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AS CLASSES MÉDIAS
E O ESPORTE
andanças entre Portugal e Brasil
Renato Sampaio Sadi
AS CLASSES MÉDIAS
E O ESPORTE
andanças entre Portugal e Brasil
São João Del Rei
2023
Copyright © by Renato Sampaio Sadi
Diagramação e Capa: Marcos Della Porta
Esta obra está protegida pela Lei do Direito Autoral nº 9.610 de
19.02.1998.
Não é permitida reprodução sem autorização do autor.
23-151945 CDD-796.01
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Sadi, Renato Sampaio
As classes médias e o esporte : andanças entre
Portugal e Brasil / Renato Sampaio Sadi. --
São João Del Rei, MG : Ed. do Autor, 2023.
Bibliografia.
ISBN 978-65-00-67234-3
1. Acessibilidade cultural 2. Brasil - Portugal -
História 3. Classes sociais 4.Desigualdade social
5. Esporte - Aspectos sociais I. Título.
Índices para catálogo sistemático:
1. Esporte : História e sociedade 796.01
Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253
| 5
Sumário
Apresentação ........................................................................... 7
Introdução ............................................................................... 11
Capítulo 1 – Qual esporte? .................................................... 29
1.1 O corpo consumista e o esporte (lazer) .............................. 31
1.2 Quem são os esportistas das classes médias? ..................36
Capítulo 2 - Pertencimento/engajamento de classes médias
em Portugal e no Brasil .......................................................... 41
2.1 Aspectos interligados da nova ordem mundial no Sul Global
............................................................................................ 41
2.2 Herança histórica e ideológica das classes médias ........... 45
2.3 Reconfiguração familiar e educacional ............................... 48
2.4 O pertencimento/engajamento na promoção e aposta de
ascensão social .................................................................. 53
Capítulo 3 - Identidade e psicologia para repensar a
pedagogia do esporte no Brasil ............................................ 61
3.1 A questão da violência ........................................................ 61
3.2 O diálogo com uma alfabetização esportiva ...................... 67
3.3 Os sentidos, significados, sensibilidades e perspectivas da
competitividade e competição para crianças e jovens ........... 73
3.4 A efervescência de emoções no mundo do capital predador e
avassalador ........................................................................ 81
Considerações finais ............................................................. 84
Referências ............................................................................. 85
Sobre o autor .......................................................................... 95
As Classes Médias e o Esporte | 7
Apresentação
O texto que o leitor tem à frente é oriundo do relatório final de
pós-doutoramento em Sociologia pela Universidade do Porto,
(Portugal). A supervisão do trabalho ficou à cargo da Professora
Lígia Ferro a quem agradeço imensamente. Começo por demonstrar
e recortar o objeto em termos acadêmicos, mas sobretudo, políticos.
Havia, em meu horizonte teórico, uma necessidade de apontar
saídas às encruzilhadas postas pelo capitalismo que, no caso do
esporte, impedem seu pleno desenvolvimento. Como se sabe, tais
saídas, à esquerda, necessitam de ajustes e propostas
sólidas/viáveis.
A oportunidade que tive de sair do Brasil em 2021 configurou-
se como um ensaio (ainda estávamos na pandemia, com cuidados,
máscaras etc.) para colher os frutos e as firulas das classes sociais,
já que, pela formação marxiana e marxista, as classes populares são
as que mais sofrem. Não imaginava que os impactos para as classes
médias fossem tão significativos e, nesse sentido, desenhei
determinadas ênfases teórico-políticas, expressas nas linhas a
seguir. Ao final de 2022 destaques específicos de Portugal e Brasil
podem ser sintetizados no desenrolar de duas contradições: 1. a
total incapacidade de enfrentamento da questão econômica no
sentido da promoção de um desenvolvimento sustentável (leia-se
criação de emprego, indústria e pulverização de serviços); 2. a
desfaçatez com que os governos tratam a questão social, ora por
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meio de um horror e/ou humor fascista, ora pela via tecnológica da
comunicação fake News, ora por deixar como está, isto é, “empurrar
com a barriga”.
Os portugueses reelegeram, em janeiro, o primeiro-ministro em
um processo de rompimento com as esquerdas que foi aprofundado
no final de 2021, ainda que com a maioria absoluta no parlamento.
O país passou a conviver com um aumento da extrema direita e, ao
mesmo tempo, com um esgotamento de um tipo de governança
política que oculta as contradições das classes médias. O socialismo
português, já muito distante dos preceitos da Revolução dos Cravos,
de abril de 1974 ainda responde pelo aprofundamento da crise
econômica e a reverberação disso em toda a Europa.
O caso brasileiro, mais grave, foi aprofundado pela ausência
de projeto e de perspectiva. Em um ano eleitoral, a polarização
direita/esquerda repetiu o quadro de 2018, com repercussões
odientas nas redes sociais, manobras de todo tipo e, principalmente,
a malandragem como arma da política e sua utilização perversa em
convergência com a ignorância e o dissabor da população em geral.
Os resultados eleitorais indicaram igualmente, um aumento da
extrema direita, inclusive da parcela anarco capitalista e uma
pulverização direitista baseada em ignorância popular, somada à
oportunismo. O sistema financeiro soube aproveitar o momento para
alargar seu domínio sobre os mais pobres. Isso poderia ser uma
pauta restrita ao Brasil, porém, verificou-se, no mundo todo, uma
crescente miséria, acompanhada de miopia financista, isto é, de
uma visão curta dos planos macro e microeconômicos.
As classes médias foram afetadas por tais disparates, tendo
em vista, inclusive, seu potencial de consumo, falta de
oportunidades e recessão, isso sem contar a agressividade dos
noticiários que oprimem e deprimem as pessoas. Para além da
falência dos modelos reformistas, destacadamente o socialista e o
trabalhista, a prática política de grupos partidários reforçou a ideia
da repetição das mesmas políticas que não lograram êxito durante
As Classes Médias e o Esporte | 9
as últimas duas décadas: a repartição consumista e a excessiva
flexibilidade aos grandes capitais. Ao fazer um balanço de 2022 a
sensação geral foi sair às ruas e colher os cacos da devastação da
pandemia, seguidos pela mesmice do poder político e econômico do
capitalismo. Para os próximos passos, as esperanças terão que ser
renovadas para que novos caminhos sejam (re)descobertos. Para
as propostas na área do esporte, especialmente, aquelas de caráter
educacional, mais do que apontar saídas práticas em termos de
gestão e pedagogia, torna-se urgente repensar as estratégias em
torno da formação e qualificação de professores e treinadores.
Este tema específico esbarra nas franjas políticas que
envolvem o esporte (financiamento, gestão, promoção, esperança)
e as expectativas das classes médias, muitas tendentes ao
conservadorismo de direita, reinantes na sociedade atual.Nesse
sentido, diante da avalanche de retrocesso decidi desacelerar minha
produção acadêmica, virar a página com o pensamento nos anos
vindouros.
Os tempos em volta de aulas, trabalhos, pesquisas, debates e
intervenções precisariam ser reelaborados, tendo em vista as retas
e curvas da vida madura. Havia, certamente um conjunto de outras
intensidades negativas que não só poluíam minha cabeça como me
lançava ao tédio: o bolsonarismo no país, o nada das pessoas e as
bobagens por toda a parte. O volume de incertezas e o descrédito
com a educação e a Universidade também certamente foram pontos
importantes. Mesmo assim, a vida me punha para frente. A cada dia,
um novo desafio. Em uma das tomadas de fôlego, assumi a
empreitada de pôr à mesa, um debate verdadeiro sobre as
contradições das classes médias na sua relação com o esporte. Isso
trouxe os riscos de não obter nada diferente e interessante da já
existente história do esporte e, ao mesmo tempo, possíveis
curiosidades e simplicidades dos processos educativos na família e
no clube, pouco produtivas.
O comportamento das classes médias, a educação dos filhos,
10 | Renato Sampaio Sadi
a pedagogia do treino e como as crianças e jovens processam o
aprendizado, era (e continua a ser) muito importante aos estudantes,
professores e treinadores, porém, tudo isso confina-se em uma
caixa preta, de difícil abertura. Este nó apertado do desafio foi
desatado quanto a escrita ganhou força. Apresento, aqui, os
principais entraves deste tema e suas questões nodais em termos
de perspectiva.
Boa leitura!
As Classes Médias e o Esporte | 11
Introdução
Há sem dúvida quem ame o
infinito, há sem dúvida quem deseje o
impossível, há sem dúvida quem não
queira nada - Três tipos de idealistas, e
eu nenhum deles: Porque eu amo
infinitamente o finito, Porque eu desejo
impossivelmente o possível, Porque
quero tudo, ou um pouco mais, se puder
ser, ou até se não puder ser…
Fernando Pessoa
O ponto de partida e de caminhada, desta trajetória é a longa
estrada da profissão de professor; coleciono sonhos, enfrentamen-
tos exitosos, pedras, perdas, e desafios diários de uma exaustiva
jornada de lutas. Desde os anos 1980 os problemas relativos à de-
sigualdade social, assim como, as crises e as respostas das
instituições, pulsava, como questões sensíveis no emaranhado da
economia política, com reverberação direta nos corações dos
lutadores. As divisões de classes geradora de antagonismos,
conflitos, confusões e negatividades informava que era preciso
calçar o edifício teórico-prático da filosofia política com o tempero do
sindicalismo combativo. Mais à frente, vi incongruências no
tratamento das disputas sindicais e político-partidárias. Nem sempre
os desejos coletivos são conquistados em nome de uma categoria
e/ou grupo político. Normalmente, a força bruta de um lado (patrões
e Estado) visa destruir a fragilidade ou não coesão por parte dos
trabalhadores, porém, como isso não é explícito, o que se passa,
torna-se legítimo. As conquistas são pontuais e necessitam de
alianças para compor alguma verdade, a ser deixada como exemplo
12 | Renato Sampaio Sadi
na história e historiografia dos partidos e dos próprios governos. Nas
palavras de Mészaros (2015b) ainda temos uma montanha a con-
quistar.1 De qualquer maneira alguns dos conhecimentos empíricos
sobre greves, negociações, estratégias, sindicatos, partidos e
paciência, postos à mesa como condicionantes políticos de
aprendizagem, fizeram com que minha percepção das lideranças
fosse vista para além das personalidades, ou seja, vi o movimento
político das esquerdas como um movimento de constante busca,
unidade e aprendizado. Também isso, foi sufocado pelo neolibera-
lismo/neoconservadorismo e o caldo ideológico arraigado nesse
ideário que atingiu negativamente diversos profissionais. O novo
mundo, portanto, tem sido constituído por perdas crescentes de
parte dos trabalhadores, sendo preciso encontrar rotas alternativas,
ou seja, armas da crítica em quantidade e qualidade suficiente, im-
prescindíveis para combater a atual onda fascista, de ortodoxia
ultraliberal, como raiz (no qual banalidade e boçalidade são
somadas) e, além disso, combater a crítica das armas (naquilo que
há de irracional e/ou emocional descontrolado) e seu conjunto de
estruturas e pensamentos sectários de parte da esquerda.2
Considero, nesta jornada, que experimentei uma viagem
intelectual ao mundo de propostas e mudanças, sem as quais, o
nada e o tédio teriam mais força para me derrubar. Chove, no mundo
de hoje, gotas de caos que atingem a alma, a sociedade, a cultura,
a política. Até mesmo o ar respirado não é seguro, diriam os mais
1 . Ver MÉSZÁROS, István. A montanha que devemos conquistar:
reflexões acerca do Estado. Boitempo Editorial, 2015.
2 . “As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas, a
força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se
converte em força material, uma vez que se apossa dos homens. MARX, Karl;
ENGELS, Friedrich. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. Temas
de Ciências Humanas, v. 2, 2005.
As Classes Médias e o Esporte | 13
céticos. Prefiro o lado da crítica contundente, anticapitalista, mas
que, ao mesmo tempo, vê saída e, por isso, propõe. Sou, portanto,
amigo do espírito jocoso e juvenil de Ariano Suassuna, que se
considera um realista esperançoso. Diz o pensador: “Não sou nem
otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos, e os
pessimistas, amargos”.
Neste texto, não desenvolvi uma teoria acabada, tampouco um
percurso acadêmico com opiniões dispersas ou mesmo a tentativa
de ordenar lógicas desordenadas. Como expressa o título, trata-se
de uma relação entre as classes médias e o esporte. Qualquer que
seja a compreensão disso, pretendo dialogar com o leitor, sobre os
sentidos, significados, sensibilidades e perspectivas desta relação.
Ao promover o encontro entre as classes médias e o esporte,
comprometo-me com uma reflexão crítica que, ao mesmo tempo,
possa situar (e provocar), uma incômoda problemática que saia do
lugar comum acadêmico. Escolhi trilhar o percurso Brasil-Portugal
por entender que, a ampliação de foco, no tratamento da relação
classes médias e esporte, revela pormenores ainda não discutidos
de forma satisfatória e que, a comparação é produtiva ao se verificar
o intercâmbio acadêmico e o potencial lusófono. Como se sabe, os
dois países têm muitas semelhanças e algumas diferenças.3 Além
disso, a rejeição do simples e vazio, deve ceder lugar ao rigoroso,
3. Dados indicadores-comparativos entre Portugal e Brasil: Índice de
Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (IDH-ONU)
Portugal = 0.864, posição 38 de 189; Brasil = 0.765, posição 84 de 189. Índice
Global de Paz - Portugal = 1.267, posição 4/163; Brasil = 2.430, posição
128/163; Índice de fragilidade - Portugal = 27.3; Brasil = 68.7; Desemprego -
Portugal = 6.4%; Brasil = 13.2 %; Despesas públicas per capita - Portugal =
9.587 Euros; Brasil = 2.548 Euros. Salário Mínimo - Portugal = 770 Euros;
Brasil = 170 Euros. Fonte: https://pt.countryeconomy.com Acesso, 15/11/2021.
População concluinte do Ensino Secundário em Portugal em 2020 = 82.9%
Fonte: https://www.pordata.pt População conluinte do Ensino Médio no Brasil
em 2019 = 48.8%. Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/
14 | Renato Sampaio Sadi
ético e verdadeiro, com atenção aos contornos conjunturais e de
possibilidades concretas. O economicismo que trata as classes
apenas no plano quantitativo pode ser incrementado com
discussões sobre o funcionamento das classes e alguns aportes
culturais. O educacional (familiar e escolar) que, normalmente,
aceita, sem questionamento, o status-quo estabelecido, também
pode, ser alimentado pelo arcabouço político-sociológico e desviar-
se da fraseologia que parece reinar sobre muitas cabeças
pensantes.
Quais são os pontos de intersecção possíveis entre três
modelos/métodos importados, o TGfU, o Spor Education e o Game
Sense? O Sport Education é um modelo canadense/americano de
ensino esportivo de Educação Física (escola) baseado na meta de
alfabetizar uma pessoa do ponto de vista esportivo, competente e
entusiasta. Promove a modificação de jogos e incentiva os alunos a
jogarem em grupos. Ensina por meio de jogos reduzidos aplicando
papéis sociais a serem desempenhados pelos alunos (jogador,
árbitro, jornalista, torcida, etc.) O planejamento das aulas prevê
competições e o desenvolvimento de um evento final.4 O TGfU é um
modelo inglês de ensino esportivo da Educação Física (escola e
clube); concebe o esporte coletivo em categorias de jogos, sendo o
aluno o centro do processo (construtivismo). Modifica jogos e cria
representações e cenários em jogos considerados exagerados.
Incorpora questões do Sport Education como os jogos reduzidos,
porém, acrescenta a distinção entre jogo e tarefa, para solidificar as
questões táticas e técnicas em processo de compreensão; quando
relacionado à crianças e jovens, respectivamente ao ensino de
táticas, desenvolve uma variação denominada Tactical Games
(Sadi, 2010; 2016). Em todas as formas deste modelo, existe a
necessidade de aplicar questionamentos (perguntas e respostas
4 - Para o modelo do Sport Education, ver Siedentop (2011).
As Classes Médias e o Esporte | 15
planejadas) exigindo dos alunos o pensamento sobre o jogo.5 O
Game Sense é um modelo australiano de ensino esportivo da
Educação Física (escola e Clube); incorpora os dois outros modelos
envolvendo a questão técnica no conjunto de habilidades
fundamentais de movimento que, ao longo do processo educativo,
se tornarão habilidades esportivas específicas. Este modelo trabalha
com o foco em objetivos e resultados esperados da aprendizagem.
As questões táticas ganham relevo e são complexificadas com
questões estratégicas do jogo. As questões técnicas, por sua vez,
ocupam um ligeiro espaço maior que os outros modelos, tendo em
vista que há uma dedicação maior aos conhecimentos da área de
educação motora. Um esquema simples representado por jogo,
questionamentos, repetição do jogo e modificação se junta com a
perspectiva de formação integral, afetiva e de comportamentos.6 Um
resultado prático, porém provisório e especulativo, a ser retirado
destas nuances dos modelos é o fato de que todos tendem para
poucos alunos/jogadores por professor/treinador, o que significa
uma tendência ao ensino individualizado. Tal fotografia
metodológica permite inferir que, grandes grupos, como os das
aulas de EF serão prejudicados, ou seja, terão um ensino mais solto,
livre, lúdico, no sentido da brincadeira, com um viés direcionado às
classes populares e ao estrato mais baixo da classe média.
A falta de uma política esportiva mais acabada, que alimente
as instituições, federações, clubes e escolas, assim como um
universo pantanoso presente nos discursos de gestores,
professores, treinadores, pais e responsáveis nos têm feito reféns
nas investigações sobre a atual qualidade no esporte (e na prática
profissional). As consequências imediatas desta falta de política são
5 - Para o modelo do TGfU, ver Mitchell; Oslin; Griffin (2003).
6 - Para o modelo do Game Sense, ver Breed & Spittle (2020).
16 | Renato Sampaio Sadi
sentidas na baixa densidade de conhecimento sobre os modelos
pedagógicos. O pensamento sobre a formação esportiva é difuso e
beira incoerências do senso comum. Em outras palavras, aceitamos
como natural e, quase sempre, sem questionamento, os processos
de formação, iniciação e treino destituídos da contribuição familiar
decisiva e do papel dos treinadores. A depender única e
exclusivamente dos treinadores para a exposição de processos
esportivos e educativos, caímos nas armadilhas discursivas do
treino e da competição como responsáveis pelos diversos êxitos ou
fracassos na vida, provavelmente, tais armadilhas apresentam um
caráter unilateral e se tornam viciadas pelos vínculos apaixonantes
que nos ligam ao esporte. Neste clima, simbólico e complexo, há,
gargalos (objetivos e subjetivos), erros de planejamento, de pais e
treinadores, sendo possível intuir que muitas crianças e jovens
enfrentam obstáculos/impedimentos em ambientes nem sempre
propícios e pouco acompanhados, o que pode conduzir ao
abandono sem que saibamos os verdadeiros motivos.
Pressupostos teóricos e metodológicos
A combinação de valor de uso e valor de troca foi utilizada por
Marx para decifrar a lógica de acumulação e desnudar o sistema
metabólico do capital. De fato, qualquer coisa tem um valor de uso,
cuja durabilidade depende da matéria prima. No valor de troca estão
contidas as engrenagens que alavancam lucros e mais-valia, ou
seja, se cada coisa (produto) possui um pequeno valor a mais, o
conjunto da produção terá um valor agregado. Não se trata apenas
da relação oferta-demanda como os economistas afirmam, mas de
uma produção voltada para o processo de valorização, leia-se,
criação de valor. Neste processo, o valor do trabalho também tem
destaque: está subordinado à lógica de acumulação e,
inevitavelmente, decai enquanto, a jornada de trabalho aumenta.
Esta engrenagem auxiliar, possui dois eixos: a mais-valia relativa e
a mais-valia absoluta, a primeira um tipo de filtro que suga o valor
As Classes Médias e o Esporte | 17
pelo produto, isto é, pelo aumento da produtividade (melhoria da
tecnologia), a segunda, pela extração do aumento de horas do
trabalho. Como indicado por Marx, somos produtores,
consumidores, construtores de coisas e ideias. Nossa relação com
os outros assume um imenso sentido quando trocamos produtos,
porém no mercado de trocas, antes de sermos pessoas, somos
donos de mercadorias ou simplesmente, coisas. Somos, portanto,
valores de troca. (Arendt, 2010)
Na apresentação à sociedade ou mesmo, no interior das
relações sociais, o ser social reveste-se de negociante e apresenta
seu produto ao patrão, seja o Estado ou o empresariado. A força de
trabalho, também considerada mercadoria, tem um valor exato,
compra, para a sobrevivência, o quanto este valor conseguir
comprar, no mercado de produtos ou serviços ou mesmo
indiretamente, via retribuição pelo pagamento de impostos ao
Estado. A força de trabalho promete pagamento à vista ou
parcelado. Está subjugada às vontades dos capitalistas que forçam
as leis e orientam os valores a serem arrecadados. Estratificada, a
sociedade fragmenta opções e promove promoções (para que se
possa comprar sempre) e, portanto, pedaços de classe social são
igualmente fragmentados. Nestas opções, as classes médias
vivenciam suas experiências de trocas, suas semelhanças e
diferenças de poder; reforçam o sentido do ter (posse).
No entanto, é preciso adentrar no conceito de classe e
perceber seus desdobramentos, complexidades e ajustes para
definir como o atual debate das classes médias, pode fazer sentido.
A classe como adjetivo (relações de classe; estrutura de classes)
implica pensá-la no interior do sistema capitalista. Embora não tenha
mais o peso tradicional do antagonismo da luta de classes
(burguesia x proletariado) e, com isso, no século XX, por exemplo,
as inúmeras flexibilidades conceituais reprocessadas, permanece
inalterada as bases do sistema capitalista de produção, ou seja, o
capitalismo não deixou de ser exploração capitalista. Em outras
palavras, alguém ordena, alguém obedece.
18 | Renato Sampaio Sadi
Nesse sentido, a complexidade como ferramenta metodológica
para decifrar nuances na análise de classe é composta por cinco
fontes: 1. A complexidade de situações dentro das próprias relações;
2. A complexidade das pessoas e a ocupação de múltiplas posições
de classe; 3. A complexidade das carreiras versus posição; 4. Ca-
madas ou estratos dentro das relações; 5. Famílias e relações de
classe. Direitos, poderes e contradições orientam a estrutura de
classes e estabelecem parâmetros dinâmicos de mudança. Isso só
é possível por meio de outros cinco fatores, mais subjetivos: 1. Inte-
resses de classe; 2. Consciência de classe; 3. Práticas de classe; 4.
Formações de classe; 5. Luta de classes. (Wright, 2015) Para a for-
mação de crianças e jovens, tal análise permite perceber como o
conhecimento é apropriado pelo indivíduo. Paralelamente à tal forma
de apropriação, as mudanças no mundo do trabalho (principalmente
sua crescente velocidade tecnológica) são conduzidas por novos
amálgamas de nicho e classe. O conjunto de complexidades funci-
ona como o fluxo sanguíneo em artérias, veias e capilares. Domina-
dos por interesses materiais, os indivíduos alocam-se (e são aloca-
dos) em classes sociais. Passam a exercer funções de liderança,
trabalho, reprodução, alienação.
Qualquer desenho, gráfico ou tabela que limita e divide as
classes sociais apenas conforme seus rendimentos desconsidera,
portanto, a questão da cultura e as formas pelas quais as gerações
apropriam-se da cultura como questões secundárias. Ainda que os
traços quantitativos sejam esclarecedores e definidores dos
enquadramentos das classes, não são reveladores completos do que
ocorre por dentro, por exemplo, de como a cultura é temperada. Em
nossa concepção, dinheiro e cultura são equivalentes e devem,
portanto, serem vistos como elementos fundadores e agregadores
das famílias de classes médias. Os investimentos com cultura, nesta
lógica, incluem a questão da educação. do esporte e lazer pois, nas
atuais circunstâncias do capitalismo, o sentido predador do indivíduo
está evidenciado na sua posição de classe, no quanto recebe e como
troca produtos e serviços em um mercado altamente competitivo.
As Classes Médias e o Esporte | 19
No universo educacional da escola e do clube, no interior de
famílias e seus laços tradicionais e de cultura, no feixe de luz que a
contemporaneidade ainda nos deixa e, em vários cortes (nas
classes e nos indivíduos) existentes, no seio das sociedades
capitalistas, como a brasileira e a portuguesa, o esporte permanece
como um substrato humano, poderoso e produtivo; convive com as
múltiplas contradições do sistema de reprodução e, ao mesmo
tempo como um potencial criativo que permite aos seus defensores,
promovê-lo e lançá-lo às trocas de Estado e Mercado. As gerações
esportivas, experimentadas na prática social do esporte edificam
legados simbólicos que são marcas profundas de convivência e
conhecimento que, permanentemente humanizam nossas relações
desumanizadas.
Com isso, as crenças nas próximas gerações são capazes de
pugnar por mais esporte, na verdade, uma das poucas
manifestações físico-espirituais de sentidos, significados,
sensibilidades e perspectivas latejantes quando comparadas com a
política, a economia e a própria cultura, confinadas ao jogo de
empurra, de mentiras e ocultamentos na mídia e fora dela, mais do
que desrespeitosos, cheios de maldade.
A complexa pergunta sobre nossas crenças no esporte nos
dirige a um pântano de dúvidas, pertinentes aos conhecimentos
provisórios das classes médias. Acredita-se que o ensino e a
aprendizagem do esporte são dotados de elevação cultural,
melhorando-nos como sujeitos. Isso é verdadeiro, possível e
desejável, mas não mecânico. O como fazer no interior do esporte é
uma pergunta estratégica e instigante ainda não totalmente
desbravada. Professores e treinadores de modalidades esportivas
coletivas desenvolvem competências éticas e estéticas de forma a
conduzir as crianças e os jovens à uma plataforma de elevação
moral, hoje parcialmente perdida.
Há que se perceber o como fazer dentro do esporte sem a
pretensão de modelos ou receitas. Então, o ambiente esportivo se
20 | Renato Sampaio Sadi
mescla ao ambiente familiar e as trocas afetivas, quando intensas,
podem revelar mais do que simples conversas e comentários sobre
o que ocorreu na aula de educação física na escola ou no treino do
clube. Pais e responsáveis, adultos na experiência, conhecedores
de antigos caminhos, também podem oferecer sua contribuição
educativa aos mais jovens, porém, algo mais denso está situado na
realidade imediata, na história e na criatividade, igualmente
desenvolvidos.
Trata-se da intenção deliberada na educação familiar, de
processar a educação dentro e fora de casa, um aporte
tendencialmente mais ligado às classes médias e altas e à
burguesia. Neste movimento são incluídos os seguintes
ingredientes: conversas em família no sentido deliberado de
aumento do vocabulário, busca de significados de expressões e
frases, assim como da formação do gosto, horas de bagagem na
formação básica e inicial da criança; ocorrências subjetivas inclusive
as fantasias mentais/corporais e a sexualidade, o que evidencia as
apostas em uma formação integral diferente; círculo de amizades
dos jovens; estruturas, espaços, equipamentos, tecnologias,
processamento de condutas em jogos, outras particularidades como
educação das sensibilidades, da natureza, dos sons, da meditação,
etc.
Nossas crenças são resultado de um lodo histórico que arrasta
consigo as positividades e negatividades de um vir-a-ser
desconhecido. Acreditamos no que queremos sem, às vezes, saber
ao certo, o que de fato queremos. Por exemplo, no interior de uma
família de classe média, como ocorre o desenvolvimento dos filhos
e o que absorvem da crença dos pais e das pessoas mais próximas?
Também é preciso perguntar o que liga as pessoas ao contexto mais
imediato que vivem e o que passam a acreditar a partir disto?
As dificuldades da pesquisa longitudinal, para além dos
recursos materiais e apostas dos pesquisadores, são relativas aos
fluxos e conexões da família, seu ambiente mais imediato de
As Classes Médias e o Esporte | 21
convívio social e as reverberações da cultura, ou seja, quais são e
como funcionam os elos de indivíduo para indivíduo? Então, cabe
ao sistema de crenças promover a compreensão do
desenvolvimento humano. O que é o sistema de crenças? É um
sistema subordinado, na verdade, um subsistema acoplado ao
sistema vizinho de determinações imediatas, o microssistema
familiar. Tal acoplamento é resultante do modelo ecológico ou
bioecológico que entrelaça vários subsistemas. Entre os modelos
citados, aquele que envolve o processo, a pessoa e o contexto
apresenta uma análise entre as propriedades do contexto e das
características da pessoa em desenvolvimento ou características
desenvolvimentais do processo-pessoa-contexto.
A mera presença de informações nas três
esferas (processo-pessoa-contexto) não é suficiente.
É preciso uma análise da possibilidade de que a força
e a direção do processo possam variar em função
conjunta entre as propriedades do contexto e das
características da pessoa em desenvolvimento. Em
resumo, o processo está sujeito aos efeitos
moderadores interativos da pessoa e do contexto.
(Bronfenbrenner, 2011, p. 112)
De um lado, o desenvolvimento humano só é humano se tornar
os seres humanos mais humanos. Na acepção do autor, podemos
desenvolver e aperfeiçoar nossos ambientes e potenciais genéticos;
podemos igualmente incrementar os desafios e formatar o mundo
de intrincadas maneiras. A experiência bioecológica transita, da
criatividade, da continuidade e da mudança de características
biopsicológicas por meio de sucessivas gerações para a
multiplicidade de contextos e tempos que promovem ou prejudicam
o desenvolvimento humano. De outro, uma ciência do
desenvolvimento humano incorpora a família, seus potenciais
educativos e comportamentos desconhecidos.
Como um microssistema integrado a dois sistemas
22 | Renato Sampaio Sadi
intermediários, o mesosistema e o exosistema, a família também é
impactada pelo macrossistema, um padrão global de ideologia e
organização social. As digitais de identificação social para uma
determinada cultura ou subcultura virão, em cascata, a partir do
microssistema.
No sentido de tangenciar a totalidade da família, os estudos
sobre os pressupostos da psicologia do desenvolvimento
evolucionista, da psicologia transcultural e da psicologia da cultura,
na observação da genética em interrelação com o ambiente
sugerem que mudanças podem ocorrer nos indivíduos, desde o
nascimento. As pesquisas sobre epigenética apontam franjas de
uma discussão que repercute na família. Tal compreensão é
importante para balizar o pêndulo entre as determinações
antropológicas e herdadas e a aprendizagem, ou seja, entre a dupla
direção indivíduo-ambiente pois, de um lado, os indivíduos
modificam o ambiente (processo de escolhas) e, do outro, o
ambiente modifica o indivíduo (altera pensamentos e
comportamentos).
O conceito de epigênese explica a relação
entre a genética e os fatores ambientais; envolve a
ação de genes, proteínas, neurônios e ambiente
(incluindo a cultura) na emergência de novas
estruturas e funções durante o curso de
desenvolvimento (...) o processo epigenético gera,
tanto características fenotípicas comuns aos
membros da espécie humana como variações no
comportamento adaptadas às ecologias locais
(Martins; Vieira, 2010)
O ponto sobre a aprendizagem revela duas expectativas: a
primeira, uma não aprendizagem convencional, mas sutilmente
diferente, com participação mais ativa dos pais e do ambiente social;
a segunda, a herança de famílias conservadoras que são mescladas
por três componentes: interdependência, independência e uma
As Classes Médias e o Esporte | 23
síntese de interdependência e independência. As respostas para as
diferenças e semelhanças de formação esportiva podem ser
encontradas nas famílias, no emaranhado de educação e cultura.
Há diferenças de formação em esportistas oriundos de cidades
médias e cidades grandes (Collet, 2018) assim como há um forte
peso do dinheiro nas decisões familiares (Neri, 2008; Pochmann,
2015).
Destas estruturas retiramos o cronossistema, o sistema do
tempo conectado à idade, mas também, transversal às mudanças
físicas. O cronossistema envolve um delineamento longitudinal de
uma dada experiência ou ciclo de vida (transição). O cronossistema
está dividido em três subsistemas: microtempo, mesotempo e
macrotempo.
Tais esferas de tempo são episódios contínuos ou
descontínuos e servem apenas para qualificar fatos que serão
somados. Há alguns perigos ou armadilhas quanto ao tratamento
destes dados, afinal é possível que nunca saibamos quais
pensamentos e (e alguns comportamentos) formaram determinada
criança ou jovem (mesmo em pesquisa, na qual os respondentes
tenham mencionado como significativo, para a avaliação do antes e
do depois). A teoria bioecológica está ciente das limitações que lhe
são impostas pela própria característica de seu objeto que é mutável
no tempo. Exatamente por isso, há complexidades não visíveis, em
intervalos de tempos maiores, dois ou três anos, como, por exemplo,
nas passagens da infância para a adolescência. As características
bioecológicas arroladas por Brofenbrenner ajudam na composição
das circunstâncias que envolvem os valores psicológicos. (Figura 1)
O tempo, por ser um valor passageiro, arrasta a formação da
personalidade (P) para dentro do microssistema, que, por engendrar
os componentes da pessoa-contexto, no sentido mais imediato,
imprime força aos sistemas maiores (mesossistema e exossistema)
responsáveis pelas energias renovadas do macrossistema. O
cronossistema, ou sistema do tempo, na verdade, um olhar da
24 | Renato Sampaio Sadi
Figura 1 – Engrenagem bioecológica do desenvolvimento humano. Fonte:
Sadi, 2022, p. 06.
esquerda para a direita da figura, acelera, isto é, movimenta todos
os sistemas. É um sistema invisível que funciona em forma de cobra
(tempo ida e contradições volta).
O problema da formação (do professor e do treinador, do aluno
e do jogador) conhece esta engrenagem e percebe as lacunas,
assim como as oportunidades, mas, talvez, ainda não consiga
saturar os conhecimentos relativos às classes sociais. A hipótese
aqui é que somos conduzidos ao consumo supérfluo e arraigados
As Classes Médias e o Esporte | 25
ao status-quo impositivo e, isso, provavelmente, em razão da
cascata de dependência a que estamos sujeitos. Desde os modelos
econômicos retilíneos, conservadores, burocráticos e de democracia
de conveniência, aos modelos pedagógicos igualmente petrificados
e reproduzidos na família, na escola e no clube. Então, na prática,
podemos, ao máximo, ofertar o feedback positivo/negativo e as
formas de incentivo/punição tradicionalmente conhecidas.
Questionar o sistema só pode ser continuado se não se causar
problemas nas relações sociais, o que significa, na visão dominante,
o chavão esporte e política não se misturam. Para além da
aparência, é preciso ter claro que, não apenas a mistura é
corriqueira, como fundamentalmente, torna-se uma questão social
(e pedagógica) no debate das esquerdas ou mesmo entre
professores e treinadores de diferentes matizes.
Diante de uma gigantesca equação econômica e contraditória,
que envolve exclusões variadas (e poucas inclusões), o resultado
parece ser simples ao considerar-se a neutralidade como
metodologia, afinal a destituição da política como linguagem de
mediação é indiretamente estimulada desde a tenra infância. Ao
contrário do que deveria ser, a política como fervura e tensão
ideológica é capaz de ativar adormecências revolucionárias e
manter o sonho das mudanças, vivo. Transferindo-se para as
famílias, os indivíduos têm o dever de impulsionar novas conquistas
para os filhos. A régua, que mede a força da educação e as
adjacências da formação, precisa medir também, a inserção das
crianças e dos jovens na política, obviamente, num amplo fazer da
política, incluídas as suas possibilidades na economia, na cultura,
na família, na escola e no clube. Uma economia política do esporte,
democrática desde a base, seria razoavelmente ousada e utópica.
Diferente das ideias de ganhar dinheiro ou aceder à classe
superior, do ponto de vista econômico, a linguagem do cassetete e
da força policial, isto é, da autoridade do Estado, é a que prevalece,
em larga medida, nos espaços citados. A boca amordaçada, o
pensamento congelado, a tortura e a ameaça presentes ainda são
26 | Renato Sampaio Sadi
formas de violência física e simbólica que visam frear a lutas dos
trabalhadores. A contemporaneidade inclui fracassos, derrotas,
refúgios, silenciamento de vozes, outrora poderosas. Se o sentido
do ter pode conduzir à mesquinhez, o pólo oposto é a legitimidade
do ter frente à hipocrisia da sociedade burguesa.
Proposta metodológica e procedimentos do estudo
A análise qualitativa foi construída com os elementos
pertinência, mediação e acúmulo. (Van Zanten, 2004) Utilizamos,
como substrato teórico, o legado marxiano e marxista. (Marx, 2015)
Observar para generalizar e tirar proveito de conhecimentos
consolidados foi, portanto, um primeiro traço do caminho teórico-
metodológico.
Para a investigação e exposição dos resultados o percurso
metodológico contou com um segundo traço: os determinantes
subjetivos e adjacentes na ligadura de raciocínio não linear, ou seja,
a questão da complexidade, conforme Wright, anteriormente citado.
As classes econômicas foram separadas em cinco estratos (A, B, C,
D e E) devido à histórica desigualdade social e concentração de
renda, mas também, à capacidade de compra e distribuição que
adquirem, ao longo dos tempos. Incluem, nesse compósito,
heranças, capacidade de crescimento por mérito e retornos de
serviços básicos por parte do Estado.
Entre as camadas mais baixas de classes médias há uma
elevada flexibilidade nos ganhos e entre os países. Isso significa
que, em Portugal, há uma forte aderência para uma única camada
baixa, ou seja, se considerarmos que o rendimento médio mínimo
de um português é de 706 euros a extensão deste ganho, na classe,
pode chegar à 1500 euros. A considerada classe média tradicional
portuguesa estaria acima destes valores, com oscilação entre 1501
e 5700 euros por pessoa. No Brasil, identificamos uma classe média
As Classes Médias e o Esporte | 27
alta, com rendimentos entre 7500 e 25000 reais e dois estratos de
classes médias mais baixas, com oscilações entre 2000 e 7499 reais
mensais por pessoa. 7Estas informações aproximam o
pertencimento/engajamento do indivíduo à classe e conduzem os
interesses e desejos de ascensão social. Permitem traçar um
caminho metodológico atento aos determinantes econômicos e, ao
mesmo tempo, às condições gerais de reprodução, cultura e
educação no sul global. Além de outros sujeitos familiares, que
possam receber rendimentos equivalentes aos mencionados,
devemos considerar outras relações sociais, como o círculo de
amizades no trabalho e na convivência comunitária. Nesse sentido
é comum os salários serem complementados por outras pessoas e
aportes. Em famílias de classes populares e médias coexistem o
recebimento de um salário do(a) chefe(a) principal e de uma
segunda pessoa que também recebe salário. Pode ser salário de
emprego formal ou de emprego precário, pode ainda ser salário
acrescido de trabalho doméstico, neste caso, uma forma de salário
indireto. Lembramos ainda que o conceito de família está
relacionado à um microcosmo (ou microssistema) afetivo no qual
coexistem famílias. (agregados e/ou amigos que acabam por serem
7 No que se refere ao imposto, o percentual cresce conforme o rendimento,
sendo que no Brasil, as classes populares, D e E pagam, proporcionalmente
menos imposto, enquanto em Portugal, os valores para estas classes são de
14% e 17% respectivamente. Para as classes média alta e classe mais alta (B
e A) em Portugal embora os percentuais sejam próximos aos mais altos
praticados na Europa, a progressividade ainda é melhor que no caso brasileiro,
cujo patamar máximo de imposto, situa-se nos 27.5%. No caso do imposto
português, a melhor distribuição da progressividade de 28% e 37%
compensariam ausência de alíquotas para as classes populares no Brasil
(D e E)
28 | Renato Sampaio Sadi
membros efetivos)
Por fim, de posse destes dados quantitativos e qualitativos, a
figura em forma de pirâmide, apresentada abaixo, expressa a
veracidade da atual realidade do mundo do capital; o óbvio esquema
de exclusão, com muitos miseráveis na base e, à medida que sobe,
poucas pessoas com dignidade.
Figura 2. Pirâmide de exclusão (elaborada pelo autor)
As Classes Médias e o Esporte | 29
Qual esporte?
A formação educacional e esportiva de crianças e jovens
depende, em larga medida, do tripé família, escola e ambiente
social, no qual os interesses e práticas das classes sociais tendem
a pesar. As modalidades esportivas e sua cultura paralela,
contribuem para um olhar classista, normalmente carregado de
ideologia. Grosso modo, somos forçados a enxergar modalidades
como o Hóquei no gelo, a Patinação artística, o Tênis, a Esgrima, o
Pólo Aquático e o Golfe, como esportes para ricos. Já o Remo, a
Natação, o Rugby, as lutas, o Futebol, o Futsal, o Voleibol, o
Basquetebol, o Surfe e o Badminton, por exemplo, são modalidades
esportivas das classes médias e classes populares.
Alguns destes, até considerados mais populares que outros
devido à sua exposição na mídia. Embora as divisões e
fragmentações possam evidenciar preconceitos, há uma lógica que
envolve o custo geral de cada modalidade, pertinente à discussão
que segue.
A formação educacional e esportiva de crianças e jovens, para
além do economicismo, depende, também, de saberes e
conhecimentos anteriores - tanto a família, quanto a inserção em
coletivos sociais e a formação de professores/treinadores que
tenham como eixo educativo, o jogo, são parâmetros essenciais,
para que o discurso acadêmico seja mais ancorado na prática
30 | Renato Sampaio Sadi
profissional. (Gallatti, 2017; Scaglia et.al, 2013, Sadi; Costa; Sacco,
2008) Dentro das expectativas de formação, as famílias estão hoje,
condicionadas, pelos recursos econômicos que são realizados
diretamente (iniciativa privada) e/ou por meio de ações e parcerias
de apoio dos governos. Reside, nesse espectro, a questão de classe
social e o binômio pertencimento/engajamento.
As classes médias são acumuladoras de capital cultural e
possuidoras de bens relativamente compatíveis com os ambientes
de clubes esportivos e modalidades coletivas encontrados na
sociedade portuguesa e brasileira. O conceito de classes médias e
seus recortes em estratos envolve, portanto, um esforço teórico e
empírico de organização de dados, classificação e problematização.
(Souza, 2018; Nogueira, 1995)
Em segundo lugar, a formação educacional e esportiva de
crianças e jovens necessita olhar a escola como ambiente integrado
à formação no clube. Isso significa dedicar esforços em uma
compreensão dialética da formação básica em conjunto com a
formação especializada. Em terceiro lugar, mas não menos
importante, a formação de crianças e jovens passa pelo túnel das
relações sociais, das redes sociais, engajamentos e encontros, nos
quais há intensa troca de aspirações, inclusive dentro e entre as
classes sociais. Há uma intensa relação social ao redor do esporte
praticado pelas classes médias.
Comparando com as classes populares, a forma de ser do
esporte é diferente. Isso significa que a concepção e a prática
esportiva, as funções e os resultados também são (e serão)
diferentes.
Tomo como exemplo, a generalização do Futebol. Para o povo
e os projetos educacionais nas praças e escolas, este esporte pode
ser desprovido de sua essência histórica, da lógica interna, da
estratégia, dos sentidos libertadores. Para as classes médias, se
houver empenho de pais, professores, currículos e estruturas, o
As Classes Médias e o Esporte | 31
formato de comunicação e instrução será favorecido por uma cultura
reflexiva em torno do jogo e da própria produção corporal, fazendo
com que se leve para a vida mais do que um simples futebol.
1.1 O corpo consumista e o esporte (lazer)
O mundo dos serviços como via privilegiada de saída da crise
capitalista neoliberal/neoconservadora aproveita as vontades e os
desejos das classes médias para imprimir um consumo mais
agressivo. O corpo torna-se mais consumista do que já era, e ingere
os fast foods para, posteriormente, queimar calorias em atividades
físicas personalizadas.
Esta nova lógica mercantil, com os instrumentos sedutores dos
shopping centers, por meio de imagens coloridas e outros atrativos,
atira-se a favor das futilidades e do controle remoto como
aprisionamento do corpo. Todas as classes são atraídas para este
tipo de consumo. Seria como um aspirador que suga o pó, todos são
sugados para este novo consumo. A natureza degradada e
transformada em selva de pedra, afasta os espaços esportivos
tradicionais e, em seu lugar, vende os subterfúgios individuais.
A regência do mercado infantiliza adultos para que áreas
virgens possam ser exploradas, vendidas, compradas,
desenvolvidas; imprime-se um marketing agressivo nas
sensibilidades das pessoas, para que o consumo seja ampliado.
Dessa forma, o corpo experimenta novas sensações e passa a
consumir produtos e valores supostamente sofisticados.
Entre os vários serviços do corpo esculpido, o custo-benefício
está entranhado no universo simbólico dos trabalhadores (e na sua
impossibilidade de consumir plenamente); constitui uma das
substâncias ativas para a regulação do trabalho com vistas à
produtividade.
32 | Renato Sampaio Sadi
Por custo-benefício compreende-se a relação complexa de
dispêndio de energia geradora e promotora de um resultado
chamado processo-produto. No caso do esporte envolve a teia
complexa de saberes científicos, sua aplicabilidade e as
oportunidades oferecidas tanto pelo Estado, como pelo mercado.
O trabalho dos professores e treinadores é, portanto,
dependente destas relações, podendo ser configurado como uma
atividade de alta sensibilidade. Além disso, é um trabalho que pode,
por exemplo, ser equiparado com profissões ditas “liberais” como o
médico, o psicólogo, o engenheiro, o administrador, entre outras.
Como o consumo foi tornado motivação na simbologia de
crianças e adolescentes, atingindo adultos e nichos diversificados?
A aliança do fascismo repaginado com o neoliberalis-
mo/neoconservadorismo disposto a mentir, criou novas rebeldias
para a direita, extrema direita e “independentes”, afinal, comprar,
vender e transformar desejos puderam ser ampliados nos desenhos
capitalistas da contemporaneidade. O mercado, na palma da mão
de crianças, jovens e adultos comercializa produtos infantilizados
para atrair vendas.
Esta é uma das engrenagens do processo infantilizador que
atravessa a cultura, o cinema, o fast food, os cosméticos, os
brinquedos, a moda, envolvem altas cifras e trancam o corpo
aprisionado na prisão do eu. A sedução do mercado é aguçada pelo
marketing segmentado das redes sociais, como pode ser visto no
quadro O corpo consumista.
Em cada etapa da vida, um consumo, uma maneira de vender
e comprar mercadorias para o corpo. (Sadi, 2016)
As Classes Médias e o Esporte | 33
O corpo consumista
Criança
Jovem
Adulto
Impulso
Crise
Ponderação
Brinquedo
Jogo
Trabalho
Imagens
Experimentos
Ideias
Prazer
Interrogação
Felicidade
Individual
Rebelde
Coletivo
Sexualidade física
Transitório
Amor erótico
Corpo biológico
Corpo aprendiz
Corpo de cultura
As características prazer e sexualidade física encontram o tabu
e o conservadorismo das famílias de classes médias que crava nas
crianças e jovens, novas sedes de consumo e as faz crescer com os
preconceitos arraigados relativos a este tema. Erotismo e
reprodução do papel submisso da mulher são somados à pedofilia e
aos temas confusos para muitos pais. Entre a objetividade e a
subjetividade do corpo de meninas, por exemplo, o consumismo
carrega o formato da sedução e da imposição de uma “beleza”
padrão. Com isso são geradas expectativas de investimento e
produção corporal, por meio da antecipação daquilo que, na
discussão acadêmica, convencionou-se chamar de “especialização
precoce”. Em resposta a estas e tantas outras demandas
34 | Renato Sampaio Sadi
educativas, as classes médias aprendem formas diferentes de luta
interna: os pais ajudam seus filhos nas tarefas escolares; esforçam-
se para incluir um extenso rol de atividades formativas; ofertam
recompensas em troca de produtividade; aumentam os valores de
auxílio financeiro tendo em vista a precariedade econômica em que
se encontram; orientam círculos de amizade, alguns deles, com
restrições de gênero, raça, origem e posição social; preservam
valores tradicionais da família, rituais, religião, reforço no
comportamento de costumes dos antepassados diretos. Nesta
direção, a ditadura da aparência impõe seu modelo de consumo no
qual as classes médias sinalizam com um aceite.
A aparência se transformou em pressuposto
para aceitação social e a propaganda conseguiu
promover todas as possibilidades de satisfação ao
homem, ao oferecer a solução de seus problemas de
realização, por meio da realização do próprio capital
(...) por meio de roupas, maquiagens, tinturas,
perfumes etc. tudo para que sua imagem se torne
agradável e vendável. No capitalismo a produção da
aparência não é nada mais que uma função para
objetivar a realização do valor da mercadoria.
(Andrade, 2007, p. 57)
Dentro ou fora do shopping center, as atrações visuais
sequestram as almas das pessoas de classes médias,
principalmente das mulheres. A ditadura da aparência, ao conhecer
esta poderosa engrenagem, sinaliza positivamente para a
propaganda e as redes sociais, no intuito de captar o cliente. Assim,
a mercadoria é engordada antes de ser efetivamente vendida, ou
seja, há uma preparação simbólica, na qual vendedor e comprador
são unidos. Os potenciais compradores seriam as classes
populares, porém, nestes nichos, há baixa expectativas de ambos
os lados (compra e venda), portanto, as classes médias prometem,
ocupam e cumprem este lugar de consumo. Então, o decisivo é
uma combinação entre formação esportiva escolar e formação
esportiva no clube, como meio de engendrar-se uma formação
As Classes Médias e o Esporte | 35
esportiva integral, ainda inexistente. Tal possibilidade de formação
incidiria, no capitalismo, de forma mais acabada e com maior ênfase,
nas classes médias altas e na burguesia, detentoras de capitais
físicos e simbólicos mais sofisticados. São estas as classes que,
hipoteticamente, podem fornecer o conforto necessário e distribuí-
los, entre seus pares, por meio do Estado e de investimentos físico-
financeiros, impossíveis às demais classes da sociedade.
O clube (social ou privado) com o caráter de promoção de
iniciação esportiva ampla, calcada em generalidade da pedagogia,
só é possível se houver infraestrutura e equipamentos suficientes,
profissionais qualificados e bem remunerados, projeto,
planejamento e avaliação, além de plano de carreira e uma
adequada retaguarda financeira do ambiente social citado.Uma boa
pergunta para dirigir a presente discussão está organizada em torno
do papel da família. O que compete à família no processo de entrada
da criança no esporte? Esta pergunta envolve o conhecimento do
contexto social mais próximo e um conjunto de estímulos
(alimentação, sono, aspectos culturais) diferentes e contraditórios,
disponíveis às diversas classes médias. O incentivo às habilidades
motoras básicas do engatinhar, andar, correr, movimentar e,
posteriormente a admiração pelos amigos mais velhos, são
indicadores decisivos antes da fase de entrada formal nos esportes.
No interior da casa familiar é possível ajudar e/ou atrapalhar o ser
em desenvolvimento. Entre outros temas, as amizades e os novos
ambientes a serem frequentados pelos jovens. Nesta grande
equação, mencionamos a expectativa dos pais como questão
complexa que dificulta a trajetória do futuro esportista/atleta. A
expectativa dos pais e responsáveis adultos (inclusive do
professor/treinador) é uma das subjetividades de razoável
intensidade. Pode vir em forma de excessivas cobranças ou mesmo
sutilmente. O êxito do(a) filho(a) para este perfil de pais não é tanto
da criança/jovem, mas de uma autoestima do adulto que transfere a
sua frustração naquele que aprende. Como será sugerido neste
texto, as classes médias almejam o status social de classes
36 | Renato Sampaio Sadi
superiores e, portanto, este degrau de ascensão pode ser transposto
por meio dos filhos, ou seja, aquilo que os pais não conseguiram
para si, deslocam/utilizam os filhos como ambição.
Então, as relações com o esporte são intensas. Os pais
apostam, investem e produzem esforços no sentido de levar seus
filhos à ambientes por eles considerados sadios e, além disso,
incentivam seus futuros herdeiros a adquirirem competências de
dominação. Trata-se de uma luta por dentro. Ligeiramente diferente
das lutas sociais, a luta por dentro também pode ser considerada
luta de classes pois contém em si, determinações de melhoria, ou
seja, vontade de superar e crescer. É um tipo de luta invisível,
conduzida de maneira não tradicional, em que não há um confronto
direto, como nas manifestações sindicais ou partidárias. Raramente
são reconhecidas como luta política, pois as engrenagens
ideológicas não estão suficientemente saturadas. Nem por isso,
deixam de ter seu caráter de classe.
1.2 Quem são os esportistas das classes médias?
A ideia do por onde andamos, revela quem somos, o que
fazemos e gostamos. Isso está diretamente associado à classe
social de origem e modifica-se com o tempo. Assim também é a
paisagem capitalista e os caminhos vividos por esportistas e atletas
em suas trajetórias produtivas da modalidade que praticam. A
urbanização, citada por Harvey (2000), recebe e escoa capitais
ociosos antes improdutivos em outras escalas e esferas. As
paisagens são recriadas a um custo social invisível (os
trabalhadores não serão ouvidos) e isso se faz por um processo de
destruição-criativa orientado pelas necessidades da burguesia
(manutenção de sua hegemonia) e das classes médias que julgam
que não há problema em retirar as pessoas de suas moradias desde
que se devolva alguma compensação a elas. Às médias e grandes
cidades, o desenvolvimento e a geração de empregos são vendidos
As Classes Médias e o Esporte | 37
pela publicidade e marketing dos empreendimentos por meio de
financiamentos bancários que estrangulam as classes médias em
longas prestações mensais. Predomina fortemente, uma ideologia
impositiva, baseada na retirada de trabalhadores de seus locais de
origem ou ocupação somada à compressão do orçamento das
famílias. Retiram-se sutilmente, os espaços de brincadeira, jogo e
esporte de seus filhos, numa palavra, seus sonhos.
A ‘homogeneização’ de bairros ocorre por
meio de tipologias arquitetônicas e está diretamente
ligada à segregação social. À medida que bairros
são adensados com torres residenciais, eles passam
a atender apenas a faixas específicas de renda. O
congelamento de áreas de interesse social – não se
pretende discutir aqui sua legitimidade – também
provoca exatamente o mesmo efeito (Aguiar et. al.,
2012).
A discussão conduzida por especialistas em Arquitetura
evidencia que a questão estética está em aliança com a ideia do
espaço público, inicialmente para todos. Mas, como na prática, a
teoria pode ser outra, verificamos que há uma série de contradições
nos aspectos visuais das cidades. O que sobra, são lugares sujos
e/ou abandonados e, então, o empresariado, em aliança com os
banqueiros, ocupa, constrói, promove, devasta.O produto a ser
entregado são as tecnologias de informação, comunicação e
diversão, em forma de recompensa ou troca pela destruição
consumada. Desviam o foco das lutas e locupletam o tempo de
todos; exigem das novas gerações, uma resposta palatável ao
tempo livre, do tipo: Deves ser capaz de manipular adequadamente
suas tarefas. Nesta equação, reside também, as normas
comportamentais - cobrança dos adultos aos mais jovens: exige-se
disciplina, pontualidade e produtividade. Na contramão da promessa
educativa, o pacote pode tornar-se excessivo para quem ainda não
está pronto ou disposto ao ordenamento social. No caso dos
esportes coletivos e seu vasto campo de sentidos, significados,
38 | Renato Sampaio Sadi
sensibilidades e perspectivas, muitas vezes se esquece que, quem
irá trilhá-lo, encontrando-se em momentos contraditórios de
formação, não é capaz de enxergar a proposta na sua totalidade.
Esquece-se também das confusões entre trabalho e tempo livre,
supondo que o tempo dos estudantes, necessariamente é livre, o
que nem sempre é verdadeiro e, provavelmente, é falso na própria
consciência petrificada dos pais, adquirida, no encontro da vontade
em subir ao estrato imediatamente superior da classe média com os
desejos e subjetividades de espelhar nos filhos, o chamado bom
exemplo. Como um suposto modelo a ser copiado, os pais cometem
vários erros ao entregar aos filhos, um espelho a ser seguido.
Acreditamos que os indivíduos das classes médias tenham leituras
de mundo e sociedade, adequadas a seu perfil de ideologia,
comportamento e consumo, de tal maneira que a identidade de
classe não seja uma mera abstração. Acreditamos, portanto, que
esta identidade seja responsável pelas ligações e conhecimentos
existentes em várias áreas da cultura e do lazer, entre elas, o
esporte. Todavia, estamos cientes dos movimentos de fascismo
promovidos recentemente. Mesmo que não seja um fascismo
hegemônico, o ar fascista dos dias atuais dissipa a energia do mal,
condensada em uma série de violências. Este tipo de “trator” atinge
o esporte, principalmente a educação do esporte.
Quando crianças e jovens são observados em práticas
esportivas espontâneas, nossas crenças são conduzidas pelos
ideais da saúde integral, do olimpismo e das boas relações sociais
que poderão surgir em grupos de idades homogêneas. Quase
sempre, os bastidores da corrupção do mundo esportivo e sua
ganância são ignorados. O assunto gira em torno dos dirigentes
inescrupulosos, das transações da política esportiva, das tramas e
negociatas espúrias. São temas mais corriqueiros entre jornalistas
esportivos do que entre professores ou treinadores. Jennings (2012)
considera a existência de um jogo sujo na FIFA, extensivo aos
poderes olímpicos do COI e com ramificações nas confederações e
federações nacionais. O dinheiro, como denominador das trocas
As Classes Médias e o Esporte | 39
ilícitas, compra votos em eleições nestas entidades. Mais: corre por
atalhos difíceis de serem descobertos, subterfúgios que desviam os
infratores da cadeia. Há explicitamente uma falta de caráter nestes
dirigentes endinheirados que declaram não saber de nada, mesmo
quando as provas são evidentes. Aliás, o dinheiro lavado ou líquido,
pode ser, também, aplicado em outras formas de dinheiro, quase
impossível de obter rotas para seguir o seu itinerário. Como
poderíamos inverter esta lógica com a utilização da educação como
meio de enfrentamento? Seria esta uma questão, à partida,
derrotada? Entendemos que não. É preciso travar este debate, em
primeiro lugar pela busca de frear/minimizar a violência; em
segundo, pela aplicação de uma teoria, a alfabetização esportiva (a
ser esboçada na sequência) e, por fim, à questão da
competitividade/competição.
Construímos uma crítica ao papel da mídia televisiva e internet,
sua demasiada centralidade na aparência do esporte de rendimento.
Jogos oficiais são envolvidos por um entretenimento extremo, desde
as curiosidades da vida de atletas até ao excesso de brincadeiras,
propagandas, torcidas, etc. As narrativas são reconstruídas com
ênfase na espetacularização em detrimento de análises factuais e
interpretativas do jogo. Tal empacotamento de emoções serve ao
consumo atrativo de produtos e serviços relacionados direta e
indiretamente ao esporte. Os pacotes da “indústria cultural global” –
a expressão é uma atualização do conceito de indústria cultural, cria
lastros com os capitais dispersos e completamente autônomos.
Fusões de empresas e corporações constituem o novo império
midiático. Tal movimento expansionista tem um elemento
econômico peculiar. Trata-se da customização, isto é, da tendência
de produzir a um público numericamente mais restrito, porém com
um poder de compra compatível com esse mercado restrito. As
classes médias, por exemplo, teriam, nesta lógica, uma capacidade
de pagar a mais por um mesmo produto que, se ofertado às classes
populares, as estratégias de marketing e economia de escala seriam
outras. Perder a competitividade e trocá-la por mercadorias mais
40 | Renato Sampaio Sadi
caras é, portanto, uma fórmula de sucesso. Hoje, muito do
streaming, TV por assinatura, pacotes, canais de comentadores, etc
fidelizam os clientes, num processo denominado capilarização.
Do ponto de vista tecnológico, é evidente que
a digitalização generalizada dos meios de geração,
reprodução e transmissão tornou mercadologica-
mente possível a existência e a circulação de
produtos adaptados a um consumo não massivo,
sem que a lucratividade fosse diminuída (e, em
alguns casos, até aumentada) (...) Estas
características da customização guardam
semelhança com a capilarização que é a capacidade
de penetração de mensagens audiovisuais e textuais
com a capacidade de resposta imediata dos
estímulos, a interatividade. (Duarte, 2010, p. 96)
O ponto sensível dos programas de esporte, baseado em
entrevistas, debates, jogos comentados e interatividade com o
público cria laços com o combate ao tédio, estratégia simbólica das
classes médias. O funcionamento simples seria trazer para o palco
da excitação e do prazer, algo que foi perdido na prática corporal do
esporte, na infância e juventude. Então, a continuidade da “prática
esportiva” seria exercida diante de um aparelho, computador,
smartfone, tablet, de forma individualizada.
As Classes Médias e o Esporte | 41
Pertencimento/engajamento de
classes médias em Portugal e no Brasil
2.1 Aspectos interligados da nova ordem mundial no Sul
Global
Historicamente situada, as classes médias modificam-se, mas
conservam essências que as fez termômetro das lutas de classes.
A expansão das classes médias no século XX (especialmente no
pós-guerra) em direção à uma sociedade salarial com grandes
clivagens internas vem acompanhada de uma nova reconfiguração
dentro das classes. Os seguintes fatores determinam esse
processo: organização científica do trabalho; gestão da produção
(fordista); especialização de funções; ampliação da rede de proteção
social; complexificação organizacional; emergência de indústrias
criativas. Além disso, a questão do financiamento das moradias e
um crescente comprometimento nos orçamentos domésticos têm
conduzido mudanças nos padrões de vida das famílias (Lopes;
Louça; Ferro, 2018).
Entre revoluções e reconfigurações do mundo do trabalho,
assim como os impactos do conjunto de contradições do capital
sustentadas por Harvey (2017) a questão central da presente
discussão refere-se ao comportamento de classes médias em
Portugal e no Brasil, dois países da semiperiferia do Sul Global do
capitalismo. O pertencimento/engajamento nesse contexto é,
portanto, revelador de sentidos, significados, sensibilidades e
42 | Renato Sampaio Sadi
perspectivas das classes médias. Para a abordagem de tal
problemática (e da hipótese de uma reprodução social específica no
Sul Global) nos servimos da tradição marxista de classe.Em um
quadro, doloroso e, por vezes, sangrento, evolução e revolução
combinam-se; proletários, comunistas e outros segmentos de
trabalhadores entregaram (e entregam) sua luta, sua vida. Marx cita
o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão e o
camponês como pertencentes a camadas médias. Tais grupos
combatem a burguesia, mas o fazem para manter os seus
privilégios, não para revolucionar, mas para conservar. Não é uma
regra, mas uma tendência. Subjacente às artimanhas das classes
médias em manter-se ou lutar para aceder à burguesia, a
propriedade privada é o elemento sensível de tal engrenagem. Por
propriedade privada, devemos compreender a terra, as edificações,
as heranças, as fábricas, as máquinas e todo o conjunto de poder
ter (ou poder acumular) para si e família, a partir disso.
a propriedade privada fez-nos tão cretinos e
unilaterais que um objeto só é o nosso (objeto) se o
tivermos (...) se existir para nós como capital ou se
for imediatamente possuído, comido, bebido, trazido
no corpo, habitado por nós, etc., em resumo, usado
(...) O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais
passou a ser ocupado pelo simples estranhamento
de todos esses sentidos, pelo sentido do ter” (Marx,
2015a, p. 108)
Nesta passagem, Marx adverte que o sentido do ter, emerge
da propriedade privada, como, por exemplo, a terra (não importa se
produtiva ou improdutiva), isto é, os bens imóveis desdobram-se
para os sentimentos humanos do tipo tenho isso, isso é meu, posso
comprar isso para mim. Netto (2020) lembra que nas obras
Cadernos de Paris e Manuscritos Econômico-Filosóficos, a
pressuposição fundamental de Marx para a propriedade privada
reside na produção para ter, a produção para uma posse, um
consumo egoísta, porém, na idealidade da superação da
As Classes Médias e o Esporte | 43
propriedade privada, todas estas energias cederiam lugar para o
gozo ou satisfação consciente da produção humana. O sentido do
ter pode ser explicado na relação da propriedade privada com o
trabalho e o capital. Trabalho e capital são, primeiramente, unidos e,
depois separados. Neste ponto ocorre a alienação que, entre outros
significados é um apego à coisa produzida (“isto é, meu” =
posse/ter). O trabalhador vê o capitalista como a sua não existência
e o capitalista visa arrancar a existência do trabalhador, sugando-
lhe trabalho. Entretanto, há uma contraposição de cada um (capital
e trabalho) contra si mesmo. Sendo o capital = trabalho acumulado
e o trabalho = a possibilidade do acúmulo de capital, ambos
dependem do ter. Ao ser desdobrado para o conjunto das relações
sociais nos dias de hoje, o sentido do ter fortalece o capital e fragiliza
o trabalho. Sutilmente, o trabalhador é desapossado do seu objeto
(coisa produzida) por meio da entrega, em maior volume de recursos
(dinheiro) para o bolso do capitalista. Parece existir, portanto, um
rebaixamento das classes médias, na medida em que o desejo
comprar (e embutido nele, o fetiche da mercadoria) não é alcançado.
A ideia de um precariado no Sul Global (trabalho e
trabalhadores) é demonstrada por Braga (2017). O autor recupera o
conceito de semiperiferia do sistema e, com base na perspectiva do
ter (propriedade privada) discute a pertinência de aspectos
interligados no Sul Global. Neste enquadramento, Portugal e Brasil
teriam misturado consciências ideológicas de direita, como as
pertencentes ao Partido Social-Democrata (PSD) português e o
Movimento Brasil Livre (MBL) brasileiro. Talvez, por cautela, o autor
tenha preferido não mostrar a proeminência de uma nova classe
média, em função da polêmica de tal tese.
Por outro lado, a questão do crédito assume relevo, se
pensada em função da perspectiva do ter. O crédito pode ser
resumido na ampliação/expansão da produção, das empresas e do
sistema bancário e de ações, fazendo com que o capital adquira a
forma de capital social sob controle privado. Retira-se a distribuição
do capital das mãos dos capitalistas particulares e, ao mesmo
44 | Renato Sampaio Sadi
tempo, o banco e o crédito impulsionam a produção capitalista. O
crédito alavanca, portanto, os modos de produção (capitalista e do
trabalho associado) em conexão com grandes revoluções orgânicas
do próprio modo de produção (Netto, 2020, p. 384).O crédito e sua
transitória inviabilidade para as classes médias, devido aos juros,
prazos, controle e expectativas das políticas praticadas, deve ser
desafogado para abrir as potencialidades humanas do trabalho
concreto e, com isso, abrir as tampas da cultura e das produções
não materiais. Consideramo-lo inviável, embora inevitável seja a
participação no consumo, em forma de parcelamentos, juros e
promessas que o crédito impõe. Como se sabe, o crédito é atrelado
à moeda, um terreno de disputa ideológica com desdobramentos,
tensões, cautelas, apostas, medo e emoções da (in)segurança dos
mercados financeiros. (Louça & Mortágua, 2021)
Dentro das classes médias, dois caminhos interdependentes
realizam a produção, o consumo e os desejos (vontades e freios),
do ponto de vista social e individual: de um lado, os interesses (e os
freios) em participar destes mercados; de outro, os interesses (e as
vontades) em ajustar as contas domésticas e profissionais, no
sentido de projetar (e proteger) a educação dos filhos e a própria
segurança econômica no futuro. Os dois caminhos revelam, para os
grandes investidores, o potencial de financiamento dos setores
médios da população. Tais vontades e interesses são, na verdade,
uma avalanche mercadológica que, diariamente, cria mecanismos
de busca por parte das empresas, nos contatos com seus clientes,
na captura de novos clientes, via redes sociais.8
8 . Ver a respeito SOUZA, Ranieldo Barreiras Barbosa; JÚNIOR, Francisco
Rubens Feitosa; BRUNO, Flávio Marcelo Rodrigues. A Gestão da Marca Nas
Redes Sociais. Revista Eletrônica Acervo Científico, v. 1, p. 11-16, 2018.
As Classes Médias e o Esporte | 45
2.2 Herança histórica e ideológica das classes médias
As classes médias em Portugal e no Brasil são herdeiras de
um sufocamento das ditaduras e extremismos que destilaram
elevadas doses de ódio no povo. O poder do macrossistema é a
mola propulsora dos demais sistemas e, portanto, condiciona nas
pessoas, uma intensa vontade de desgarrar-se de sua classe de
origem e passar a dominar a classe superior. Assim, o caso
português pode ser configurado dentro de uma semiperiferia do
sistema mundial, entre outras questões, pelo fato de ter colonizado
territórios africanos. Sociedades intermédias estão situadas entre as
centrais e as periféricas.
Mudanças nos padrões salariais, desde o fordismo, assim
como a emergência da financeirização conduziram o país à um
balanço de ganhos e perdas. Braga (2017) cria o conceito de
austericídio para ilustrar uma tendência catastrófica.
O autor destaca quatro momentos: 1. A revolução de 1974; a
integração de Portugal à Comunidade Econômica Europeia, em
1986; a participação na União Econômica e Monetária, em 1999 e a
intervenção externa resultante do pedido de financiamento em 2011.
A recente história da revolução portuguesa (Revolução dos cravos
ou Revolução de Abril), fez acelerar uma melhoria das condições de
vida das pessoas com marcas de uma regulação económica que
fortificou as classes médias baixas. O sistema de segurança social
e proteção à saúde é visto como um dos pilares de transformação e
conquista dos portugueses.
Embora até hoje, estruturas deste sistema sejam mantidas, o
fato é que foram pioradas com as políticas neoliberais europeias e a
própria lógica do Estado diminuído. Parte deste ideário dominante é
reproduzido pelas classes dominantes, ramificadas nas camadas
mais altas das classes médias. São ideias que já foram “legalizadas”
ou assumidas coletivamente, ou seja, já impostas e aceitas pela
maioria da população. Formam-se, portanto, herdeiros e
46 | Renato Sampaio Sadi
reprodutores de pensamentos a ações dominantes. Muitas destas
ideias são consideradas nas relações comerciais vigentes, como na
lógica engelsiana:
A cada compra e venda defrontam-se duas
pessoas com interesses absolutamente opostos; o
conflito é decididamente hostil, porque cada um
conhece as intenções do outro, sabe que são
opostas às suas próprias. A primeira consequência
é, por um lado, a desconfiança mútua e, por outro, a
justificativa desta desconfiança, o uso de meios
antiéticos para alcançar uma finalidade antiética (...)
em uma palavra, negociar é fraude legalizada.
(Engels, 2021, p. 165)
Considerando que, sem Marx a análise das classes sociais
perderia densidade, consideramos ainda: 1. Que parcelas das
classes médias em ascensão irão, a certa altura, possuir a vontade
da dominação - lutar, legitimamente pelo domínio do conhecimento
e do mérito; 2. Que a ideologia não é apenas falsa consciência,
mistificação ou mentira, mas sobretudo uma classe que domina,
alicerçada em maioria e que promove seu domínio por diversas
formas sutis (nos dias atuais, por exemplo, pelas fake news); 3. Que
as sociedades resultam de uma intensa luta de classes localizadas
em várias frações do pensamento e da ação, coletiva ou individual,
muitas, assumidas pelas classes médias; 4. Que a burguesia
espalha ideias dominantes em seus aparelhos de reprodução, com
a imposição de uma cultura de costumes; faz destes aparelhos,
apostas condizentes com sua ideologia dominante e, portanto, têm
maiores chances de vencer tais apostas.
Uma das comparações entre Portugal e Brasil que, repousa na
história e, oferece pistas para compreender as diferentes formas de
luta e inserção das classes, refere-se exatamente sobre o
desenvolvimento sangrento operado no século XX, em ambos os
países. Em Portugal, longos 50 anos de fascismo foram rompidos,
As Classes Médias e o Esporte | 47
em 1974, com a Revolução dos Cravos.9 Portas foram abertas no
sentido da ampliação de conquistas, direitos sociais e consolidação
de uma forma política, pública e estatal, na qual as esquerdas até
hoje, conseguem ter voz. No Brasil, ocorreu o oposto, a ditadura de
1964 foi operada, em orquestração internacional de combate aos
comunistas e o longo processo de redemocratização foi iniciado
tardiamente, a partir das Diretas-já, em 1984. Os direitos da
Constituição de 1988 não foram aplicados na sua totalidade e,
portanto, a longa transição teve características, dominantemente
burguesas.Condições políticas diferenciadas permitem, grosso
modo, quatro tipos de unificação fascista e suas ramificações
ideológicas: 1 - Hegemonia dos movimentos fascistas plebeus e de
seus chefes; 2 - Compromisso dos partidos fascistas com o fascismo
conservador; 3 - Integração subordinada dos movimentos fascistas
plebeus no regime de ditadura fascistizada e; 4 - Relação conflitual
alternando com alianças instáveis entre as direitas conservadoras e
os fascismos plebeus na liderança do Estado. Para Rosas (2019) o
fascismo enquanto regime pode ser formulado em sete teses
apresentadas pelo autor, como pontos de partida teóricos.10 O que
unifica os movimentos vividos em Portugal e no Brasil não é,
9 . Ver ARCARY, Valério. A revolução solitária. Revolução ou transição, 2012.
Ver também: LARA, Ricardo; SILVA, Mauri Antonio da. Entrevista com Raquel
Varela: Revolução dos Cravos, condições de trabalho e vida em Portugal.
Revista Katálysis, v. 18, n. 1, p. 123-130, 2015.
10 . 1 - O fascismo como movimento e como poder deve ser encarado como
fenômeno e categoria histórica, historicamente contextualizado; 2 - O fascismo
é um produto do capitalismo; 3 - Nenhum movimento fascista conquistou o
poder por si só; 4 - Os regimes fascistas configuram uma época histórica
específica, a época dos fascismos; 5 - O fascismo é um fenômeno dinâmico,
complexo e mutante, vai do grupo plebeu, miliciano, desordeiro e terrorista
para o partido no poder; 6 - O totalitarismo é uma dimensão ideológica que
visa fabricar o homem novo e que impacta em diversas esferas da vida social;
7 - O colonialismo moderno é um prefácio do fascismo e da política de
extermínio nazi no segundo conflito mundial. (cf. Rosas, 2019, pp. 31-76)
48 | Renato Sampaio Sadi
portanto, diretamente ligado à tradição marxista, tampouco aos
difusos conceitos tradicionais de luta de classes, consciência de
classe e ideologia. O que pode criar unidade de pensamento neste
tema, é, de um lado, o imenso caldeirão fascista e seus
penduricalhos, de outro, as fracas representações partidárias que
perderam, consideravelmente, apoio sindical, apoio de massas e
hegemonia. Trata-se de uma perversão do próprio fascismo,
encorpado com novas roupas, entre elas a representação política,
travestida de democracia. Uma das responsabilidades centrais de
uma compreensão democrática não burguesa, seria acalmar as
classes médias, ávidas por dinheiro, e trazê-las para o campo
progressista de esquerda ou centro esquerda, afastando-as do
populismo radical fascista. Do ponto de vista estratégico, o
capitalismo foi, é e poderá ser fascista, quando a iminência de uma
crise/ameaça puder ser explodida. As classes dominantes poderão
lançar táticas violentas para tentar driblar a crise ou propor novas
formas de intervenção, como por exemplo, o Estado Novo, ou
mesmo reconfigurar as violências simbólicas. Não há receita política
ou teórica para o futuro; o que há, nas várias encruzilhadas vividas
pelo capitalismo, é um sistema totalitário que soube encontrar as
saídas, recorrendo à instrumentação fascista quando as formas
liberais estavam esgotadas. Assim, foi na crise de 1929, em 1964,
na quase totalidade da década de 1970, na crise de 2008, na
movimentação após 2013, estendendo-se aos tempos recentes,
com Trump e Bolsonaro. Operou-se, portanto, na costura de longos
anos, uma repactuação de classes, em que pese as resistências,
rebeldias e revoluções populares, suas expectativas e seus
ensinamentos.
2.3 Reconfiguração familiar e educacional
O domínio burguês que comanda Portugal é reduzido em
número de pessoas e intenso em termos de concentração de renda.
Cerca de mil indivíduos, ou 0.01% da população constituem a alta
As Classes Médias e o Esporte | 49
burguesia; estes são acompanhados por 300 mil proprietários, isto
é, os 3% que se seguem na estrutura piramidal (Louça; Lopes;
Costa, 2014) Mesmo assim, se comparado ao Brasil, em termos
educacionais, Portugal aparece com êxito na educação básica
pública.
Por meio da Sociologia da Família, buscaram-se estratégias
educativas internas do microcosmo (ou microssistema) composto
por pai, mãe, responsável, filho mais velho, irmão, agregado ou
qualquer ou vínculo familiar (de sangue ou não). Dentro deste
quadro de recomposição de um fôlego educacional mais amplo, os
seguintes aspectos podem ser destacados: posição da família na
estratificação social; relações com a escolaridade dos filhos;
interações entre pais e professores; mudanças pontuais nos
comportamentos de raça, gênero e nos próprios desafios em inserir
os jovens no mercado de trabalho da época. Mesmo que o terreno
pedagógico não tivesse sido ainda atingido na sua essência
(questão que com mais intensidade ocorreu em meados da década
de 1990 em diante), uma nova zona de interação entre o espaço
público da escola e o privado da casa familiar foi aberta como
possibilidade educativa. Paralelamente às mudanças nos modos de
vida familiar, incluindo-se a questão afetiva e o enfraquecimento do
papel instrumental dos pais, os novos tempos seriam marcados por
uma subjetividade de valorização da autoestima. Este tipo de corte
seco na concepção de formação dos filhos só teve êxito a partir do
momento em que a criança deixou de representar um capital para
se tornar um custo econômico, ou seja, a partir do momento em que
o modo de produção foi, dominantemente, deslocado (no plano
simbólico) para um modo de produção escolar. Nas ferramentas
objetivas e sutis de educação dos filhos recaiu um enorme peso nas
costas dos pais, pois estes, sabiam, inconscientemente que, os
tempos de crescimento econômico do pós-guerra, período de 30
anos de 1945 a 1975, seriam transformados em tempos de recessão
e inflação nos 30 anos seguintes, de 1975 a 2005. Na esteira desta
fervura familiar e dos impactos sociais e econômicos que atingiram
50 | Renato Sampaio Sadi
as famílias de classes médias, em Portugal e no Brasil, os processos
de escolarização também foram profundamente afetados. Muitos
dos teóricos da educação, ao serem envolvidos neste debate,
posicionam-se criticamente, com argumentos a favor dos sentidos
tradicionais do currículo e do conteúdo, afinal a escola, ao abarcar
vários saberes, então, não escolares, deveria se voltar para seu
saber-fazer privilegiado e historicamente estabelecido, o domínio
técnico e social dos conteúdos, nesta lógica, secundarizados pela
fervura da lista infindável (plantas, música, cinema etc.). Mudanças
nos padrões de educação familiar e escolar foram destiladas nas
classes médias a partir do movimento escolanovista, no qual os
erros da educação tradicional foram fortemente questionados.
O caráter generalista e exclusivista da Sociologia (em seus
diversos ramos) que observava a riqueza e as desigualdades entre
classes (transformou a família numa espécie de engrenagem
econômica ou correia de transmissão da estrutura social) abriu
espaço para as estratégias individuais (com apoio familiar) na busca
pela separação e distinção ou status de classe. Neste ponto, a
classe média alta, frenética na escalada do alpinismo social, buscou
(e continua a buscar) alcançar a burguesia, por todos os meios
disponíveis. Isso pode ser comprovado pelo consumismo
avassalador que o mercado de crédito impulsiona. Entretanto, cabe
observar a influência do background familiar como ponte
educacional para pensar os processos pelos quais as crianças e os
jovens desenvolvem os seus talentos.
“Ambição escolar elevada” (Duru-Bellat e Van
Zanten, 1991), "Famílias mobilizadas” (De Singley,
1993), “pais de alunos profissionais”, Establet, 1987).
Se as expressões variam de um autor a outro, a
conclusão é sempre a mesma: as classes médias
dão provas de uma intensa adesão aos valores
escolares e fazem da escolaridade dos filhos, “o
elemento central de seus projetos” (Nogueira, 1995,
p. 17, grifos da autora)
As Classes Médias e o Esporte | 51
O investimento e produção de esforços no sentido de uma edu-
cação de qualidade são legítimos. Trata-se de uma luta por dentro,
possível às diferentes classes médias. Boaventura de Souza San-
tos, ao discutir o esgotamento do que chama império cognitivo,
aborda a temática das lutas sociais com lentes alternativas às for-
mas tradicionais de luta. Para tanto, afirma ser necessário uma
viragem epistemológica. O argumento central está baseado em seis
corolários: 1. É preciso um pensamento alternativo às alternativas;
2. A reinterpretação do mundo precisa das lutas; 3. Não pode haver
um tipo único de conhecimento; 4. Não há hipótese da não luta
social; 5. É preciso revolucionar a teoria; 6. O espaço fica diminuído
para intelectuais de vanguarda. Assim, a luta por dentro, como
necessidade de alcançar as mentes e os corações de quem luta
(ativa e passivamente) é também, uma forma de oxigenar e
reconfigurar os sentidos de luta do passado para contemplar e
promover mudanças em direção ao futuro. Mudanças que sejam
capazes de rasgar com a desigualdade e a barbárie do atual sistema
econômico. A luta por dentro pode ser assim descrita:
São lutas em que não existe confronto directo
nem formas de resistência abertas e declaradas (...)
não implicam organização, são anónimas, levadas a
cabo por ninguém e por toda a gente; ninguém sabe,
com certeza quando começam e acabam. São
silenciosas (...) pressupõem conhecimentos, a
consciência do sofrimento injusto, da arbitrariedade
do poder e de expectativas frustradas (...) tudo isso
exige a aplicação de conhecimentos complexos e
experienciais intimamente ligados aos mundos da
vida daqueles para quem viver é envolver-se na luta
ou, em alternativa, não sobreviver. (Sousa Santos,
2018, p. 124-4)
O sentido de luta é misturado por dentro nas classes sociais.
Seria como misturar necessidades do ser social. São lutas de
manipulação consciente. Estratégias e táticas de luta estão
presentes na História. Entre tantas outras lutas, na cultura ou na
52 | Renato Sampaio Sadi
educação, esta forma de luta contribui para o destravamento das
concepções retilíneas e pouco produtivas da política em geral e das
políticas sociais e/ou públicas, no específico. A própria ideia de luta
pacífica de Gandhi, por exemplo, representa a não cooperação, a
desobediência e o boicote no conhecimento de si mesmo e na
autenticidade. Esse tipo de luta desarmada ofereceu uma alternativa
concreta ao esgotamento da chamada “luta armada” que tanto
doutrinou os trabalhadores. Os caminhos de luta das classes
médias, seus atalhos, opções e desenvolvimento, passam por
olhares atentos à complexidade das lutas na atualidade. Para a atual
geração jovem que encontra o sucateamento dos bens públicos e
não vê perspectiva em projetos profissionais ofertados como
estágios não remunerados ou primeiro emprego incerto (dentro da
promessa liberal do empreendedorismo), suas expectativas não são
animadoras, o que possivelmente pode agravar os conflitos com
pais/responsáveis e patrões.
Em Portugal, o desmanche da regulação,
decorrente da passagem ao pós fordismo, resultou
em significativas transformações nos ritmos da
transição da escola para o emprego, tornando-a
longa e tortuosa. Em outras palavras, o estudante
em tempo integral perdeu terreno em benefício de
fórmulas híbridas de conciliação entre o aprendizado
e o subemprego. Em aproximadamente duas
décadas e meia, as bolsas de estudos, a contratação
irregular, o trabalho intermitente e a eterna sucessão
de estágios não remunerados transformaram-se nas
únicas alternativas ocupacionais para uma parcela
crescente da juventude portuguesa. (Braga, 2017, p.
127)
O desafio ao austericídio seria engrossar as fileiras da es-
querda e as pautas contrárias às políticas do partido socialista e do
partido social democrata, porém, tal tática poderia isolar ainda mais
os jovens de esquerda, simpatizantes de centro esquerda e/ou cen-
tro direita. Ainda que o período conturbado da adolescên-
As Classes Médias e o Esporte | 53
cia/juventude seja um parâmetro para os pais explicarem as
dificuldades de trabalho e as questões do mercado a ser ofertado a
seus filhos, é notório, para as classes médias, uma piora de
condições laborais que empurram os jovens ao precariado,
conduzindo-os, portanto, à uma insegurança pessoal e social. A
subida de preços e os desajustes da macroeconomia no Sul Global,
aliada à ausência de esperança, têm lançado os jovens à rumos
desconhecidos. Aqueles que ainda encontram a sobrevivência digna
no trabalho, carregam às costas, o fardo do tempo histórico.
O problema não mais se restringe à difícil
situação dos trabalhadores não qualificados, mas
atinge também um grande número de trabalhadores
altamente qualificados, que agora disputam,
somando-se ao estoque anterior de desempregados,
os escassos – e cada vez mais raros empregos
disponíveis (...) E o mais importante de tudo é que
quem sofre as consequências dessa situação não é
mais a multidão socialmente impotente, apática e
fragmentada das pessoas “desprivilegiadas”, mas
todas as categorias de trabalhadores qualificados e
não qualificados, ou seja, obviamente, a totalidade
da força de trabalho da sociedade. (Mézsaros,
2015a, p. 143, grifos do autor)
Não é incomum nas Américas e na Europa a existência de
profissionais ditos liberais (com cursos de pós-graduação) em
situação de desemprego ou emprego precário. Tal quadro,
impensável no passado é hoje, uma triste realidade.
2.4 O pertencimento/engajamento na promoção e aposta
de ascensão social
Adorno avalia que há uma cilada, denominada pseudo
atividade, engendrada pela burguesia para, de forma inconsciente,
acumular mais capital. Por caminhos da psicologia, abandona-se o
outro em função de uma economia doméstica, de tipo burguesa,
54 | Renato Sampaio Sadi
como o machado em casa economiza o carpinteiro. Afirma o
pensador que, o cinismo e a imbecilidade ocupam a consciência das
pessoas e, nas traquinagens que escolhem como tempo livre, (na
verdade, nada livre, mas, petrificado no trabalho alienado) deparam-
se com o hobby ou o tédio do tempo coisificado.
A rígida divisão da vida em duas metades
enaltece a coisificação que entrementes subjugou
quase completamente o tempo livre (...) O do it
yourself, um tipo de comportamento recomendado
atualmente para o tempo livre, inscreve-se, não
obstante, em um contexto mais amplo. Eu já o
designei há mais de trinta anos como pseudo-
atividade (...) Tempo livre produtivo só seria possível
para pessoas emancipadas, não para aquelas que,
sob a heteronomia, tornaram-se heterônomas
também para si próprias (Adorno, 1995, p. 79).
Diante de um emaranhado caótico que é a educação familiar
das classes médias, o tempo livre passa a ser cada vez menos livre.
Isso porque as pressões por produtividade são marcadas em todos
os membros destas classes como possibilidade de troca de um
suposto trabalho por tempo livre, ou seja, as satisfações
compensatórias são institucionalizadas fazendo com que a tênue
demarcação trabalho/tempo livre fique confusa na cabeça do
homem comum. Reside também aqui, a ocupação do tempo de
crianças e jovens, um assunto de tirar o fôlego de pais/responsáveis.
Diante disso, podemos orientar dois caminhos para esta discussão:
de um lado, a cilada adorniana que prevê a domesticação do tempo
como ilusão e pseudo atividade; de outro, um desdobramento
apocalíptico que prevê emancipação do trabalho (e tempo)
produtivo.A domesticação do tempo não pode ser um debate
ingênuo, indutor da ideia de que, quem dirige as famílias, têm o
poder de controle sobre os filhos. Desde o rádio, passando pela
televisão e, até a chegada da internet, tal compreensão até poderia
ser enquadrada como correta, porém, as redes de computadores
hoje, cumprem um papel avassalador quanto ao potencial de
As Classes Médias e o Esporte | 55
(in)formação na cabeça de crianças e jovens, de tal maneira que aos
pais, o próprio controle aparece descontrolado. Vivemos em um
ambiente aparentemente livre no qual as redes sociais ocupam boa
parte de nosso tempo. Isso provoca um domínio de mentes e
emoções, um controle quase imperial de nossos comportamentos.
Em muito, perdemos a nossa privacidade (e possivelmente, a nossa
capacidade de amar). Amarrados ao smartphone, computador e/ou
tablet, nossos sentimentos foram também amarrados, fazendo com
que a liberdade fosse confinada às possibilidades de consumo -
compras pela internet.
Em plena era de intensa alienação, estamos todos, 24 horas
do dia, conectados; à busca de sensações diferentes, novidades,
modas, alimentos, serviços etc.Todavia, em ambos os caminhos, as
responsabilidades teriam que ser divididas e isso, é cada vez mais
difícil em uma sociedade que dá adeus às práticas coletivas, ao sen-
tido coletivo no geral. O do it yourself (faça você mesmo) como ven-
cedor temporário do agrupamento social mais coletivizado é per-
verso para qualquer tentativa de mudança, planejada no interior das
classes médias bem-intencionadas.
Chegamos a um ponto sensível, no qual é preciso pinçar as
seguintes subjetividades na educação familiar: a educação de
poucos filhos (um ou dois) e as muitas cobranças no que diz respeito
ao “ser alguém na vida”. Obstáculos de pertencimento/engajamento
relacionados ao consumo e às emoções (que inclui o processo de
consolidação de personalidade) são somados às relações sociais
mais imediatas da família e dos primeiros grupos de amigos. Ter ou
não ter irmão (ou irmã) pode ser um obstáculo, mas também, pode
ser um facilitador. Isso porque as comparações do “do it yourself”
podem gerar, de maneira contraditória, um sentido coletivo de
pertencimento/engajamento de classe do tipo, “do it with us”
(façamos conosco). Infere-se que uma questão educacional do
pertencimento/engajamento foi, historicamente, percebida pela
burguesia, como educação moral e restrita aos círculos de relações
(pessoais e sociais) da classe de origem. Assim, para as classes
56 | Renato Sampaio Sadi
médias, desenvolveu-se uma fusão entre o “do it yourself” e o “do it
with us”, com predominância do “do it yourself”. Apenas em um
processo educativo amplo e voltado à autonomia do sujeito, poder-
se-á romper com esta lógica. Em um caminho dialético, a semi-
periferia do sistema absorveu a crise do sindicalismo e, promoveu
em seu lugar, a espontaneidade das lutas. Neste imbróglio, ainda é
cedo para decretar a falência do sindicalismo tradicional, embora
sua pertinência possa ser fortemente questionada.
O que é possível dizer é que os jovens ativaram seus mecanis-
mos empreendedores, ainda que muitos, sem êxito. Acirraram a
competitividade na luta pelos salários existentes, quase sempre
baixos em comparação com os trabalhadores qualificados. O refúgio
corporativista e burocrático dos sindicatos oficiais abriu espaço para
outras formas de enxergar e combater os problemas da destrutivi-
dade do capital. Esta sutil movimentação ainda não completou uma
tendência dominante, mas, mesmo assim pode ser considerada
para os estudos sobre os jovens de classes médias como uma das
rupturas/continuidades históricas da contemporaneidade.
Mundializa-se, também, a ideologia das direitas e, entre outras
falsificações, a afirmação generalizada da abstração na
representação das classes. A classe média, nesta lógica, não teria
razão de existir. Ao contrário deste pensamento e, também, ao
contrário da justificativa da negativa ao conceito de classe média,
consideramos que, após um conjunto de determinações econômicas
e culturais, a expressão classes média parece ser a mais adequada.
Andanças gerais e específicas
Em uma grande síntese, a ideia da semiperiferia do sistema
impõe razoáveis limitações. Os semiperiféricos recortam possibilida-
des de desenvolvimento humano e social, confrontam teses
ideológicas da esquerda à direita, escudando-se no corporativismo,
inclusive a reprodução social e o desenvolvimento educacional
assumem tal delineamento. Tudo isso atinge os segmentos mais de-
As Classes Médias e o Esporte | 57
cisivos das classes médias. No interior das famílias têm prevalecido
a marca do conservadorismo. Os países centrais, representados
pelo Norte global e por uma rígida hierarquia, impõem, na lógica
capitalista, uma divisão internacional de capitais e trabalho, ampla-
mente desfavorável aos países semiperiféricos. Estes, por sua vez,
estão pautados pelo estrangulamento e dependência de finanças.
A ocorrência de uma mundialização do capital, concomitante
ao neoliberalismo/neoconservadorismo atinge o coração dos países
da semiperiferia; desdobra-se em uma generalidade de políticas
compensatórias, no trato com o público/privado que transformam o
corpo individual/social. Com isso são lançadas, faíscas e desdéns
às classes médias. As classes médias, localizadas no confronto
direto de classes populares e burguesia, são produtoras e
consumidoras de trabalho social. Quando realiza suas intenções e
cria oportunidades diversas à seus filhos, em caminhos de
autonomia e responsabilidade, reordena muitos dos erros que foram
herdados da moral burguesa. Luta(m) como pode(m) é uma
expressão que define bem tais caminhos. Perdas e ganhos sempre
fizeram parte da vida das famílias, porém, a novidade nos anos
recentes é o caráter deste tipo de luta. O precariado, em expansão,
tem tornado as classes médias - consumidoras de pouco consumo,
o que significa uma baixa de recursos para os mais diferentes
produtos, serviços e investimentos. Os economistas utilizam o termo
recessão para tratar deste problema. As sobras dos salários e das
rendas (em um movimento de sobre e desce, mas com tendência à
quedas significativas), leia-se “poupança” para as camadas C e D,
são, basicamente, inexistentes. Isso implica em um rebaixamento de
todos os extratos das classes médias e uma piora generalizada na
expectativa e motivação para a vida. Considerando a questão
ideológica nestas lutas, os novos tempos são marcados por
guinadas à direita, cuja característica de luta difere sistematica-
mente das lutas da esquerda, outrora ascendentes e unificadas.
Neste ponto, citamos a “questão marxiana do ter” para sugerir
desapego, leveza e alívio. Em tempos conturbados como os atuais,
58 | Renato Sampaio Sadi
o “sentido do ter” nos deixou coletivamente mais burros. O ponto
central é o sentido de posse, a propriedade privada não apenas
como imóvel, mas como objeto sensível. Formulações subjetivas de
direita serão mais radicais e “egoístas” com o “ter”. Isso abre
passagem para as classes médias disputar fatias maiores de
consumo. Entre outros pensamentos não ditos, destacamos dois: 1.
“Votamos na direita pois o governo vai tirar de nós para dar aos
pobres”; 2. “Educação é nossa responsabilidade e não do governo”.
Os pensamentos não ditos foram expressos no aumento de votos
para as direitas no mundo todo.
No Brasil, tal tema foi traduzido pelo “voto envergonhado em
Bolsonaro”. Em uma acirrada disputa, verificou-se um declínio das
direitas (e um esvaziamento ideológico das esquerdas), apesar,
ainda das grandes votações nominais em partidos conservadores e
liberais. Há, contudo, um calço teórico fundamental para a
interpretação do “sentido do ter” em Marx. Trata-se de um
aprofundamento do conceito de alienação.
Duas vias principais, a hegeliana e a marxiana explicam a
“posse” e o “apego”. Do lado da consciência, a alienação é um
conjunto de complexos que indicam despojamento consciente,
externação, desapego. Do lado do objeto coisificado, a alienação é
transformada em estranhamento contra o homem.
Em resumo, a transcendência deste fenômeno dar-se-ia pela
totalidade e compreensão alargada dos dois lados, preservando-se
a liberdade. O “sentido do ter” a partir de uma conotação material-
espiritual e seu caráter universal possibilitaria à transcendência
humana, uma porta de saída da mesquinhez em direção à livre
solidariedade. Tal teorização, por mais humanista e utópica que
possa parecer, configura-se em uma plataforma de luta subjetiva,
interna, sensível, favorável às classes médias, detentoras de capital
simbólico sofisticado, talvez as únicas que são capazes de perceber
a circularidade destes raciocínios.
As Classes Médias e o Esporte | 59
No âmbito psicossocial tais iniciativas podem significar vontade
deliberada de ascensão, ou seja, disputa legítima por uma vida
melhor. Provavelmente, o sistema metabólico do capital contenha
células específicas que atiçam a ambição de pessoas das classes
médias e as empurram para uma frenética degradação de valores
éticos e morais, portanto, na contramão dos valores produtivos de
uma educação horizontal e humanista.
Tais células, entretanto podem fazer o caminho inverso, isto é,
lutar pela oxigenação e recuperação do sistema geral. À procura de
respostas nem sempre pragmáticas, a reflexão e discussão destas
linhas devem convergir com a concepção ampla de totalidade social,
de tal forma que a flexibilidade metodológica seja preservada. Em
sintonia com uma tendência analítica antissistema, é possível
revelar uma aderência das classes médias portuguesas e brasileiras
ao desenho do Sul Global, suas desigualdades e tentativas de
inserção.
As Classes Médias e o Esporte | 61
Identidade e psicologia para repensar
a pedagogia do esporte no Brasil
Os tradicionais pedagogos do esporte no Brasil foram
formados na era da educação bancária, tecnicista e conservadora,
porém, desde meados da década de 1990, não só a formação, mas,
sobretudo a prática profissional começou a mudar. De Portugal ao
Brasil, modelos e métodos foram importados. Reconstruíram-se
também, as bases ideológicas do binômio reforma/revolução para a
estratégia dos governos de centro-esquerda. Neste texto revisito um
quadro complexo de conhecimento do esporte como educação
crítica e propositiva, ao mesmo tempo em que me cerco de
condicionantes para explicar o quadro maior em que todos estamos
inseridos. Da escola violenta passamos à mais violência. (física e
simbólica) Convivemos com elevadas doses de ódio e exclusões
diversas. Isso, porém, não significa desânimo com as causas
político-pedagógicas, antes, novas formas de respiração e
manutenção na luta.
3.1 A questão da violência
Ir à raiz de determinado conceito não apenas extrai a sua
constituição e forma, mas, principalmente, a sua essência e
significados mais amplos. O conceito de violência, para além da
aparência fenomênica, revela ligações com os objetivos do aparato
62 | Renato Sampaio Sadi
policial e punitivo; no que tange ao uso da força para reprimir uma
outra força supostamente exagerada; teríamos que questionar o
papel do Estado. O exercício desproporcional da força sobrepõe-se
à integridade física e emocional do corpo que expressou
determinada energia. Crianças e jovens esportistas recebem,
portanto, os impactos da violência externa (na família e no ambiente
em que vivem) e devolvem as primeiras manifestações de violência
(interna e/ou reproduzida). Trata-se de um quadro em preto e
branco, sujo de poeira, comum aos campos e quadras frequentados
por todas as classes. Nele, os lampejos de violência se misturam
com as questões familiares e sociais, em ramificações interligadas e
dependentes. A violência dos meios de comunicação, tratada
anteriormente é uma ponte para a violência física e simbólica que
ocorre na prática esportiva de escolas e clubes. Antes do Estado, os
indivíduos organizam-se em tentativas de filtrar os excessos e tais
processos são multifacéticos; envolvem, desde altas somas de
dinheiro até pequenas formas de enfrentamento; porém, para o
Estado convergem as expectativas das classes médias.
A responsabilidade do Estado pela promoção
e pelo cumprimento dos imperativos objetivos do
sistema do capital é colossal, mas de modo algum,
exclusiva (...) pois sem desenredar tantas coisas
nesse terreno é impossível definir as linhas
estratégicas do que deve ser feito, bem como do que
pode ser feito em termos da realidade do Estado
como parte integrante do sistema do capital.
(Mézsaros, 2015b p. 59)
Ressalta-se que a boa agressividade dos contatos de corpos,
no bom jogo esportivo não é sinônimo de violência. A formação
ampla implica na separação entre violência e agressividade
(contenção). Isso significa que a violência nasce nas entranhas da
mente antes de atingir o corpo e, dependente das intenções e
emoções, resulta em um comportamento x. A perspectiva de uma
emancipação política e/ou humana, com ou sem o Estado apresenta
As Classes Médias e o Esporte | 63
(mas não exclui) responsabilidade dos indivíduos na condução de
processos de mudança. Estes, não estão desprovidos da violência
pois, convivem com doses elevadas da ordem sócio metabólica do
sistema do capital. Células violentas que compõem o tecido social
podem ser, portanto, desencadeadoras de traumas e novas
violências – até mesmo a reprodução de uma violência invisível, na
qual fica difícil compreender o seu início. Uma maior proporção
destas células ativa, consequentemente um maior número de
pessoas; ao contrário, uma menor proporção, indica a possível (mas
não provável) contenção da violência.
A violência no esporte multiplica-se, principalmente se
considerarmos que, para a sobrevivência da Escola e do Clube, não
se pode permitir (e conviver) com elevadas cargas de sarcasmo,
bullying, racismo, imposição, etc e, portanto, é mais fácil excluir
quem pratica a violência do que tratar do tema. No interior de aulas,
treinos e ambientes abertos para crianças e jovens, a violência é um
tema que tem nitidamente dois complexos: questões exteriores e
questões individuais. Política, família, relações sociais, expectativas
e formas de convivência são os traços fundamentais para expressar
emoções contidas, como a raiva, a intolerância e o desejo reprimido.
Em íntima relação com o esporte, a violência permeia fatos
incontestáveis como a produção de energias de potencial tóxico ou
explosivo, capaz mesmo de estragos consideráveis.
Escrevendo sobre os conceitos relacionados à violência,
Arendt adverte que as ideias de poder, vigor e força geralmente
associadas à violência, nem sempre se unem na mesma
perspectiva. Na verdade, o que pode ser extraído é que o domínio
de um (indivíduo ou coletivo) sobre o outro é a lógica mais aceita. A
autora considera tentador pensar o poder em termos de comando e
obediência, e assim equacionar poder e violência como poder de
governo, pois mesmo nos assuntos domésticos, a violência aparece
como último recurso para conservar intacta a estrutura de poder
contra contestadores individuais. Nos enquadramentos da educação
e do esporte percebemos com nitidez tais traços, o que equivale a
64 | Renato Sampaio Sadi
dizer que, tanto professores como treinadores, não arriscam abrir
mão de seu poder como controladores de uma turma.
Tudo isso deve ser ponderado para não cair no extremismo do
terror ou no ecletismo do nada fazer. Há um fator autodestrutivo da
vitória da violência sobre o poder quando isso ocorre.
Tal caminho pode ser sintetizado da seguinte maneira: A fim
de manter a dominação, a violência passa a ser uma ferramenta de
excessivo controle, ou seja, atinge um grau totalizante e
naturalizado, assumido pela maioria envolvida, tanto na violência
física como na simbólica.
As facetas violentas da própria violência assumem formas
inesperadas. Sendo instrumental, a violência é racional e eficaz.
Pode servir para dramatizar queixas e trazer para a sociedade a
denúncia.
Exatamente pelo excessivo controle, o Estado não pode ser
hipertrofiado, eivado de penduricalhos entre poderes paralelos como
as milícias e as falsas promessas da “proteção social”. Neste ponto,
sublinhamos uma oposição ao livre mercado, mas, também, à
liberdade estatal. A tese mezariana da ilegalidade do Estado, com
ou sem violência, confirma tal necessidade.
O verdadeiro problema não é a violência
genérica, mas a ilegalidade do Estado bem concreta,
socialmente fundamentada e sustentada que
emerge regularmente e afirma-se como uma questão
de determinações de crise sistêmica (...) o monopólio
da violência, independentemente de ser de fato falso
enquanto monopólio pretensamente exclusivo,
também é uma evasão ideologicamente flagrante e
em causa própria do problema essencial, ou seja, a
ilegalidade do Estado, mesma quando esta não se
manifesta de forma violenta. (Mézsáros, 2015b, p.
52-3)
As Classes Médias e o Esporte | 65
“Mais” ou “menos” Estado não é, portanto, uma equação que
possa extirpar a violência, nem mesmo, situá-la em um patamar
civilizatório. Diante da avalanche das violências, incluindo as
manipulações, mentiras e formas ocultas, a superação do Estado e
do próprio sistema metabólico do capital, apresentam-se como
ponto de partida para uma vida cheia de sentidos, significados,
sensibilidades e perspectivas. Não seria necessário dizer que,
tematizar a violência é um procedimento preventivo. Alunos e
jogadores necessitam, de forma permanente, escutar preleções
sobre o tema. Parece tolo tal assertiva, porém não sabemos como
garantir que o outro não tenha em seu coração, quantidades de
violência potencializadoras de sofrimento.
Na verdade, pouco podemos garantir dentro de um sistema
caótico no qual a violência pode tanto aparecer como consequência
deste caos, como também ser indutora de uma piora das relações
estabelecidas. De qualquer maneira, restabelecer a lógica do
funcionamento do esporte ajuda na compreensão do papel dos
estudantes, professores e treinadores, suas promessas e seus
limites. O domínio é um conceito de ligação entre os objetivos do
jogo e os caminhos traçados para alcançá-los. Exercer o domínio
sobre o outro ou a partir de uma posição de liderança não é só
legítimo para a cena esportiva, como também, necessário. A
dominação simbólica é recheada de controles e pulsações: as
regras do jogo, a ética dos jogadores, a expectativa e tolerância dos
torcedores.
Nos variados processos pedagógicos, ensinar (e aprender) a
lógica das competições esportivas passa a ser um meio de
transposição às barreiras barbarizantes da violência banal.
Transmitida sem pudor, por meio de seus cabos de reprodução
acrítica, a bola de neve da violência se transforma em partículas
detentoras de ódio mortal. Uma das paralisias que tudo isso causa
pode ser evidenciada pela massa de torcedores completamente
impotentes diante de crueldades. Na tentativa de criar vias de
compreensão e atuação possíveis para o tema, o reconhecimento
66 | Renato Sampaio Sadi
da violência deve ser conduzido, não como algo a ser extirpado de
uma só vez, mas como, um trabalho que visa domesticar sua
essência e inibir os excessos. O debate sobre violência no esporte
é fortemente vinculado à violência no/do futebol, violência de
torcidas organizadas, violência física e simbólica de jogadores,
segurança de eventos e alternativas de paz. No caso do futebol, o
simbolismo do pertencimento/engajamento em torcida organizada
foi facilitado por meio dos novos fetiches da mercadoria esportiva
(estampas, uniformes, bandeiras, miudezas, etc) que os clubes
utilizam como “divulgação”. Tal forma de comércio sugere nichos
específicos de consumidores.
Nos anos 1990, as torcidas organizadas
cresceram significativamente e, hoje em dia,
algumas delas chegam a ter dezenas de milhares de
associados. A maior parte deles é homem, jovem e
se ampara num estilo de vida “de periferia” (...) Além
disso, conforme já antecipamos, elas são
constantemente rotuladas de violentas. (...) No
cenário internacional, estudos baseados na obra de
Norbert Elias indicaram que essas ações produzem
uma excitação agradável, são fontes de
reconhecimento e status dentro de alguns grupos e
estão relacionadas a um ideal de “masculinidade
agressiva”. (Lopes; Dos Reis, 2017)
Destacamos como machismo velado, a violência presente na
“masculinidade agressiva” cujo termômetro oscila, para cima e para
baixo. Isso ocorre pelo empoderamento do grupo que destila uma
excitação agradável no indivíduo e o faz isca de um movimento
irracional.
Os coletivos de torcedores organizados são, portanto,
constituídos de classes populares e classes médias em uma junção
com o machismo explícito e velado. Cantorias, bombas,
depredação, confrontos corporais, xingamentos diversos entre
outras características são objetivados peos grupos de torcidas que
As Classes Médias e o Esporte | 67
justificam suas ações com o palavrório ingênuo da defesa do belo
espetáculo esportivo.
O Estado e a ordem jurídica e policial, como mediadores destes
conflitos, impõem aos jovens de variadas classes, sua posição
dominante de classe no poder. Outra ingenuidade deste tema é a
tentativa de controlar o movimento por meio da alocação de mais
polícia, seguida de medidas preventivas como câmeras de
segurança, registros, proibições, etc. Há ainda, um tipo de violência
que poderia ser classificada no campo da ideologia.
Jovens de classes médias são lançados ao ambiente esportivo,
imbuídos de uma suposta superioridade ou domínio em relação aos
outros. Não se trata de machismo, tampouco de racismo, mas de
sentimento de classe superior, típico da mãe que pede ao filho para
não misturar-se com “gente de baixo”. Isso pode criar atalhos
formativos pouco controláveis, expressos na organização e escolha
de grupos para formação de equipes.
3.2 O diálogo com uma alfabetização esportiva
Ao nos debruçarmos sobre uma temática específica como a
alfabetização esportiva, recuperamos a totalidade do processo de
alfabetização, um dos motes para tratar das bases do esporte.
Entre os pilares de sustentação do ensino e da aprendizagem,
condensados nos processos de iniciação esportiva, destacamos
uma convergência de conceitos: o corpo, a infância, o jogo, a aula
de Educação Física e o treino no clube esportivo com um
afunilamento para a faixa etária mediana da iniciação esportiva
tradicional. (Figura 3)
68 | Renato Sampaio Sadi
Figura 3. A costura da alfabetização esportiva.
Os saberes multidisciplinares são somados à particularidade
de domínios do sistema alfabético-motor, ou seja, da aquisição de
condicionamentos estruturantes, como andar, correr, equilibrar,
saltar, lançar, arremessar, receber e as inúmeras ênfases presentes
em cada um destes valores. A área de aprendizagem e
comportamento motor edificou como linguagem aceita, a construção
de movimentos rudimentares, locomotores, manipulativos,
estabilizadores e fundamentais. (Gallahue; Ozmun; Gooway; 2013)
Em mediação, o letramento corporal se apresenta como uma
reunião de mapas, letras, sílabas, palavras e cores que o sujeito
internaliza em seu corpo, totalidade substantiva que direcionará
movimentos e intenções ao longo da vida. O letramento corporal
ativa um processo paralelo, no qual caminham a alfabetização
formal e a alfabetização esportiva. A socialização da criança, na
família, na escola, no clube e na sociedade, constitui, finalmente, o
sistema de suporte para que letramento e alfabetização formem uma
equação exitosa.
Chamamos de alfabetização esportiva os diversos
conhecimentos e saberes agrupados em torno do viver, do fazer e
do pensar do esportista, processo lento que ocorre durante a
escolarização formal, no clube e no interior da família e no conjunto
Infância
Jogo
Aula
Treino
Corpo
As Classes Médias e o Esporte | 69
de relações sociais. Refere-se ao processo cognitivo-motor, oriundo
de práticas lúdicas com perspectiva pedagógica: incidental (jogar
para aprender) e intencional (aprender jogando). (Grecco, 2012) No
esporte, utiliza-se o conceito de literacia esportiva, porém, em nosso
entendimento, tal conceito deve ser aplicado somente após serem
esgotadas as oportunidades de uma alfabetização esportiva. A
literacia (conceito irmão da literatura) é definida como: as
capacidades de leitura, escrita, cálculo e processamento de
informação na vida cotidiana. Diversos materiais escritos (textos,
documentos, gráficos), são utilizados para a vida profissional e
social. 11
A alfabetização esportiva, ainda não é o esporte na prática,
mas tão somente, a sua promessa. Como uma plataforma de
alfabetização, induz à ideia de que, se bem-feita, pode, no futuro,
colher frutos e êxitos. Uma criança alfabetizada nesta perspectiva,
pode, por exemplo, desenvolver talento para a literatura, o teatro, o
jornalismo, etc. No caso do esporte o raciocínio é similar, uma boa
base motora, assegura, um desenvolvimento físico, biológico,
psicológico e social que pode conduzir, qualitativamente, ao
desenvolvimento de talentos para a dança, a culinária, a arquitetura,
a medicina, a geografia, às modalidades individuais e coletivas do
mundo esportivo e tantos outros. Tudo isso, porém, depende de
condições econômicas concretas que podem mudar, ao sabor de
circunstâncias não previsíveis.
A alfabetização esportiva, neste contexto, é uma preparação
para a entrada no mundo do esporte e, portanto, condensa a ideia
da necessidade de um alfabeto motor e da própria discussão do
tema, ainda restrita a círculos acadêmicos. No sentido de
11 . Ver BENAVENTE, Ana et al. A literacia em Portugal. Resultados de uma
pesquisa extensiva e monográfica. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1996.
70 | Renato Sampaio Sadi
incrementar a iniciação esportiva, a percepção de uma totalidade,
composta por brincadeira, corpo, infância, jogo, e mundo do esporte
indica um debate complexo e necessário, não disponível à maioria
das famílias.
O atraso, pode, por exemplo, ser visto no número apresentado
pela Organização Social “Todos pela Educação” (2018): 30% da
população é constituída por analfabetos funcionais, ou seja, pessoas
que têm dificuldade de expressar, escrever, coordenar, manipular
conceitos entre outras habilidades. Transferimos este conhecimento
para as múltiplas formas de aprendizagem corporal e esportiva,
chegando à ideia chave de que a alfabetização esportiva não pode
ser reduzida a um simples processo de letramento e iniciação, ao
contrário, é um dos trabalhos realizadores, principalmente nos anos
iniciais da formação infantil. Há um vasto repertório de movimentos,
pensamentos, transferência de conhecimentos para diferentes jogos
e atividades, bagagem acumulada dentro e fora da família. Assim, o
desafio para os dias de hoje seria: 1 - Superar a dicotomia entre a
negação do esporte e a especialização precoce; 2 - Tratar a
alfabetização esportiva dentro de uma escola de tempo integral,
diante das novas tecnologias de informação e comunicação. Para
tanto, seria necessário recriar a riqueza de ambientes como a rua, a
praça, o parque, o condomínio e a própria escola para trazer o
conhecimento produzido nestes ambientes para dentro do treino.
Diante das transformações do mundo infantil, quando recebe
os impactos das regras do esporte convencional, um reordenamento
da lógica do ensinar e aprender esportes se impõe como urgente.
Neste ponto, é importante um retorno à compreensão do ser da
criança, percebendo-o como corpo inteiro, portanto, não como corpo
fragmentado, mas a totalidade corporal do ser criança, que envolve,
dialeticamente, a objetividade e a subjetividade como parâmetros
enriquecedores. Ainda em fase formativa, a criança tem o direito de
receber, com qualidade, educação integral sobre os valores
olímpicos e o olimpismo (Rubio, 2009).
As Classes Médias e o Esporte | 71
Então, a ideia da alfabetização esportiva não pode ser restrita
ao saber ler e escrever o jogo, ou seja, não é simplesmente jogar.
Deve ser incrementada com os conhecimentos históricos, sociais,
culturais, econômicos e políticos do esporte. Além disso, há que se
buscar ambientes múltiplos e significados mais amplos como o
letramento corporal, processos pedagógicos que incluem a família,
a escola e o clube para a criação de novas formas de jogos e
esportes.Sem fugir às orientações mais gerais do crescimento e
desenvolvimento humano, incluídos os incentivos à prevenção de
doenças e a promoção de uma saúde integral, procuramos por
verbos que expressam indicações para atividades na educação
infantil, no sentido que aproximá-los à ideia da alfabetização
esportiva e, por sua vez à desenhos mais específicos para a
pedagogia do esporte.
O exercício mental, extraído de Barbanti & Tricoli (2004) foi a
junção destes verbos no esboço de atividades, conforme segue.
As crianças em idade pré-escolar balanceiam
as atividades energéticas como correr, pular, jogar
bola, brincar, etc., com alguma atividade passiva e
sedentária. Algumas crianças, no entanto, precisam
de encorajamento frequente para exercícios mais
vigorosos, ao passo que outras necessitam de
restrições dos professores para evitar a exaustão.
No geral elas precisam de suficientes possibilidades
de movimento que estimulem de forma fantasiosa e
variável correr, saltar, saltitar, trepar, subir,
balançar, pendurar, oscilar, puxar, empurrar,
carregar, lançar e apanhar, assim como outras
formas de movimentos fundamentais. (Barbanti;
Tricoli, 2004, p. 205) (grifos meus)
Tal eixo permite visualizar sentidos, significados,
sensibilidades e perspectivas mais próximos ao esporte, ou seja,
permite enquadrar as atividades, ao mesmo tempo como gerais e
particulares. Permite também, no que tange à particularidade da
72 | Renato Sampaio Sadi
criação (do profissional e da criança), encontrar um caminho
diferençado para sua execução.
Figura 4. Três ênfases pedagógicas.
Alfabetização esportiva e letramento corporal se completam.
Ambos os valores são construídos paralelamente ao processo de
alfabetização formal. Na infância dos dias de hoje, as atividades
físicas e esportivas, neste universo apresentam-se confinadas, se
considerarmos as múltiplas possibilidades dos tablets e smartfones.
O espaço da rua e do espontâneo foi transformado. Isso também
envolveu a educação familiar e uma nova disposição em espaços
como o condomínio, os shopping-centers e as praças públicas.
Embora questões emergentes positivas e negativas sejam
entrelaçadas nas discussões educacionais, o mundo infantil
continua repleto de possibilidades visuais, auditivas e de relações
sociais, o que faz com que as crianças, logo cedo, tenham
oportunidades variadas. Entre os universos de formação cognitiva e
motora, a alfabetização pode ser útil para a Pedagogia do Esporte,
tendo em vista que já foi intensamente experimentada na Educação
Infantil e em momentos de intenso desenvolvimento da Educação
Física na escola.
Quando os conceitos são inter-relacionados, ou seja,
letramento corporal, alfabetização esportiva e a própria ideia de
literacia esportiva, (envolvimento do esporte para a vida)
entendemos que o tema como um todo ganha relevo e densidade.
Atividades
Livres
Atividades
Dirigidas (Jogo)
Atividades
Dirigidas
(Tarefas)
As Classes Médias e o Esporte | 73
3.3 Os sentidos, significados, sensibilidades e perspectivas
da competitividade e competição para crianças e jovens
As crises capitalistas, (econômicas, sociais e culturais) são
fomentadas por competições entre Estados, empresas e agentes
nos mercados. Formam-se monopólios e oligopólios que limitam e
comprimem os pequenos. Por intermédio de leis coercitivas e
agressivas de competitividade (nacional e internacional) os
mercados forçam os capitalistas à saltos de inovação nos processos
de produção; o trabalho é aumentado em termos de um quantitativo
de horas (mais-valia absoluta) e, de uma maior intensidade no
interior das jornadas (mais-valia relativa). Isso torna o sistema, por
necessidade, dinâmico do ponto de vista tecnológico.
Competir no mercado, para a concepção geral do capitalismo,
requer a atenção de três características fundamentais do modo de
produção: 1 – O capitalismo é orientado para o crescimento; 2 – O
controle do trabalho na produção e no mercado é essencial para o
lucro; 3 – O capitalismo é, por necessidade, tecnológica e
organizacionalmente dinâmico (Harvey, 1994). Então, vivendo em
uma sociedade global e, portanto, no meio de uma globalização
competitiva entre nações, empresas e capitais, na busca por fatias
alargadas de mercados consumidores, vivemos em permanente
competição (Chesnais, 1995).
A ideia de uma mundialização do capital considera que a
globalização está dentro deste processo, mas faz parte dele como a
tentativa de salvar a crise capitalista. Continua a ocorrer uma
competição financeira desleal de grandes capitais, porém, seu poder
de fogo é dirigido à expansão do sistema. Desta maneira, um
mercado mundial do capital é formado, em função de uma
transformação econômica do tipo unidade mundial de produção e
trocas. Por sua vez, as empresas são mundializadas com o
fortalecimento da era comunicacional digital. Isso aumenta as
chances de incremento de produtos e serviços envolvendo a
concepção, a produção e a distribuição. Aos poucos o sistema cria
74 | Renato Sampaio Sadi
adaptações na forma de gestão mundializada. Os traços
constitutivos desta engrenagem e as consequências para as famílias
de classes médias incluem trabalho, salário, renda e emprego em
estado de degradação.
A influência da mundialização do capital sobre
o consumo das famílias dá-se mediante dois
caminhos principais. O primeiro é aquele da
diminuição da renda do trabalho assalariado (...)
essa influência acentua-se por um aumento da
tendência em poupar da população de renda média
(e até de baixa renda) em face das incertezas
perante o futuro. Os países onde o nível de
desemprego é alto e onde a “cultura” do trabalho
“informal” ainda é pouco desenvolvida são os
primeiros a ser afetados pela queda do consumo das
famílias (...) O segundo caminho é aquele da
redistribuição da renda nacional em proveito dos
rendimentos rentistas, que se desenvolveu,
dependendo dos países, a partir do início ou do meio
dos anos 80. Essa redistribuição resulta do advento
dos mercados financeiros e das aplicações. Leva a
uma polarização da oferta nas altas rendas, que
molda aos poucos os contornos e orienta parte das
despesas de P&D industriais para objetivos estéreis
do ponto de vista social. (Chesnais, 1995, p. 27)
Este é um contexto com tendência à perversão; está
impregnado nas pessoas e dita as normas da convivência tornada
pacífica pois o “mundo globalizado” dirão os defensores capitalistas,
torna possível comprar e vender mais rapidamente e com menos
burocracia. Para exemplificar as entranhas da competição e seu
enraizamento nas classes médias, recuperamos uma fonte do
marxismo que discutiu o processo de expansão muito antes da
mundialização. Rosa Luxemburgo lembra que, no interior de classes
ascendentes há um objetivo de poder: criar rotas de dominação pela
ciência, intelectualidade e cultura. Ao pinçar tal esquema teórico e
remontá-lo, historicamente por meio da luta da então burguesia
As Classes Médias e o Esporte | 75
contra a aristocracia, o resultado é, novamente, a dominação, desta
vez de uma nova classe.
Em toda sociedade de classes a cultura
intelectual – a ciência, a arte – é uma criação da
classe dominante, e têm o objetivo de satisfazer, em
parte, as necessidades do processo social e as
necessidades intelectuais dos membros da classe
dominante. Na história das lutas de classes até hoje,
também as classes ascendentes – como o terceiro
estado na modernidade – foram capazes de
antecipar sua dominação intelectual em relação à
dominação política ao opor uma ciência e uma arte
novas à cultura obsoleta do período decadente.
(Luxemburgo, 2021, p. 127)
Há mais de cem anos atrás, poder-se-ia ter a clareza de que a
competição das classes ascendentes (leia-se classes médias) tinha
como objetivo satisfazer as suas demandas e, assim, dominar.
Reforçamos também, para os dias atuais, em adição à este
pensamento, a pluralidade das lutas. Trata-se de um “terceiro
estado”, ou seja, de um conjunto amplo de pessoas capazes de fazer
o que o Estado não fez. Em outra direção, Luxemburgo avalia o
sentido exponencial da competição capitalista e o faz a partir da ideia
de expansão. Seria como somar um conjunto de lutas para que as
classes tivessem sua acomodação e domínio garantidos. Como a
classe dominante tem lastro de séculos em seus tentáculos de
dominação, o processo expansionista fica facilitado. Basicamente, a
expansão capitalista é diretamente proporcional às guerras que
visam territórios coloniais. Este é o sentido mundial deste tipo de
estratégia.
É pura ilusão esperar que o capitalismo se
contente somente com os meios de produção que for
capaz de obter por via comercial. A dificuldade que o
capital enfrenta neste sentido reside no fato de que,
em grandes regiões da Terra as forças produtivas se
encontram sob o controle de formações sociais que
rejeitam o comércio, ou não podem oferecer ao
76 | Renato Sampaio Sadi
capital os meios principais de produção que lhe
interessam, porque suas formas de propriedade e o
conjunto de suas estruturas sociais excluem de
antemão tal possibilidade. Isso acontece sobretudo
com o solo e com a riqueza que este contém em
minerais, externamente com os pastos, bosques e
reservatórios de água, ou com os rebanhos e povos
primitivos que se dedicam ao pastoreio. Esperar
pelos resultados do processo secular de
desagregação dessas regiões de economia natural,
até que esse resultasse na alienação, pelo comércio,
dos meios principais de produção, significaria, para
o capital, o mesmo que renunciar totalmente às
forças de produção nesses territórios.” (Luxemburgo,
2021, p. 32)
A expansão do capital tem, portanto, a estratégia geográfica de
abrir caminho para a colonização de territórios e povos, espaços não
capitalistas ou áreas virgens que serão estimulados a criar rotas
mercantis. Ao fazer isso, os sentidos expansionistas irão abocanhar
as relações sociais e pessoais em uma compressão incontrolável,
ou seja, como regra geral, todo o tecido social será submetido ao
capitalismo e sua forma competitiva, inclusive, Estado, políticas
sociais e culturais aparentemente opostas à tais vibrações. Há,
porém, potencialmente, um conjunto de classes médias que farão
parte do futuro mercado consumidor desta expansão.
Serão novos produtores e consumidores não incluídos nas
categorias convencionais de capitalistas e classe trabalhadora,
porém que dependem de mercadorias de todo tipo. Como se sabe,
a sensibilidade das mercadorias, seus atrativos estéticos e seus
aspectos funcionais indicam aos compradores, que os benefícios
serão proporcionais aos custos e, portanto, vale a pena comprar.
Ao considerar a expansão do capital como um fenômeno de
atualização do marxismo (as principais ideias deste tema localizam-
se nos capítulos 2 e 3 de O Capital) a autora faz um esboço das
As Classes Médias e o Esporte | 77
consequências desta teoria e, ao mesmo tempo, posiciona-se
contrariamente.
À medida em que vai crescendo o número de
participantes dessa caçada em busca de novos
campos de acumulação de capital e diminuindo o
número de regiões não capitalistas ainda abertas à
expansão universal do capital, mais acirrada se torna
a luta, ou a competição, visando a conquista dessas
regiões de acumulação; tanto mais frequentes
também se tornam, no cenário mundial, as incursões
do capital, as quais acabam constituindo verdadeiras
cadeias de catástrofes (de ordem econômica ou
política), representadas pelas crises mundiais, pelas
guerras e pelas revoluções” (Luxemburgo, 2021 p.
113).
O acirramento das lutas ou aumento da competitividade pode
ser visto nas vaidades individuais dos capitais para si. Regras
pseudodemocráticas e falsidades dos círculos acadêmicos são
reproduzidas para que a pacificação atinja uma determinada
plenitude ou alívio nesta escalada descontrolada. Então, é válido
difundir práticas sadias de convivência entre povos; é válido
competir com regras honestas para aprender o funcionamento do
jogo comercial; é preciso, de qualquer maneira e com os meios que
estão disponíveis, lutar para poder sobreviver no mercado, por isso,
as cadeias de catástrofes faz sentido.
Para dentro das famílias e dos orçamentos domésticos é
preciso poupar para o futuro dos filhos e, com continuidade ao
momento anterior, é preciso cortar gastos e aumentar receitas. A
competitividade apresenta-se, portanto, como o novo padrão de
performance dos territórios no cenário de globalização desigual (o
termo mundialização do capital parece ser mais abrangente) e
alastra-se para as células e intenções de grupos, famílias e pessoas.
Como que este mecanismo penetra na educação e, em particular,
na educação esportiva? Para responder à questão, incluímos na
78 | Renato Sampaio Sadi
mistura, o enquadramento da família e a trajetória educacional
formal (escola e clube) como unidade inseparável.
O sentido plural do currículo, consideradas as suas diversas
fases ao longo da vida esportiva, assim como as arestas, as
discrepâncias e os desvios dentro e fora da família, será afetado e,
como é um dos responsáveis pela formação humana e profissional
de caráter amplo, com visão de integralidade, será fortemente
atacado.
Como a trajetória curricular não é uma linha reta mas um
espiral de possibilidades, as expectativas e os objetivos traçados,
ainda que cheios de intenção proativa e desejo de acerto, são
comprometidos por franjas da competitividade, do ponto de vista das
diferenças e domínios individuais. Formação e intervenção, nesta
perspectiva, como faces de uma mesma moeda, calcadas na
criatividade, indicam os sinais que normalmente são considerados
na educação formal (escola e clube) e na família; tudo isso pode ser
incrementado por desenhos competitivos e sadios, porém, necessita
de alta qualidade pedagógica.
Por diferentes atalhos, o caráter da competitividade global visa
destruir a pluralidade e a amplitude do currículo, da formação e
intervenção de qualidade socialmente diferenciada. Destacamos
ainda, que a lógica da escada educacional em conformidade com a
lógica da escada esportiva, ou seja, anos de escolarização em
consonância com anos acumulados de prática corporal e esportiva
poderão ser freados na perspectiva de enxugamento dos currículos,
saberes e cargas horárias para diferentes tempos educacionais.
Assim, ao partir do pressuposto que as crianças ascendem a
níveis mais elevados de sofisticação no conhecimento, na medida
em que avançam na idade e, atingem determinados picos de ruptura
e continuidade, com sedimentação de saberes próprios à sua
bagagem, compreendemos que as horas de práticas corporais e
esportivas devem ser acumuladas e registradas; quando possível,
As Classes Médias e o Esporte | 79
aumentadas.Este debate é dramático, particularmente no que se
refere à competição imobiliária, posse, uso e desenvolvimento do
espaço urbano.
Como consequência do avanço da mundialização e
financeirização, os capitais imobiliários são somados ao consumo
de propriedades individuais e, com isto, devasta as áreas virgens
(terras, matas, espaços não ocupados, etc.) em busca de nova
produtividade. Como a terra é imóvel e irreprodutível a competição
entre os agentes econômicos tem como objetivo diminuir custos
para viabilizar-se. O capital simbólico da competição por melhores
espaços de moradia e lazer é buscado pelas classes médias.
Entre outras questões geográficas e urbanas, a falta de espaço
para o esporte emerge como questão estratégica. Segue-se a isto
informações e conhecimentos sobre os espaços para as práticas
corporais do esporte, do jogo, do exercício e do lazer. O modelo de
desenvolvimento da participação esportiva, do inglês developmental
model of sport participation (DMSP) é um dos caminhos
interessantes para a reflexão dos atalhos por onde passam
discussões produtivas sobre o jogo e as ramificações dos sentidos
esportivos. Trata-se de uma concepção ampliada da noção de
desenvolvimento tendo em vista as múltiplas atividades exercidas
em vários espaços.
Os defensores deste modelo advogam dois conceitos básicos:
o de jogo deliberado e prática deliberada. Considerando que a média
das famílias encontram-se sufocadas entre a sobrevivência, as
dívidas e o sonho na educação dos filhos, compreender os caminhos
de formação e intervenção passa a ser um desafio para aqueles que
lidam com as chances da educação esportiva em nossa atual
configuração societária, especialmente, de maneira desafiadora, em
países como Portugal e Brasil. O modelo do DMSP sofreu críticas e
seus idealizadores, apresentaram, em complemento, o PAF –
Quadro de desenvolvimento de valores pessoais.
80 | Renato Sampaio Sadi
A relação pai-atleta também se faz importante
neste contexto. Pais que respeitam a decisão do
treinador e demais autoridades envolvidas com a
modalidade esportiva, por exemplo, parecem
influenciar os filhos de maneira positiva. Famílias
que praticam e/ou consomem o esporte não
necessariamente são pré-requisitos para manter a
criança motivada no programa esportivo. Deste
modo, é preciso expor o valor e o significado de se
envolver em atividades esportivas, sendo importante
que os pais ofereçam oportunidades para hábitos de
vida saudáveis relacionados ao exercício físico. (De
Souza; Vicentini; Marques, R, 2020)
Constatamos também, que há um gargalo a ser enfrentado
neste tema. Mais do que uma simples visualização de abordagens
e tendências, divisões etárias e programas, as crianças e os jovens
são pressionados pelas famílias para outras carreiras fora do
esporte. Isso significa que deve haver um hiato na formação, pouco
percebido pelos intelectuais. Perguntas do senso comum que
desestimulam a prática esportiva evidenciam a pressão exercida
pelos adultos, muitas delas polêmicas, que podem ser lidas por
lentes positivas ou negativas a depender dos possíveis diálogos
dentro e fora da família: O que fazer com o esporte? O esporte
oferece segurança e estabilidade profissional? Não é melhor seguir
uma outra profissão sólida? Por que praticar esporte se não há
incentivo? Mas, não é só isso. Os cortes de classe, presentes nas
famílias de rendimento médio, influenciam o gosto, a entrada, a
permanência ou o abandono do esporte. Na mesma direção há que
se observar o núcleo sensível das emoções de crianças e jovens.
Por núcleo sensível entendemos a proximidade dos professores
com os alunos, no sentido do carinho, não como mero coadjuvante,
mas como estratégia profissional. As emoções das crianças e dos
jovens são ligeiramente diferentes das emoções dos adultos; há um
peso central, que diz respeito ao conhecimento das emoções que,
depende fundamentalmente, de acúmulo de experiência. Ao redor
deste núcleo encontramos os aportes pedagógicos, assim como as
As Classes Médias e o Esporte | 81
estruturas físicas, equipamentos, materiais e gestão. Seria como,
hipoteticamente traçarmos metas para cada um dos quesitos e
estabelecer uma média final, ou seja, um quantum de emoção.
Apostamos que esta média é baixa, por uma série de inconvenientes
enjaulados nos sistemas educacionais.12
3.4 A efervescência de emoções no mundo do capital
predador e avassalador
Decodificamos a estrutura emocional a partir do contraditório
que é inerente à ela. Isso significa que há mudanças repentinas nas
emoções de crianças e jovens, ou seja, o alegre e o triste podem ser
rapidamente alternados em função da não total pureza destes
sentimentos - quase sempre o alegre contém uma parte do triste e
o triste, uma parte do alegre. Consequentemente, as emoções
(positivas e negativas) tornadas comportamentos reais nos treinos e
nas competições apresentam-se como um termômetro (mais
quente, mais frio) ou balança (pendente para um lado, pendente
para outro); podem ser diagnosticadas por professores e
treinadores, assim como podem ser desenvolvidas, freadas,
impulsionadas, contidas.
Categorização das emoções
12 . Ver Sadi (2016) e a discussão do caos educacional, quadras sem
cobertura, sem manutenção, sem espaços adequados, quase sempre
abandonados. Muitos alunos para poucos professores, muitas turmas e
poucos horários, conteúdo disperso ao longo do currículo, em que pese as
iniciativas de homogeneização e de diretrizes democráticas, excessiva
burocratização dos processos de aquisição (compras), limpeza, reformas e
manutenção, pais alienados, ignorantes e sem compromisso com os sentidos
humanos das práticas corporais e esportivas.
82 | Renato Sampaio Sadi
Emoções positivas
(contraditórias)
Elogios
Emoções negativas
(contraditórias)
Críticas
Alegria/Aberto
Tristeza/Fechado
Respeito
Indiferente
Surpreso
Embaraçado
Indignado
Frustrado
Quadro de emoções criada pelo autor.
O formato de competições esportivas que privilegia uma
compreensão dialética, complexa e ampla, também se encontra
condicionado ao ambiente social, às estruturas físicas (espaços,
equipamentos e materiais) e às orientações políticas e didáticas.
Para enfrentar este conjunto limitador, qualquer que seja o ambiente
de competição, é necessário que seja oxigenado. Entendemos por
ambiente oxigenado as práticas sadias do fair play e a limpeza do
ambiente do jogo, as inovações e um suporte criativo das lideranças
(Sadi, 2016; Scaglia; Medeiros; Reverdito; Montagner, 2013; Virgílio,
2017).O ambiente familiar é repleto de contradições mas, também,
revelador dos potenciais que podem ser produzidos para a
superação dos problemas de relacionamento, expectativas dos pais,
medo dos filhos e a própria ideia de oxigenação dos treinos e das
competições.
Ninguém escolhe onde nasce, portanto os percursos da
educação em geral são reverberados na família. No que se refere
aos aportes pedagógicos que possam elevar a qualidade da
formação, os 3 modelos ecológicos destacados anteriormente, são
atrativos por desafiar o pensamento e a ação de professores e
As Classes Médias e o Esporte | 83
treinadores; ousados naquilo a que se propõem. Nestes modelos,
convivem o espaço da educação moral e suas fragilidades diante de
um ambiente fragmentado e líquido como o que vivemos. Isso
implica que o esporte também será fragmentado e líquido, isto é,
sem a continuidade, sem os desafios e sem as estruturas físicas e
simbólicas que determinam totalidades (Hirama; Montagner; Baía;
Matos, 2012).
Embora o principal ambiente de competição seja o jogo em si,
a formação no esporte compartilha uma série de valores como o fair
play, o convívio social, o campo afetivo e ético. No interior deste
vasto ambiente há que se reconhecer pontos de inflexão
fundamentais: aprendizagem, consolidação do apreendido,
experimentalismo, projeto e superação (Sadi, 2012). As classes
médias e suas frações, a diversidade cultural e a forma de ser e
comportar-se de crianças e jovens são indicadores pedagógicos
para a ponderação e a avaliação dos comportamentos esportivos
em diversos ambientes.
Diferente do esquema tradicional todos são iguais à partida, os
sentidos, significados, sensibilidades e perspectivas das classes
médias, no quesito pertencimento/engajamento, devem conceber a
lógica de que “nem sempre somos iguais à partida”.
84 | Renato Sampaio Sadi
Considerações finais
Visando romper com o formalismo do quebra cabeças
capitalista, que encaixa peças políticas e pedagógicas visando a
perfeição, evoluímos para um novo formato de quebra cabeças, no
qual suas partes, mesmo que não encaixadas e justas destinam
pistas suficientes para a criação de novas hipóteses. As classes
médias são, nesse sentido, amálgamas flexíveis em encaixes não
perfeitos.
Caminhos diferenciados em Portugal e no Brasil enfrentarão o
rolo compressor das atuais consequências do capital predador e
fortemente destruidor, portanto, a regra do grande jogo é a própria
necessidade de ir além, isto é, criar alternativa viável e
ecologicamente sustentável. Não obstante, o comportamento de
classes médias pode ser alterado em função da convivência
contraditória com os limites da civilização e, além disso, com o
processar de consciências dispostas a rever seus privilégios.
Por fim, reflexões críticas, ousadas e proativas estarão
alinhadas com a melhor política possível que poderá ser conduzida
no futuro, por mentes oxigenadas e brilhantes.
As Classes Médias e o Esporte | 85
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Sobre o autor
Renato Sampaio Sadi é docente titular na área de Pedagogia
do Esporte (Departamento das Ciências da Educação Física e
Saúde da Universidade Federal de São João del Rei, Minas Gerais,
Brasil). Professor de Educação Física, Mestre e Doutor em
Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Programa de Pós-graduação: História, Política, Sociedade, finalizou
seu pós-doutoramento na Universidade do Porto, em Portugal
(Faculdade de Letras, Instituto de Sociologia) no ano de 2022. Com
mais de 35 anos de experiência, trabalhou na educação básica, na
Universidade Federal de Goiás e no Ministério do Esporte. O autor
também é faixa preta de Karatê, treinador e árbitro de Voleibol e,
como hobby, estuda música (Contrabaixo) e Geografia.