em oferecer, pela pesquisa e extensão, mas também pelo currículo,
possibilidades de debates éticos e políticos vigentes na sociedade, que aparecem dentro e
fora da sala de aula.
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De acordo com o PPP (Unesp, 2007), mencionando os princípios fundamentais da
Câmara Central de Graduação, o currículo do curso de Psicologia leva em consideração: (...)
“a totalidade das atividades que visam à formação de um profissional competente, do cidadão
comprometido com seu tempo e sociedade, e que saiba tomar decisões de acordo com
princípios éticos e compromissos sociais” (p. 8).
Alicerçado nestes preceitos formativos, o currículo torna explícita a preocupação em
não dissociar a responsabilidade de formação acadêmica com a formação ético-política. Como
se apresenta claramente no PPP:
Dentro do foco das necessidades humanas e sociais, a inserção social do trabalho do
psicólogo tem demonstrado na prática que as questões ligadas à cidadania, aos direitos
sociais, à exclusão/inclusão social, escolar, de seguridade e participação não passam pela
neutralidade das técnicas, mas precisam ser entendidas na ação do psicólogo na sociedade,
mediada pelas questões éticas e políticas, inseridas no contexto contraditório das relações
sociais de classe, gênero, raça e poder das populações beneficiárias dos serviços e políticas
sociais do Estado. Atuar com outros profissionais contribui para a superação da visão
dominante da “onipotência da Psicologia”, dada a necessidade de “diferentes olhares” para a
compreensão do fenômeno humano (Unesp, 2007, p. 10).
Como se pode notar, o PPP menciona questões sociais concretas que se tornam objeto
de preocupação da formação do psicólogo: questões de raça, classe e gênero, garantia de
direitos e inserção nas políticas públicas. Fica então claro que a formação não é apenas
pensada na lógica da profissão liberal, como parece ser ainda a tendência da maioria dos
cursos brasileiros de Psicologia. É necessário pensar o retorno da formação pública à
sociedade e deste modo, o psicólogo também é formado como agente social. Um profissional
que compõe uma equipe multiprofissional e que atua diretamente com a maioria da
população. Como notamos mais uma vez no PPP:
O PPP também coloca como necessário, considerando resolução do Conselho Federal
de Psicologia, que a:
(...) formação profissional do psicólogo tem de considerar: “1. Compromisso com a
realidade brasileira; 2. a formação básica generalista sólida e de especialização posterior
em nível de pós -graduação; 3. a graduação deve se voltar mais para a formação do que
para a informação; 4. a revisão dos modos atuais de ensinar ; 5. a formação para a
responsabilidade social ; 6. a formação multidisciplinar e para o trabalho em equipe; 6. a
formação para a pesquisa (incluindo a produção e a socialização dos conhecimentos); 7. a
formação teórico prática; 8. a formação ética” (Conselho Federal de Psicologia, 1994, p.
303, citado por Unesp, 2007, p. 9).
Estes valores coadunam com uma preocupação dos docentes do curso que gostaria
finalmente de destacar: a valorização da graduação. Como ouvi certa vez de um docente: “Não
abrimos mão da graduação e da forma como ensinamos nossos alunos” (sic). A frase foi
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proferida no contexto de ataques constantes sofridos ao ensino de graduação (muitas vezes
empreendido por agentes da alta cúpula da própria instituição), que coloca o PPP e a própria
formação básica em risco: as constantes pressões do produtivismo acadêmico, centrado em
quantidade de publicações e orientações na pós-graduação, a supervalorização da pós-
graduação em detrimento da graduação, os modelos implementados de avaliação docente
que tendem a desvalorizar o ensino presencial, entre outros exemplos.
Tendo em vista as pressões e os ataques mencionados, temos no PPP do curso de
Psicologia da Unesp-Bauru um modelo de resistência ao aligeiramento da graduação e à
formação tecnicista hegemonicamente observado na área da Psicologia.
QUARTO EXEMPLO: RESISTÊNCIA À FORMAÇÃO TECNICISTA DA PSICOLOGIA
Além do comprometimento ético-político com uma sociedade mais justa, também há
uma preocupação com a formação de bases teóricas sólidas no campo da Psicologia. Assim, o
PPP é fundamentado em mediações teóricas que acompanham todo o processo formativo,
que se sustenta com as bases epistemológicas de quatro perspectivas da ciência psicológica.
Como mencionado no PPP:
A diversidade de orientações teórico-metodológicas que compõem o campo da
psicologia e a gama de possibilidades de práticas profissionais e contextos de inserção do
psicólogo exigem que os fundamentos da formação do psicólogo, expressos no projeto do
curso de graduação, devem incluir conteúdos do saber científico e teórico-prático em
psicologia (Unesp, 2007, p. 9).
Assim, em consonância com o corpo docente, o curso oferece formação teórica em
quatro perspectivas: Comportamental; Psicanálise; Sistêmica; Histórico-Cultural. Sendo essas
abordagens aplicadas ao contexto clínico, escolar, social e organizacional e do trabalho em
diversos espaços de atuação institucionais, vinculados a equipamentos públicos e serviços
oferecidos na cidade de Bauru (Unesp, 2007).
O curso de Psicologia oferece fundamentos éticos e epistemológicos consistentes aos
seus alunos de graduação. A formação teórica sólida é inegociável e precede a formação
técnica. Isto para a Psicologia tem uma importância fundamental, uma vez que se observa na
história da ciência e da profissão características hegemônicas baseadas no tecnicismo e na
pobreza de debates teóricos (Euzébios Filho & Gradella Júnior, 2020; Martín-Baró, 1982).
Sabe-se, historicamente, que o projeto de ciência e profissão foi tomado pelo
pragmatismo norte-americano com o objetivo de viabilizar técnicas sem necessariamente
estarem acompanhadas de rigor teórico (Euzébios Filho & Gradella Júnior, 2020; Martín-Baró,
1982). Também é sabido que a ausência de debate ontológico (isto é, sobre a própria natureza
do fenômeno psicológico) é uma das características do positivismo como expressão
dominante da Psicologia no Brasil e no mundo. O resultado é uma formação que não
subordina a técnica à teoria e mais ainda, não apresenta a multiplicidade do pensamento
Euzébios Filho, A. (2022). Curso de Psicologia da Unesp-Bauru: resistência ético-política no campo social e
acadêmico. PLURAL – Revista de Psicologia UNESP Bauru, 1, e022002.
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psicológico por só apresentar uma visão (pragmática) da ciência e da profissão (Euzébios Filho
& Gradella Júnior, 2020; Martín-Baró, 1982).
No curso de Psicologia da Unesp-Bauru, as disciplinas de epistemologia, voltadas ao
aprofundamento teórico-ontológico de cada uma das abordagens, não somente são
apresentadas aos estudantes dos primeiros anos como constituem a base da formação até o
quinto ano. O curso, assim, é organizado pelas mediações, que constituem os pilares da
formação teórica e técnica, generalista dos estudantes (Unesp, 2007).
São os estágios supervisionados que completam essa formação sólida e engajada e eles
são escolhidos democraticamente pelos estudantes, que optam por três áreas e campos de
atuação ofertados pelos docentes, respeitando a formação generalista, conforme prevê as
diretrizes para a formação em psicologia no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resistência ético-política se traduz no combate ao neoliberalismo que sustenta o
modelo de universidade operacional. Também é resistir ao que Arantes denominou de
“capitalismo acadêmico”. O autor retrata uma universidade já privatizada. Como ele afirma,
em tom provocativo:
Não se trata de privatização, privatização é um falso problema, porque já está
ultrapassado. A privatização (...) já aconteceu faz um bom tempo. Existe – e nós sabemos, isso
é um segredo de polichinelo – um acelerado empreendedorismo acadêmico, sobretudo nas
unidades que se podem dar ao luxo, que são as que profissionalizam nas áreas de comando
econômico, principalmente nas engenharias. É como se cada professor titular fosse como um
político (cada mandato é uma empresa), cada professor titular é uma pequena empresa – de
investimento, de captação de recursos, de lobby em ranqueamentos – de modo que tanto faz
se isso está sob tutela do Estado, se é público (...) ou não. (Arantes, 2018, p. 3)
O autor menciona as áreas relacionadas diretamente ao “comando econômico”,
citando, por exemplo, as engenharias e se prende, neste trecho, ao exemplo do “professor
titular”. Mas seria um erro considerar que o capitalismo acadêmico se limita a estas áreas e a
este nível de docência. É uma tendência generalizada no marco atual do neoliberalismo e da
universidade operacional.
A narrativa da escassez de verbas e recursos internos esconde o projeto neoliberal de
desmonte da universidade pública, mas objetivamente faz com que o professor, seja de que
área for ele, se assuma como um empreendedor: buscar recursos de fora e vender seu projeto
de pesquisa fazem parte do cotidiano de trabalho do docente do ensino superior. A tendência
também é que ele se coloque como gestor - e isto significa realizar todas as tarefas de gestão,
inclusive aquelas realizadas pelos agentes técnico-administrativos, isentando a universidade
de repor o quadro já deficitário de funcionários (Adunesp, 2015). O estudante, por sua vez, ao
ver a universidade inundada pelo empreendedorismo cínico e por propostas de Ensino à
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acadêmico. PLURAL – Revista de Psicologia UNESP Bauru, 1, e022002.
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Distância, se vê obrigado a correr atrás da sua própria formação. A interação em sala de aula
é secundarizada. É ele, o estudante-empreendedor, responsável pela sua própria formação.
São os “ensinamentos” neoliberais postos na prática cotidiana da universidade pública.
A perspectiva do empreendedorismo empresarial parece ser a tônica da sociedade
neoliberal e por isto se coloca em todas as esferas das nossas vidas, inclusive na universidade
pública. Como diz ainda Arantes (2018, p. 5): “a forma do capitalismo não é mais a troca de
equivalentes, nem mais a sociedade de consumo, é um sistema de concorrência generalizado
em que todos os atores, como se diz, todas as unidades, todos os sujeitos (...) funcionam como
empresa.”
Assim, nessa lógica as unidades acadêmicas se põem em concorrência com outras
unidades na disputa por recursos internos e externos. Igualmente, os docentes-empresa
concorrem com outros docentes-empresa na disputa por projetos, prestígio acadêmico, entre
outros. Os estudantes também disputam, entre si, as migalhas das bolsas sociais e/ou
acadêmicas que restaram, por meio de um ranking de desempenho acadêmico, por exemplo.
A resistência ético-política se coloca nestes termos e assim foi denominada por
transcender os muros da academia: trata-se de padrões de comportamento e relações sociais
disseminadas a todos os campos da sociedade. A universidade é refém desta lógica e ao
mesmo tempo contribuiu para sua reprodução. Mas nem sempre é assim – ou não tem de ser
assim. Os exemplos de resistência do curso de Psicologia da Unesp-Bauru nos mostram isso.
Resistência no campo social, político e acadêmico, que se concretiza a partir da ação sindical,
passando pela consistência na formação acadêmica, valorizando a função social da
universidade e a formação socialmente comprometida do psicólogo.
Que o curso de Psicologia da Unesp-Bauru persista assim por muitos anos, esperando
que ele não seja mais uma exceção, mas a regra de uma sociedade (e universidade) mais justa
e humanizada.
É claro que há ainda muitos desafios pela frente, ainda mais considerando que eles se
estendem para todo o campo científico da Psicologia, uma vez que a resistência ética e política
que envolve a formação de psicólogo exige também uma articulação teórico-filosófica voltada
para uma práxis transformadora nos campos que são próprios aos conhecimentos
psicológicos. Este é um dos desafios não apenas para o referido curso de Psicologia, mas,
principalmente, para a fragmentada ciência psicológica.
REFERÊNCIAS
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acadêmico. PLURAL – Revista de Psicologia UNESP Bauru, 1, e022002.
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Graduação 2018 da Unesp – algumas sérias preocupações.
https://www.adunesp.org.br/noticias/sobre-o-ii-workshop-ensino-de-graduacao-2018-da-
unesp-algumas-serias-preocupacoes
Arantes, P. (2018) Capitalismo acadêmico. https://www.docdroid.net/h82g/capitalismo-
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Chauí, M. (2014). Contra a universidade operacional. A greve de 2014 (8 de agosto de 2014).
http://www.adusp.org.br/files/database/2014/tex_chaui.pdf
Euzébios Filho, A. (2016). Representação política e movimento estudantil no ensino superior:
reflexões sobre uma universidade pública paulista. In C. M. Cardoso (Org.) Universidade, poder
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pedagogico_versao-final_sgrad_06_02_2007.pdf
Recebido em: 07/11/2022
Reapresentado em: 30/01/2023
Aprovado em: 07/02/2023
I
Psicólogo formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005). Concluiu o Mestrado (2007) e o
Doutorado (2010) pelo programa de pós-graduação em Psicologia da PUC-Campinas. Foi docente do curso de
Psicologia da UNESP-Bauru entre os anos de 2014 e 2018. Atualmente é Professor Assistente Doutor do Instituto
de Psicologia da USP, no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho. E-mail: antonioeuzebios@usp.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5276-3697