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Revista Portuguesa de Educação, 35(2), 309-331. http://doi.org/10.21814/rpe.20827
Habilidades socioemocionais e inclusão:
O caso da licencianda Tétis
RESUMO
As Habilidades Socioemocionais (HSE) capacitam os discentes para torná-
-los autônomos e protagonistas de suas próprias aprendizagens. Quando
direcionadas numa perspectiva inclusiva, dentro da educação superior, elas
podem auxiliar os alunos com deciência durante seu processo de inclusão
e formação. Embora elas não devam signicar diminuição das responsabili-
dades institucionais, se mostram potencialmente prote tivas à inclusão quando
tais instituições são omissas. Diante disso, nosso objetivo foi compreender
as possíveis contribuições das HSE de uma licencianda do curso de Biologia
com deciência auditiva e visual durante seu processo de inclusão acadêmica.
Para isso, optamos por uma abordagem qualitativa, através do método de
estudo de caso, utilizando como instrumento de coleta a entrevista semies-
truturada, com aplicação da análise textual discursiva para o tratamento
dos dados. As entrevistas foram aplicadas à aluna, à mãe dela, à intérprete
de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e a uma professora da graduação,
que foi indicada pela discente. A análise mostrou, que durante a vida acadê-
mica, a licencianda tem tido aprendizado socioemocional principalmente
nos campos da extroversão e da abertura a novas experiências, ampliando
também habilidades ligadas à conscienciosidade, com especial inuência
positiva da intérprete e negativa de alguns colegas do curso. Consideramos
que esta investigação ainda é inicial e destacamos a necessidade de que
pesquisas futuras possam abordar tais temáticas, apresentando as suas rela-
ções de forma mais ampla.
Palavras-chave: Desenvolvimento de habilidades;
Inclusão educacional; Pessoa com deciência;
wEnsino superior.
1. INTRODUÇÃO
A Educação Inclusiva, de acordo com o Manual para Garantir Inclusão e Equi-
dade na Educação (UNESCO, 2019), corresponde ao “processo de fortaleci-
mento da capacidade do sistema educacional em alcançar todos os estudantes”
(p. 47). Para tanto, os sistemas de ensino necessitam adequar suas culturas
e práticas de modo a que garantam uma educação efetiva para todas as pessoas,
potencializando sua participação nos contextos sociais em que estiverem inse-
ridas e minimizando toda a forma de exclusão social (Borges et al., 2017).
Joanna Angélica Melo de
Andradei
Universidade Federal
de Sergipe, Brasil
Alice Alexandre Paganii
Universidade Federal
de Sergipe, Brasil
Revista
Portuguesa
de Educação
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É importante salientar que a inclusão vem sendo mais frequentemente
estudada na educação básica em comparação aos outros níveis de ensino.
Contudo, algumas pesquisas nesta perspectiva são desenvolvidas também
no ensino superior, como o trabalho realizado por Castanho e Freitas (2006),
-
siva na universidade. Nesse trabalho, as autoras destacaram a necessidade
de adequação das instituições de ensino superior para a promoção da inclusão
dos professores para favorecer a inclusão.
Outra pesquisa que aborda a inclusão na universidade é a de Ferrari
neste nível. As autoras analisaram desde o ingresso ao ensino superior até
para lidar com a diversidade dos alunos.
Fernandes (2014) abordou o processo de inclusão de alunos surdos
Universidade Federal de Sergipe (UFS). A autora buscou compreender a reali-
-
dades enfrentadas e as possíveis barreiras pedagógicas e atitudinais nesse
processo. A desinformação sobre a surdez, a falta de apoio dos docentes, de
conhecimento sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a de sinais especí-
todos os participantes da pesquisa foi a acessibilidade arquitetônica, posto que
de percepções dos estudantes. Como exemplo, as pistas táteis estavam soltas,
inadequadas ou com falhas, os elevadores não funcionavam e a comunicação
Ressaltamos que pesquisas como as citadas anteriormente se mos-
tram relevantes, pois, de acordo com Vargas (2006), este é um nível de ensino
que exige mais autonomia do aluno, e com isso a estrutura das universidades
pode apresentar algumas barreiras. Entre estas, podemos destacar principal-
No primeiro caso, alguns autores apontam o despreparo dos profes-
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os quais necessitam ser enriquecidos com estratégias que possibilitem
No quesito acessibilidade, ressaltam-se banheiros inadequados
e escadas que não permitem o acesso ao banheiro, aos andares superiores
e a precariedade de sinalização para acessibilidade no campus (Borges et al.,
Desta forma, a inclusão se torna uma realidade importante, uma vez
que ela caminha para a construção de uma sociedade mais ética e igualitária,
ao considerar as diversidades existentes não mais como um obstáculo a ser
superado, mas como um fator essencial para o estabelecimento de relações
interpessoais mais profundas e positivas. Com isso, é urgente abandonar
o que está em desacordo no mundo externo e a nível institucional (Borges
et al., 2017).
Neste sentido, é necessário um olhar cuidadoso para compreender
o mundo, as políticas públicas e principalmente os relacionamentos interpes-
soais. Assim, educar para a diversidade mostra-se uma tarefa complexa que
Um dos caminhos para ir ao encontro desta proposta é observar
e compreender as Habilidades Socioemocionais (HSE) que os indivíduos
apresentam, e, segundo Del Prette e Del Prette (1999), este tema não é indife-
rente a pesquisadores, professores, pais e alunos.
Compreender melhor as emoções, assim como sua relação com
na medida em que elas podem ser aprendidas e aprimoradas, o que potencia-
Ainda, ao tratarmos da inclusão de uma licencianda do curso
de Biologia, o olhar para as HSE faz-se pertinente, na medida em que o ensino
com Wilsek e Tosin (2009), com essa característica pedagógica:
o aluno é conduzido a aprender a resolver e resolver para aprender,
implica mobilizá-lo para a solução de um problema e a partir dessa
necessidade que ele começa a produzir seu conhecimento por meio
da interação entre pensar, sentir e fazer. (p. 4)
Várias habilidades podem ser observadas e desenvolvidas ao longo
nos diversos contextos de vida, através das interações sociais, sendo impor-
tantes para a formação do sujeito emocionalmente saudável (Rosin-Pinola
et al., 2017). O desenvolvimento destas habilidades possibilita ao indivíduo ter
estabilidade emocional, na medida em que o ajuda a entender e controlar seus
sentimentos e a manter um bom relacionamento com os colegas e professores.
De acordo com Cooper et al (2009), isso ocorre porque as HSE estimulam
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estratégias favorecem a regulação emocional durante situações estressantes
e proporcionam o desenvolvimento de melhores meios para manejá-las, o que
se revela efetivo no bem-estar psicológico e emocional de grupos expostos
Desta forma, quando conduzidas adequadamente, as HSE podem
capacitar os discentes para torná-los autônomos e protagonistas de sua
própria aprendizagem, o que se mostra um fator de proteção especial-
mente quando as instituições falham ou se omitem no trabalho de os apoiar.
Além disso, elas auxiliam os discentes a manterem interações sociais mais
profundas e positivas.
Diante do exposto, buscamos compreender as contribuições das
HSE de uma licencianda do curso de Biologia para o seu processo de inclusão
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
2.1. HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS EM FOCO
De acordo com Cordeiro et al. (2016), as habilidades socioemocionais objeti-
vam possibilitar aos trabalhadores melhores performances em suas atividades.
no campo da educação, no qual encontrou um terreno fértil.
Segundo Cohen (2001), isto se torna possível visto que o desenvol-
vimento das HSE pelo sujeito envolve a empatia com os outros e, sobretudo,
consigo mesmo, possibilitando ao discente o meio pelo qual poderá ser capaz
-
cedor, uma vez que o ensino dessa disciplina se baseia na seleção de conteúdos
de diversas habilidades por parte do docente e dos discentes.
Santos e Primi (2014) agrupam as HSE em cinco domínios da perso-
nalidade humana – o Big Five –, que são considerados:
constructos latentes obtidos por análise fatorial realizada sobre
sobre comportamentos representativos de todas as características
a pessoas de diferentes culturas e em diferentes momentos no tempo,
esses questionários demonstraram ter a mesma estrutura fatorial
dos seres humanos se agrupariam efetivamente em torno de cinco
grandes domínios. (p. 16)
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Os cinco domínios do Big Five, que adaptamos para este trabalho
como categorias de análise de entrevistas, são, segundo Santos e Primi (2014):
1) abertura a novas experiências-
-
2) consciência ou conscienciosidade – neste domínio encontramos
3) extroversão – aqui encontramos habilidades como simpatia, autocon-
indivíduo a buscar seus interesses com energia em direção ao mundo
4) cooperatividade – tolerância, simpatia, altruísmo, modéstia e coopera-
5) estabilidade emocional ou neuroticismo – esta dimensão se relaciona
mudanças bruscas de humor e abrange características como autocon-
Notamos que as HSE podem ser uma base teórica relevante no novo
cenário da educação brasileira, e a cada dia ganha a estima de pesquisadores
no Brasil. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
em políticas públicas.
2.2. HSE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS
das mais representativas é a que questiona as concepções de senso comum
dos docentes que consideram o ensino como uma tarefa fácil. Barreiras
como esta, presentes na formação de professores, serão transpostas quando
não pode ser um argumento para preconizar sua segregação, e sim para gene-
& Gil-Pérez, 2011, p. 71).
-
lizem os recursos do professor para lidar com as atribuições de sua atividade.
E que, ao mesmo tempo, possam proporcionar o aumento do seu bem-estar
Uma dessas estratégias de repensar a atividade docente pode ser
lidar com as próprias emoções e as dos seus alunos, uma vez que a saúde
emocional corresponde ao bem-estar psicológico mais abrangente, que
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se relaciona com a qualidade das relações, o modo como sentimentos são
-
-
acreditando que ela corresponde a um tipo de conhecimento neutro, desar-
ticulado das questões sociais e superior a outros saberes, como o do senso
comum, que culturalmente é mais utilizado.
Elas buscam compreender as características destes docentes, desde a insti-
tuição nas quais atuam até ao contexto cultural, social e político, nos quais
Estas pesquisas, sobre a relação dos professores com a prática pedagógica,
mostraram que os mesmos manifestam conhecimentos próprios e complexos
É possível aprimorar a prática pedagógica ao percebermos que
ensinar é uma tarefa intencional, que por isso mesmo não é linear, tornando-se
pensar no destino de quem está sendo educado, descobrir os meios necessá-
na instituição formativa, na sociedade e diante das inter-relações de todas
as ordens em nosso contexto de vida (Veiga, 2007). Segundo Veiga (2007),
“ensinar implica interações concretas entre pessoas. O ensino é uma atividade
que se manifesta concretamente no âmbito de interações humanas” (p. 22).
-
zacionais e humanas nas quais os docentes estão inseridos, e não o analisar
de modo isolado, como se esse saber fosse uma categoria autônoma e sepa-
para ensinar verdadeiramente, nós podemos construir uma gama de habili-
dades plurais, fundamentais, que se desenvolvem antes, durante e depois
do processo de formação docente.
capazes de analisar e resolver problemas conceituais e do cotidiano, selecionar
realidade e de nossos alunos, estruturar e realizar pesquisas, além de desen-
volver formas avaliativas ao processo de aprendizagem dos mesmos (Veiga,
2007). Nesse sentido, compreendemos que a tarefa docente está associada
a algumas habilidades importantes para a boa realização do nosso trabalho,
algumas delas intrínsecas ao campo afetivo.
afetivos da aprendizagem e das HSE pode ser importante para maior aproxi-
mação do estudante com a natureza e, consequentemente, com maior
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o indivíduo passa a atuar em tomadas de decisões de interesse individuais
e coletivas, ao considerar a relação entre humanos e a biosfera.
Ao trabalhar com aspectos práticos que podem ser observados,
terreno fértil para o desenvolvimento das HSE. Desta forma, consideramos que
a abordagem destas habilidades no campo educacional pode trazer contribui-
promissores nessa perspectiva. Eles apontam que o desenvolvimento das HSE
evidencia impactos positivos possibilitando aos professores maior bem-estar
-
zagem em sala de aula.
Outros trabalhos trazem a proposta do desenvolvimento das HSE
na educação. Abed (2016), por exemplo, visou sintetizar as considerações
apresentadas no Fórum Internacional de Políticas Públicas, ocorrido em março
públicas voltadas ao desenvolvimento das HSE nas instituições escolares.
O trabalho desenvolvido por Cordeiro et al. (2016) objetivou compreender,
durante um processo interventivo para a promoção de HSE, as concepções
de jovens e adultos matriculados em cursos tecnológicos do Instituto Federal
de Educação. E o de Paranhos (2017), que mais se aproxima da nossa pesquisa,
buscou compreender as relações existentes entre inovação e HSE a partir das
falas de alguns graduandos de um curso de Biologia.
Diante do exposto, analisar as relações existentes entre as HSE
e a formação docente mostra-se uma alternativa relevante quando se pretende
compreender o processo de formação de professores dentro da perspectiva
da inclusão, na medida em que, sob o olhar das HSE, podem-se compreender
aspectos antes não observados, que são intrínsecos a cada ser humano.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
essa abordagem é caracterizada pela subjetividade e promove uma estreita
relações humanas.
de licenciatura em Biologia, na tentativa de compreender as questões afetivas
que contribuem para seu aprendizado, optamos pelo método estudo de caso.
A coleta dos dados foi feita através da aplicação de entrevista
semiestruturada, mediante o uso de um roteiro orientador que foi elaborado
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tipo moderada, matriculada no curso de Biologia, licenciatura da Universi-
dade Federal de Sergipe (UFS), no Brasil.
conforme a Portaria citada, a baixa visão ocorre quando o valor da acuidade
Guia de Orientações na Avaliação
Audiológica Bás ica (Sistema de Conselhos de Fonoaudiolog ia, 2017) dest aca que
-
A entrevista não necessitou de adaptações, porque a licencianda
consegue ouvir com o auxílio de aparelho auditivo e faz leitura labial.
Realizamos entrevista também com a mãe dessa aluna, a professora que
ela indicou como importante para seu desempenho no curso e a intérprete
de LIBRAS, que esteve com ela durante os primeiros períodos do curso.
-
vemos dar a elas o nome de quatro importantes titânides da mitologia grega.
Para Pouzadoux et al. (2001), titânides são seis Deusas gregas,
a deusa Réia para simbolizar a mãe da licencianda, a deusa Febe simbolizando
As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e maio
cia, e durou cerca de uma hora. A segunda entrevista foi a de Réia, a mãe da
licencianda, e durou também, aproximadamente, uma hora. A terceira foi
duração de, aproximadamente, 20 minutos.
Em seguida, iniciamos a fase de análise, que se orientou pela preocu-
-
cionais do Big Five no processo de formação da futura professora de Biologia,
Tétis. Adotamos, como referencial para esta etapa, a Análise Textual Discursiva
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diante do material de que dispomos.
4. RESULTADO E DISCUSSÃO
quais as principais HSE que a licencianda Tétis apresentou. Utilizamos como
categorias de análise, para compreensão das habilidades socioemocionais
de Tétis, os domínios presentes nos constructos latentes de personalidade,
denominados por Big Five, conforme proposta de Santos e Primi (2014): aber-
e estabilidade emocional.
4.1. ABERTURA A NOVAS EXPERIÊNCIAS
Essa dimensão diz respeito ao facto de o indivíduo ter disposição e interesse
requer algumas características do mesmo, como: curiosidade, imaginação,
criatividade e prazer pelo aprender (Abed, 2016).
A entrada na universidade aparece como um acontecimento relevante
na vida de Tétis, visto que, após o ingresso no ensino superior, a licencianda
-
dades de conhecer lugares e pessoas:
trouxe uma oportunidade de sair mais de casa, por exemplo, porque
eu era muito caseira, não saía com os amigos, então comecei a ter
da relação, é... essa questão do estágio, essa questão de disciplinas, que
faz com que a gente faça viagens, eu nunca tinha feito viagens, minha
mãe sempre foi superprotetora . . . a universidade, ela praticamente
Percebemos também neste relato que a superproteção da mãe pode
atuar como inibidora do desenvolvimento deste domínio do Big Five. Nesse
ou o do impedimento. Entendemos que, quando a autora fala em facilitação, faz
a ter autonomia, o que facilitará sua inserção em contextos sociais diferentes
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4.2. CONSCIENCIOSIDADE
Ser consciente exige do indivíduo que ele tenha cuidado, responsabilidade
e perseverança em suas ações, o que possibilita que os sujeitos sejam auto-
disciplinados, organizados e não se deixem desviar de seus objetivos por
impulsos distrativos (Palma, 2012).
Dentre as habilidades que mais se destacaram na análise da história
-
assumir seus compromissos de forma responsável e disciplinada. Ela enxerga
essa responsabilidade por reconhecer que seus atos estão sujeitos a conse-
é um sinal positivo para seu desenvolvimento no curso. De maneira comple-
mentar, a professora de Tétis no curso de Biologia, a qual denominamos Febe,
enxerga a responsabilidade da licencianda mediante seu comprometimento
com o outro e os diversos contextos de sua vida.
Eu sempre tive essa preocupação, com essa questão da responsabi-
lidade diante de tudo que eu estava fazendo. Eu sei que tudo que
Ela é responsável, como eu falei, ela é assídua, ela é pontual, se ela
faltar por algum motivo ela manda recado. (Febe - professora no
curso de Biologia)
Nóvoa (1992) considera que a formação docente deve incentivar
-
bilidade neste processo, de forma a que os educadores construam autonomia
e possam tornar-se protagonistas na sua formação. Neste sentido, destacamos
que todas as entrevistadas relatam sobre a autonomia de Tétis e, conforme
sua professora, Febe, esta autonomia está relacionada ao fato de Tétis não
Então, a força de vontade, né?, responsabilidade, comprometimento,
e como eu poderia expressar esse sentimento que ela tem de não
essa talvez seja a característica mais forte que ela tenha, de ela não
Eu acho que essa sede de aprender motiva a cada dia ela estar aqui,
é... tentando superar essas limitações e continuar fazendo o curso.
(Febe- professora no curso de Biologia)
desenvolve a autonomia para reivindicar direitos que lhe são garantidos,
parte, que seu processo de inclusão possa ocorrer efetivamente.
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mais autonomia, essa coisa de falar, de me defender, de expressar
perceber que isso é um desejo dela, ela quer, é o querer. (Réia - mãe
da licencianda)
De acordo com o documento orientador do programa ‘Incluir’,
Embora, para sua mãe e para a intérprete, Tétis pareça organizada,
ela não se considera assim, porque, como tem muitos compromissos, ela sente
me preparando para o vestibular, então foi um impacto eu ter que
cansada, eu comecei a pegar poucas disciplinas. (Tétis - licencianda)
-
forma, consideramos que o senso de responsabilidade gera atribuições
para a formação de professores, que é a organização.
organizada e disciplinada para concluí-las. Podemos perceber isso no fato
de ela cobrar-se e, mesmo diante de tantos compromissos, ainda considerar
que poderia desenvolver mais a habilidade de organização. Nesse sentido,
Paranhos (2017) destaca que “cobrar-se para ser responsável e organizado
são atributos que contribuem acentuadamente para o progresso individual”
4.3. EXTROVERSÃO
Conforme Palma (2012), a dimensão extroversão corresponde ao “traço que
predispõe as pessoas para experimentarem estados emocionais positivos e
-
-
Percebemos que a sociabilidade (ou a falta dela) é percebida, em
Tétis, inicialmente, pela timidez e introversão, principalmente na infância,
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visualizar em seus relatos:
Eu sempre fui muito isolada, minha amizade era muito restrita
somente a minha família, meu pai, minha mãe, minha irmã. Eu não
era uma criança de brincar, por conta dessa questão de ter uma
Eu sempre fui isolada, tímida, demais, tinha medo de falar com as pes-
soas, eu demorei muito, nesse aspecto assim. (Tétis - licencianda)
Física (DF) e apontam a timidez como obstáculo ao seu desenvolvimento
nos relacionamentos interpessoais e até mesmo nos estudos, pois a mesma
tinha vergonha de interagir com os colegas e tirar dúvidas com os professores
Para tornar o processo de inclusão mais fácil de ser transposto,
é preciso compreender as necessidades educativas do aluno, e essa iniciativa
deve ser adotada pela instituição de ensino, principalmente ao capacitar e dar
suporte para que professores e demais servidores possam receber a pessoa
-
eles alcancem um desenvolvimento global, o que deve abranger o bem-estar
Com o decorrer do tempo, Tétis começou a se tornar mais desinibida
e a interagir mais com outras pessoas:
Foi um impacto pra mim a relação com as pessoas, com os colegas.
-
eu fui me adaptando, me tornei mais aberta a novas amizades.
(Tétis - licencianda)
-
volvida quando ela começou liderar trabalhos e projetos. Acreditamos que
foi nesse momento que realmente ela pôde enxergar todo o seu potencial
Algo interessante, assim, que tá sendo um destaque atualmente, é
aprender a ter a liderança, até... passei o colegial todo e o ensino
médio todo, nunca tive a responsabilidade assim, pra ser líder, pra
orientar, aí eu aprendi muito a perceber que eu tenho essa capaci-
dade de assumir um papel que vai desenvolver e orientar outras
pessoas. (Tétis - licencianda)
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Gondim et al. (2014) destacam que fatores motivacionais e emocio-
nais são relevantes no processo de formação docente, na medida em que
4.4. COOPERATIVIDADE
apresenta predisposição para o trabalho em equipe. Este domínio da perso-
nalidade engloba habilidades como tolerância, modéstia, altruísmo e simpatia
(Santos & Primi, 2014). Nos discursos, encontramos que Tétis apresenta boa
parte dessas habilidades.
da Faculdade fez com que ela desenvolvesse a tolerância, por estar intera-
com que saísse da passividade, ao não mais aceitar tudo o que o outro fala
para e sobre ela:
Essa questão da relação entre os colegas foi algo que eu aprendi
tolerando, não gostei disso, não gostei daquilo… isso me deu mais
autonomia. (Tétis- licencianda)
Sair da passividade é uma iniciativa importante e mostra que Tétis
tem sido coautora do seu processo de inclusão, o que está inteiramente
o bom rendimento no curso.
-
dades ao longo do processo de inclusão. E os autores vão além, ao salientar
que ela serviu de exemplo e provou para alguns professores que uma pessoa
cega pode, sim, formar-se no ensino superior.
As entrevistas feitas nesta pesquisa apontaram, como características
marcantes para o domínio da cooperação, principalmente a sociabilidade
e o altruísmo: "Ela conversa muito, ela fala muito, e se preocupa muito com
o outro na relação com as outras pessoas, ela se preocupa muito com o seu
bem-estar"(Réia - mãe da licencianda).
-
mente o relacionamento dela com essas pessoas é muito bom,
a gente percebe aquela… é... faltou a palavrinha, ãh... cumplicidade,
vamos dizer, né? (Febe - professora do curso de Biologia)
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Eu acho que uma das características de Tétis maior é a bondade, ela
é uma pessoa muito boa, amor, ela tem uma compaixão pelo outro,
imensa. (Réia - mãe da licencianda)
Embora a licencianda revele tolerância, simpatia e altruísmo, ainda
Ela tentava fazer no máximo... participar... mas eu percebia que
o que ela falava muitas pessoas não davam atenção, mas em outros
grupos, em outras disciplinas, quando ela tentava socializar,
deLIBRAS)
-
Nas aulas práticas o trabalho dela, em grupo, é assim muito bom,
normal, interagindo . . . sempre com a mão na massa, mas conver-
sando, observando, sempre com a mão na massa, fazendo as coisas.
(Febe - professora do curso de Biologia)
um carimbo que ele era fundamental. (Réia - mãe da licencianda)
Notamos que, apesar de alguns impasses advindos dos requisitos
se esforça para pertencer ao grupo e colaborar em igualdade de condições.
formação de professores cônscios e responsáveis, independente da presença ou
A cooperação tem por princípio a solidariedade que acentua a auto-
a responsabilidade do sujeito. Ou seja, nas relações cooperativas,
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4.5. ESTABILIDADE EMOCIONAL
Esta categoria corresponde ao quanto os indivíduos se aproximam ou se distan-
ciam dos demais em situações que os tiram da zona de conforto (Paranhos,
2017). Ou seja, como as pessoas reagem consigo mesmas e com o próximo
diante de acontecimentos que fogem do seu controle.
situações que fogem do seu controle, procura manter a calma, o que mostra
indicativos de estabilidade emocional.
solução, nos momentos em que… em situações que podem fugir do
controle. (Tétis - licencianda)
Tétis é muito na dela, ela não é assim de tá discutindo, não é de tá…
depois e conversava, mas ela não era de tá… assim, sabe?, gritando,
Encontramos um contraponto na fala da mãe, Réia. Ela relata que,
em determinadas situações, Tétis apresenta um temperamento forte:
quando algo foge do controle de Tétis, Tétis é muito brava, ela é brava,
brava, brava mesmo, entendeu? (Réia - mãe da licencianda)
eu acho que um ponto fraco de Tétis é o temperamento, ela tem
o temperamento forte, ela perde a estribeira muito rápido, eu não
é um dos pontos negativos que eu acho, ela precisa aprender
a controlar esse impulso que ela tem. (Réia - mãe da licencianda)
razão de que estamos lidando com seres humanos, que, mesmo se conside-
rando calmos, existem situações em que essas características podem dar lugar
a outras, que demonstrem certo descontrole emocional (Paranhos, 2017).
te nas falas de Tétis e Réia. Para Tétis, a insegurança tem a ver com as suas
além do medo de assumir responsabilidades que exigem mais atenção.
eu me vejo num comportamento que muitas pessoas, assim, tem
um estranhamento, porque, assim, eu não costumo acompanhar
o ritmo. (Tétis - licencianda)
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Para Réia, a mãe da licencianda investigada, a insegurança está relacio-
-
Eu acho que o que deixa Tétis insegura é o medo do futuro, o medo do
que vai acontecer, e as pessoas, as outras, o preconceito, a ignorância
do mundo, eu acho que isso dá uma insegurança a Tétis. (Réia - mãe
da licencianda)
De uma forma geral, observamos que a (des)estabilidade emocional
apresentada em alguns contextos por Tétis é marcada pela calma e, ao mesmo
-
ciar diretamente no desempenho da licencianda ao longo do seu processo
de inclusão e formação.
Paranhos (2017) ressalta que alguns teóricos da educação apontam
habilidades relevantes para a formação de professores, as quais coincidem
com HSE propostas pelo Big Five. Podemos visualizar nos relatos sobre Tétis
algumas destas habilidades, como responsabilidade, autonomia, organização,
cooperação, altruísmo e sociabilidade. O que possivelmente proporcionará
para a licencianda e futura professora a capacidade de planejar, propor ideias,
5. CONSIDERAÇÕES
brasileiro. Embora as políticas públicas tenham evoluído no sentido de lhes
-
sidade, é importante que suas trajetórias tenham visibilidade, tendo em vista
Nesta pesquisa damos voz e visibilidade a um contexto que tem
sido importante para garantir o processo formativo de uma estudante com
A entrada na universidade parece ser um acontecimento importante
na vida da licencianda Tétis, porque ela pôde desenvolver algumas habilidades
que até então não eram estimuladas, como aquelas presentes nos domínios
-
dade’, notamos habilidades como a responsabilidade, autonomia e organi-
zação. O comprometimento que Tétis apresenta diante da relação com o outro
estimula o desenvolvimento da autonomia, na medida em que ela não se utiliza
a reivindicação de direitos. A aluna se mostra organizada ao lidar com as vári-
as tarefas do dia a dia e a cobrar-se bom rendimento diante destas. Embora
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des deste domínio aparentam ser trazidas de outros contextos, provavel-
mente familiares.
-
ciosidade’ e ‘estabilidade emocional’ colaboram para o desenvolvimento
da dimensão ‘cooperatividade’, ao observar que ela busca superar a timidez,
com as pessoas do seu convívio social. Isso favorece uma interação maior com
Contudo, estas mesmas situações auxiliam a licencianda a sair da passividade,
o que a leva a expor os aspectos que a desagradam, e isto parece melhorar
a relação com os colegas, o que torna Tétis mais colaborativa na interação
com estes.
Observamos que as habilidades percebidas nas falas sobre a licen-
cianda Tétis interferem no seu processo de inclusão, e desta forma mostram-se
relevantes na formação da futura professora de Biologia, o que possivelmente
proporcionará a ela melhores performances na práxis docente.
Frente a tudo que foi exposto, consideramos que a abordagem
sobre elementos não cognitivos, como as habilidades socioemocionais, pode
ser relevante quando se pretende compreender e desenvolver a inclusão
Consideramos, ainda, que esta é uma investigação inicial, que visou
de Biologia da UFS. Diante disso, destacamos a necessidade de que pesquisas
futuras possam abordar estas temáticas e suas relações de forma mais ampla
– como exemplo, se há e quais são as contribuições das HSE para o entendi-
Nesta pesquisa nos preocupamos em compreender as HSE como
possível fator de proteção da estudante no desenvolvimento de suas ativida-
-
sidades brasileiras, não há discussões mais aprofundadas sobre a formação
de habilidades sociais e emocionais. Há necessidade, portanto, de debates
-
são ou podem ser aplicados para o desenvolvimento destas habilidades?
Não compactuamos com uma ideia de que os próprios estudantes
pesquisa, que o desenvolvimento dessas habilidades pode ser efetivo para que
os mesmos permaneçam e concluam o ensino superior, bem como cobrem
das universidades posturas mais inclusivas.
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Revista Portuguesa de Educação, 35(2), 309-331. http://doi.org/10.21814/rpe.20827
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Revista Portuguesa de Educação, 35(2), 309-331. http://doi.org/10.21814/rpe.20827
i Universidade Federal de Sergipe, Brasil.
https://orcid.org/0000-0003-0283-1177
ii Universidade Federal de Sergipe, Brasil.
http://orcid.org/0000-0002-9757-4304
Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada
para:
Joanna Angélica Melo de Andrade
Rua Marchal Deorodo, n.º 772 A, Centro, Estância-SE
Joh_bio@yahoo.com.br
Recebido em 09 de setembro de 2020
Aceite para publicação em 13 de setembro de 2022
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Revista Portuguesa de Educação, 35(2), 309-331. http://doi.org/10.21814/rpe.20827
Socioemotional skills and inclusion:
The case of the undergraduate student Tétis
ABSTRACT
Socio-emotional skills empower students to become autonomous and
protagonists of their own learning. When directed at an inclusive perspec-
tive, within higher education, they can help students with disabilities during
their inclusion and training process. Although they should not mean a reduc-
tion in institutional responsibilities, they are potentially protective to inclu-
sion when these institutions are absent. In view of this, our objective was
to understand the possible contributions of the socio-emotional skills of an
undergraduate student of Biology with hearing and visual impairment during
her academic inclusion process. Therefore, we opt for a qualitative approach,
through the case study method, using the semi-structured interview as a
data collection instrument, with the application of textual discursive anal-
ysis for the treatment of data. The interviews were applied to the student,
to her mother, to the LIBRAS (Brazilian Sign Language) interpreter and to a
graduation teacher, who was indicated by the student. The analysis showed
that, during her academic life, the student has had socio-emotional learning
mainly in the elds of extroversion and openness to new experiences, also
expanding skills related to conscientiousness, with special positive inuence
from the interpreter and negative inuence from some colleagues of the
course. We believe that this research is still initial and we highlight the need
for future research to address these issues, presenting their relationships
more broadly..
Keywords: Skills development; Educational inclusion;
Disabled person; Higher education.
Habilidades socioemocionais e inclusão: o caso da licencianda Tétis 331
Revista Portuguesa de Educação, 35(2), 309-331. http://doi.org/10.21814/rpe.20827
Competencias socioemocionales e inclusión:
El caso de la estudiante de pregrado Tétis
RESUMEN
Las habilidades socioemocionales empoderan a los estudiantes para que
sean autónomos y protagonistas de su propio aprendizaje. Cuando se dirigen
a una perspectiva inclusiva, dentro de la educación superior, pueden ayudar
a los estudiantes con discapacidad en su proceso de inclusión y formación.
Aunque no deban signicar una disminución de las responsabilidades institu-
cionales, son potencialmente protectoras de la inclusión cuando tales insti-
tuciones están ausentes. En vista de esto, nuestro objetivo fue comprender
las posibles contribuciones de las habilidades socioemocionales de una estu-
diante de pregrado en el curso de Biología con discapacidad auditiva y visual
durante su proceso de inclusión académica. Por lo tanto, optamos por un
enfoque cualitativo, a través del método de estudio de caso, utilizando la
entrevista semiestructurada como instrumento de recopilación de datos, con
la aplicación del análisis textual discursivo para el tratamiento de los datos.
Las entrevistas se aplicaron a la alumna, a su madre, al intérprete de LIBRAS
(Lengua Brasileña de Señales) y a una maestra de pregrado, indicada por
la alumna. El análisis mostró que, durante su vida académica, la estudiante
ha tenido aprendizajes socioemocionales principalmente en los campos
de extroversión y apertura a nuevas experiencias, expandiendo también
habilidades relacionadas con la conciencia, con especial inuencia positiva
del intérprete y negativa de algunos compañeros del curso. Creemos que
esta investigación está todavía en sus inicios y destacamos la necesidad de
futuras investigaciones para abordar estos temas, presentando sus relaciones
de manera más amplia..
Palabras clave: Desarrollo de habilidades; Inclusión
educativa; Persona discapacitada; Enseñanza superior.